Anatomia de uma Psiquiatra

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Esta semana, na Rádio MIA, entrevistamos a Dra. Sandy Steingard. Dr. Steingard é diretora-médica do Howard Center, um centro comunitário de saúde mental onde tem trabalhado nos últimos 21 anos. Ela também é Professora Associada Clínica de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Vermont. Por mais de 25 anos, sua prática clínica incluiu principalmente pacientes que experimentaram estados psicóticos. Dr. Steingard atua como Presidente do Conselho da Fundação para a Excelência em Cuidados de Saúde Mental. Ela foi nomeada para Best Doctors in America em 2003 e escreve regularmente para Mad in America. Ela é editora do livro Psiquiatria Crítica, Controvérsias e Implicações Clínicas, previsto para 2019.

Nesse episódio nós discutimos:

  • O que levou Sandy à sua carreira em psiquiatria e seu interesse particular pelos aspectos críticos da psiquiatria e da psicologia.
  • Que o interesse inicial de Sandy foram as explicações biomédicas das experiências psicóticas.
  • Como, no final dos anos 80, o advento de novos antipsicóticos causou uma excitação inicial por causa das promessas feitas sobre segurança e eficácia, mas que Sandy passou a se dar conta dos problemas com as drogas.
  • Como ela testemunhou a superpromoção das drogas e que a promoção foi marcadamente diferente dos resultados dos estudos e de suas observações dos pacientes que os estavam tomando.
  • Como uma série de decepções e reconhecimento de algumas falhas inerentes à psiquiatria levou Sandy ao seu interesse em alternativas.
  • Que o livro, A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos da Marcia Angel teve um grande impacto durante os anos 2000 sobre a visão de Sandy.
  • Outros livros influentes foram The Daily Meds, de Melody Petersen, e Side Effects, de Alison Bass.
  • Que a leitura de Anatomia de uma Epidemia,  em particular os aspectos problemáticos do uso a longo prazo de antipsicóticos, fez com que Sandy passasse a questionar a sua prática clínica.
  • O fato de ela encontrar colegas às vezes irritados com a conclusão de que os antipsicóticos poderiam não ser seguros ou não levar a melhores resultados para os seus pacientes.
  • Isso a levou à investigação de alternativas, como o Diálogo Aberto (Open Dialogue), treinando com Mary Olsen no Institute of Dialogic Practice e à descoberta da Rede de Psiquiatria Crítica e o trabalho da Dra. Joanna Moncreiff.
  • Como Sandy aborda a prática clínica a partir de uma perspectiva crítica, particularmente quando as expectativas estão alinhadas com a narrativa biomédica dominante.
  • Seu livro, Critical Psychiatry(Psiquiatria Crítica), com data de março de 2019 para o lançamento, visa ajudar os clínicos a aplicar estratégias de transformação em suas práticas clínicas.
  • Que os psiquiatras seriam bem servidos, ao acolherem a experiência vivida em sua prática diária.
  • Por que o consentimento informado deve ser visto como um processo contínuo e não como um acordo único.
  • Os problemas que surgem em estudos clínicos onde a experiência é traduzida em uma forma numérica.

Links Relevantes:

Critical Psychiatry, Controversies and Clinical Implications (due 2019)

How Well Do Neuroleptics Work?

 

 

 

As expressões de gênero e sexualidade de pacientes judiciários através dos laudos psiquiátricos

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CAMILAO Cadernos de Saúde Pública, periódico publicado pela ENSP/Fiocruz, divulgou recentemente o importante artigo Expressões da sexualidade e de gênero na injunção crime-loucura: engendramentos moralizantes no tratamento do paciente judiciário.  Os autores Willian Guimarães, Simone M. Paulon e Henrique C. Nardi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, exploram nesse artigo os processos penais referentes às pessoas em sofrimento mental que cometeram crimes, os chamados pacientes judiciários, os quais recebem uma medida de segurança, a fim de analisar a forma como as expressões da sexualidade e de gênero emergem nos trâmites judiciais que definem os destinos desses sujeitos.

O método utilizado para a análise é a genealogia de Foucault, que visa romper com a busca por uma origem e uma verdade dos acontecimentos históricos. Foucault trabalha com gênese, nascimento, formação, construção, rupturas, remetendo ao processo histórico como algo em constante formulação e reformulação. A história é vista então como fruto das constantes lutas de discursos e suas relações de ‘saber – poder’ ao longo do tempo. Através deste método, os autores aprofundam como foi o processo de emergência do “anormal”, noção produzida pelo discurso médico-jurídico. Para tal, foram analisadas seis peças judiciais, focando principalmente nos laudos psiquiátricos de pessoas não heterossexuais e/ou não cisgêneras que receberam uma medida de segurança.

O artigo inicia explicando o que ocorre quando uma pessoa diagnosticada com transtorno mental comete um crime. O caminho legal é que ele (a) seja avaliado por um perito, por indicação judicial, para o estabelecimento de laudo. Quando o laudo atesta insanidade mental, a pessoa pode ser considerada incapaz de responder as infrações legais, recebendo não uma pena alternativa ou privativa de liberdade, mas uma medida de segurança e encaminhada para o tratamento ambulatorial em serviços de saúde mental, ou é internada em hospitais de custódia, conhecidos como manicômios judiciários. Este último é o preferido da justiça, sendo a pena escolhida na maioria das vezes. Isso se deve para conter a suposta periculosidade que a sociedade atribui a esse sujeito.

A medida de segurança contrasta com um tratamento humanizado a pessoas em sofrimento mental exigida pela Lei nº 10.216/2001, chamada Lei da Reforma Psiquiátrica. A magnitude da importância dessa questão é demonstrada pelo Censo Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de 2011, coordenada pela antropóloga Débora Diniz, professora na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). E pela inspeção nacional aos manicômios judiciários e alas psiquiátricas de 2015, organizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), em conjunto com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Associação Nacional do Ministério Público em Defesa da Saúde (AMPASA). Ambos os trabalhos investigativos constataram o contexto precário destas instituições e o desrespeito aos direitos humanos.

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A lógica Manicomial opera no campo da sexualidade e do gênero de diferentes formas de higienização da sociedade, ao mesmo tempo em que reafirma a imoralidade daqueles que transgridem a expectativa imputada a estas expressões.

Ao aprofundar na temática central do artigo, os autores irão constatar que quando as expressões de sexualidade e de gênero que não correspondem a cisheteronorma estão presentes na injunção crime-loucura, acentuam a já existente moralização dos corpos. É possível notar isso no fragmento de um laudo feito por um psiquiatra, de um paciente judiciário:

“Trata-se de um travesti envelhecido, feio, figura patética. Porta-se, entretanto, de forma coquete e sedutora, tentando envolver e angariar a simpatia e a piedade dos peritos. Lamenta-se constantemente, queixa-se da vida e de todos, mas deixa transparecer um certo orgulho por ser ‘tão’ perseguido, ‘tão’ sofrido e ‘tão’ infeliz (…) A linguagem é afeminada, afetada, prolixa. Apresenta conduta delinquente e antissocial, homossexualismo, transvestismo e crises histéricas extremamente bizarras e de tal forma dramática que sugerem um surto psicótico (…) Não se mudará suas características de personalidade, ainda que se tente investir todas as formas de tratamento conhecidas da medicina” (Laudo psiquiátrico sobre mulher travesti, 23/Dez/1991)

É possível perceber uma escrita com diversos adjetivos pejorativos, desrespeitando a expressão de gênero dessa pessoa, assim como seu comportamento e características pessoais, na tentativa de elucidar uma depravação psicológica moral da examinada. Mesmo ao tentar utilizar uma linguagem diagnóstica típica da psiquiatria, elabora enunciados depreciativos como “homossexualismo” e “transvestismos”. Assim como o fragmento apresentado acima, o artigo traz outros fragmentos de laudos significativos para demonstrar como o corpo que se encontra em desacordo com o modelo cisheteronormativo será considerado imoral e estará ao alcance das técnicas disciplinares para seu controle.

Nas considerações finais, os autores chegam à conclusão que a sanção penal dos pacientes jurídicos pode operar objetivamente como uma prisão perpétua para aqueles sujeitos que fogem à expectativa da normalidade, ferindo os direitos humanos. O sujeito atestado ‘cientificamente’ como louco e irracional, pode ter sua voz silenciada e revogado seus direitos. Quando as expressões da sexualidade e de gênero são evidenciadas, é para acentuar essa característica do paciente judiciário como seres irracionais. Os autores propõe o questionamento dos valores morais que sustentam as perspectivas tradicionais de dispositivos médico-judiciários como essências para o estabelecimento de outra relação com esses sujeitos e para reafirmar eticamente as diferentes possibilidades de existir no mundo.

 

Leia o artigo clicando aqui.

Resultados do maior estudo com antidepressivos feito até hoje

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JoannaAlguns meses atrás, fiquei surpresa ao receber um pedido de um obscuro jornal de estudos de consciência para revisar um artigo. Surpresa porque, embora não fosse imediatamente óbvio o que estava no título, o artigo continha os primeiros relatos do desfecho primário do massivo e notório estudo STAR-D , 14 anos após o seu término.

Quais foram as principais descobertas do maior estudo sobre antidepressivo de todos os tempos e que está sendo apresentado agora em uma revista pouco conhecida?

A resposta pode estar no fato de que os dados mostram o quão miseravelmente pobres são os resultados do tratamento médico padrão para a depressão!

Com 4041 participantes, o estudo STAR-D é de longe o maior e mais caro estudo sobre antidepressivos até hoje realizado. A intenção do estudo foi ver se o tratamento com antidepressivo, combinado com cuidados de alta qualidade realizados em condições clínicas usuais, obteve os resultados esperados.  Não envolveu placebo ou qualquer tipo de controle. Para maximizar o envolvimento das pessoas, todo o tratamento foi fornecido gratuitamente durante o período do estudo.

O artigo que me pediram para revisar, que agora é publicado em Psicologia da Consciência: Teoria, Pesquisa e Prática, foi escrito por um grupo liderado por Irving Kirsch,  e baseado nos dados originais obtidos através do NIMH . [1]  Shannon Peters descreve suas descobertas em detalhes.

O grupo de Kirsch ressalta que o artigo que descreve o projeto do estudo STAR-D identifica claramente a Escala de Hamilton para Depressão (HRSD) como sendo o desfecho primário[2].  Isso faz sentido, uma vez que a HRSD é uma das escalas de avaliação mais comumente usadas em pesquisas de tratamento da depressão, especialmente pesquisas de uso de antidepressivos. Como os autores do STAR-D observam no protocolo do estudo, “o HAM-D17 (HRSD), o resultado primário, permite a comparação com a vasta literatura de ECR” (citado em [1] ).

No entanto, o resultado que foi apresentado em quase todos os documentos do estudo foi o QIDS (Inventário Rápido de Sintomatologia Depressiva) , uma medida feita especialmente para o estudo STAR-D, sem credenciais anteriores ou posteriores. De fato, como os autores do presente artigo apontam, essa medida foi concebida não como uma medida de resultado, mas como uma forma de rastrear sintomas durante o curso do tratamento, e o protocolo original do estudo declarou explicitamente que não deveria ser usado como uma medida de resultado.

A análise constatou que, durante as primeiras 12 semanas de tratamento com antidepressivo, as pessoas no estudo STAR-D mostraram uma melhoria de 6,6 pontos no HRSD. Este nível de mudança não atinge o limite necessário para indicar uma “melhoria mínima”, de acordo com a escala Clinical Global Impressions (uma escala global de classificação), que seria de 7 pontos. Também está abaixo da média de melhora do placebo em ensaios controlados com placebo de antidepressivos. Uma meta-análise de pesquisas com paroxetina , por exemplo, descobriu que a melhora média em pacientes tratados com placebo foi de 8,4 pontos no HRSD. [3] Uma meta-análise de pesquisas com fluoxetina e venlafaxina relataram níveis médios de melhora no placebo de 9,3 pontos em apenas 6 semanas.[4] Outra meta-análise encontrou níveis de melhoria de placebo entre 6,7 e 8,9 pontos em grupos de placebo em ensaios envolvendo uma variedade de antidepressivos.[5]

A proporção de pessoas classificadas como apresentando uma ‘resposta’ (usando a definição arbitrária mas comumente usada de uma redução de 50% na pontuação da HRSD de acordo com o protocolo original) foi de 32,5% no estudo STAR-D, e a proporção classificada como apresentando remissão (Pontuação HRSD ≤7) foi de 25,6%. A meta-análise de ensaios controlados com placebo de fluoxetina e venlafaxina relatou taxas de resposta de 39,9% entre as pessoas alocadas em placebo, e taxas de remissão de 29,3%. Em outra metanálise com antidepressivos, a taxa de resposta no placebo foi um pouco acima do nível STAR-D em 34,7%, [6] e em outro foi logo abaixo em 30,0%. [7]

Os autores do artigo atual ressaltam, no entanto, que a melhora é menor nos ensaios controlados com placebo, mesmo nas pessoas tratadas com antidepressivos, do que nos estudos que comparam um antidepressivo com outro sem controles com placebo. Isto é presumível  porque as pessoas em ensaios controlados por placebo são informadas de que há uma chance de receberem um placebo, enquanto que em estudos comparativos, eles sabem que receberão algum tipo de droga ativa. Portanto, os pesquisadores compararam os resultados do estudo STAR-D com os resultados de uma grande meta-análise de ensaios comparativos (citado em [6]). Eles encontraram níveis médios de melhoria de HRSD de 14,8 pontos; taxas de resposta de 65,2% e taxas de remissão de 48,4%. Portanto, os resultados de STAR-D são aproximadamente metade da magnitude daqueles obtidos em testes comparativos com drogas padrão.

Os autores propõem que as razões para este mau desempenho dos antidepressivos no estudo STAR-D se devem à seleção de pacientes mais complexos. Os estudos da indústria, em particular, excluem pessoas com condições e sintomas ‘co-mórbidos’ ou história de autoflagelação, e muitas vezes recrutam pessoas através de anúncios. Também pode ser devido à atenção intensiva e procedimentos de avaliação que as pessoas realizam em estudos financiados pela indústria, e o efeito placebo adicional de estar em um teste de um ‘novo’ tratamento, que a maioria dos estudos envolve.

Seja qual for o motivo, o STAR-D sugere que, em situações da vida real (que o STAR-D imitava melhor que outros testes), as pessoas que tomam antidepressivos não se saem muito bem. Na verdade, dado que para a grande maioria das pessoas a depressão é uma condição naturalmente remitente, é difícil acreditar que as pessoas tratadas com antidepressivos tenham um desempenho melhor do que as que não recebem tratamento algum.

Parece que esta pode ser a razão pela qual os resultados do principal do estudo STAR-D permanecerem enterrados por tanto tempo. Em vez disso, foi selecionada uma medida que mostrava resultados em uma perspectiva ligeiramente melhor. A propósito, mesmo assim os resultados foram muito ruins, especialmente no longo prazo, como Piggott et al. mostraram em uma análise anterior. [8]

Se isso foi deliberado ou não por parte dos autores originais do STAR-D, certamente isso não foi explicitado. Certamente deve haver alvoroço sobre a retenção de informações sobre uma das classes de medicamentos mais prescritas no mundo. Devemos ser gratos a Kirsch e seus co-autores por finalmente colocarem esses dados no domínio público.

Referências bibliográficas:

  1. Kirsch I, Huedo-Medina TB, Pigott HE, Johnson BT. Do outcomes of clinical trials resemble those “real world” patients? A reanalysis of the STAR-D antidepressant dataset. Psychology of Consciousness: Theory, Research and Practice 2018;Sept 2018.
  2. Rush AJ, Fava M, Wisniewski SR, Lavori PW, Trivedi MH, Sackeim HA, et al. Sequenced treatment alternatives to relieve depression (STAR*D): rationale and design. Controlled Clinical Trials 2004;25:119-42.
  3. Sugarman MA, Loree AM, Baltes BB, Grekin ER, Kirsch I. The efficacy of paroxetine and placebo in treating anxiety and depression: a meta-analysis of change on the Hamilton Rating Scales. PLoS One 2014;9(8):e106337.
  4. Gibbons RD, Hur K, Brown CH, Davis JM, Mann JJ. Benefits from antidepressants: synthesis of 6-week patient-level outcomes from double-blind placebo-controlled randomized trials of fluoxetine and venlafaxine. Arch Gen Psychiatry 2012 Jun;69(6):572-9.
  5. Kirsch I, Moore TJ, Scoboria A, Nicholls SS. The emperor’s new drugs: an analysis of antidepressant medication data submitted to the US Food and Drug Administration. Prevention and Treatment 2002;5.
  6. Rutherford BR, Sneed JR, Roose SP. Does study design influence outcome?. The effects of placebo control and treatment duration in antidepressant trials. Psychother Psychosom2009;78:172-81.
  7. Walsh BT, Seidman SN, Sysko R, Gould M. Placebo response in studies of major depression: variable, substantial, and growing. JAMA 2002 Apr 10;287(14):1840-7.
  8. Pigott HE, Leventhal AM, Alter GS, Boren JJ. Efficacy and effectiveness of antidepressants: current status of research. Psychother Psychosom 2010;79(5):267-79.

Allen Frances (coordenador do DSM-IV) e o crescente aumento do uso de antidepressivos

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PhilipHickeyEm 16 de maio de 2018, o prestigiado e venerável psiquiatra Allen Frances, MD, deu uma entrevista a Christiane Amanpour na CNN. Você pode ver o vídeo aqui. Seu título é Como a retirada do antidepressivo ‘pode enganar as pessoas’.

Veja como a entrevista foi aberta:

CA: “Então, você sabe, eu só queria começar dizendo que a gente não sabia que os antidepressivos eram viciantes. Não é o que você associa com coisas como antidepressivos. Você pensa em analgésicos, obviamente, e drogas e álcool e cigarros.

AF: “Bem, eles não são realmente viciantes no sentido de que os benzodiazepínicos são viciantes, ou cocaína ou álcool. Eles não causam o mesmo grau de comprometimento funcional quando você os toma, mas eles definitivamente têm uma síndrome de abstinência, e essa síndrome de abstinência prende as pessoas. É tão fácil começar um antidepressivo e às vezes é muito difícil pará-lo ”.

Pode-se discutir com a frase “não é realmente viciante”, mas o Dr. Frances reconhece que os antidepressivos “produzem uma síndrome de abstinência” que “aprisiona as pessoas”, o que é praticamente o que a palavra viciante significa.

Além disso, o DSM-IV (1994), redigido sob a presidência do Dr. Frances, era claro e específico com respeito às propriedades viciantes dos antidepressivos. A seção sobre Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias contém o seguinte:

“Muitos medicamentos prescritos e de venda livre também podem causar Transtornos Relacionados a Substâncias. Os sintomas geralmente estão relacionados à dosagem do medicamento e geralmente desaparecem quando a dose é reduzida ou quando a medicação é interrompida. No entanto, às vezes pode haver uma reação idiossincrática a uma dose única. Medicamentos que podem causar Transtornos Relacionados a Substâncias incluem, mas não estão limitados a, anestésicos e analgésicos, anticolinérgicos, anticonvulsivantes, anti-histamínicos, anti-hipertensivos e cardiovasculares, antimicrobianos, antiparkinsonianos, quimioterápicos, corticosteróides, medicamentos gastrointestinais, relaxantes musculares, não-esteróides medicamentos antiinflamatórios, outros medicamentos de venda livre, medicamentos antidepressivos e dissulfiram. ” (p. 175) [ênfase adicionada]

Esse reconhecimento é repetido quase textualmente na Revisão de texto (2000) do DSM-IV, na página 191.

No entanto, se avançarmos para o DSM-5 (2013), não encontramos menção aos antidepressivos na seção Transtornos Relacionados a Substâncias e Vícios. Tudo o que resta é uma entrada chamadaSíndrome de Descontinuação Antidepressiva, relegada ao capítulo Distúrbios do Movimento Induzidos por Medicamentos e Outros Efeitos Adversos da Medicação. O ponto foi, eu sugiro, desfazer o “dano” que o DSM-IV tinha feito à classe de medicamentos da psiquiatria, removendo a referência aos antidepressivos do capítulo sobre uso / dependência de substâncias. Além disso, observe o uso da palavra “descontinuação” em vez da “retirada” mais usual, que tem conotações de dependência e viciantes.

Então, essencialmente, o Dr. Frances e seus colegas do DSM-IV abriram a porta para a noção de que os antidepressivos poderiam ser viciantes. Para a psiquiatria, isso representava a ameaça de uma recorrência dos benzodiazepínicos nos anos 80, e que deveria ser anulada.

A entrada da síndrome de descontinuação do antidepressivo no DSM-5 contém esta citação muito reveladora:

“Os sintomas parecem diminuir ao longo do tempo com reduções muito graduais da dosagem. Após um episódio, alguns indivíduos podem preferir retomar a medicação indefinidamente quando tolerada. ”(p. 713)

O que soa muito como uma descrição limpa e higienizada do vício.

Também digno de nota no DSM-5, existe essa pura gema de arrogância e engano psiquiátrico:

“Os sintomas de tolerância e abstinência que ocorrem durante o tratamento médico apropriado com medicamentos prescritos (por exemplo, analgésicos opióides, sedativos, estimulantes) nãosão especificamente considerados no diagnóstico de um transtorno por uso de substâncias. O aparecimento da tolerância farmacológica e síndrome normal de abstinência esperada durante o curso do tratamento médico é conhecido por levar a um diagnóstico errôneo de ‘dependência’, mesmo quando estes foram os únicos sintomas presentes. Indivíduos cujos únicos sintomas são aqueles que ocorrem como resultado de tratamento médico (isto é, tolerância e síndrome como parte de cuidados médicos quando os medicamentos são tomados como prescrito) não devem receber um diagnóstico apenas com base nestes sintomas. No entanto, medicamentos prescritos podem ser usados inadequadamente, e um transtorno por uso de substâncias pode ser diagnosticado corretamente quando há outros sintomas de comportamento compulsivo por busca por drogas. ”(p. 484)

Em outras palavras, se o cliente toma as pílulas exatamente como prescrito, incluindo, presumivelmente, qualquer aumento aprovado pelo prescritor, ele ou ela não pode ficar viciado, e avaliações ‘diagnósticas’ que sugerem o contrário são ‘errôneas’, mesmo nos casos em que a tolerância e a síndrome de abstinência são claramente evidentes. A única maneira que os medicamentos prescritos podem causar dependência é por meio de uso inadequado e ‘comportamento compulsivo de busca de drogas’ por parte do cliente.

No DSM-IV (1994) e DSM-IV-TR (2000), houve uma aceitação específica de que o uso de antidepressivos pode causar problemas de uso de substâncias, e não há referência ao uso inadequado. No DSM-5 (2013), toda referência aos antidepressivos foi removida do capítulo Uso de Substâncias, e o ponto geral é que as pessoas não podem se tornar dependentes de “… medicamentos prescritos (por exemplo, analgésicos opióides, sedativos, estimulantes) … “ e, presumivelmente, antidepressivos, desde que os tomem como prescrito. De maneira típica, a APA se isenta de qualquer responsabilidade pelo vício iatrogênico em antidepressivos e opióides, e culpou o “comportamento compulsivo de busca de drogas” dos clientes. Quão conveniente, particularmente no contexto da atual epidemia de dependência de opióides e antidepressivos os ‘aparentemente desmotivados’ suicídios e assassinatos.

Mas o Dr. Frances não oferece críticas à psiquiatria por esse engano, nem mesmo por reverter as admissões sinceras que ele mesmo elaborou no DSM-IV e no DSM-IV-TR.

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Aqui estão mais algumas citações da entrevista da CNN, intercaladas com meus comentários:

CA: “E como se descobre isso? Quero dizer, o quanto de ciência há nas dificuldades, e como as pessoas sabem que estiveram em antidepressivos por mais tempo do que o necessário, ou que essa área da medicação e prescrição seja tão fluida ”.

AF: “Bem, é um segredo profundo. Não há quase nenhuma pesquisa sobre a síndrome de abstinência. Não há absolutamente nenhum interesse por parte das empresas farmacêuticas em anunciar o fato de que tomar um antidepressivo pode prendê-lo por anos e talvez por toda a vida. Então, eles desencorajaram a pesquisa, eles não relataram os resultados adversos. A indústria farmacêutica é apenas marginalmente menos impiedosa do que os cartéis de drogas, e não é do seu interesse publicizar isso, então tem havido muito pouca pesquisa, e nós realmente não sabemos como o uso a longo prazo desses medicamentos pode afetar a cérebro. Estamos fazendo um tipo de experiência com a saúde pública em centenas de milhões de pessoas em todo o mundo sem realmente entender os efeitos a longo prazo. ”

Observe a frase: “Quase não há pesquisas sobre a síndrome de abstinência”. Os primeiros antidepressivos foram desenvolvidos na década de 1950 e estavam no mercado em 1960, 58 anos atrás. Atualmente, milhões de prescrições de antidepressivos estão sendo prescritas em todo o mundo a cada ano.

No entanto, aqui está o Dr. Frances nos dizendo que “quase não há pesquisas sobre a síndrome de abstinência”. E ele está nos dizendo isso enquanto uma acusação à psiquiatria? Ele está reconhecendo que rotineiramente prescrever e promover pílulas que prejudicam o cérebro, quando praticamente não há pesquisa sobre a retirada, é uma vergonha para os profissionais da psiquiatria? Não. Novamente, da mesma forma retira essa responsabilidade das costas da psiquiatria, ele joga a culpa na indústria farmacêutica! A indústria farmacêutica “não tem interesse” no potencial aditivo desses produtos. A farmacêutica “tem desencorajado” a pesquisa. Portanto, a Big Pharma não relata as descobertas adversas. A indústria farmacêutica é quase tão implacável quanto os cartéis de drogas o são.

Então, o que temos aqui é uma profissão autodenominada como médica que vem prescrevendo e ativamente promovendo uma classe de medicamentos há quase 60 anos, com pouca ou nenhuma informação sobre suas características de retirada. E o Dr. Frances culpa a indústria farmacêutica por esse estado de coisas! Por que a psiquiatria organizada (por exemplo, a APA e o Royal College of Psychiatrists da Grã-Bretanha) não realizou essas pesquisas ainda? Por que os departamentos de psiquiatria de várias faculdades não puderam realizar essas pesquisas, seja de forma individual ou colaborativa? E como a psiquiatria poderia ser tão venal e corrupta a ponto de promover e prescrever essas drogas, mesmo sem esse nível básico de conhecimento sobre o potencial de dependência das suas drogas prescritas?

E observe a frase: “… nós realmente não sabemos como o uso a longo prazo dessas drogas pode afetar o cérebro.” Depois de 60 anos e incontáveis milhões de prescrições, a psiquiatria não sabe como o uso a longo prazo dessas drogas pode afetar o cérebro!

A aí vem o que é verdadeiramente macabro:

“Estamos fazendo um tipo de experiência em saúde pública com centenas de milhões de pessoas em todo o mundo sem realmente entender os efeitos a longo prazo”.

E embora o Dr. Frances não reconheça isso, o “nós” dessa citação só pode ser a psiquiatria. A psiquiatria, se aceitarmos a afirmação do Dr. Frances, está sub-repticiamente fazendo experiências com centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, sem sequer um semblante de consentimento informado.

Mas, na verdade, é ainda pior do que isso, porque eles não estão realmente fazendo um experimento. Em um experimento genuíno, resultados negativos seriam publicados. Mas a psiquiatria está apenas distribuindo as pílulas, enaltecendo suas ações miraculosas e suprimindo as informações negativas.

Em 22 de agosto de 2013, Patrick B. Kwanashie, procurador-geral assistente de Connecticut, fez uma declaração pública que os ‘medicamentos’ que Adam Lanza estava tomando quando assassinou 26 pessoas em New Haven, Connecticut, em 14 de dezembro de 2012, não seriam divulgados, tal publicação poderia encorajar outras pessoas a “pararem de tomar seus medicamentos”. Ele fez sua declaração em resposta ao pedido da AbleChild para ter acesso aos registros médicos de Adam Lanza. E embora o Sr. Kwanashie não tenha divulgado as informações, fica claro, pelo que ele disse, que Adam Lanza estava de fato tomando “medicamentos” psiquiátricos.

Se Allen Frances está genuinamente interessado nesses assuntos, ele não deveria ter protestado contra esse encobrimento? Não deveria a APA, que nos diz que eles têm os melhores interesses com relação aos seus ‘pacientes, tem gritado suas objeções aos próprios céus? Não deveriam ter iniciado ações judiciais para divulgar a informação? Eles não deveriam ter usado cada grama de influência à sua disposição para que esse problema fosse aberto ao escrutínio público?

Enquanto isso, os tiroteios e suicídios continuam.

Em 2016, o falecido senador John McCain e o congressista David Jolly introduziram projetos similares em suas respectivas câmaras mandando o rastreio post-mortem de drogas, incluindo triagem de drogas psiquiátricas, nos casos de todos os veteranos militares que tiraram suas próprias vidas. Os projetos de lei morreram por falta de apoio. Por que a APA não apoiou essa proposta? A psiquiatria não deveria divulgar a ligação entre antidepressivos e suicídio? O próprio Dr. Frances apoiou esses projetos de lei?

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CA: “Novos números do New York Times mostram que quinze milhões e meio de americanos tomam antidepressivos há pelo menos cinco anos, e essa taxa é quase que o dobro da de 2010 e mais do que o triplo da de 2000. Quão fácil é realmente conseguir a prescrição?

AF: “Não há nada mais fácil no mundo do que começar tomar um antidepressivo. Os médicos da clínica geral reservam muito pouco tempo com seus pacientes, e a única maneira de conseguir um paciente fora do consultório satisfeito após uma consulta de sete minutos é escrever uma receita. 80% dos antidepressivos são prescritos por médicos da clínica geral, em particular na atenção primária, geralmente após sete minutos, sob forte pressão tanto do paciente quanto da empresa farmacêutica para prescrever a medicação. Por outro lado, parar o remédio pode levar anos. Requer para algumas pessoas uma redução muito, muito lenta, e sem isso elas terão sintomas de retorno da ansiedade, de depressão, sintomas físicos parecidos com os da gripe, e muitas vezes elas irão erroneamente atribuir estes sintomas a que estão ficando com depressão novamente, quando na verdade é apenas o resultado de efeitos colaterais de retirada.

Bem, não há muita ambiguidade aí: os médicos da clínica médica, em particular os da atenção primária, são os culpados. Mas não inteiramente – eles têm “muito pouco tempo” e estão sob “forte pressão” das empresas farmacêuticas (volta a dizer de novo a Big Pharma) e do “paciente”.

Esse, é claro, é o mesmo tambor que o Dr. Frances vem batendo na última década: os psiquiatras são os mocinhos; e todas as desgraças associadas ao uso de drogas psiquiátricas devem ser colocadas aos pés da indústria farmacêutica, dos médicos que prescrevem demais e dos ‘pacientes’ que buscam drogas.

Mas, como sempre, o Dr. Frances opta por ignorar o ponto mais saliente: se a psiquiatria não tivesse inventado as doenças espúrias, nem uma única dessas prescrições poderia ter sido escrita. Se a psiquiatria não houvesse inventado e promovido a grande mentira de que todo problema significativo de pensar, sentir e se comportar constitui uma aberração da química cerebral corrigível pela droga – “uma doença, assim como o diabetes” -, então nenhum dos problemas que Frances lamenta poderia ter ocorrido.

Além disso, os esforços do Dr. Frances para reduzir a responsabilidade pelo presente estado de coisas para o médico de família são particularmente insustentáveis. Os médicos de família, em todo o mundo, recebem suas orientações dos especialistas. A grande maioria dos problemas de ouvido, nariz e garganta, por exemplo, é tratada por médicos da atenção primária, e não pelo otorrinolaringologista. Mas os médicos de família e da clínica em geral usam diagnósticos e procedimentos de tratamentos que foram desenvolvidos, formalizados e embalados pelos especialistas para uso em clínica geral. Normalmente, apenas os casos incomuns, difíceis ou intratáveis são encaminhados aos especialistas. Novas descobertas ou procedimentos aprimorados desenvolvidos pelos especialistas são repassados aos clínicos gerais para uso geral por meio de revistas revisadas por pares, educação continuada e outros meios.

Mas – e este é o ponto crítico – se fosse descoberto que os médicos da atenção primária estavam cometendo erros sérios, sistemáticos, diagnósticos ou de tratamento em larga escala, medidas corretivas imediatas teriam tomadas pelos especialistas, usando todos os meios disponíveis de disseminação. Está o Dr. Frances seriamente tentando nos persuadir de que os médicos da clínica geral estão ignorando sistematicamente os critérios da psiquiatria e prescrevendo erroneamente remédios, e tudo o que os pobres psiquiatras podem fazer é assistir impotentes do lado de fora e lavar as mãos em frustração piedosa, mas sem esperança? Onde estão os comunicados de imprensa da APA denunciando a negligência? Onde está a troca de correspondência entre a APA e a Academia Americana de Médicos de Família? Onde estão as reclamações da APA aos vários conselhos de licenciamento médico? Onde estão as advertências para o público?

A psiquiatria tem trabalhado diligentemente por décadas para promover a noção espúria de que a depressão que exceda certos limiares arbitrários de gravidade, duração e de impacto, constitui uma doença cerebral. E o fato é que, com a ajuda dos dólares da indústria farmacêutica, eles os psiquiatrias têm sido fenomenalmente bem-sucedidos em vender esse embuste destrutivo e impositivo.

A psiquiatria criou consciente e deliberadamente um sistema e um ethos em que virtualmente qualquer pessoa que esteja experimentando as agruras do infortúnio pode ser diagnosticada com uma ‘doença cerebral’ e prescrita drogas e / ou choques elétricos. Cada movimento que a psiquiatria fez nos últimos cinquenta anos foi calculado para promover esse fim. Contra esse pano de fundo, os persistentes esforços do Dr. Frances em transferir a culpa desse estado de coisas para os médicos da atenção primária, a indústria farmacêutica, as seguradoras, e até mesmo para os próprios clientes, é uma distorção dos registros históricos.

Além de tudo isso, o Dr. Frances está escolhendo ignorar o fato bem estabelecido de que as práticas de prescrição dos psiquiatras são tão apressadas e superficiais quanto as dos médicos de clínica geral.

Aqui estão algumas citações ilustrativas de 2009.

“Pode haver pouca dúvida em nossa era atual de que o breve ‘exame médico’ está se tornando prática padrão em psiquiatria.” (P 1) Glen Gabbard, MD, Psiquiatra, Psychiatric Times, 3 de setembro de 2009

“Até mesmo os psiquiatras que deploram os exames médicos de 15 minutos reconhecem que se tornaram o padrão em psiquiatria.” (P. 40)Douglas Mossman, MD, psiquiatra, psiquiatria atual, junho de 2010

“Eu acho que muitos dos meus colegas têm práticas com quatro, cinco, seiscentos pacientes. E as pessoas ficam surpresas quando ouvem esses números, mas quando você está vendo pacientes por 15 ou 20 minutos todos os meses, a cada dois meses, às vezes a cada seis meses ou uma vez por ano, pode-se imaginar como você poderia ter tantos pacientes. ”(p 5) Daniel Carlat, MD, psiquiatra, NPR 13 de julho de 2010

“Treinado como um psiquiatra tradicional no Michael Reese Hospital, em um centro médico em Chicago que havia sido fechado, Dr. Levin, 68, [Donald Levin, MD, Doylestown] primeiro estabeleceu um consultório particular em 1972, quando a terapia da conversa estava em seu auge.

Então, como muitos psiquiatras, ele tratava de 50 a 60 pacientes em sessões de terapia de conversa de uma a duas vezes por semana, com duração de 45 minutos cada. Agora, como muitos de seus colegas, ele trata 1.200 pessoas em visitas de 15 minutos, em sua maioria, para ajustes de prescrição, às vezes visitas em intervalos de meses. ”(P 2) Gardiner Harris, jornalista, New York Times, 5 de março de 2011

“Nas últimas décadas, o foco mudou mais para o cérebro e para longe da mente. E as mudanças nos sistemas de reembolso hoje recompensaram as prescrições escritas apressadamente e encorajaram a psicoterapia a ser fornecida por terapeutas não psiquiatras. ”(P. 4) Jeffrey Lieberman, MD, Presidente, Departamento de Psiquiatria, Universidade de Columbia, Psychiatric News, 27 de agosto de 2013

Observe a frase condescendente: “… as mudanças nos sistemas de reembolso hoje recompensaram receitas apressadamente escritas …” Os psiquiatras, pobres coitadinhos que são, simplesmente não conseguiram resistir a essas recompensas.

“Antigamente, as pessoas zombavam daquelas consultas rígidas de 50 minutos que os psiquiatras tinham com pacientes e que se concentravam principalmente na psicoterapia. No mundo de hoje, no entanto, uma consulta que anseia por atender a todos, exceto os novos pacientes, tornou-se um dinossauro do passado em muitas clínicas. Em seu lugar está agora a infame ‘entrevista médica/  de 15 minutos que se concentra nos sintomas, medicamentos e efeitos colaterais. “(P 1)David Rettew, MD, Psiquiatra, Universidade de Vermont, Psychology Today, 10 de novembro de 2015

“Hoje, muitos prestadores de cuidados psiquiátricos ambulatoriais são contratados para fornecer ‘gerenciamento de medicação’ em breves visitas de 15 a 20 minutos. Em entrevistas qualitativas, pacientes e provedores de cuidados psiquiátricos expressaram que os cuidados psiquiátricos foram reduzidos ao ato de prescrever medicamentos ”(p. 1-2). William Torrey, MD, (Professor de Psiquiatria, Faculdade de Medicina de Dartmouth) et al, Psychiatry Online, 1 de março de 2017

“A visita de gerenciamento de medicação de 15 minutos tornou-se um dos padrões da prática psiquiátrica.” (p. 1) Mark Moran, repórter sênior do Psychiatric News, Psychiatric News, 30 de maio de 2017

“ ‘É como passar por um drive-thru do McDonald’s. Você se dirige à janela, eles lhe dão suas prescrições e você continua em seu caminho.’

Quando entrevistado, um paciente em ambulatório psiquiátrico usou estas palavras para descrever o que é para ele receber cuidados em um 15 a 20 minutos –  uma forma de prestação de serviços psiquiátrico que agora é encontrado em todo o país.”(p. 1 ) William Torrey, MD, (Professor de Psiquiatria, Dartmouth School of Medicine) et al, psiquiatria on-line, 15 de junho de 2017

As razões pelas quais a psiquiatria abandonou quase que completamente a terapia da fala em favor de exames médicos e prescrições apressadas são: em primeiro lugar, porque isso lhes permite ganhar muito mais dinheiro; em segundo lugar, implica menos estresse e esforço; em terceiro lugar, ajuda os psiquiatras a se sentirem ‘médicos de verdade’ – confirmando ‘diagnósticos’, ajustando doses, verificando efeitos adversos, etc.; e, em quarto lugar, a abordagem checagem médica é inteiramente consistente com a abordagem bio-bio-bio, a abordagem do desequilíbrio químico que tem sido avidamente promovida pela psiquiatria desde que as drogas chegaram ao mercado. Aqui está outra citação do eminente e erudito Dr. Lieberman. A citação é do mesmo artigo citado acima:

“Nas revisões que se seguirão ao DSM-5, que foi lançado em maio, prevemos que os diagnósticos psiquiátricos irão se mover para além dos critérios fenomenológicos descritivos em direção às medidas de fisiopatologia e etiologia e que envolverá testes de laboratório para identificar as lesões e distúrbios em estruturas anatômicas específicas, circuitos neurais ou sistemas químicos, bem como genes de suscetibilidade – os tipos de testes que informam rotineiramente o diagnóstico de infecção, doença cardiovascular, câncer e a maioria dos distúrbios neurológicos. A pesquisa que ocasiona esses desenvolvimentos pode não apenas aumentar nossa capacidade de fazer diagnósticos, mas pode fundamentalmente redefinir a nosologia dos transtornos mentais ”(p. 3).

Bem, estamos a 5 anos e meio depois do DSM-5, e até agora nenhuma das previsões biocêntricas do Dr. Lieberman chegou. No entanto, a teoria do desequilíbrio químico espúrio continua sendo a principal força motriz por trás das avaliações apressadas e das prescrições escritas apressadamente. Afinal, se o ‘transtorno depressivo maior’ puder ser ‘diagnosticado’ pela confirmação de cinco ocorrências na lista simplificada, e se a resposta ao ‘tratamento’ e possíveis efeitos adversos puder ser avaliada com algumas perguntas mais bruscas, por que perder tempo perguntando aos clientes questões irrelevantes sobre suas vidas pessoais, seus relacionamentos, seus medos, sua solidão, seus ninhos vazios, sua sensação de falta de propósito? Preencha os formulários, escreva as prescrições e, por favor, por favor! Kerchung.

—–

CA: “Bem, na verdade, há uma mulher que é uma das pessoas que você focou em seu livro, e é Sarah, e só para lembrar novamente que 80% dos antidepressivos que você diz são prescritos vagamente pelos médicos da clínica em geral depois de uma entrevista que geralmente dura menos de dez minutos. Então, esta Sarah diz que ela foi diagnosticada erroneamente como sendo depressiva quando estava realmente muito triste e aflita com o suicídio de seu filho, e ela lhe disse, ‘O médico era clínico, deixando de lado meus medos e minha perda . Eu precisava de alguém que entendesse e compartilhasse a dor que eu estava passando, e não colocasse um rótulo médico frio na minha dor. “Quanto desse tipo de situação e diagnóstico você viu quando estava produzindo o seu livro?”

AF: “Bem, eu acho que ela é um caso particularmente pungente, de partir o coração, porque seu filho na verdade tinha sido maltratado, medicação exagerada. Isso causou efeitos colaterais, e ele realmente se matou com a medicação que lhe foi prescrita. Ela está sofrendo, e depois de alguns minutos, um médico prescreve medicação para ela. Esta é uma história muito comum. Eu acho que as pessoas precisam ser educadas para si mesmas, seus familiares, e particularmente seus filhos, para não aceitar um rápido diagnóstico de depressão, para não aceitar a pílula. O diagnóstico de depressão não deve levar apenas uma sessão, mas normalmente semanas e às vezes até meses. A maioria das pessoas vem ao médico no pior dia da sua vida. Se nada for feito, exceto a espera atenta, apoio, conselhos, a maioria dessas pessoas melhora a curto prazo. O que está acontecendo agora é que as pessoas recebem uma prescrição muito rápida de uma pílula, e então pode não haver um ponto final, porque parar a pílula será tão difícil, e as pessoas assumirão que a pílula os está mantendo bem. ”

Neste contexto, vale a pena mencionar a exclusão do luto, que no DSM-III efetivamente colocou uma barra no ‘diagnóstico de depressão maior” em casos de luto, exceto em casos de ‘duração prolongada’, que foi geralmente aceita como sendo de dois anos. O DSM-IV do Dr. Frances reduziu o período de espera para dois meses e o DSM-5 eliminou completamente a exclusão do luto.

Também precisa ser perguntado: onde a mulher – Sarah – teve a ideia de que um médico entenderia e compartilharia a sua dor de luto? Antigamente, o que eu – e tenho certeza, Dr. Frances – bem se lembra, as pessoas não consultavam os médicos por tristeza ou luto. Eles discutiam esses assuntos com familiares, amigos, parentes, vizinhos, colegas, clérigos etc., e encontravam nessas discussões ressonância, conforto, apoio, encorajamento e esperança. Hoje, muitas pessoas consultam os médicos porque as elas lhes foi vendida a falsidade de que a depressão é uma doença, um desequilíbrio neuroquímico, que só pode ser amenizado por drogas psiquiátricas. E os psiquiatras foram os principais promotores e, incidentalmente, beneficiários dessa falsidade.

. . . . . . . . . . .

CA: “Bem, vamos fazer o papel de advogado do diabo, porque você faz uma distinção entre a tristeza situacional e o sentir-se muito para baixo, e então a depressão propriamente adequada. Quer dizer, há, há algum benefício, não é assim, para ser tratado, potencialmente com medicação, mesmo que para uma quantidade situacional de estar sentindo-se para baixo. Existe ou não? Pode ser haver assim um alvo como esse?

AF: “Bem, vamos ser muito claros. Há um paradoxo cruel de que estamos tratando demais os preocupados, os insatisfeitos, e estamos negligenciando muito os doentes, e os medicamentos são absolutamente essenciais para pessoas com depressão severa. Não há tamanho único para todos. Não é que medicamentos sejam bons ou ruins. Medicamentos que são muito eficazes para os poucos se tornam prejudiciais apenas quando são utilizados de forma inadequada para os muitos. Acho que em termos de depressões situacionais, reações de curto prazo à perda de emprego, divórcio, problemas financeiros, é sempre melhor esperar atentamente, e a psicoterapia é de longe o tratamento de primeira linha preferível em vez de medicação ”.

Além da afirmação infundada de que “os medicamentos são absolutamente essenciais para pessoas com depressão severa”, a resposta do Dr. Frances tem um quê de superficial no que se refere à plausibilidade e à correção. Mas, como como ocorre com tudo, na psiquiatria a lógica é problemática. Vamos dar uma olhada.

A implicação na resposta do Dr. Frances é que dentro do quadro psiquiátrico, é possível distinguir entre pessoas “com depressão severa” que estão “realmente doentes” e pessoas que têm “depressão situacional” e que, presumivelmente, não são realmente doentes (“os insatisfeitos”).

Mas, de fato, uma das agendas primárias de cada DSM desde o DSM-III tem sido a neutralidade com respeito à causa. Este princípio foi iniciado no DSM-II (1968) e – exceto pela exclusão do luto – foi amplamente integrado ao ‘diagnóstico’ psiquiátrico no DSM-III (1980). De acordo com este princípio, se você tem os ‘sintomas’ – independentemente da sua causa imediata– você tem a doença. Assim, no que diz respeito à depressão, se uma pessoa atender cinco ou mais dos nove itens da lista com verificação fácil e sem necessidade de validação, ele/ela tem depressão – a doença. Se a depressão é uma reação de curto prazo a uma perda de emprego, divórcio, problemas financeiros, exploração, abuso persistente, pobreza, prisão, ou qualquer outra coisa, é totalmente irrelevante. Isso, obviamente, é um absurdo, mas tem sido um pilar central da psiquiatria desde o DSM-III (1980). E tem sido um pilar central da psiquiatria porque é bom para os negócios. Se as pessoas estão desanimadas, elas podem fazer parte dos clientes pagantes. Eles não podem cair fora da rede só porque há uma boa razão para a tristeza delas!

Assim, quando o Dr. Frances faz uma distinção entre depressão situacional e depressão severa, ele não está refletindo a posição formal da psiquiatria, e certamente não está refletindo a prática psiquiátrica atual.

O movimento da psiquiatria para causa-neutralidade foi deliberado, implacável e seletivo. Seletivo, no sentido de que foram as causas psicossocial-econômico-culturais que foram eliminadas, enquanto as causas biológicas geralmente imputudas foram promovidas com toda a energia e os recursos que a psiquiatria poderia reunir, incluindo prêmios desenvolvidos pelas empresas farmacêuticas – não apenas para psiquiatras. – mas para praticamente todas as profissões que tiveram alguma interação com a população alvo da psiquiatria. O impulso para a chamada neutralidade de causa foi firmemente estabelecido no DSM-III (1980), foi desenvolvido e reforçado no DSM-III-R (1987) e no DSM-IV (1994), e foi completado no DSM-5 (2013). ).

Atualmente, o único resíduo da ‘depressão situacional’ no DSM é o distúrbio de adaptação com humor deprimido. Este “diagnóstico” tem uma história interessante.

No DSM-I (1952), foi chamado de “reação situacional adulta” e foi descrito da seguinte forma:

“Esse diagnóstico deve ser usado quando o quadro clínico é basicamente um desajuste superficial a uma situação difícil ou a fatores ambientais recentemente vivenciados, sem evidência de defeitos de personalidade subjacentes graves ou padrões crônicos. Pode manifestar-se por ansiedade, alcoolismo, astenia, baixa eficiência, baixo moral, comportamento não convencional, etc. Se não forem tratados ou aliviados, tais reações podem, em alguns casos, progredir em reações psiconeuróticas típicas ou transtornos de personalidade ”(p. 41).

O termo “o moral baixo” sugere depressão leve, enquanto a frase “sem evidência de defeitos graves de personalidade subjacentes ou padrões crônicos” sugere uma ausência de “transtornos mentais”. O preâmbulo desta seção do manual também é interessante:

“Esta classificação geral deve ser restrita a reações de caráter mais ou menos transitório e que pareçam ser uma resposta aguda a uma situação sem aparente distúrbio de personalidade subjacente. Os sintomas são os meios imediatos usados pelo indivíduo em sua luta para se ajustar a uma situação avassaladora. ”(p.  40)

No DSM-II (1968), o nome do “diagnóstico” foi alterado para reação de ajuste da vida adulta. Nenhuma definição foi fornecida, mas vários exemplos foram descritos, incluindo:

“Ressentimento com tom depressivo associado a uma gravidez indesejada e manifesto por queixas hostis e gestos suicidas.” (p. 49)

Esse ‘diagnóstico’ ocorre na seção intitulada ‘Transtornos situacionais transitórios’, que são descritos a seguir:

“Esta categoria principal é reservada para transtornos mais ou menos transitórios de qualquer gravidade (incluindo os de proporções psicóticas) que ocorrem em indivíduos sem quaisquer transtornos mentais subjacentes aparentes e que representam uma reação aguda ao estresse ambiental avassalador.” (p. 48)

Destacam-se as frases: “… em indivíduos sem quaisquer transtornos mentais subjacentes aparentes…” e “… estresse ambiental avassalador”, ambos sugerem que a reação em questão é essencialmente uma resposta normal e razoável, mesmo que a resposta seja severa.

No DSM-III (1980), o título da seção é Transtornos de Ajuste. Assim, os problemas em questão “progrediram” de reações (DSM-I) para distúrbios (DSM-II) para distúrbios (DSM-III). E, claro, na psiquiatria, como na medicina geral, o termo desordem é essencialmente sinônimo do termo doença. Então, em 1980, esses problemas haviam se tornado doenças psiquiátricas completas (presumivelmente “como diabetes”). Aqui está a definição do DSM-III:

“A característica essencial é uma reação mal-adaptativa a um estressor psicossocial identificável, que ocorre dentro de três meses após o início do estressor. A natureza desadaptativa da reação é indicada tanto pelo comprometimento do funcionamento social ou ocupacional, quanto por sintomas que excedem uma reação normal e esperada ao estressor. ”(p. 299)

Observem a introdução da palavra “sintomas”, um passo crítico no processo espúrio de medicalização.

O transtorno de ajustamento com humor deprimido é descrito da seguinte forma:

“Esta categoria deve ser usada quando a manifestação predominante envolve sintomas como humor deprimido, choro e desesperança” (p. 301)

Mais uma vez, observem a palavra “sintomas”.

As entradas no DSM-III-R são essencialmente semelhantes às do DSM-III.

No DSM-IV (1994), o transtorno de ajuste é definido da seguinte forma:

“A característica essencial de um Transtorno de Ajustamento é o desenvolvimento de sintomas emocionais ou comportamentais clinicamente significativos em resposta a um estressor psicossocial ou estressores identificáveis.” (p. 623)

Novamente, observem o uso da palavra “sintomas” e “clinicamente significativos”. Observe também que o foco mudou da natureza / gravidade do estressor para o desenvolvimento de “sintomas” clinicamente significativos.

A progressão para o estado de doença continuou no DSM-IV-TR (2000):

“… Uma reação a um estressor que pode ser considerada normal ou esperada ainda pode se qualificar para um diagnóstico de Transtorno de Ajustamento se a reação for suficientemente severa para causar prejuízo significativo.” (p. 679)

Portanto, o fato de a reação do indivíduo poder ser totalmente compatível com o estressor não é relevante.

e

“O Transtorno de Ajustamento foi diagnosticado em até 12% dos pacientes internados em hospitais gerais que são encaminhados para consulta de saúde mental, em 10% -30% daqueles em ambulatoriais de saúde mental e em até 50% em populações especiais que experimentaram um estressor específico (por exemplo, após cirurgia cardíaca). Indivíduos de circunstâncias de vida desfavorecidas experimentam uma alta taxa de estressores e podem estar em maior risco para o transtorno. ”(p. 681)

A entrada no DSM-5 (2013) é essencialmente semelhante à do DSM-IV-TR.

A questão principal é que, dentro das sucessivas revisões do DSM, tem havido uma agenda clara e persistente para apresentar de forma falaciosa a depressão situacional como uma doença genuína.

Por isso, a tentativa do Dr. Frances na entrevista à CNN de distinguir entre pessoas que experimentam ‘depressão situacional’ e pessoas que estão ‘realmente doentes’ é muito enganadora. Dentro do embuste psiquiátrico, os fatores situacionais (mesmo incluindo o luto) são irrelevantes para a questão de saber se a pessoa está ‘realmente doente’. E isso não é um acidente. Este tem sido um dos principais itens da agenda da psiquiatria nos últimos quarenta anos. E, também deve ser notado, não é uma descoberta de fato. Em vez disso, como tudo mais no embuste psiquiátrico, é uma questão de decreto. Os psiquiatras dizem isso; portanto, deve ser verdade.

Além de tudo isso, os nove itens de critérios são irremediavelmente vagos e subjetivos. Qualquer pessoa que consulte um psiquiatra sobre sentimentos de depressão pode ter um ‘diagnóstico de depressão’ sem muita dificuldade, e quase inevitavelmente drogas serão prescritas para ‘tratar’ a ‘doença cerebral’. Essa é a situação que os psiquiatras deliberadamente, sistematicamente e para autobenefício criaram. Não é credível o que o Dr. Frances faz ao jogar a culpa por esse estado de coisas na indústria farmacêutica. Certamente, a indústria farmacêutica tem sido uma forte aliada da psiquiatria no esforço nefasto. Mas nem um centímetro de progresso poderia ter sido feito nessa bonança que impulsiona as drogas sem o firme e incessante compromisso da psiquiatria. A Pharma realmente forneceu recursos generosos, dos quais o próprio Dr. Frances se dignou a participar, mas em cada conjuntura, a psiquiatria, com os olhos bem abertos, chamou os holofotes para si própria, eliminou o conceito de depressão exógena, formalizou os chamados critérios neutros de causalidade, fingiram ter identificado uma doença cerebral e depositaram os cheques bancários recebidos. E eles continuam a perpetrar a fraude até hoje.

. . . . . . . . . .

CA: “Assim sendo, qual é a sua solução, então para esta crise de diagnóstico excessivo? Não, eu não quero dizer apenas para os médicos terem mais tempo, mas as pessoas, como os indivíduos deveriam ser sensibilizados e conscientizados sobre esse problema?”

AF: “Bem, acho que você está fazendo isso e estou tentando fazer isso com este programa. Eu acho que há várias coisas que precisam ser feitas. O primeiro e mais óbvio é que precisamos ser mais rigorosos com os critérios de diagnósticos de como os médicos e as pessoas consideram a depressão clínica. Precisamos domar a indústria farmacêutica. Eles não devem anunciar diretamente aos consumidores. Isso acontece apenas nos EUA e na Nova Zelândia, e os dois países têm taxas notavelmente altas de uso de antidepressivos. Precisamos convencer as seguradoras a permitir que os médicos da clínica geral, em particular da atenção primária, conheçam seus pacientes, de modo que seu único recurso seja não prescrever. E acima de tudo, precisamos informar o público para ter mais medo de medicação e menos medo de suas emoções e doenças. Eu acho que a esmagadora experiência clínica e o achado da pesquisa é que a maioria das pessoas com depressão leve e transitória vai se sair muito bem sozinha, e as pessoas devem confiar em seus próprios recursos, obter apoio da família, fazer psicoterapia antes de considerar a medicação. A medicação deve ser o último recurso para pessoas com depressão crónica grave. Não deve ser o meio de tratar as dores e as dores da vida cotidiana. ”

Há vários pontos dignos de nota nesta resposta.

Em primeiro lugar, observem a frase “depressão clínica”, um termo vago, usado extensivamente em psiquiatria para transmitir a impressão de doença, mas sem qualquer evidência de apoio. Não há diagnóstico de APA chamado depressão clínica.

Em segundo lugar, o Dr. Frances está pedindo o rigor dos “critérios de diagnósticos”, mas observem o texto: “precisamos ser rigorosos com os critérios de diagnósticos de como os médicos e as pessoas consideram a depressão clínica”. [Ênfase adicionada] Especificamente, ele não está pedindo por restringir os critérios do DSM, mas para uma mudança na forma como os médicos da clínica médica em geral e os da atenção primária, e o público, veem a depressão. Em outras palavras, não há nada de errado com a psiquiatria e seu chamado manual de diagnóstico; são os médicos da clínica médica em geral e os “pacientes” novamente!

Em terceiro lugar, sua alegação de que “precisamos domesticar a indústria farmacêutica” é anulada à luz do relacionamento de longa data entre a psiquiatria e a indústria farmacêutica.

Em quarto lugar, o Dr. Frances afirma que o “único recurso” do médico da clínica médica é escrever uma receita, porque “as companhias de seguro” não “permitirão” que eles conheçam seus pacientes. Além do tom extraordinariamente condescendente, essa afirmação do Dr. Frances ignora a realidade: que os médicos da clínica geral prescrevem drogas psiquiátricas da maneira como fazem, e nas quantidades que fazem, porque receberam a mensagem da psiquiatria de que isso não é apenas a prática correta e correta, mas também é necessária para combater essa “doença” que, segundo a psiquiatria, atingiu proporções epidêmicas em todo o mundo. A psiquiatria, na verdade, criou a situação em que um clínico geral que não avalia rotineiramente a depressão e não prescreve medicamentos quando os relatos de depressão são apresentados, está se tornando passível de ação por imperícia. Juntamente com o que é a rotina da psiquiatria, com as falsas afirmações de que as drogas são “seguras e eficazes”, e sua obstinada resistência a qualquer sugestão em contrário, tem fomentado a própria cultura da complacência equivocada que o Dr. Frances lamenta.

Em quinto lugar, a afirmação do Dr. Frances de que “precisamos informar o público para ter mais medo de medicação e menos medo de suas emoções e doenças” é muito pouco, e tardia demais. Este é especialmente o caso em que a psiquiatria nas últimas cinco décadas derramou recursos na mensagem oposta: que todos os problemas significativos de pensar, sentir e / ou se comportar – incluindo surtos de tristeza ou desânimo – constituem doenças cerebrais; que a psiquiatria tem os protocolos para diagnosticar essas ‘doenças’; que a falha em tratar profissionalmente essas ‘doenças’ implicará em múltiplas consequências terríveis, incluindo possível suicídio; e que as drogas psiquiátricas – muitas vezes tomadas para a vida – são o tratamento de escolha.

RESUMO

Muito do que o Dr. Frances diz é sensato, mas seria muito mais convincente se ele colocasse a responsabilidade pelo presente estado de coisas exatamente onde ela pertence: a psiquiatria, seus rótulos que retiram a capacidade dos sujeitos de enfrentarem seus problemas e seus ‘tratamentos’ destrutivos.

E FINALMENTE, UMA SUGESTÃO

Eu sugiro, com toda a sinceridade, que o Dr. Frances abandone sua tentativa de absolver a psiquiatria da culpa nesses assuntos, e que ele se junte ao movimento antipsiquiátrico. A missão de desculpabilização atual do Dr. Frances está condenada ao fracasso porque a psiquiatria é de fato a principal culpada, e é apenas dentro do movimento antipsiquiátrico que o Dr. Frances encontrará uma congruência descompromissada com seu desejo atual de expor os excessos que ele tão claramente deplora.

Percebo que muitos dos meus leitores vão receber essa sugestão com certa dose de ceticismo, e alguns, até mesmo, com piadas de escárnio. Mas espere!

Em agosto de 1983, o dr. Frances co-autor (com Katherine Shear, MD, e Peter Weiden, MD) de um pequeno artigo no Journal of Clinical Psychopharmacology. O artigo intitula-se Suicídio Associado à Acatisia e ao Tratamento com Flufenazina, e apresenta relatos de casos de dois homens que se mataram logo após receberem injeções de flupenazina (Prolixin), uma droga neuroléptica. Um dos homens saltou de um telhado; o outro pulou na frente de um trem. Claro, dois estudos de caso não provam um nexo de causalidade, mas aqui está o que os autores concluíram:

“Embora não possamos ter certeza de que a acatisia causou a morte de nossos pacientes, os sintomas de acatisia parecem ter sido os precipitadores imediatos do comportamento suicida”.

Embora essa conclusão formal seja redigida com cautela, o texto do artigo nos deixa em dúvida que a natureza insuportável da acatisia induzida por neurolépticos tenha sido a causa imediata dos suicídios.

Evidentemente, o Dr. Frances levou a sério esse assunto. Onze anos depois, ele introduziu o diagnóstico proposto de acatisia induzida por neurolépticosno DSM-IV (1994). O problema foi descrito em detalhes, incluindo as observações de que “em sua forma mais grave, o indivíduo pode ser incapaz de manter qualquer posição por mais de alguns segundos” e “acatisia pode estar associada a disforia, irritabilidade, agressão ou tentativas de suicídio.” A prevalência foi estimada em 20% -75% das pessoas que tomam drogas neurolépticas. A entrada foi publicada em duas páginas e meia. (p 744 – 746)

No entanto, no DSM-5 (2013), o nome do problema foi alterado para acatisia aguda induzida por medicação. A entrada foi reduzida a quatro linhas e meia, e não há menção de irritabilidade, agressão, tentativas de suicídio ou prevalência. (p. 711)

Então, aqui estão duas perguntas que o Dr. Frances pode querer ponderar. Por que a APA, na redação do DSM-5, optou por suprimir as informações criticamente importantes em seu artigo anterior e em sua proposta do DSM-IV? E por que ele mesmo continua a defender uma profissão que colocaria seus próprios interesses corporativos à frente da segurança do cliente de uma maneira tão descarada e sem pudores?

Sugiro que chegou a hora de o dr. Frances pular de barco. Psiquiatrica, a sereia que o seduziu em sua juventude, levou-o aos gêmeos do erro e da autojustificação, e cada vez mais se mostra como monstro destrutivo que devora as pessoas que ela pretende servir. Chegou a hora de o Dr. Frances ir até o lado certo e colocar sua caneta e seu conhecimento interno a serviço de um bom propósito.

Os desafios da adolescência e a promoção da saúde mental – contribuições do programa Passaporte: habilidades para a vida

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Rosane_amigaQual a imagem que nos vem à mente quando pensamos em “adolescência”? É comum ouvirmos frases como “é a pior fase da vida”, “são todos aborrecentes” e os sentimentos a eles associados, de uma certa repulsa e impaciência. Ao falarmos dos adolescentes parecemos estar falando de seres rebeldes, indisciplinados, raivosos, que tudo questionam e desafiam. Tornou-se comum também afirmar que esta seria uma fase de inevitável “crise”, uma vez que nela se vive a transição entre a infância e a vida adulta e, que neste embate de gerações, o conflito seria inevitável.

Será?

Atualmente se questiona a ideia de adolescência como fenômeno natural, com características universais, ao contrário do conceito de puberdade, este sim um fato biológico, marcado por transformações fisiológicas que caracterizam a transição entre a infância e a vida adulta. A adolescência, por seu turno, é reconhecida hoje como um fenômeno cultural, cujas definições estão marcadas pela forma como um determinado grupo encara estas transformações e como orienta seus jovens. Ou seja, o conjunto de valores e significados da sociedade em geral e da família podem tanto facilitar quanto dificultar esta transição [1].

Sabendo disso, podemos promover uma aproximação com os adolescentes (sempre no plural!) despidos de rótulos, de conceitos prévios, e abertos a ouvi-los, a conhecer suas reais necessidades. Pois, da mesma forma em que existem aqueles que atravessam esta fase de forma tranquila e sem maiores crises, há os que passam por conflitos e sofrimentos tortuosos.

Seja qual for a forma de lidar destes jovens, não se pode negar que o mundo atual os coloca em situações desafiadoras e difíceis, que exigem deles respostas que muitas vezes vão além daquilo que são capazes de pensar e realizar.

Eles se preocupam em inserir-se e fazer parte de grupos com os quais se identificam, mas precisam evitar se envolver em comportamentos de risco; eles precisam lidar com o crescente desejo sexual, ao mesmo tempo em que precisam saber regular suas emoções e lidar com as inevitáveis rejeições ou com o risco de gravidez; eles anseiam pela liberdade mas precisam aprender a carregar o “fardo” da consequente responsabilidade; eles desejam ser autônomos mas para isso precisam abrir mão da dependência e do conforto proporcionado pela família; eles desejam ser diferentes e ter seu próprio estilo, mas ao mesmo tempo precisam aguentar as provocações dos “iguais” e o bullying; eles querem ser adultos, mas não conseguem um emprego e não têm como manter-se sem ajuda dos pais.

Enfim, poderíamos ampliar esta lista para englobar as várias dificuldades vivenciadas por estes jovens que estão buscando construir sua própria identidade, ao mesmo tempo em que têm que dar conta ‘das realidades’ do mundo. E a pergunta que fica para nós adultos e educadores é: como ajudá-los a viver esta fase de modo menos traumático e mais harmonioso possível?

Ouvimos muito hoje sobre o aumento das taxas de suicídio, automutilação, depressão e comportamentos de risco e autodestrutivos associados a esta faixa etária. O foco parece estar sendo em encontrar os culpados, o que acaba gerando um clima geral de defensividade que nos impede de buscar e encontrar as reais causas dos problemas. Na realidade não existe apenas uma causa ou uma explicação possível para estes comportamentos. Eles são fruto de uma complexa rede de causas e condições, ademais respondem a necessidades internas que muitas vezes são muito difíceis de localizar e entender.

Estudos [2] apontam que o ser humano em geral age da melhor forma possível diante de situações que considera difíceis, baseado na melhor ‘avaliação’ que pode fazer destas situações e impulsionado pela emoção que elas lhe trazem. Isso não quer dizer que a “melhor forma” encontrada seja fruto de uma reflexão prévia, adequada socialmente ou a mais eficaz em termos de melhoria de seu estado íntimo ou da situação em si.  Em outras palavras, sempre estamos lidando com as dificuldades, de uma maneira ou de outra e muitas vezes nem percebemos as consequências de nossa forma de agir ou se elas funcionam da forma como gostaríamos.

Nesta perspectiva, lemos os comportamentos problemáticos e inquietantes dos jovens como a forma possível deles comunicarem seu estresse, na ausência de recursos internos que os ajudem a lidar de uma forma (mais) saudável e/ou na falta de uma rede de apoio onde possam encontrar acolhimento e apoio.

Atualmente, estamos imersos em uma “cultura de violência”[3] que permeia as relações sociais e cuja principal característica é a negação de necessidades fundamentais tais como reconhecimento, apoio, escuta e respeito mútuo [4]. Muitas vezes, atos de agressão a si e/ou ao outro podem ser a forma que os jovens encontraram para responder a um mal-estar não nomeado. Estudiosos inclusive apontam as condutas de risco dos adolescentes como maneiras ambivalentes de lançar um apelo às pessoas mais próximas, àquelas com quem eles contam e revelam uma necessidade interior de encontrar significado para seu estar no mundo[5].

Além disso, os jovens hoje encontram-se engolidos pela realidade virtual e pela ampliação das possibilidades de comunicação e de encontro entre aqueles que compartilham dos mesmos interesses. Isso lhes oferece oportunidades de se conectarem a causas, de compartilharem globalmente experiências similares e de se unirem de forma colaborativa a projetos, mas pode, ao mesmo tempo, ser altamente perigoso quando os interesses em comum são os sofrimentos e patologias (anorexia e suicídio, por exemplo) e quando fóruns são criados visando incentivar e mesmo ensinar práticas destrutivas. A cultura digital é, na realidade hoje, parte integrante da vida de qualquer adolescente, esteja ele onde estiver no mundo.

Diante disso, nos parece imperativo promover atitudes saudáveis, no mundo real e virtual, visando a promoção de ambientes com uma cultura de relacionamento em que se cultive a reciprocidade: verdadeiramente ouvir e ser ouvido, realmente ver e ser visto pelos outros. Sentir-se seguro com outras pessoas é essencial para a saúde mental. Precisamos que os jovens se familiarizem com seu mundo interno e saibam identificar o que os atemoriza, incomoda ou deleita. Identificar os próprios sentimentos, sintonizar com suas emoções e das pessoas a sua volta e desenvolver estratégias de adaptação para lidar com as reações emocionais – são formas de promover a chamada “educação emocional” que engloba as competências necessárias para vencer os desafios do século XXI, tais como o autoconhecimento, a autonomia, o protagonismo e a capacidade de se prevenir de comportamentos autodestrutivos, com consequências muitas vezes fatais[6].

Este é o foco do programa Passaporte: Habilidades para a Vida. Voltado para o público pré-adolescente[7], o programa está baseado em uma concepção de promoção de saúde mental que dá ênfase “às forças do indivíduo presentes antes das dificuldades acontecerem e de comportamentos não adaptativos se desenvolverem”[8].

Diferente de programas de caráter apenas preventivo que têm como alvo problemas específicos como uso de drogas e gravidez precoce, o programa Passaporte: Habilidades para a Vida atua na promoção e visa desenvolver habilidades que tornam os jovens mais bem equipados para lidar, com sucesso, com dificuldades do dia-a-dia. O que aumenta sua capacidade de adaptação no futuro e melhora sua autoestima, sentimento de competência e bem-estar geral, atuando de forma preventiva, ao mesmo tempo que evita uma gama maior de problemas[9].

Uma das habilidades fundamentais do programa, neste sentido, é a habilidade de buscar soluções, trazendo à consciência o maior número de estratégias para melhorar uma determinada situação ou para se sentir melhor em relação a ela, sem prejuízo para si ou para os demais.

Especialistas em suicídio apontam que é justamente a escassez de estratégias adaptativas que leva jovens e adultos a tentarem dar fim às suas vidas, uma vez que se sentem incapazes de lidar com situações difíceis[10].

No contexto do Passaporte: Habilidade para a Vida, os participantes não recebem, no entanto, orientação específica sobre quais estratégias são consideradas boas ou ruins.  Mas são estimulados a pensar criticamente, cabendo a eles antecipar as eventuais consequências de suas escolhas e reconhecer a responsabilidade de suas ações.

Este processo acontece ao longo de todo o programa, com apoio de metodologias ativas, que permitem que os participantes levantem o maior número de estratégias possíveis para determinadas situações, analisem cada uma das alternativas levantadas, tendo como premissa filtros que promovem a análise de consequências e prejuízo para si e para os outros e decidam pela melhor.

É o aprendizado, decorrente deste processo, que permite que os jovens tenham autonomia para encontrar soluções em momentos em que não podem compartilhar suas dúvidas ou dificuldades com alguém em quem confiem, como por exemplo em interações na internet e nas redes sociais. E ao mesmo tempo dá ao programa um caráter universal, na medida em que permite que os jovens tenham recursos para avaliar eles próprios as formas mais adequadas de lidar com suas dificuldades considerando características pessoais, pessoas envolvidas e seu contexto familiar e social.

Oferecido em escolas, Passaporte: Habilidades para a Vida está alinhado com diretrizes da Organização Mundial da Saúde que reconhecem o papel crucial das instituições escolares na ‘preparação das crianças para a vida’ e apontam o ensino de habilidades chaves tais como raciocínio crítico, comunicação, relações interpessoais e regulação emocional como forma de promover saúde mental em crianças e adolescentes[11].

Mais do que impactar trajetórias individuais, estudos apontam que ações voltadas para o desenvolvimento de habilidades emocionais e sociais, como autocontrole e resolução de conflitos, em escolas podem impactar positivamente a escola e a comunidade, diminuindo casos de violência nestes espaços[12].

Com efeito, programas de “Aprendizagem Emocional e Social” baseados em pesquisas, como o Passaporte: Habilidades para a Vida, se mostraram eficazes no desenvolvimento de ambientes de aprendizagem mais participativos, bem administrados, cooperativos, afetuosos e seguros. O que leva a uma maior ligação, engajamento e compromisso com a escola como o todo, melhorando o próprio desempenho acadêmico[13].

Dados das sucessivas avaliações do programa Passaporte: Habilidades para a Vida corroboram esta afirmação demonstrando seu impacto positivo no clima e ambiência da sala de aula. Professores observaram, por exemplo, que após participarem do programa os jovens passaram a lidar melhor com conflitos, exigindo menos suas intervenções. Além de relatarem que suas relações com os alunos se tornaram melhores e mais próximas[14].

Um fator importante para a obtenção destes resultados é, sem dúvidas, a capacitação dos professores, que além de fornecer fundamentos conceituais e metodológicos para o desenvolvimento do programa, busca sensibilizá-los para a criação e/ou manutenção de ambientes emocionalmente seguros, onde os jovens se sintam apoiados, respeitados e tenham oportunidade para colocar em prática as habilidades que estão aprendendo[15].

Tem sido unânime, em levantamentos qualitativos realizados no Brasil,[16] os relatos de professores que apontam que a capacitação e o desenvolvimento do programa com os jovens fornecem igualmente recursos para que eles próprios melhorem suas habilidades para lidar com emoções e situações difíceis, tanto no âmbito pessoal, quanto profissional. Mais eficazes ainda se mostram os resultados, quando a equipe gestora promove o alinhamento da filosofia do programa e reverbera o clima positivo e saudável, na escola como um todo.

Passaporte: Habilidades para a Vida vem se expandindo para diferentes países, sendo desenvolvido atualmente no Canadá, Bélgica e Brasil. Inspirado pelo programa internacional de promoção de saúde mental Amigos do Zippy , desenvolvido no início dos anos 2000, presente em cerca de 30 países do mundo e com mais de 1,8 milhão de crianças participantes até hoje[17] -, Passaporte: Habilidades para a Vida foi desenvolvido como parte de uma iniciativa em promoção de saúde mental para crianças financiada pela Agência Nacional de Saúde do Canadá. E é resultado de um rigoroso processo de avaliação e aperfeiçoamentos sucessivos realizados ao longo de cinco anos[18].

O programa tem como eixo condutor uma história em quadrinhos, onde acontecem situações comuns à jovens em diferentes contextos sociais. A partir das histórias, são desenvolvidas atividades lúdicas que permitem que os jovens identifiquem dificuldades relacionadas ao tema da aula em suas próprias vidas e busquem coletivamente estratégias de enfrentamento. Em diversas sessões, os participantes são convidados a preencher no encerramento o seu “passaporte”, fazendo um registro daquelas estratégias que consideram mais úteis para si – seja no presente ou no futuro.  O que contribui para que os jovens construam, pouco a pouco, um repertório de estratégias de adaptação como parte de sua própria identidade, daí o passaporte, um documento de identificação, ter sido escolhido para dar nome ao programa.

O programa está estruturado em cinco módulos que abordam os seguintes temas: emoções, relacionamentos, situações difíceis, injustiças, mudanças e perdas. E seus objetivos incluem: ampliar o repertório de estratégias dos jovens para lidar com dificuldades do dia a dia; melhorar suas habilidades sociais, incluindo expressão e regulação emocional, resolução de conflitos e controle do estresse; encorajar a cooperação e o apoio mútuo; estimular o pensamento crítico e promover o bem-estar emocional[19].

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Vale apontar que todas as atividades do programa têm caráter cooperativo e os jovens são incentivados a oferecer e pedir ajuda sempre que preciso: habilidades que representam fatores de proteção importantes no campo da saúde mental.

As avaliações do Passaporte: Habilidades para a Vida apontaram que o programa impacta positivamente também o contexto familiar, por meio de atividades oferecidas a cada módulo para serem realizadas em casa. Considerando as mudanças características da adolescência e os fatores de risco envolvidos que mencionamos anteriormente, é frequente que esta fase represente um período estressante para os pais, dificultando o diálogo.

De acordo com pais participantes das avaliações, no entanto, as atividades permitiram abrir o diálogo e discutir temas importantes em família. Alguns jovens aproveitaram a oportunidade para denunciar situações de bullying em que estavam envolvidas[20]. O que reforça as contribuições do programa para a criação de ambientes de apoio para os jovens – dentro e fora da escola.

No Brasil, o programa Passaporte: Habilidade para a Vida, conta com a expertise pioneira da Associação pela Saúde Emocional de Crianças – ASEC, que há 14 anos implementa projetos e programas com o propósito de promover a saúde mental de crianças, jovens e adultos tendo como eixo principal a ampliação de recursos internos ou, em outros termos, o que a educação define como desenvolvimento das habilidades socioemocionais com a construção de ambientes em que as relações sejam de cooperação, acolhimento e apoio mútuo.

A atuação da ASEC se faz baseada em 2 pilares: as metodologias dos programas Amigos do Zippy, Amigos do Zippy em Casa, Amigos do Maçã e Passaporte: Habilidades para a Vida, todos de cunho universal, baseados em pesquisa, validados e implementados em mais de 30 países; e a metodologia de formação de profissionais (educadores, professores e assistentes sociais) desenvolvida pela própria ASEC e validada pelo MEC no “Guia de Tecnologias Educacionais da educação integral e de tempo integral”, desde 2013, no eixo dos Direitos Humanos e Promoção da Saúde. A cultura da organização sorve na fonte da filosofia dos programas e nos valores trazidos do CVV (Centro de Valorização da Vida), por seus fundadores, voluntários da organização irmã, que atua no Brasil há 56 anos.

A ASEC acredita que a escola é o ambiente chave influenciador da saúde e bem-estar e trabalha no sentido de expandir o repertório, das crianças e adolescentes, de habilidades úteis para lidar com dificuldades e problemas estressantes que encontram em sua vida diária, incluindo relacionamentos com colegas e pais[21].

Mas as contribuições do programa Passaporte e os benefícios promoção da saúde mental estão restritos ao contexto da educação ?

A habilidade que impacta na melhora dos níveis concentração do aluno, tão importante para processo ensino aprendizagem é a mesma habilidade que fortalece emocionalmente o jovem para lidar positivamente com conflitos de ordem emocional, impactando concomitantemente na área da Educação e da Saúde. A habilidade de fazer escolhas adequadas é igualmente importante na área da educação, através da responsabilidade assumida desenvolvida a partir  da capacidade de fazer boas escolhas impactando também na área da segurança publica. Reduzir os índices de jovens, no uso abusivo de álcool, drogas, na criminalidade pode se dar através dessa mesma habilidade desenvolvida. Assim como a habilidade de relacionar-se de forma saudável é de fundamental importância para boa convivência entre as pessoas, para desenvolvimento da cidadania plena, da promoção da garantia dos direitos, pilares da Assistência Social e da Segurança Pública.[22]

Portanto, promover saúde mental é responsabilidade de todos, não  apenas da educação, embora seja a educação o caminho mais adequado para desenvolvimento das habilidades que a promove.

Este é o caminho por meio do qual a ASEC pretende contribuir. Seu propósito é trabalhar para que no Brasil, toda criança e adolescente possa se fortalecer com ferramentas para manter sua saúde mental, para responder de forma adequada aos desafios atuais, no mundo real e virtual, e, consequentemente, impactar positivamente sua realidade e ajudar a promover sua visão: “Uma sociedade solidária e feliz”.  

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P.S. Este artigo foi escrito em parceria com a minha colega Leticia de Paiva Rothen Sato. Letícia é graduada em Ciências Sociais (2000), pela UFPR,  especialista em Intervenção Cognitiva e Aprendizagem Mediada pelo CDCP (2014), mestre em Antropologia Social (2003) e especialista em Educação, Meio Ambiente e Desenvolvimento (2004) pela UFPR. Atuou em sua vida profissional como pesquisadora e docente e por cinco anos foi coordenadora regional da ONG ASEC (Associação pela Saúde Emocional de Crianças), responsável por programas de promoção de saúde mental. Atualmente é mãe de três, experiência que transcende e mesmo supera toda sua formação profissional e acadêmica.

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Bibliografia empregada:

[1] CERQUEIRA-SANTOS, E. et al. 2014. Adolescentes e adolescências in  HABIGZANG, L. F. et al. Trabalhando com adolescentes: Teoria e intervenção psicológica. Porto Alegre, RS: Artmed.

[2] Baseados, entre outros, no trabalho de Richard Lazarus, importante pesquisador da área de estresse e promoção de saúde mental (vide LAZARUS, R. S. 1999. Stress and emotion: a new synthesis. Springer Publishing Company, Inc).

[3] CALIMAN, G. (org). 2013. Violência e direitos humanos: espaços da educação.  Liber Livro.

[4] CASASSUS, J. 2009. Fundamentos da educação emocional. Brasília: UNESCO, Liber Livro.

[5] LE BRETON, D. 2012. O risco deliberado: sobre o sofrimento dos adolescentes. Revista Política e Trabalho, Revista de Ciências Sociais, João Pessoa, n. 37, p. 33-44,  out.

[6] VAN DER KOLK, B. A. 2014. The Body Keeps the Score: Brain, Mind, and Body in the Healing of Trauma. New York: Viking.

[7] Após ser testado e aprimorado ao longo de cinco anos, o programa foi implementado no Canadá para a faixa etária de 9 a 11 anos. No Brasil, um estudo piloto do programa, desenvolvido com mais de 700 crianças e jovens de diferentes cidades, indicou que a faixa etária mais adequada ao nosso contexto escolar corresponde ao 6º ano do Ensino Fundamental (10-11 anos).

[8] MISHARA, B. E DUFOUR, S. 2018. Randomized Control Study of the Implementation and Effects os a New Mental Health Promotion Programme to Improve Coping Skills in 9 to 11 Year Old Children: Passport: Skills for life. Artigo no prelo.

[9] Mishara e Dufour, 2018 e Mishara, B. s/ data. O conceito de ´coping´. Material não publicado.

[10] Bale, Chris. 2003. Early start to suicide prevention: children´s programme shows promising results. Suicidologi. Arg.8. Nr.2.

[11] Organização Mundial da Saúde. 2001. Relatório sobre a Saúde no Mundo – Saúde Mental: nova concepção, nova esperança. Disponível em: https://www.dgs.pt/documentos-e-publicacoes/relatorio-mundial-da-saude-2001–saude-mental-nova-concepcao-nova-esperanca.aspx. Acessado em agosto de 2018.

[12] Cerqueira, D. 2016. Trajetórias individuais, criminalidade e o papel da educação. Boletim de Análise Político-Institucional, n°. 9, jan-jun, pp. 27-35.

[13] Clarke, A. e Barry, M. s/ data. The link between Social and Emotional Learning and Academic Achievement. Disponível em: http://www.partnershipforchildren.org.uk/uploads/AcademicAchievement.pdf.pdf. Acessado em setembro de 2018.

[14] Mishara e Dufour, 2018.

[15] Vale ressaltar que a Metodologia de Capacitação de Professores da ASEC é reconhecida pelo MEC em seu Guia de Tecnologias Educacionais da Educação Integral e Integrada e da Articulação da Escola com seu Território 2013/MEC.

[16]  A ASEC realiza avaliações sistemáticas com os professores que desenvolvem seus programas, que incluem questões relacionadas ao desenvolvimento dos alunos e ao impacto dos programas no seu desenvolvimento pessoal e profissional.

[17] A ASEC possui representação exclusiva no Brasil para a implementação dos programas Amigos do Zippy, voltado para crianças de 6-7 anos, e Passaporte: Habilidades para a Vida para adolescentes a partir de 11 anos.

[18] Mishara, B. e Dufour, S. 2018.

[19] Centre for Research and Intervention on Suicide, Ethical Issues and End-of-Life Practices (CRISE) . Passport: skills for life. Em: http://www.passeportsequiperpourlavie.ca. Consultado em agosto de 2018.

[20] Mishara e Dufour, 2018.

[21] Idem nota 18.

[22] Argumentos  corroborados em estudos do economista James Hackeman e de Daniel Cerqueira do IPEA em “Trajetórias individuais, criminalidade e o papel da educação”

Dr. James Davies e Prof. John Read Respondem à Crítica do ” Mental Elf”

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Do Conselho da Psiquiatria Baseada em Evidências (CEP): “Agradecemos a Hayes e Jauhar por postarem blogs a respeito da nossa recente revisão sistemática sobre a retirada de antidepressivos, mantendo assim o foco em uma questão de vital importância que afeta milhões de pessoas em todo o mundo.

“Após décadas de silêncio e minimização, qualquer discussão que mantenha a atenção do público é inestimável.

“Nós agora os convidamos a fazer o que é habitual em qualquer debate acadêmico sério e enviar sua crítica, em forma de artigo, para o periódico que editamos, o Addictive Behaviors. Dessa forma, a crítica poderá ser adequadamente revisada por pares, e podemos responder a cada um dos pontos em discussão em um lugar e numa maneira apropriadas, especialmente porque levamos a sério as questões levantadas com muitos dos argumentos que não dispensam a nossa atenção. […]

Enquanto esperamos que os profissionais que prescrevem drogas antidepressivas façam estudos com melhor qualidade, esperamos que todos os envolvidos, incluindo os culpados pela negação e a minimização dos problemas até um passado recente, possam agora trabalhar juntos para reconhecer o que milhares de pessoas com experiência direta com os antidepressivos vêm tentando dizer a seus médicos há anos, fornecendo informações completas às pessoas que estão pensando em começar os antidepressivos e que venham somar apoio aos milhões que tentam se retirar dos antidepressivos. ”

Artigo →

CEP

O que a justiça social significa realmente para os psicólogos?

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ZenobiaEm um novo artigo, publicado no Journal of Theoretical and Philosophical Psychology, os professores Erin Thrift e Jeff Sugarman apresentam uma análise do termo ‘justiça social’ e seu uso no campo da psicologia. Eles descrevem a história multifacetada e complexa do termo, ilustrando que seu uso atual por psicólogos pode ser restritivo e problemático.

O significado do termo ‘justiça social’, nos estados democráticos ocidentais, mudou ao longo da história. Transformou-se ao lado de desenvolvimentos e marcos culturais e tem atraído uma atenção crescente nos últimos anos. Thrift e Sugarman apontam que a definição de justiça social carece de especificidade, clareza e consenso. Não obstante, o campo da psicologia se alinhou com uma missão de justiça social, deixando muitos a se perguntar o que exatamente essa missão significa e implica.

“Embora muitos psicólogos proclamem que a justiça social é o centro de sua missão disciplinar e profissional, não está claro o que os psicólogos querem dizer com ‘justiça social’ e como eles contribuem para seus objetivos”, escreveram Thrift e Sugarman. “Sem clareza quanto ao significado da justiça social, não conseguimos ir adiante”.

Os autores começam por delinear a história multifacetada do termo ‘justiça social’ em países democráticos ocidentais de língua inglesa e seguem isso com uma análise de seu significado dentro do campo da psicologia. Eles remontam ao uso do termo e aos debates sobre a distribuição econômica justa de bens materiais, assim como o poder e a redução dos riscos inerentes ao sistema político capitalista. O termo justiça social não foi originalmente usado em referência a movimentos por igualdade de gênero ou racial, e, como se dizia, essas injustiças ‘permaneceram invisíveis’ até por volta dos anos 70. O significado da justiça social mudou nesse período e passou a ser aplicado às desigualdades em bens não materiais, como o reconhecimento de questões de diferenças e identidades.

Thrift e Sugarman argumentam que o termo foi desviado com a ascensão da economia neoliberal nos anos 70 e 80. Nesse contexto, seu significado tem sido empregado para se referir à justiça social como uma virtude individual, em vez de um esforço coletivo, um uso antitético com respeito ao propósito original do termo. Essa mudança de significado transforma as injustiças sociais em conflitos conciliáveis pelas práticas de caridade privada e pelo autocuidado, em vez de movimentos por responsabilidade e reforma de sistemas e corporações. Discutindo o uso neoliberal do termo justiça social, Thrift e Sugarman escrevem:

“Conceitos podem ser reinterpretados com o tempo. No entanto, neste caso, uma ruptura tão radical com o significado histórico é provável que seja mais uma cooptação oportunista do termo do que uma mudança legitimamente garantida pela análise conceitual judiciosa.”

Apesar de sua origem, as diferentes visões e conceituações da justiça social agora representam “o nexo de uma luta entre diferentes tendências políticas”, escrevem eles. Nem todas as visões e conceituações abordam suficientemente o termo em sua complexidade. Thrift e Sugarman argumentam que para o termo justiça social ser consistente com essa história complexa, sua utilização deve reconhecer (1) seu desenvolvimento e significado histórico, e (2) os desafios contemporâneos que cercam seu uso.

“A história da justiça social aponta para a necessidade de compreender sua natureza complexa e multifacetada”, escrevem eles. “Portanto, quaisquer relatos de justiça social que sejam excessivamente estreitos (por exemplo, atendendo apenas à redistribuição de bens materiais ou à política de identidade) não podem representar adequadamente o conceito”.

Segundo os autores, a psicologia, como campo, tem se alinhado mais de perto a algumas conceituações de justiça social do que a outras. Os psicólogos têm sido criticados por adotarem uma abordagem de justiça social enquanto “política de identidade”, na qual eles de modo redutivo atendem a questões de identidade e reconhecimento, enquanto negligenciam a interseção da identidade com as desigualdades econômicas e preocupações estruturais mais amplas. Não se trata apenas de que o privilégio de visões de justiça social voltadas para a identidade obscurece as desigualdades econômicas associadas ao capitalismo, mas, como Thrift e Sugarman enfatizam, é necessária uma postura de ‘cumplicidade’ que permita a perpetuação dessas injustiças. Nesse sentido, os psicólogos se alinharam predominantemente com uma abordagem reducionista da justiça social e, ao fazê-lo, minaram sua missão declarada.

Reivindicando expertise na definição e tratamento de problemas psicológicos, o campo da psicologia tem considerável influência sobre o uso e a compreensão da justiça social. Como resultado, “a confusão sobre o significado da justiça social tem implicações para os psicólogos interessados em perseguir esse objetivo, mas também tem consequências políticas, sociais e econômicas mais amplas”, argumentam Thrift e Sugarman. Quando os psicólogos promovem a ideia de que o sofrimento psicológico é um estado resolúvel exclusivamente por meio de intervenções individuais, como psicoterapia, mudanças de comportamento ou tratamentos com drogas, as questões estruturais podem ser ignoradas e perpetuadas.

“As explicações psicológicas frequentemente desviaram a atenção das injustiças sociais, políticas e culturais e, ao fazê-lo, pelo menos desviaram, se não impediram, indivíduos da participação política”, escrevem eles.

Os autores descrevem como explicações psicológicas específicas desviaram os indivíduos da participação política e impediram reformas sistêmicas. Por exemplo, o sofrimento e a subjugação das mulheres foram explicados pela histeria, a discriminação racial foi justificada pela inteligência inferior das pessoas de cor, a homossexualidade foi classificada como transtorno mental no DSM, as famílias não-ocidentais são descritas como “enredadas”, bem como o impacto negativo da pobreza no desempenho acadêmico da infância foi reformulado como falta de autodisciplina ou como déficits em outras características internas.

Os problemas estruturais não são apenas obscurecidos nessas explicações, mas são substituídos por interpretações que colocam exclusivamente a responsabilidade sobre indivíduos ou características individuais. Os autores escrevem:

“Um erro generalizado na psicologia é que a falha em reconhecer a força constitutiva de nossas instituições sociopolíticas e econômicas levou a fixar características das pessoas à natureza humana, e não às instituições em que elas se tornam pessoas”.

Além disso, eles ilustram que essa abordagem é antitética à justiça social, como foi inicialmente concebida, e contribui para a economia neoliberal e as injustiças que surgem dos atuais sistemas econômicos e políticos.

“O apoio dos psicólogos à justiça social pode não apenas disfarçar as fontes sociais e políticas de muitos problemas de saúde mental”, eles escrevem, “mas também reforçar o ideal neoliberal dos indivíduos como auto-responsáveis, competitivos, empreendedores, arriscados, adaptáveis. indivíduos que são os únicos responsáveis pelas suas circunstâncias, que não exigem ou mesmo evitam o apoio do governo, e cuja liberdade se manifesta pela sua capacidade de escolha. ”

Thrift e Sugarman apontam que os psicólogos se beneficiam de uma promoção individualizada da justiça social. A psicologia como um campo está “embutida na economia de mercado”, escrevem, de modo que enquadrar os problemas como decorrentes do indivíduo pode aumentar a demanda por serviços psicológicos. “Consequentemente, pode haver pouco incentivo profissional ou econômico para os psicólogos conceituarem dificuldades pessoais, exceto em termos individuais”.

“Assim, os psicólogos que aspiram trabalhar por justiça social devem ser criteriosos no uso do termo e conscientes das consequências políticas que estão promovendo (mesmo inadvertidamente)”.

Os autores observam esse padrão na prática psicológica contemporânea. Por exemplo, limiares de diagnóstico diminuídos e critérios afrouxados corroboram afirmações de que 46,6% da população dos EUA sofre de uma doença mental ao longo da sua vida. À medida que a demanda aumenta, o mesmo acontece com o valor dos serviços psicológicos. Assim, a psicologia lucra promovendo uma forma redutiva de justiça social que é contrária aos seus objetivos percebidos.

Uma maneira de abordar a questão das práticas nocivas em nome da justiça social é desenvolver maior clareza e consenso em torno do termo. Os autores argumentam que não há atualmente uma estrutura coerente para avaliar e implementar reivindicações de justiça social. Em resposta, propõem adotar uma estrutura promovida por Fraser (2009), que aborda três questões fundamentais:

  1. “O que é o bem da justiça social?” (Princípio da paridade participativa)
  2. “Quem é atingido pela justiça social?” (Princípio afetado)
  3. “Como devemos tomar decisões relacionadas a todos os aspectos da justiça social?” (Princípio todos submetidos)

Fraser defende um “princípio de paridade participativa”, significando que todas as injustiças devem ser consideradas como violações da justiça social. A justiça social e as violações da justiça social são avaliadas neste contexto “em termos de seus efeitos na capacidade de uma pessoa participar social e politicamente em igualdade de condições com seus pares”. Para tratar de questões contemporâneas que cercam as alegações de justiça social, os autores argumentam que a globalização das atividades de justiça social devem ser enquadradas além do interesse de um Estado-nação e devem ser capazes de reconhecer as injustiças globais cometidas por corporações transnacionais.

Para que o campo da psicologia aplique a justiça social em termos do princípio da paridade participativa, Thrift e Sugarman sugerem reflexão sobre a seguinte questão:

“Como a teorização, a pesquisa ou as intervenções psicológicas ajudam a criar arranjos sociais, culturais, políticos e econômicos que permitem que os indivíduos participem em igualdade com seus pares?”

Eles argumentam que a resposta do campo deve ir além de simplesmente promover e aumentar o acesso a serviços psicológicos. A justiça social exige uma reformulação em larga escala dos serviços psicológicos para resolver, em vez de solapar, as questões sociopolíticas e econômicas.

“Se os psicólogos devem servir aos interesses da justiça social, eles não podem assumir sua responsabilidade simplesmente como ajudar os indivíduos a administrar sua ansiedade em uma ordem econômica injusta”, escrevem Thrift e Sugarman. “Serviços psicológicos que apenas ajudam indivíduos a se ajustarem a circunstâncias de pobreza e desigualdade, sem fazer nada para mudar essas condições, são um desserviço à justiça social. Ela perpetua o papel dos psicólogos como “arquitetos do ajuste” que preservam e protegem o status quo, em vez de defenderem a reforma sociopolítica “.

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Thrift, E., & Sugarman, J. (2018, September 13). What Is Social Justice? Implications for Psychology. Journal of Theoretical and Philosophical Psychology. Advance online publication. (Link)

IRSNs adicionados à lista de medicamentos com sintomas potenciais de abstinência

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Uma nova pesquisa, publicada na revista Psychotherapy and Psychosomatics, investiga os sintomas de abstinência ao interromper uma classe comumente prescrita de antidepressivos chamada Inibidores de Recaptação de Serotonina-Noradrenalina (IRSNs). Os resultados da revisão sistemática indicam que os sintomas de abstinência podem ocorrer após a interrupção de vários tipos de SNRIs.

A equipe de pesquisa, liderada por Giovanni Fava, da Universidade de Bolonha, na Itália, e da Universidade Estadual de Nova York, em Buffalo, escreve:

“Os médicos estão familiarizados com os fenômenos de abstinência que podem ocorrer do álcool, benzodiazepínicos, barbitúricos, opioides aos estimulantes. Os resultados desta revisão indicam que eles precisam adicionar SNRI à lista de medicamentos que potencialmente induzem fenômenos de abstinência … e o médico deve ter cautela ao prescrevê-los em transtornos de humor e ansiedade. Atenção considerável também deve ser usada no contexto de dor crônica, distúrbios médicos funcionais e sintomas da menopausa. ”

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Os efeitos da abstinência estão se tornando cada vez mais evidentes e, por conseguinte, mais pesquisados no campo da medicação psicotrópica, dos benzodiazepínicos aos antidepressivos. Foi documentado que os SNRIs compartilham sintomas de abstinência com a classe antidepressiva dos Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRS), no entanto, os autores afirmam que esta é a primeira revisão sistemática sobre os aspectos clínicos da suspensão dos ISRNs.

Esta revisão vem em um momento pertinente em que os IRSNs são progressivamente prescritos e “geralmente considerados a primeira escolha no tratamento de transtornos de humor e ansiedade” devido à sua eficácia e tolerância presumida. Condições clínicas, como dor crônica, distúrbios médicos funcionais e sintomas da menopausa, também estão sendo tratados com ISRNs. Em resposta, Fava et al. se propôs a delinear “a ocorrência, frequência e características dos sintomas de abstinência após a descontinuação do SNRI”.

Depois de filtrar os 3.193 relatórios potencialmente relevantes da retirada do SNRI, os autores identificaram 61 relatórios que atenderam aos critérios pré-definidos nas bases de dados eletrônicas PubMed, Cochrane Library, Web of Science e MEDLINE, que consta da base de dados até junho de 2017. Venlafaxina (Effexor XR), desvenlafaxina (Pristiq), duloxetina (Cymbalta), milnaciprano (Savella) e levomilnaciprano (Fetzima) estiveram entre os SNRIs avaliados.

A venlafaxina (Effexor XR) apresentou a maior prevalência de sintomas de abstinência nos participantes, variando de 23 a 78% após a descontinuação. A desvenlafaxina (Pristiq) veio em seguida com 17,2-55%,  e depois duloxetina (Cymbalta) com 6-55% e milnaciprano (Savella) com 13-30% e, finalmente, levomilnaciprano (Fetzima) com 9-10% das pessoas que relataram sintomas de abstinência.

Os sintomas geralmente ocorreram dentro de alguns dias após a descontinuação e duraram algumas semanas. Ambos os estilos de descontinuação gradual e abrupta resultaram em uma ampla gama de sintomas de abstinência, semelhantes aos observados para ISRSs. Alguns dos sintomas incluem dor de cabeça, fadiga, sudorese, dor, visão embaçada, tontura, hipertensão, náusea, vômitos, sensações de choque elétrico, espasmos, câimbras, calafrios, desorientação, fala arrastada, alterações de humor, dificuldades de atenção, ansiedade, irritabilidade, alucinações visuais e problemas do sono (ver tabela 1 no artigo para lista exaustiva). Fava e colegas enumeram as implicações clínicas importantes dos resultados:

Em primeiro lugar, enquanto o processo de redução gradual da dose parece mais razoável do que a interrupção abrupta, ele não garante que os sintomas de abstinência sejam evitados. Assim, mais estudos são necessários para explorar variáveis como características sociodemográficas, clínicas e características neurobiológicas que podem estar associadas ao aumento da vulnerabilidade ao aparecimento de síndromes de abstinência.

Os autores questionam: “Por que, se temos dois pacientes com o mesmo transtorno psiquiátrico que foram tratados com o mesmo IRSN pelo mesmo período de tempo e que foram submetidos à mesma modalidade de redução gradual e descontinuação, podemos ter a ocorrência da síndrome de abstinência? em um caso e não no outro?

Segundo, é necessária uma exploração mais cuidadosa da sintomatologia de abstinência potencial, pois “os sintomas podem ser facilmente identificados erroneamente como sinais de recaída”, quando realmente, “os sintomas de abstinência provavelmente têm um início quase que imediato, enquanto que os sintomas recorrentes geralmente apresentam um retorno gradual. ”

Terceiro, para considerar o conceito de “toxicidade comportamental” e a ideia de que quando o tratamento farmacológico termina após um longo período de tempo, “os processos de resistência podem operar por algum tempo, resultando no aparecimento de sintomas de abstinência e / ou uma vulnerabilidade aumentada à recaída e / ou resistir ao tratamento. ”

Em quarto lugar, incluir a prática de informar os pacientes sobre a natureza dos sintomas como os conhecemos, embora complexos e não totalmente conhecidos devido à pesquisa deficiente.

Finalmente, para voltar à questão dos benefícios potenciais com relação aos danos. Fava e colegas escrevem que “atualmente o médico que prescreve o IRSN é impulsionado por uma consideração superestimada dos potenciais benefícios e negligência as potenciais vulnerabilidades aos efeitos adversos do tratamento, como os fenômenos de dependência e abstinência”.

As limitações deste estudo incluem a falta de métodos adequados de detecção de sintomas de abstinência na maioria dos relatórios revisados, “levando a uma subestimação dos sintomas de abstinência e a dificuldades em identificar a presença de novos sintomas de abstinência, rebote e síndromes persistentes pós-abstinência”. Esta revisão sistemática foi baseada somente em descobertas publicadas, aumentando seu potencial de ter subestimado a gravidade das reações de abstinência.

Embora a indústria farmacêutica tenha pressionado por uma mudança da retórica de “abstenção” para o termo “descontinuação”, Fava et al. insiste que essa mudança “minimiza as vulnerabilidades induzidas pelo IRSN”. O termo “síndrome de abstinência” recategoriza os antidepressivos como drogas que podem causar vício ou dependência e justapõem seus sintomas ao lado dos benzodiazepínicos.

Os autores concluem a necessidade de os médicos “adicionarem IRSN à lista de drogas que potencialmente induzem sintomas de abstinência após a interrupção, juntamente com outros tipos de drogas psicotrópicas. Os resultados deste estudo desafiam o uso de SNRI como tratamento de primeira linha para transtornos de humor e ansiedade ”.

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Giovanni A. Fava et al. (2018) Withdrawal symptoms after serotonin-noradrenaline reuptake inhibitor discontinuation: Systematic review. Psychotherapy and Psychosomatics, 87(195-203). doi: 10.1159/000491524 (Link)

Consultórios de psicanalistas lotam com brasileiros preocupados com as eleições

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Publicado na Exame: Pesadelos, alterações do estado de ânimo, insônia, crises de bulimia, problemas de alergia ou gástrico e reativações de ataques de pânico. Esses são alguns dos sintomas de pacientes atendidos nos consultórios de psicanalistas e psicólogos.

“Oitenta por cento dos meus pacientes” expressam um sofrimento relacionado com a eleição. “É muito”, disse à AFP Admar Horn, integrante da Sociedade Brasileira de Psicanálise (SBP) no Rio de Janeiro, a poucos dias do segundo turno.

Para Fernando Rocha, que cita os mecanismos descritos por Freud em “Psicologia das massas”, Bolsonaro é uma personalidade que suscita uma adesão “completamente primitiva, como ele mesmo”.

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Psicanálise e eleições

Revisão sistemática descobre que sintomas de abstinência do antidepressivo é muito comum e potencialmente duradouros

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Photo Credit: “Cloudy Mind,” by Ross Hendrick (Flickr)

ZenobiaUma nova pesquisa do Dr. James Davies e do Dr. John Read compara os resultados de uma revisão sistemática da incidência, duração e gravidade da retirada do antidepressivo com as diretrizes clínicas atuais nos EUA e no Reino Unido. Os pesquisadores descobriram que mais da metade dos usuários de antidepressivos experimentaram a abstinência e que, em quase metade desses casos, os efeitos foram severos. Seus resultados contradizem as diretrizes clínicas existentes que afirmam regularmente que a retirada do antidepressivo é tipicamente leve e de curta duração.

Quando perguntado sobre a sua perspectiva com respeito as diretrizes atuais, Read respondeu:

“Acho que até recentemente não houve muita pesquisa sobre esse assunto, o que é uma pena. Estamos confiantes de que agora conhecemos os números reais e analisamos cerca de 17 estudos sobre a prevalência de sintomas de abstinência ”.

“Isso é particularmente importante porque, no momento, as pessoas não estão sendo informadas sobre os efeitos da retirada. Muitas pessoas optariam por não ter essas informações, na medida em que conhecem a seriedade e o potencial desses efeitos. Igualmente importante, as pessoas que estão tentando sair não recebem apoio algum. De fato, elas são informadas com muita frequência que esses sintomas não são de abstinência, mas que são os sintomas da doença que estão retornando ”.

Photo Credit: “Cloudy Mind,” by Ross Hendrick (Flickr)
Photo Credit: “Cloudy Mind,” by Ross Hendrick (Flickr)

Davies e Read começaram seu artigo revendo a crescente prevalência de uso e duração de antidepressivos (AD) no Reino Unido e nos EUA. ADs são a classe mais comumente usada de drogas em ambas as regiões. Os dados demonstram que mais de sete milhões de pessoas na Inglaterra estão em ADs e esse número é de mais de 37 milhões de adultos nos EUA.

Esses números estão aumentando juntamente com um aumento na duração do uso dos ADs. No Reino Unido, a pesquisa sugere que os usuários de AD estão cada vez mais tomando as pílulas por mais de dois anos. Nos EUA, está se tornando mais comum que os usuários tomem antidepressivos por mais de cinco anos. Davies e Read informam que a duração do uso mais do que dobrou desde o início dos anos 2000 em ambas as regiões.

O uso a longo prazo pode ser particularmente preocupante porque as evidências atuais de pesquisa não dão suporte ao uso prolongado de ADs em uma parte significativa desses casos. Sobre esta questão, Davies e Read escrevem:

“Pesquisas anteriores sobre o uso a longo prazo estimam que um terço das pessoas no Reino Unido que tomam ADs por mais de dois anos não têm indicações clínicas baseadas em evidências para continuar a tomá-las.”

 “Se aplicarmos os percentuais de tal prescrição não indicada aos números atuais de uso de longo prazo, poderíamos estimar que aproximadamente 1,2 milhão de usuários de longo prazo do AD na Inglaterra e 6 milhões de usuários nos EUA poderiam estar tomando ADs sem indicação clínica, e poderiam, portanto, tentar deixar de tomá-los.

O aumento do número de pessoas que tomam antidepressivos a longo prazo sem uma indicação clínica sugere que uma grande porcentagem da população pode considerar a possibilidade de diminuir ou retirar sua medicação. Com isso em mente, os pesquisadores exploram quais tipos de experiências podem ser esperadas ao se retirar os ADs.

Pesquisas anteriores descobriram que uma grande proporção de usuários experimentam efeitos de abstinência e que a gravidade e a duração desses efeitos podem variar. De acordo com a pesquisa dos autores, os seguintes efeitos da retirada da AD foram relatados na literatura:

  • Ansiedade aumentada
  • Sintomas como os da gripe
  • Insônia
  • Náusea, tontura e desequilíbrio
  • Distúrbios sensoriais
  • Hiperexcitação
  • Sensações de choque elétrico
  • “Zaps cerebrais”
  • Diarreia
  • Dores de cabeça
  • Espasmos musculares e tremores
  • Agitação e irritabilidade
  • Alucinações
  • Confusão
  • Mal-estar
  • Sudorese
  • Mania e hipomania
  • Embotamento emocional e incapacidade de chorar
  • Disfunção sexual a longo prazo ou mesmo permanente

Read explica que esses efeitos de abstinência “podem ser muito graves e as pessoas precisam de alguma ajuda com eles”. Indo mais longe, ele explica que algumas pessoas podem experimentar níveis de ansiedade “extremos” e “incapacitantes”. Outros relatam a experiência de “zaps cerebrais”, que são semelhantes a “um choque elétrico na cabeça”. “A insônia é outra coisa forte”, diz Read, “e quando você não está indo muito bem em primeiro lugar, não conseguir dormir é muito perturbador ”.

No entanto, as diretrizes clínicas atuais nos EUA e no Reino Unido indicam que as reações de abstinência tendem a ser leves e “tipicamente resolvem sem tratamento específico durante 1-2 semanas” (APA, 2010, p. 39). Em seu relatório, Davies e Read avaliam a precisão e a utilidade dessas diretrizes.

A revisão inclui 17 estudos. A pesquisa utilizou diferentes metodologias de estudo para examinar a incidência, severidade e duração da retirada da DA.

Davies e Read descobriram que mais da metade (56%) dos usuários de AD experimentaram efeitos de abstinência. A maioria dessas experiências foi relatada como moderada ou grave, com quase metade (46%) descrita como grave. Além disso, 40% dos indivíduos que sofreram abstinência tiveram efeitos com duração de pelo menos seis semanas e 25% tiveram efeitos com duração de 12 semanas ou mais. Davies e Read comentam esses resultados:

“Essas descobertas diferem significativamente daquelas implícitas nas diretrizes do Reino Unido (NICE, 2009) e dos EUA (APA, 2010) sobre a retirada da AD. Além disso, esses resultados não são os únicos a contradizer as diretrizes atuais ”.

Os resultados desta revisão sistemática fornecem detalhes essenciais sobre os efeitos de retirada dos ADs. A análise também pode suscitar outras perguntas sobre se os benefícios dos ADs realmente superam os custos, quando os efeitos adversos e as experiências de abstinência são considerados.

É comum, no entanto, que os clínicos interpretem mal os efeitos da retirada do AD como sendo o ressurgimento dos sintomas depressivos ou a recaída da depressão, explica Read. Ele observa que as pessoas que estão em processo de retirada devem receber o apoio de seus clínicos gerais:

“As pessoas podem sair das drogas, mas precisam fazer isso devagar e com cuidado, e precisam do apoio de seus médicos.”

Milhões de britânicos que usam antidepressivos enfrentam problemas de abstinência quando tentam se livrar dos medicamentos e, para quase metade deles, os sintomas são graves. Esse é o resultado de uma nova revisão, que contradiz as atuais diretrizes clínicas que sugerem que os sintomas são leves e duram apenas uma semana. http://prescribeddrug.org/wp-content/uploads/2018/10/Davies-Read.pdf

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Davies, J., & Read, J. (2018). A systematic review into the incidence, severity, and duration of antidepressant withdrawal effects: Are guidelines evidence-based?. Addictive Behaviors(Link)

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