Além da Crítica: os Psicólogos Discutem Alternativas de Diagnóstico

O Journal of Humanistic Psychology reúne pesquisas diversificadas que oferecem alternativas de diagnóstico com vistas a uma mudança de paradigma nos cuidados de saúde mental

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ZenobiaO Journal of Humanistic Psychology apresenta diversas alternativas de diagnóstico oferecidas por pesquisas com o objetivo de uma mudança de paradigma na atenção em saúde mental.

Como parte do Journal of Humanistic Psychology o segundo número especial sobre Alternativas de Diagnóstico, pesquisadores continuam a conversação importante a respeito da necessidade de uma mudança de visão na psicologia e na psiquiatria. Para se ir além da crítica aos equívocos do atual paradigma da atenção em saúde mental e seus correspondentes sistemas de diagnóstico, um grupo de diferentes pesquisadores oferece alternativas e explora novas abordagens que privilegiam tanto a ciência quanto os usuários dos serviços.

“Os variados artigos que vem nesse número especial pretendem sublinhar a diversidade das alternativas de diagnóstico atualmente em desenvolvimento e as já existentes, “ os editores escrevem.

“A existência de múltiplas alternativas ao atual paradigma de diagnóstico demonstra que os sistemas de diagnóstico não são classificações fixas ou pré-determinadas de entidades objetivas encontradas na natureza, mas sim modelos conceituais e empiricamente inspirados que se desenvolvem e se transformam ao longo do tempo. “

Photo Credit: JD Hancock, “I’m a doctor, not a psychiatrist” (Flickr)
Photo Credit: JD Hancock, “I’m a doctor, not a psychiatrist” (Flickr)

Em um dos artigos destacados, “Mas o que são doenças mentais reais? Alternativas à abordagem do modelo de doença”, Dra. Anne Cooke entra no debate que está circulando com críticas aos sistemas de diagnóstico e medicalização da ‘psicose’.  Cooke aprofunda a conversação, propondo sistemas alternativos de classificação que enfatizam formulações conceituais de experiências individuais.

Anne Cooke é também editora do relatório recentemente revisado da Sociedade Britânica de Psicologia (BPS) intitulado “Entendendo a psicose e a esquizofrenia: por que as pessoas algumas vezes ouvem vozes, creem em coisas que os outros acham estranho ou que parecem estar fora da realidade, e o que pode ajuda-las” (veja o recente relatório do MIB).

Peter Kinderman, também um grande colaborador do relatório do BPS, oferece uma crítica explícita aos modelos de ‘doença’ que é compartilhada pelo comitê clínico da entidade – que representa a maioria dos psicólogos que trabalham nos serviços de saúde mental do Reino Unido.

Neste número especial, Cooke e Kinderman resumem  as chocantes falhas que atravessam a atual abordagem da ‘esquizofrenia’.  Primeiro, eles argumentam que a distinção entre as experiências ‘normais’ e ‘psicóticas’ não podem ser concretamente identificadas, muito menos contarem com suporte científico. Essa questão é especialmente importante quando se leva em consideração o quão comum é para as pessoas terem experiências ‘psicóticas’, tipicamente consistindo em ouvir vozes e experimentarem paranoia. Não apenas são essas experiências subjetivamente compreensíveis, mas a sua consideração varia fortemente entre culturas.

A realidade dessas experiências entre as pessoas e culturas enfatiza a necessidade de se conceituar a experiência de ‘psicose’ em um continuum, os autores argumentam. Mais ainda, a natureza falsa e arbitrária do constructo ‘esquizofrenia’ é demonstrada pelo seu fracasso em atender os imperativos científicos básicos de confiabilidade, validade e utilidade.

Há discrepâncias entre clínicos, hospitais e países quando se observa o constructo da ‘esquizofrenia’ pelos critérios do DSM-5. Sem evidências para uma causa biológica subjacente, o constructo parece apenas ser reificado circularmente, por meio da identificação de ‘sintomas’ associados.

Finalmente, pesquisas que demonstram como o rótulo de ‘esquizofrenia’ faz mais mal do que bem, com isso comprometendo a utilidade do emprego das atuais categorias de diagnóstico que é hoje professada, os autores argumentam. Contudo, a ideia de ‘esquizofrenia’ permanece inseparável das instituições de saúde mental por várias razões, incluindo os próprios interesses corporativos. Os autores sublinham sinais de mudança, apontando para a crescente cobertura das mídias e o interesse despertado nos movimentos focados em modelos-centrados no paciente e em sistemas alternativos de classificação.

Acompanhando sugestivas abordagens que privilegiam as perspectivas dos usuários dos serviços, formulações conceituais colaborativas e explicações psicossociais, os autores notam a necessidade de se afastar das experiências de enquadramento em explicações no ‘cérebro ou na culpa’. Com outras palavras, eles defendem experiências compreensíveis de um modo que nem sugira que os indivíduos devem ser culpabilizados nem que seus problemas estejam ‘em suas mentes’. Cooke e Kinderman concluem seu artigo com as palavras de alguém que foi pessoalmente afetado pelo atual paradigma em saúde mental”

“Se os psicólogos estão corretos de que as causas primárias da doença são psicossociais ao invés de biológico, a narrativa da minha família pode ser reescrita. Nós podemos sair do nossa armário da vergonha e  ter os nossos direitos colocados em um continuum de experiência humana aceitável. “

Uma outra contribuição que vem apresentada nesse número especial do JHP desafia o monopólio do DSM/CID para o diagnóstico, ao sugerir uma abordagem diferente de classificação que retenha benefícios práticos na medida em que emancipa os que a utilizam do foco do modelo patológico médico. Em “Preocupações com o Manual de Classificação e Estatística de Saúde Mental: uma proposta de alternativa científica prática ao DSM e ao CID”, Dr. Jeffrey Rubin sublinha um argumento para um sistema alternativo, com o Manual de Classificação e Estatística de Preocupações em Saúde Mental (CSM). Rubin delineia as limitações primárias da abordagem do DSM/CID:

“Entre elas estão as que o Manual tende a estigmatizar os usuários dos serviços de saúde mental, a violar os princípios básicos da ciência, a privilegiar a perspectiva do clínico em detrimento daquela do usuário do serviço, e com isso se tornou um monopólio com todas as desvantagens associadas em tais instituições. “

Essencialmente, ele observa que o sistema DSM/CID coloca adiante a ideia que um ‘transtorno’ existe como um resultado de ‘disfunção mental no indivíduo’. Enquanto oferece escassa ciência para sustentar essas pretensões, ou para apoiar os 300 constructos listados como ‘transtornos’ no DSM, não há um meio direto, confiável, válido para acessar o ‘funcionamento’ individual. A decisão final de determinar se as apresentações são ‘clinicamente significativas’ permanece então nas mãos dos clínicos que são influenciados tanto pelas demandas dos serviços quanto pelos interesses financeiros.

Rubin escreve, “a falta de confiabilidade e validade para o DSM e a aplicação da palavra ‘diagnóstico’ de uma maneira enganosa, violando três dos princípios básicos da ciência. O problema final com o DSM que eu quero discutir aqui é que a despeito das questões que se espalharam sobre a sua validade, ele parece alheio à falácia ontológica, quer dizer, em acreditar que por ter dado um nome para algo que pensamos que vemos, que algo deve existir. “

A abordagem do CSM, em contraste, enfatiza que a “individualidade ultrapassa qualquer sistema de classificação. “Ao substituir ‘transtorno’ de saúde mental pelo termo “preocupação”, seu principal constructo é definido como se segue?

“Uma inquietação de saúde mental ocorre quando uma pessoa que procura serviços de saúde mental expressa ao prestador de serviços de saúde mental uma preocupação sobre qualquer um desses tópicos: comportamento, emoção, humor, vícios, significado da vida, morte, morrer, gerenciamento de dor crônica, trabalho, relacionamentos, educação, alimentação, cognição, sono e situações desafiadoras de vida “.

Desta forma, a preocupação é definida por quem busca ajuda, que é também quem identifica sua identidade pessoal e fatores contextuais. Seguindo essa classificação, ambas as partes constroem juntas uma hipótese sobre a natureza e a origem da preocupação.

Rubin observa que o sistema CSM poderá introduzir uma competição positiva em um campo onde a abordagem DSM / ICD domina. Além disso, ele chama a atenção para o caso de que o sistema CSM possa ser facilmente usado por terceiros pagadores e ser praticamente incorporado em uma sociedade com vastas organizações, incluindo programas educacionais, alinhando-se com missões de “saúde mental”.

“Por estas razões, o CSM manteria o conceito de “saúde mental “para que ele possa ser acomodado confortável e realisticamente em muitas grandes organizações que estejam usando”, ele escreve. No entanto, o CSM usaria o termo “saúde mental” de uma maneira que é diferente do que está implícito no DSM e no CID. O CSM rejeitaria explícitamente a ideia de que o oposto da saúde mental é doença mental “.

Ao contrário do sistema DSM / ICD, o CSM é ateórico e orientado para reduzir o estigma e elevar o respeito pelos usuários do serviço. A sintonização com a pesquisa e o foco no empoderamento de indivíduos que procuram ajuda, oferece uma resposta potencial a recentes clamores e solicita mudanças no campo (confira matéria do MIB).

Acompanha esses dois artigos acima apresentados uma ampla gama de tópicos diversos que formam esta segunda edição especial, incluindo uma resposta colaborativa / avaliativa de resultados de psicoterapia liderada por Barry Duncan, formulações psicológicas como alternativa ao diagnóstico, e um modelo de consentimento informado para o tratamento de transgênero como alternativa para a ‘Disforia’ de gênero.

Os editores da edição especial, Kamens, Flanagan e Robbins, escrevem:

“Acreditamos que as alternativas de diagnóstico previstas por esses autores nesta edição geram esperança para um futuro humanista e centrado na pessoa, na pesquisa e nas práticas de saúde mental”.

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Leia o número especial na íntegra →

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Equipe de Notícias MIA-UMB: Zenobia Morrill é formada no programa de mestrado de psicologia de aconselhamento na Universidade de Columbia. Como estudante de doutorado e pesquisadora da Universidade de Massachusetts, em Boston, procura compreender o contexto que informa a pesquisa de psicologia e os fatores sociais subjacentes que influenciam a psicologia individual. Ela atualmente está envolvida em projetos que examinam o impacto da violência estrutural.