Um grupo internacional de pesquisadores, incluindo vários com ligações financeiras com fabricantes de antidepressivos, explora possíveis explicações para por que usuários de antidepressivos de longo prazo ficam cronicamente deprimidos.
O principal autor do artigo é Michele Fornaroa da University School of Medicine Federico II, Nápoles, Itália. O artigo é publicado on-line antes da impressão na revista Pharmacological Research. A estimativa conservadora de Fornaroa, com base na literatura anterior, é que até um terço das pessoas que tomam antidepressivos os consideram ineficazes ou acham que eles aumentam os sintomas depressivos.
Mad in Brasil relatou anteriormente estudos que descobriram que a eficácia antidepressiva está superestimada, que o uso de antidepressivos está associado a piores resultados, independentemente da gravidade inicial da depressão, e que sintomas graves de abstinência são comuns após a descontinuação – particularmente após uso prolongado.
Embotamento emocional
Consistente com esta pesquisa, Fornaroa e os outros escrevem que “uma potencial manifestação prejudicial do tratamento a longo prazo com antidepressivos pode ser o fenômeno de embotamento emocional ou, de outra forma, fenômenos ‘depressogênicos’”.
“Uma alta proporção de pacientes que recebem ISRSs pode exibir um fenômeno clínico chamado de embotamento emocional. Esses pacientes frequentemente descrevem suas emoções como sendo ‘amortecidas’ ou ‘atenuadas’, enquanto alguns pacientes referem-se a um sentimento de estar no ‘limbo’ e que apenas ‘não se preocupam’ com questões com as quais antes se preocupavam. Essas manifestações adversas podem persistir, mesmo após os sintomas de depressão terem melhorado, e podem ocorrer em pacientes de todas as idades.”
No embotamento emocional, as pessoas perdem a capacidade de experimentar suas emoções e de autorregularem seu estado emocional. Assim, em “uma alta proporção de pacientes”, a incapacidade de sentir prazer, alegria e paixão pode ser o custo de a dor ser anestesiada.
Outros efeitos de tolerância
Quando os antidepressivos param de funcionar, a prática comum de aumentar a dose pode piorar os efeitos de tolerância e levar a um agravamento da depressão a longo prazo. Os autores escrevem que isso “pode exacerbar a tolerância e induzir cronicidade e refratariedade em um subconjunto substancial de pacientes com TDM”. Os autores também observam a prevalência de sensibilização, na qual os usuários de antidepressivos se tornam mais suscetíveis a efeitos colaterais ao longo do tempo.
O que faz com que os antidepressivos parem de funcionar?
Os autores enfocam os processos biológicos que podem fazer com que os antidepressivos parem de funcionar ou piorarem a depressão. No entanto, eles também fornecem algumas outras explicações sobre por que os antidepressivos param de funcionar. Segundo Fornaroa e colegas:
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A medicação antidepressiva pode acarretar episódios maníacos em um subconjunto de pacientes, levando a diagnósticos mais extremos, como transtorno bipolar.
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“Estressores e eventos de vida podem se intrometer”, o que pode levar a que a medicação não funcione mais.
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“Comorbidades como transtornos por uso de substâncias” prejudicam a eficácia, indicando que, se as pessoas acham necessário se automedicar com outras substâncias, isso pode diminuir a eficácia dos antidepressivos.
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Muitas pessoas que melhoram com os antidepressivos estão experimentando o efeito placebo, que se desgasta com o tempo e que pode ser equivocadamente considerado como desenvolvimento de uma “tolerância” ao antidepressivo.
Fornaroa explica: “Há uma lacuna estreita entre antidepressivos e placebo em ensaios clínicos de tratamento agudo, o que implica que muitas pessoas que melhoram enquanto tomam antidepressivos são nada mais e nada menos do que respondedores ao placebo. Nessas pessoas, a percepção de perda da eficácia pode ser uma perda do efeito placebo.”
O modelo de oposição
Fornaroa e os outros autores fornecem várias teorias biológicas de como os antidepressivos podem induzir à tolerância ou ao agravamento dos sintomas. Elas geralmente são baseadas no ‘modelo de oposição’, que sugere que o cérebro trabalha em constante adaptação visando o equilíbrio. Isto é, na medida em que uma droga afeta os níveis de neurotransmissores, o cérebro se adapta de volta aos seus níveis anteriores.
Os pacientes podem ser informados de uma história – já desacreditada – de como funcionam os antidepressivos: alguém com depressão não tem serotonina suficiente, e que as drogas fornecem isso. No entanto, isso não explica por que a droga leva várias semanas para começar a ‘trabalhar’ na depressão. Uma teoria baseada no modelo oposicional é que, na verdade, é a redução da serotonina o que causa o efeito antidepressivo.
Acredita-se que os ISRSs possam reduzir a serotonina, porque quando a droga provoca aumento dos níveis de serotonina, o cérebro se adapta liberando cada vez menos serotonina. Então o cérebro se adapta em excesso, de forma que muito menos serotonina é liberada do que antes do uso da medicação. Isso também pode explicar os efeitos adversos induzidos pela droga, como efeitos colaterais da adaptação excessiva do cérebro à droga, reduzindo a serotonina abaixo do necessário.
Explicações Biológicas para Efeitos de Tolerância
Aqui estão algumas das explicações biológicas específicas para esses efeitos, conforme escritas por Fornaroa:
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Farmacocinética: A enzima conhecida como citocromo P450 é responsável por quebrar os ingredientes ativos nos antidepressivos. Ao se adaptar à presença do fármaco e se tornar mais eficaz, isso pode reduzir a quantidade de fármaco ativo no sistema. O que também pode ser afetado pelo tabagismo e por outras interações medicamentosas.
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Farmacodinâmica: Os receptores dos neurotransmissores adaptam-se à presença do fármaco ao longo do tempo e, assim, o efeito do fármaco é diminuído. Por exemplo, Fornaroa escreve que as drogas antidepressivas fazem com que os receptores entrem em uma retroalimentação, “levando, em última instância, a um equilíbrio e a uma função prejudicada dos receptores de serotonina”.
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Teoria do HHA: As drogas super ativam o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), o que pode “afetar desfavoravelmente o funcionamento do receptor de serotonina”.
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“As ações antidepressivas de longo prazo no eixo HHA também podem aumentar a sensibilização dos estressores, o que pode afetar a probabilidade de recorrências.” Isto é, tomar um antidepressivo torna a pessoa mais suscetível ao estresse ambiental e psicológico que pode levar ao agravamento dos sintomas depressivos.
Problemas com a pesquisa
Os autores mencionam que a pesquisa publicada sobre medicamentos antidepressivos sofre de vários problemas quando se trata dos efeitos indutores das drogas sobre a depressão das drogas. Eles acham que os pesquisadores não podem concordar com a terminologia, e têm critérios vagos para o que constitui esses efeitos.
“Não há definições operacionais unívocas para ‘taquifilaxia’ ou outros fenômenos relacionados à tolerância. Assim, conceitos como “aparecer/desaparecer” (resposta), “servir/deixar de servir” (fenômenos), “recidiva depressiva durante o tratamento de manutenção com antidepressivo”, “o súbito reaparecimento” (depressão) e “perda de eficácia” foram usados de forma intercambiável e inconsistente na literatura ”.
Todos esses termos são usados para indicar que os antidepressivos pararam de funcionar ou pioraram os sintomas a serem tratados. No geral, a pesquisa sobre tolerância, sensibilização e disforia tardia induzidas por drogas é pouco e mal estudada, mas há evidências de que ela afeta uma grande proporção de pessoas que tomam antidepressivos.
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Para que se tenha uma ideia de quem são os autores do artigo, o seguinte é o que consta da declaração de divulgação para os autores deste trabalho:
EV has received grants and served as a consultant, advisor, or CME speaker for the following entities: AB-Biotics, Allergan, AstraZeneca, Bristol-Myers-Squibb, Ferrer, Forest Research Institute, Gedeon Richter, Glaxo-Smith-Kline, Janssen, Lundbeck, Otsuka, Pfizer, Roche, SanofiAventis, Servier, Shire, Sunovion, Takeda, Telefonica, the Brain and Behaviour Foundation, the Spanish Ministry of Science and Innovation (Centro de Investigación Biomédica en Red de Salud Mental), the Seventh European Framework Programme (European Network of Bipolar Research Expert Centres), and the Stanley Medical Research Institute. MB is supported by an NHMRC Senior Principal Research Fellowship (APP1059660) and has received Grant/Research Support from the NIH, Cooperative Research Centre, Simons Autism Foundation, Cancer Council of Victoria, Stanley Medical Research Foundation, MBF, NHMRC, Beyond Blue, Rotary Health, Meat and Livestock Board, Astra Zeneca, Woolworths, Avant and the Harry Windsor Foundation, book royalties from Oxford University Press, Cambridge University Press, Springer Nature and Allen and Unwin, has been a speaker for Astra Zeneca, Lundbeck, Merck and Servier and served as a consultant to Allergan, Astra Zeneca, Bioadvantex, Bionomics, Collaborative Medicinal Development, Grunbiotics, Janssen Cilag, LivaNova, Lundbeck, Merck, Mylan, Otsuka and Servier. The other authors report no conflicts of interest. AdB has received research support from Janssen, Lundbeck, and Otsuka and lecture honoraria for unrestricted CME talks from Chiesi, Lundbeck, Roche, Sunovion, and Takeda; he has served on advisory boards for Eli Lilly, Jansen, Lundbeck, Otsuka, Roche, and Takeda.
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Fornaroa, M., Anastasiab, A., Novelloa, S., Fuscoa, A., Parianoa, R., De Berardisc, D. . . . Carvalhon, A. F. (2018). The emergence of loss of efficacy during antidepressant drug treatment for major depressive disorder: An integrative review of evidence, mechanisms, and clinical implications. Pharmacological Research. https://doi.org/10.1016/j.phrs.2018.10.025 (Link)