Marci Webber Ganhou uma Alta Condicional de uma Internação em Hospital de Custódia

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Desde 2012, quando Marci Webber foi considerada culpada por insanidade mental por haver matado a sua filha de quatro anos de idade, ela tem estado detida em hospitais psiquiátricos de Illinois. Mad in America publicou vários posts de Cindi Perlin sobre Marci, pois ela cometeu o homicídio enquanto estava no fundo de um episódio psicótico que eclodiu enquanto tomava um coquetel de drogas psiquiátricas.

Em 18 de setembro, um juiz do condado de Illinois decidiu que Marci Webber não mais atendia aos critérios legais para ficar trancada em um hospital psiquiátrico e que o Departamento de Serviços Humanos de Illinois deveria desenvolver um plano para a sua alta condicional.

O juiz George Bakalis não se pronunciou dessa maneira, para ele o ato homicida de Webber se devia às drogas. No entanto, os procedimentos realmente contam uma história que dá motivos para se acreditar que sim, que se devia às drogas prescritas, bem como confirmam as suas queixas de que ela havia sido punida e abusada no Elgin Mental Health Center por se recusar a tomar drogas psiquiátricas no Centro de Assistência.

Drogas psiquiátricas e o longo caminho para o homicídio

Em 2010, Webber tinha 43 anos e não tinha histórico prévio de psicose. No entanto, ela tinha um longo histórico de uso de drogas psiquiátricas e de luta com depressão, ansiedade e insônia – lutas que ela hoje vê como devidas em grande parte à acatisia induzida por drogas.

Nascida em 1967, Webber entrou no Exército em 1987, servindo em uma equipe de mísseis Pershing, com sede na Alemanha. Após uma dispensa com honras que recebeu em 1989, obteve um diploma de bacharel em comunicação pela Universidade de Illinois. Sua primeira filha, Mallory, nasceu em 1992 e, pouco tempo depois, ela estava em uma batalha de custódia com o pai de sua filha. Seu médico receitou Paxil para “aliviar o estresse”, ela disse ao Mad in America (MIA).

Durante os anos seguintes, Webber trabalhou como publicitária em vários empregos e, enquanto estava em Paxil, sofria continuamente de ansiedade e insônia. Em 2000, ela deu à luz a uma segunda filha, Madison, e enquanto lutava com o estresse de cuidar de um recém-nascido, seu médico receitou-lhe uma dose mais alta de Paxil. Em 2001, ela entrou na Albany Law School e, com seus problemas de humor e sono cada vez mais piores, um psiquiatra acrescentou Zyprexa ao Paxil, pois isso deveria controlar o seu humor e ajudá-la a dormir. Em algum momento, Wellbutrin também foi adicionado ao seu coquetel.

Em janeiro de 2002, devido a um problema com a cobertura do seu seguro de saúde, ela não conseguiu renovar as suas prescrições, e a retirada abrupta de seu coquetel levou-a a um colapso. Depois de colocar uma faca em seu braço frente ao seu marido, ela foi internada em um hospital.

O restante do ano foi um grande caos em sua vida. Seu marido a deixou, e seu coquetel de drogas passou a incluir Zoloft, Neurontin e Seroquel, sendo este último um substituto para o Zyprexa. Esse coquetel geralmente induzia uma acatisia excruciante nela, e agora ela começava a beber álcool para amenizar essa dor. Duas vezes mais naquele ano ela foi voluntariamente ao hospital, na esperança de obter alívio para todos esses estresses.

Nos anos que se seguiram, ela tirou uma licença médica na Faculdade de Direito de Albany, havendo concluído cinco dos oito semestres. Ela cuidou de suas duas filhas, vivendo com falta de pensão da previdência social, e em 2006 teve uma terceira filha, Maggie. Durante os anos seguintes, ela ficou em um coquetel de Zoloft, Wellbutrin e Seroquel, com outras drogas usadas de vez em quando. As dosagens dos três principais medicamentos eram frequentemente aumentadas.

No final de maio de 2010 ela viajou para Illinois para a graduação do ensino médio de sua filha Mallory, que naquela época morava com o pai. Mas, ela havia esquecido sua caixa de medicamentos psiquiátricos, e logo se viu diante de graves sintomas de abstinência, e seus pensamentos tomaram uma decisão fortemente paranoica.

Nos 12 meses anteriores, houve vários incidentes na Igreja Católica que ela frequentava, um dos quais envolveu um seminarista tocando indevidamente a sua filha de quatro anos. O que a levou a ficar mais ainda obcecada com esse risco para a filha e, no final de outubro, voltou abruptamente a uma combinação de medicamentos psiquiátricos que havia sido recentemente prescrita. Ela voltou a tomar Zoloft, em alta dose, e um psiquiatra substituiu a receita de Seroquel por uma de Ambien. Este último medicamento é conhecido pelos efeitos colaterais ‘estranhos’ que podem por ele ser causados , incluindo ‘hipnose, amnésia e alucinações’.

“Ambien foi o pontapé inicial”, lembrou Webber. “Foi isso e a acatisia. A dor chegou ao telhado. Você é capaz de fazer qualquer coisa para acabar com isso.”

Os pensamentos de Webber agora corriam soltos. Ela ficou convencida de que um anel sexual na Internet iria vir a sequestrar a sua filha de quatro anos e torná-la uma escrava sexual. Os sequestradores a matariam em um ritual satânico, o que, acreditava Webber, a condenaria ao inferno eterno. Em novembro daquele ano, enquanto visitava a mãe em Illinois, Webber matou a filha para salvá-la desse destino. E tentou se matar.

“Eu pensei que a estava enviando para o céu”, disse ela.

Cindi Perlin, que vinha sendo a psicoterapeuta de Marci há anos, imediatamente teve um pensamento quando soube o que havia acontecido: havia que ser as drogas o que desencadeou o seu ato homicida. “Eu conhecia a intimidade de Marci há oito anos e sabia que ela era uma mãe preocupada e amorosa com seus filhos”, escreveu ela, em um de seus posts no MIA. “Marci nunca tinha sido antes violenta ou psicótica.”

Não é culpada por razões de insanidade

Webber passou dois anos na prisão e, em um curto julgamento em 2012, não foi considerada culpada por insanidade. Depois de um breve período no Chicago-Read Mental Health Center, ela foi transferida para um hospital psiquiátrico em Elgin, Illinois, e foi lá que ela decidiu se posicionar e se recusar a tomar mais medicamentos psiquiátricos.

Sua recusa a tomar medicamentos a levou ser submetida a anos de maus-tratos e assédio, com a equipe a certa altura incentivando-a a se matar. Ela foi agredida mais de uma dúzia de vezes por outros pacientes.

No entanto, uma vez fora das drogas psiquiátricas, os sintomas psicóticos de Webber diminuíram, o que lhe proporcionou ter um motivo legal para solicitar sua libertação. De acordo com a lei de Illinois, uma pessoa considerada inocente por motivo de insanidade pode continuar a ser detida apenas se essa pessoa representar um perigo para si ou para os outros e necessitar de atendimento hospitalar. Webber pediu a alta pela primeira vez em 2014, mas após uma série de atrasos, o tribunal negou seu pedido em 2017.

Em junho de 2018, ela apresentou uma nova petição de quitação da sua pena e as audiências começaram em maio de 2019.

O Testemunho

Webber apresentou o testemunho de dois psicólogos, Toby Watson e Dathan Paterno, e de um psiquiatra, Gail Tasch. Os dois aplicaram uma bateria de testes e todos concluíram que Webber não sofria de nenhum transtorno mental grave e não era um perigo para si ou para os outros. Embora no passado ela tenha sofrido de depressão, ansiedade e sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, eles concluíram que qualquer sintoma desse tipo poderia ser atribuído ao seu confinamento e ao tratamento hostil nas instalações de Elgin.

O Estado, que procurava a manter em confinamento, apresentou o testemunho de uma psicóloga, Lesley Kane, quem o tribunal havia nomeado para entrevistar Webber, e do psiquiatra Richard Malis, que trabalhava para o Departamento de Serviços Humanos de Illinois. Embora ambos tenham argumentado que a petição de Webber deveria ser negada, eles o fizeram por diferentes razões.

Kane disse ao juiz que, embora Webber não apresentasse nenhum sintoma psicótico há algum tempo, ela tinha “traços” que apoiavam o diagnóstico de transtorno de personalidade limítrofe. As pessoas com esse distúrbio, disse ela ao tribunal, costumavam ter “mudanças marcantes de humor”, “estarem frequentemente agitadas” e serem propensas a “sarcasmo extremo” e “amargura duradoura”. Se Webber fosse libertada, ela correria o risco “de desenvolver mais sintomatologia em um ambiente comunitário ”, disse Kane e, portanto, que ela deveria permanecer internada em um hospital.

Videotape da entrevista de Leslie Kane sobre Marci Weber, Nov. 20, 2018

Por sua vez, Malis deu a Webber um diagnóstico diferente. Ele testemunhou que Webber sofria de “alucinações e delírios, bem como transtorno bipolar esquizoafetivo”, e que ela continuava sendo “uma ameaça para si mesma ou para os outros”. No entanto, ele reconheceu que, apesar de Webber não tomar remédios há muitos anos, ela não mostrava quaisquer sinais de psicose.

O enfermeiro chefe do turno da noite do Centro de Saúde Mental Elgin, Terry Nicholas, também testemunhou um incidente que bem mostrou um tipo de mentira institucional – frequente no Centro de Saúde Mental Elgin – com relação ao comportamento de Webber. A certa altura, depois que Nicholas escreveu no prontuário de Webber que ela era “agradável e cooperativa”, seus superiores, ao revisarem o prontuário, disseram-lhe que isso aborreceria o Dr. Malis. Em sua decisão, o juiz Bakalis detalhou a sequência de eventos:

“O Sr. Nicholas foi informado de que o Dr. Malis não estava satisfeito com esse relato e que não queria que fossem relatadas coisas agradáveis em relação à peticionária, pois isso prejudicaria sua intenção de solicitar em seu requerimento ao tribunal a obtenção de uma ordem de medicação forçada. Nicholas testemunhou que o próprio Dr. Malis expressou seu descontentamento diretamente com ele, afirmando que não poderia obter a ordem judicial com esses tipos de comentários sobre o quadro da peticionária. Este testemunho não foi contestado pelo Estado.”

O juiz Bakalis observou que algo semelhante surgiu durante a primeira petição de Webber de quitação da sua penalidade. Durante os procedimentos anteriores, dois funcionários da Chicago-Read testemunharam que não achavam que Webber estivesse doente mental e opinavam que ela deveria receber alta. No entanto, ambos haviam assinado anteriormente “cartas recomendando tratamento”, que foram enviadas ao tribunal afirmando que, de fato, ela precisava ser mantida em um ambiente confinado. Este parecia ser outro exemplo da equipe médica apresentando uma falsa avaliação do comportamento de Webber ao tribunal, observou o juiz.

Este testemunho anterior e o presente testemunho de Nicholas pareciam indicar ao tribunal que os funcionários do Departamento de Serviços Humanos de Illinois (IDHS) são instruídos por seus superiores a endossar os diagnósticos lá dados, mesmo que discordem deles. Embora o depoimento na audiência anterior não tenha ocorrido enquanto a peticionária estava sob os cuidados do Dr. Malis, o juiz questionou a maneira pela qual o IDHS vinha produzindo seus relatórios e que a pressão é exercida sobre os funcionários para se adequarem ao que os médicos supervisores achavam que deveria ser feito, mesmo que eles discordassem dos procedimentos. Isso fez com o tribunal suspendesse o julgamento para dar o prazo de noventa dias para que fossem considerados os relatórios que foram submetidos ao tribunal, verificando se eram completamente precisos em relação à peticionária.

A Decisão do Juiz

Esses foram os testemunhos que o juiz Bakanis necessitava para tomar a sua decisão. Ele ouviu três profissionais confirmando que Marci Webber não tinha doença mental, uma quarta testemunha disse que ela tinha um transtorno de personalidade limítrofe

Esse foi o conjunto de testemunhas que o juiz Bakalis necessitou examinar para tomar a sua decisão. Ele tinha ouvido três profissionais testemunharem que Marci Webber não tinha uma doença mental, e uma quarto testemunha afirmando que ela apresentava transtorno de personalidade limítrofe e uma quinta que ela apresentava transtorno bipolar esquizoafetivo. No entanto, todos pareciam concordar que ela não apresentava sintomas de psicose desde que havia interrompido os seus remédios seis anos antes, e também havia testemunhos de que o descumprimento de Webber de manter o tratamento psicofarmacológico havia irritado tanto a Malis que ele repreendeu uma enfermeira por escrever em um gráfico que ela era “agradável e cooperativa” sem os medicamentos.

Primeiro, em sua decisão por escrito, o juiz Bakalis negou a pertinência do depoimento a respeito de Weber que havia sida dada pelas três testemunhas especializadas. O tribunal, escreveu ele, “não pode concordar com os especialistas da peticionária de que ela sofra de doença mental, porque claramente, ela não é uma doente mental”.

Segundo, ele afirmou que foi o testemunho de Kane o que ele achou ser o mais convincente. “O tribunal considera que a análise do Dr. Kane está mais próxima do que na verdade afeta a peticionária, que é ser basicamente um transtorno de personalidade limítrofe. A peticionária claramente precisa ter um bom tratamento e terapia de saúde mental. ”

Terceiro, ele concluiu que Webber “nunca receberá esse [bom] tratamento enquanto estiver sob a custódia do IDHS”, e sob os cuidados do Dr. Malis. O juiz Bakalis escreveu:

“O tribunal perguntou especificamente ao Dr. Malis se era necessária uma relação entre um psiquiatra e um paciente para que o tratamento fosse eficaz; Dr. Malis reconheceu que isso seria necessário. Ele também reconheceu que esse relacionamento não existe entre ele e a peticionária, devido à desconfiança da peticionária em relação a ele e à sua posição de que ela não pode melhorar sem medicamentos psiquiátricos. Quando perguntado pelo tribunal se um psiquiatra diferente poderia ser designado para a peticionária, à luz dessa falta de relacionamento, o Dr. Malis afirmou que isso não seria possível.”

O tribunal está preocupado com a relação de tratamento entre a peticionária e Dr. Malis. Claramente, a peticionária não coopera com o Dr. Malis e o Dr. Malis não vê nenhuma esperança de que a peticionária melhore sem que ela tome medicamentos, mesmo que a peticionária esteja em remissão de psicose há vários anos – sem medicação.

Tendo avaliado o testemunho dessa maneira, Malis concluiu que, embora os traços associados ao transtorno de personalidade limítrofe, como “ser uma pessoa difícil, desagradável e narcísica”, possam “torná-la uma pessoa desagradável”,  isso “não estabelece que alguém seja uma pessoa que apresente perigo para si ou para outros.” Como tal, na opinião do tribunal, ela não, “requer estar sendo atendida como paciente internada em um hospital. Muitas pessoas com os mesmos atributos são encontradas em toda a sociedade. ”

No entanto, embora o juiz Bakalis tenha atribuído essas características a Webber, ele observou que ela “não demonstrou comportamento fisicamente violento em relação à equipe ou a outros pacientes. De fato, a peticionária foi objeto de abuso por outros pacientes sem haver retaliado.”

Em suma, o juiz Bakalis constatou que o Estado não havia demonstrado que Webber estava “precisando de serviços de saúde mental em regime de internação”. Ele ordenou ao Departamento de Serviços Humanos de Illinois que desenvolvesse um plano para sua “libertação condicional”, o que exigirá ela receba tratamento de saúde mental na comunidade e que evite todo o uso de drogas não prescritas, maconha e álcool. A liberação condicional será por cinco anos e, se Webber cumprir todas as condições durante esse período, ela será “totalmente liberada” da custódia do Departamento de Serviços Humanos de Illinois.

Uma cronologia das drogas psiquiátricas

Embora exista uma ligação bem estabelecida entre a acatisia induzida por drogas e a violência, e também um risco de que os ISRSs (Inibidores de Recaptação da Serotonina) possam desencadear esse comportamento, o possível vínculo de causa e efeito no caso de Marci Webber é obscurecido por seu longo uso de drogas psiquiátricas sem nunca haver se tornado violenta ou psicótica antes de 2010.

Mas a cronologia é certamente sugestiva desse link. A retirada abrupta de um coquetel de medicamentos que inclui um antipsicótico é conhecida por colocar alguém em risco de sofrer um episódio psicótico, e é notável que ela matou a filha logo depois de voltar a um coquetel que incluía Ambien, com todas os seus possíveis efeitos mentais espantosos. E como ela se lembra hoje, a dor da acatisia havia se tornado intolerável.

Então, depois que ela se afastou dos medicamentos em 2013, sua mente havia ficado limpa e ela não mostrou sinais de psicose desde então.

Em sua decisão, o juiz Bakalis revelou a sua própria ambivalência sobre esse ponto, o que pode ser visto em seu uso da palavra “meramente”:

O tribunal continua a ter algumas preocupações quanto ao fato de a peticionária compreenda completamente que a sua conduta anterior havia sido causada pelo desenvolvimento de doença mental e não apenas causada pelos medicamentos que estava tomando no momento do crime.

Embora a sua liberdade do sistema de internação compulsória seja condicional, com um plano ainda a ser definido, Webber está agora ansiosa pela possibilidade de um novo futuro. “Eu fiz isso para que todos os pacientes quimicamente sensíveis que são forçados a suportar efeitos colaterais horríveis ou perigosos como é a acatisia”, disse ela em uma ligação telefônica para o Mad in America. “Sou grata por estar saindo do inferno em que passei anos e pelo apoio de todos aqueles que contribuíram fielmente para minha causa.”