CAPS ou Ambulatório de Psiquiatria?

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A pesquisa publicada na revista Cereus teve como objetivo analisar as prescrições de psicofármacos em um serviço de atenção psicossocial e sua relação com a adesão ao tratamento psicossocial. Para tal, foi utilizada a observação do ambiente cotidiano do serviço e a análise de prontuários. Foram selecionados 246 prontuários de pessoas diagnosticadas com transtornos mentais graves ou recorrentes, sendo a colete feita no ano de 2017.

A rede de atenção psicossocial oferece atendimento clínico e multiprofissional, regula a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental e dá suporte à atenção à saúde mental na rede básica, procurando articular ações no território e auxiliar o usuário a retomar seu lugar na sociedade. Além disso, deve ofertar acesso gratuito aos medicamentos psiquiátricos, podendo resultar em consultas médicas sucedidas por  prescrições farmacológicas, fomentando a cultura da medicalização.

Para a pesquisa, foram coletadas informações dos prontuários de usuários de um CAPS II em Palmas, no Tocantins, entre os períodos de 2010 e 2016. Os seguintes indicadores foram avaliados: classe do transtorno mental conforme o CID -10, número médio de medicamentos prescritos e frequência. Para a observação sistemática do ambiente do serviço utilizou-se um diário de campo.

Os principais diagnósticos encontrados foram esquizofrenia e outros transtornos psicóticos (56,9%), e Transtorno bipolar e outros transtornos de humor relacionados (21,3%). Já medicamentos foram prescritos 794 medicamentos para 246 usuários do serviço. As classes mais utilizadas foram os antipsicóticos e neurolépticos (33,1%), seguidas de estabilizantes de humor (18,5%), os mais receitados foram Haloperidol, Clonazepan, Biperideno e Risperidona. Haviam escassas avaliações multiprofissionais quando comparadas as avaliações médicas, sucessivas prescrições farmacológicas e passagens pela farmácia.

Um dos problemas encontrados foi que o CAPS funcionava como um ambulatório de psiquiatria, o que não deveria ocorrer. Para os pesquisadores, isso se deve a dificuldade de entendimento da rede psicossocial ocasiona encaminhamentos equivocados, fragilidades na estrutura organizacional do acesso aos serviços de saúde mental e extensa fila de espera para atendimento.

“Após 50 anos da criação e disseminação do Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM) produzido pela American Psychiatric Association dos Estados Unidos (APA), existe a dificuldade entre profissionais do serviço em lidarem com um sistema de classificação de doenças mentais que determina socialmente o que é normal ou patológico, e em que o trabalho psicossocial é realizado com base na doença ‘recém diagnosticada’, e não no sujeito, esquecendo-se do preceito ‘Reforma Psiquiátrica’, ‘reinserção psicossocial’ e ‘cuidado multiprofissional’. Atender em caráter ambulatorial é retornar ao conceito biomédico, onde tudo se é possível resolver através de ‘pílulas compradas em drogarias’ (FREITAS 2015).”

Os pesquisadores propõem que ocorra de maneira efetiva parcerias com dispositivos do território e da comunidade, tornando real a desinstitucionalização e evitando a medicalização da instituição. É necessário aumentar a participação da equipe multiprofissional e da família no CAPS, para assim realizar o que é preconizado pela atenção psicossocial .

“Neste sentido, avalia – se que esta dificuldade na atenção integral parece contribuir para que os usuários do CAPS II sejam acompanhados somente pelo transtorno mental o qual são acometidos, uma vez que ocorre pouca integração da atenção primária com as políticas de saúde mental, implicando ações voltadas para práticas de saúde institucionalizadas.”

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CAVALCANTE, J.A. et al. Medicalização da saúde mental: Análise das prescrições de psicofármacos em um serviço de atenção psicossocial. Revista Cereus 2021 Vol. 13. N.1 (Link)