A História da Pesquisa de TDAH Revela Nosso Pensamento Errado sobre Transtornos Mentais

0
779

Em um novo artigo no Frontiers in Psychiatry, o psicólogo teórico Stephan Schleim compartilha sua perspectiva sobre a busca contínua das bases biológicas dos transtornos de saúde mental. Usando o TDAH como exemplo, ele sugere que é improvável que causas biológicas individuais para sintomas psicopatológicos sejam encontradas, devido à variedade na forma como os sintomas se manifestam e à complexidade inerente de suas causas.

Este ponto de vista, parte de um debate acadêmico contínuo, tem implicações para a precisão e utilidade de sistemas de taxonomia diagnóstica como o DSM e o Research Domain Criteria (RDoC).

Schleim escreve que “as categorias de transtornos mentais são entidades tão complexas e heterogêneas que é improvável a descoberta de biomarcadores de diagnóstico confiáveis, o que também é apoiado por cerca de 180 anos de história da psiquiatria”. Ele acrescenta que “doenças como epilepsia ou Parkinson, que foram originalmente entendidas como transtornos psiquiátricos passaram para a neurologia após a descoberta de fortes marcadores neurais”.

Schleim descreve a história e a progressão da pesquisa buscando encontrar biomarcadores que permitissem a identificação e o tratamento consistentes de transtornos mentais. Ele argumenta:

1) transtornos mentais específicos têm sintomas muito vastos, variados e que se manifestam individualmente, tornando possível encontrar um mecanismo biológico singular por transtorno, e

2) a pesquisa não conseguiu encontrar marcadores biológicos de processos cognitivos ou emocionais comuns.

O desejo de mostrar fortes explicações biológicas para as dificuldades de saúde mental remonta pelo menos até 1845. Estudiosos sugeriram que o primeiro passo no conhecimento dos sintomas relacionados à saúde mental seria entender “a que órgão pertencem as indicações da doença”. Enquanto a busca por órgãos desordenados lembra um pouco a frenologia (uma prática agora rejeitada de atribuir características psicológicas à forma e tamanho da cabeça), a busca científica por biomarcadores se deslocou principalmente para genes e para a ativação neurológica.

Schleim explica que o desenvolvimento da fMRI deu aos pesquisadores a esperança de que seria possíve a ligação de fenômenos cognitivos e emocionais a estruturas ou processos específicos do cérebro. No entanto, se alguma coisa isto apresentou, foi um quadro ainda mais complicado de como as emoções e a cognição se relacionam com o cérebro. Em segundo lugar, foram encontradas com freqüência correlações entre genes e transtornos mentais, mas são muito fracas para servir como a explicação principal para os transtornos mentais.

Dando como exemplo o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), Schleim explica a história da classificação do transtorno e a improbabilidade de os transtornos de saúde mental demonstrarem “biologismo forte”.

“Exemplos de biologismo forte seriam um certo genótipo, uma certa função ou estrutura cerebral fortemente correlacionada com um determinado processo ou comportamento psicológico”.

Os distúrbios com biologismo forte podem envolver uma explicação biológica individual para seu desenvolvimento e mecanismos de tratamento (por exemplo, uma estrutura cerebral específica lesionada ou subdesenvolvida, um gene consistentemente explicativo, etc.). Por outro lado, Schleim argumenta que os transtornos psicológicos têm “biologismo fraco” ou múltiplos biomarcadores que estão vagamente associados ou não explicam completamente as ocorrências do transtorno.

O TDAH era anteriormente considerado um mau comportamento moral entre as crianças, seguido por uma combinação de categorias como Transtorno Hipercinético, Disfunção Cerebral Mínima, e Dano Cerebral Mínimo. Esta categorização foi substituída pelo Transtorno de Déficit de Atenção/Desordem de Hiperactividade no DSM-III, a ser sucedido pela consideração como um distúrbio de desenvolvimento neurológico no DSM-5-TR. Atualmente, há algum debate sobre a validade dos biomarcadores para TDAH, incluindo afirmações duvidosas de que as pessoas com TDAH têm cérebros menores.

Os três tipos de TDAH identificados no DSM-5 são 1) desatento, 2) hiperativo/impulsivo, e 3) e combinado. Como um exemplo da variedade de apresentações de distúrbios isolados, Schleim escreve:

“Semelhante ao Transtorno Depressivo Maior, do qual existem 227 variantes, podemos distinguir 130 formas puras de TDAH para cada tipo maior. Combinando cada tipo puro de 1) com cada tipo puro de 2) já acrescenta 16.900 tipos mistos adicionais; incluindo as combinações de sintomas restantes rende um total de 116.2202… tornam improvável a redução da heterogeneidade de uma categoria como o TDAH para um ou alguns biomarcadores confiáveis”.

Schleim apresenta três categorias de abordagens pelas quais terapeutas e pesquisadores se engajam na classificação dos transtornos mentais como a seguir:

  • Essencialismo: a idéia de que existem biomarcadores confiáveis para transtornos mentais que facilitam a classificação e o tratamento igualmente confiável dos transtornos
  • Construcionismo social: que as definições e entendimentos sociais de transtornos mentais são construídos por instituições (por exemplo, quando a homossexualidade foi considerada patológica por organizações psicológicas)
  • Pragmatismo: um foco no que é mais útil para os clínicos e clientes

Entretanto, estas categorias estão longe de ser exaustivas e são apresentadas como desnecessariamente exclusivas uma da outra. Schleim sugere que é difícil encontrar ligações claras entre biologia e fenômenos psicológicos, em parte devido a desafios na operacionalização de fenômenos como “atenção” que não são físicos.

Além disso, ele diz que a taxonomia de base biológica trata erroneamente os transtornos psicológicos como “coisas” quando eles são construções principalmente pragmáticas para ajudar na tarefa de tratar os clientes. Entretanto, o fato de não terem marcadores biológicos um a um não os torna menos reais nem apenas pragmáticos. Este suposto enigma se baseia na idéia de que se os fenômenos psicológicos não são físicos, eles são vagos, difusos ou não-prováveis, uma questão que tem sido bem abordada por várias décadas de desenvolvimento de métodos de pesquisa psicológica.

Embora Schleim reconheça que os distúrbios mentais não são “apenas construções”, ele critica o excesso de ligação com aquilo que é concreto e tangível, ao mesmo tempo em que ele mesmo comete a mesma falácia lógica.

Isto pode refletir uma questão mais profunda dentro do campo da pesquisa psicoterapêutica – não acreditamos na existência real dos fenômenos psicológicos se não pudermos fixá-los a algo físico, biológico ou visível. Mas, por outro lado, se abertos à possibilidade de que os fenômenos psicológicos tenham causas psicológicas ou sociais que apresentem etiologias e mecanismos consistentes de tratamento, podemos ser capazes de desistir da luta até agora infrutífera para reduzir suas causas à biologia.

Schleim critica as abordagens biológicas da classificação utilizada tanto no DSM quanto no RDoC, concluindo:

“A continuação da busca por biomarcadores ou “circuitos cerebrais “danificados” traz o risco de negligenciar a perspectiva dos pacientes e atrasar a tradução clínica para um futuro incerto e distante. A biologização/medicalização dos transtornos mentais não resolveu o problema da estigmatização e pode, ao contrário, aumentar a distância social entre pacientes e não-pacientes”.

Este trabalho é uma valiosa continuação dos debates sobre a utilidade e relevância da categorização biológica para os fenômenos psicológicos. Ele destaca que as iterações do DSM e do RDoC diferem muito pouco uma da outra em sua tendência de hiper-medicalizar e sobreconcretizar fenômenos psicológicos e abstratos (embora conceitualmente discretos). A conversa seria aprofundada por um reconhecimento de que as coisas não precisam ser biológicas para serem importantes.

****

Schleim, S. (2022). Why mental disorders are brain disorders. And why they are not: ADHD and the challenges of heterogeneity and reification. Frontiers in Psychiatry, 13. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2022.943049 (Link)

[trad. e edição Fernando Freitas]