Relatório Para a Melhoria dos Resultados em Saúde Mental: REFERÊNCIAS

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1 Os gráficos nesta seção são do premiado jornalista Robert Whitaker, autor de Anatomia de uma Epidemia (2010) e Mad in America (2002), inclusive de sua conversa altamente recomendada com a Rede Soteria no Reino Unido em 16 de julho de 2021, “Soteria Past, Present, and Future: The Evidence For This Model of Care”.

2 Personal Responsibility and Work Opportunity Reconciliation Act of 1996, Pub. Law. 104–193, August. 22, 1996; 110 Stat. 2105.

3 Insel, Thomas R. (2009). “Translating Scientific Opportunity Into Public Health Impact: A Strategic Plan for Research on Mental Illness.” Archives of General Psychiatry 66(2): 128–133.

4 Harrow, Martin; & Jobe, Thomas H. (2007). “Factors Involved in Outcome and Recovery in Schizophrenia Patients Not on Antipsychotic Medications: A 15-Year Multifollow-Up Study.” Journal of Nervous and Mental Disease 195(5): 406–414.

5 Os neurolépticos são comercializados como “antipsicóticos” embora não possuam efeitos especificamente antipsicóticos para a maioria das pessoas.

6 Seikkula, Jaakko, et al. (2006). “Five-Year Experience of First-Episode Nonaffective Psychosis in Open- Dialogue Approach: Treatment Principles, Follow-Up Outcomes, and Two Case Studies.” Psychotherapy Research 16(2): 214–228.

7 Harrow, Martin; & Jobe, Thomas H. (2007). “Factors Involved in Outcome and Recovery in Schizophrenia Patients Not on Antipsychotic Medications: A 15-Year Multifollow-Up Study.” Journal of Nervous and Mental Disease 195(5): 406–414.

8 Embora possa não haver uma coincidência exata entre os 80% que se recuperaram e os 80% que não fizeram uso de neurolépticos a longo prazo, é nítido que minimizar o uso destas substâncias produz efeitos drasticamente melhores.

9 O melhor livro para entender o impacto das drogas psiquiátricas em geral, não apenas os neurolépticos, é Anatomia de uma Epidemia: pílulas mágicas, drogas psiquiátricas e o aumento assombroso da doença mental (2010) de Robert Whitaker, de cujo trabalho boa parte desta seção foi extraída.

10 Harrow, Martin; Jobe, Thomas H.; & Faull, Robert N. (2012). “Do All Schizophrenia Patients Need Antipsychotic Treatment Continuously Throughout Their Lifetime? A 20-Year Longitudinal Study.” Psychological Medicine 42(10): 2145–2155; Harrow, Martin; & Jobe, Thomas H. (2013). “Does Long-Term Treatment of Schizophrenia With Antipsychotic Medications Facilitate Recovery?” Schizophrenia Bulletin 39(5): 962–965; Harrow, M.; Jobe, T. H.; & Faull, R. N. (2014). “Does Treatment of Schizophrenia With Antipsychotic Medications Eliminate or Reduce Psychosis? A 20-Year Multi-Follow-up Study.” Psychological Medicine 44(14): 3007–3016; Harrow, Martin, et al. (2017). “A 20-Year Multi-Followup Longitudinal Study Assessing Whether Antipsychotic Medications Contribute to Work Functioning in Schizophrenia.” Psychiatry Research 256: 267–274; e Harrow, Martin; & Jobe, Thomas H. (2018). “Long-Term Antipsychotic Treatment of Schizophrenia: Does it Help or Hurt Over a 20-Year Period?” World Psychiatry 17(2): 162–163; Harrow, Martin; Jobe, Thomas H; & Tong, Liping. (2022). “Twenty-Year Effects of Antipsychotics in Schizophrenia and Affective Psychotic Disorders.” Psychological Medicine 52(13): 2681–2691.

11 Gøtzsche, Peter C. (2015), Deadly Psychiatry and Organized Denial, p. 165, et. seq. (Copenhagen: People’s Press). Vide também Parks, Joe, et al. (2006), Morbidity and Mortality in People With Serious Mental Illness (Alexandria, VA: National Association of State Mental Health Program Directors). O relatório documenta que a mortalidade entre pessoas diagnosticadas com doença mental grave no sistema público de saúde mental acelerou a tal ponto que estas pessoas estão agora morrendo 25 anos mais cedo do que a população geral. O relatório não atribui este fato às drogas psiquiátricas, mas é bem claro que a principal mudança seja o advento dos neurolépticos de segunda geração, e o grande aumento da polifarmácia.

12 Joukamaa, Matti, et al. (2006). “Schizophrenia, Neuroleptic Medication and Mortality.” British Journal of Psychiatry 188(2): 122–127.

13 Murray-Thomas, Tarita, et al. (2013). “Risk of Mortality (Including Sudden Cardiac Death) and Major Cardiovascular Events in Atypical and Typical Antipsychotic Users: A Study With the General Practice Research Database.” Cardiovascular Psychiatry and Neurology 2013: 247486.

14 Ray, Wayne A., et al. (2001). “Antipsychotics and the Risk of Sudden Cardiac Death.” Archives of General Psychiatry 58(12): 1161–1167.

15 Gøtzsche, Peter C. (25 de fev. de 2023). “A New Paradigm for Testing Psychiatric Drugs is Needed.” Mad in America.

16 Whitaker, Robert. (6 de abr. 2023). “Answering Awais Aftab: When it Comes to Misleading the Public, Who is the Culprit?Mad in America, citando Saha, Sukanta; Chant, David; & McGrath, John. (2007). “A Systematic Review of Mortality in Schizophrenia: Is the Differential Mortality Gap Worsening Over Time?” Archives of General Psychiatry 64(10): 1123–1131; Hayes, Joseph F., et al. (2017). “Mortality Gap for People With Bipolar Disorder and Schizophrenia: UK-Based Cohort Study 2000–2014.” British Journal of Psychiatry 211(3): 175– 181; Lilly, Samantha (6 de out. de 2022). “Long Term Antidepressant Use Associated With Increased Morbidity and Mortality.” Mad in America.

17 Lehmann, Peter. (2012). “About the Intrinsic Suicidal Effects of Neuroleptics: Towards Breaking the Taboo and Fighting Therapeutic Recklessness.” International Journal of Psychotherapy 16(1): 30–49; Whitaker, Robert. (2 de maio de 2020). “Do Antipsychotics Protect Against Early Death? A Review of the Evidence.” Mad in America; Healy, David, et al. (2006). “Lifetime Suicide Rates in Treated Schizophrenia: 1875–1924 and 1994–1998 Cohorts Compared.” British Journal of Psychiatry 188(3): 223–228.

18 Healy, David; & Aldred, Graham. (2005). “Antidepressant Drug Use & the Risk of Suicide.” International Review of Psychiatry 17(3): 163–172; Hengartner, Michael P.; & Plöderl, Martin. (2019). “Newer-Generation Antidepressants and Suicide Risk in Randomized Controlled Trials: A Re-Analysis of the FDA Database.” Psychotherapy and Psychosomatics 88(4): 247–248; Hengartner, Michael P.; & Plöderl, Martin. (2019). “Reply to the Letter to the Editor: ‘Newer–Generation Antidepressants and Suicide Risk: Thoughts on Hengartner and Plöderl’s Re-Analysis’.” Psychotherapy and Psychosomatics 88(6): 373–374; Fergusson, Dean, et al. (2005). “Association Between Suicide Attempts and Selective Serotonin Reuptake Inhibitors: Systematic Review of Randomised Controlled Trials.” BMJ 330,7488: 396.

19 Britton, Jeffery W.; & Shih, Jerry J. (2010). “Antiepileptic Drugs and Suicidality.” Drug, Healthcare and Patient Safety 2: 181–189; Food and Drug Administration, Center for Drug Evaluation and Research. (2008). Statistical Review and Evaluation: Antiepileptic Drugs and Suicidality. Como resultado, a FDA exige que os rótulos destes fármacos contenham o aviso “Drogas antiepilépticas […] aumentam o risco de pensamentos ou comportamentos suicidas”. Consulte os rótulos da FDA para Neurontin (gabapentina) e Lyrica (pregabalina).

 

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 8: Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte oito)

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Texto originalmente publicado no Mad in America , traduzido para o português por Letícia Paladino e revisado por Camila Motta.

Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele continua a detalhar a ignorância e a negação sobre o aumento das mortes por suicídio causadas pelas pílulas para depressão. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

A questão do suicídio em relação as pílulas para depressão tem sido um dos temas mais acaloradamente debatidos na psiquiatria. Mas o debate deveria parar agora. Pesquisadores têm demonstrado repetidamente que as pílulas para depressão dobram os suicídios tanto em crianças quanto em adultos, e são até apoiados por reguladores de medicamentos relutantes nesse aspecto|7|.

É muito ameaçador para a comunidade psiquiátrica que as pílulas para depressão mais utilizadas na psiquiatria aumentem suicídios e violência, e os manuais didáticos refletem isso. Infelizmente, a negação organizada continua. Eles foram altamente pouco confiáveis quanto ao risco de suicídio, que minimizaram ou negaram, de tal forma, que as recomendações se tornaram claramente perigosas.

 

Um manual didático observou que há um aumento do risco de pensamentos e comportamentos suicidas até os 25 anos de idade|16:584|, o que foi afirmado pela FDA em 2004, mas muitas revisões publicadas posteriormente mostraram que não há limite de idade. Dois manuais que se referiram a esse grupo etário jovem deixaram de alertar que qualquer mudança na dose, incluindo uma redução, aumenta o risco de suicídio|16:538|,  |19:215|.

Um terceiro manual mencionou como efeitos adversos sintomas gastrointestinais, sudorese, dor de cabeça, insônia, sedação, ganho de peso, disfunção sexual, síndrome serotoninérgica e inquietação interior|17:659|. Observou-se que, em alguns casos, especialmente ao tratar crianças e jovens, a acatisia pode ser observada no início do tratamento, o que pode ser extremamente desconfortável, e que, possivelmente, a acatisia pode até mesmo dar origem a pensamentos ou ações suicidas, sendo, portanto, muito importante acompanhar de perto os pacientes no início do tratamento.

Existem vários erros nesta recomendação. A acatisia não é “particularmente” observada em crianças; não é “possível” que a acatisia possa causar suicídio, é certo; e os pacientes não devem ser acompanhados de perto apenas no início do tratamento, mas também posteriormente, especialmente em momentos de mudanças na dose. Na verdade, a cada minuto em que estão sob o efeito da droga, já que o suicídio pode ocorrer repentinamente. É uma solução falsa.

O nível de ignorância e negação sobre um dos problemas mais importantes na psiquiatria é impressionante e mortal. Um manual didático mencionou que há um debate considerável sobre o risco de suicídio e que programas de conscientização sobre suicídio na Suécia e na Alemanha educaram médicos, aumentaram o uso de comprimidos para depressão e diminuíram os suicídios|16:538|.

Esse é o truque questionável e na sua pior versão. As melhores evidências que temos mostram que as pílulas dobram os suicídios, mas os psiquiatras utilizaram evidências defeituosas baseadas em estudos “antes e depois”, sem grupo de controle, que lhes dizem o que querem ouvir.

Um manual didático observou que ensaios randomizados mostraram que as pílulas para depressão tendem a aumentar o risco de suicídio, especialmente em grupos etários jovens, no início do tratamento|18:132|.

Mais uma vez: Não é uma tendência, é um fato, e não é apenas no início do tratamento.

Posteriormente, este livro afirmou que é altamente discutido se os ISRSs podem aumentar os pensamentos suicidas no início do tratamento, mesmo que tenha reconhecido que grandes metanálises de ensaios randomizados “sugerem” que pensamentos e atos suicidas podem ocorrer|18:238|.Todos os autores deste manual são psiquiatras. Eles contestam fatos inequívocos para proteger seus interesses corporativos, e dizer “sugerir” é desonesto. Quando ensaios controlados por placebo provam algo, contra todas as probabilidades, pois ninguém está interessado em descobrir que os comprimidos aumentam os suicídios, não é uma sugestão, é um fato. Além disso, não é apenas no início do tratamento; pode ocorrer a qualquer momento (veja o aviso da FDA acima)|7,371|.

Este manual didático explicou que a inibição psicomotora muitas vezes diminui antes do humor melhorar, o que dá a energia necessária para realizar qualquer ideação suicida|18:132|. Isso também foi afirmado em outro manual, que descreveu um aumento do risco de suicídio apenas no início do tratamento|19:294|. Nunca foi documentado que os comprimidos aumentam o risco de suicídio porque removem qualquer inibição psicomotora. Isso faz parte do folclore psiquiátrico e uma maneira inteligente de transformar um dano da droga em algo que parece positivo: Veja, é porque os medicamentos são tão bons, não é?

Um terceiro manual didático também estava perigosamente equivocado. Mencionou que a depressão não tratada, pode ser prejudicial e causar suicidabilidade, e recomendou os ISRSs|17:668|. Em um capítulo de 20 páginas sobre prevenção de suicídios, um psiquiatra e um psicólogo afirmaram que os ISRSs parecem reduzir a extensão dos pensamentos suicidas|17:811|. Eles não forneceram nenhuma referência para esta declaração flagrantemente falsa e, na próxima frase, contradisseram-se ao adicionar que não foi demonstrado que as pílulas para depressão ou medicamentos “estabilizadores de humor” têm um efeito na extensão do comportamento suicida ou suicídio.

É uma falsa dicotomia distinguir entre pensamentos suicidas ou comportamento e suicídio. Mas o absurdo é abundante na literatura porque a indústria farmacêutica e os psiquiatras têm interesse em ignorar os suicídios que as drogas causam.

O diretor de pesquisa da Lundbeck, Anders Gersel Pedersen, argumentou uma vez, em resposta às minhas críticas à Lundbeck|386| que nunca foi demonstrada uma relação clara entre comportamento suicida, tentativas de suicídio e suicídio|7:95,387|. Mas um suicídio começa com um pensamento sobre suicídio, que leva a preparativos para o suicídio, uma tentativa de suicídio e suicídio. Evidentemente, os fatores de risco para tentativas graves de suicídio são muito semelhantes aos do suicídio|388,389| e os ensaios controlados por placebo mostraram um aumento nos pensamentos suicidas, comportamento suicida e suicídios|7,381-385|. O fato de nem todas as metanálises terem mostrado um aumento significativo em suicídios é apenas porque a indústria farmacêutica os escondeu. Não devemos recompensar a indústria por cometer fraudes que são letais para nossos pacientes, mas isso é o que a psiquiatria convencional tem feito há décadas.

Está errado quando os “especialistas em suicídio” afirmaram neste manual didático que não foi demonstrado um efeito das pílulas para depressão ou drogas estabilizadoras de humor no comportamento suicida ou suicídio|17:811|. Certamente é um efeito, embora prejudicial, que tanto as pílulas para depressão|7,381-385| quanto os antiepilépticos|390| dobram o risco de suicídio.

Um manual didático observou que o metabolito de serotonina 5-hidroxiindolacetico está diminuído em pessoas que tiveram várias tentativas de suicídio ou que morreram por métodos violentos|16:537|. Se isso fosse correto, esperaríamos que os ISRSs diminuíssem o risco de suicídio, já que eles aumentam a serotonina, mas eles fazem o oposto. As pseudoexplicações bioquímicas para fenômenos psiquiátricos não se encaixam.

Os principais psiquiatras não abandonam suas ideias erradas e perigosas. Professores líderes de psiquiatria e porta-vozes de médicos ainda afirmam que as pílulas para depressão protegem até mesmo crianças e adolescentes contra o suicídio|7,159|, e os sites também são enganosos. Nossa revisão de 2018 mostrou que 25 (64%) dos 39 sites populares de 10 países afirmavam que as pílulas para depressão podem causar ideação suicida, mas 23 (92%) deles continham informações incorretas e às vezes perigosas|90|. Apenas dois (5%) sites observaram que o risco de suicídio aumenta em pessoas de todas as idades.

Um manual didático observou que, na maioria dos países ocidentais, a taxa de suicídio diminuiu consideravelmente enquanto o consumo de comprimidos para depressão aumentou|18:131|. Este é um dos truques questionáveis mais horríveis da psiquiatria. Há uma abundância de tais estudos, todos de baixa qualidade e, alguns, fraudulentos. Discuto esses estudos ao longo de seis páginas em outro livro|7:96| que resumirei brevemente aqui.

Em um programa de rádio de 2011, Ulf Wiinberg, CEO da Lundbeck, que vende vários comprimidos para depressão, afirmou que os ISRSs reduzem os suicídios em crianças e adolescentes. Quando o repórter atordoado perguntou por que os folhetos de informação alertavam contra tentativas de suicídio, também para os medicamentos da Lundbeck, ele respondeu que esperava que fossem alterados pelas autoridades!

A entrevista de rádio ocorreu enquanto o parceiro dos EUA da Lundbeck, a Forest Laboratories, estava negociando compensações com 54 famílias cujos filhos haviam cometido ou tentado suicídio sob a influência dos comprimidos para depressão da Lundbeck.

Já naquela época, apenas quatro anos depois de iniciar minhas explorações na psiquiatria, eu tinha visto e ouvido uma quantidade avassaladora de bobagens sobre drogas psiquiátricas, mas isso foi tão exagerado que publiquei uma carta aberta à Lundbeck sobre o programa de rádio em um site científico|386| No dia seguinte, Anders Gersel Pedersen respondeu|387|, citando vários estudos tão profundamente falhos que não conseguia entender como um diretor de pesquisa poderia desinformar tanto.

Um exemplo foi um artigo de 2007 de Robert Gibbons que relatou um aumento nas taxas de suicídio após a FDA e a EMA em 2003 e 2004 terem alertado contra o uso de pílulas para depressão em jovens|391|. Críticos rapidamente apontaram a ciência desonesta que Gibbons empregou para construir seu argumento|392|. Ele não usou os mesmos anos civis para as prescrições de ISRSs como para os suicídios, e o fato era que o número de suicídios para pessoas abaixo de 24 anos de idade teve uma queda quando a prescrição de ISRSs para jovens diminuiu.

Este não é o tipo de erro que um cientista comete por acidente. Parece ser uma tentativa deliberada de contar uma história que se encaixe em um objetivo preconcebido|392|. Nos Países Baixos, para o qual Pedersen também se referiu, os acadêmicos ficaram indignados com Gibbons e suas artimanhas estatísticas (Gibbons é um estatístico, o que é difícil de acreditar), e eles observaram que o aumento nos suicídios nos Países Baixos foi tão pequeno que não era estatisticamente significativo. Eles acharam as conclusões de Gibbons surpreendentes e enganosas e afirmaram que ele e seus coautores foram imprudentes ao publicar tais afirmações|392|.

Gibbons publicou pelo menos dez artigos contando histórias falsas|7:96|. A Suécia tem sua própria versão de Gibbons, Göran Isacsson, que também publicou estudo após estudo que são totalmente enganosos|7:97|. Como Gibbons, ele concluiu o oposto do que seus dados mostram.

Os chamados especialistas em prevenção de suicídio não são melhores do que Gibbons e Isacsson. Eles são altamente tendenciosos em relação ao uso de drogas psiquiátricas e selecionam os estudos que citam, apesar de chamarem suas revisões de sistemáticas|393|. Estratégias de prevenção de suicídios sempre parecem incorporar o uso de comprimidos para depressão|393|, mesmo que eles aumentem os suicídios, o que também aconteceu em um programa de prevenção de suicídios para veteranos de guerra dos EUA|394|.

Um manual didático listou 10 fatores de risco para suicídio e comentou sobre suicídios durante e após a hospitalização|18:131| mas não mencionou a contribuição própria da especialidade para o risco de suicídio, que é aumentado em 44 vezes para pacientes internados em uma ala psiquiátrica|247|.

Outro livro era contraditório e deixou de fora informações importantes|16:538|. Ele afirmava que “apenas alguns” ensaios randomizados haviam sido realizados de intervenções psicossociais e psicoterapêuticas para prevenir suicídios e tentativas de suicídio em grupos de risco. Mas na próxima página, afirmava que “vários” ensaios haviam sido realizados em pacientes com uma tentativa de suicídio anterior para encontrar tratamentos que reduzissem o risco e que vários desses estudos haviam mostrado um efeito do tratamento de proximidade, possivelmente com visitas domiciliares, e da terapia cognitivo-comportamental e terapia comportamental dialética, especificamente para pacientes borderline.

Os autores se referiram apenas a um estudo em sua lista de literatura|395|, que não era um ensaio randomizado, mas um estudo observacional. Talvez isso tenha influenciado para que 10 dos 12 autores deste estudo fossem dinamarqueses. O estudo mostrou que pacientes que, após uma automutilação deliberada, receberam uma intervenção psicossocial em clínicas de prevenção de suicídios na Dinamarca tiveram um risco significativamente menor de automutilação, suicídio e morte por qualquer causa do que pacientes que não receberam tal intervenção. Os pesquisadores usaram um escore de propensão e 31 fatores de correspondência, mas nenhum ajuste estatístico pode corrigir o fato de que os pacientes que recusam a intervenção terão um prognóstico mais desfavorável do que outros pacientes (confusão por indicação).

É anti-científico afirmar que “vários” estudos mostraram isso e aquilo e citar um estudo falho em vez de ensaios randomizados. Fazemos revisões sistemáticas de ensaios randomizados para descobrir o que podemos concluir quando incluímos todos os estudos relevantes em nossas avaliações.

A automutilação nem sempre implica uma intenção suicida. Meu grupo de pesquisa, portanto, fez uma revisão da suicidabilidade em que nos concentramos na terapia cognitivo-comportamental porque a maioria dos ensaios usava esse método. Descobrimos que a psicoterapia reduz pela metade o risco de uma nova tentativa de suicídio em pessoas admitidas após uma tentativa de suicídio|272|.

Este é um resultado muito importante, e não se limita à terapia cognitivo-comportamental. A psicoterapia de regulação emocional e a terapia comportamental dialética também são eficazes para pessoas que se prejudicam|396|.

Temos a infeliz situação em que a psiquiatria convencional recomenda pílulas para depressão, até mesmo para crianças, para prevenir o suicídio, mesmo sabendo que esses comprimidos dobram o risco de suicídio, enquanto não ouvimos muito sobre o uso da psicoterapia para prevenir o suicídio, mesmo sabendo que ela reduz pela metade o risco de suicídio.

Isso é um sinal de uma especialidade em ruínas. Também é bizarro que quando um manual didático mencionou que o risco de suicídio é aumentado no início do tratamento com comprimidos para depressão, ele acrescentou que isso também é visto no início da psicoterapia|18:132|. Parece uma desculpa para usar comprimidos prejudiciais e postular que outras intervenções também aumentam o risco de suicídio. Não havia referência, mas o fato é claro: a psicoterapia diminui o risco de suicídio|272|.

Como 10% dos pacientes com transtornos afetivos cometem suicídio, e sua expectativa de vida é reduzida em cerca de 10 anos|17:373|, é muito importante que todos os psiquiatras sejam completamente educados em psicoterapia. Isso não é o caso atualmente. Muitos psiquiatras nem mesmo sabem como praticar psicoterapia e outros fizeram um curso curto. Eu fui ensinado obstetrícia na faculdade de medicina – um curso curto -, mas nunca me senti qualificado para fazer um parto.

Em 2015, organizei um encontro internacional sobre psiquiatria em Copenhague em relação ao lançamento do meu primeiro livro sobre psiquiatria. Cinco mulheres que perderam um filho, uma filha ou um marido por suicídio induzido por drogas psiquiátricas, quando não havia uma boa razão para prescrever um comprimido para depressão, decidiram vir por conta própria e contar suas histórias|7:79|. Meu programa estava cheio, mas organizei espaço para elas. Esta foi a parte mais emocionante de todo o dia. Houve um silêncio impressionante enquanto elas contavam suas histórias, que podem ser vistas no YouTube|397|.

Algo pode ser feito. O uso de pílulas para depressão em crianças e adolescentes aumentou 59% na Dinamarca de 2006 a 2010, mas nos seis anos seguintes, eu constantemente conscientizei clínicos e o público em geral na Dinamarca sobre o risco de suicídio dos comprimidos para depressão. Durante este período, o uso diminuiu 41% enquanto aumentou 40% na Noruega e 82% na Suécia|8:84,398|.

Em 2018-19, alertei os Conselhos de Saúde nos países nórdicos, Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido para o fato de que duas intervenções simples, um lembrete da Agência de Saúde da Dinamarca para médicos de família e meus constantes avisos no rádio e TV, e em artigos, livros e palestras, haviam causado uma diminuição quase pela metade no uso de comprimidos para depressão em crianças na Dinamarca, de 2010 a 2016, enquanto aumentava em outros países nórdicos|399|.

Notei que este era um assunto sério e expliquei que “A consequência da negação coletiva e profissional é que tanto crianças quanto adultos cometem suicídio por causa dos comprimidos que tomam na falsa crença de que os ajudarão”|7:149|.

Instiguei os conselhos a agirem, mas não recebi respostas, respostas tardias ou respostas sem sentido que pareciam bobagem para mim, o que o filósofo Harry Frankfurt considera uma forma de mentira|400|. Recebi um relatório da Agência Sueca de Medicamentos que contradizia a bula do fluoxetina na Suécia, e alguns dos chamados especialistas que a agência usou tinham laços financeiros com fabricantes de comprimidos para depressão, o que eles não tinham declarado.

Em 2020, escrevi novamente para os conselhos, desta vez anexando um artigo que publiquei sobre a inação deles|399|. A Diretoria de Saúde da Islândia respondeu que havia perguntado aos psiquiatras responsáveis pela psiquiatria infantil e adolescente sua opinião nove meses antes, mas que eles não haviam respondido apesar de um lembrete. A desculpa deles foi que não tinham tempo. Eu respondi: “Eles deveriam sentir vergonha de si mesmos. Crianças se matam por causa dos comprimidos e eles não têm tempo para se importar com isso. Que tipo de pessoas são eles? Por que eles se tornaram psiquiatras? Que tragédia para as crianças que eles deveriam ajudar.”

Informei Robert Whitaker sobre isso. Ele respondeu que a inação da profissão médica em relação à prescrição de drogas psiquiátricas para crianças e adolescentes é uma forma de abuso e negligência infantil, e traição institucional.

Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria, saúde mental e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.

Haverá um algoritmo para a eutanásia?

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Close up of doctor Hands holding hand of a senior citizen with condolence - concept of philanthropy, Caregiver and kindness to elderly

Ligações atreladas aos interesses financeiros, a lógica de custo/benefício e o corpo que é tratado como equipamento passível de ser desligado, são assuntos abordados na matéria que foi disponibilizada através da publicação do jornal OUTRASAÚDE pela jornalista Elen Nas.

A matéria explica que o algoritmo se define por um conjunto de fatores predeterminados que cruzarão informações consideradas relevantes para uma solução almejada, com isso no caso da eutanásia seria decidir se uma pessoa atende os pré-requisitos do pleito, que é abreviar sua própria vida. Esse algoritmo é um projeto realizado pelo Exit International criado pelo médico australiano Philip Nitschke, que trabalha para que um computador seja capaz de fazer um teste psiquiátrico de fácil interação.

Como seria esse teste? A matéria menciona que o teste é proposto para candidatos ao suicídio assistido respondam três perguntas através de um software para auxiliar na tomada de decisão: “Quem é você?”, “Onde você está?”, e “Você sabe o que irá acontecer quando você pressionar o botão?”

Dois pontos importantes foram citados ao longo da matéria: O primeiro é que deve ser considerado que, antes de olharmos para estatísticas e probabilidades, os algoritmos são fruto de um tipo especifico de raciocínio: Uma racionalidade que calcula e orienta a tomada de decisões. O segundo ponto para refletir é que a tradição humanista tem enfrentado profundas crises desde a ascensão do mundo industrial moderno, que propôs a substituição da religião pela razão na esfera pública, revelando contradições intrínsecas a um sistema fundamentado em lucro e “vantagens”, alcançados através da biopolítica no controle dos corpos – manipulando seu tempo e autonomia – e da necropolitica praticada durante os processos de colonização modernos.

Na lógica utilitarista, a eutanásia pode ser justificada não apenas pelo respeito à autonomia individual, mas também pela avaliação do custo que um paciente representará ao longo da vida e dos investimentos em sua saúde quando enfrenta uma condição para qual não há cura ou perspectiva de recuperação. Embora permitir que a própria pessoa decida viver ou morrer represente um avanço aparente no entendimento das liberdades individuais, os impactos sociais do uso dessas prerrogativas permanecem invisíveis e não são devidamente considerados dentro das perspectivas éticas humanistas. Neste contexto, o corpo pode ser comparado a uma máquina com “falhas” que pode ser “desligada” como um equipamento defeituoso, que um cálculo de custo/benefício determina se vale ou não a pena realizar reparos.

O paradigma de respeito à vida vem se dissolvendo, à medida que as contradições de um sistema que produz e lucra com desigualdades, comprometendo a dignidade humana e o bem-estar de todos os seres, apresentam-se como insolúveis. Ao ler sobre o caso da holandesa que, aos 29 anos, que teve seu pedido de eutanásia aceito, encontramos outro problema. Existe um histórico de depressão crônica e outros sofrimentos psíquicos para os quais a medicina ocidental moderna não conseguiu fornecer tratamentos efetivos que melhorem sua qualidade de vida, apesar do uso de muitos medicamentos e procedimentos. Além disso, o que poderia ser visto como um direito do paciente de exercer sua autonomia em situações críticas de saúde, onde não há possibilidade de cuidar de si e viver com dignidade, agora se expande para a possibilidade de suicídio assistido.

Os pedidos de eutanásia por sofrimento mental considerado incurável se multiplicam, como no caso de uma mulher de 40 anos, casada e com dois filhos, que declarou: “não é que eu queira morrer, mas não quero viver mais esta vida”. Isso nos leva a questionar onde está o mundo de opções infinitas prometido por uma sociedade de mercado globalmente interconectada, cheia de fantasias e sonhos possíveis, propagadas em murais, pôsteres gigantes e painéis eletrônicos. Será que as praticamente infinitas possibilidades de acessar conteúdos de todos os tipos em dispositivos eletrônicos estão se tornando mais uma obstrução do que uma solução? Esses casos ocorrem na Europa, berço do conhecimento científico que herdamos e base de nossas instituições e formas de organização política e social, consideradas mais avançadas em termos de civilidade e ética – por isso, precisamos refletir sobre como essa influência chega até nós.

Trata-se de como a crise do humanismo afeta seu próprio território e se teremos a coragem de dar espaço para outras formas de conhecer, pensar e cuidar da saúde, considerando perspectivas territoriais, decoloniais, integradas, experimentais e que valorizam afetos como modos de cura, conexões, ética da hospitalidade e respeito a todos os seres. A percepção de escassez é forjada; a natureza é abundante. E onde as soluções não se apresentam, existem caminhos não trilhados a serem descobertos. No entanto, tratar os pressupostos da ciência como dogmas tem sido um obstáculo para novas buscas de readequação do conhecimento aos desafios que as revoluções tecnológicas impõem sobre as formas de viver e sobre a própria vida.

O mundo está em crise, e as tecnologias emergentes oferecem transformações que ainda não foram totalmente assimiladas pelo corpo social. Assim como muitos medicamentos, essas tecnologias resolvem problemas, mas também criam novos. Desse modo, também nos algoritmos, exceções são ignoradas, tornando respostas que supostamente deveriam ser fidedignas em resultados parciais. A ausência de informações pode super representar erroneamente atributos que, no contexto dos fatos, teriam menor impacto. A digitalização total da vida tem impactos ainda desconhecidos e, fundamentalmente, é um simulacro muito distante da própria vida.

Por fim a matéria aponta que o futuro distópico de uma “eutanásia para todos” é a consequência de uma epistemologia que não se responsabiliza por como e de que modos os epistemicídios ocorrem. Isso torna difícil confrontar os problemas causados e seus impactos, além de abrir novos caminhos para que o conhecimento científico represente a sociedade de maneira que torne o mundo um lugar que valha a pena viver.

 

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Reduzir e parar medicamentos psiquiátricos para ajudar pacientes: Entrevista com ex PGI, a psiquiatra Swapnil Gupta.

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Texto originalmente publicado no Mad in America , traduzido para o português por Camila Motta e revisado por Paulo Amarante. 

Ayurdhi Dhar entrevista a psiquiatra Swapnil Gupta sobre a descontinuação de medicamentos psiquiátricos, os riscos do coquetel de medicamentos, a escolha do paciente e a necessidade de confiança e transparência.

Swapnil Gupta é Professora Associada e Diretora Médica no ambulatório de psiquiatria no Hospital Mount Sinai Morningside (Nova York, EUA). Recebeu formação como psiquiatra na Índia, no PGI Chandigarh, e nos Estados Unidos, no SUNY Downstate Medical Center e na Universidade de Yale. É conhecida pelo seu trabalho sobre a desprescrição e a descontinuação de medicamentos psiquiátricos.

A carreira da Dra. Gupta começou com a investigação sobre o papel do sistema endocanabinóide na fisiopatologia da esquizofrenia, enquanto psiquiatra acadêmica. Os seus estudos subsequentes centraram-se na aplicação da desprescrição, a redução sistemática de medicamentos desnecessários, à psiquiatria com ênfase nos princípios dos cuidados orientados para a recuperação. É autora de vários artigos revistos por pares sobre a desprescrição e co-autora de um livro com Rebecca Miller e John Cahill.

É membra ativa de duas organizações que visam melhorar o envolvimento das partes interessadas na investigação psiquiátrica. Também faz parte do conselho editorial do Community Mental Health Journal. Atualmente, está trabalhando na criação de recursos educativos para ajudar as pessoas a interromper a medicação psiquiátrica e no recolhimento de informações sobre os conhecimentos e opiniões dos psiquiatras relativos à interrupção desses medicamentos.

Nesta entrevista, debatemos a desprescrição de medicamentos psiquiátricos, as decisões difíceis que os doentes enfrentam, a importância do apoio psicossocial durante a retirada e a forma como a desprescrição é fundamental para as práticas orientadas para a recuperação, como a decisão partilhada e a escolha da pessoa. Abordaremos também a questão complexa de saber se a recorrência de sintomas após a redução do uso de um medicamento é uma marca de recaída ou de abstinência causada pela medicação psiquiátrica.

Ayurdhi Dhar: O que é a desprescrição em psiquiatria?

Swapnil Gupta: A desprescrição foi inicialmente definida em Medicina Geriátrica e Medicina de Cuidados Paliativos – as pessoas mais velhas recebem mais diagnósticos e mais medicamentos. A desprescrição é uma forma de retirar medicamentos quando os seus benefícios não compensam os riscos, quer no momento atual, quer no futuro. Trata-se de reduzir a dose destes medicamentos ou de os reduzir lentamente até à sua interrupção. Isto é feito tendo em conta o estado clínico e os valores da pessoa – ele quer ou não tomar os medicamentos? Existem outras formas de lidar com o mesmo problema? Como é que ele está  funcionando nesse contexto?

Dhar: Uma vez escrevi um artigo sobre a utilização inadequada de medicamentos e a polifarmácia em doentes geriátricos, com estatísticas assustadoras sobre reações adversas a medicamentos e mortalidade. Diga-nos porquê e quando viu a necessidade de desprescrever em psiquiatria.

Gupta: Comecei a trabalhar como psiquiatra na Índia. Mudei-me para os Estados Unidos em 2009 e, quando vi as prescrições de medicamentos, fiquei bastante surpresa com o fato de serem tão longas. Do ponto de vista das diretrizes padrão, as combinações de medicamentos não faziam qualquer sentido. Algumas combinações pareciam ser manifestamente prejudiciais. Por isso, desde o início, comecei a limpar os regimes de medicação.

Durante o meu tempo como assistente, apercebi-me de que precisávamos de um nome para uma determinada intervenção para a discutir, debater e potencialmente nos opor a ela. Juntamente com os meus colegas John Cahill e Rebecca Miller, em Yale, criámos o termo “desprescrição” para sistematizar esta intervenção em Psiquiatria. Escolhemos este termo porque já foi utilizado em medicina geriátrica.

Espero que, dentro de alguns anos, já não seja necessário, porque os profissionais estarão prescrevendo com mais cuidado.

Dhar: Como você avalia quando é necessário retirar a medicação? Talvez a prescrição ainda seja benéfica ou o risco seja muito alto.

Gupta: Há muitos fatores envolvidos. Se eu tiver iniciado a medicação, pergunto ao doente: durante quanto tempo pensa continuar a tomá-la? Portanto, esta conversa sobre reduzir ou parar a medicação começa no momento em que se inicia a medicação. Se estou tratando depressão e estou oferecendo um antidepressivo à pessoa, pergunto ao paciente muito claramente: “Quanto tempo pensa que vai tomar o medicamento?”

Se for um paciente que já esteve no sistema, que me foi passado e que está tomando altas doses de antipsicóticos, a primeira coisa a fazer é analisar os registros. Pode haver casos em que o médico dessa pessoa tenha tentado reduzir a dose dos medicamentos, o que não funcionou. Ou ele tentou reduzir a medicação de forma descoordenada e abrupta, como se tivesse reduzido a dose do antipsicótico pela metade, o que, como todos sabemos agora, é totalmente inadequado e uma receita para o desastre.

Se uma redução cuidadosa no passado levou a um resultado muito angustiante, como a hospitalização, se o paciente não estiver absolutamente interessado em mudar seus medicamentos, então deixamos para lá.

Mas se as circunstâncias da vida do paciente mudaram, ele se sente mais confortável, tem um bom espaço para viver, bons relacionamentos e pessoas que podem apoiá-lo nesse processo de abstinência, então seguimos em frente. O mais importante é: como o paciente reage à sugestão de suspender a prescrição?

Dhar: É muito comum um paciente se apresentar e iniciar uma conversa: “Gostaria de parar de tomar meus remédios”, em vez de ser o médico a iniciá-la?

Gupta: Pouquíssimos pacientes dizem: “Quero parar de tomar meus medicamentos”, porque a reputação é de que, uma vez que você toma um medicamento psiquiátrico, tem de ficar com ele para sempre e, se parar de tomar o medicamento, o psiquiatra vai ficar furioso e não vai mais atendê-lo, vai chamar a polícia ou vai interná-lo. Portanto, é muito compreensível o que eu faço quando estou falando sobre isso. Portanto, é compreensível que a maioria dos pacientes diga ao psiquiatra: “Sim, estou tomando o remédio”, mas na verdade não está. E eu entendo perfeitamente por que alguém faria isso. Se eu estivesse tomando medicamentos prescritos e houvesse o risco de ser hospitalizado se não os tomasse, eu também mentiria.

Para que o paciente se sinta à vontade para levantar a questão da redução gradual dos medicamentos ou de querer interrompê-los, o relacionamento precisa ser bom. Ambas as partes devem ser transparentes, e o médico deve demonstrar que se preocupa com o paciente mais do que o fato de ele estar tomando o medicamento.

Dhar: Quando se trata de polifarmácia (uso de vários medicamentos) em psiquiatria, quais são alguns dos efeitos adversos que você observou nos pacientes?

Gupta: A polifarmácia é quando a desprescrição é absolutamente necessária! Por exemplo, você dá a alguém um benzodiazepínico, como Xanax ou Clonazepam, junto com um medicamento para pesadelos, como Prazosin. Ora, a Prazosina reduz a pressão arterial, e o Xanax e o Klonopin podem causar tontura e incoordenação. Imagine uma pessoa de 60 anos – ela termina de jantar, toma o Prazosin ou o Xanax e o Klonopin e está assistindo à TV. Ela se levanta do sofá e cai porque sua pressão arterial caiu e sua coordenação está prejudicada. Além disso, se você toma antipsicóticos há muito tempo, isso reduz sua densidade óssea, aumentando a chance de fratura. Você acaba ficando em reabilitação por oito semanas após a cirurgia.

Existe um medicamento antifúngico chamado Fluconazol. E todo mundo sabe que a Clozapina, um antipsicótico, tem um grande número de efeitos colaterais. Tanto o fluconazol quanto a clozapina causam problemas no ritmo cardíaco. As pessoas não devem tomá-los juntos. Tive um caso em que meu paciente recebeu fluconazol, entrei em pânico, pedi um eletrocardiograma e as anormalidades do ritmo cardíaco eram bastante significativas. A polifarmácia é um grande problema.

Há algumas pequenas coisas que podemos fazer. Por exemplo, as pessoas recebem Risperidona e depois Cogentin ou Benztropina para controlar os efeitos colaterais da Risperidona. Há uma boa chance de que, se você reduzir a dose de Risperidona em 1 ou 2 miligramas, eles não precisarão do Cogentin, que causa muitos efeitos colaterais por si só. Portanto, há coisas às quais os psiquiatras podem prestar atenção para reduzir o ônus dos efeitos colaterais e melhorar a qualidade de vida.

Dhar: Desprescrever ou interromper o uso de medicamentos psiquiátricos não é uma conversa fácil. Quais são geralmente as reações comuns que você vê dos pacientes e de suas famílias?

Gupta: Nunca abro a conversa com a interrupção dos medicamentos. É uma pergunta aberta do tipo: “Fale-me sobre esses medicamentos. Como eles estão funcionando para você? Eles estão causando algum problema?”

Tenho de deixar claro que 1) não vou mudar os medicamentos sem sua opinião ou impor minha vontade e 2) estou apenas tentando entender como você se sente em relação a esses medicamentos. Preciso enfatizar que não estou preocupado se você está tomando os medicamentos ou não. O que me preocupa é se você está se sentindo bem ou não.

Alguns pacientes dizem: “Estou me sentindo bem. Não quero nem falar sobre isso. Apenas reabasteça minha receita”, o que é totalmente compreensível, pois muitas vezes são pessoas que foram brutalizadas pela polícia ou tiveram experiências horríveis em unidades psiquiátricas de internação e não querem voltar para lá. Elas têm medo de ficar com raiva dos familiares e maltratar a família. Talvez tenham cônjuges que digam que, se você não tomar seus remédios, vou deixá-lo.

Essa paciente, na última vez em que parou de tomar o remédio, deu um soco na mãe. Então, ela ficou apavorada e disse: “Não quero parar com meu remédio”, e ela estava tomando um regime de medicamentos difícil de entender, mas que funcionava para ela; qualquer mudança a deixaria ansiosa.

Outros veem a conversa como o início de um relacionamento transparente. Eu digo: “Ok, o que você acha da pílula rosa que você toma todas as noites?” e o paciente diz: “Ah, eu não tomo isso há seis meses”. A desprescrição abre a porta para a construção de um relacionamento melhor com o paciente.

Dhar: No processo de redução ou interrupção da medicação psiquiátrica, qual é a importância do “momento certo” e do “apoio psicossocial”?

Gupta: O momento certo é extremamente importante. Eu trabalho em um local com muitos estagiários, entre junho e julho, um número substancial de pacientes mudam de médicos. Portanto, esse não é um bom momento para trocar os medicamentos. Um dos motivos é que a transferência de informações pode não estar completa, e o paciente está no processo de estabelecer um relacionamento com um novo médico.

Há muitos fatores que tornam esse momento ruim para o paciente – instabilidade na situação de vida, problemas de relacionamento, se ele perdeu recentemente um animal de estimação ou um membro da família querido e está deprimido, se perdeu uma pessoa importante para ele, como um terapeuta, se está fisicamente doente, etc.

Dito isso, acho que nunca há um momento perfeito. Portanto, se uma combinação for perigosa ou contraindicada, você deve conversar com o paciente.

Com relação às intervenções psicossociais, há evidências bastante claras sobre a TCC baseada em Mindfulness e a prevenção da recorrência de episódios depressivos. Conecte a pessoa a um bom terapeuta se você for reduzir o antidepressivo. O apoio dos colegas é fundamental – conectar a pessoa a recursos em que as pessoas falem sobre os sintomas de abstinência e as estratégias para uma redução segura.

Uma das coisas mais importantes ao reduzir o uso de medicamentos é assegurar ao paciente que os sintomas de abstinência que ele está sentindo não significam que ele está louco. Por exemplo, zumbidos cerebrais – é difícil expressar essa experiência em palavras. Tenho pacientes que mexem as mãos no ar, tentando me explicar o que está acontecendo em seus corpos, mas não conseguem.

Se eles se conectam com alguém que tem a mesma experiência, então duas pessoas sabem do que a outra está falando. Isso é um grande alívio – não sou a única pessoa no mundo com quem está passando por isso, e é a medicação a responsável, não há nada de errado comigo.

Sabemos muito pouco sobre o processo. Há uma grande comunidade de consumidores e uma comunidade de redução gradual, e é importante aprender com eles para descobrir quais estratégias funcionam.

Também tentamos mudanças no estilo de vida e coisas como a TCC para insônia, por exemplo, se você estiver diminuindo o uso do Seroquel. Infelizmente, em muitas ocasiões, o Seroquel é prescrito apenas para dormir. Isso é uma coisa flagrante. Assim, enquanto reduzimos o Seroquel, oferecemos ao paciente grupos de TCC para insônia – uma intervenção simples e inofensiva que pode substituir um medicamento bastante problemático.

Dhar: Aqui está uma questão difícil – abstinência versus recaída – qual delas ocorre quando os sintomas de um paciente reaparecem após a redução ou interrupção de um medicamento, como antidepressivo e antipsicótico? Costumávamos pensar que a interrupção dos antipsicóticos causava recaída instantaneamente. Mas há cada vez mais evidências sobre os efeitos de abstinência da interrupção ou redução dos antipsicóticos e da supersensibilidade à dopamina – que parece uma recaída, mas não é. Como podemos saber o que realmente é? O paciente está recaindo ou essa abstinência é causada pela redução do medicamento? Quando as pessoas pensam em abstinência, elas pensam em cocaína e não em medicamentos.

Gupta: No caso dos antidepressivos, a síndrome de abstinência é um pouco mais clara porque há muitos sintomas físicos que aparecem, como zaps cerebrais, sensação de cansaço, fadiga, além de alguns sintomas emocionais muito proeminentes, como crises de choro ou apenas irritação ou raiva, até mesmo pensamentos suicidas ou vontade de se matar – então todas essas coisas aparecem. Mas acho que o componente físico é realmente proeminente. É bastante claro que isso se deve à abstinência do antidepressivo.

A maneira mais segura de estabelecer isso é que, com o passar do tempo, os sintomas de abstinência irão, com sorte, diminuir lentamente e desaparecer em algum momento. Uma pequena porcentagem de indivíduos apresentará sintomas prolongados de abstinência. Algumas pessoas vão se livrar dos antidepressivos sem problemas. Algumas pessoas apresentarão sintomas por quatro a seis semanas.

Com relação aos antipsicóticos, é muito difícil dizer. Acho que quando as pessoas interrompem abruptamente medicamentos como a Clozapina, o sintoma aparece tão rapidamente que é mais provável que seja uma síndrome de abstinência que apareça primeiro. É possível que, com o passar do tempo, a síndrome de abstinência diminua e surja alguma síndrome subjacente, a doença primária. Essa é uma possibilidade.

Há uma chance de que, com o desaparecimento da síndrome de abstinência, nada surja por baixo dela. Mas, neste momento, a pessoa já voltou a tomar o antipsicótico porque a abstinência em si é muito perturbadora.

Também há alguns sintomas físicos da abstinência de antipsicóticos – uma série de distúrbios de movimento, como fasciculações generalizadas por todo o corpo, que podem durar de quatro a seis semanas, piora da discinesia tardia, distonia que aparece de forma aguda quando se está diminuindo o medicamento, rigidez e tremores que podem piorar de forma aguda.

Muitos antipsicóticos são antieméticos muito potentes ou medicamentos que impedem o vômito. Portanto, os pacientes podem sentir náuseas ao interromper o tratamento. Os pacientes podem ter diarreia, suar muito ou ficar com o nariz escorrendo.

Pequenos estudos e relatos de casos são feitos em clínicas de distúrbios gastrointestinais em que os pacientes recebem medicamentos para evitar vômitos por longos períodos de tempo. E quando esses medicamentos são retirados abruptamente, os pacientes podem apresentar sintomas psicóticos transitórios. E esses são pacientes que nunca tiveram sintomas psicóticos antes.

Dhar: Você poderia falar um pouco sobre a supersensibilidade à dopamina?

Gupta: O bloqueio de longo prazo dos receptores de dopamina, que é o que os antipsicóticos fazem, faz com que os receptores de dopamina aumentem em número. Não há dopamina suficiente chegando, então o número de receptores aumenta. De repente, você remove o bloqueio da dopamina (para de tomar antipsicóticos). Assim, essa área do cérebro se torna hipersensível à dopamina. E esse é o mecanismo da psicose de abstinência ou da discinesia tardia de abstinência.

Dhar: Você escreveu que a desprescrição se alinha com a abordagem orientada para a recuperação da saúde mental. O movimento de recuperação enfatiza a escolha e a preferência do paciente. Você escreveu sobre algumas coisas muito importantes, como o “direito de falhar” e a “dignidade do risco” e como, para alguns pacientes, a recuperação funcional pode ser mais importante – manter o emprego e ter um bom relacionamento social – do que apenas a remoção de sintomas como a audição de vozes. Conte-nos mais.

Gupta: Há quatro pilares da abordagem orientada para a recuperação: atendimento centrado na pessoa, respeito à autonomia do paciente, promoção da esperança e capacitação. Parte do cuidado centrado na pessoa também é a tomada de decisão compartilhada. A desprescrição não é possível sem a adesão efetiva a esses pilares. A abordagem é altamente individualizada – é muito centrada na pessoa. É o que funciona para o paciente.

É impossível realizá-la sem a aprovação dos pacientes. Respeito o fato de que é o paciente que está tomando o medicamento, portanto, ele sabe melhor como isso está afetando sua vida. Eles estão cientes de que eu sou a pessoa que conhece os efeitos colaterais dos medicamentos. Em um espaço de respeito e compreensão mútuos, alcançamos um objetivo comum – que também está alinhado com a tomada de decisão compartilhada.

Isso é fortalecedor porque diz ao paciente: “A medicação não é o princípio e o fim de tudo para o seu bem-estar. Você tem o direito de dizer que não quer esses medicamentos”. Há esperança de uma vida sem medicamentos, livre dos efeitos colaterais.

Quando chegamos ao “direito de falhar” e à “dignidade do risco”, isso se torna angustiante para os médicos, pois somos treinados para sermos cautelosos. Somos ensinados a minimizar os riscos. Pensar que eu faria algo que aumentaria as chances de esse paciente ir parar no hospital ou começar a ouvir vozes novamente, é simplesmente impensável para alguns médicos. É importante expandir o treinamento dos profissionais e fazer com que eles se lembrem de que também é sua função proporcionar ao paciente uma boa qualidade de vida e oferecer tratamentos que estejam alinhados com seus valores e preferências. Portanto, se for uma decisão informada que vamos reduzir o Haldol em x miligramas, mas há um risco de que as vozes aumentem – queremos correr esse risco? Essa conversa precisa ser feita.

Dhar: Isso já aconteceu com pacientes que disseram: “Não me importo de ouvir vozes, desde que eu possa fazer essas coisas X, Y, Z”.

Gupta: Um exemplo típico: jovens universitários que ouvem vozes e as vozes são muito bem controladas com um antipsicótico. Mas o problema é que a medicação os deixa tão sonolentos que não conseguem ficar acordados durante as aulas. Então, a questão passa a ser um equilíbrio entre o fato de as vozes aumentarem um pouco, mas eles poderem assistir à aula.

Um paciente queria diminuir um pouco a medicação para ver se conseguia ficar acordado durante a aula, e deu certo. Então, consolidamos a dose e a transferimos para a noite, o que realmente ajudou essa pessoa.

Também tive pacientes que disseram: “Não me importa se vou parar no hospital uma vez por ano, não vou tomar esse medicamento”, o que não é uma escolha irracional se você tiver que tomar algo como haloperidol ou flufenazina, que podem sugar toda a alegria da sua vida. E, se você está no hospital, mas conhece a equipe do hospital, sabe que em duas semanas se sentirá melhor e sairá, então essa não é uma escolha tão ruim.

Dhar: Por fim, fale-nos sobre seu trabalho recente sobre “não diagnóstico”. O que você quer dizer quando afirma que a desprescrição e o “não diagnóstico” são dois lados da mesma moeda?

Gupta: Mais recentemente, tive interesse em “subdiagnosticar” porque, na clínica em que trabalho, há muitos pacientes com altos e baixos emocionais e, quando ficam muito estressados, apresentam sintomas transitórios que equivalem à psicose. Invariavelmente, todos esses pacientes são diagnosticados com transtorno esquizoafetivo e recebem antipsicóticos.

É preciso haver um processo de remoção desse diagnóstico do prontuário para que eles não sejam rotulados como esquizoafetivos imediatamente e não sejam sobrecarregados com todos esses antipsicóticos.

A “falta de diagnóstico” tornou-se algo comum na geriatria e em outros ramos da medicina, onde as pessoas acham que, para reduzir e interromper a medicação de forma eficaz, esses diagnósticos devem ser removidos do prontuário médico.

Dhar: Em primeiro lugar, o que o “não diagnóstico” diz sobre a natureza do diagnóstico, especialmente na psiquiatria?

Gupta: Foi um momento de ensino muito importante para mim quando meu chefe de departamento, que pesquisou a esquizofrenia por 30 anos, entrou na sala e disse: “Sabe, algumas pessoas ouvem vozes, algumas pessoas têm sintomas negativos, algumas pessoas parecem bastante desorganizadas – acho que pode existir a esquizofrenia”.

Tudo isso são construções. São ferramentas para ajudar as pessoas a melhorar suas vidas. E quando a ferramenta não parece mais ser relevante, devemos abandoná-la e passar para outra ferramenta, caso contrário, ela se tornará um fardo.

Tenho um paciente jovem, na faixa dos 30 anos, que ouve vozes quase constantemente, e ele lida com isso – vive sua vida, tem um emprego de tempo integral, gosta do trabalho que faz e tem filhos – vive uma vida plena de acordo com todos os padrões convencionais. De acordo com o manual, ele teria o diagnóstico de esquizofrenia e seria medicado com antipsicóticos, mas para que isso serviria?

Para outra pessoa, esse diagnóstico e tratamento podem servir a um propósito. Mas essa pessoa está lidando com as vozes e está feliz vivendo sua vida da maneira que está vivendo. Portanto, em seu caso, essa ferramenta de diagnóstico e medicamentos psiquiátricos, simplesmente, não são úteis.

 

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Nota do Editor: Todos os artigos, matérias, notícias e traduções publicadas no Mad in Brasil são previamente autorizadas e revisadas pelo nosso editor-chefe, Paulo Amarante.

Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria, saúde mental e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 8: Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Sete)

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Concept of unemployment and business downsizing symbol as a group of businesswomen and businessmen drawings being swept away by a broom as a symbol for employee reduction with 3D illustration elements.

Texto originalmente publicado no Mad in America , traduzido para o português por Letícia Paladino e revisado por Camila Motta.

Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele continua detalhando a maneira como a indústria farmacêutica e os reguladores de medicamentos escondem o aumento das tentativas de suicídio e mortes devido as pílulas para depressão. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

Em 2014, dez anos após a FDA ter emitido um aviso de alerta máximo sobre as pílulas para depressão, porque a taxa de pensamentos ou comportamentos suicidas era duas vezes maior entre os jovens pacientes que usavam pílulas para depressão do que entre aqueles que tomavam placebo |303,337| um psiquiatra argumentou no New England Journal of Medicine que a FDA deveria considerar remover o aviso completamente. |337|

Seus argumentos eram insustentáveis. Ele achou perturbador que o aviso tenha reduzido o uso de pílulas para depressão também em adultos, “para os quais há evidências sólidas de um efeito positivo da medicação antidepressiva no risco de suicídio.” Como veremos, a verdade é o oposto.

Ele disse que “o risco representado pela depressão não tratada – em termos de morbidade e mortalidade – sempre foi muito maior do que o risco muito pequeno associado ao tratamento antidepressivo. Precisamos educar melhor os médicos, ajudando-os a entender que embora não possam ignorar esse pequeno risco, eles podem gerenciá-lo com segurança monitorando cuidadosamente seus pacientes, especialmente crianças e adolescentes, durante a farmacoterapia.”

É comum para esse periódico, que é tão submissa às empresas farmacêuticas que é apelidada de New England Journal of Medicalisation, publicar tal absurdo. Os danos são muito maiores do que os benefícios, que são invisíveis, e o risco de suicídio não pode ser gerenciado com segurança. Muitas crianças e jovens cometeram suicídio de maneira violenta, por exemplo, enforcamento, enquanto seus pais ou colegas não tinham ideia de que estavam em perigo. |2,7:79|

Mas é assim que os psiquiatras e os reguladores de medicamentos pensam. Em 2007, a FDA humildemente “propôs” aos fabricantes de medicamentos que atualizassem seu aviso de alerta máximo |7,371|:

“Todos os pacientes em tratamento com antidepressivos para qualquer indicação devem ser monitorados adequadamente e observados de perto quanto a piora clínica, suicídio e mudanças incomuns de comportamento, especialmente durante os primeiros meses de um curso de terapia medicamentosa, ou em momentos de alterações de dose, seja aumento ou redução. Os seguintes sintomas, ansiedade, agitação, ataques de pânico, insônia, irritabilidade, hostilidade, agressividade, impulsividade, acatisia (inquietação psicomotora), hipomania e mania, foram relatados em pacientes adultos e pediátricos em tratamento com antidepressivos.”

A FDA também observou que: “As famílias e os cuidadores dos pacientes devem ser aconselhados a observar diariamente a possível manifestação desses sintomas, uma vez que as mudanças podem ser abruptas.”

A FDA finalmente admitiu – após 20 anos de corpo mole – que os ISRS podem causar loucura em todas as idades e que as drogas são muito perigosas; caso contrário, não seria necessário um monitoramento diário. Mas como essa é uma correção falsa, a FDA, em vez de “propor” alterações no rótulo, deveria ter retirado as drogas do mercado.

A FDA também admitiu, pelo menos indiretamente, que as pílulas para depressão aumentam o risco de suicídio também em adultos.

Três anos antes, em 2004, a FDA emitiu um aviso de que as pílulas para depressão podem causar um conjunto de sintomas ativadores ou estimulantes, como agitação, ataques de pânico, insônia e agressividade |353|. Tais efeitos eram esperados, pois a fluoxetina é semelhante à cocaína em seus efeitos sobre a serotonina. No entanto, quando a EMA em 2000 continuou a negar que o uso de ISRS leva à dependência, ela afirmou que o uso dos ISRS “têm sido comprovado na redução do consumo de substâncias aditivas, como cocaína e etanol. A interpretação desse aspecto é difícil.” |372| Isso é difícil apenas para aqueles que são tão cegos que não querem ver.

Foi difícil demonstrar o perigo das pílulas para depressão porque muitos eventos suicidas estão ausentes nos estudos |2,6,7|. Isso foi demonstrado pela própria FDA. Quando a FDA, em 2006, publicou sua meta-análise de 100.000 pacientes que haviam recebido pílulas para depressão ou placebo em ensaios randomizados, após ter perguntado às empresas quantos suicídios haviam ocorrido, a taxa de suicídio com as píluas era de 1 por 10.000 pacientes |7,303|.

Cinco anos antes, Thomas Laughren, que presidiu a grande meta-análise da FDA, publicou sua própria meta-análise das drogas, com base em dados sob posse da FDA, e desta vez a taxa de suicídio no grupo das pílulas era de 10 por 10.000 pacientes, ou seja, 10 vezes mais|373|. Laughren interpretou seus resultados de forma desonesta: “Obviamente, não há sugestão de um risco excessivo de suicídio em pacientes tratados com placebo.” Certamente não, mas houve quatro vezes mais suicídios – não apenas pensamentos suicidas – nas píluas para depressão do que no placebo, o que foi estatisticamente significativo (P = 0,03, meu cálculo).373 Laughren deixou a FDA e estabeleceu a Laughren Psychopharm Consulting para ajudar as empresas farmacêuticas “a atender aos altos padrões da FDA e de outras agências reguladoras.”|7:74| Ele certamente sabe como falar e se comportar como uma empresa farmacêutica.

O que é abundantemente claro – e que foi demonstrado por muitos pesquisadores – é que as empresas deliberadamente ocultaram muitos casos de suicídio e tentativas de suicídio em seus estudos e em seus relatórios aos reguladores de medicamentos.

É difícil compreender discrepâncias dessa magnitude, mas isso pode ser explicado. Quando a FDA pediu às empresas para adjudicarem possíveis eventos adversos relacionados ao suicídio, a agência não verificou se estavam corretos ou se alguns haviam sido deixados de fora. Por que as empresas, que haviam trapaceado vergonhosamente antes sobre eventos suicidas causados por suas drogas, não continuariam trapaceando quando sabiam que a FDA não verificava o que elas relatavam? Se elas não trapaceassem desta vez, seria óbvio demais o quanto elas haviam trapaceado antes.

Outra questão é que a coleta de eventos adversos foi limitada a um dia após interromper o tratamento randomizado, embora interromper um ISRS aumente o risco de suicídio por várias semanas. Como documentei detalhadamente, a enorme meta-análise|303| da FDA subestima drasticamente o risco de suicídio.|6,7| Em ensaios com alguns medicamentos incluídos na análise da FDA, houve mais suicídios do que em toda a análise da FDA de todos os medicamentos. Por exemplo, um memorando da Lilly Germany listou nove suicídios em 6.993 pacientes em fluoxetina nos ensaios.|374| Isso é uma taxa de suicídio 14 vezes maior do que os cinco suicídios no total na análise da FDA de 52.960 pacientes em ISRS.|303|

Muitos suicídios desapareceram e os dados que encontrei foram notavelmente consistentes. Provavelmente houve 15 vezes mais suicídios nas pílulas para depressão do que o relatado pela FDA em sua grande meta-análise.|7:70| Isso é um erro de 1.400%. A fraude foi tão massiva que é difícil de compreender e matou muitos pacientes em todo o mundo. Considero isso um crime contra a humanidade.

Mesmo deixando de fora a maioria dos suicídios e outros eventos suicidas, a FDA encontrou que a paroxetina aumentou significativamente as tentativas de suicídio em adultos com transtornos psiquiátricos, com uma razão de chances de 2,76 (1,16 a 6,60).|303| A GSK limitou sua análise a adultos com depressão, mas também encontrou que a paroxetina aumenta as tentativas de suicídio, com uma razão de chances de 6,7 (1,1 a 149,4).|375| A GSK dos Estados Unidos enviou uma carta “Caro Médico” que destacou que o risco de comportamento suicida também era aumentado acima dos 24 anos.|376|

Alguém acha que a paroxetina é uma exceção e que todas as outras pílulas para depressão não aumentam o risco de suicídio em adultos? Aparentemente, muitos psiquiatras pensam assim, mas isso é irracional.

Em suas submissões às agências de medicamentos, várias empresas obscureceram o risco de suicídio usando anos de paciente como denominador em vez do número de pacientes randomizados. Isso introduziu um viés considerável porque vários dos ensaios tiveram uma fase de acompanhamento onde todos os pacientes poderiam receber o medicamento ativo. Como aqueles que continuam com o medicamento são aqueles que o toleram, os anos de paciente são adicionados “gratuitamente” ao grupo da droga em termos de suicidabilidade.|7:78|

Em 2016, meu grupo de pesquisa descobriu que, em comparação com o placebo, as pílulas para depressão dobram a ocorrência de eventos precursoras definidas pela FDA para suicídio e violência em voluntários adultos saudáveis.|377| Em 2017, demonstramos com métodos semelhantes, baseados em relatórios de estudo clínico não publicados enviados aos reguladores de medicamentos, que a duloxetina aumentou o risco de suicídio e violência em 4-5 vezes em mulheres de meia idade com incontinência urinária por estresse, e que o dobro de mulheres experimentou um evento psicótico principal ou potencial do que aquelas que receberam placebo.|378| Mais tarde, a FDA anunciou que, na fase de extensão de rótulo aberto dos ensaios randomizados em incontinência urinária, a taxa de tentativas de suicídio foi 2,6 vezes maior com a duloxetina do que em outras mulheres de idade semelhante.|379|

Psiquiatras importantes não gostaram de nossos resultados e criticaram nosso uso de eventos precursores, mas isso é um engano. Eventos precursores são usados em toda a medicina, por exemplo, fatores prognósticos para doenças cardíacas. Como fumar e inatividade aumentam o risco de ataques cardíacos, recomendamos às pessoas que parem de fumar e comecem a se exercitar.

Tentativas de suicídio e suicídios não são apenas escondidos durante o ensaio. Na maioria das vezes, eles também são omitidos quando ocorrem logo após o término da fase randomizada.|8:52| Quando a Pfizer em 2009 fez uma meta-análise de seus ensaios com sertralina usados em adultos, eles relataram uma redução pela metade dos eventos suicidas (razão de risco de 0.52).380 Mas quando eles incluíram eventos ocorridos até 30 dias após o término da fase do ensaio, houve um aumento nos eventos de suicidabilidade de cerca de 50% (razão de risco 1.47).

Uma meta-análise de 2005 realizada por pesquisadores independentes usando dados de reguladores de medicamentos do Reino Unido encontrou um aumento de duas vezes em suicídio ou autolesão quando eventos subsequentes foram incluídos.|381| Esses pesquisadores observaram que as empresas subestimaram o risco de suicídio em seus ensaios e também descobriram que a autolesão não fatal e a suicidabilidade foram seriamente subnotificadas em comparação com os suicídios relatados.

Outra meta-análise de 2005 foi realizada por pesquisadores independentes, mas desta vez dos ensaios publicados.|382| Ela encontrou o dobro de tentativas de suicídio com a droga em relação ao placebo, com uma razão de chances (que é aproximadamente igual à razão de risco quando os eventos são raros) de 2,28 (1,14 a 4,55). Os pesquisadores relataram que muitas tentativas de suicídio devem ter sido omitidas. Alguns dos pesquisadores dos ensaios disseram que houve tentativas de suicídio que não relataram, enquanto outros nem sequer as procuraram. Além disso, eventos ocorrendo logo após a interrupção do tratamento ativo não foram contabilizados. Esses pesquisadores descobriram que, para cada 1.000 pacientes tratados por um ano, houve 5,6 tentativas adicionais de suicídio com a droga ativa em comparação com o placebo (em todas as idades). Portanto, ao tratar 179 pacientes por um ano com um ISRS, um paciente adicional tentará suicídio.

A razão pela qual é tão importante incluir eventos suicidas que ocorrem após a fase randomizada é que isso reflete o que acontece na vida real, ao contrário de um ensaio rigidamente controlado onde os investigadores motivam os pacientes a tomar cada dose da droga do ensaio. Na vida real, os pacientes deixam de tomar doses porque esquecem de levar as pílulas para o trabalho, escola ou uma estadia de fim de semana, ou eles fazem uma pausa na droga porque as pílulas impediram que eles tivessem relações sexuais.383

Diferente de ensaio para ensaio, o que acontece quando termina varia. Às vezes, os pacientes são oferecidos tratamento ativo, às vezes apenas os pacientes tratados continuam com o tratamento ativo, e às vezes não há tratamento.

Em 2019, dois pesquisadores reanalisaram os dados da FDA e incluíram danos ocorridos durante o acompanhamento.|384| Psiquiatras proeminentes não gostaram dos resultados e criticaram os pesquisadores, que então publicaram análises adicionais.|385| Como outros pesquisadores, eles descobriram que eventos suicidas foram manipulados, por exemplo, eles removeram dois suicídios que tinham sido erroneamente atribuídos ao grupo do placebo nos dados da paroxetina.|385| Eles relataram o dobro de suicídios nos grupos da droga ativa em comparação com os grupos de placebo, com uma razão de chances de 2,48 (1,13 a 5,44).

Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria, saúde mental e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.

Inscrições para o Painel: Por que é tão Difícil Interromper os antidepressivos ?

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Mad in America convida para o Painel Por que é tão Difícil Interromper os antidepressivos?Uma nova compreensão da síndrome de desregulação de medicamentos e como lidar com ela, no qual David Healy irá discutir a “Síndrome de Desregulação da Droga”, em que o uso prolongado de SSRI causa danos ao sistema nervoso sensorial.

Data e hora: Sábado, 7 de setembro – 11H – 12:30H (Horário de Brasília)
Localizaçao:  Online

Inscrições Aqui: https://www.eventbrite.com/e/why-are-antidepressants-so-difficult-to-stop-tickets-976507017777?aff=NeuroplastictyFU

Muitas pessoas que param de tomar antidepressivos SSRI passam pelo que é frequentemente descrito como “síndrome de abstinência prolongada”. Neste webinar, David Healy apresenta um entendimento diferente da biologia dessa lesão: as pessoas que param de tomar SSRIs estão sofrendo uma “desregulação” do sistema nervoso sensorial. Ele contará como as empresas farmacêuticas sabiam desse risco quando desenvolveram os ISRSs e como tentaram escondê-lo do público. Como a maior parte da serotonina é encontrada fora do nosso cérebro, os ISRSs afetam principalmente nossos “corpos”, especialmente nossos sentidos. O efeito-alvo dos ISRSs é um silenciamento sensorial, mas eles também podem causar uma irritação sensorial, dando origem à acatisia. Tanto o silenciamento quanto a irritação podem causar problemas, especialmente ao parar.

Dessa forma, os psicofármacos dão origem a uma “Síndrome de Desregulação de Medicamentos” que afeta diferentes sistemas, especialmente após exposição prolongada. Essas síndromes não são manifestações de dependência psicológica ou fisiológica de drogas. Elas não estão vinculadas à ligação nos locais de recaptação de serotonina e não são causadas pela velocidade da redução gradual. O que sabemos sobre o gerenciamento dessas síndromes veio de pessoas com experiência vivida com esses problemas.

Este webinar esboçará um caminho a ser seguido para o gerenciamento dessa “síndrome”.

Bilhete único: US$ 10. Os fundos apoiarão o trabalho da Mad in America como uma organização sem fins lucrativos. Entendemos que nem todos podem arcar com essa despesa no momento. Digite o código dysregulation para obter um ingresso gratuito, se necessário.

Faça uma pergunta: Se você quiser enviar uma pergunta para o painel, envie-a por e-mail para [email protected] pelo menos 48 horas antes do início do evento. Analisaremos todas as perguntas e escolheremos as mais relevantes para o público e o tópico. Haverá também a oportunidade de fazer perguntas durante a discussão. Obrigado!

Sobre o palestrante convidado

David Healy trabalha com sistemas de recaptação de serotonina há 40 anos, no laboratório, como consultor de empresas farmacêuticas, como clínico que usa SSRIs e reconhece os problemas que eles causam e, há mais de uma década, como membro da equipe do RxISK.org que coleta relatórios sobre reações adversas induzidas pelo tratamento.

Sobre o apresentador

Robert Whitaker é autor de quatro livros e coautor de um quinto, três dos quais falam sobre a história da psiquiatria. Em 2010, seu livro Anatomy of an Epidemic: Magic Bullets, Psychiatric Drugs, and the Astonishing Rise of Mental Illness (Balas Mágicas, Drogas Psiquiátricas e o Surpreendente Aumento da Doença Mental) ganhou o prêmio de melhor livro de jornalismo investigativo do U.S. Investigative Reporters and Editors. Ele é o fundador do madinamerica.com, um site que apresenta notícias de pesquisa e blogs de um grupo internacional de escritores interessados em “repensar a psiquiatria”.

Inscrições Aqui: https://www.eventbrite.com/e/why-are-antidepressants-so-difficult-to-stop-tickets-976507017777?aff=NeuroplastictyFU

Fitoterapia e Desmedicalização na Atenção Primária à Saúde: Um Caminho Possível?

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Resumo do artigo realizado por Jéssica Marques e revisado por Camila Motta.

O artigo intitulado Fitoterapia e desmedicalização na Atenção Primária à Saúde: um caminho possível? dos autores Artur Alves da Silva e Wandsons Alves Ribeiro Padilha, destaca e debate que mesmo com o crescimento da fitoterapia no Sistema Único de Saúde (SUS), a prática da medicalização é tão enraizada e generalizada que afeta praticamente todo o corpo social do Brasil, mesmo o uso da fitoterapia sendo um cuidado em saúde que é acessível, confiável e culturalmente aceito.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) já expressava a importância de valorizar as plantas medicinais, esse reconhecimento influenciou as ideias do movimento da Reforma Sanitária, que pautou a implementação da Fitoterapia no SUS. No entanto, as mudanças no sistema social, induzidas pelos processos de industrialização e urbanização, suscitaram transformações sociais, inclusive a medicalização da saúde, acarretando vários efeitos sobre sujeitos e instituições sociais.

A ampliação da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil elevou consideravelmente o acesso à biomedicina e o contato das pessoas com ela, mas apesar da importância do acesso da população à APS, é preciso estar atento porque esse processo pode torná-la mais suscetível aos efeitos da medicalização, já que dependendo da organização dos serviços e dos profissionais, pode-se medicar em maior ou menor grau. Quem atua na APS precisa praticar a autocritica, percebendo no cotidiano os desdobramentos da medicalização que se podem traduzir em danos clínicos e também em efeitos nocivos nos valores, imaginários, medos e crenças de quem utiliza o SUS.

O Ministério da Saúde reconhece que atualmente a medicalização induz a população a querer resolver problemas sociais com o uso de medicações. Isso demanda que os profissionais estejam atentos para considerar outras formas de tratamento que fortaleçam o cuidado integral e multidisciplinar. Por isso, o SUS precisa debater quando é necessária a prescrição de medicamentos, com o objetivo de avançar em direção à desmedicalização.

Estima-se que 82% da população brasileira utiliza as plantas medicinais em seu cuidado com a saúde, seja por meio do uso popular, que envolve os conhecimentos da medicina tradicional indígena, quilombola e de outros povos e comunidades tradicionais; seja por meio de orientações e prescrições no SUS, baseadas em práticas de cunho científico. Podendo ser ofertada na forma de plantas medicinais frescas (in natura), plantas medicinais secas (droga vegetal).

O artigo aponta os benefícios da fitoterapia na APS como: a validação dos saberes tradicionais/populares das comunidades, o fortalecimento de laços entre a comunidade e a equipe de saúde, o fortalecimento da integralidade em saúde e principalmente a possibilidade de redução da excessiva medicalização entre outros benefícios. No entanto, existem entraves associados à formação profissional, que geralmente é voltada às práticas medicalizadoras do modelo biomédico, dificultando a aplicação dos conhecimentos da área das plantas medicinais. Vários estudos realizados no âmbito do SUS revelam que os profissionais de saúde têm dificuldade para orientar e prescrever o uso de fitoterápicos.

É importante destacar que, apesar de a potencialidade da fitoterapia contribuir para a desmedicalização no SUS, essa prática não está livre de atuar reforçando a lógica da medicalização.  O método clinico centrado na pessoa (MCCP) consiste em um importante recurso para a prática da prevenção quaternária, possibilitando a redução dos efeitos da medicalização sobre as pessoas com base na valorização da escuta e da construção compartilhada de planos de cuidado. Hoje se baseando em quatro componentes interativos:

  1. O primeiro componente do método clinico centrado na pessoa: explorando a saúde, a doença e a experiência da doença.
  2.  O segundo componente do método clínico centrado na pessoa: entendendo a pessoa como um todo.
  3.  O terceiro componente do método clínico centrado na pessoa: elaborando um plano conjunto.
  4.  O quarto componente do método clínico centrado na pessoa: intensificando a relação da pessoa com o médico.

Por fim, o artigo aponta que a medicalização tem impactos no SUS e na APS, e intervenções biomédicas desnecessárias tornam-se naturalizadas e reduzem a autonomia dos indivíduos no cuidado da própria saúde, expondo-os aos riscos de intervenções desnecessárias. A fitoterapia pode ser uma aliada da prática da prevenção quaternária na APS ao tornar possível o encontro do saber tradicional com o técnico-científico, o que viabiliza um modo de cuidado alternativo à lógica medicalizadora, além de promover o fortalecimento do vínculo da equipe de saúde da família com o usuário por meio do respeito ao conhecimento popular e da valorização da autonomia do indivíduo.

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Silva A.A. da, Padilha W.A.R. Fitoterapia e desmedicalização na Atenção Primária à Saúde: um caminho possível?. Rev Bras Med Fam Comunidade. 17(44):2521. 2022 

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Nota do Editor: Todos os artigos, matérias, notícias e traduções publicadas no Mad in Brasil são previamente autorizadas pelo nosso editor-chefe, Paulo Amarante.

 

 

Mad in America Convida para o Evento “Neuroplasticidade: Um Caminho para a Cura dos Sintomas de Abstinência Prolongada”

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O Mad in America está promovendo o painel de discussão online Neuroplasticidade: Um Caminho para a Cura dos Sintomas de Abstinência, que será realizada no próximo sábado, dia 17 de agosto de 2024, às 14h do horário de Brasília, com legendas em português. Inscrições → Clique Aqui

O painel se propõe a realizar uma discussão sobre neuroplasticidade e como ela oferece esperança de melhora dos sintomas prolongados de abstinência de drogas psiquiátricas. A neuroplasticidade, um princípio científico bem estabelecido, destaca a notável capacidade do cérebro de se reorganizar e formar novas conexões sinápticas, principalmente em resposta a lesões. Embora pesquisas específicas sobre sua aplicação à abstinência de drogas psiquiátricas ainda precisam ser feitas, um movimento de base dentro da comunidade já está aproveitando esses princípios para o uso em casos de abstinência.

Nosso painel apresenta um grupo inspirador de pessoas que usaram com sucesso esses conceitos para se recuperar de sintomas persistentes de abstinência de drogas. Eles compartilharão suas histórias e uma gama diversificada de estratégias, incluindo retreinamento cerebral, técnicas mente-corpo e exposição gradual, entre outras.

Valor do Evento: $10 USD (serão revertidos para apoio da comunidade Mad in the World) ou gratuitamente digitando o código neuroplasticity. 

Convidados:

• Ben Ahrens, CEO e cofundador da re-origin®, tem buscado constantemente novas soluções e inovações para ajudar a humanidade a recuperar e otimizar sua saúde. Ao longo dos anos, a trajetória de Ben o conduziu por muitas áreas da saúde, inclusive como consultor fitness de celebridades e atletas profissionais. Durante esse período, Ben aprendeu em primeira mão a incrível capacidade do corpo de se reparar. Em seguida, ele assumiu o cargo de vice-presidente executivo da Innovative Medicine em Nova York, uma fornecedora de terapias de saúde de ponta. Na Innovative Medicine, Ben se dedicou a expandir a educação para profissionais clínicos em medicina biológica avançada, com ênfase na recuperação de doenças crônicas.

Um contador de histórias perspicaz e cheio de alma (veja sua palestra no TEDx), Ben destila ideias complexas de forma poderosa em mensagens convincentes e sucintas. Nesta palestra, Ben fala de sua jornada, passando de acamado com uma doença crônica grave para a recuperação total. Pouco tempo depois, ele passou por uma abstinência prolongada de benzodiazepínicos e antidepressivos. Ele se curou completamente mais uma vez usando os conceitos de neuroplasticidade.

Apresentado como palestrante e organizador em dezenas de conferências de saúde e medicina alternativa em todo o mundo, além de ser um profissional certificado em bioenergética, saúde holística e nutrição integrativa, Ben adquiriu uma compreensão íntima de como apoiar pessoas que desejam mudanças em seu corpo, mente ou espírito. Ben é um ávido surfista, sempre buscando no planeta a próxima onda perfeita.

• Kay Loveland, PhD, é psicóloga clínica em Asheville, NC. Ela cursou a Universidade da Carolina do Norte, onde jogou tênis, fez pós-graduação na Universidade de Massachusetts, onde obteve seu mestrado e doutorado em psicologia clínica, estagiou no Georgia Mental Health Center e concluiu um estágio de pós-doutorado no North Dekalb Family and Children’s Center. Ela também trabalhou como psicóloga clínica para o Women’s Tennis Tour depois de ter experiência no tênis universitário e uma breve incursão no mundo do tênis profissional.

Atualmente, a Dra. Loveland tem um consultório particular em Asheville, Carolina do Norte, onde se especializou em trabalhar com pessoas com doenças crônicas, abstinência de antidepressivos e benzodiazepínicos, abstinência prolongada e TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático). Ela também foi diretora do Camp Unleashed Asheville, um acampamento para pessoas e seus cães, e foi co-fundadora do Camp Hope Unleashed para veteranos com TEPT grave e seus cães de serviço. Ela é treinadora certificada em Resiliência ao Trauma e desenvolveu um programa usando cães de terapia e ensinando habilidades de resiliência ao trauma para detentos do sistema prisional.

Ela é colaboradora frequente de várias revistas de psicologia, incluindo a Voices, uma publicação da American Academy of Psychotherapists. Sua publicação mais recente foi um artigo sobre como se tornar mãe, avó e sogra um ano após adotar uma criança que ela conheceu fazendo terapia com animais de estimação com seu goldendoodle, Misha.
Ela continua seu trabalho de terapia com animais de estimação no hospital em Asheville e no Eliada Home, onde também faz parte do Conselho de Administração. Em seu tempo livre, ela também gosta de fotografar, jogar tênis, ler e escrever. Ela e seu pai escreveram um livro quando ele tinha 98 anos, intitulado The Last of the Rugged Individualists , baseado em seus 30 anos de caminhadas e amizade com eremitas nos vales das Montanhas Apalaches.

• Gustav F. é um ex-psiquiatra que resolveu cinco anos de sensações prolongadas de abstinência e dor crônica com uma abordagem mente-corpo originada pelo Dr. John Sarno. Desde então, ele fez um vídeo no YouTube, A Mindbody Approach to Psychiatric Drug Withdrawal , que compartilha sua história de sucesso e propõe um possível modelo de abstinência prolongada como uma síndrome neuroplástica causada por estresse psicológico. O canal de Gustav no YouTubeo Substack gratuito são atualizados quando ele se sente inspirado. Ele tem interesses particulares em cinema, literatura, hóquei e em passar o tempo com sua família.

Sobre o apresentador:

Robert Whitaker é autor de quatro livros e coautor de um quinto, três dos quais falam sobre a história da psiquiatria. Em 2010, seu livro Anatomy of an Epidemic: Magic Bullets, Psychiatric Drugs, and the Astonishing Rise of Mental Illness  (Anatomia de Uma Epidemia:  publicado pela Editora Fiocruz) ganhou o prêmio de melhor livro de jornalismo investigativo do U.S. Investigative Reporters and Editors. Ele é o fundador do madinamerica.com, um site que apresenta notícias de pesquisa e blogs de um grupo internacional de escritores interessados em “repensar a psiquiatria”.

Inscrições → Clique Aqui

A Rede Despatologiza Lança o Podcast “Diálogos Despatologizantes” com Paulo Amarante como Primeiro Convidado

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A Rede Despatologiza anuncia o lançamento de uma nova ferramenta de divulgação de conhecimentos, conceitos e saberes para a construção de vidas despatologizadas, o podcast Diálogos Despatologizantes.

No primeiro episódio Maria Aparecida Moysés conversa com Paulo Amarante sobre como a patologização da vida frequentemente reduz a pessoa a um diagnóstico e, no limite, a distúrbios de neurotransmissores. Nesse ideário acrítico e alienado, atrelado ao biopoder e ao complexo industrial farmacêutico, saúde torna-se um conceito abstrato, que desvincula o sujeito de sua própria história de vida, da cultura, da economia, do espaço-tempo em que vive e da sociedade. Em contraste, Paulo fala de movimentos internacionais que constroem novas possibilidades de des-patologizar, des-medicamentalizar e des-diagnosticar a vida, em que brotam esperanças de outros futuros possíveis.

O Despatologiza é um movimento pela despatologização da vida, que teve início quando profissionais da medicina, educação, psicologia e fonoaudiologia, parceiros de pesquisa e serviço, viram a necessidade de enfrentar, coletivamente, processos de patologização que transfiguram diferenças em doenças, para ocultar as desigualdades que assolam nossa sociedade.

Para escutar o episódio completo do podcast Diálogos Despatologizantes, clique aqui.

Para Trabalhadores Migrantes na Índia, Cuidado e Bem-Estar Têm a Ver com Relacionamentos

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O artigo foi originalmente publicado no Mad in South Asia e traduzido ao português por Camila Motta, com revisão de Paulo Amarante.

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Neste artigo, os pesquisadores descobriram que o bem-estar entre os trabalhadores migrantes na Índia tem a ver com o cumprimento de suas funções sociais e com a esperança de um futuro melhor para sua família/comunidade.

Os pesquisadores Sangeeta Yadav e Kumar Ravi Priya, da Jindal Global University e do Indian Institute of Technology Kanpur, realizaram um estudo para compreender como os trabalhadores migrantes de Délhi e Kanpur entendem o cuidado e o bem-estar. 

Os pesquisadores foram a Délhi e Kanpur para entrevistar 40 migrantes que trabalhavam em serviços domésticos ou manuais em fábricas ou indústrias. Eles descobriram que a maneira como os trabalhadores migrantes vivenciavam o cuidado era influenciada por vários fatores socioculturais. Sua compreensão do bem-estar se concentrava nos valores das relações familiares e comunitárias durante os momentos de angústia. Em outras palavras, para estes trabalhadores, a paz de espírito era relacional, como, por exemplo, saber que podem prestar apoio econômico aos seus filhos. 

O bem-estar geralmente se refere também à capacidade de cumprir os papéis sociais e as responsabilidades para com os outros, como cuidar dos pais.

Os pesquisadores observaram que há um viés nas pesquisas sobre saúde mental e teorias psicológicas. Essas teorias geralmente não valorizam as realidades políticas, culturais e sociais da vida das pessoas. Esses contextos são fundamentais para a forma como as pessoas entendem o cuidado e experimentam o bem-estar. Esta pesquisa visa preencher essa lacuna. Suas descobertas contrastam diretamente com o trabalho psicológico tradicional, que se concentra no indivíduo e em sua própria vida.

Cerca de 450 milhões de indianos migraram internamente em 2011, o que significou 37% da população total. Os autores escrevem:

“Esses migrantes muitas vezes se veem cercados por condições, estilos de vida, sotaques e crenças que podem ser diferentes de sua própria cultura, criando uma variedade de desafios cotidianos a serem enfrentados. Por exemplo, muitas vezes eles têm de enfrentar agressões físicas, abusos, acusações de roubo e expulsão forçada de suas casas pela polícia ou por autoridades urbanas. Além disso, eles têm de suportar moradias impróprias, instalações sanitárias e de saúde inadequadas, salários menores, falta de cobertura da assistência social ou legal, longas jornadas de trabalho e condições de trabalho anti-higiênicas/insalubres”

Em sua análise, eles descobriram que 20% dos trabalhadores apresentavam sintomas de depressão, enquanto 21% apresentavam sintomas de ansiedade. No entanto, as diretrizes globais sobre apoio à saúde mental baseiam-se principalmente em dados coletados de comunidades de imigrantes e refugiados na Europa e na América do Norte. Os estudos globais sobre saúde mental entre trabalhadores migrantes ignoraram amplamente o contexto relacional e socioeconômico. Portanto, Yadav e Priya realizaram um estudo qualitativo para coletar dados de trabalhadores migrantes e entender o que eles consideram como bem-estar. Para isso, é importante usar as próprias expressões (linguagem) de angústia e felicidade das pessoas, e não palavras que sejam irrelevantes para elas.

Inicialmente, os pesquisadores tiveram dificuldade em traduzir a linguagem acadêmica, como “sukh” ou “mansik shanti”, para denotar a sensação de bem-estar dos migrantes. Mas eles perceberam que o uso desses termos não estava fazendo sentido para os participantes. Logo chegaram a um entendimento da linguagem preferida pelos trabalhadores:

“Eles denotavam sua felicidade ou paz mental significativa e cotidiana, por meio de palavras como “tasalli” e “sukun”. Eles se sentiam felizes e aliviados quando conseguiam dar boa educação ou valores aos filhos, ou quando sustentam as suas famílias fornecendo comida e dinheiro. A compreensão dessas expressões idiomáticas locais sobre bem-estar (paz mental cotidiana) usadas entre as comunidades de trabalhadores migrantes serviu como um ponto de vista comum para explorar o cuidado.”

Eles descobriram que, para os trabalhadores migrantes, o bem-estar era entendido e vivenciado como: relações saudáveis, esperança de ser alimentado, testemunhar o bem-estar de pessoas próximas, aderir a valores sociorreligiosos, fé em fenômenos metafísicos, escolher o caminho correto, melhores oportunidades de emprego apesar das dificuldades e melhores oportunidades para a educação dos filhos.

“Cultivar relações” incluía coisas como enviar apoio financeiro a pessoas próximas e ensinar bons valores uns aos outros. A “esperança de ser alimentado” implica o desejo de que, no futuro, seus filhos cuidem deles e os sustentem. Dinesh, um dos trabalhadores entrevistados, declarou: “Se eu tiver sorte, meus filhos cuidarão de mim e de minha esposa durante nossa velhice.” Ele também teve uma sensação de alívio pelo fato de que “pelo menos ele é capaz de fornecer a alimentação para a família e educação para seus filhos”, que é onde “testemunhar o bem-estar de pessoas próximas” entra em cena:

“A única fonte de alívio é minha família. Apesar de viver em condições tão restritas, fico aliviado porque meus filhos estão recebendo comida três vezes por dia. Fico feliz e satisfeito com o fato de minha família ser saudável e feliz. Caso contrário, a vida é miserável. A felicidade da minha família me dá uma sensação de satisfação.”

Os trabalhadores também relataram que têm muita confiança e fé em Deus para lhes dar forças para enfrentar os desafios da vida. Um trabalhador declarou: “Sempre que estou com medo [do futuro] ou desnorteado, penso em Deus. Ele é o criador supremo. Se ele me trouxe a este mundo, ele vai cuidar de mim”. Seguir o caminho correto é outra categoria na qual os trabalhadores identificaram sua fonte de força. Os trabalhadores valorizavam seguir o caminho correto mostrado por sua religião, que pode dizer para servir aos outros e fazer um bom trabalho.

Além disso, os trabalhadores valorizavam o fato de terem melhores oportunidades de emprego, apesar das dificuldades. Ter melhores oportunidades para a educação dos filhos é outro motivo para continuar o trabalho que os migrantes não qualificados estão fazendo (“Estamos nos esforçando ao máximo para dar uma boa educação aos nossos filhos para que eles possam ter um futuro melhor”). Uma linha subjacente que os une é o “cuidado como reafirmação do valor dos relacionamentos familiares e comunitários, mesmo em tempos difíceis”.

Pesquisas anteriores também observaram que, em sociedades que valorizam o bem-estar do grupo em detrimento do bem-estar individual, a recuperação de dificuldades sistêmicas ou geracionais ocorre por meio do relacionamento e da comunidade. As dificuldades geracionais incluem dificuldades que são transmitidas de uma geração para a outra, como pobreza, casta e violência de gênero, eventos sociopolíticos como a divisão. Um exemplo disso é a pesquisa de Joseph Gone sobre como a recuperação do trauma geracional dos povos indígenas na América do Norte é feita por meio do recurso comunitário (ou seja, dança em grupo, práticas espirituais e culturais em conjunto) em oposição ao trabalho individual em terapia etc.

Douglas Bloch, em seu artigo, usa os ensinamentos budistas para observar que, assim como não podemos nos iluminar sozinhos (e precisamos de uma sangha), não podemos nos recuperar sozinhos. Devemos nos recuperar em comunidade. A necessidade que temos uns dos outros é tanto nossa maior vulnerabilidade quanto nossa maior força.

Está claro que fornecer apoio e recursos para a família e os filhos, seguir o caminho correto e poder ter melhores oportunidades no futuro são os principais motivadores para que os trabalhadores migrantes sigam seus caminhos. Mesmo que, às vezes, seu trabalho pareça sem sentido ou se mostre difícil, muitos trabalhadores se apegam aos benefícios acima mencionados para continuar fazendo seus trabalhos.

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