- Se você tiver pelo menos 18 anos de idade e tiver feito ECT (eletroconvulsivoterapia) , exceto nas últimas 4 semanas, você está convidado a participar de uma pesquisa on-line anônima. Também convidamos familiares e amigos a participar. Esta é a sua oportunidade de compartilhar suas experiências com esse tratamento, sejam elas positivas, negativas ou mistas.
- A pesquisa leva cerca de 20 a 25 minutos. Se as perguntas sobre a ECT ou sobre as experiências que o levaram a realizar a ECT forem angustiantes para você, considere seriamente não responder à pesquisa.
- Se tiver alguma dúvidas sobre o estudo, entre em contato com o pesquisador principal, o Professor John Read: [email protected]
- O estudo foi aprovado pelo Subcomitê de Ética e Integridade da University of East London
- Aqui está o link para a pesquisa:
https://uelpsych.eu.qualtrics.com/jfe/form/SV_57KmQWiynXIhMNw
Pesquisa sobre Terapia Eletroconvulsiva (ECT): São Necessários Participantes Para Pesquisa Internacional On-line
Como Começar um Grupo de Ouvidores de Vozes?
Nota do Editor: Todos os artigos, matérias, notícias e traduções publicadas no Mad in Brasil são previamente autorizadas e revisadas pelo nosso editor-chefe, Paulo Amarante.
A criação de um grupo de apoio mútuo para aqueles que vivenciam experiências auditivas únicas representa uma iniciativa crucial na promoção da saúde e na melhoria da qualidade de vida. Conforme orientações do The International Network for Training, Education and Research in to Hearing Voices – Rede Internacional de Treinamento, Educação e Pesquisa em Ouvidores de Vozes (INTERVOICE) – INTERVOZES (tradução livre), ouvir vozes vai além da simples percepção de sons e vozes inaudíveis para outros.
A perspectiva que encara a audição de vozes como uma expressão não patológica da existência, digna de acolhimento e abordagem apropriada, desafia a predominância do modelo biomédico neste campo. Isso não apenas traz benefícios significativos para aqueles que experimentam essas vivências, mas também reverbera positivamente entre amigos, familiares e profissionais envolvidos. Além disso, essa abordagem fomenta a pesquisa e impulsiona o desenvolvimento de redes de apoio, as quais têm desempenhado um papel vital ao permitir que muitas pessoas escapem do sistema centrado em hospitais psiquiátricos e serviços de saúde, superando o estigma associado aos diagnósticos psiquiátricos.
Nesse contexto, é possível adotar diversas abordagens para compreender e se relacionar com as vozes ao longo da vida, sem necessariamente associá-las a transtornos mentais. A criação de um espaço de acolhimento e troca de informações e experiências contribui para a redução do estigma e do isolamento social dessas pessoas, bem como para o fortalecimento de sua rede de apoio social e emocional. Os grupos passam a ser estratégias de cuidado, respeito e pertencimento para as pessoas que ouvem vozes.
Assim, iniciativas como grupos de ouvidores foram surgindo no mundo todo e no Brasil. Se você é um profissional ou até mesmo um ouvidor e/ou familiar de alguém que possui essa experiência, e quer implementar um grupo na sua cidade, serviço de saúde ou até mesmo em qualquer local da comunidade como centro de eventos, salas em prefeituras, dentre outros locais, aqui estão algumas dicas importantes para iniciar o processo.
O Grupo (e o mediador ou mediadores) deve ter em mente os princípios do Intervoice, ou seja, de como o mediador vai olhar o fenômeno das alucinações. São eles: a audição de vozes pode ser entendida como parte natural da experiência humana; diversas explicações são aceitas para explicar a origem das vozes; ouvidores devem ser encorajados a empoderar suas experiências e explicá-las à sua maneira; a audição de vozes é explicada pelo contexto de vida e dia a dia de cada um; aceitar e entender suas vozes é mais benéfico do que as suprimir e evitá-las; e, suporte e colaboração de pares empoderam e ajudam na recuperação.
Além disso, serão necessárias leituras previas sobre como estabelecer uma outra linguagem, visão e percepção sobre a audição, principalmente nós profissionais da saúde. É preciso uma postura horizontal e uma comunicação sem jargões e termos técnicos.
Em Cuiabá, no Mato Grosso, o grupo de ouvidores foi criado em 2023 e os encontros iniciaram em uma das salas no CAPS infanto juvenil. Foram convidados a participar do grupo adolescentes com idade mínima de 15 anos. Esta delimitação da idade pode ser importante a depender da sua demanda e, portanto, conhecer as pessoas ajuda a estabelecer um formato para o grupo. Inicialmente você pode realizar uma divulgação ampla por meio de cartazes em unidades de saúde, durante os atendimentos individuais e por meio do convite dos outros profissionais da equipe.
Para os encontros, organize a sala em forma de roda, pois é mais convidativo para que os participantes possam compartilhar suas experiências, dúvidas e angústias. Você pode ter alguém para colaborar na mediação e se necessário realizar anotações e observações em um caderno que pode ser compartilhado e lido ao final por todos os participantes. Não há um número máximo de participantes, mas quanto mais pessoas, menos tempo cada um terá para expor a sua experiência. Desta forma, procure realizar grupos com no máximo 15 pessoas.
Além disso, a frequência e o tempo de duração podem ser definidos pelo próprio grupo após o primeiro encontro. Esse é um ponto importante para a manutenção dos vínculos: o grupo deve ser um espaço de trocas e as definições devem ser discutidas em conjunto. Na experiência do CAPS de Cuiabá foram os próprios adolescentes que escolheram o nome do grupo passando a serem chamados de “Amigos dos Ouvidores da Mente”. Os encontros ocorrem toda segunda-feira e com assuntos escolhidos pelos adolescentes vão para além da escuta de vozes.
A estrutura de um grupo é sem dúvida importante, mas o mais importante mesmo é a compreensão da audição de vozes como uma expressão não patológica da existência – que deve ser acolhida e tratada adequadamente – contribuindo para questionar a hegemonia do modelo biomédico, trazendo benefícios para as pessoas que ouvem vozes, bem como para seus amigos, familiares e profissionais. A implementação dos grupos são importantes, pois auxiliam no processo terapêutico e desmedicalizantes, colaborando para o trabalho da equipe interprofissional.
Como mencionado anteriormente, as leituras são sempre necessárias se você também pode conhecer outros grupos por meio das redes sociais.
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Mad in Brasil hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da saúde mental e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.
Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 8: Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Seis)
Texto originalmente publicado no Mad in America e traduzido ao português por Letícia Paladino.
Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele descreve como a indústria farmacêutica e os reguladores de drogas distorceram os resultados dos ensaios clínicos para esconder tentativas de suicídio e mortes causadas por pílulas para depressão. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui.
Escondendo suicídios e homicídios: fraude, crime organizado e cumplicidade da FDA
Fluoxetina (Prozac ou Fontex) foi o primeiro ISRS a entrar em uso generalizado. A história por trás dele é sombria e os estudantes de psiquiatria deveriam conhecê-la, também porque a aprovação desta droga abriu caminho para uma série de drogas semelhantes. Isso ilustra que o marketing supera totalmente a ciência na influência sobre se os médicos utilizam as drogas e, se sim, quais eles utilizam |2,6:202|
Fluoxetina é uma droga tão terrível que a alta administração da Eli Lilly queria descartá-la após ter considerado seu marketing para distúrbios alimentares|2|. Mas a Lilly estava em sérios apuros financeiros e, se a fluoxetina falhasse, a Lilly poderia “afundar”|197,343,344|.
A FDA observou sérias falhas nos estudos da Lilly|2|. Pacientes que não tiveram bons resultados após duas semanas tiveram seus códigos revelados, e se estavam no grupo placebo, foram mudados para o grupo da fluoxetina|345|. Desta forma, seis semanas de fluoxetina foram comparadas com duas semanas de placebo. Também ficou claro que 25% dos pacientes haviam tomado uma droga adicional, e quando a FDA em 1985 removeu pacientes em uso de benzodiazepínicos e outras drogas dos estudos da Lilly, não houve efeito significativo da fluoxetina.
A FDA fez de tudo para fazer parecer que a fluoxetina funcionava|345|. Talvez o fato de a Lilly ser uma empresa americana tenha desempenhado um papel nisso. A fluoxetina foi aprovada quando Bush pai era presidente e ele havia sido membro do conselho de administração da Lilly. O vice-presidente Dan Quayle era de Indiana, onde fica a sede da Lilly, e tinha pessoas da sua equipe que haviam trabalhado anteriormente na Lilly e fazia parte de um comitê de supervisão da FDA|21|.
O regulador de medicamentos da Alemanha considerou a fluoxetina “totalmente inadequada para o tratamento da depressão” e, além disso, observou que, de acordo com as autoavaliações dos pacientes, houve pouca ou nenhuma resposta, ao contrário das avaliações dos médicos|2,5,346|. Isso também vale para outras drogas para depressão e também para crianças. Quando os pacientes avaliam o efeito eles mesmos, ele é inexistente (tamanho do efeito 0,05 ou 0,06)|347,348,349|. Somente os psiquiatras acham que funcionam (tamanhos de efeito de 0,25 a 0,29), mas eles não são aqueles a serem tratados.
Quando a Lilly mostrou alguns de seus dados para psiquiatras suecos, eles riram e não acharam que a Lilly estava falando sério|350|. Mas era crucial obter a aprovação da fluoxetina na Suécia, pois seria mais fácil obter a aprovação da FDA. O diretor sueco da Lilly, John Virapen, convidou médicos para o Caribe por uma semana, com muita diversão, incluindo “mergulho, surf, vela, garotas bonitas e noites quentes”|350|. Ele veio a Copenhague para me visitar e me contar mais sobre isso que publicou em seu livro |350|, e documentos oficiais confirmam sua história|7:59|.
Ao plantar perguntas indiretas para as secretárias de psiquiatras proeminentes, Virapen identificou o especialista independente, psiquiatra Anders Forsman, que examinaria a documentação clínica para a agência de medicamentos da Suécia. Forsman foi um dos que riram sobre a ideia de conseguir aprovar a fluoxetina, mas já em sua segunda reunião, ele sugeriu $20,000 como uma quantia razoável para uma aprovação rápida, que, além disso, não deveria ser conhecida pelo fisco mas seria resolvida pelo escritório da Lilly em Genebra. Ele também exigiu uma boa quantia de dinheiro para pesquisa. O dinheiro foi dividido e a segunda metade seria paga quando a droga fosse aprovada. Assim é como a máfia age quando ordena um assassinato.
Forsman até sugeriu falsificar o pedido de registro, por exemplo, tentativas de suicídio eram chamadas de “efeitos diversos”, e ele colocou sua própria carta de recomendação pessoal.
Como os critérios para o diagnóstico de depressão eram muito mais rigorosos e relevantes do que hoje, não havia muitas pessoas deprimidas na época, e a fluoxetina, portanto, foi comercializada como um elevador de humor, assim como traficantes vendem cocaína.
A aprovação na Alemanha também seguiu “métodos de lobby não ortodoxos exercidos sobre membros independentes das autoridades regulatórias”, como Virapen disse|350|. Depois de ter sido extremamente útil para a Lilly, Virapen foi demitido. Isso também é como na máfia. Quando uma pessoa de nível mais baixo foi solicitada a matar uma figura política conhecida, é mais seguro matar o assassino depois. A explicação oficial foi que a Lilly tinha certos princípios éticos. Quando jornalistas me perguntam o que acho dos princípios éticos da indústria farmacêutica, digo que não tenho resposta, pois não posso descrever o que não existe. O único princípio da indústria é o dinheiro, e quanto pior o crime, mais dinheiro será ganho|6|.
O nome de Forsman se tornou conhecido na imprensa, mas ele simplesmente continuou e passou a trabalhar para o tribunal, como avaliador psiquiátrico para a Suécia. Virapen tentou processá-lo, mas isso não foi possível porque ele não era funcionário da autoridade de saúde. Após esse caso, a lei anticorrupção sueca foi alterada.
A Lilly transformou sua terrível droga, que nem mesmo gostava, em um sucesso de vendas, o que contribuiu para tornar a empresa uma das dez maiores do mundo.
A Lilly promoveu a fluoxetina ilegalmente para várias doenças não aprovadas, como timidez, distúrbios alimentares e baixa autoestima, e ocultou que a droga causa suicídio e violência|2,122,351|.
Em 1990, apenas dois anos após a fluoxetina chegar ao mercado, Martin Teicher et al. descreveram seis pacientes que se tornaram suicidas e reagiram de maneira bizarra, com uma intensa e violenta preocupaçõa suicida enquanto tomavam a droga, algo completamente novo para eles|352|. As observações de Teicher eram muito convincentes. No entanto, mais tarde, documentos internos da Lilly que vieram à tona durante um caso de litígio|353| revelaram que a FDA trabalhou com a Lilly na questão do suicídio. Os psiquiatras corrompidos pela Lilly foram úteis enquanto o próprio cientista da Lilly deixou de fora informações nas subsequentes audiências da FDA em 1991 que demonstravam que a fluoxetina aumenta o risco de suicídio|122|. Anteriormente, a Lilly havia enviado dados ao órgão regulador de medicamentos da Alemanha mostrando que as tentativas de suicídio quase dobravam com a fluoxetina em comparação com o placebo.
O presidente do comitê da FDA, o psiquiatra Daniel Casey, interrompeu brutalmente Teicher para que ele não pudesse apresentar seus resultados e razões. Ele só foi autorizado a apresentar alguns slides enquanto o pessoal da Lilly apresentou muitos. Alguns anos depois, a esposa de Teicher recebeu uma oferta de emprego na Lilly para ser a principal cientista em oncologia sem ao menos ter se candidatado, oferta a qual ela aceitou.
Em 2004, o BMJ recebeu uma série de documentos internos da Lilly e estudos sobre a fluoxetina de uma fonte anônima, que estavam disponíveis há dez anos em um caso de litígio|353|. Eles revelaram que a Lilly sabia desde 1978 — dez anos antes da fluoxetina chegar ao mercado — que a fluoxetina pode produzir em algumas pessoas um estado de espírito estranho e agitado que pode desencadear nelas um impulso irresistível de cometer suicídio ou homicídio|344|. Em 1985, dois anos antes da aprovação da fluoxetina, o avaliador de segurança da FDA observou sob o título “Eventos catastróficos e graves” que alguns episódios psicóticos não haviam sido relatados pela Lilly, mas foram detectados pela FDA ao examinar relatórios de casos em microficha. O avaliador observou que o perfil de efeitos adversos da fluoxetina se assemelhava ao de uma droga estimulante, o que pode ser o motivo pelo qual a Lilly comercializou a fluoxetina como um elevador de humor.
Já em 1985, uma análise interna de ensaios controlados por placebo encontrou 12 tentativas de suicídio com fluoxetina em comparação com uma no placebo, mas depois que o código foi quebrado, os consultores contratados da Lilly descartaram seis das tentativas com fluoxetina|111:258|.
A Lilly estava ansiosa para eliminar a palavra “suicídio” completamente de seu banco de dados de eventos adversos experimentados por pacientes e sugeriu que, quando os médicos relatavam uma tentativa de suicídio com fluoxetina, a equipe da Lilly deveria codificá-la como “overdose”.
A fraude da Lilly era incomparável. É difícil se matar por overdose de fluoxetina, e os suicídios ocorriam em doses normais. Além disso, a Lilly excluiu 76 de 97 casos de suicidabilidade com fluoxetina em um estudo de vigilância pós-comercialização que enviou à FDA|354,355|. A Lilly instruiu sua equipe a codificar “ideação suicida” como “depressão”|197|, o que é o script usual para empresas farmacêuticas, órgãos reguladores de medicamentos e psiquiatras: Culpar a doença, não a droga|7:208|.
A Lilly também manteve suicídios completados fora da vista pública. Em 2004, o corpo de uma estudante universitária de 19 anos foi encontrado enforcado por um cachecol em uma barra de chuveiro em um laboratório em Indianápolis dirigido pela Lilly|354|. Ela havia participado de um estudo clínico como voluntária saudável para ajudar a pagar sua mensalidade universitária após ter sido submetida a testes médicos detalhados para excluir depressão ou tendências suicidas. Ela havia tomado duloxetina, outro medicamento da Lilly. Quando a jornalista do BMJ, Jeanne Lenzer, fez pedidos de acordo com a Lei de Liberdade de Informação para todos os dados de segurança relacionados à duloxetina, ela recebeu um banco de dados que incluía 41 mortes e 13 suicídios. Ausente do banco de dados estava qualquer registro da estudante universitária e de pelo menos outros quatro voluntários conhecidos por terem se suicidado enquanto tomavam duloxetina para depressão|354|.
Um dos documentos vazados observou que em ensaios clínicos, 38% dos pacientes tratados com fluoxetina relataram nova ativação em comparação com apenas 19% dos pacientes tratados com placebo. A ativação pode levar à agitação ou acatisia, e a Lilly recomendou desde cedo que, em seus ensaios com fluoxetina, tais pacientes também deveriam tomar benzodiazepínicos|2|, que reduzem os sintomas. Portanto, não sabemos qual é a verdadeira extensão da acatisia. Outras empresas adotaram a mesma estratégia, e tranquilizantes menores foram permitidos em 84% dos ensaios controlados por placebo de drogas para depressão|356|.
As amplas atividades criminosas da Lilly e a corrupção de médicos funcionaram. Em 1997, o Prozac foi a quinta droga mais prescrita nos Estados Unidos|357|. Também se tornou a droga mais criticada|1:287|.
Em relação a processos judiciais, Healy encontrou nos rascunhos iniciais da bula do Prozac a afirmação de que a psicose poderia ser precipitada em pacientes suscetíveis por pílulas para depressão|357|. O aviso sobre a psicose não foi incluído na bula final para os Estados Unidos e nem mesmo está incluído hoje|33|, enquanto o órgão regulador de medicamentos da Alemanha o exigia. Em 1999, a FDA recebeu relatos de mais de 2000 suicídios associados ao Prozac e um quarto dos relatos especificamente se referia à agitação e acatisia|2:171|. Como sempre, a FDA protegeu a droga e não os pacientes, pois disse que não teria permitido que uma empresa colocasse um aviso sobre acatisia ou suicídio na embalagem; teria considerado isso um rótulo errôneo|357|.
Outras empresas também se envolveram em fraudes e crimes organizados|6:208|. A SmithKline Beecham, posteriormente incorporada à GSK, começou a comercializar a paroxetina (Paxil ou Seroxat) em 1992 e falsamente afirmou pelos próximos 10 anos que a droga não era viciante|358|, embora o pedido de licença mostrasse que a paroxetina leva a reações de abstinência em 30% dos pacientes|359|. O regulador de medicamentos do Reino Unido também negou que houvesse um problema, enquanto a BBC relatou em 2001 que a OMS havia descoberto que o Paxil apresentava os problemas de retirada mais difíceis de qualquer pílula para depressão. Até 2003, o regulador de medicamentos do Reino Unido propagou a falsidade de que os ISRS não são viciantes, mas no mesmo ano, a OMS publicou um relatório que observou que três ISRS (fluoxetina, paroxetina e sertralina) estavam entre as 30 drogas mais bem classificadas para os quais a dependência de drogas já havia sido relatada|307|.
O regulador de medicamentos do Reino Unido também distorceu os dados ao descrever as reações de retirada como geralmente sendo raras e leves. Pesquisadores independentes mostraram que as reações foram classificadas como moderadas em 60% dos casos e como graves em 20% pelo mesmo regulador do Reino Unido que disse ao público que eram leves|360|.
Em 2003, a GSK revisou silenciosamente e em letras pequenas sua estimativa anterior do risco de reações de retirada nas instruções de prescrição de 0,2% para 25%,307 um aumento de 100 vezes.
A partir de 2002, a BBC apresentou quatro documentários sobre ISRS em sua série Panorama, o primeiro chamado Segredos do Seroxat. O porta-voz da GSK, o médico Alastair Benbow, mentiu em frente às câmeras. Ele negou que a paroxetina pudesse causar suicidabilidade ou autolesão, enquanto enviava dados ao órgão regulador de medicamentos um mês depois que mostravam exatamente isso, e que imediatamente levou a uma proibição de uso da droga em crianças.
O regulador de medicamentos afirmou que essa informação era completamente nova para a GSK, que, no entanto, já sabia disso há dez anos. Além disso, o chefe do órgão regulador de medicamentos ecoou a falsa afirmação das empresas farmacêuticas de que era a doença, não o medicamento, que causou os eventos suicidas.
O senador Charles Grassley perguntou à GSK por quanto tempo a empresa sabia que a paroxetina representava um risco de suicídio|361|. A GSK mentiu quando escreveu de volta que eles “não detectaram nenhum sinal de possível associação entre Paxil e suicidabilidade em pacientes adultos até o final de fevereiro de 2006”. Investigadores do governo descobriram que a empresa tinha os dados em 1998 e Healy encontrou evidências em documentos internos da empresa de que 25% dos voluntários saudáveis experimentaram agitação e outros sintomas de acatisia enquanto tomavam paroxetina|357|.
Healy realizou um estudo com sertralina em 20 voluntários saudáveis e, para sua grande surpresa, dois deles se tornaram suicidas|2:179|. Uma estava a caminho de se suicidar na frente de um trem ou de um carro quando uma ligação telefônica a salvou. Ambos os voluntários permaneceram perturbados vários meses depois e questionaram seriamente a estabilidade de suas personalidades.
Estudos próprios da Pfizer em voluntários saudáveis mostraram efeitos deletérios semelhantes, mas eles esconderam a maior parte dos dados em arquivos da empresa.
Os reguladores de medicamentos também ocultaram os danos letais. Quando revisores da FDA e pesquisadores independentes descobriram que as empresas farmacêuticas haviam ocultado casos de pensamentos e atos suicidas, rotulando-os como “labilidade emocional”, os chefes da FDA suprimiram essa informação|2,362|. Quando o próprio oficial de segurança da FDA, Andrew Mosholder, concluiu que os ISRS aumentam o risco de suicídio entre adolescentes, a FDA o impediu de apresentar suas descobertas em uma reunião consultiva e suprimiu seu relatório. Quando o relatório foi vazado, a reação da FDA foi realizar uma investigação criminal sobre o vazamento|355,363|.
Houve outros tipos de fraude. Em dados enviados pela GSK à FDA no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, A empresa adicionou tentativas de suicídio ocorridas durante o período de eliminação aos resultados do grupo placebo, mas não aos do grupo de paroxetina. A empresa adicionou tentativas de suicídio ocorridas durante o período de eliminação aos resultados do grupo placebo, mas não aos do grupo de paroxetina. Pelo menos três empresas, GSK, Lilly e Pfizer, adicionaram casos de suicídio e tentativas de suicídio em pacientes do grupo placebo de seus ensaios, embora os casos não tenham ocorrido enquanto os pacientes estavam randomizados para tal grupo|2,141,353,364,365|.
Healy escreveu em 2002|364| que, com base em dados que ele obteve da FDA, três de cinco tentativas de suicídio no placebo em um ensaio clínico com sertralina|366| ocorreram durante o período de eliminação e não no placebo, e que dois suicídios e três de seis tentativas no placebo em um ensaio clínico com paroxetina|366| também ocorreram no período de eliminação. As observações de Healy não foram negadas pela Pfizer e GSK|367,368|, mas a GSK forneceu outro exemplo gritante de que suas mentiras não são deste mundo|368|.
A análise “medicamento” versus “verdadeiro placebo” descrita pelo Dr. Healy não apenas é cientificamente inválida, mas também enganosa. O transtorno depressivo maior é uma doença potencialmente muito séria associada a morbidade, mortalidade, ideação suicida, tentativas de suicídio e suicídio consumado substanciais. Conclusões não justificadas sobre o uso e risco de antidepressivos, incluindo a paroxetina, prejudicam pacientes e médicos.
A fraude sistemática pode ser importante para as empresas em casos judiciais. Em 2001, quando um homem em uso de paroxetina assassinou sua esposa, filha e neta e cometeu suicídio, a GSK disse em sua defesa que seus ensaios não mostraram um aumento do risco de suicídio com a paroxetina|369|. Isso parecia estar incorreto. Em 2004, um pesquisador publicou uma meta-análise com base nos relatórios completos dos ensaios da GSK que foram disponibilizados na Internet como resultado de litígios. Ele descobriu que a paroxetina aumentava significativamente as tendências suicidas, com uma razão de chances de 2,77 (1,03 a 7,41)|370|.
Os relatórios clínicos que analisamos também incluíam ensaios em adultos|326|. Não pudemos abordar completamente os danos porque alguns deles apareciam apenas em listagens de pacientes nos apêndices, os quais possuíamos para apenas 32 dos nossos 70 ensaios incluídos. Além disso, não tínhamos os formulários de relatório de casos. Mas encontramos muitos eventos alarmantes, que você nunca verá em periódicos médicos e aqui estão alguns:
Quatro mortes foram relatadas erroneamente pela empresa, em todos os casos favorecendo a droga ativa.
Um paciente recebendo venlafaxina tentou suicídio por estrangulamento sem nenhum indício prévio e morreu cinco dias depois no hospital. Embora a tentativa de suicídio tenha ocorrido no 21º dia dos 56 dias de tratamento randomizado, a morte foi chamada de evento pós-estudo, pois ocorreu no hospital e a droga havia sido descontinuado devido à tentativa de suicídio.
Embora narrativas de pacientes ou listagens individuais de pacientes mostrassem que eram tentativas de suicídio, 27 de 62 dessas tentativas foram codificadas como labilidade emocional ou piora da depressão, que é o que você vê nas publicações, não as tentativas de suicídio.
Uma tentativa de suicídio (superdose intencional com paracetamol em um paciente em fluoxetina) foi descrita nas tabelas de eventos adversos como “elevação de enzimas hepáticas”, o que você pode obter se beber álcool.
Para as drogas da Eli Lilly, fluoxetina e duloxetina, comparamos nossas descobertas com os relatórios resumidos dos ensaios no site da empresa. A apresentação da Lilly era seriamente enganosa|8,326|. Na maioria dos casos, os eventos adversos eram mostrados apenas se ocorressem em, por exemplo, pelo menos 5% dos pacientes. Dessa forma, as empresas podem evitar relatar muitos danos graves. Apenas 2 de 20 tentativas de suicídio (17 com a droga, 3 com placebo) foram documentadas. Nenhum dos 14 eventos de ideação suicida (11 vs 3) foi mencionado, e apenas 3 eventos de acatisia (15 vs 2) foram mencionados.
Em três ensaios clínicos com sertralina em que tínhamos acesso tanto aos termos verbais quanto aos termos preferidos codificados, a acatisia foi codificada como “hipercinesia”, e a má codificação parecia ter sido prevalente também em ensaios com paroxetina, já que não encontramos um único caso de acatisia.
Como explicado anteriormente, a acatisia aumenta o risco de suicídio, violência e homicídio. Só pudemos identificar a acatisia se tivéssemos acesso aos termos literais, mas mesmo assim descobrimos que, como a agressão, a acatisia era vista duas vezes mais frequentemente nos medicamentos do que no placebo|326|.
É de particular relevância para os muitos tiroteios em escolas que os seguintes eventos para 11 pacientes em uso de pílulas para depressão foram listados como agressão em narrativas de pacientes para eventos adversos graves: ameaça homicida, ideação homicida, agressão, abuso sexual, ameaça de levar uma arma para a escola, danos à propriedade, socos em itens domésticos, ameaças verbais e agressivas, e beligerância.
Muitos dos assassinos estavam usando pílulas para depressão. As autoridades rotineiramente ocultam tais informações para não levantar preocupações sobre a segurança dos medicamentos, e portanto demorou bastante tempo antes de descobrirmos que o piloto da Germanwings que levou todo um avião consigo quando cometeu suicídio nos Alpes, e que o motorista belga de ônibus que matou muitas crianças ao dirigir seu ônibus contra uma parede, também nos Alpes, estavam ambos usando pílulas para depressão.
Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.
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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.
Segunda Temporada do Podcast Enloucast é Lançada com Entrevista do Psiquiatra Rossano Cabral
A segunda temporada do Podcast Enloucast foi lançada na quarta- feira, dia 17 de julho, e estreia com entrevista ao psiquiatra infantil e integrante do Instituto de Medicina Social (IMS) da UERJ.
Na entrevista, Rossano nos leva a refletir sobre o processo de desenvolvimento das “bioidentidades”, processo no qual o sujeito passa a se reconhecer através das suas características biológicas e não a partir do papel, ou papéis, que desenvolve na sociedade. O entrevistado debate as influências desse fenômeno no campo da saúde e aponta que uma de suas consequências é o uso de psicotrópicos em organismos ainda em desenvolvimento, como é o caso de crianças e adolescentes diagnosticados com transtornos psiquiátricos.
Rossano alerta:
“Existem possíveis ações (dos psicotrópicos) que ainda não foram mapeadas, principalmente quando estamos falando de cérebros que estão em formação. Na verdade, não só cérebros, mas o organismo.”
Assista e entrevista completa:
Pesquisadores Brasileiros Renomados Apelam para Práticas Holísticas de Saúde Mental
Pesquisadores brasileiros defendem uma mudança das atuais práticas psiquiátricas
para modelos mais holísticos que abordem os fatores sociais e ambientais que
contribuem para os problemas de saúde mental.
Num artigo de opinião publicado na revista PLOS Mental Health, destacados
pesquisadores da saúde mental brasileiros defendem uma mudança transformadora na
abordagem dos cuidados de saúde mental. Liderados pelo neurocientista e biólogo
Sidarta Ribeiro e por Paulo Amarante, reconhecido psiquiatra e editor do Mad no Brasil,
o artigo defende a redução da medicalização e a adoção de práticas holísticas e
integrativas que dão prioridade ao contexto social e ambiental do indivíduo.
Eles escrevem:
“As condições de saúde mental são frequentemente causadas por desequilíbrios fisiológicos socialmente construídos. Os déficits de sono, nutrição, exercício, introspeção e outros pilares de uma boa saúde mental não ocorrem no vácuo; são produzidos pela forma como vivemos. As condições precárias de trabalho e de habitação, o desemprego, o racismo, a misoginia, a homofobia, a transfobia, a violência física e simbólica, a guerra contra as pessoas que consomem determinadas drogas e outras formas de preconceito social contribuem para o sofrimento mental e devem ser consideradas de forma sistêmica. O contexto ambiental e social do indivíduo deve ser compreendido e melhorado através de práticas integrativas. É tempo de nos esforçarmos por adotar uma abordagem mais naturalista e benigna para promover o bem-estar mental, reforçando as ligações ao próprio corpo, à natureza e à comunidade.”
O artigo, intitulado Está na hora de adotar práticas mais holísticas na saúde mental, sublinha a necessidade de ultrapassar a hipótese do desequilíbrio químico que tem
dominado a psiquiatria. Em vez disso, apela para práticas que considerem o contexto
mais amplo da vida de um indivíduo, incluindo fatores como o sono, a nutrição, o
exercício e as relações sociais. Os autores alinham os seus pontos de vista com os da
Organização Mundial de Saúde (OMS) e defendem uma abordagem baseada nos direitos dos cuidados de saúde mental, com o objetivo de reduzir a dependência excessiva da
medicação e promover uma compreensão mais abrangente do bem-estar mental. Este
apoio significativo de figuras brasileiras de destaque demarca o crescente movimento
global em direção a práticas holísticas e integrativas de saúde mental.
Práticas Iatrogênicas em Psiquiatria: Sensibilização ou Reações Desencadeantes
Nota do editor: Reproduzimos aqui o artigo da Dra. Laura Guerra, originalmente publicado no Mad in Italy, pela sua importância e urgência do debate sobre o tema. Os sites Mad in Brasil e o Mad in Italy passarão a traduzir e divulgar textos publicados nos dois sites, na intenção de estreitar ainda mais os laços entre os dois países. O presente texto foi traduzido para o português por Paulo Amarante.
Algumas práticas psiquiátricas podem ter consequências muito dolorosas e desestabilizadoras, por vezes de enorme sofrimento, para a pessoa em tratamento farmacológico, como o kindling ou a sensibilização neuronal. Kindling é uma condição neurológica que ocorre como resultado de repetidos episódios de abstinência e reintegração de diversas drogas psicotrópicas, álcool e drogas. Após cada episódio, os sintomas de abstinência pioram e também podem se manifestar como convulsões, psicose e/ou morte. Essencialmente, o desenvolvimento desta hipersensibilidade pode causar reações anormais quando o mesmo medicamento ou um medicamento diferente é reintroduzido.
Premissas
Em nossas informações sempre destacamos que os psicotrópicos não têm ação específica sobre problemas mentais ou psicopatologias, mas apenas sobre seus sintomas. Os problemas mentais têm origens relacionais, culturais e sociais e devem ser abordados deste ponto de vista, principalmente com intervenções psicoterapêuticas e sociais, limitando o uso de psicotrópicos a períodos muito curtos, quando estritamente necessário.
A psicofarmacologia nos ensina que os psicotrópicos atuam nos sintomas do sofrimento mental como substâncias psicoativas, alterando as funções cognitivas e emocionais, sedando e criando embotamento emocional ou aumento artificial do humor.
Para esclarecer melhor esses conceitos, “psicose”, “depressão”, “ansiedade”, “transtorno bipolar”, “TDAH” e outros, os mesmos não são transtornos de origem orgânica ou genética, causados por “desequilíbrios químicos cerebrais” e drogas psicotrópicas não têm a função de restaurar qualquer equilíbrio.
Na verdade, eles próprios criam um desequilíbrio químico, que será responsável pelos fenômenos de tolerância e dependência. Como consequência, após um determinado período de tempo já não produzirão o efeito desejado e não será possível interrompê-los muito rapidamente, caso contrário haverá sintomas de abstinência, por vezes muito perigosos.
Como já foi mencionado, os medicamentos psicotrópicos podem ser úteis a curto prazo para gerir estados agudos de sofrimento mental, mas depois devem ser suspensos com segurança, sob supervisão médica especializada, com o auxílio de psicoterapia para abordar as causas do próprio sofrimento.
Os tratamentos a longo prazo, de fato, são contraproducentes, pois podem cronificar os sintomas e também ter efeitos secundários significativos, comprometendo assim a qualidade de vida e encurtando o seu curso.
Apesar disso, a adoção do modelo orgânico pela grande maioria dos serviços de saúde mental, tanto na Itália como em outros países economicamente desenvolvidos, tem como consequência um uso massivo de psicotrópicos em detrimento de intervenções psicoterapêuticas e sociais, que serviriam, em vez disso, para abordar adequadamente o sofrimento psicológico.
Práticas potencialmente perigosas em psiquiatria – Fenômeno Kindling
Muitos psiquiatras, sem preparo para lidar com o processo de retirada de psicotrópicos com segurança, numa tentativa de suprimir os sintomas de sofrimento mental ou os efeitos de abstinência causados por suspensões mal administradas, acrescentam e retiram com grande facilidade e em curto espaço de tempo diferentes psicotrópicos, não respeitando os protocolos para sua suspensão segura.
Esta prática, amplamente utilizada, também pode ter consequências muito perigosas e causar enorme sofrimento psicofísico, como consequência da sensibilização dos receptores do sistema nervoso ou do kindling.
Por causa do kindling, algumas pessoas que tiveram pouca dificuldade em interromper um medicamento na primeira vez, quando reintroduzidas ou trocadas por outro medicamento, podem apresentar sintomas de abstinência muito piores quando tentam abandoná-lo novamente.
Na verdade, o sistema nervoso, devido aos múltiplos eventos de abstinência e aos efeitos adversos dos medicamentos, torna-se desestabilizado e sensibilizado.
Além disso, ao tomar e interromper vários psicotrópicos, você pode se deparar com uma situação ainda mais complexa que consiste na reação de abstinência da droga sobreposta à reação de sensibilização ou de kindling.
E, mais ainda, durante a fase de kindling, a hipersensibilidade também pode desenvolver-se com substâncias psicoativas ou ativadoras, como cafeína, vitaminas, suplementos, determinados alimentos, álcool, etc., que podem causar reações indesejadas e por vezes perigosas.
Evite pular doses durante a suspensão: fenômeno de kindling ou sensibilização
Às vezes, para reduzir os medicamentos psicotrópicos, prescritores inexperientes recomendam pular doses do medicamento, por exemplo, em dias alternados ou a cada dois ou três dias. Este método não é recomendado porque provoca oscilações na concentração do medicamento no sangue e, portanto, no sistema nervoso, mesmo no caso de medicamentos com meia-vida longa como a fluoxetina (Prozac). Quando os tratamentos assumem um padrão irregular como o descrito acima, a pessoa fica predisposta a reações de sensibilização ou kindling e à chamada “resistência ao tratamento”. A sensibilização ou kindling pode ser definida como a amplificação da resposta a exposições repetidas e intermitentes a um estímulo (Bell et al. 1999).
A sensibilização é, portanto, consequência de repetidos episódios de abstinência e reintrodução da substância psicotrópica e quando é desencadeada leva à exacerbação das reações adversas que ocorrem com alterações de dosagem ou introdução de outras substâncias.
Essa condição pode durar com o tempo e às vezes ser permanente. Devido ao fenômeno de sensibilização, cada reação de abstinência conduz a sintomas de abstinência mais graves do que os episódios anteriores.
A sensibilização ocorre especialmente em pessoas que já tentaram várias vezes parar de tomar medicamentos e a quem o médico prescreveu tratamento farmacológico agressivo, confundindo os sintomas de abstinência com uma recaída de sofrimento mental, com o aparecimento de um novo transtorno ou com uma “incapacidade de resposta” ao tratamento farmacológico.
Para evitar esse fenômeno, quando os psicotrópicos são interrompidos repentinamente ou muito rapidamente, o medicamento deve ser reintroduzido em pequenas doses. Se os sintomas de abstinência melhorarem, mas não significativamente, a dose pode ser aumentada um pouco. Caso a reintrodução do medicamento gere piora dos sintomas, a reação poderá ser contida com uma pequena dose, conforme explicado mais detalhadamente no próximo parágrafo (Framer, 2021).”.
O livro então lista métodos para evitar ou limitar os danos causados pelo kindling. Geralmente a sensibilização ou inflamação causa reações de superestimulação, como sensação de descarga elétrica interna, ansiedade, depressão, nervosismo, insônia, pânico e, em casos extremos, acatisia, que inclui a necessidade de se movimentar continuamente para aliviar a intensa agitação interna e que às vezes é tão insuportável que você quer morrer.
Os mecanismos subjacentes ao kindling ainda não estão esclarecidos, mas no caso dos benzodiazepínicos, substâncias mais estudadas em conjunto com o álcool para esse efeito, alguns estudos levantam a hipótese de um papel do sistema excitatório do glutamato, implicado na regulação da ansiedade e do limiar convulsivo em conjunto com o GABA, o receptor alvo da benzodiazepina. A excitação que ocorre após tentativas subsequentes de retirada dos benzodiazepínicos pode, portanto, levar a um aumento na gravidade da ansiedade e a uma diminuição do limiar convulsivo.
Referências bibliográficas:
- Maviglia, Laura Guerra, M. Gandolfi. Suspensão de psicotrópicos: como e por quê – Construindo um caminho personalizado e eficaz. A Fábrica de Sinais (2024)
3. Breggin. A suspensão dos psicotrópicos, manual para prescritores, terapeutas, pacientes e seus familiares. Fioriti Editora (2018)
5. Moldador. O que aprendi ajudando milhares de pessoas a reduzir gradualmente os antidepressivos e outros medicamentos psicotrópicos. O Adv Psicofarmacol. 2021 março.doi: 10.1177/2045125321991274.
6. Michael P. Hengartner, Lukas Schulthess, […], e Adele Framer. Síndrome de abstinência prolongada após interrupção de antidepressivos: uma análise quantitativa descritiva de narrativas de consumidores de um grande fórum na Internet. Diário do Sábio (2020) https://doi.org/10.1177/2045125320980573
7. Sobrevivendo aos antidepressivos (2022). Hipersensibilidade e Kindling
8.Hipersensibilidade e Kindling – Sintomas e autocuidado – Sobrevivendo aos antidepressivos
9. Niki Gratrix. Kindle/Ignição Límbica: Hard Wiring/A fiação cerebral para hipersensibilidade e síndrome de fadiga crônica. Estudos e Pesquisas (2018)
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Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 8: Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Cinco)
Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele continua a discussão sobre a manipulação dos testes de pílulas para depressão para crianças e adolescentes pela indústria farmacêutica. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui.
O grande estudo TADS sobre fluoxetina, financiado pelo NIH, foi seriamente mal relatado
Houve um único ensaio independente de fluoxetina para adolescentes, o Estudo de Tratamento da Depressão Adolescente (Treatment for Adolescents with Depression Study – TADS) do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, publicado em 2004(322). Este ensaio foi muito grande e teve uma influência significativa.
Adolescentes com depressão (n = 439) foram randomizados para quatro grupos de tratamento: fluoxetina isolada (n = 109), terapia cognitivo-comportamental (TCC) isolada (n = 111), fluoxetina com TCC (n = 107) ou um placebo em pílula (n = 112) durante a fase aguda do TADS (12 semanas).
Os investigadores relataram que o tratamento combinado com fluoxetina e TCC “ofereceu a mais favorável relação entre benefício e risco para adolescentes com transtorno depressivo maior.” No entanto, o relato foi amplamente criticado. Há problemas com o desenho do estudo, relatórios estatísticos e interpretação, discrepâncias entre resumos de artigos e seu conteúdo em mais de 30 publicações da equipe do TADS, e má representação dos danos (323).
Uma revisão sistemática de 2020 criticou 19 diretrizes internacionais de prática clínica por sua dependência das descobertas do TADS sem considerar a falha dos autores do TADS em relatar adequadamente os danos causados pela droga(324).
Os autores do TADS afirmaram eficácia e segurança para a fluoxetina, que é o mantra padrão da indústria farmacêutica, independentemente dos resultados, mas ambas as afirmações estão erradas. O efeito não foi clinicamente relevante e houve o dobro de eventos suicidas em pacientes randomizados para fluoxetina do que em pacientes randomizados para placebo(322,325).
Até hoje, o relato sobre os danos continua sendo altamente deficiente(323). Dois pesquisadores que queriam corrigir isso conseguiram acesso a dados resumidos via Institutos Nacionais de Saúde(323). Esses dados indicaram que, dos 30 eventos adversos graves registrados durante a fase aguda do estudo, 12 foram tentativas de suicídio entre crianças que tomavam ISRSs, em comparação com apenas duas tentativas entre crianças que não estavam tomando ISRSs.
Em seguida, os pesquisadores tentaram obter acesso aos formulários de registros de casos e narrativas, que são essenciais para uma reanálise rigorosa, que os termos codificados e avaliações de gravidade do MedDRA (Medical Dictionary for Regulatory Activities – Dicionário Médico para Atividades Regulatórias) não permitem. A experiência anterior dos pesquisadores com a restauração do estudo (329) da GlaxoSmithKline (GSK) sobre paroxetina em crianças e adolescentes mostrou que este passo adicional é muito importante para corrigir os erros cometidos pelos investigadores originais, o que mudou significativamente os danos em desfavor da paroxetina(300).
No entanto, a Universidade Duke, onde os dados do ensaio estavam armazenados, recusou-se a entregar os formulários de eventos adversos graves do estudo, mesmo tendo assinado um acordo sobre a entrega dos dados(323). Seus argumentos para a recusa eram inválidos.
Os pesquisadores então tentaram obter os dados ausentes da Eli Lilly, que forneceu a droga para o ensaio e recebeu todos os relatórios de eventos adversos graves dos investigadores, mas a Lilly se recusou a liberar os dados e também a publicar qualquer correspondência.
Os pesquisadores também tentaram obter os dados da FDA, mas foram informados de que levaria pelo menos dois anos antes que fossem atendidos na fila.
Outras pílulas para depressão também são inseguras e os ensaios pediátricos são manipulados
Aumento do risco de suicídio e violência não se limita à fluoxetina. É um efeito da classe. Meu grupo de pesquisa utilizou os relatórios clínicos dos ensaios controlados por placebo de ISRSs e SNRIs, e descobrimos que essas drogas aumentam a tendência suicida e a agressão 2-3 vezes entre crianças e adolescentes, com razão de possibilidade de 2,39 (1,31 a 4,33) e 2,79 (1,62 a 4,81), respectivamente(326).
Antes do desenvolvimento dos ISRSs, houve 15 ensaios randomizados de tricíclicos e compostos relacionados em crianças e adolescentes, todos negativos(327). Havia um consenso clínico de que as crianças não desenvolviam depressão endógena(279). Elas podiam estar miseráveis e infelizes, mas isso era situacional e responderia a intervenções psicossociais. Associado a isso, havia quase nenhum psiquiatra infantil com experiência em psicofarmacologia.
Os ISRSs na época tinham uma ação ansiolítica, mas foram comercializados como pílulas para depressão em parte para evitar preocupações clínicas de que qualquer novo ansiolítico necessariamente produziria dependência, como os benzodiazepínicos(328). Uma meta-análise de 2017 de ensaios publicados em crianças e adolescentes confirmou que os ISRSs são essencialmente drogas ansiolíticas, pois os tamanhos de efeito foram significativamente maiores para ansiedade (0,56) e transtorno obsessivo-compulsivo (0,39) do que para depressão (0,20).329
Nossa reanálise dos dois ensaios pivotais de fluoxetina(279) deixou claro que esta droga nunca deveria ter sido aprovada para uso em crianças e adolescentes. Mas uma vez aprovado, abriu caminho para a aprovação de outros ISRSs ineficazes e perigosos.
Após licenciar a fluoxetina para crianças, com base em estudos negativos em seu desfecho primário, a FDA emitiu uma carta de aprovação em outubro de 2002 para a paroxetina, que veio à tona por causa de um caso judicial:(330) “Concordamos [com a GSK] que os resultados dos Estudos 329, 377 e 701 não demonstraram a eficácia do Paxil em pacientes pediátricos com TDM [transtorno depressivo maior]. Dado o fato de que ensaios negativos são frequentemente observados, mesmo para drogas antidepressivas que sabemos serem eficazes, concordamos que não seria útil descrever esses ensaios negativos na rotulagem.”
Esta é uma das afirmações mais horríveis que já vi um regulador de medicamentos fazer. “O medicamento não funcionou, mas sabemos que funciona.” Se assim for, por que se dar ao trabalho de fazer ensaios randomizados? É assim que praticantes de homeopatia ou medicina chinesa e outras pseudocientistas argumentam.
Na publicação inicial de 2001 do estudo 329, que foi um ensaio de paroxetina em menores deprimidos, a GSK afirmou que a paroxetina era segura e eficaz.(331) Mas um documento interno de 1998 revela que a GSK sabia que o estudo demonstrava que sua droga era ineficaz, o que a GSK considerava comercialmente inaceitável para publicar(332,333). O documento afirma que os “bons trechos do estudo seriam publicados.”
O estudo foi negativo para eficácia em todos os oito desfechos especificados no protocolo e positivo para danos. Mas a GSK distorceu os dados para conseguir o que queria (332,334). O artigo não deixou nenhum vestígio dessa distorção; na verdade, afirmou falsamente que os novos desfechos foram declarados a priori – uma fraude clássica de quem escolhe as informações que lhe são convenientes.
Com base nessas informações, o Procurador Geral do Estado de Nova York instaurou uma ação por fraude contra a GSK em 2004(122). O acordo desta ação tornou possível acessar dados do estudo (329) e restaurá-los de forma que demonstrasse a falta de eficácia da paroxetina e o aumento de eventos suicidas em contraste com a publicação original (331), que era fraudulenta. Sete crianças na paroxetina versus uma no placebo demonstraram comportamento suicida ou autolesivo (300). No artigo publicado, cinco casos de pensamentos e comportamento suicida foram listados como “labilidade emocional” e mais três casos de ideação suicida ou autolesão foram chamados de “hospitalização.”(122) Quando a FDA exigiu que a empresa revisasse os dados novamente, houve quatro casos adicionais de autolesão intencional, ideação suicida ou tentativa de suicídio, todos com o uso de paroxetina.
O primeiro autor da fraude, Martin Keller, duplicou suas despesas de viagem; foi oferecido $25.000 para cada adolescente vulnerável; recebeu centenas de milhares de dólares para financiar pesquisas que não estavam sendo conduzidas; recebeu centenas de milhares de dólares de empresas farmacêuticas todos os anos que ele não divulgou; deu palestras para pacientes e seus parentes com dinheiro da indústria, o que ele não revelou; e seus honorários foram propositalmente não declarados(122).
As más condutas de Keller não prejudicaram sua carreira, provavelmente porque seu departamento havia recebido $50 milhões em financiamento para pesquisas. Um porta-voz da Escola de Medicina da Universidade Brown disse que “a pesquisa do Dr. Keller sobre o Paxil estava de acordo com os padrões de pesquisa da Brown.” Compreensível.
O periódico que publicou o artigo de Keller, Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, foi cúmplice na fraude. Embora tenha sido mostrado aos editores do periódico evidências de que o artigo distorcia a ciência, eles se recusaram a transmitir essa informação à comunidade médica e a retratar o artigo(332). Uma explicação para essa passividade pode ser encontrada seguindo o dinheiro que vai para o proprietário do periódico
A GSK promoveu ilegalmente a paroxetina para uso em crianças, embora não fosse aprovada para crianças, e omitiu resultados de ensaios que mostravam que a paroxetina era ineficaz(335). O marketing implacável funcionou. Descrevi muitas histórias de partir o coração sobre crianças e adultos jovens que não tinham problemas mentais de forma alguma, mas que se suicidaram por enforcamento ou outros meios violentos por causa dos danos das pílulas para depressão que tomaram (6:219,7:79). Essas pessoas foram prescritas pílulas para depressão devido a insônia, término de relacionamento, estresse no trabalho ou na escola e outros problemas cotidianos.
A aprovação da fluoxetina para depressão em crianças e adolescentes e a publicação de muitos artigos desde então, muitas vezes escritos por ghostwriters (escrita-fantasma, em tradução livre), reivindicando eficácia para vários ISRSs, varreu a ideia de confiar na psicoterapia e outras formas de apoio(279).
A FDA também foi enganada por outras empresas farmacêuticas. Em 2002, quando a GSK solicitou a aprovação da paroxetina para crianças, a FDA escreveu para a empresa(330):
“Você não forneceu nenhuma análise de dados de intervalo de ECG para os estudos controlados. Os resultados fornecidos para os estudos 701 e 704 consistiam em uma contagem dos números de pacientes com anormalidades no ECG. No estudo 329, as anormalidades no ECG foram consideradas eventos adversos, mas não foram analisadas de outra forma. Para completar nossa revisão desta aplicação, estamos solicitando que você envie a análise típica realizada para esse tipo de dados; como, por exemplo, uma análise da mudança média em relação ao início do ensaio para os intervalos de ECG medidos.
A FDA, além disso, criticou uma tabela que não mostrava dados dos grupos de placebo e listava crianças tratadas com paroxetina cujos eventos adversos haviam sido codificados como hostilidade, labilidade emocional ou agitação, mas não incluía eventos adversos psiquiátricos codificados sob outros termos. A FDA solicitou os resumos de casos narrativos para aqueles eventos que eram sérios ou resultaram em descontinuação prematura.
É inacreditável que tais informações não tenham sido fornecidas na aplicação para a aprovação da droga. A GSK também foi solicitada a fornecer sua “justificativa para codificar tentativas de suicídio e outras formas de comportamento autolesivo sob o termo WHOART ‘labilidade emocional.’ ”
A paroxetina parecia prejudicar o crescimento, assim como encontramos com a fluoxetina. A FDA solicitou à GSK que testasse estatisticamente seus dados sobre altura e peso e conduzisse estudos em animais juvenis para avaliar os efeitos da paroxetina no crescimento e no desenvolvimento neurológico, comportamental e reprodutivo. No entanto, assim que uma droga é aprovada, a empresa farmacêutica tende a “esquecer” tudo o que o regulador de medicamentos solicitou. Isso pareceu ser o caso também desta vez. Eu revisei a bula da FDA para paroxetina em 2022 (336), e não havia nada que sugerisse que a GSK havia feito os estudos com animais solicitados, embora fossem muito importantes.
O folheto informativo da FDA para fluoxetina mostra o quão perigosas essas drogas são (33). Ela descreve uma meta-análise de ensaios controlados por placebo a curto prazo. Para cada 1000 crianças ou adolescentes tratados com a droga em vez de placebo por uma duração média de apenas dois meses, houve 14 casos adicionais de tendências suicidas. O número necessário para dano em uma criança, portanto, foi apenas 71.
Em 2004, a FDA emitiu um alerta de advertência na caixa de medicamento sobre pílulas para depressão com base em uma meta-análise que mostrou que a taxa de pensamentos suicidas ou comportamento suicida era de 4% entre pacientes jovens que tomavam pílula para depressão e apenas 2% entre aqueles no placebo, o que foi uma diferença estatisticamente significativa(303,337) No entanto, quando a FDA publicou o dobro do risco de suicídio em crianças em um periódico médico, eles chamaram isso de um “risco modestamente aumentado.”(338)
Enquanto a FDA estava revisando os dados, os acadêmicos das escolas de medicina que haviam publicado resultados positivos dessas drogas estavam preocupados e emitiram um relatório em janeiro de 2004 defendendo a eficácia das drogas e contestando a evidência de que seu uso aumentava o comportamento suicida.339 Os pesquisadores acadêmicos haviam contatado as empresas para ter acesso aos dados que eles próprios geraram, mas algumas empresas farmacêuticas se recusaram a fornecer os dados. Esta decisão não podia ser contestada porque as escolas de medicina, ao concordarem em conduzir os ensaios, haviam assinado acordos com os fabricantes de medicamentos que mantinham os dados confidenciais.
Centros médicos acadêmicos nos Estados Unidos criaram escritórios de ensaios clínicos e cortejam abertamente a indústria, oferecendo os serviços de suas faculdades clínicas e fácil acesso aos pacientes(340). Em vez de combater a corrupção da integridade acadêmica, os acadêmicos participam de uma corrida para o fundo ético, tornando menos provável que qualquer pessoa de fora veja os dados. A ciência se mistura ao marketing e os professores acabam como promotores, enquanto alguns cientistas da indústria ficam enojados pelo processo em que se envolveram (341), mas não podem fazer nada.
O manual didático que tem apenas psiquiatras como autores observou que algumas pessoas experimentam agitação ou ansiedade no início do tratamento, especialmente em idades jovens, com um possível agravamento de pensamentos suicidas (18:238). Não é especialmente em jovens; não se limita ao início do tratamento, mas pode acontecer a qualquer momento; e é muito pior do que apenas pensamentos. Algumas crianças se matam por causa dos danos causados pelas pílulas (7).
É cruel que a maioria dos líderes psiquiátricos diga – até mesmo na TV nacional dinamarquesa, o que Lars Kessing fez (342) – que pílulas para depressão podem ser dadas com segurança a crianças porque não houve um aumento estatisticamente significativo nos suicídios nos ensaios, apenas em pensamentos e comportamentos suicidas, como se não houvesse relação entre os dois.
Os psiquiatras recompensam as empresas por sua fraude enquanto sacrificam as crianças. Todos sabemos que um suicídio começa com pensamentos suicidas seguidos de preparações e tentativas de suicídio.
Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.
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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.
Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz. Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).
Mulheres e Loucura: O viés de Gênero na Psiquiatria

O artigo El sesgo de género en el discurso y en las intervenciones psiquiátricas aborda o viés de gênero que existe no campo da psiquiatria. Para tal, o artigo se divide em três partes: o viés de gênero na história da psiquiatra; análise das críticas feministas à psiquiatria atual e uma narração em primeira pessoa, resultante de uma entrevista com uma usuário de um CAPS em Florianópolis.
As mulheres são as mais diagnosticadas com depressão, mas também, com os transtornos de ansiedade, transtornos alimentares e de pânico. Além disso, a desigualdade de gênero também é verificada no fato de mulheres consumirem mais drogas psiquiátricas prescritas, principalmente antidepressivos e ansiolíticos. O artigo sustenta que essas diferenças de gênero não são naturais ou biologicamente determinadas, e propõe desconstruir tal ideia. Mas alertam para a dificuldade dessa empreitada visto que esse viés de gênero acompanha a psiquiatria desde as suas origens.
Nesse sentido, o livro Women and Madness de Phyllis Chesler, cuja primeira edição foi publicada em 1972 e a última edição em 2005, aparece como importante referência para este artigo. O livro atribui as diferenças de gênero nos diagnósticos ao castigo que as sociedades patriarcais impõe às mulheres, por comportamentos que são considerados socialmente inaceitáveis para elas, embora sejam admissíveis para os homens. O artigo destaca que apesar dos anos que nos separam da primeira publicação deste importante livro, pouca coisa mudou.
Poucos anos depois do trabalho de Chesler ser publicado, Franca Basaglia publica uma crítica ao livro “A inferioridade mental da mulher”, escrita pelo neurologista e psiquiatra Paul Julius Moebius no ano de 1900. Franca tem por objetivo desmontar o argumento incansavelmente repetido sobre a loucura das mulheres, mostrando a funcionalidade que certos discursos com pretensão de cientificidade tem tido ao longo da história para reforçar estigmas, para negar direitos e para legitimar a exclusão social de grupos considerados subordinados.
Desde Philippe Pinel, que inaugura a psiquiatria moderna, a loucura das mulheres é associada à genitália e aos fenômenos biológicos como a menstruação, gravidez, parto e menopausa. Pegando Moebius como referência desse saber médico-psiquiátrico sobre a loucura feminina, o artigo expõe algumas de suas estratégias para construir seus argumentos sobre a loucura e inferioridade mental da mulher.
- A primeira estratégia se baseia na cronometria e na anatomia cerebral comparada. Moebius compara cérebros de mulheres com cérebros de homens “normais”. E conclui que as mulheres tem o diâmetro menor, similar àqueles homens com, citando o mesmo, “deficientes mentais e idiotas”. Também situa as mulheres próximo às bestas.
“A semelhança das bestas carecem de opinião própria, são rígidas, conservadoras e odeiam a novidade, exceto quando o novo aporta uma vantagem pessoal ou agrada a seu amante” (Moebius, 1982, p.10).”
Franca questiona o valor de tal investigação ao comparar os cérebros de mulheres com o cérebro de homens (eles são a referência do cérebro “normal”, do “ideal”?), o que já deixa claro que o que baseia tais afirmações são argumentos morais e não científicos.
2. A segunda estratégia utilizada por Moebius foi o recurso da teoria da degeneração. Em 1857, o psiquiatra Benedict Morel definiu a loucura dos degenerados como um “desvio mórbido do tipo normal da humanidade”, tal degeneração era hereditária e essa transmissão deveria ser limitada. Assim, Moebius agrega uma nova patologia na galeria das degenerações: o nervosismo das intelectuais e feministas. Ele as associa ao “hermafroditismo psíquico”, que segundo ele ocorre quando se intenciona “introduzir um cérebro de homem dentro do crâneo de uma mulher”.
“Assim, a mulher prostituta e a mulher feminista representam os dois desvios mórbidos do estado normal representado pela mulher mãe. Por isso “uma mulher que não quer ter filhos ou que tendo o primeiro diz: “Um só e basta”, demostra, indubitavelmente, uma natureza degenerada” (MOEBIUS, 1982, p. 59). Se trata de uma patologia psíquica que afeta a mulher intelectual, feminista ou erudita, porque ali existe antagonismo entre a atividade cerebral e a procriação, duas funções intimamente ligadas, mas que perderam seu equilíbrio.”
Pesquisadoras e estudiosas feministas vêm criticando o machismo e misoginia presente em que tem caracterizado a psiquiatria e disciplinas afins desde o seu início. O artigo salienta duas contribuições das pesquisadoras feministas para a discussão:
- As etiquetas diagnósticas estão atravessadas pelas relações de poder da sociedade a qual pertencem, sendo um produto social. Portanto, os diagnósticos têm um viés de gênero.
No séc. XIX a histeria aparece como o diagnóstico principal para as mulheres numa sociedade em que estas estavam se rebelando e se organizando politicamente. Mas este tipo de mecanismo não é algo do passado, de forma até certo ponto análoga ao que aconteceu com a histeria, hoje as mulheres que encarnam o estereótipo contraditório da mulher ao mesmo tempo sedutora, de personalidade débil e emocionalmente volátil são consideradas casos de “transtorno de personalidade limítrofe”. As mulheres também são muito mais diagnosticadas com depressão e ansiedade do que os homens, e as explicações para esse fato continuam passando por estereótipos patriarcais que não levam em consideração a raiz do problema: que a desigualdade afeta a saúde mental das mulheres.
O artigo alerta para a necessidade de se fazer consciente sobre a influência do viés de gênero na hora de avaliar os comportamentos das pessoas e considerá-los patológicos ou não. Nesse sentido, Joan Busfield (2002), sugere uma classificação de dois tipos de transtornos atuais: transtornos relacionados com a emoção, transtornos relacionados com os pensamentos (fundamentalmente a psicose), transtornos relacionados ao comportamento (adições ou transtornos de personalidade). Segundo dados, as mulheres são mais diagnosticadas com o primeiro tipo, pois se relacionam com a feminizada esfera da emoção. Já os diagnósticos relacionados ao comportamentos, como as adições, apresentam mais o homens. Enquanto que os diagnósticos relacionados ao pensamento, em sua opinião, menos suscetíveis a apresentar um viés de gênero, se distribui mais igualitariamente entre homens e mulheres.
Outro aporte relevante de Busfield (2002), é a classificação lógica dos mecanismos que podem provocar essas diferenças epidemiológicas. O primeiro é aquele que não questiona a categoria diagnóstica em si, aceita que as diferenças de gênero são reais e tenta explicar o porquê. O segundo tipo de explicação se fixa no processo de diagnóstico, identificando que o viés de gênero pode ser encontrado no momento de identificar o transtorno como tal.
2. A crítica que fazem ao efeito despolitizador que tem a patologização do sofrimento.
A psicóloga britânica Jane Ussher, apresenta uma explicação completa de como reinterpretar padecimentos individuais em termos coletivos e políticos. Ussher explora como muitos dos critérios diagnósticos do DSM são respostas habituais e compreensivas para situações de violência e patriarcado que mulheres vivenciam, colocando o enfoque na necessidade de mudanças sociais. A socióloga Heidi Rimke para essa tendência ocidental de individualizar os sofrimentos como “psicocentrismo”.
“Devemos escutar a palavra silenciada das especialistas por experiência, das sobrevivientes da psiquiatría, prestar atenção nas histórias em primeira pessoa, narradas pelas mulheres que sofreram em seus corpos os abusos do poder psiquiátrico.”
Desde o final do séc. xx, um movimento internacional de usuárias e sobreviventes da psiquiatria vem ganhando força. No Brasil, esse movimento foi possível a partir da Reforma Psiquiátrica. “Nada sobre nós sem nós” se tornou uma bandeira representativa sobre o protagonismo das pessoas em sofrimento.
Como caso modelo, o artigo traz a história de Vanessa, que está há mais de um ano sem tomar medicamentos psiquiátricos, ainda frequenta o CAPS e faz tratamentos alternativos. A mesma faz um duro relato sobre os efeitos que o uso de psicofármacos teve na sua vida.
Vanessa sofreu abuso sexual quando criança. Seu pai tinha problemas com álcool e os pais brigavam recorrentemente. Quando adolescente não tinha muitos amigos e sentia dificuldades de socializar. A primeira vez que sentiu que estava vivendo um sofrimento psíquico e emocional mais intenso, tinha 15 anos e foi mandada pela família para cuidar da avó que estava com demência e Alzheimer, parando de estudar. Após uma crise da avó, Vanessa sente uma tristeza profunda e passa três dias sem conseguir sair da cama. Foi nessa ocasião a sua primeira consulta psiquiátrica e sua primeira experiência com psicofármacos. Viveu um verdadeiro drama por conta do uso de remédios.
“Às vezes, dormia duas horas por noite. Segundo conta, a risperidona (antipsicótico) lhe provocava temores no pescoço, sentia que a boca se retorcia, entre outras sensações desagradáveis. O ácido valproico, uma vez tomado, causava uma sensação de que algo lhe explodia no estômago, provocando náuseas e vômitos constantes.”
Em 2018, Vanessa começou a reduzir a medicação. Ela acredita que só se deve tomar medicamentos em momentos de crise e não de forma contínua. Durante e depois do processo de retirada dos psicofármacos, Vanessa continuou com as sessões de psicoterapia individual, a participação em grupos terapêuticos e se implicou fortemente na militância. Atualmente estuda arquivologia na Universidade Federal de Santa Catarina.
Como no caso de Vanessa, a psiquiatria parece repetir o mesmo viés de gênero desde o século XIX até hoje. Isso ocorre quando considera normal que mulheres exerçam tarefas de cuidado desconsiderando o preço subjetivo que elas pagam para exercer tal papel. É preciso contextualizar e despatologizar atitudes e comportamentos de mulheres que padecem sofrimentos psíquicos, entendendo que seu sofrimento pode ser uma resposta a circunstâncias adversas da vida. Por fim, entender que seus problemas não são biológicos ou individuais, mas sociais e políticos.
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Comentário sobre o Podcast “O Assunto” – Episódio Zolpidem
O podcast “O Assunto” da jornalista Natuza Nery, produzido pelo G1, que foi ao ar no dia 20 de maio de 2024 (Zolpidem: epidemia e novas regras da Anvisa), destacou a “epidemia” de Zolpidem no Brasil. Natuza entrevista a médica Dalva Poyares, neurologista especialista em sono, pesquisadora do Instituto do Sono e professora na Unifesp, que alerta para a gravidade dos casos de dependência que o medicamento vem causando. Entre as causas dessa “epidemia”, a neurologista aponta para a prescrição de forma indiscriminada dos colegas médicos, o aumento da insônia nos brasileiros, a demanda em querer dormir mais rápido, a maior propaganda do remédio, o aumento das marcas farmacêuticas que produzem o Zolpidem e a automedicação.
O podcast apresenta algumas informações relevantes:
- Segundo dados, mais de 7 milhões de pessoas apresentam problemas de insônia no Brasil;
- Entre os brasileiros, 9 a cada 10 pessoas se automedicam;
- Segundo a Anvisa, quase 18 milhões de caixas de Zolpidem foram vendidas em 2023 no país.
A Anvisa preocupada com os efeitos colaterais apresentados pelo remédio, como amnésia, sonambulismo e alta dependência, estabeleceu novas regras para a compra do Zolpidem e Zopiclona (uma variação do Zolpidem). A partir de agora, estes medicamentos só poderão ser vendidos para quem apresentar uma receita azul, o que promete limitar o acesso ao medicamento.
As receitas podem ser classificadas em receitas do tipo A (receita amarela), que sempre são acompanhadas do CID e com a justificativa para o uso do medicamento. Já as receitas do tipo B (receita azul) são as utilizadas para os medicamentos de controle especial, elas também devem vir acompanhadas do CID e da justificativa para o seu uso. Os medicamentos controlados são aqueles que têm potencial de causar dependência e efeitos colaterais graves. Segundo a neurologista Dalva Poyares, não são todos os médicos que têm acesso à receita azul, mas aqueles que trabalham com o Sistema Nervoso Central (SNC).
O Zolpidem é um medicamento vendido desde os anos 90, porém de alguns anos para cá vem sendo assunto de matérias jornalísticas alertando para seu potencial uso abusivo e dependência. Para a médica Dalva Poyares isso se deve a maior popularização deste medicamento, pela sua promessa inicial de ser mais seguro e superar os medicamentos anteriores da mesma categoria. Apesar de não aprofundar tanto, ela relata a maior propaganda do remédio e o aumento de prescrição por parte dos médicos, além de pontuar a automedicação e as mudanças de sociais como outras possíveis causas, que acaba sendo mais aprofundado no decorrer da entrevista.
Dentre as causas sociais, estão as mudanças de expectativas das pessoas em relação ao sono e a piora da qualidade do mesmo. Cada vez mais pessoas têm procurado especialistas manifestando o desejo de dormir mais rápido, considerando que o sono saudável não implica esperar para dormir. No entanto, a neurologista alerta que a demanda dos pacientes deve se ajustar à realidade, pois dormir não é como apertar um botão de desligar. Existe um processo que deve ser respeitado, e esperar até o sono chegar é parte dele. As pessoas têm confundido dormir com desmaiar, adverte ela. Por outro lado, está ocorrendo um fenômeno de piora na qualidade do sono dos brasileiros em geral, o que pode estar associado a maus hábitos, mas também ao maior índice de estresse no trabalho e em outras áreas da vida.
O Mad in Brasil vem sendo pioneiro na denúncia do uso abusivo e da dependência que os psicofármacos causam, não só o Zolpidem. O remédio hipnótico vem ganhando destaque na mídia brasileira graças a seus efeitos de alta dependência, amnésia e sonambulismo. Relatos de compras impulsivas de valor muito alto, alucinações, perda de memória, entre outros relatos graves são cada vez mais comuns nas redes sociais e nos jornais. Porém, não é apenas o Zolpidem que apresenta efeitos colaterais graves e risco de dependência, os antidepressivos, antipsicóticos e estimulantes também. Cada vez mais relatos de usuários de psicofármacos e a literatura científica vem embasando tal afirmação .
Apesar de ser um importante avanço um podcast de grande audiência, como “O Assunto”, denunciar a “epidemia” de Zolpidem, ainda é pouco abordado a influência nefasta da indústria farmacêutica sobre esta “epidemia”. O jornalista Robert Whitaker, assim como diversos pesquisadores e estudiosos ao redor do mundo, vêm denunciando essa relação corrupta entre a comunidade médica e a Big Farma há muito tempo. Porém, o que vemos é a grande mídia não “botar o dedo na ferida” e não revelar ao grande público como tal relação é importante causadora do uso abusivo dos psicofármacos e do aumento de diagnósticos psiquiátricos. Enquanto tal assunto não for debatido pela sociedade de forma ampla, continuaremos vendo cada vez mais relatos de pessoas sendo gravemente afetadas pelo uso abusivo e inadequado de medicamentos.
É preciso falar mais sobre formas de cuidado que não passem pelo uso de medicamentos. Dalva sugere que pessoas ativas física e mentalmente, que socializam, apresentam mais chances de terem um sono de maior qualidade. Além disso, alerta que nem todo problema com o sono vai necessitar do uso de medicamentos, e quando necessário, deve ser usado de maneira muito pontual e por um curto tempo. Mudanças de hábitos e comportamento podem ter efeitos positivos para a qualidade do sono, enquanto se esforçar para dormir pode ter o efeito contrário e causar ainda mais insônia.
Por fim, observamos que a “epidemia” de Zolpidem no Brasil revela não apenas a preocupante escalada do uso abusivo de medicamentos, mas também expõe lacunas no sistema de saúde e na relação entre a indústria farmacêutica e a prática médica. O alerta emitido pelo podcast “O Assunto” e pela Anvisa representa um passo importante na regulamentação do acesso a esses medicamentos. No entanto, é essencial que a discussão se amplie para incluir uma abordagem mais holística do cuidado com a saúde, destacando a importância de hábitos saudáveis, atividades físicas, e métodos não farmacológicos no tratamento da insônia e de outros distúrbios do sono. A conscientização sobre os riscos associados ao uso indiscriminado de psicofármacos, aliada a uma abordagem mais ampla de saúde mental, é fundamental para reduzir os danos causados pela dependência e pelos efeitos colaterais desses medicamentos.
1º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Robert Whitaker
1º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Causas, Danos e Alternativas
Mesa com Robert Whitaker: A Epidemia das Drogas Psiquiátricas