Gaslighting: devemos rotular as vítimas como psicóticas ou abusadas?

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Numa reunião social, uma mulher fica inexplicavelmente em pânico e histérica; seu marido suavemente a leva para longe do olhar do público. Para os espectadores desinteressados, ela parece ser um desastre emocional, ele um protetor nobre. Eles respeitam o seu cavalherismo, talvez tenham um pouco de pena dele. Em segurança, em casa, sua exasperação brota: “Se eu pudesse entrar naquele seu cérebro e entender o que faz você fazer essas coisas loucas e distorcidas!” No entanto, sabemos do que sua esposa nem suspeita: que ele próprio tem lentamente plantado as sementes de sua angústia e insegurança e está planejando tirá-la de si.

A cena vem do filme de 1944 de Ingrid Bergman, Gaslight, a segunda adaptação cinematográfica de uma peça teatral antiga. Nela, a personagem de Bergman, Paula, é pouco a pouco manipulada pelo marido para acreditar que está perdendo a cabeça. Ele move objetos pela casa para confundi-la, rouba seus pertences enquanto afirma que ela os perdeu, e seus misteriosos e secretos empreendimentos no sótão fazem as luzes piscarem e escurecerem, o que só Paula vê, fazendo com que ela duvide da sua própria sanidade mental. O título do filme, portanto, diz respeito a essa forma de abuso psicológico, ‘gaslighting’.

Essencialmente, gaslighting é um termo usado na psicologia para descrever o abuso psicológico que resulta quando uma pessoa tenta convencer a outra de que ela é louca. No filme, o espectador está plenamente ciente de que Paula não é louca e que seu marido não é uma boa pessoa. No entanto, isso não é aparente para as pessoas ao seu redor, incapazes de ver o que está acontecendo a portas fechadas em sua casa. Na verdade, quando ela está fora de casa e com o marido muitas vezes ele faz um truque ou dois, para que ele possa mostrar a sua confusão, estresse e histeria às testemunhas, como se tudo isso fizesse parte de uma trágica queda de Paula na loucura. A própria Paula confia em tudo isso e não consegue entender o que está acontecendo.

À medida que o filme avança e sua ‘condição’ imaginada se deteriora, seu marido informa que dois psiquiatras virão para examiná-la e assim poderem levá-la para receber a ‘ajuda’ de que precisa – ou seja, para leva-la a viver em um asilo psiquiátrico. Felizmente, sendo Hollywood e Ingrid Bergman uma detetive bonita e observadora, o personagem de Ingrid Bergman suspeita do que está acontecendo, chega em cima da hora antes que ela possa ser institucionalizada. A questão é, porém, o que teria acontecido se os médicos chegassem lá antes da detetive? Eles teriam diagnosticado Paula como louca, ou haveria uma chance de que eles percebessem que ela era vítima de uma campanha de abuso emocional e psicológico nas mãos do homem que ela achava que a amava?

Tendo conseguido escapar de um relacionamento psicologicamente abusivo, infelizmente apenas depois de anos de ‘tratamento’ dentro do sistema psiquiátrico, eu argumentaria fortemente que eles quase certamente não teriam reconhecido a manipulação. Os psiquiatras, com a importância que colocam nos rótulos dos diagnósticos, em vez de descobrir as causas principais do sofrimento, têm pouca chance de perceber quando o comportamento é resultado do abuso de outras pessoas. Meu parceiro também foi capaz de convencer a mim e àqueles que estavam ao meu redor que eu estava louca, que eu não tinha discernimento e que minhas preocupações (inclusive sobre ele) eram manifestações de meus ‘delírios paranoicos’.

Começou quando tentei deixá-lo pela primeira vez. Não tendo família a quem recorrer, eu não tinha para onde ir, e o estresse de tudo isso me levou a desmoronar. Meu parceiro me levou a um médico. Eu estava exausta principalmente depois de semanas bebendo muito e da falta de sono, mas o clínico geral me encaminhou a um psiquiatra. Vejo como isso pode acontecer: as orientações do NHS sobre o que observar como indicadores de psicose incluem: alucinações; delírios; pensamentos confusos e perturbados; e falta de discernimento e autoconsciência *. Como se vê, pode-se esperar que o mesmo resulte de uma combinação doentia de insônia, embriaguez e difamação constante. Curiosamente, essas são todas as características que um médico também teria visto em Paula.

O gaslighting que eu experimentei acelerou quando comecei o tratamento no sistema psiquiátrico. Meu parceiro se posicionava como meu cuidador e meus amigos costumavam me dizer que, considerando minha ‘condição’, eu deveria estar agradecida por ter alguém por perto tão dedicado ao meu bem-estar. Essa condição nunca foi questionada por ninguém. Meu parceiro me acompanhava a consultas psiquiátricas, onde os profissionais o ouviam com simpatia, valorizando sua perspectiva sã. Ele também me aconselhava dizendo que um grande problema que eu tinha era a falta de discernimento e que ele poderia me ajudar a ver as coisas corretamente. Tanto controle ele tinha sobre mim e sobre a minha chamada doença que ele até assumiu a responsabilidade de monitorar os medicamentos antipsicóticos que eu estava tomando. Ele se assegurava que eu nunca deixasse de toma-los, exceto nas noites em que ele queria que eu me juntasse a ele para beber; nessas ocasiões, ele generosamente me permitia uma noite de folga dos comprimidos. Quando o acusava de tentar ser meu médico, ele ficava bravo e eu deixava para lá – afinal, ninguém mais do que eu iria considerar que o problema pudesse ser algo fora da minha própria biologia. Se eu tentasse novamente deixá-lo, ele diria aos meus amigos que eu estava tendo uma recaída, e isso era aceito por todos, novamente me deixando sem a quem procurar por apoio.

Levei muito tempo para me dar conta de que estava sendo vítima do fenômeno chamado de ‘gaslighting’. De fato, eu não tinha palavras para descrever a experiência até anos depois de finalmente haver escapado dela, quando me deparei com o termo por acaso. O que é pior, sempre que falo agora com os meus atuais amigos sobre o meu relacionamento no passado, fico horrorizada ao descobrir como são comuns os relacionamentos manipulativos. Felizmente, a maioria dos que compartilharam suas experiências comigo têm famílias que os ajudaram a escapar. Eu não. As únicas pessoas a quem eu poderia pedir ajuda eram os psiquiatras, porque no Reino Unido o sistema médico é para onde você é enviado com ‘sintomas’ como os meus. Eu nunca posso voltar atrás e provar que estava sofrendo de ‘gaslighting’, desse tipo de manipulação psicológica, por isso estou ainda hoje presa a um diagnóstico psiquiátrico. Existe uma ideia risível de que as condições de saúde mental dependem da susceptibilidade de cada um, que sim, nossas experiências têm impacto sobre nossas mentes, mas nem todo mundo reage psicoticamente, por isso faz sentido rotular àqueles que assim reagem como eles tendo algum desequilíbrio químico subjacente. No entanto, quem poderia experimentar o nível de controle de um parceiro como eu sofri – ou o trauma que Paula sofre no filme – sem emergir traumatizado?

Então, o que pode ser feito com respeito a esse problema? O fenômeno do ‘gaslighting’ tornou-se muito mais conhecido recentemente, e isso é progresso. As vítimas precisam de uma palavra para descrever o que lhes está sendo feito, para saber que está errado e que podem escapar. Além disso, popularizar o termo significa que mais pessoas passem a enxergar o disfarce do agressor e passem a dar apoio à vítima. Isso irá exigir uma conscientização mais ampla sobre o fato de que os rótulos de diagnóstico não são validados cientificamente e são, na melhor das hipóteses, opiniões subjetivas de médicos que não veem o paciente na realidade do mundo ao seu redor. Enquanto isso, o sistema precisa mudar para evitar a recorrência do que aconteceu comigo. “Controlar ou agir de forma coercitiva em um relacionamento íntimo ou familiar” agora é um crime na Inglaterra e no País de Gales e que leva uma sentença de prisão. O sistema de saúde precisa recuperar o atraso; os psiquiatras devem parar de ficar cegos para qualquer coisa, exceto para os rótulos de diagnóstico, como os que ativamente vieram a favorecer ao meu parceiro em seu abuso, e perceber que consequências psicológicas graves e de longo prazo podem ser causadas por vários abusos traumáticos cometidos a portas fechadas, e não apenas os óbvios.

Esse problema não afeta exclusivamente às mulheres, mas os pesquisadores reconhecem um aspecto de gênero no fenômeno ‘gaslighting’, dada a frequência com que na sociedade as respostas de uma mulher a determinadas situações são consideradas como irracionais e super emocionais, enquanto se supõe que os homens tenham o monopólio da razão. Para uma mulher que nunca foi ouvida quando mais importava, agora é quase impossível imaginar contar com um psiquiatra acredite na minha história e corrija o erro de me haverem rotulado, uma etiqueta que vem causando tantos problemas em minha vida, mesmo depois de eu ter conseguido me livrar do meu relacionamento abusivo. Essencialmente, o que o campo psiquiátrico precisa fazer é ouvir, e não apenas isso, mas ouvir e realmente acreditar nas experiências das pessoas.

Ainda não tenho ideia se a manipulação do meu parceiro foi deliberada ou se ele realmente acreditava que eu estava doente. O marido assassino de Paula no Gaslight é claramente maligno, mas de qualquer forma o resultado é o mesmo: a manipulação causa intenso sofrimento e danos. O marido de Paula por fim recebeu a sua punição. Não existe um conto de fadas para muitas vítimas da vida real que têm que tentar provar sua sanidade em face de algo tão perniciosamente abusivo quanto o ‘gaslighting’.

* Nota do editor: no momento da redação deste blog, as orientações do NHS on-line identificavam quatro principais indicadores de psicose, incluindo “falta de percepção e autoconsciência”. Esta informação foi atualizada em dezembro de 2019 para limitar os principais sintomas a alucinações, delírios e pensamentos confusos ou perturbados.

[Originalmente publicado em Mad in the UK. Trad. Fernando Freitas]

A Coisa Mais Perigosa que Você Jamais Deve Fazer

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A coisa mais perigosa que você fará é consultar um psiquiatra.

Por quê? Como há quase certeza, você receberá um medicamento psiquiátrico neurotóxico ou até um eletrochoque; e porque as informações fornecidas a você o enganarão totalmente sobre seus problemas reais e como superá-los. Sem perceber o que está acontecendo, você estará seriamente em risco de se tornar prisioneiro de drogas psiquiátricas por toda a vida e das desinformações desmoralizadoras fornecidas pelo seu médico.

Sou psiquiatra e vejo minha profissão se deteriorando há muitas décadas. Esta é a minha declaração escrita mais direta sobre os perigos de entrar no consultório de um psiquiatra moderno. Minhas conclusões são o culminar de montanhas de pesquisas feitas por mim e por um número crescente de outros psiquiatras, cientistas e jornalistas.[1]

Como as drogas psiquiátricas tornam a sua mente prisioneira

Quando o cérebro é danificado por quase qualquer invasão generalizada – concussões múltiplas e lesão cerebral traumática (TCE), infecções graves (encefalite), quedas de raios ou tratamento com eletrochoques e drogas psiquiátricas – o resultado final é um dano generalizado ao funcionamento mental. Essas lesões globais sempre incluem danos aos lobos frontais, sede da consciência, da racionalidade, da capacidade de amar e de todas as nossas outras capacidades humanas mais elevadas.

Lesões nos lobos frontais, cujas funções também incluem auto-conhecimento ou autoconsciência, tornam as vítimas incapazes de avaliar pessoalmente o grau de dano que lhes está sendo causado. Eu chamei esse efeito magia do medicamento – como as drogas psiquiátricas nos tornam incapazes de compreender completamente o mal que estão causando a nós.[2]

Todas as drogas psiquiátricas são neurotoxinas potentes que perturbam a tal ponto o funcionamento mental e a regulação emocional que as pessoas que as tomam quase nunca têm consciência adequada de quanto dano as drogas estão causando ao seu corpo, cérebro e mente, sua energia e força de vontade e sua qualidade geral de vida.

Praticando psiquiatria e psicoterapia em uma cidade universitária, frequentemente encontrei essas deficiências em pessoas que funcionavam muito bem antes. Estudantes universitários e de pós-graduação com alto desempenho acadêmico, professores universitários, matemáticos e cientistas quase sempre mal suspeitam ou não suspeitam absolutamente nada de que não estão funcionando da melhor maneira possível. Suas neurotoxinas (erroneamente chamadas de antidepressivos, estimulantes, anti-ansiedade, estabilizadores de humor ou antipsicóticos) estão deteriorando suas habilidades cognitivas, motivacionais e sensibilidade emocional.

Com ajuda, eles podem identificar o declínio em seu desempenho geral e qualidade de vida; e, se não forem bombardeados com vários medicamentos por anos seguidos, normalmente obtêm recuperação completa após a retirada dos medicamentos. Quando livres de drogas, eles podem ver a melhora em seu funcionamento mental e na qualidade de vida. Tragicamente, isso não é verdade para dezenas de milhões de pessoas que nunca percebem como estão sendo prejudicadas por seus medicamentos psiquiátricos.

Sintomas de abstinência tornam extremamente difícil a retirada das drogas

Ao interromper os medicamentos psiquiátricos por conta própria, as pessoas podem experimentar sintomas de abstinência perigosos e assustadores, como ansiedade, agitação, depressão e sentimentos suicidas, levando-os por engano a acreditar que precisam dos medicamentos para se manterem saudáveis.[3]

Enganados por seus médicos de inúmeras maneiras, acreditando que precisam de ajuda médica, desconhecendo os perigos de interromper abruptamente os medicamentos, convencidos de que estão ‘doentes mentais’ quando são mentalmente prejudicados por neurotoxinas – essas pessoas infelizes compreensivelmente não podem se libertar da prisão do sistema psiquiátrico no qual elas estão inconscientemente presas.

Quanto mais drogas são prescritas para essas vítimas, mais difícil fica para elas apreciarem o que está acontecendo com elas ou reunir a força de vontade para protestar. Embora falem e andem como zumbis, algumas pessoa se apegam à medicação. Seus cérebros são muito prejudicados pelas neurotoxinas para que elas saibam o que está acontecendo com elas e se sentem intimidadas demais para tentar viver sem os mesmos produtos químicos que os estão destruindo.

Enquanto isso, os psiquiatras frequentemente encobrem o que está acontecendo, dizendo a seus pacientes e suas famílias que os medicamentos são necessários e que os sintomas óbvios de lesão cerebral são produtos da suposta doença mental do paciente. Na minha experiência, os piores psiquiatras são frequentemente os mais prestigiados, com cargos em lugares como o Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) e nas faculdades de medicina das universidades. Por quê? Porque eles estão entre os mais beneficiados pelas empresas farmacêuticas.

A própria psiquiatria é uma espécie de prisioneiro

A própria psiquiatria tornou-se uma próspera prisioneira do império farmacêutico. Juntamente com as falácias de sua orientação médica e tratamentos médicos, o fato de estar submetida aos contratos com as empresas farmacêuticas vem causando grande parte do drástico declínio da psiquiatria nas últimas décadas.[4]

Para começar a remediar a psicofarmacologia predominante dirigida por empresas farmacêuticas, desenvolvi o que chamo de “princípios da psicofarmacologia racional”. [5] É baseado no princípio incapacitante do cérebro, [6] que todas as substâncias psicoativas, incluindo as psiquiátricas, só podem produzir os efeitos procurados danificando a função do cérebro e da mente, geralmente diminuindo a capacidade de resposta emocional e o engajamento com a vida. O mesmo, é claro, é verdadeiro no tratamento com choque elétrico.

Os psiquiatras são mais bem informados do que os médicos da atenção primária?

Como a maioria das drogas psiquiátricas é prescrita por médicos da atenção primária – incluindo médicos de família, médicos internistas, ginecologistas, pediatras – algumas pessoas têm mais precaução com esses profissionais do que com os psiquiatras. As pessoas acham que os psiquiatras sabem mais sobre os medicamentos e que os prescreverão com mais segurança. Essa crença comum é perigosamente falsa.

Como um grupo, os psiquiatras são de longe os prescritores mais arrogantes e sem cerimônia no campo da medicina. Geralmente, eles fazem coisas que seu médico de família consideraria estar além do nível de sua habilidade e até da prudência, como iniciar pacientes em vários medicamentos ao mesmo tempo, administrar vários medicamentos em doses máximas ou mais altas, trocar e interromper medicamentos sem plano de como reduzir, e costumam ficar zangados quando seus pacientes reclamam ou querem ajuda para diminuir doses ou interromper os medicamentos.

Menos comumente, mas pelo menos tão angustiante, muitos psiquiatras ainda encaminham as pessoas para o choque elétrico ou o administram na unidade psiquiátrica local, onde o tratamento de choque gera muito dinheiro para o médico que o aplica, para o anestesista e para o hospital.

Isso não é exagero. Ir a um psiquiatra é a coisa mais perigosa que se possa fazer. E como psiquiatra, aconselho que não vá, a menos que você tenha provas positivas de que o psiquiatra conversará com você em vez de drogar ou aplicar um choque em você – o que é altamente improvável.

A maioria dos psiquiatras não tem formação adequada e pouco interesse em conversar com as pessoas sobre suas vidas e sobre como viver de forma mais eficaz e feliz. Eles não sabem fazer psicoterapia e são inerentemente inadequados por causa de seu autoritarismo e falta de empatia. Além disso, eles têm crenças falsas sobre causas genéticas e biológicas, e sobre a utilidade das drogas, que destroem o próprio cérebro dos pacientes e comprometem a autoconfiança, a autonomia e a compreensão de seus problemas.

Psiquiatras são extremamente ignorantes sobre a vida

Poucos psiquiatras têm consciência de que um relacionamento positivo é a maneira mais segura e eficaz de ajudar alguém que sofre emocionalmente, independentemente da gravidade de seu diagnóstico psiquiátrico. Para que alguém possa realmente ajudar outro ser humano com problemas emocionais ou ‘transtornos psiquiátricos’, deve primeiro entender o poder da empatia e do amor. Eles devem entender e abordar o trauma e a negligência na infância, subjacentes a tantos sofrimentos e incapacidades aparentemente intratáveis dos adultos. Eles devem entender como os fatores sociais afetam as experiências de crianças e adultos e como pode ser difícil criar relacionamentos igualitários e amorosos entre homens e mulheres.

Em outras palavras, para saber o que estão a fazer, os psiquiatras precisariam de uma educação ampla, um entendimento do desenvolvimento infantil e da psicologia do apego, insights sobre a vida na família e a sociedade, um entendimento de abuso e trauma e outros conhecimentos sobre por que e como as pessoas precisam de ajuda para a sua vida emocional e psicológica, porque às vezes caem em desespero ou psicose. Quase nada disso é ensinado no currículo médico da faculdade e na residência psiquiátrica – tornando muitos psiquiatras menos informados sobre a vida do que a maioria de seus pacientes que têm alguma curiosidade sobre psicologia e que não foram rigorosamente doutrinados e introduzidos no santuário interno da psiquiatria biológica.

Como eles sabem muito pouco e têm muito pouco a oferecer, os psiquiatras devem baixar o nível e orientar mal a si mesmos e a seus pacientes sobre o que realmente faz as pessoas sofrerem e o que realmente as ajuda a recuperar e levar uma vida boa. Em vez de sabedoria e compreensão, eles se baseiam na banalidade dos diagnósticos e medicamentos. A grande maioria dos psiquiatras não conhece outra maneira de ganhar a vida a não ser atuar como máquinas de dispensação de medicamentos, a amontoar vários pacientes em uma hora para ‘atualizar os procedimentos’ e a coletar um fluxo constante de reembolsos das empresas de planos de saúde e a preencher as folhas de controle dos planos governamentais de saúde.

Além de sua ignorância, há outra poderosa razão pela qual os psiquiatras sabem tão pouco sobre seus pacientes e o que precisam. As pessoas que controlam e abusam de outras pessoas estão sempre dispostas a ter compreensão, empatia e preocupação por elas. Isso não era nada mais óbvio do que no assassinato sistemático e organizado das dezenas de milhares de pacientes mentais pela psiquiatria na Alemanha, no que foi chamado de “o caminho inicial” ou protótipo para o Holocausto. [7] Mesmo que os psiquiatras de hoje tenham sido atenciosos e empáticos em sua juventude, seus anos de treinamento e os abusos que eles cometeram sobre seus pacientes os tornaram incapazes de oferecer serviços humanos informados, empáticos, atenciosos e até amorosos.

Como médicos que aplicam choque tornam a fuga totalmente impossível
Mesmo quando o cérebro e a mente dos pacientes estão sendo obliterados pela terapia eletroconvulsiva contínua (ECT), geralmente junto com vários medicamentos, os médicos aplicadores de choque mentem regularmente dizendo que a perda maciça de memória e a disfunção cognitiva são o resultado de sua  ‘doença mental’ [8]. Os pacientes ficam tão confusos e desamparados que geralmente necessitam que um membro da família indignado intervenha para parar o eletrochoque e as drogas.
Como especialista médico agindo em processos legais contra psiquiatras que realizam ECT, eu já vi essa situação desanimadora documentada muitas vezes nos registros médicos e nos depoimentos dos médicos. Felizmente, meu relatório científico em um caso de 2018 contra um fabricante de aparelhos de ECT recentemente contribuiu para forçar um acordo e a um reconhecimento do fabricante de medicamentos de que a ECT pode causar danos cerebrais e perda generalizada de memória.[9] Mas ainda temos um longo caminho a percorrer antes que essa atrocidade seja interrompida.

O risco de ficar fisicamente bloqueado

Em qualquer lugar dos Estados Unidos, e provavelmente em qualquer parte do mundo, qualquer psiquiatra em um quadro de emergência pode preencher um formulário que exigirá que as autoridades policiais prendam o(a) paciente. [10] Às vezes, também pode ser necessária uma segunda assinatura profissional, mas que dificilmente é achada. A base técnica para esse processo inconstitucional e desumano é geralmente que o psiquiatra acha que você é um “perigo para si ou para os outros”, embora não haja evidências de que os psiquiatras sejam particularmente bons em fazer esse palpite.

Uma vez internado, você se torna peça fácil para que a sua internação involuntária seja autorizada por um juiz de plantão. O paciente / réu quase sempre está drogado com a prescrição dada pelo psiquiatra e angustiado demais para se defender ou para parecer normal ao ser avaliado nessas audiências, o que provavelmente é a coisa mais próxima de um genuíno tribunal onde os direitos básicos são ignorados.[11]

A psiquiatria é uma realidade alternativa

A psiquiatria criou uma realidade alternativa ou um estado de exceção para si [12], com base em slogans de marketing de empresas farmacêuticas, ciência falsa, medicina falsa e alegações fabricadas de conhecimento superior. A psiquiatria criou para si uma realidade alternativa ou um estado de exceção que é mais bizarro e irreal do que os da maioria dos pacientes que afirmam estar a ajudar. Na visão de mundo da psiquiatria, as pessoas são quase inanimadas e destituídas de todas as qualidades humanas superiores – pelo menos no que diz respeito ao motivo pelo qual estão infelizes ou sofrendo. Em vez de serem entendidas como seres humanos em dificuldades, em essência não sendo diferentes de qualquer outra pessoa que tenta dar um jeito em sua vida, os psiquiatras veem seus ‘pacientes’ como afetados por doenças comparáveis às doenças malignas do cérebro.

Assim como pacientes com câncer recebem drogas ou radiação altamente tóxicas, o ‘dano colateral’ é amplamente ignorado ou negado no esforço de eliminar a malignidade e manter o status do médico. Ao contrário dos pacientes com câncer, as neurotoxinas são direcionadas e infligidas a tecidos cerebrais totalmente normais, dificultando ainda mais as pessoas que já estão tendo dificuldades para gerenciar suas vidas.

É uma ironia profundamente trágica: as realidades pessoais da maioria das pessoas que veem psiquiatras não são tão alternativas, extremas ou perigosas para os outros quanto as realidades alternativas da grande maioria dos psiquiatras que vivem dentro de uma rede de auto-ilusões para justificar o envenenamento e a danificação do cérebro das pessoas que procuram ajuda.

Comparando o bem e o mal

Em 19 de fevereiro de 2020, Mary Neal Vieten, PhD, comandante aposentada da Marinha, fundadora e diretora da WarFighter Advance, foi minha convidada no meu horário semanal de rádio / TV. O WarFighter Advance é o melhor programa que conheci para ajudar soldados que retornam sofrendo as cicatrizes emocionais da guerra, juntamente com os efeitos neurotóxicos de várias drogas psiquiátricas. Os médicos militares costumam dar uma dúzia ou mais de medicamentos psiquiátricos ao mesmo tempo para muitos desses soldados. No entanto, o treinamento e a educação do WarFighter Advance ajudam quase todos a deixar seus medicamentos para trás, enquanto constroem uma vida melhor para si.

Com seminários intensivos, incluindo a influência de um dos meus livros [13], a comandante Vieten educa seus colegas militares sobre os perigos das drogas psiquiátricas e como retirá-los com segurança. Seu programa WarFighter Advance também ensina a seus clientes como conceitos médicos como ‘doença mental’ e desequilíbrios bioquímicos são falsos e desmoralizantes.

Seu trabalho impressionante e sua apresentação na minha hora de rádio / TV me inspiraram a dizer isso diretamente no ar: como um grupo, os psiquiatras são as pessoas mais estúpidas da Terra em relação aos seres humanos. Eles precisam ser estúpidos com relação às pessoas para continuar prejudicando-as sem sentir culpa, vergonha e ansiedade pelo que fazem.

Onde e como obter ajuda

Se você precisar de ajuda para problemas de saúde mental ou psicológico, uma das coisas mais perigosas que você pode fazer é optar por procurar um psiquiatra. Se você quiser ajuda profissional, procure profissionais não médicos, como assistentes sociais clínicos, psicólogos clínicos, terapeutas de casamentos e de famílias ou conselheiros de saúde mental, p.e.

Leia o que os terapeutas dizem sobre si mesmos em seus sites da Internet ou em plataformas que anunciam terapeutas. Pergunte a si mesmo: “Essa pessoa parece gentil e atenciosa, será que é alguém que será um ouvinte atencioso e empático e que possui sabedoria e experiência para compartilhar?”

Acredito que um bom terapeuta deva ser tão útil na primeira visita que você sinta vontade de voltar para a próxima sessão e que você deve estar livre de drogas o suficiente para aproveitar e se beneficiar da ajuda.

Notas de  Pé de Página:

  1. Here is a sample of the many professional and scientific books that are deeply critical of psychiatry:Breggin, Peter. (2013). Psychiatric Drug Withdrawal: A Guide for Prescribers, Therapists, Patients and their Families. New York: Springer Publishing CompanyBreggin, Peter. (2008a). Medication Madness: The Role of Psychiatric Drugs in Case of Violence, Suicide and Crime. New York: St. Martin’s Press.

    Breggin, Peter. (2008b). Brain-Disabling Treatments in Psychiatry: Drugs, Electroshock, and the Psychopharmaceutical Psychiatry. New York: Springer Publishing Company.

    Breggin, Peter. (1991). Toxic Psychiatry: Why Therapy, Empathy and Love Must Replace the Drugs, Electroshock, and Biochemical Theories of the New Psychiatry. New York: St. Martin’s Press.

    Gøtzsche, Peter. (2015). Deadly Psychiatry and Organised Denial. Copenhagen: ArtPeople.

    Gøtzsche, Peter. (2013). Deadly Medicines and Organised Crime: How Big Pharma Has Corrupted Healthcare. London: Radcliffe.

    Kirsch, Irving. (2010). The Emperor’s New Drugs: Exploding the Antidepressant Myth. Boston: Perseus.

    Moncrieff, Joanna. (2013). The Bitterest Pills: The troubling story of antipsychotic drugs.Basingstoke, Hampshire, UK: Palgrave Macmillan.

    Moncrieff, Joanna. (2008). The Myth of the Chemical Cure: A critique of psychiatric drug treatment. Basingstoke, Hampshire, UK: Palgrave Macmillan.

    Whitaker, Robert. (2010). Anatomy of an Epidemic: Magic Bullets, Psychiatric Drugs, and the Astonishing Rise of Mental Illness in America.

    Whitaker, Robert. (2001). Mad in America: Bad Science, Bad Medicine, and The Enduring Mistreatment of the Mentally Ill. Boston: Perseus Publishing.

  2. Breggin, Peter. (2007). Intoxication anosognosia: The spellbinding effect of psychiatric drugs. Journal of Risk and Safety and Medicine, 19, 3-15. http://breggin.com/studies/Breggin2007.pdfAlso see Breggin 2008a&b and 2013 listed in footnote 1 above
  3. See Breggin 2013 listed in footnote 1 (above) for how to safely taper psychiatric medications. Psychiatric drug withdrawal can be very dangerous, even life-threatening, and should be done with experienced clinical supervision
  4. See footnote 1 for a list of books about psychiatry’s unholy partnership with the pharmaceutical industry and how psychiatry’s identity as a specialty of medicine has made it irrelevant and dangerous in respect to helping people with so-called mental illnesses or psychiatric problems
  5. Breggin, Peter. (2016). Rational principles of psychopharmacology for therapists, healthcare providers and clients. Journal of Contemporary Psychotherapy, 46, 1-13. http://breggin.com/wp-content/uploads/2008/06/Breggin2016_RationalPrinciples.pdf
  6. For the brain-disabling principle of psychiatric treatment, see Breggin, 2013, 2008a and 2008b in footnote 1 (above).
  7. For a discussion of how psychiatrists objectify people and lose their empathy, see Breggin, Peter. (1993). Psychiatry’s role in the holocaust. International Journal of Risk & Safety in Medicine, 4, 133-148. http://breggin.com/wp-content/uploads/2008/01/psychiatrysrole.pbreggin.1993.pdf
  8. See my free ECT Resource Center at www.123ECT.org and Breggin 2008b, listed in footnote 1 (above).
  9. Breggin, Peter. (October 23, 2018). Huge Breakthrough in Lawsuits Against ECT Shock Device Manufacturers. Mad in America. https://www.madinamerica.com/2018/10/huge-breakthrough-ect-lawsuit/
  10. Szasz, Thomas. (1997). Psychiatric Slavery: When Confinement and Coercion Masquerade as Cure. New York: Free Press.
  11. Haddad, L. (1985). Predicting the Supreme Court’s Response to the Criticism of Psychiatric Predictions of Dangerousness in Civil Commitment Proceedings. 64 Neb. L. Rev. 215.
  12. Alternative state and extreme state are less pejorative ways of describing psychoses. For use of the terms, see Cornwall, Michael. (2019). Merciful love can help relieve the emotional suffering of extreme states. Journal of Humanistic Psychology, 59(5) 665–671 and Breggin, Peter. (2019). Extreme psychospiritual states versus organic brain disease: Bringing together science and the human factor. Journal of Humanistic Psychology, 59, 686-696.
  13. Breggin, Peter and Cohen, David. (1999). Your Drug May Be Your Problem: How and Why to Stop Taking Psychiatric Medications. Cambridge, MA: Perseus Books.

 

[trad. Fernando Freitas]

Disfunção Sexual Pós-Uso de Antidepressivos

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Acaba de ser publicado em The British Medical Journal, o que os antidepressivos produzem em seus usuários em termos de saúde sexual. Com não pouca frequência, são dificuldades sexuais após o tratamento, que são muitas vezes irreversíveis.

“Dificuldades sexuais após o tratamento com inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) foram relatadas pela primeira vez às agências de regulação de medicamentos em 1991, mas somente em 2006 esses sintomas foram formalmente caracterizados como uma síndrome, agora conhecida como disfunção sexual pós-ISRS.

“Em maio de 2019, o comitê de avaliação de risco de farmacovigilância da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) concluiu que a disfunção sexual pós-ISRS é uma condição médica que pode persistir após a descontinuação dos ISRS e inibidores da recaptação da serotonina-noradrenalina (IRSNs). Um mês depois, a EMA recomendou que as informações do produto sobre todos os antidepressivos relevantes fossem atualizadas para refletir os relatos de disfunção sexual a longo prazo após o término do tratamento.

“A disfunção sexual pós-ISRS é sub-reconhecida e pode debilitar tanto psicológica quanto fisicamente. Os sintomas incluem dormência genital, diminuição do desejo sexual (libido), disfunção erétil, falha na excitação ou orgasmo, orgasmo fraco ou desprazeroso e ejaculação precoce. As alterações sensoriais podem se estender além da área genital …”

Para ver a matéria na íntegra, clique aqui →

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[Se você fizer uma busca em nosso site, você encontrará várias referências a essa síndrome.

Senão, basta clicar na página central da página do MIB, à esquerda, em links importantes] →RxISK  

Demandas de Saúde Mental em Unidades do Degase

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A demanda de saúde mental em duas unidades socioeducativas do Rio de Janeiro é o tema do artigo publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva. O objetivo é analisar os discursos dos profissionais de saúde mental das unidades através de entrevistas, identificando quais necessidades dos adolescentes internados são consideradas demandas de saúde mental.

Alguns dados chamam a atenção, entre os adolescentes em conflito com a lei é recorrente os diagnósticos de transtorno mental, chegando até mesmo, em alguns estudos, a 100% dos internados apresentarem algum tipo de diagnóstico psiquiátrico.

O Estatuto da criança e do adolescente prevê a medida socioeducativa para adolescentes em casos de atos infracionais. No Rio de Janeiro a gestão do sistema socioeducativo é realizada pelo Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase). Cada unidade deve ter uma equipe de saúde mental, a qual deve realizar ações de prevenção de agravos, escuta subjetiva e articulação com a rede de saúde mental. No entanto, as unidades vem enfrentando dificuldades, especialmente em relação a superlotação.

As autoras do artigo, Débora Stephanie Ribeiro, Fernanda M. L. Ribeiro e Suely F. Deslandes, entrevistaram profissionais de saúde mental de duas das seis unidades existentes no Rio de Janeiro, uma feminina e outra masculina. No total foram nove entrevistas semi estruturadas, realizadas em 2016. Os profissionais participantes foram 4 psicólogos, 2 assistentes sociais, 1 psiquiatra, 1 musicoterapeuta e 1 terapeuta ocupacional. Para a análise das entrevistas utilizou-se a Análise de Discurso Crítica (ADC).

A partir das entrevistas, notou-se que os maiores encaminhadores para a equipe de saúde mental é a equipe de medida. Formada por psicólogo, pedagogo e assistente social, são responsáveis por acompanhar os processos judiciais dos adolescentes e responsáveis pela elaboração de relatórios para as audiências.

Com a análise das entrevistas foi possível identificar quatro grupos discursivos, discurso psiquiátrico, discurso da reforma psiquiátrica, discurso dos determinantes sociais e o discurso institucional, relacionados aos “maus” comportamentos dos jovens.

O primeiro bloco discursivo apresenta uma forte intertextualidade com o discurso psiquiátrico, associando as demandas de saúde mental às mudanças bioquímicas no cérebro durante a adolescência. Por outro lado, o segundo bloco discursivo, apresenta uma negação do transtorno psiquiátrico, se preocupando com a não rotulação dos adolescentes, ao mesmo tempo em que reconhecem um sofrimento mental intenso.

Já o terceiro bloco discursivo está relacionado à situação de pobreza dos adolescentes, falta de supervisão das famílias e ausência de proteção social por parte do Estado. Por fim, o quarto bloco discursivo associa problema disciplinares a demandas de saúde mental. O uso de drogas ilícitas também apareceu nas entrevistas como demanda de saúde mental, no entanto, também aqui os discursos se alternam.

“É…enfim, eu acho que o que mais chega, é, garotos que dão problema. Aí você ai ver, na visão de quem dão problema?” (Entrevista 7)

“Numa casa super lotada, é fácil um garoto dar problema, entendeu. O que que é dar problema? O que que é dar problema numa unidade super lotada? é tirar a paz dos funcionários […]” (Entrevista 7)

As autoras concluem que existem concepções diferentes coexistindo no campo da saúde mental, porém o desafio é se aproximar do sofrimento sem se ligar a categorias pré-determinadas, com uma compreensão flexível e diversa, assim como nas estratégias de intervenção. É importante destacar a ausência de outros profissionais no encaminhamento, como os agentes socioeducativos. Além disso, há conflitos entre as equipes de medida e as equipes de saúde mental, quando a equipe de medida não sabe o que fazer quanto ao “mau” comportamento de um adolescente ela faz o encaminhamento para a equipe de saúde mental.

Talvez o fator mais importante encontrado na pesquisa é o pouco acesso direto dos adolescentes à equipe de saúde mental para apresentarem suas próprias demandas e como isso é atenuado nos discursos dos profissionais. Não seria importante que os principais interessados tivessem acesso livre a equipe de saúde mental, sem necessariamente passar pela equipe de medida?

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RIBEIRO, Débora Stephanie; RIBEIRO, Fernanda Mendes Lages; DESLANDES, Suely Ferreira. Discursos sobre as demandas de saúde mental de jovens cumprindo medida de internação no Rio de Janeiro, Brasil. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 24, n. 10, p. 3837-3846,  Oct.  2019. (Link)

Psiquiatria e sistema prisional

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Publicado em The Guardian. “Ela usava uma mistura de drogas, incluindo medicamentos usados para tratar ansiedade, antidepressivos, hipnótico para tratar insônia, tratamento para mania aguda e outro para controlar tremores causados por medicamentos antipsicóticos, segundo o inquérito”.

Mais um caso do que é feito quando a Psiquiatria é usada como meio de tratamento para as vicissitudes da vida. Um exemplo do que o tratamento psicofarmacológico pode, virtualmente, fazer com os que passam a ser “pacientes”, senão “vítimas” nas mãos de psiquiatras.

A ver o desfecho da história.

Matéria na íntegra→ 

Chamar alguém de ‘anti-psiquiatra’ não é um argumento – e para muitos parece abusivo

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Grupos diferentes usam frases e palavras de maneiras diferentes para atingir fins específicos. Isso nunca foi mais verdadeiro do que quando se considera a expressão altamente controversa “anti-psiquiatria”. Alguns optam por usar essa expressão como um distintivo de honra, expressando seu desafio a um sistema que consideram ter causado danos significativos a eles ou a outras pessoas. Outros usam o termo porque acreditam que ele captura a conclusão lógica a seguir aonde as evidências imaculadas e independentes os leva. Outros ainda, enfurecidos por um senso de injustiça ética e social, usam o termo para expressar a ideia de que a psiquiatria não é uma especialidade médica legítima e que estaríamos melhor com ideias e intervenções não médicas. [I]

Os usos acima do termo ‘anti-psiquiatria’, no entanto, são muito diferentes de como agora estão sendo implantadas por muitos profissionais de saúde mental e psiquiatras, geralmente no contexto de um debate acalorado e em geral pejorativamente. Esse último uso ocorre principalmente quando alguém rotula um crítico (por exemplo, um profissional, um usuário de serviço ou uma organização) como ‘anti-psiquiatria’ sem o consentimento ou acordo desse crítico, e muito menos sem realmente saber se o criticado se identifica com essa frase. Esse uso específico, “ele é um antipsiquiatra” geralmente tem a intenção de denegrir o crítico como sendo alguém irracional, despropositado; generalizando erroneamente a partir de sua experiência que se encontra fora da curva, chamando-o de irresponsável, por estar expressar sentimentos negativos com relação à psiquiatria, além de estar em busca de intervenções para ‘salvar vidas’. Esse uso pejorativo, por conseguinte, transforma a expressão “antipsiquiatria” em uma arma, na tentativa de silenciar, deturpar ou deslegitimar o debate crítico e a dissidência.

Um bom exemplo disso foi o recente artigo do psiquiatra americano Ronald W. Pies. [2] Segundo ele, o argumento bem fundamentado de que a psiquiatria ou os psiquiatras promoveram a teoria do desequilíbrio químico da depressão é, de fato, uma ilusão da mente ‘anti-psiquiátrica’ e que, portanto, é não confiável. A técnica aqui empregada é tão primitiva quanto obtusa: basta expandir a definição de ‘anti-psiquiatria’, para assim abranger todas as críticas pelas quais se tem pouca simpatia, manchando-as por associação ao termo.

Tais sofismas são tão dissimulados quanto cada vez mais se tornam populares. Por exemplo, agora observo, com crescente preocupação, quantos colegas profissionais estão usando a frase de maneiras cada vez mais indiscriminadas e hostis; sem pensar se captura com precisão a posição da outra pessoa, tampouco sem se importar com a maneira como a calúnia está sendo recebida. Uma coisa é que eu diga que estou com ‘excesso de peso’, mas outra coisa é inteiramente distinta se você me chamar publicamente de ‘estar com excesso de peso’, especialmente no contexto de desacordo ou debate acalorado. Isso não está bem – isso é, de fato, sutilmente abusivo. Mas agora testemunhamos esse tipo de derrapagem ocorrendo com crescente regularidade. Apenas outro dia um médico sênior se referiu a um grupo de pacientes, que se sentem vítimas da psiquiatria, organizado nas mídias sociais, como sendo pessoas que fazem o ‘culto à anti-psiquiatria’ ; e outro médico, conhecido por todos, a dizer que se trata de um grupo de pacientes organizados pelos sentimentos ‘anti-psi’ e ‘anti-med’. Em tais contextos, essas frases vem sendo usadas para relegar a raiva dos pacientes aos males de pertencer a uma seita irracional. Eles não são vistos como reagindo compreensivelmente aos danos graves sofridos dolorosamente, senão a falhas psiquiátricas claramente percebidas. Nesse caso, sua dissidência passa a ser deturpada, estigmatizada e patologizada, agravando assim a mágoa deles e, de maneira compreensível, a raiva deles com relação à psiquiatria.

Como nada de bom ocorre ao se derramar gasolina aonde há incêndio, é dever de qualquer profissional de saúde mental evitar atacar, silenciar ou deturpar aqueles que pretendem servir, especialmente quando essas pessoas passaram pelos nossos serviços de assistência psiquiátrica. Mas a etiqueta anti-psiquiatria está cada vez mais sendo usada, indiscriminadamente. Como também pode vem ocorrendo com relação ao novo termo ‘crítica’, com um olhar de desaprovação, dirigido a alguém que questiona a ortodoxia atual; como se a única posição correta hoje em dia deva ser a de acrítica.

Então agora permitam-me concluir com uma confissão. Não sou um anti-psiquiatra, se por essa expressão se queira dizer “negar a legitimidade fundamental da psiquiatria como uma especialidade médica”. Mas isso não significa que estou feliz com o status quo (com bio-reducionismo, a excessiva prescrição de psicofármacos, a medicalização da existência humana, o baixo humanismo, os vínculos corrosivos com a indústria, os danos produzidos pelas drogas psiquiátricas, o conservadorismo institucional, a predominância do modelo médico e, assim por diante). No entanto, embora eu não seja da anti-psiquiatria nesse sentido restrito, respeito inteiramente o direito dos outros de se definirem dessa maneira, e nunca usaria esse termo de maneira pejorativa contra eles. O fato é que, se você se define como anti-psiquiatra ou psiquiatra crítico ou qualquer outro termo que escolher (e para ser sincero, não sei dizer com qual tag muitos dos críticos que eu conheço se identificam), você não deve tolerar os outros definindo você como eles querem que você seja visto, especialmente quando isso é feito com más intenções. Quando isso acontece, é uma forma sutil de abuso. E devemos deixar isso claro para os caluniadores.

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Notas de pé de página:

[1] Openly identifying with this term is more characteristic of activists in the US, where people like Bonnie Burstow were proud to own it. In contrast, few UK professionals or survivors use this term about themselves – and ironically, nor did most of the ‘anti psychiatrists’ of the 1960s and 1970s, with the exception of David Cooper who coined the term. A growing term of preference in the UK today is ‘pro-evidence’, and for good reason, as it moves the emphasis away from what one is against to what one is for.

[2] Pies, R. W. Debunking the Two Chemical Imbalance Myths, Again. Psychiatric Times, 2019 Aug [website] https://www.psychiatrictimes.com/depression/debunking-two-chemical-imbalance-myths-again

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[Publicado originalmente no Mad in the UK. Trad. Fernando Freitas]

Revista RADIS Entrevista o Neurocientista Sidarta Ribeiro

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A entrevista com o conceituado neurocientista brasileiro, um dos fundadores do Instituto do Cérebro, Sidarta Ribeiro, foi publicada na edição de fevereiro da revista RADIS.

O neurocientista defende que o futuro da medicina está no uso da maconha para os tratamento de doenças e a importância dos sonhos para entender o mundo real. Mas segundo o cientista, não há interesse por parte da industria farmacêutica, por ser uma planta que pode ser cultivada em casa e apresenta possibilidade de tratamento para uma vasta gama de doenças, compete com vários fármacos presentes nas farmácias e quebraria a indústria.

“Mesmo com o uso indiscriminado de medicação, o sofrimento psíquico não diminuiu. Ao contrário aumentou. Houve uma simplificação grosseira da psiquiatria. Antidepressivo é receitado por qualquer médico, não só por algumas especialidades, sem nenhuma base científica. As pessoas embarcaram na medicalização achando que estavam comprando o passaporte para a felicidade. Como já apontam estudos mais recentes, os efeitos colaterais do uso de antidepressivos são muito grandes quando comparados com os benefícios, que são muito pequenos.”

Leia a entrevista na íntegra → (Link)

O que podemos aprender com o Asilo Psiquiátrico?

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Essex Asylum

Meu estudo sobre a história do asilo de Essex, nos arredores de Londres, publicado recentemente na Psychological Medicine, constata que aqueles que eram admitidos apresentavam distúrbios significativos de comportamento ou evidência de alguma doença orgânica. Quase dois terços daqueles que tinham distúrbios psicológicos, em oposição aos orgânicos, recebiam alta por serem considerados recuperados ou melhorados (principalmente ‘alta recuperada’). A ideia de que asilos agiam como lugares para encarcerar mães solteiras e desviantes sociais não é confirmada por este ou outros estudos sobre asilo. A pesquisa atual sugere, no entanto, que os serviços modernos de saúde mental cumprem funções semelhantes aos antigos asilos – prestando assistência àqueles que são incapazes de cuidar de si mesmos, e contenção para aqueles cujo comportamento é perturbador para os outros.

Essex Asylum 1987

Comecei a treinar como psiquiatra no final da era do asilo. Essas enormes instituições, antes uma presença iminente nos subúrbios das cidades e vilarejos, foram reduzidas nos anos 90 a algumas enfermarias espalhadas e, na década seguinte ou em duas décadas, a maioria dessas instituições desapareceu completamente. Olhando para trás, as instituições asilares eram tanto melhores quanto piores que o sistema que as substituiu. Os asilos proporcionavam uma comunidade pronta tanto para pacientes quanto para funcionários. Eles estavam frequentemente situados em belos cenários rurais, com atividades delicadas como jardinagem à mão e eventos sociais regulares.

Hoje, muitos pacientes vivem sozinhos, isolados e solitários. Serviços e atividades no território podem estar distantes, e muitos deles dão pouco acesso ao espaço verde e à paisagem. Os profissionais encontram-se hoje distribuídos em amplas áreas e desacreditados. Os sindicatos hoje são menores e mais fracos e as atividades coletivas são poucas e distantes entre si.

No entanto, minha experiência foi a de que a comunidade dos antigos asilos era estranha e insular. Isolada do resto do mundo, ela existia em sua própria bolha – um pouco como um internato ou um reformatório.

Enquanto existiam asilos, parecia que eles eram indispensáveis. Agora que eles se foram, percebemos que não. Então, como eles surgiram e a qual propósito eles originalmente serviam? Como foi que a sociedade do século XIX tenha sido persuadida a empreender um dos programas de construção pública mais caros de todos os tempos, e isso numa época em que o Estado central e os impostos nacionais ainda eram relativamente novos? O programa de asilo é anterior à formação da profissão psiquiátrica e ao triunfo da abordagem médica da loucura; portanto, eles não eram destinados a fins médicos, pelo menos não como os entenderíamos hoje. Portanto, que função esses lugares cumpriam?

Os estudiosos responderam a essa pergunta de várias maneiras. Alguns afirmam que os asilos sempre foram destinados a ser lugares terapêuticos onde as pessoas pudessem se recuperar e se abrigar das duras demandas do mundo exterior.[1] Outros afirmam que eram prisões secretas para desviantes sociais, incluindo mães solteiras e ativistas políticos. [2] [3] [4] Em algum lugar entre essas duas posições, o historiador Andrew Scull sugere que os asilos faziam parte de um sistema mais amplo de bem-estar e controle social, sob a égide da Lei dos Pobres na Inglaterra e vinculados à casa de trabalho (e seu equivalente em outros lugares). A casa de trabalho (workshop) foi projetada para forçar os pobres ‘fisicamente aptos’ a trabalhar, e os asilos se desenvolveram como uma alternativa especializada para as pessoas que não eram adequadas para esse plano.[5]

Olhei para as anotações médicas de pessoas que foram admitidas no asilo de Essex, situado nos arredores de Londres, no início do século XX. Fui ajudada por Joseph Rehling, um estudante de mestrado na UCL. Também nos referimos a uma história do asilo compilada na década de 1950.[6]

Vimos as anotações de 100 homens e 100 mulheres admitidos consecutivamente em 1904. A maioria das pessoas admitidas era da classe trabalhadora; as pessoas mais ricas seriam admitidas em asilos privados ou tomariam outras providências. Todas as pessoas admitidas apresentavam comportamento significativamente perturbado. As pessoas eram frequentemente descritas como “furiosas”, “incoerentes”, “delirantes”; algumas estavam a cantar, gritar ou a orar em circunstâncias incomuns, e muitas foram notadas como incapazes de cuidar de si mesmas. As pessoas se queixavam de ouvir vozes pelo telefone, de ter eletricidade em suas cabeças; uma mulher pensou que seu marido era Jack, o Estripador, e outra que ela era uma máquina a vapor. Classificamos os problemas descritos em termos de conceitos modernos de transtorno mental usando categorias amplas (Tabela 1).

Tabela 1. Classificação Retrospectiva das Apresentações

     Homem (N=100)  Mulher (N=100)   Combinados (N=200) %
Psicose 16 29 22.5%
Mania 11 16 13.5%
Depressão Não-Psicótica 7 9 8%
Depressão Psicótica 5 4 4.5%
Outro transtorno Orgânico (epilepsia, delírio, não especificado) 22 16 19%
Incapacidade de aprendizado 12 7 9.5%
Sífilis 8 2 5%
Transtorno induzido por álcool 5 4 4.5%
Comportamento anormal (não classificável) 1 4 2.5%
Crise pessoal (‘transtorno de ajustamento’) 2 2 2%
Demência 11 1 6%
Mania perinatal ou psicoses 5 2.5%
Depressão pré-natal 1 0.5%
Total 100 100 200

 

Um total de 44% apresentava um transtorno ‘orgânico’, incluindo demência, delírio, epilepsia, dificuldade de aprendizado, sífilis e condições relacionadas ao álcool. 36% tivera um episódio psicótico ou maníaco e 12,5% tivera algum tipo de episódio depressivo, com ou sem sintomas psicóticos. As apresentações de cinco pessoas não foram classificáveis, mas todas mostraram comportamento perturbado, incluindo um jovem que tirou a roupa e atacou funcionários da enfermaria da Workhouse da qual ele foi transferido e uma jovem que ria constantemente e era descrita como “apática” e “inadequada para viver por conta própria”.

Curiosamente, as 100 mulheres incluídas foram admitidas por um período mais curto que os homens, sugerindo que as mulheres eram mais propensas a serem admitidas. As mulheres apresentaram maior taxa de psicose ou mania, e os homens apresentaram maior frequência de distúrbios orgânicos.

Não há dúvida de que as pessoas recebiam alta do asilo, se isso fosse possível. No geral, 45,5% da amostra recebeu alta como ‘recuperada’, ‘melhorada’ ou, em casos raros, ‘não melhorada’ no julgamento do autor médico das anotações do caso. Pouco menos de 30% morreu no asilo, a maioria logo após a admissão. Houve uma diferença acentuada (e estatisticamente significativa) nos resultados daqueles classificados como tendo uma condição orgânica versus aqueles com um problema não orgânico ou psicológico (veja a Figura 1).

Entre os portadores de um distúrbio psicológico (psicose, mania, depressão, condições perinatais, crise comportamental e ‘comportamento anormal’), 62% receberam alta recuperada ou melhorada (52% recuperada e 10% melhorada). Um terço permaneceu no asilo ou foi transferido para outro lugar. Para aqueles com diagnóstico de psicose, a taxa de alta recuperada ou melhorada foi de 33%, com 62% permanecendo no asilo. Entre aqueles com mania, 85% receberam alta recuperada ou melhorada e 11% apresentaram curso crônico e permaneceram no asilo. Entre aqueles com distúrbio orgânico, quase 60% morreram no asilo, mas 22% tiveram alta recuperada ou melhorada.

Figura 1: Resultado de distúrbios orgânicos e psicológicos (%’s)

Infelizmente, não conseguimos analisar o resultado final das pessoas, porque elas podem ter sido readmitidas em vários outros asilos nas proximidades. Esses números estão relacionados apenas ao resultado da admissão atual. Aqueles que receberam alta permaneceram no asilo por uma média de 6,4 meses e as mulheres ficaram mais tempo que os homens (oito meses versus quatro meses).

Curiosamente, algumas pacientes do sexo feminino admitidas com distúrbios psicóticos mostraram evidências de recuperação após períodos prolongados de transtorno. Agnes, por exemplo, uma mulher casada de 52 anos, foi internada com depressão psicótica e continuou em estado agitado por quase dois anos, mas depois melhorou e recebeu alta recuperada. Chrissy, uma garçonete de 27 anos, foi internada com delírios e conversas desmedidas e incoerentes. Dois anos após a admissão, ela ainda era descrita como sintomática, mas após três anos recebeu alta recuperada. Harriet, 30 anos, foi internada com ‘melancolia’ e delírios e mais tarde foi descrita como ouvindo vozes e parecendo ‘perplexa’. Nos anos seguintes, ela ficou ‘excitada e violenta’ e exigiu reclusão, mas recebeu alta ‘recuperada’ cinco anos após a admissão.

Então, o que isso nos diz sobre a natureza e as funções do sistema asilar? Não encontramos evidências de que as pessoas foram admitidas por ‘desvio social’, como filhos ilegítimos, atividade política ou pequenos crimes. A única mulher que foi admitida grávida e deu à luz no asilo teve sintomas psicóticos persistentes e permaneceu no asilo por pelo menos os seis anos seguintes. Os contribuintes locais pagavam pela manutenção dos residentes do asilo, então houve um incentivo para que as pessoas recebessem alta, embora o processo certamente não fosse tão rápido quanto é hoje. Muitos pacientes pareciam receber alta em algumas semanas e, às vezes, meses de intervalo entre serem considerados ‘melhorados’ e receber alta.

Por outro lado, os asilos eram claramente locais onde pessoas incapazes de cuidar de si mesmas ou que perturbavam a paz, por motivos de doenças orgânicas ou distúrbios psicológicos, eram sequestradas até recuperar a saúde ou a sanidade. O fato de muitos deles não terem se recuperado nada se deveu, é claro, a qualquer intervenção médica que atualmente seria considerada terapêutica. Nesse sentido, não era uma intervenção médica para os padrões de hoje. No entanto, parece que psiquiatras, políticos e outros na época acreditavam estar envolvidos em um esforço terapêutico. O sistema de asilo foi fundado na crença de que poderia restaurar a sanidade das pessoas, e eram realizadas inspeções regulares para manter esses objetivos e garantir a qualidade dos cuidados.

Gostaria de saber se as coisas estão tão diferentes hoje? Embora o sistema de saúde mental esteja agora firmemente marcado como ‘médico’, a desejada base biológica como hipótese dos transtornos psiquiátricos ‘funcionais’ não se materializou, e a psiquiatria ainda não possui tratamentos que visem a suposta base biológica dos sintomas, como outras especialidades médicas. Embora possa não corresponder à sua própria autoimagem como uma intervenção técnica moderna e sofisticada, o sistema fornece, no entanto, cuidados para aqueles que são incapazes de cuidar de si mesmos e contenção para aqueles cujo comportamento é perturbador para os outros. Essas pessoas ainda incluem uma mistura daqueles com distúrbios orgânicos e problemas psicológicos.

Os tratamentos modernos podem efetivamente suprimir alguns sintomas, o que pode reduzir o tempo que as pessoas precisam passar em uma instituição, mas não está claro que as taxas de recuperação atuais sejam melhores do que eram no início do século XX. De fato, David Healy e colegas descobriram que as pessoas estavam mais sujeitas a cuidados institucionais em 1996 em comparação com 1896, mas em 1996 o atendimento era mais diversificado, incluindo residências e lares protegidos.[7]

Pesquisas recentes sobre recuperação mostram achados bastante sombrios para pessoas que têm um episódio psicótico ou um diagnóstico de esquizofrenia. Em um estudo randomizado comparando o tratamento com antipsicótico de manutenção com aqueles em uma redução de antipsicóticos tecnicamente acompanhada em pessoas com um primeiro episódio de psicose, apenas 29% das pessoas em geral se recuperaram após 7 anos de acompanhamento – e daquelas que foram alocadas ao tratamento de manutenção antipsicótica, menos de 20 %  foram os recuperados.[8] Outro estudo de follow-up de 15 anos realizado na década de 1990 constatou que mais de 80% das pessoas diagnosticadas com esquizofrenia apresentaram significativa incapacidade social.[9]

Talvez a função de um sistema de saúde mental seja, afinal, fornecer assistência ou ‘asilo’, enquanto tenta, ao mesmo tempo, promover a capacidade de recuperação das próprias pessoas.

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Rehling, J. & Moncrieff, J. (2020). The functions of an asylum: an analysis of male and female admissions to the Essex County Asylum in 1904. Psychological Medicine. doi: https://doi.org/10.1017/S0033291719004021. Published online 15 January, 2020. (Abstract)

Bibliografia:

[1] Jones K (1993) Asylums and After: A Revised History of the Mental Health Services: From the Early 18th Century to the 1990s. Athlone Press: London.

[2] Eloise M (2017) why women were put in asylums in the 19th century. Dazed, 24th March 2017 https://www.dazeddigital.com/artsandculture/article/35262/1/all-the-reasons-women-used-to-be-put-in-asylums. Accessed 22/08/2019

[3] Cohen BMZ (2016) Psychiatric Hegemony: A Marxist theory of mental illness. Palgrave Macmillan, London

[4] Russell D (1995) Women, madness and medicine. Polity Press: Oxford

[5] Scull A (1993) The Most Solitary of Afflictions: Madness and Society in Britain 1700-1900. Yale University Press: London

[6] Nightingale GS (1953) Warley Hospital, Brentwood. The first hundred years 1853 – 1953. Unpublished manuscript accessed at Essex Record Office, Chelmsford, Essex, UK. Also available at http://www.simoncornwell.com/urbex/projects/w/docs/fhy1.htm

[7] Healy D, Harris M, Michael P, Cattell D, Savage M, Chalasani P, & Hirst D (2005). Service utilization in 1896 and 1996: morbidity and mortality data from North Wales. History of Psychiatry16(1): 27-41

[8] Wunderink L, Nieboer RM, Wiersma D, Sytema S, & Nienhuis FJ (2013). Recovery of first-episode psychosis at 7 years of follow-up of an early dose reduction/discontinuation or maintenance treatment strategy. JAMA Psychiatry 70: 913-20

[9] Wiersma D, Wanderling J, Dragomirecka E, Ganev K, Harrison G, An Der Heiden W, Nienhuis FJ & Walsh D (2000). Social disability in schizophrenia: its development and prediction over 15 years in incidence cohorts in six European centres. Psychological Medicine 30(5): 1155-1167.

(trad. Fernando Freitas)

TDAH – Congresso SINPF: Resposta do Mad in Italy

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O Congresso Nacional da Sociedade Italiana de NeuroPsicoFarmacologia (SINPF) foi inaugurado em 29 de janeiro em Milão, sobre a questão do diagnóstico e tratamento do TDAH (Síndrome de Hiperatividade e Déficit de Atenção), Asperger e outras doenças patológicas do desenvolvimento neurológico. O artigo publicado por Corriere della Sera (1) é um relato dos pontos essenciais do Congresso, mostra que a liderança da SINPF tem entre seus principais objetivos a criação de uma rede de profissionais e associações de familiares em nível nacional, com o objetivo de divulgar os diagnósticos acima e seu possível desenvolvimento ao longo da vida, da infância à maturidade.

O artigo concentra essencialmente a atenção no curso clínico desses problemas que, segundo os oradores, poderiam passar despercebidos e, portanto, negligenciados, causando danos substanciais ao desenvolvimento neuro-emocional do indivíduo.

Nesse contexto, os palestrantes enfatizam a necessidade de diagnóstico precoce para a adoção de intervenções que possam melhorar o curso desses desconfortos, a fim de evitar ou diminuir a extensão do dano emocional que eles podem criar, se crônico, mesmo na idade adulta.

O papel das drogas psiquiátricas é destacado em seus diferentes e potenciais aspectos terapêuticos, tanto em crianças quanto em adultos, e descrito de acordo com preceitos farmacológicos questionáveis atualmente, conforme discutido no decorrer do artigo.

O artigo do Corriere inclui dados dos Estados Unidos, com referência à prevalência dessas patologias, relacionando-os aos possíveis danos econômicos que resultariam, tendo em vista que esses transtornos seriam acompanhados por outros transtornos, como depressão, ansiedade e transtornos do humor.

Como já mencionado, fica claro que, entre os principais objetivos do Congresso, há a necessidade de ampliar os diagnósticos de TDAH e Asperger, até então limitados à idade da infância e adolescência, mas que atingem a idade adulta, a fim de tratar farmacologicamente também esta parte do população.

Nossa resposta:

Ao entender a importância dos desconfortos emocionais que podem afetar a vida de crianças e adolescentes, com potencial para se estender até a idade adulta, é necessário fazer observações referentes aos conceitos expressos no artigo, para ajudar o leitor a formar uma imagem melhor sobre os problemas discutidos no artigo.

Uma primeira observação é que, ao contrário do que tem sido afirmado, o TDAH não é uma síndrome médica válida, mas reflete um amplo espectro de possibilidades para as variações no comportamento da criança. Quando falamos de TDAH não falamos sobre uma patologia orgânica por si só, pois o termo reúne essencialmente um conjunto de sintomas (desatenção, impulsividade e hiperatividade) que podem ser causados ​​por múltiplos fatores psicológicos, pedagógicos, ambientais e culturais.

O TDAH é frequentemente apresentado como um distúrbio do neurodesenvolvimento com bases genéticas; mas, na realidade, não há evidências de alterações orgânicas do sistema nervoso, nem os genes responsáveis ​​pelo distúrbio foram isolados.

A completa falta de parâmetros biológicos também pode ser deduzida do fato de que os diagnósticos, de acordo com o Istituto Superiore di Sanità, são feitos exclusivamente através da administração de testes com família e a escola,  assim como outras avaliações baseadas em entrevistas e exame de sintomas com escalas comportamental (2).

Não há testes clínicos ou laboratoriais que possam confirmar o diagnóstico de TDAH, como é o caso de doenças ou patologias orgânicas, como por exemplo para diabetes.

É dito pelos neuropsiquiatras infantis que o TDAH seria causado por um desequilíbrio químico no cérebro da criança. Em particular, diz-se que as crianças diagnosticadas têm baixas concentrações de dopamina no espaço sináptico. No entanto, é preciso ficar registrado com honestidade frente aos usuários e leitores que esse desequilíbrio químico ainda não foi comprovado.

Sem esclarecer esses conceitos básicos, a hipótese de desequilíbrio químico dá a impressão errônea de que estimulantes, como o metilfenidato (Ritalina), seriam usados para restaurar o equilíbrio.

O metilfenidato, como outros estimulantes, pertence à classe das anfetaminas, possui o mesmo mecanismo de ação que a cocaína e também pode ser considerado mais poderoso que o mesmo, como afirma Nora Volkow (3).

Como nenhuma deficiência de dopamina foi demonstrada nas sinapses de crianças diagnosticadas com TDAH, parece provável que a hipótese nunca verificada da natureza do TDAH tenha decorrido de deduções no mecanismo de ação dos estimulantes, como tem sido feito para outros transtornos mentais, como depressão, psicose etc. (Gilman e Goodman). (4)

Deve-se notar que entender o mecanismo de ação de um medicamento não é o mesmo que entender a causa do distúrbio da doença que se deseja tratar ou curar.

De fato, no que diz respeito às patologias mencionadas no artigo, as evidências científicas não apenas não confirmam a existência de um desequilíbrio químico, mas também mostram que o desequilíbrio químico é induzido pelo uso de drogas psicotrópicas, como amplamente explicado por Robert Whitaker no livro Anatomia de uma Epidemia (5).

Além disso, no que diz respeito à necessidade de tratamento medicamentoso, a ser estendido à idade adulta, muitos estudos alertam sobre os riscos significativos associados ao uso de estimulantes. Esses medicamentos, como mencionado, pertencem à classe das anfetaminas e são classificados pela OMS como medicamentos com alto risco de dependência e abuso; na mesma tabela de cocaína, anfetamina, opiáceos e barbitúricos, enquanto são classificados pela AIFA (Agência de Regulação Italiana de medicamentos) como psicotrópicos para crianças de 6 a 18 anos (6).

Mas há outra consideração importante: quando se trata de TDAH, costuma-se dizer às pressas e erroneamente que o distúrbio estaria em comorbidade com outros distúrbios, como depressão, transtornos maníacos, transtorno bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo, síndrome de Tourette, ansiedade, disforia, e associados à irritabilidade, hostilidade e agressão, tanto verbal quanto física, ‘crises emocionais’ e crise de raiva, ideias e tentativas de suicídio (7).

O psiquiatra americano Peter Breggin, em seu meticuloso estudo sobre os efeitos das drogas psiquiátricas, publicou muitos livros e artigos nos quais fornece evidências tangíveis de que muitas das doenças acima mencionadas atribuídas à ‘comorbidade’ com o TDAH, na realidade, também seriam os efeitos colaterais aos estimulantes e outras drogas psicotrópicas usadas para controlar os efeitos colaterais dos próprios estimulantes. (8) (9)

Em uma certa porcentagem de casos, portanto, o que é chamado de ‘distúrbios comórbidos’ seria realmente efeitos colaterais de drogas psicotrópicas que, não sendo reconhecidos como tais, são tratados com novas drogas psicotrópicas.

Considerando que não há evidências de que o TDAH seja um distúrbio orgânico, de neurodesenvolvimento e genético, mas que os sintomas que o caracterizam têm muito mais probabilidade de serem psicológicos, pedagógicos e ambientais, modelos de tratamento baseados em intervenções psicológicas e psicossociais parecem muito mais convenientes e adequados.

Concluindo, acreditamos que os usuários e suas famílias devem ser informados sobre esses aspectos dos problemas descritos no artigo, que infelizmente são quase sempre negligenciados.

Para obter informações completas, listamos a lista de empresas farmacêuticas que apoiaram o Congresso Nacional do SINPF, conforme mostrado no site do SINPF:

Bibliografia:

(1)  Asperger e Adhd, ancora troppo poche le diagnosi (e le cure). Corriere della sera, 29 gennaio 2020.

https://www.corriere.it/salute/neuroscienze/20_gennaio_29/asperger-adhd-ancora-troppo-poche-diagnosi-cure-72d6c028-4286-11ea-8fab-5eae1fe9ccd1.shtml

(2)  Istituto Superiore di Sanità. ADHD

http://old.iss.it/adhd/index.php?lang=1&id=233&tipo=1

(3) Volkow ND. Expectation enhances the regional brain metabolic and the reinforcing effects of stimulants in cocaine abusers. J Neurosci. 2003 Dec 10;23(36):11461-8.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/14673011

(4)  Goodman & Gilman. Pharmacology. July 6 2018.

https://medicostimes.com/goodman-gilmans-pharmacology-pdf/

(5)  Whitaker R. Indagine su un’epidemia. Fioriti Editore, 2013.

(6)  AIFA Concept Paper. Titolo: Gestione farmacologica del disturbo da deficit attentivo con iperattività (ADHD). 20/11/2014

http://old.iss.it/binary/adhd/cont/AIFA_Concept_Paper_ADHD_101214.pdf

(7)  Comorbilità e diagnosi differenziale del disturbo da deficit dell’attenzione e iperattività: implicazioni cliniche e terapeutiche
https://www.aifaonlus.it/ladhd/le-comorbilita.html#ADHD_DISTURBI_DEPRESSIVI

(8)  Breggin R.P. ADHD: Bambini esposti a più farmaci a cominciare dagli stimolanti.

https://mad-in-italy.com/wp-admin/post.php?post=2478&action=edit

(9)  Breggin R.P. ADHD e trattamenti farmacologici

https://mad-in-italy.com/2019/07/adhd-e-trattamenti-farmacologici/

50 ANOS EM 5: COMO O BRASIL ESTÁ REGREDINDO DÉCADAS NA LUTA ANTIMANICOMIAL

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Publicado em Com Ciência, Revista Eletrônica de Jornalismo Científico, matéria assinada pelos jornalistas Rafael Revadam e Tainá Scartezini.

“A luta antimanicomial no Brasil se desenvolveu a partir da década de 1970. Mais do que questionar as internações compulsórias e as formas de se diagnosticar pacientes de saúde mental, o movimento buscava a reflexão sobre o que é a loucura e a incessante procura por uma sociedade aparentemente normal. Entender doenças como depressão, transtorno bipolar, além dos vícios em drogas e álcool, é enxergar indivíduos por trás de suas condutas. Mas as conquistas de décadas, concretizadas em 2001 com uma lei federal que garantiu proteção e direitos a pessoas portadoras de transtornos mentais, estão sob ameaça. Desde 2015, durante o governo Dilma, posicionamentos conservadores na psiquiatria vêm ganhando espaço e recursos, numa defesa do isolamento como tratamento e da religião como cura.”

Para ter acesso à matéria em sua íntegra, clique aqui →

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