Um novo estudo, publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health, se propôs a desenvolver e validar uma escala que examina as crenças e atitudes dos profissionais de saúde mental em relação aos direitos dos usuários do serviço. A escala, desenvolvida por pesquisadores com experiências vividas de problemas de saúde mental, é uma resposta a um crescente interesse nas experiências dos usuários de serviços e a um impulso global em direção à autonomia e liberdade de escolha nos serviços de saúde mental.
“Dada a extensão das consequências do estigma e coerção para os usuários de serviços de saúde mental, é essencial aumentar a conscientização dos profissionais de saúde mental, a fim de promover atitudes não estigmatizantes e empoderadoras por meio de estruturas como Recuperação e Cidadania. No contexto do planejamento e implementação dessas atividades de treinamento e conscientização, é necessário avaliar o impacto que isso tem sobre as crenças e atitudes dos profissionais por meio de medidas padronizadas ”, afirmam os pesquisadores Francisco José Eiroa-Orosa e Laura Limiñana-Bravo da Universidade de Barcelona e Programa de Yale para Recuperação e Saúde Comunitária.”
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Houve um impulso crescente em direção à inclusão da contribuição dos usuários do serviço ao campo da saúde mental. Estudos recentes exploraram as opiniões dos usuários do serviço sobre critérios de diagnóstico, experiências de internação e orientações teóricas comuns, como a TCC.Muitos usuários de serviços ainda relatam atitudes estigmatizantes de profissionais de saúde mental.
“Receber um diagnóstico de saúde mental ainda é considerado um fator predisponente que pode levar à experiência de estigma tanto no ambiente social quanto vinda dos profissionais de saúde mental”, escrevem os autores. “Nas últimas décadas, paralelamente à ascensão dos movimentos de Reabilitação e Recuperação, os profissionais tornaram-se mais conscientes da necessidade de oferecer cuidados não discriminantes com base nos direitos dos usuários”.
Os autores do presente estudo objetivaram aumentar a conscientização dos profissionais atuais de saúde mental a respeito dos vieses em relação aos direitos dos usuários do serviço. Embora existam outras medidas, todas foram projetadas para serem usadas por profissionais individuais de saúde mental em condições específicas de saúde mental. Nenhuma escala está disponível, o que seria apropriado para uso com uma ampla gama de profissionais trabalhando em várias configurações. Portanto, os autores se propuseram ao “desenvolvimento de um instrumento flexível para medir as crenças e atitudes relacionadas aos direitos dos usuários do serviço entre todos os tipos de profissionais de saúde mental”.
As 44 perguntas iniciais da pesquisa foram desenvolvidas por pesquisadores que já tiveram experiências enquanto usuários de serviços de saúde mental. Especialistas revisaram essas questões sobre conscientização com relação ao estigma e saúde mental comunitária, incluindo membros do conselho da Federação Catalã de Organizações de Saúde Mental em Primeira Pessoa, todos que viveram experiências de problemas de saúde mental. Além disso, as perguntas foram revisadas por grupos focais, que incluíam profissionais de saúde mental, usuários de serviços e familiares de usuários de serviços.
Após cuidadosa análise, restaram 25 itens, que correspondem a quatro domínios: crítica do sistema / crenças justificadoras, liberdade / coerção, empoderamento / paternalismo e tolerância / discriminação. A escala, chamada de Escala de Crenças e Atitudes em relação aos Direitos dos Usuários de Serviços de Saúde Mental (BAMHS), foi inicialmente validada com uma população de língua espanhola, utilizando uma gama diversificada de profissionais de saúde mental, como psicólogos, psiquiatras, enfermeiros de saúde mental e terapeutas ocupacionais. A escala foi validada em vários contextos, incluindo internação, ambulatório e instalações de reabilitação.
“De acordo com nossos resultados, o BAMHS pode ser uma ferramenta útil para avaliar o impacto das atividades de conscientização e treinamento nas crenças e atitudes dos profissionais em relação aos direitos dos usuários do serviço. Essa nova escala oferece flexibilidade e não pressupõe conhecimento prévio, tornando-o especialmente adequado para seu uso em áreas onde movimentos profissionais progressistas e liderados por usuários estão realizando atividades com profissionais sem conhecimento prévio de recuperação ou conhecimento de violações dos direitos do usuário. ”
A versão final da escala, que inclui 25 perguntas no estilo Likert de autorrelato, variando de 1 = Discordo totalmente a 4 = Concordo totalmente, concede ao avaliador uma pontuação final que pode ser conceitualizada em uma variedade de atitudes de respeito ou de violação dos direitos do usuário. As perguntas avaliam uma variedade de crenças profissionais relacionadas à capacidade do indivíduo de se encarregar de suas vidas próprias vidas após receber um diagnóstico de saúde mental, pensamentos sobre hospitalização involuntária, restrições mecânicas e respeito pela autonomia dos usuários do serviço e preconceitos generalizados em relação aos usuários do serviço de saúde mental.
O BAMHS é uma escala de um pequeno tamanho, testada em diversos contextos e adequada a uma ampla gama de profissionais. O incremento do uso da escala poderia fornecer aos profissionais de saúde mental uma compreensão mais clara dos possíveis vieses em relação aos direitos do usuário do serviço. A escala está disponível no artigo de acesso aberto aqui.
Os autores concluem:
“Acreditamos que nosso instrumento traz uma nova perspectiva para a mensuração de crenças e atitudes dos profissionais de saúde mental no contexto da nova era aberta pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”.
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Eiroa-Orosa, F. J., & Limiñana-Bravo, L. (2019). An instrument to measure mental health professionals’ beliefs and attitudes towards service users’ rights. International journal of environmental research and public health, 16(2), 244. (Link)
A Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde do Reino Unido [MHRA] se recusa a responder às preocupações de psiquiatras, parlamentares, pacientes e outros especialistas sobre o iminente licenciamento da droga de rua cetamina (nome comercial ketalar) como tratamento para a depressão.
Em março deste ano, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora dos EUA, aprovou o Spravato (esketamina), com base em apenas um estudo de eficácia.
Em 17.10.19, a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) emitiu um ‘parecer positivo’ recomendando a concessão de autorização de comercialização de esketamina para depressão em adultos e a enviou à Comissão Europeia, que tem 67 dias para tomar uma decisão final (23 de dezembro).
O MHRA (Reino Unido) adiou uma decisão, enquanto se aguarda a decisão da EMA / CE. No entanto, durante os 67 dias, os estados membros podem enviar novas informações não abordadas pelo parecer da EMA.
Em 31.10.19, doze especialistas, incluindo oito psiquiatras, escreveram para o MHRA e a EMA.
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Dr June Raine
Chief Executive Officer
Medicines & Healthcare Products Regulatory Agency
London E14 4PU
31 de Outubro de 2019
Prezado Dr Raine,
Estamos escrevendo para expressar grande preocupação com a possibilidade de que o agente anestésico dissociativo e conhecida como droga de uso recreativo da rua, a cetamina, possa ser aprovado para uso neste país sob a forma comercializada com o nome de ‘esketamina’.
Não houve ensaios sobre a eficácia da esketamina a médio ou longo prazo. A maioria dos estudos deste medicamento (quase inteiramente realizados pela empresa farmacêutica que tenta licenciá-lo, a Janssen) tem apenas quatro semanas de duração. A maioria desses estudos não encontra benefício para a esketamina versus placebo, e há vários efeitos adversos. O único estudo de eficácia positiva encontrou que a diferença da eficácia entre a esketamina e o placebo é pequena e sem significado clínico. A esketamina é o único antidepressivo que foi aprovado pelo FDA com apenas um estudo de eficácia como bem-sucedida.
O estudo mais longo até o momento é um estudo de 16 semanas usando um desenho de interrupção, que quase certamente confunde efeitos de abstinência com a recaída da depressão. Esse desenho do estudo também aumenta a probabilidade de os pacientes quebrarem o “cego’ na condição do medicamento. Conforme observado na revisão estatística da FDA, “a percepção do tratamento recebido pode ter sido influenciada por efeitos colaterais agudos (dissociação, sedação etc.). A análise exploratória da FDA sugeriu que as mudanças nesses efeitos colaterais estavam associadas à recaída”.
Notavelmente, houve seis mortes nos estudos de esketamina, incluindo três suicídios, todos no grupo da esketamina, nenhum deles nos que receberam placebo. Embora essas mortes tenham sido descartadas no relatório do laboratório Janssen, não acreditamos que esse preocupante sinal de perigo deva ser ignorado. Pode muito bem ser consistente com uma reação de abstinência grave do medicamento, conhecida por ocorrer em outros medicamentos, como antidepressivos e opiáceos.
Os benefícios aparentes a curto prazo do uso de esketamina não são surpreendentes, dadas suas semelhanças com drogas de abuso e não haver nenhuma base para a aprovação de uma droga. Pode-se obter resultados semelhantes, euforia a curto prazo ou dissociação, com várias outras drogas de rua. De fato, estamos tão chocados com esse desenvolvimento recente quanto teríamos ficado com a es-cocaína sendo submetida à aprovação.
Se a esketamina for aprovada para uso público no Reino Unido no próximo mês, não haverá impedimento para os médicos prescreverem este medicamento por semanas, meses e mais meses, o que é precisamente o que vemos agora estar a ocorrer nos EUA desde a aprovação pela FDA.
Confiamos que uma abordagem baseada em evidências será a adotada para a sua decisão e, portanto, que nenhuma aprovação será concedida até que várias pesquisas independentes (ou seja, não patrocinadas pelo setor farmacêutico) de pelo menos um ano e, de preferência, por mais longos períodos, tenham sido conduzidas.
Atenciosamente
Dr John Read, Professor of Clinical Psychology, University of East London.
Dr Pat Bracken, Consultant Psychiatrist, Ireland
Dr James Davies, Medical Anthropology, University of Roehampton
Dr Peter J Gordon, Consultant Psychiatrist for Older Adults, NHS West Lothian.
Dr Rex Haigh, Consultant Psychiatrist in Medical Psychotherapy, Berkshire NHS
Dr Peter Kinderman, Professor of Clinical Psychology, University of Liverpool
Dr Irving Kirsch, Associate Director, Program in Placebo Studies, Harvard Medical School;
Professor Emeritus, Psychology: University of Connecticut (USA) & University of Hull (UK)
Dr Hugh Middleton, Psychiatrist, University of Nottingham
Dr Clive Sherlock, Psychiatrist, Oxford
Dr Derek Summerfield, Consultant Psychiatrist; Hon. Senior Clinical Lecturer – Institute of Psychiatry, Psychology & Neuroscience, King’s College, London
Dr Philip Thomas, Formerly Professor of Philosophy, Diversity & Mental Health, University of Central Lancashire; Formerly Consultant Psychiatrist
Dr Sami Timimi, Consultant Child and Adolescent Psychiatrist
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Apesar de muitos e-mails subsequentes, nenhuma resposta significativa às preocupações levantadas e às evidências de pesquisa fornecidas foi recebida do MHRA. Os esforços, tanto com o MHRA quanto com a EMA, para obter atas das reuniões, participações em comitês e declarações de conflito de interesses de indivíduos envolvidos nas decisões da esketamina, falharam.
Em 29.11.2019, os doze escreveram novamente para o MHRA, dizendo:
“Cabe ao MHRA exercer a sua obrigação, dentro do período permitido de 67 dias, de levantar as várias questões de segurança e eficácia claramente não tratadas no’ parecer’ da EMA e insistir para que o procedimento seja remetido para exame mais aprofundado. Acreditamos que não fazer isso representará uma flagrante falha em cumprir sua missão de agir no interesse da saúde pública dos cidadãos do Reino Unido.”
Nenhuma resposta significativa foi recebida.
O MHRA também não respondeu às várias cartas do Grupo Inter-Parlamentar (APPG) para Dependência de Medicamentos Prescritos, que perguntavam quando o MHRA estaria discutindo o medicamento. Em outubro, o presidente do APPG, Sir Oliver Letwin MP, escreveu à agência reguladora do Reino Unido descrevendo suas objeções à esketamina como uma droga que provavelmente causaria ‘dependência, vício e dificuldades de retirada’. Ele pediu à MHRA para não aprovar a esketamina, “pelo menos até que os ensaios clínicos a longo prazo tenham ocorrido e os riscos a longo prazo sejam totalmente compreendidos”.
Os membros do grupo de suporte on-line do Reino Unido, Vamos falar sobre retirada (Let’s Talk Withdrawal), que representa pessoas afetadas negativamente por antidepressivos, antipsicóticos e benzodiazepínicos, também escreveram ao MHRA solicitando estudos de longo prazo antes que a esketamina seja licenciada. A carta deles nem foi reconhecida.
Em outubro, as evidências da esketamina foram fortemente criticadas em Lancet pelo proeminente psiquiatra norte-americano Dr Erick Turner (membro do Comitê Consultivo para Drogas Psicofarmacológicas da Food and Drug Administration – FDA – dos EUA).
O papel das empresas farmacêuticas
Nos EUA, custa mais de £ 25.000 (US $ 33.000) para tratar um paciente por um ano com esketamina.
A falta de transparência dessas agências é um assunto sério. Se elas aprovarem a esketamina, com base em pesquisas inadequadas, isso sugere que elas estão mais interessadas em manter a empresa farmacêutica feliz do que em manter o público seguro.
Ambos os membros enviados pela MHRA para representar o Reino Unido na EMA, a Dra. Nithyanandan Nagercoil e a Dra. Marie-Christine Bielsky, são ex-funcionários de empresas farmacêuticas.
Os dois mais proeminentes promotores de esketamina no Reino Unido, o psiquiatra Professor Allan Young e o Dr. Rupert McShane, têm fortes ligações financeiras com a Janssen-Cilag, fabricante da esketamina.
O psiquiatra consultor, Dr. Rex Haigh, co-signatário da carta de 31.10, comentou:
“A evidência é que a droga cetamina é a mais perigosa dos psicodélicos e dos dissociantes. Continuamos esperançosos de que, diferentemente da FDA dos EUA, nossa MHRA adotará uma abordagem baseada em evidências, ignorará a intensiva publicidade da empresa farmacêutica e recusará o pedido .”
O professor Peter Kinderman (Universidade de Liverpool), outro co-signatário, acrescentou:
“Esta droga foi amplamente criminalizada para proteger as pessoas dos danos a ela associados. Embora certamente necessitemos de novas maneiras de ajudar as pessoas em perigo, é improvável que prescrever medicamentos psicodélicos seja a resposta.”
“Estamos profundamente preocupados com a aprovação proposta para a esketamina. Funciona através de um mecanismo opioide e provavelmente causará sérios problemas de dependência e abstinência.
Ninguém deve esquecer a história conturbada da medicação psiquiátrica, na qual medicamentos supostamente seguros e eficazes se tornam viciantes e prejudiciais quando usados a longo prazo. Instamos a MHRA a negar uma licença a este medicamento pelo menos até que os ensaios de longo prazo sobre segurança e eficácia tenham sido concluídos.”
O Centro de Recuperação Hurdalsjøen, um hospital psiquiátrico particular localizado a cerca de quarenta minutos ao norte de Oslo, nas margens do deslumbrante Lago Hurdal, foi criado por seu diretor, Ole Andreas Underland, para fornecer atendimento ‘sem medicamentos’ para aqueles que desejavam tal tipo de tratamento ou que quisessem diminuir os seus medicamentos psiquiátricos. O ministro da Saúde da Noruega estava pedindo aos hospitais psiquiátricos públicos que oferecessem esse tratamento, e esse hospital particular deu um passo à frente antes que qualquer hospital público tivesse ido fundo.
Hurdalsjøen foi inaugurado em 1 de abril de 2015. A primeira pessoa que apareceu às suas portas foi Tonje Finsås, 31 anos, e ela tinha um histórico médico que poderia preencher volumes. Ela desenvolvera um distúrbio alimentar aos oito anos; ela passou a tomar antidepressivos aos 11 anos, quando começou a se cortar; então veio uma receita para um benzodiazepínico; e logo ela passou a ter entradas e saídas de enfermarias psiquiátricas com uma frequência surpreendente. Ela chegou a Hurdalsjøen com prescrições para 31 medicamentos, incluindo três antipsicóticos, tendo um registro de 220 hospitalizações. Ela passou a maior parte dos três anos anteriores isoladamente em um hospital psiquiátrico em Bergen, onde era vigiada por dois auxiliares o tempo todo, e era frequentemente contida com camisa de força
“Todos os dias eu tentava me matar”, ela lembrou. “Eu não queria mais viver. Aquilo não era uma vida. Até um cachorro em uma gaiola tem mais do que você lá dentro tem. “
Embora o Lago Hurdal proporcione um lindo cenário, o hospital está localizado em um prédio da década de 1970, usado para tratar pessoas que sofrem de problemas nervosos, e dentro dele se tem a percepção do institucional: salas pequenas localizadas em um longo corredor, não muito diferente de o que se pode encontrar em um hospital psiquiátrico tradicional. Quando Finsås se recusou a ficar lá, Underland propôs uma nova solução.
Tonje Finsås
“Eu vim para aqui direto do isolamento”, disse Finsås. “E Ole começa a minha jornada me mandando para Maiorca, Espanha, por duas semanas, com uma enfermeira do hospital. Era apenas uma oportunidade para nos conhecermos e para que eu conhecesse um novo ambiente. Vi então que eles confiavam em mim e, quando voltei (para Hurdalsjøen), comecei a me abrir e a contar coisas a eles, e a dizer querer assim ou assado, e eles ficavam tipo ‘ok, vamos ajudar a você.'”
Finsås nunca regressou a um hospital regular desde então. Nos quatro anos desde que chegou a Hurdalsjøen, ela reduziu toda a medicação para dois medicamentos e agora vive em uma cidadezinha próxima. No início de setembro, ela começou a trabalhar em meio período no centro, dirigindo sua sala de atividades, onde os pacientes podem escrever poesia, desenhar, tricotar ou realizar outras atividades, e ela está começando a sonhar com uma carreira trabalhando na área da saúde.
Essa é a arte do tratamento”, disse Underland, falando sobre a viagem a Maiorca. “Você tem que encontrar a chave para cada pessoa.”
Um trabalho em andamento
Nos hospitais públicos, a iniciativa sem medicamentos na Noruega começou há três anos. O Centro de Recuperação Hurdalsjøen pode ser visto como parte dessa iniciativa e ao mesmo tempo distinto dela. Mas, com as ofertas “livres de medicamentos” do setor público sobrevivendo e crescendo, e o Centro de Recuperação Hurdalsjøen igualmente, é justo se concluir que esse tipo de atendimento esteja se fortalecendo na psiquiatria norueguesa, ganhando bases, sendo uma iniciativa que vem atraindo a atenção internacional.
No sistema público, o Hospital Asgård, em Tromsø, foi o primeiro a criar uma enfermaria sem medicamentos, inaugurada em janeiro de 2017. Inicialmente, lutava para receber pacientes, em grande parte porque os que buscavam esse tipo de atendimento precisavam obter um encaminhamento feito por um clínico dos ‘serviços especializados de saúde’, o que significava que os psiquiatras tinham de aprovar o tratamento ‘sem medicamentos’, algo que muitos relutavam em fazer. No entanto, de acordo com Magnus Hald, que era o diretor do Hospital Asgård quando a enfermaria foi aberta pela primeira vez e que atualmente é seu psiquiatra supervisor, as seis camas vem sendo ocupadas regularmente.
Depois de três anos, Hald e a equipe de Asgård observaram que o tratamento que estão fornecendo, com o uso de medicamentos adaptado às necessidades e aos desejos de cada indivíduo, está provando ser útil para muitos. Mais de 90% dos cerca de 50 pacientes que foram tratados na enfermaria de Asgård tiveram um diagnóstico psicótico e cerca da metade desses pacientes não tomou neurolépticos enquanto esteva hospitalizada. Ao contrário do que se poderia esperar, dadas as crenças convencionais sobre a necessidade de se prescrever antipsicóticos a esses pacientes, muitos que abandonaram os medicamentos ‘não apresentaram sintomas psicóticos’ enquanto estavam na enfermaria. Os outros desse grupo sem neurolépticos, embora psicóticos às vezes, “estão encontrando novas maneiras de lidar com os sintomas”, disse Hald.
A equipe da Asgård também se tornou mais experiente em ajudar os pacientes que chegam com neurolépticos ou outras drogas psiquiátricas procurando diminuir esses medicamentos ou reduzi-los a doses mais baixas. “Eu esperava que fosse difícil, mas foi surpreendente para mim fazê-lo (com sucesso) muito mais lentamente do que eu pensava, e tivemos alguns pacientes que fizeram todo o caminho (sem medicação) dando pequenos passos ”, disse Hald.
A equipe também viu os benefícios que os pacientes podem obter em doses mais baixas. Os pacientes “frequentemente relatam que, quando diminuem, têm alguns problemas de volta, mas que encontram novas maneiras de lidar com eles. Essas pessoas têm um sentimento muito forte de ter de volta as suas emoções, e isso também é vivenciado por suas famílias. Uma mulher nos disse: ‘Pensei ter perdido meu marido há quatro anos e agora ele voltou’ “.
No início, havia dois ou três pacientes na enfermaria sem medicamentos que eram tão desafiadores que tiveram que ser transferidos para as enfermarias dos agudos. Mas isso não mais aconteceu nos últimos tempos e, durante os três anos, nenhum membro da equipe foi agredido e nenhum de seus pacientes se suicidou, inclusive após a alta.
Magnus Hald
Os pacientes geralmente ficam na enfermaria por uma a três semanas. Hald e sua equipe trabalham com prestadores de serviços locais para continuar o tratamento ambulatorial que seja consistente com os princípios de ‘livre de medicamentos’ praticados na enfermaria. Essa continuidade de atendimento também fornece uma válvula de alívio para os pacientes depois que eles saem do hospital – muitos pacientes que recebem alta voltam para a enfermaria para uma segunda ou terceira estadia, usando-a para aliviar o estresse da comunidade. “Muitas pessoas querem ficar na ala”, disse Hald. “Algumas pessoas gostam demais.”
De muitas maneiras, a ala de Tromsø está criando mudanças na psiquiatria da mesma maneira que uma pedra jogada em um lago cria uma onda externa de ondas. O sistema de assistência na comunidade está se adaptando aos planos de tratamento preparados pela ala, e também há uma aceitação crescente por essa abordagem pela equipe do restante do Hospital Asgård.
“Temos conseguido ajudar alguns pacientes e conseguimos dar conta dessa questão de como os medicamentos estão sendo usados, colocando isso na agenda”, disse Hald. “Essa pode ser a coisa mais importante que conseguimos, é fazer parte de um movimento, nacional e internacional, para esse desenvolvimento.”
Embora o “establishment psiquiátrico” da Noruega tenha resistido à iniciativa, uma revisão de 2018 constatou que todas as quatro autoridades regionais de saúde haviam cumprido, até certo ponto, este mandato e que agora havia “56 leitos em 14 hospitais” na Noruega reservados para tratamento sem medicamentos (o que significa que os pacientes podem optar por esses cuidados ou obter ajuda para diminuir os medicamentos). Em alguns casos, os hospitais reservaram apenas alguns leitos para esses cuidados, em vez de abrir uma ala “sem medicamentos”, e várias autoridades regionais estão fornecendo esse serviço apenas para pacientes “não psicóticos”. No entanto, assim como em Tromsø, o Hospital Universitário de Akershus abriu uma enfermaria dedicada ao tratamento ‘sem medicamentos’, e os dois hospitais farão pesquisas sobre os resultados a longo prazo de seus pacientes.
Tudo isso fala de uma iniciativa que ainda não passa de um ‘trabalho em andamento’. No entanto, embora os hospitais psiquiátricos públicos estejam prosseguindo com cautela, a demanda de pacientes por esses cuidados está crescendo rapidamente. Em uma pesquisa recente com 100 pacientes internados em um hospital psiquiátrico na Noruega, 52% afirmaram que “teriam desejado tratamento sem drogas se ele existisse”.
O Poder de um Gráfico
Na Noruega, o público está acostumado a obter assistência médica por meio do sistema público e, portanto, os Fellesaksjonen de cinco grupos representantes de usuários que passaram anos fazendo lobby por um tratamento sem medicamentos nunca pensaram que um ‘empreendedor’ aparecesse repentinamente oferecendo esse tipo de atendimento. A faísca que levou à criação de Hurdalsjøen ocorreu em uma conferência nacional de saúde mental em 2013, quando Jan-Magne Sørensen, líder do grupo de usuários White Eagle, colocou um slide que fez Underland pular de seu assento.
Underland tinha um histórico de trabalho que combinava anos de experiência clínica em um hospital psiquiátrico com o seu sucesso enquanto empresário. Ele começou a trabalhar no Hospital Psiquiátrico Dikemark em Asker aos 18 anos e, depois de receber seu treinamento como enfermeiro psiquiátrica, foi promovido à chefe de equipe da unidade de segurança máxima do hospital, ocupando o cargo de 1988 a 1993. Em 1997, depois que trabalhou como representante de vendas da Novo Nordisk – comercializando seu antidepressivo Seroxat, uma experiência que lhe ensinou “como os medicamentos atendem às demandas dos médicos” -, ele abriu uma empresa privada que fornecia moradia para pessoas com dificuldades mentais e comportamentais. Esse empreendimento empresarial, que ele vendia, lhe ensinou que “se você fornecer às pessoas moradia adequada, elas poderão viver uma boa vida contando com apoio”.
Em 2007, ele comprou o local em Lake Hurdal, que já havia prestado assistência a pacientes ‘nervosos’, e o usou para vários fins de reabilitação e moradia, recrutando seu amigo de longa data e enfermeiro psiquiátrico, Tom Liudalen, para administrá-lo. Tudo estava indo bem em sua vida, ele havia vendido seu negócio imobiliário e estava financeiramente seguro, e então Sorensen colocou um slide – bem familiar aos leitores da comunidade do Mad – que redirecionou a sua vida.
“Sou enfermeiro psiquiátrico por profissão e venho trabalhando há décadas nesse campo e nunca tinha ouvido falar disso, que a taxa de recuperação em longo prazo para pacientes que sofrem de esquizofrenia é muito melhor sem medicação do que com medicação”, Underland disse. “Eu tenho que admitir, quando vi esse slide fiquei pensando que isso não pode ser assim.”
Underland convidou Sørensen para jantar e isso levou a reuniões com os líderes da Fellesaksjonen, onde ele ouviu as visões que eles tinham sobre o tratamento ‘sem medicamento’. Embora os cinco grupos de usuários tivessem ideias diferentes entre eles sobre qual deveria ser o tratamento, eles no fundo concordavam com vários dos princípios apresentados pelo governo, além da opção da oferta de tratamento ‘livre de medicamentos’.
“Dissemos que o ideal é que até 50% da equipe fosse composta por usuários com experiência e que no mínimo fosse um terço. Isso foi importante”, disse Grete Johnsen, do Fellesaksjonen líder do grupo de usuários We Shall Overcome. “Queríamos uma maneira mais holística e humana de conhecer as pessoas, onde se pergunta às pessoas quais são seus problemas, em vez de apenas diagnosticá-las. Queríamos que os componentes da equipe se lembrassem de conversar com as pessoas. E uma outra coisa que causa esses problemas são os prontuários, o que a equipe escreve sobre os pacientes e que os pacientes leem todas as coisas ruins escritas sobre eles. Queríamos que os prontuários fossem feitos junto com os pacientes. ”
Havia outros pedidos: boa nutrição, a chance de sair para ficar na natureza e oportunidades para se exercitar, relaxar e buscar empreendimentos criativos. “Faça tudo o que puder para melhorar a saúde”, disse Sørensen. “Concentre-se nos aspectos positivos em que você pode desenvolver, em vez do que não está funcionando”.
Com esses pensamentos em mente, Underland e Liudalen começaram a criar o que descrevem como o primeiro hospital psiquiátrico ‘livre de medicamentos’ na Noruega e em toda a Europa. A febre missionária para essa tarefa se deveu, em parte, porque eles se convenceram de que os medicamentos psiquiátricos, quando usados como pedra angular do tratamento, têm efeitos negativos a longo prazo.
A experiência de Liudalen com hospitais psiquiátricos começou quando ele era criança. Seu pai havia trabalhado em uma fazenda em Dikemark, enquanto sua mãe trabalhava no asilo. “Quando criança, muitos dos pacientes eram nossos amigos”, lembrou. “Eles se juntavam a nós para atividades em comum.”
Depois do treinamento como enfermeiro psiquiátrico, Liudalen foi trabalhar na Dikemark, e o que ele entendeu foi que os médicos de asilo prescreviam medicamentos para satisfazer seus próprios sentimentos e necessidades. “Está claro para mim que não podemos mais pensar dessa maneira”, disse ele. “Estamos dando muito poder aos médicos, e a medicação faz parte do trabalho deles. É aqui que as coisas começam a dar errado. Recebemos novos medicamentos e, se um não funcionar, adicionamos outro. Isso não é bom para o paciente. Tudo fica cada vez pior.”
Underland, em uma apresentação pública, ecoou esse pensamento. “O tratamento que usamos desde a década de 1950 tem sido medicação, e provou estar errado”, disse ele. “Nós gastamos cada vez mais dinheiro em medicamentos, e ainda há o crescimento contínuo de transtornos mentais. Depender de medicamentos obviamente não funciona. ”
Ao abrirem o Hurdalsjøen Recovery Center em 1º de abril de 2015, eles tinham uma esperança primordial. “Quero fazer o primeiro hospital psiquiátrico aonde eu mesmo possa ser paciente”, disse Underland.
Tom Liudalen and Ole Andreas Underland at Haraldvangen, the second Hurdalsjøen hospital which opened on July 9, 2019
Visitando o Centro
No verão passado, Hurdalsjøen abriu um segundo ‘hospital’, localizado a poucos quilômetros do primeiro, e esse cenário, também às margens do Lake Hurdal, é onde as ambições do Centro estão mais visíveis. As instalações aqui anteriormente abrigavam um acampamento de verão, com cabines para visitantes e um belo alojamento que se estendia ao longo do lago, a água tão perto que, quando as janelas estão abertas, você pode ouvir o bater da água.
Estar junto à natureza faz parte do plano de ‘tratamento’ em Hurdalsjøen, e aqui você encontra canoas descansando à beira do lago, uma fogueira nas proximidades onde à noite as estrelas iluminam o céu e uma encosta arborizada aonde os pacientes ‘escolhem’ para parte de seus exercícios diários. O alojamento é um local espaçoso e acolhedor, com uma grande sala comum aquecida por uma lareira em uma ala do edifício, e uma sala de jantar comum situada no meio. A sala de jantar possui uma fileira de janelas com vistas para o Lago, e há longas mesas de madeira onde funcionários e pacientes comem juntos. As refeições, que são servidas em estilo buffet, fornecem uma dieta de frutas frescas, legumes, pães assados, sopas, saladas e entradas.
A vista da sala de jantar em Haraldvangen
Passei dois dias no Centro no início de outubro, e a sala de jantar era o meu espaço favorito. Sempre havia uma sensação de conforto e calor presente, com as pessoas chegando mais cedo antes das refeições para se sentar às mesas e conversar, e depois ficar após a comida haver terminado. Na maioria das vezes, não era aparente quem era da equipe e quem era paciente, e foi só depois que conversei com as pessoas na minha mesa que conheci suas histórias individuais.
Siv Helen Rydheim
“Gosto da mistura”, disse Siv Helen Rydheim, uma das líderes da Fellesaksjonen que fez lobby por tratamentos sem medicamentos e agora trabalha meio período na Hurdalsjøen. “Entro em contato com a equipe e os pacientes em uma atmosfera onde acho fácil fazer contato. . . Eu não acho que isso poderia acontecer tão rapidamente, sem fazer essas refeições juntos. ”
As refeições comunitárias, é claro, também diminuem a presença da estrutura de poder usual presente nos hospitais psiquiátricos que estabelecem uma linha divisória entre ‘equipe” e ‘pacientes’. As conversas nas refeições ajudam a criar relacionamentos que podem ser muito transformadores para os pacientes e, ao mesmo tempo, fornecem à equipe um feedback útil.
“”A maioria dos pacientes se sente à vontade para dar feedback sobre o que pode ser feito melhor e com o que está satisfeito”, disse Rydheim. “E uma das coisas que realmente gosto no Centro é que, quando as coisas não estão indo exatamente como pensamos que deveriam, a equipe e os líderes se esforçam para mudar as coisas.”
A chance de estar fora junto à natureza, os exercícios diários, a comida fresca e as refeições sociais são vistas por Underland, Liudalen e funcionários como promotores da “salutogênese”. Eles querem prestar cuidados que apoiem a saúde física e o bem-estar emocional, em oposição ao tratamento que se concentra em eliminar os sintomas de uma doença (patogênese).
Os dois ‘hospitais’ têm camas para 60 pacientes, sendo que a maioria vem para tratamento que dura de quatro a seis meses. A redução de medicamentos psiquiátricos durante esse período, ou o tratamento sem o seu uso, isso é entendido como consistente com essa filosofia de ‘salutogênese’.
Medicação
Quando Mohammad Yousaf tinha 11 anos, um parente dele que não falava norueguês – seus pais haviam imigrado para a Noruega vindos do Paquistão – teve um episódio maníaco, e ele se tornou o tradutor junto ao psiquiatra. Essa experiência o levou a se tornar um psiquiatra e influencia profundamente seu pensamento hoje em dia.
“Esse psiquiatra não trabalhava da forma tradicional”, lembrou. “Ele estava aberto a ideias diferentes e, na família dos meus pais, no passado deles, não se tinha esse entendimento psiquiátrico (de comportamento maníaco) para explicar as coisas. Se tem um foco cultural e uma visão orientada para a família sobre como melhorar. ”
Mesmo assim, no período em que esteve na faculdade de medicina em Oslo, ele foi introduzido ao pensamento ocidental convencional. “Eu recebi o treinamento biológico convencional. Eu aprendi que as drogas deveriam ser a terapia de primeira linha, principalmente para psicose e bipolar. E foi assim que eu pratiquei, em dois dos maiores hospitais de Oslo. ”
Mohammad Yousaf
Durante os primeiros anos de prática, ele começou a questionar essa dependência às drogas. “Hoje estou vendo que sim, que a medicação sedava as pessoas, as tornava mais maleáveis e mais controláveis, sem que eu visse nenhuma recuperação”, lembrou. “Eu via os meus pacientes retornando. E eles muitas vezes não queriam a medicação, o que era estranho para mim, porque geralmente quando a medicação é útil, os pacientes querem a medicação. E isso era estranho, eles não quererem, e as admissões recorrentes, tudo isso me fez começar a me perguntar se esse seria o caminho certo a seguir.
Com o crescente ceticismo, ele se tornou mais alerta à disfunção metabólica e aos outros efeitos adversos causados pelas drogas. Então, quando os esforços de lobby sem medicamentos dos Fellesaksjonen ganharam impulso, ele participou de uma conferência em que os usuários do serviço e outras pessoas falaram sobre o motivo disso ser necessário.
“Fui até lá e fiquei surpreso com quantos deles haviam experimentado esses efeitos e qual era o problema: a resistência a fazer uso de medicamentos, as más experiências com eles. E muitas pessoas (na Conferência) tinham parentes usando esses medicamentos e disseram como seus parentes não melhoraram, mas que, pelo contrário, haviam piorado, que ficaram mais doentes “.
A última evidência que mudou o pensamento de Yousaf sobre medicamentos psiquiátricos foram estudos de longo prazo, como os de Martin Harrow, onde ele encontrou taxas de recuperação mais altas para pacientes com esquizofrenia que não usavam medicamentos do que para aqueles que usavam os medicamentos. “Isso me fez perceber que há outra verdade por aí”, disse ele.
Houve um pouco mais de 100 pacientes que chegaram a Hurdalsjøen desde que foi aberto, e menos de 10% estavam sem medicação quando chegaram lá. Todos já haviam feito uso de droga psiquiátrica, e a polifarmácia era o comum. Assim sendo, neste Centro ‘livre de medicamentos’, a redução gradual de medicamentos é o tratamento de escolha.
“Antes que os pacientes cheguem aqui, eles sabem sobre o nosso tratamento e o que oferecemos”, disse Yousaf. “Não preciso levantar a questão dos medicamentos, é a primeira coisa que eles trazem à tona. O principal trabalho para mim é fazer com que confiem em mim que nós os ajudaremos, que eu ajudarei, e sobre diferentes aspectos de por que o tempo (uma redução lenta) é importante. ”
Como primeiro passo, ele faz um ‘histórico completo’ do uso de medicamentos psiquiátricos deles e quais os efeitos colaterais eles experimentaram. Geralmente, diz ele: “existe um medicamento que eles querem se livrar como sendo o primeiro”. O processo habitual de redução gradual diminui um medicamento de cada vez e, se um paciente está tomando um benzodiazepínico, Yousaf deixa a redução dele para o final, pois esse medicamento pode ser útil para aliviar os sintomas de abstinência dos outros medicamentos.
Os quatro a seis meses em que os pacientes ficam aqui são um período bastante curto para diminuir um coquetel de drogas, reconheceu Yousaf. “Uma coisa que é realmente constante com todos os pacientes é que você precisa de tempo. Portanto, mesmo sendo muito individual em relação à gravidade dos sintomas, você precisa de tempo. Para alguns, os sintomas físicos são muito piores do que os psicológicos, enquanto que para outros é o contrário. De qualquer maneira, todos precisam de tempo.”
Siri Westerås
Uma paciente com quem conversei em Hurdalsjøen, Siri Westerås, veio para cá depois de tomar Zyprexa e Effexor por dois anos, causando problemas no coração, disfunção sexual e outros efeitos adversos. Ela tentara se retirar dos remédios por conta própria, mas isso dera errado. E, ela disse, o programa de redução gradual que ela estava seguindo em Hurdalsjøen estava se mostrando difícil.
“Eu me sinto entorpecida. Não me sinto bem. Eu nem consego sentir realmente o momento. Meu corpo responde, mas minha cabeça não”, disse ela.
Ainda assim, ela achou motivo para se sentir encorajada. “Sinto que as pessoas aqui me veem e me ouvem. Aqui não sou apenas a minha depressão. Quando fui hospitalizada há dois anos, eles me trataram como se eu fosse demente. ”
Yousaf disse que aproximadamente 75% dos pacientes de Hurdalsjøen procuraram diminuir os medicamentos prescritos, e entre eles “cinco em cada seis” atingiram seus objetivos. Alguns se afastaram completamente das drogas, enquanto outros, na medida em que estão em doses mais baixas, dizem estar satisfeitos.
“Quase nenhum dos pacientes quer sair antes de quatro meses e a maioria quer um pouco mais de tempo”, disse ele. “E a perspectiva de voltar a um sistema que talvez não respeite seus desejos é assustadora para eles”.
Gerenciamento e recuperação
Embora Hurdalsjøen tenha a intenção de criar um ambiente radicalmente diferente dos cuidados hospitalares convencionais, a terapia praticada aqui, gerenciamento e recuperação (IMR), é importada dos Estados Unidos. À primeira vista, parece estar em desacordo com a filosofia e as crenças que são tão evidentes nas operações diárias de Hurdalsjøen, porque essa uma abordagem – mesmo como descrita por Kristine Omvik Bråten, que ajuda a liderar o programa IMR – se encaixa em um ‘modelo de doença” para a compreensão das dificuldades psiquiátricas.
O IMR, disse Bråten, ajuda as pessoas a desenvolver estratégias para lidar com sua ‘doença mental’ e avançar na vida.
No entanto, em Hurdalsjøen, o IMR é visto como um processo para ajudar as pessoas a transformar suas vidas, longe de suas vidas anteriores como pacientes mentais e em direção ao retorno a uma vida ‘comum’, vivendo e trabalhando na comunidade. “O mais importante para o que fazemos é ver isso (transformação) se tornar realidade”, disse Underland.
Todos os pacientes de Hurdalsjøen recebem um manual de IMR que foi traduzido para o norueguês e, cinco dias por semana, durante uma hora por dia, eles se reúnem em grupos de oito pessoas para trabalhar em um dos “11 passos para a recuperação” descritos no manual. O primeiro passo pode ser o mais importante.
Kristine Omvik Bråten
“Vamos perguntar a cada pessoa: ‘o que você quer e que mudanças você precisa fazer na sua vida para ter uma vida que você acha que é boa?’ “, Disse Bråten. “O que as pessoas nos respondem é muito individual. Queremos que elas estabeleçam objetivos pessoais. Essa é a base para o resto da IMR.”
Os pacientes geralmente afirmam que querem abandonar os medicamentos. Muitos falam em querer construir vidas sociais ou “conseguir uma namorada”, disse Ann Helen Martinsen, que ajuda a liderar o programa IMR. “A maioria dos pacientes em psiquiatria tem esses desafios. Eles têm uma rede pequena, eles têm um relacionamento quebrado com membros da família, vivem sem amigos, sem namoradas. Eles sentem falta da intimidade.”
Nas reuniões do grupo, Martinsen e Bråten, ambas com sua própria ‘experiência vivida’, ajudarão os pacientes a melhorar suas habilidades sociais e instilarão neles a confiança necessária para experimentá-las no mundo ‘externo’. “Podemos conversar sobre como você tem que sair e se expor a situações sociais e ir a lugares onde há muita gente”, disse Martinsen. “Nós também podemos nos sentar e fazer um perfil do Tinder com um paciente, se é isso o que ele deseja.”
Demora cerca de 14 semanas para concluir as 11 etapas do manual do IMR. Durante esse processo, os pacientes aprendem sobre a importância do exercício e da dieta, como preparar refeições saudáveis e como evitar recaídas, com este último módulo de IMR adaptado para aqueles que pararam com sucesso a medicação ou estão tomando uma dose baixa. Se um paciente falou sobre querer conseguir um emprego, os líderes da IMR os ajudarão a desenvolver um plano para fazê-lo. Eles também o levarão a uma entrevista de emprego.
“Na sexta-feira, temos um dia de metas em que falamos especificamente sobre as metas que os pacientes estabeleceram para si”, disse Bråten. “Não precisa ser sobre a saúde psiquiátrica. Pode ser mais específico, sobre coisas práticas, como ir a uma entrevista para um emprego. E às sextas-feiras, saímos e aplaudimos um ao outro por tudo o que fizeram, por alcançar objetivos. ”
A familiaridade – e o espírito de amizade – presentes em Hurdalsjøen levantam uma questão óbvia. Nos hospitais psiquiátricos da Noruega, há uma proibição de ‘abraçar’ os pacientes e, então, eu me perguntava: essa seria uma linha de fronteira observada aqui?
Ann Helen Martinsen
“Deixamos de ser muito profissionais e profissionais de saúde para nos tornarmos aqueles que dão abraços e que têm uma boa conversa”, disse Martinsen. “Por serem pacientes, são pessoas, assim como eu e todos os outros. Eles precisam do abraço. Se eles estiveram dez anos trancados em uma ala psiquiátrica, eles nunca tiveram um abraço ou sequer uma longa e boa conversa. Obviamente, todas as pessoas precisam desse tipo de cuidado e contato humano. . . os pacientes dizem que aqui tudo é muito diferente, a maneira como nos conectamos e temos contato com os pacientes. Nós os vemos e damos um abraço quando eles precisam.”
Bråten acrescentou: “Eu acho que é muito importante ter orientação sobre isso com a equipe e conversar sobre onde vai o limite. Talvez nem sempre seja um abraço. É sobre o calor que podemos dar com as palavras, o contato visual, as pequenas coisas “.
Underland e o restante da liderança de Hurdalsjøen vêem a IMR como uma ferramenta essencial para ajudar os pacientes a transformar suas vidas. “Vemos como as pessoas se sentem mais bem-sucedidas quando estão prontas para sair”, disse Martinsen. “Vemos até aonde os pacientes chegaram ao se comparar como eram quando chegaram. Quando eles saem, podem ser pessoas totalmente diferentes. ”
Pilotos de recuperação
Em um hospital psiquiátrico convencional, o objetivo usual é ajudar as pessoas a se ‘estabilizarem’ com medicamentos psiquiátricos, com o pensamento de que pacientes que recebem alta, com o uso regular dos medicamentos, podem estar em ‘recuperação’ da doença. Os medicamentos ajudam a manter a ‘doença crônica’ sob controle.
Em Hurdalsjøen, está prevista uma trajetória de um tipo diferente. Espera-se que os pacientes que vem aqui imaginem um futuro diferente para si mesmos e, há pouco mais de um ano, o Centro estabeleceu um programa de ‘piloto de recuperação’ para ajudar os pacientes a fazerem a transição para novos papéis, nos quais assumem responsabilidades de trabalho e servem como mentores – por exemplo como pilotos de recuperação – para pacientes recém-chegados.
“Todos eles foram pacientes antes de se tornarem pilotos de recuperação e estão fora do trabalho há muito tempo”, disse Tone Winnem, que dirige o programa. “Eles podem não ter educação e já foram traumatizados em hospitais (psiquiátricos) antes, e não confiam nas pessoas. Portanto, após o trabalho deles como pacientes aqui, queremos que eles trabalhem de uma maneira que os ajude a encontrar significado e ganhar uma vida significativa. Eles usam sua experiência para motivar os outros pacientes aqui. ”
Disse Underland: “Acreditamos que ter um emprego é o fator mais importante na vida de todas as pessoas”.
Tone Winnem
Como muitos funcionários de Hurdalsjøen, Winnem pode contar a sua própria vida transformada. Quando criança, ela ouvia vozes e se preocupava que, se contasse a alguém sobre suas vozes, as pessoas pensariam que ela era ‘louca’ e que seria internada em um hospital psiquiátrico. Esse era o segredo que ela mantinha para si mesma e, à medida que crescia, sofreu repetidas crises de depressão e pensamentos suicidas. “Eu tive um longo histórico de doença mental”, ela lembra.
Sua vida mudou depois que ela participou de um programa de IMR em sua cidade natal, Eidsvoll. “Estabeleci uma meta pessoal em que queria viver meus sonhos de ser atriz. Então, fui a um grupo de teatro local, escrevi um show de comédia stand-up, onde contava a minha experiência em ouvir vozes. Uma das minhas vozes sempre me dizia: você não tem permissão para contar a outras pessoas sobre mim. Mas quando você vai fazer um show de stand-up, precisa contar a todas as pessoas sobre isso, e depois de fazer o show, as vozes lentamente se tornaram mais fracas e, finalmente, as vozes se foram. ”
Winnem então viajou pela Noruega falando sobre como a IMR mudou sua vida e, quando Underland ouviu uma de suas apresentações, ela a contratou para iniciar o programa piloto de recuperação. Muito parecido com os pilotos de recuperação que ela agora supervisiona, ela está experimentando recentemente como é viver sem o amortecimento emocional das drogas psiquiátricas. Depois que ela veio trabalhar aqui, Yousaf a ajudou a se afastar dos dois medicamentos psiquiátricos que tomava, um dos quais era antipsicótico. Seis meses atrás, ela se tornou ‘livre de medicamentos’.
“Estou mais feliz agora”, disse ela. “Sinto que posso estar viva o dia todo. Eu posso controlar minha vida de uma maneira melhor. E eu posso sentir tristeza e felicidade. Quando estava drogada, me sintia muito plana, achatada, chapada. ”
Desde que o programa piloto de recuperação foi iniciado, sete pacientes se tornaram pilotos de recuperação. Eu falei com quatro deles.
Eirik Andres Øyen
Na manhã em que cheguei a Hurdalsjøen, fiquei sob os cuidados de Eirik Andres Øyen. Ele me mostrou o hospital, conhecido como Haraldvangen, que havia sido aberto no início do verão, me levando para onde estavam as canoas, apontando a fogueira onde as pessoas se reuniam e me levando em um passeio pelas cabanas próximas, em uma das quais ele morou. Durante meus dois dias lá, ele costumava parar para perguntar como eu estava, e se eu precisava de alguma coisa. Entendi que tudo isso fazia parte do trabalho piloto de recuperação dele.
“Ele é chefe de recepção quando famílias e visitantes chegam”, explicou Winnem. “E quando os pacientes vão para casa e precisam devolver as chaves, ele é responsável por isso. Ele é o dono do hotel.”
Antes de vir para Hurdalsjøen, Øyen estava sob ordem de tratamento forçado há sete anos e, durante esse período, tentou repetidamente fugir do sistema psiquiátrico da Noruega. Trinta anos de idade, ele trabalhou em grandes barcos de pesca depois de terminar a escola, passando seis, sete semanas cada vez no mar. Mas ele festejava muito quando voltava para casa, usando regularmente anfetaminas, haxixe e outras drogas, o que desencadeou episódios psicóticos, e isso levou a várias hospitalizações e injeção regular de risperidona.
“Eu não gostava das injeções. Eu tinha que me deitar e colocar a minha bunda para fora e tinha que fazer isso toda semana ou a cada duas semanas ”, disse ele.
Duas vezes ele fugiu da Noruega para escapar de tal tratamento, uma vez para a Espanha e a outra para a Dinamarca. E cada vez que ele retornou para a Noruega, as injeções forçadas foram retomadas. Ele solicitou com sucesso que fosse a Hurdalsjøen em junho de 2018, mas chegou sob uma ordem de tratamento forçado, o que exigia que ele tomase Risperdal por via oral todas as manhãs e noites. Seis meses depois, Yousaf suspendeu a ordem de tratamento forçado. “Eu me tornei livre”, disse ele.
Øyen se tornou um piloto de recuperação na primavera de 2019. “Gosto do trabalho e organizo as coisas para os outros. Quando sou recepcionista, sinto que tenho algo a fazer. Isso me dá um significado.”
Ele ainda toma uma dose baixa de Seroquel pela manhã e uma dose baixa de Risperdal à noite, um regime de drogas que ele considera útil por enquanto. Ele espera afinal ir trabalhar em um serviço de hospitalidade na comunidade, mas por enquanto não tem pressa em deixar Hurdalsjøen.
“Em todos os outros hospitais, era ‘quando posso sair, deixe-me ir’. Aqui, parece mais um lar. Eles perguntam o que você gostaria de fazer, o que você pode fazer, ao em vez de faça isso, não faça isso. Você pode sentir que quer estar aqui. Eles tratam você como se você fosse uma pessoa aqui, não como um diagnóstico.”
William Liknes
Quando William Liknes chegou a Hurdalsjøen em junho de 2017, ele pesava mais de 136 kg e ficava sem fôlego com quase todos os passos que dava. Nos anos anteriores, ele havia passado grande parte do tempo deitado em um sofá, sem fazer nada.
Hoje, ele pesa 95 kg, dirige as sessões diárias de exercícios no segundo Centro de Hurdalsjøen e corre maratonas.
A história de seu caminho para Hurdalsjøen é muito familiar. Quando criança, cresceu em Karmøy, onde era o escolhido para bullying devido ao seu peso e isso o levou a sempre ‘se sentir deslocado’ em ambientes sociais. Sua autoestima era baixa, ele lutava contra a ansiedade e, a partir dos 13 anos, encontrou alívio no álcool. “Eu poderia falar por mim mesmo. Eu poderia ter conversas – ele disse.
Mas a ansiedade e a depressão retornavam sempre que ele não estava bebendo, e logo ele tomava uma mistura de drogas psiquiátricas e drogas ilegais, e assim que saiu da escola, começou a regularmente oscilar dentro e fora da reabilitação – um total de 30 vezes de internações. Quando tinha trinta anos, seus problemas com álcool e drogas tornaram impossível para ele trabalhar em barcos de pesca, e depois disso ele praticamente se retirou para o sofá. Mesmo quando a família chegava, ele não se mexia. “Eu estava apenas vivendo o dia a dia”, disse ele. “Eu não fazia nada.”
Há dois anos, ele foi procurar um psicólogo, na esperança de obter prescrições para estimulantes e medicamentos de anti-ansiedade, mas o psicólogo, conhecedor do seu hábito, sugeriu que fosse a Hurdalsjøen. Desta vez, algo clicou para Liknes.
“Eu já entrei e saí de tratamento tantas vezes que decidi deixar de tomar medicação vindo para aqui”, disse ele. “Foi difícil, mas, ao mesmo tempo, comecei a me sentir novamente. Antes era tudo muito plano, mesmo que agora os sentimentos não sejam tão bons ou sejam mesmo ruins, ainda assim eu passei a sentir as coisas. Fiquei feliz ao redescobrir que podia ter sentimentos. ”
No entanto, quando ele chegou a Hurdalsjøen, “eu estava com tanto medo. Eu estava com medo das pessoas e pensei: ‘tudo é novo, será que isso vai funcionar?’ Mas imediatamente senti a paz e a calma com a maneira como as pessoas ficam aqui e, no primeiro dia, o que elas disseram para mim foi ‘ nós nunca desistimos. Estaremos com você até melhorar.’ Eles me deram esperança. Fui para o meu quarto naquela noite e senti uma sensação muito boa, de que isso poderia funcionar, eu poderia ter uma chance. Esse era um sentimento que eu nunca havia tido antes. ”
As sessões de IMR, disse ele, o ajudaram a ganhar confiança “para dizer mais e me expor mais”. Mas a parte mais importante do programa “era o treinamento físico e a comida. Esse foi o começo da minha recuperação. Foi muito difícil a princípio, subindo e descendo a colina, foi exaustivo. Mas eu fazia, e fazia todos os dias, e comecei a perder peso. Comecei a ver mais possibilidades. ”
Em outubro de 2018, ele se tornou um ‘piloto de recuperação’, ajudando a liderar o programa de exercícios. Agora ele trabalha em período integral no Centro. Todos os dias da semana às 13:00, ele lidera os pacientes em Haraldvangen em suas corridas, que são realizadas em intervalos de quatro em quatro: quatro corridas de quatro minutos cada, com descanso no meio. Quem não pode correr, pode andar, como ele tinha que fazer quando chegou.
Ele agora está em boa forma física e, com sua nova confiança, baixou o Tinder para o telefone e conhece regularmente as mulheres dessa maneira. Seu objetivo na vida é iniciar uma creche em sua cidade natal, que ofereça uma combinação de IMR e treinamento físico aos jovens antes que seus “problemas se desenvolvam demais”.
“Espero poder inspirar os outros (em Hurdalsjøen)”, disse ele. “Quando falo sobre mim e minha história, talvez eles possam ver que há esperança para eles.”
Eirik Andres Øyen and William Liknes
Maria Totlandsdal
A Fellowship, quando fez lobby para tratamento ‘sem medicamentos’, queria oferecer uma alternativa ao tratamento forçado que é comum nos hospitais psiquiátricos da Noruega. Maria Totlandsdal, que começou a se cortar aos 13 anos, foi tratada pela primeira vez aos 15 anos com uma injeção de haloperidol.
“Eu sentia como se tivesse sendo estuprada mental e fisicamente”, disse ela. “Eles tiravam meu jeans e me seguravam no chão. Mas eu ficava era mesmo assustada com o efeito da medicação. Não conseguia mexer meu pescoço. Eu não conseguia falar. E não podia contar a ninguém o que estava acontecendo. ”
Maria Totlandsdal
Assim começou a sua vida como uma paciente mental crônica. Ao longo dos vinte anos seguintes, ela foi hospitalizada mais de 100 vezes e foi regularmente tratada à força com os mesmos medicamentos que odiava. No início, ela fugiu pelo país para escapar do longo braço da psiquiatria. “Eu me sentia como uma pessoa normal sem drogas”, disse ela. “Fui à escola e estava funcionando bem em todos os níveis, eles haviam se esquecido de mim por um tempo e depois fugi da Noruega. Eu fui para a Suécia, eu depois para a Alemanha. ”
Em novembro de 2018, um médico com quem ela estava em consulta ambulatorial “lutou por mim e me ajudou a trazer para este lugar”, disse ela. Yousaf a ajudou a se afastar lentamente do Zyprexa e, depois de seis meses como paciente, ela foi classificada para o status de ‘piloto de recuperação’ e agora ajuda nas tarefas domésticas.
“Faço limpeza, converso com as pessoas ao meu redor e tento apoiá-las”, disse ela. “Eu faço o (exercício) treinamento para me fortalecer. Antes de vir, eu tinha problemas com meu coração. Mas agora não sinto esse problema e começo a ganhar músculos. Eu recebo mais energia. Tenho amigos aqui, meus colegas. ”
A preocupação para ela agora é que ela precisa se preparar para deixar Hurdalsjøen. “Eu não quero ir embora. Eu me sinto segura pela primeira vez na minha vida. Eu me sinto incluída. Eu me sinto bem-vinda. Mas minha missão agora como piloto de recuperação é voltar à sociedade. Não sei como, mas tentarei fazer parte da comunidade.”
Tonje Finsås
Graças à sua extraordinária história de transformação, Tonje Finsås tornou-se, na mídia norueguesa, algo de ‘garota propaganda’ pelo sucesso em uma instituição ‘livre de medicamentos’. E enquanto ela credita a todos os aspectos do programa do Centro as mudanças em sua nova vida – “passei por IMR seis vezes”, disse ela -, sua retirada gradual de medicamentos psiquiátricos foi o que tornou isso possível, pois permitiu que ela recuperasse um eu emocional.
“Quando o medicamento começou a sair de mim, eu comecei a me conectar com meus sentimentos novamente”, disse ela. “Eu nunca ficava feliz antes. Eu nunca ficava triste. Eu não sentia nada. Lembro-me da primeira vez que chorei porque me senti feliz. Passei a perceber que algo na TV podia realmente me tocava, eu ficava emocionada, eu podia sentir! Escrevi um poema: “Eu sorrio porque sou feliz, e não porque os outros estão sorrindo. Eu rio porque quero rir, porque acho engraçado algo, e não porque os outros estão rindo ‘. . . foi o que escrevi no meu poema. ”
O processo de retirada foi difícil, disse ela. Ela tinha alucinações, dores físicas e sentia-se extremamente zangada por tudo o que lhe havia sido feito em suas muitas hospitalizações psiquiátricas. Mas o retorno de seus sentimentos permitiu-lhe construir uma vida social, fazer novos amigos e reiniciar uma vida com seus pais.
“Sinto que meus pais realmente me amam e não sou mais apenas um fardo. Meu pai diz: ‘Eu amo você, eu realmente amo você’ e, antes, eu pensava: ‘como você pode me amar quando sou apenas um problema?’ Mas agora eu acho que sim, talvez ele realmente me ame. ”
Ela começou a trabalhar em meio período em setembro, dirigindo a sala de atividades, e vai trabalhar em período integral a partir de 1º de janeiro. “Isso me faz sentir muito bem”, disse ela. “As pessoas me dão crédito e mostram que confiam em mim e me contam suas histórias. Elas dizem: ‘é você quem realmente entende isso’ e que ‘ninguém me entende como você’. ”
Servir como exemplo para os outros, ela disse, é a parte mais importante de seu trabalho como piloto de recuperação. “Minha história mostra que é possível melhorar. É possível voltar lá para fora. Sim, ainda tenho altos e baixos, mas com controle, porque sei o que o desencadeia e sei o que fazer. . . Sem Ole e Yousaf, eu não estaria vivo hoje. ”
Família
Embora os pilotos de recuperação sirvam como histórias de sucesso da Hurdalsjøen, eles não representam as experiências de todos os pacientes. Muitos pacientes continuam lutando com ansiedade, depressão, sintomas psicóticos e dificuldades comportamentais e, mesmo que tenham melhorado enquanto estão aqui, podem ter que lutar novamente quando voltarem às suas comunidades de origem.
Como foi o caso do filho de 40 anos de Solrun Elisabeth Steffensen. Como muitos dos pacientes de Hurdalsjøen, o filho dela tinha um longo histórico de hospitalizações forçadas antes de vir aqui pela primeira vez, e embora ele tenha melhorado durante essa estadia, quando voltou para casa em Trondheim, “tudo começou a desmoronar”, Steffensen disse. Seu filho voltou para um hospital psiquiátrico e, mais uma vez, foi submetido a tratamento forçado.
Seu filho agora está de volta a Hurdalsjøen e, mais uma vez, está melhor. “Sinto que parentes e familiares são levados a sério aqui. Sinto haver aqui uma cooperação real e eles ouvem tanto o meu conhecimento quanto a experiência de meu filho sobre a situação de sua vida ”, disse ela. “Todas as pessoas que trabalham aqui contribuem para isso. É como se o lema de que “há esperança para todos” permeie toda a organização e se assente nas paredes”.
Um plano para o futuro
Juntas as alas de Tromsø e Hurdalsjøen estão provando que é possível fornecer aos pacientes psiquiátricos atendimento hospitalar que lhes permita decidir se tomam medicamentos psiquiátricos, e que fornece apoio para aqueles que desejam diminuir gradualmente os medicamentos. Ambas as instalações relatam ter menos dificuldades com os pacientes tratados dessa maneira, com atos agressivos de pacientes serem menos comuns do que em hospitais convencionais, e as histórias de sucesso dos pilotos de recuperação contam como esse atendimento, pelo menos em muitos casos, pode ajudar pacientes ‘crônicos’ a transformar suas vidas.
“Tivemos que aprender a tratar as pessoas dessa maneira, que nos disseram que eram muito difíceis, cognitivamente disfuncionais e muito doentes, e vimos que era possível trabalhar dessa maneira”, disse Liudalen.
Underland acrescentou: “Experimentamos o quão poderoso era perguntar a eles quais são seus gostos e seus objetivos e responder a isso. Aprendemos como era importante ouvir suas opiniões sobre medicamentos.”
O problema mais urgente para o Centro hoje é tentar sobreviver como hospital privado em um país com um sistema de saúde pública. Embora a Noruega seja um país rico, com muitas famílias com meios financeiros para enviar um membro da família para Hurdalsjøen, existe uma crença cultural na Noruega de que “todos devem ser tratados da mesma maneira e, portanto, pagar por esse tipo de tratamento é um problema não resolvido hoje”, disse Underland. Houve pacientes vindos de outros países, mas a maioria foi encaminhada pelo sistema público da Noruega, o que coloca Hurdalsjøen na mesma posição difícil da ala de Tromsø, apenas um pouco mais.
Segundo a lei norueguesa, os pacientes têm o direito de escolher seu hospital, e esse direito se estende a Hurdalsjøen, por ser um hospital psiquiátrico licenciado. No entanto, como observado anteriormente, os pacientes devem obter um encaminhamento de um profissional de saúde especializado, que geralmente é o psiquiatra e o hospital aonde estão se tratando atualmente. Os principais psiquiatras da Noruega declararam que tratar pacientes psicóticos e outras pessoas gravemente doentes sem antipsicóticos é uma ‘má prática’ e, portanto, muitos profissionais especializados não encaminharão por esse motivo. Além disso, se um paciente for transferido para Hurdalsjøen, o governo norueguês pagará a Hurdalsjøen por esse paciente, mas cobrará o provedor regional por esse custo, o que fornece uma razão financeira para que o provedor regional não faça o encaminhamento em primeiro lugar . “Os pacientes e suas famílias nos dizem toda semana que precisam lutar para chegar aqui”, disse Liudalen.
“O problema do diagnóstico é que ele tira a responsabilidade de sua vida”, disse Underland. “Que diabos você vai fazer com um diagnóstico, que não seja usar drogas ou usá-lo como uma razão para ser como você é (por exemplo, um paciente mental)?”.
Embora as finanças sejam uma preocupação óbvia, Underland e Liudalen não estão deixando essa preocupação sufocar seus planos para o futuro. Eles já criaram uma ‘vila de recuperação’ composta por 15 casas próximas ao hospital, que podem servir de moradia de transição para pacientes que concluíram uma estadia em Hurdalsjøen e desejam permanecer nas proximidades. Eles preveem a criação de um programa, baseado nos princípios que governam Hurdalsjøen, para adolescentes que enfrentam problemas, com esse esforço para impedir que esses jovens “recebam drogas psicoativas e se transformem em pacientes que não podem viver e trabalhar”, Underland disse. Eles também esperam um dia abrir hospitais ‘livres de medicamentos’, modelados após Hurdalsjøen em outras regiões da Noruega e em outros países, como Suíça, Holanda e Alemanha, países vistos como prováveis candidatos a essa expansão.
Mais imediatamente, eles estão planejando demolir o primeiro hospital e substituí-lo por uma instalação que forneça a cada paciente uma sala privada projetada para trazer luz e natureza ao seu ambiente de vida, e com um layout que exija que os pacientes tomem seus próprios passos enquanto eles se movem. O edifício principal e as cabanas serão construídas com madeira de florestas próximas, e o design geral fornecerá espaços para as pessoas se socializarem e ficarem sozinhas com seus pensamentos, com a natureza – o lago, uma clareira, os caminhos na floresta e riacho próximo – em todos os lugares presentes.
“A natureza”, disse o arquiteto Ola Roald, “é um presente para se ter uma vida boa.”
Na prancheta: a sala comum no design para um novo “hospital” de Hurdalsjøen
Feedback do Fellesaksjonen
No final do meu segundo dia em Hurdalsjøen, encontrei-me com quatro dos líderes da Fellesaksjonen. Embora tenham levantado questões sobre alguns aspectos do Hurdalsjøen, eles o veem como o hospital que melhor incorpora o modelo de atendimento que eles tinham em mente quando lançaram sua iniciativa sem medicamentos.
O maior problema, disseram eles, era que era muito difícil para os pacientes obter aprovação para vir para aqui. Várias vezes, Johnsen contratou advogados para ajudar pacientes em hospitais públicos a obter um encaminhamento para Hurdalsjøen, com essas ações legais levando meses antes de serem tomadas uma decisão. Quando eu estava lá, um dos pacientes era um jornalista membro do We Shall Overcome, e ela precisou travar uma luta feroz, com a ajuda de Johnsen, para ir a Hurdalsjøen em vez de ir a um hospital público. “Isso é algo em que estamos trabalhando. Tornar mais fácil chegar aqui é um dos nossos objetivos para o próximo ano ”, disse Johnsen.
Quanto às operações de Hurdalsjøen, os quatro líderes da Fellesaksjonen – Johnsen, Sørensen, Hildegun Flatabø e Irene Svendsen – falaram em querer recuperar o mesmo nível de contribuição que os grupos de usuários tiveram quando Underland se encontrou com eles seis anos antes. Naquela época, o Underland havia oferecido aos grupos de usuários a oportunidade de se tornarem proprietários do hospital, mas, devido às diferenças entre os grupos de usuários, eles não conseguiram aceitar a oferta e seu entusiasmo diminuiu.
Líderes da Fellesaksjone: Hildegun Flatabø, Grete Johnsen, Irene Svendsen e Jan-Magne Sørensen
O aspecto mais desafiador da criação de um ‘hospital’ radicalmente diferente, disseram os quatro, era que, a menos que os funcionários tivessem experiência, a maioria chegava a Hurdalsjøen depois de trabalhar em ambientes convencionais, e era um desafio para eles ‘mudar de ideia’ e trabalhar de uma nova maneira. No entanto, acrescentou Johnsen, muitos dos funcionários que estão participando agora o fazem porque querem trabalhar de maneira não tradicional, e isso estava “tornando possível que fosse o lugar em que deveriam estar”.
Eles fizeram outras pequenas críticas. A comida aqui é boa, mas os pacientes podem comer em seus quartos, com refrigerantes e guloseimas que compraram fora da tarifa regular do hospital, o que está causando um curto-circuito em alguns dos benefícios de uma boa dieta, disseram eles. Vários pensaram que a ênfase na RMI criava um ambiente terapêutico excessivamente regulado. Flatabø disse que o hospital deve oferecer melhor treinamento e educação aos pilotos de recuperação; Irene Svendsen desejou que eles incorporassem práticas do Diálogo Aberto em seu programa, particularmente para fins de terapia familiar. Sørensen afirmou que deveria haver uma maior compreensão por parte da equipe de que passar por um episódio psicótico sem o uso de medicamentos poderia ser uma experiência útil, como esse havia sido o caso para ele.
Mas todos concordaram que os pacientes em Hurdalsjøen estavam, em geral, se saindo bem. “Muitas pessoas tiveram um bom sucesso”, disse Sørensen. “É claro que nem todos estão satisfeitos, mas muitos pacientes têm uma história de sucesso neste local”.
Grete Johnsen
Quando este segundo dia chegou ao fim, todos nos reunimos à beira do lago e olhamos para o alto, onde o novo hospital seria construído. Grete Johnsen e Jan-Magne Sørensen foram convidados a plantar um rebento de maçã, pois foram os grupos de usuários que inspiraram Hurdalsjøen. Me pediram para plantar um terceiro e, quando esse momento passou, as palavras de Underland do início do dia capturaram o espírito do momento.
“Nós fizemos a nossa escolha”, disse ele. “Este será o hospital psiquiátrico mais importante que está fazendo essa revolução acontecer. Vamos mostrar que isso pode ser feito, e então a revolução terá que acontecer. ”
Acaba de ser lançado o Mad na Noruega. A comunidade do Mad vem se ampliando. Seu compromisso: a luta contra o modelo “biomédico da Psiquiatria”, a partir das evidências científicas; a busca por alternativas, a partir do conhecimento dos próprios usuários do sistema psiquiátrico, aprendendo com as suas experiências, tanto de vida, quanto do saber propriamente dito; o fortalecimento de um novo saber teórico-prático, a partir do que vem sendo construído por usuários e ex-usuários da assistência, por profissionais de saúde e cientistas.
A ampliação da comunidade do Mad representa para nós, brasileiros, um reforço para a abertura de perspectivas alternativas – ao paradigma dominante – aos que demandam por assistência para os seus sofrimentos psíquicos que de fato seja eficaz e que respeite a dignidade humana.
O que quer dizer, que a negação científico-prática do modelo “biomédico da Psiquiatria” cria condições para se ir muito além da “luta antimanicomial”. Na medida em que busca ir ao encontro das demandas de milhares de pessoas que hoje são, ou virtualmente serão, tratadas “psiquiatricamente”. Seja nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), na atenção primária, nas escolas, nas empresas, assim como nos consultórios médico-psicológicos da assistência privada, conveniados ou não.
Nos últimos dias 15, 16 e 17 de novembro aconteceram, na cidade de São Paulo, o XI Encontro Nacional do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA) e o XII Encontro Nacional de Usuários e Familiares do MNLA. [1]O evento, realizado no Instituto Federal de São Paulo, contou com grupos de trabalho, mesas, debates, plenárias e eventos culturais. A partir destes, reuniram-se usuários de serviços de saúde mental, familiares, profissionais, pesquisadores, artistas, estudantes, poetas, artesãos, cantores, comerciantes entre diversos sujeitos e seus múltiplos interesses nas lutas por uma sociedade sem manicômios. Militantes dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santos, Pernambuco, Amapá, Amazonas, Santa Catarina, além de uma militante da Argentina, chegaram de van, ônibus, avião, em comitivas ou de maneira autônoma, alojando-se nas salas do Instituto ou em alojamentos solidários, a fim de vivenciaram três dias de debates, trocas e construções políticas intensas.
O Movimento Nacional de Luta Antimanicomial (MNLA) data de 1987, quando em um encontro do Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), em Bauru (SP), acumulou-se sobre a necessidade de articulação política de todo o campo da militância em saúde mental brasileira em um processo aglutinador. A partir deste marco histórico, o movimento social antimanicomial passou a se congregar a partir da bandeira “POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS”, tendo como mote o fechamento dos hospitais psiquiátricos e espaços asilares e o combate às relações manicomiais.
Desde então, o MNLA, e outros movimentos sociais do campo, consideram relações manicomiais aquelas que reduzem o sujeito (e diversos sofrimentos de ordem social, cultural, institucional) à doença mental, processo que envolve seus consequentes processos de estigmatização, tutela, medicalização, entre tantas outras formas de subalternização das pessoas em sofrimento psíquico ou com transtorno mental. Considerando a ideologia psiquiátrica (que, logo, estende-se da Psiquiatria a outros saberes e práticas) como umas das mais importantes sustentações do sistema capitalista, o Manifesto de Bauru, principal documento resultante do encontro de 1987, marcou a ruptura entre uma luta anterior, de modernização – e, como poderíamos nomear atualmente, “humanização”- para o combate aos espaços asilares e às relações de opressão e exploração, localizando o movimento antimanicomial como um movimento social articulado com outras lutas [2]:
“O Estado que gerencia tais serviços é o mesmo que impõe e sustenta os mecanismos de exploração e de produção social da loucura e da violência. O compromisso estabelecido pela luta antimanicomial impõe uma aliança com o movimento popular e a classe trabalhadora organizada. O manicômio é expressão de uma estrutura, presente nos diversos mecanismos de opressão desse tipo de sociedade. A opressão nas fábricas, nas instituições de adolescentes, nos cárceres, a discriminação contra negros, homossexuais, índios, mulheres. Lutar pelos direitos de cidadania dos doentes mentais significa incorporar-se à luta de todos os trabalhadores por seus direitos mínimos à saúde, justiça e melhores condições de vida (Movimento Nacional de Luta Antimanicomial, 1987)”.
Desde sua fundação, o MNLA realizou encontros nacionais com periodicidade que variou nos últimos anos [3]. O último encontro do movimento, ocorrido em 2014, na cidade de Niterói (RJ), foi marcado pela autonomia financeira e política em relação aos órgãos públicos e governamentais e o posicionamento contra a guerra às drogas, às Comunidades Terapêuticas, à privatização e terceirização dos serviços de saúde mental, assim como a urgência na proximidade com outros movimentos sociais.
O evento de 2019, na cidade de São Paulo, manteve esses acúmulos, garantindo a autonomia do movimento social antimanicomial e as pautas afirmadas nos últimos anos. Composta em reunião do MNLA durante o 6º Congresso Brasileiro de Saúde Mental, organizado pela Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), em Brasília, no ano de 2018, a Comissão de Organização foi formada por militantes de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. O grupo foi responsável pela programação, inscrições, hospedagens, divulgação, gestão do espaço e dos recursos.
Com o tema “Resistência e diversidade: por uma construção coletiva dos enfrentamentos”, o evento incluiu temáticas como gênero, raça, etnia e lutas LGBT ao lado de problemáticas já tradicionais ao movimento antimanicomial, resgatando muitas das suas bandeiras afirmadas no Manifesto de 1987. Estas pautas estiveram presentes desde as palavras de ordem quanto em mesas e Grupos de Trabalho, tendo forte presença e afirmação, também, na Carta de São Paulo, documento produzido pelo MNLA na plenária final dos encontros.
Além da programação, quem esteve no evento pode conhecer as diversas iniciativas de geração de trabalho e renda vinculadas à saúde mental que expuseram seus trabalhos pelos corredores do IFSP. Foi o caso da Livraria Louca Sabedoria, que compõe a Rede de Saúde mental e Economia Solidária e que constrói o Ponto de Economia Solidária e Cultura do Butantã, em São Paulo, um espaço que reúne desde venda de orgânicos a obras artísticas. Outro coletivo presente foi o Projeto TEAR, de Guarulhos, que se fez presente com seus lindos vitrais, cartões, mosaicos e peças de marcenaria. Entre bijuterias e artesanatos, não faltaram os bolos, cupcakes e nhá bentas de Claudia Valéria, responsável pela marca “Bolos da Dulce”, que já há anos adoçam as reuniões e encontros do MNLA.
Ainda pelos corredores, a exposição das obras do artista Rafael Antônio, o Neno, surpreendia com as cores e traços fortes que representavam rostos e sentimentos. No mesmo local, espaços para elaboração de cartazes coloriam a entrada do grande auditório com palavras de ordem e convocação como “Autonomia para os movimentos sociais”; “Contra a privatização”; “Mais SUS menos OS”. Também importante foi a Tenda Paulo Freire, resgatando a cultura popular, as cantigas de roda, assim como as terapias integrativas e complementares, entre elas, a aplicação dereiki. Durante as noites, momentos culturais com a apresentação de artistas como Maicon Pop e sua tradicional apresentação coverde Michael Jackson, entre outras cantoras e cantores, artistas e poetisas e poetas.
O auditório, tatuado por faixas de diversos coletivos do país -que traziam suas histórias e lembranças de atos de Dias Nacionais de Luta Antimanicomial e de outros encontros nacionais- acolheu mesas, plenárias e debates. Neste, foi aberto o primeiro dia, voltado exclusivamente para o XII Encontro Nacional de Usuários e Familiares do MNLA. Para tal, a mesa de abertura foi composta por professores do IFSP e de coletivos, representantes de entidades como CRP SP e CRESS SP, além de estudantes e militantes de núcleos estaduais do MNLA. Os integrantes definiram o momento político atual como de importante ataque aos movimentos sociais e às políticas públicas em geral, com fortes repercussões para o acesso aos serviços de saúde, educação, assistência, entre outros, e seus impactos na vida dos sujeitos. O sofrimento psíquico, em seus diferentes formatos, foi reforçado como uma das consequências das precarizações das condições de trabalho e das perdas de direitos. Em diversas saudações, o aumento do uso de medicamentos psiquiátricos, no país, foi associado ao crescente sofrimento da população frente às condições concretas de vida conjugadas com o enfraquecimento dos serviços de saúde mental assim como a hegemonia de uma lógica individualista e patologizante que se centra no remédio como única resposta para problemas sociais, econômicos e políticos.
A sexta-feira seguiu com a aprovação do Regime Interno do encontro e os Grupos de Trabalho referentes ao XII Encontro Nacional de Usuários e Familiares do MNLA. Os GTS se organizaram em torno dos temas: “A Terceirização e o desmonte do SUS: impactos para os usuários”; “Desafios na mobilização de usuários e familiares na luta antimanicomial: o protagonismo como a arte da resistência”; “Lei Brasileira de Inclusão: capacidade jurídica, tomada de decisão apoiada e garantias dos direitos sociais”; “Trabalho e Geração de Renda: os desafios no mundo do trabalho”; “Ocupação dos Espaços da Cidade: a apropriação dos territórios como processo de autonomia”; “As mudanças na Política de Saúde Mental e o desmonte da rede de Atenção Psicossocial: a política de álcool e drogas em risco”; “Desmedicalização e outras alternativas de cuidado”.
O sábado teve início com uma roda de conversa sobre experiências de organizações de usuários de serviços de saúde mental, na qual Patricia Tomimura, do Coletivo Niterói sem Manicômios (RJ), contou sobre a experiência inglesa, que pode vivenciar no último ano. Suas propostas dispararam outras narrativas sobre grupos de geração de trabalho e renda, recovery, ajuda mútua, gestão autônoma de medicamentos, entre outras experiências brasileiras que visam o protagonismo dos sujeitos envolvidos.
A parte da tarde foi aberta pela mesa redonda “A Luta Antimanicomial, a Luta LGBTQ+ e a Luta Feminista: tecendo resistências”, com a participação de Rachel Gouveia, Melissa de Oliveira e Marco José Duarte. Apresentando dados, resgatando históricas e provocando questões, os debates se voltaram para as relações de gênero, raça, classe, orientação sexual e identidade de gênero para a organização das instituições manicomiais, como hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas e manicômios judiciários. As discussões provocadas e as falas dos militantes presentes, puderam recuperar o entendimento do manicômio para além de um espaço físico restrito, ampliando a urgência dos esforços contra a violência de Estado, o genocídio da população negra, feminina etranse as perdas de direitos que se apresentam no período político atual.
Ainda nessa linha de resistência, seguiram-se os Grupos de Trabalho: “Retrocessos na ‘nova’ política Nacional de álcool e outras drogas X Política de Redução de Danos como prática de cuidado”; “A Luta Antimanicomial e o Movimento Feminista: Por uma sociedade livre dos manicômios, do patriarcado e de todas as formas de exploração e opressão”; “A luta antimanicomial e o movimento negro: fortalecimento da luta antirracista”; “A luta antimanicomial e o movimento LGBTQ+: desejo plural, liberdade e saúde mental”; “A luta antimanicomial e o movimento da população em situação de rua: pelo direito à vida”; (Re) afirmação da Reforma Psiquiátrica Brasileira antimanicomial: por uma sociedade sem manicômios”; “Infância e Adolescência: uma luta criativa”. Após os GTs foi realizada uma plenária para leitura, aprovação e síntese das propostas pelos membros do evento.
O domingo, último dia do evento, foi aberto pela mesa “A luta antimanicomial e a luta antirracista – tecendo resistências”, com Emiliano de Camargo, psicólogo e membro da AMMA Psique e Negritude. Esta mesa foi mais um dos momentos históricos do evento que assinalaram a preocupação e organização do MNLA com pautas urgentes e de maneira articulada com outros movimentos sociais. A tarde, a plenária final, voltou-se para temas de organização do próprio movimento, onde, entre outras temáticas deliberativas, definiu-se o estado do Rio de Janeiro como local de realização do próximo encontro nacional do MNLA, em 2022.
Se é certo que a Reforma Psiquiátrica, no que tange ao seu caráter institucional, sofreu retrocessos nas últimas décadas – com destaque para os processos de gestão privada dos serviços públicos, terceirizações e a inclusão das Comunidades Terapêuticas na RAPS, em 2011- faz-se fundamental marcar os duros ataques que vem sofrendo desde 2015. Após a sequência de nomeações de coordenadores contrários aos princípios antimanicomais na área de Saúde Mental, álcool e outras drogas do Ministério da Saúde, marcou história as alterações da Política Nacional de Saúde Mental aprovadas com base na desconsideração das Conferências Nacionais de Saúde Mental e das plenárias das Comissão Intergestores Tripartide (CIT) e Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde, de maneira autoritária e descumprindo os previstos espaços de fala e voto dos representantes de movimentos sociais e entidades que compõem estes grupos.
Entre as medidas, os documentos e decisões atuais versam sobre o refinanciamento e a valorização de Hospitais Psiquiátricos e ampliação das Comunidades Terapêuticas, além de diminuição dos valores recebidos pelos serviços territoriais como CAPS, Unidades de Saúde da Família, grupos de geração de trabalho e renda, entre outros. Uma vez que a luta antimanicomial não se restringe a uma luta setorial, aqui, não podemos deixar de destacar os constantes ataques ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), às aposentadorias e aos direitos trabalhistas, todos com importantes ataques à população em geral e suas consequências sobre a vida da classe trabalhadora, com marcas ainda mais duras sobre as pessoas marcadas pelas relações de gênero, raça e sexualidade.
Neste contexto, consideramos que o evento que comportou os encontros do MNLA, em 2019, representaram um momento histórico de retomada da perspectiva de superação da sociedade capitalista pelo movimento antimanicomial. Em momentos diveros, as e os militantes pontuaram sobre a importância de se considerar que as pessoas mais atingidas pelos espaços asilares e pelas relações manicomiais são as mesmas atingidas pelo encarceramento, pela dificuldade de acesso às políticas públicas e empregos de qualidade.
Se o “chão de manicômio” tem cor, tem classe e é marcado pelos diferentes impactos nas pessoas atingidas a partir de seu gênero e sexualidade, o movimento afirmou, na prática, que as lutas também devem se organizar considerando as diferentes opressões e explorações que marcam as pessoas manicomializadas através de hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas, medicalizações e tutelas em seus diferentes formatos. Se os tempos são duros e os retrocessos se intensificam, uma das mais importantes forças antimanicomiais brasileiras – o MNLA- brada: NENHUM PASSO ATRÁS, MANICÔMIO NUNCA MAIS.
Notas de pé de página:
[1]Agradecemos a leitura atenta deste texto por Rachel Gouveia Passos e Elaine Vasconcelos, militantes do MNLA.
[2]Outro grande resultado do Encontro de Bauru foi a oficialização do Dia Nacional de Luta Antimanicomial, comemorado todo 18 de maio em todo o país, a partir de atos públicos em seus diferentes formatos.
[3]Desde o início da década de 2000 outro movimento social passou a congregar as lutas antimanicomiais: a Rede Internúcleos de Luta Antimanicomial. Com participantes que antes construíam o MNLA e outros militantes que se somaram nos anos que se seguiram, este movimento também se organiza a partir de núcleos estaduais e realiza encontros nacionais periódicos.
Em um artigo publicado recentemente em Ethos, Helena Hansen, professora de antropologia e psiquiatria da Universidade de Nova York, investiga as relações entre raça, subjetividade moral e diagnóstico psiquiátrico. Hansen revela que fatores como antecedentes raciais e status socioeconômico influenciam como as equipes de tratamento posicionam os sujeitos em termos da moralidade e agência deles. Esse posicionamento, por sua vez, determina se os usuários do serviço recebem um diagnóstico de esquizofrenia ou psicose induzida por substâncias.
Para realizar este estudo, Hansen se baseou no treinamento psiquiátrico e nas entrevistas de um estudo financiado pelo NIH sobre tratamentos de manutenção com opioides. Sua análise conclui que se um usuário de serviço é diagnosticado com dependência ou transtorno de humor versus esquizofrenia depende, em parte, de como “os pacientes são tidos como moralmente reparáveis ou moralmente recuperados com base em uma interseção de raça e classe”.
A prevalência sistêmica do viés racial e de classe pode ser observada nas políticas dos Estados Unidos, como a guerra às drogas e às reformas do sistema de bem-estar social, resultando na maior população encarcerada do mundo. Além disso, escreve Hansen, a maioria dos presos é acusada de drogas e muitos têm um diagnóstico psiquiátrico de comorbidade. Essa mistura de atendimento psiquiátrico e sistema penitenciário é evidente no fato de que presídios e cadeias policiais são hoje os maiores prestadores de serviços de saúde mental do país.
Em resposta à discriminação racial na psiquiatria, Hansen avançou no campo para implementar o treinamento de competências estruturais. Nesta análise, Hansen faz uso de estudos de caso que demonstram como a trajetória diagnóstica de dois pacientes, Jonathan (branco, classe média alta, com perspectivas de ser estudante de direito) e Ibrahim (afro-americano, pobre) diferiram drasticamente, apesar de apresentações paranoicas semelhantes e uso de maconha.
Os profissionais de saúde mental, tentando negociar um sistema que já é tendencioso, perceberam que, embora um diagnóstico de esquizofrenia para Jonathan impedisse seus objetivos futuros, o mesmo para Ibrahim lhe permitiria acesso à seguridade social. Hansen escreve:
“Esses tipos de momentos revelam as maneiras pelas quais as equipes clínicas transformam os pacientes em sujeitos morais que serão considerados merecedores pelo Estado dessa ou daquela abordagem, colocando políticas racialmente codificadas na prática clínica …”
Ela argumenta que essas motivações morais implícitas, já definidas por vieses generalizados e sistêmicos, por sua vez, acabam fortalecendo-as ainda mais. Hansen enfatiza a importância da agência moral na recuperação da esquizofrenia e sugere que diferenças no diagnóstico (que apontam para subjetividades morais subjacentes) podem reduzir essa agência em detrimento do paciente. Outros pesquisadores também apontaram a importância da agência pessoal e política e da autodeterminação, não apenas no tratamento de transtornos mentais, mas também para melhorar o bem-estar psicológico daqueles em zonas de conflito.
A importância do senso de agência de um paciente psiquiátrico foi estudada por pesquisadores que mostraram que a hospitalização involuntária, que mina esse senso de autodeterminação, pode ser contraproducente para a recuperação. Outros apontaram maneiras mais sutis de remover o senso de agência de um paciente. Por exemplo, medicalizar o conceito de insight (chamando-o de anosognosia) pode levar à perda de direitos legais para os pacientes. Em outro exemplo, o modelo de intervenção precoce para psicose pode ser prejudicado quando o tratamento forçado é usado ao primeiro sinal de psicose, ameaçando o senso de agência do paciente.
Hansen continua mostrando que, embora um diagnóstico de dependência garanta que os pacientes mantenham a sua agência moral, um diagnóstico de psicose tira a autodeterminação. Ela observa aqui que, ao contrário do que os psiquiatras esperavam, as narrativas biomédicas não tiveram o efeito de reduzir o estigma. Em vez disso, os estudos mostram aumento do estigma, rejeição e maus-tratos nas comunidades onde o modelo médico foi introduzido, em oposição a quando as pessoas são consideradas responsáveis por seu comportamento ou quando usam outras estruturas locais para entender o sofrimento psicológico.
Mesmo dentro de um diagnóstico de dependência, há discriminação racial em que pacientes brancos são mais propensos a procurar tratamento clínico, enquanto pacientes de raça negra e latinos têm maior chance de serem encarcerados.
“Essa divisão deixou o vício e o distúrbio psicótico segregados espacial, biomédica e racialmente um do outro na psiquiatria”, ela escreve.
Além disso, a dinâmica da raça e da classe cria uma hierarquia que define quais usuários de drogas precisam de ajuda e quais são percebidos como “moralmente irrecuperáveis”. A diferença entre aqueles que usam cocaína em pó em oposição aos que fumam crack é dividida em linhas raciais e socioeconômicas. Dessa forma, sua subjetividade moral no cenário psiquiátrico define o tipo de cuidado que eles receberão.
Hansen mostra que essas distinções não se restringem apenas ao diagnóstico de psicose e dependência, mas também se aplicam a transtornos de humor. Apesar do consenso da indústria de que a maioria dos pacientes com sintomas de transtorno psicótico e de humor usa substâncias psicoativas e os tratados por uso de substâncias também apresentam sintomas psicóticos e de transtorno de humor, os dois grupos de pacientes são cuidadosamente diferenciados. Ela sugere que existem fatores raciais e de classe subjacentes que mantêm esses distúrbios segregados. Enquanto pacientes brancos em ambientes privados tendem a receber um diagnóstico de transtorno de humor, pacientes negros são mais propensos a serem diagnosticados com esquizofrenia. Ela escreve:
“Depressão e transtorno bipolar são mais compatíveis com a reprodução social da classe média branca do que transtorno psicótico. Inúmeros empresários bem-sucedidos, personalidades da mídia e acadêmicos ‘saem’ como bipolares ou deprimidos. ”
Esse viés se reflete na venda e comercialização de medicamentos antipsicóticos, onde os medicamentos mais novos também são anunciados como úteis para depressão e ansiedade. Assim, os usuários de classe média desses antipsicóticos tendem a ser protegidos do estigma causado por sintomas psicóticos. Eles são frequentemente retratados como usando remédios como estabilizadores de humor.
Mais recentemente, a psiquiatria vem pedindo um foco crescente nos determinantes sociais da saúde mental, mas Hansen aponta para a hipocrisia inerente a essas alegações. Ela sugere que, segregando subjetividades morais segundo as linhas raciais e de classe, a própria psiquiatria é um dos determinantes sociais da saúde mental das pessoas, porque cria certos tipos de identidades e limita outras. Aqueles que são considerados como fracassos morais por causa de seu diagnóstico perdem seus direitos e agência. A psiquiatria promove os maus-tratos de alguns enquanto protege outros.
Hansen examina as razões por trás da integração da saúde comportamental aos cuidados primários e sugere que isso tenha consequências positivas e protetoras para a população branca da classe alta. Essa integração preserva sua agência moral, administrando um diagnóstico menos estigmatizante em um ambiente menos estigmatizante (atenção primária versus hospital psiquiátrico). Isso também apresenta a psiquiatria como uma parte inalienável da medicina convencional.
Para aprofundar esse argumento, Hansen usa o exemplo de como o vício em Oxycontin entre a população branca da classe média foi retratado e tratado por formuladores de políticas e empresas farmacêuticas. Em vez de criminalizar o usuário de drogas, a buprenorfina foi introduzida (Suboxone) como a droga que ajudaria os dependentes de opioides. Embora parecido com a metadona em sua operação, era comercializado de maneira a garantir que a classe e a mancha racial da metadona nunca tocassem a população que usava buprenorfina. A lei federal foi alterada para garantir que os médicos em geral prescrevessem esse medicamento às pessoas em sua prática médica, eliminando, assim, a exigência de visitar instalações psiquiátricas potencialmente estigmatizantes e embaraçosas. Hansen escreve:
“O Instituto Nacional de Abuso de Drogas e o Congresso procuravam tratamento menos estigmatizado e regulamentado do que a metadona, para pessoas em grande parte ricas e brancas viciadas em Oxycontin. Nos debates do Congresso que levaram à legalização da buprenorfina em escritórios, há uma ênfase clara em ‘um novo tipo de usuário de drogas’, que é jovem, suburbano, não ‘barra-pesada’ e, implicitamente, branco “.
O nicho de mercado para essas referências on-line de consumo de drogas e campanhas publicitárias em todo o país tem sido um sucesso fenomenal. Um estudo nacional constatou que 92% dos usuários de buprenorfina eram brancos, 56% estavam empregados e 56% tinham ensino superior. Assim, a consequência real da integração de serviços de saúde comportamental e física foi um aumento exponencial da venda de medicamentos para pessoas diagnosticadas com problemas de saúde mental e dependência.
No final, Hansen expõe as diferentes maneiras pelas quais a psiquiatria contribuiu para aumentar o viés racial e de classe e observou como o racismo institucionalizado limita como os profissionais de saúde mental tentam ajudar os pacientes. Ao mesmo tempo, ela acrescenta que existem práticas que melhoram a agência moral dos pacientes e facilitam a cura. Por exemplo, trabalhar em hortas comunitárias e participar de grupos liderados por pares permite que os pacientes pratiquem a autodeterminação.
Apesar das maneiras significativas pelas quais essas formas de cura agregam valor social à vida do paciente, Hansen observa que essas formas de terapia são as mais prescindíveis em hospitais onde são removidas regularmente para acomodar cortes no orçamento. Seus apelos por cautela e crítica ao viés racial sistêmico chegam em um momento oportuno, em que há crescentes apelos à exportação internacional da prática psiquiátrica ocidental.
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Hansen, H. (2019). Substance-induced psychosis: Clinical-racial subjectivities and capital in diagnostic apartheid. Ethos. Published Online First: 28 March 2019. (Link)
Um estudo recente, publicado na Qualitative Health Research, examina o impacto dos antidepressivos na individualidade durante um período significativo para o desenvolvimento da identidade em mulheres, que é a juventude. Os autores, com base na Nova Zelândia e no Reino Unido, identificaram temas auto-relacionados extraídos dos participantes que compartilharam narrativas, incluindo um “eu diagnosticado”, um “eu doente”, um “eu normal”, um “eu normal”, um “eu estigmatizado” e um ” eu incerto ”e um “eu impotente ”.
“A juventude é um período de vida em que as questões de identidade são fundamentais e as pessoas começam a explorar as possibilidades narrativas que contribuirão para sua futura identidade pessoal. Embora os antidepressivos ofereçam legitimidade às mulheres jovens para a sua angústia e pela possibilidade de funcionamento ‘normal’, eles também representam um desafio significativo para a identidade de uma pessoa no momento em que está apenas começando a tomar forma”, os autores, Wills, Gibson, Cartwright e Read, escrevem.
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Embora tenha havido um aumento significativo no uso de antidepressivos nos países desenvolvidos nas últimas décadas, sua utilidade no tratamento da depressão ainda é muito debatida na literatura pela falta de evidências científicas sólidas. Mesmo que o uso de antidepressivos na Nova Zelândia tenha aumentado 21% entre 2008 e 2015 e as mulheres constituíram a maioria dos que recebem a prescrição deste medicamento, pouca atenção vem sendo dada à influência dos antidepressivos no senso de autoestima das mulheres jovens.
“Além do impacto direto desses medicamentos sobre os sintomas depressivos, os antidepressivos também têm profundas consequências para o senso de si próprio, pois são projetados especificamente para alterar a experiência emocional das pessoas em relação a si mesmas e ao mundo”, escrevem os autores.
Os autores descrevem a ideia de individualidade como “a maneira pela qual os indivíduos entendem suas próprias identidades por meio de narrativas”, incluindo histórias que contam sobre si mesmas à medida que são moldadas e constrangidas por sua cultura. Will e colegas continuam identificando os riscos dos antidepressivos em relação à auto-identidade, particularmente em mulheres jovens que são inundadas com expectativas culturais de como elas ‘deveriam’ ser.
Este artigo tem como objetivo expandir a pesquisa sobre antidepressivos e identidade pessoal, incluindo narrativas de mulheres jovens que tomaram antidepressivos durante uma idade crucial do desenvolvimento da identidade pessoal. Os autores abordam a questão: “Como os antidepressivos moldam a autoestima em mulheres jovens?”
Dezesseis participantes foram identificadas entre 18 e 25 anos, as quais estavam tomando antidepressivos, por pelo menos seis meses e até oito anos. As entrevistas foram fundamentadas em uma abordagem narrativa, na qual a identidade surge como um produto da narrativa. Eles pediram aos participantes que compartilhassem suas histórias de uso de antidepressivos com suas próprias palavras.
Utilizando análise temática e concentrando-se nas representações de identidade de pessoa em relação aos antidepressivos, Wills e colegas identificaram seis temas comuns.
Um eu diagnosticado: as participantes descreveram a compreensão de sua angústia como um “problema com um rótulo” capaz de reificar seu sofrimento, enquanto antes isso parecia fora de propósito. Ter um diagnóstico levou algumas a se identificarem com características negativas, usando frases como “tenho uma falha”, “sou derrotada” e “estou danificada”.
Um eu doente: as participantes se descreveram durante períodos de sofrimento como doentes e indispostas, provocando sentimentos de legitimidade onde antes sentiam que não eram levadas a sério. Esse tema também se refletiu quando os participantes descreveram sentir-se impotentes e dependentes de medicamentos.
Um eu normal: as participantes expressaram poder sentir-se “normais” com os medicamentos, tanto consigo mesmas quanto socialmente com os outros. Outras articularam o efeito da normalidade desconectando-os de seus eus autênticos, devido a sentirem-se entorpecidas, chapadas ou estranhas. Algumas encontraram um eu mais funcionalmente normal, sacrificando, portanto, um eu mais idiossincrático.
Um eu estigmatizado: as participantes disseram que temem ser julgadas pelos outros por tomar antidepressivos. Elas disseram temer que alguns de seus relacionamentos mais próximos possam ser afetados se outros não levarem a sério o seu sofrimento e o quanto estão ganhando fazendo uso de antidepressivos. Algumas disseram haver optado por ocultar o uso de antidepressivos ou apenas por procurar pessoas que as entendam.
Um eu incerto: A incerteza foi encontrada entre os participantes quando compartilharam o sentimento de insegurança se novas experiências seriam devidas a medicamentos ou a outras partes de si mesmas. Isso foi particularmente ambíguo para aquelas que não tinham um senso claro de si antes de começar a tomar antidepressivos.
Um eu impotente: o envolvimento das participantes com os médicos que prescrevem os antidepressivos as deixou sentindo-se ‘impotentes’ e como se seus problemas fossem ‘sem importância’. Algumas conseguiram encontrar uma voz no relacionamento, enquanto a maioria se sentiu sujeita ao poder do médico.
Este estudo enfoca as experiências da maioria das mulheres da Nova Zelândia e da Europa que vivem em um contexto cultural ocidental; um grupo com antidepressivos prescritos em uma taxa particularmente alta. Os resultados são limitados em generalização entre culturas e dados demográficos, garantindo a relevância de mais pesquisas sobre o impacto do antidepressivo na vida de mulheres jovens.
Os autores observam que, embora a análise sugira que os antidepressivos apresentem desafios ao desenvolvimento da auto-identidade, as mulheres jovens podem encontrar maneiras de lidar com esses desafios com êxito, construindo um eu preferido simultaneamente ao uso de antidepressivos. Não se sabe que desafios poderiam ter surgido se elas não tivessem tomado o medicamento. No entanto, a relação entre antidepressivos e individualidade em mulheres deve ser considerada por famílias e médicos. Os pesquisadores concluem com a apresentação de algumas implicações para os profissionais que trabalham com mulheres jovens e antidepressivos, escrevendo:
“Os médicos devem ser cautelosos com o potencial dos antidepressivos para interromper os processos que contribuem para um senso de identidade relativamente coerente e positivo e estar cientes de seu próprio papel no apoio às mulheres jovens “.
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Wills, C, Gibson, K., Cartwright, C. & Read J. (2019) Young women’s selfhood on antidepressants: “Not fully myself.” Qualitative Health Research, 00(0), 1-11. https://doi.org/10.1177/1049732319877175 (Link)
O Manifesto de Berlim por uma Psiquiatria Humana baseia-se na expertise combinada de indivíduos com experiência vivida de sofrimento mental e / ou a experiência com a Psiquiatria, seus familiares e profissionais de saúde mental e de saúde comunitária. Nas reuniões que iniciei em Berlim entre agosto e setembro de 2019, uma ampla aliança de organizações e indivíduos (o Grupo de Ação Trialógica que assinou o Manifesto de Berlim por uma Psiquiatria Humana) elaborou um catálogo de demandas com o objetivo de alterar o mais rápido possível as condições insustentáveis de todo o sistema de assistência em saúde mental e atenção psicossocial existentes na Alemanha.
O Grupo de Ação Trialógica apresentou o Manifesto de Berlim em 10 de outubro na Potsdamer Platz, em Berlim. O Manifesto apresenta cinco ideias gerais que devem formar a base de todo suporte psicossocial e das estruturas de assistência à saúde mental, tornando-as mais aceitáveis e acessíveis. O objetivo é permitir que as pessoas com sofrimento mental se recuperem segundo seu modo de ser e que sejam desenvolvidos um ambiente conforme a isso. Também deve apoiar a família e os amigos a permanecerem ou a se tornarem mais úteis nessa jornada de recuperação. Mudar o sistema de saúde mental e de apoio psicossocial na Alemanha exige um debate público sobre como nossa sociedade deve ajudar e apoiar as pessoas em crise mental e as que vivem com problemas crônicos de saúde mental. Acreditamos que a força motriz por trás de toda ajuda e apoio deve ser o humanitarismo e o respeito pelos direitos humanos inalienáveis. É esse debate público que o Manifesto de Berlim procura inflamar.
Manifesto de Berlim por uma Psiquiatria Humana
Ao examinar a situação da psiquiatria na Alemanha hoje, o quadro é alarmante: mais e mais drogas psicotrópicas, mais uso de eletrochoque, muitas medidas coercitivas evitáveis, expansão de hospitais e de leitos residenciais e forenses e, muitas vezes, serviços ambulatoriais inacessíveis e inadequados. Além disso, há uma superabundância de requisitos burocráticos e econômicos em todas as áreas de atendimento psiquiátrico. Essas são algumas das deficiências que impedem que as pessoas em crise psicológica sejam respeitadas – sempre – em sua dignidade humana.
As consequências são graves e prejudiciais. As taxas de recuperação de longo prazo de pessoas com deficiências psicossociais não melhoraram nos últimos 20 anos. As taxas de mortalidade de pessoas que recebem diagnósticos psiquiátricos e que recebem tratamentos convencionais permanecem muito altas. Os medicamentos psicotrópicos são prescritos com muita frequência, por muito tempo e em doses muito altas. Isso afeta negativamente todos os envolvidos: pessoas com problemas de saúde mental, familiares e pessoas que trabalham em serviços psiquiátricos. Do ponto de vista dos direitos humanos, a reforma dos serviços de saúde mental e de apoio está progredindo muito lentamente! Isso contradiz a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (UN-CRPD), que fornece uma estrutura legal para todas as formas de apoio a indivíduos em sofrimento mental. A convenção foi ratificada pela Alemanha em 2009.
Um número crescente de pessoas não deseja mais aceitar essa situação intolerável. Este manifesto foi elaborado por indivíduos com experiência vivida de sofrimento mental, por familiares e por profissionais psiquiátricos, bem como cuidadores formais de Berlim. Estabelecemos as seguintes demandas como princípios orientadores para uma reforma de todo o sistema de saúde mental e apoio psicossocial na Alemanha. Dar vida a essas ideias não é apenas responsabilidade dos profissionais de saúde mental, familiares e usuários / consumidores / sobreviventes de serviços psiquiátricos; é um empreendimento de todos e uma tarefa para toda a sociedade.
Princípios orientadores para uma psiquiatria humana
As pessoas em busca da felicidade e do bem-estar são o parâmetro para as nossas ações. Os princípios de direitos humanos estabelecidos em convenções internacionais como a UN-CRPD devem alimentar todas as estruturas de assistência em saúde mental. É necessário um amplo debate público, incluindo todas as partes interessadas no sistema de saúde mental e apoio psicossocial. O debate deve evitar e neutralizar a estigmatização de pessoas com deficiências psicológicas.
Nossas demandas são as seguintes:
Autonomia e autodeterminação
Uma psiquiatria humana, de acordo com a UN-CRPD, garante o direito dos usuários / consumidores / sobreviventes de decidir por si mesmos que tipo de serviços de apoio psiquiátrico e psicossocial eles desejam usar e como fazê-lo. Em situações de crise, se e quando for mais difícil determinar as próprias preferências da pessoa, deve ser oferecido um apoio individual intensivo. A tomada de decisão apoiada também ajuda a evitar medidas coercitivas. Qualquer suporte fornecido para melhor coordenar o uso dos serviços deve permanecer como ‘ajuda para autoajuda’.
Segurança econômica
O cuidado não deve abordar o indivíduo sozinho, mas também deve levar em consideração a situação social e econômica dos usuários e seu respectivo ambiente. Segurança de renda e moradia adequada são pré-requisitos para qualquer sucesso terapêutico. É uma experiência comum que indivíduos que têm capacidade de trabalho limitada, ou que recebem pensões com capacidade de ganho reduzido devido a seu estado de debilitação, frequentemente caiam em situações econômicas precárias. Por outro lado, medidas para garantir a segurança econômica devem sempre ser ajustadas às necessidades da pessoa.
Levando em conta as redes sociais individuais
Crises mentais ou emocionais, bem como prejuízos a longo prazo sempre surgem e existem dentro de um grupo social e têm um impacto sobre ele. Portanto, a inclusão da rede social da pessoa é necessária e deve ser garantida durante todo o processo de atendimento e suporte. Isso requer a melhoria e extensão, bem como uma variedade maior, de serviços de apoio a crises (por exemplo, salas de crise, pensões de crise) que são hospitais psiquiátricos de baixo limiar, acessíveis e externos. O atendimento ambulatorial e comunitário deve ter precedência sobre o tratamento hospitalar. Isso requer, entre outras coisas, uma redução de leitos em serviços psiquiátricos agudos, especialmente em enfermarias de saúde mental grandes, superlotadas e confusas. Essas etapas são necessárias para abrir todas as estruturas de assistência à saúde mental e de apoio a toda a sociedade.
Transparência dos sistemas de apoio à saúde mental
Usuários / consumidores / sobreviventes precisam de informações abrangentes sobre seus direitos e sobre os serviços de suporte disponíveis. Isso se aplica especialmente quando uma variedade de serviços de assistência à saúde mental está disponível localmente. A capacidade de escolher como e quando o atendimento e o apoio são prestados está em conformidade com o direito humano das pessoas de que sua vontade e preferências sejam respeitadas e, ao mesmo tempo, que levem em consideração a realidade de suas vidas. A transparência e a diversidade de serviços devem ser garantidas para todas as fases do processo de recuperação. Os sistemas de apoio psiquiátrico e psicossocial devem ser financeiramente transparentes e sua organização deve ser clara. O cumprimento dos princípios de direitos humanos em todo o sistema de assistência e saúde mental deve ser monitorado regularmente. As violações devem ser sancionadas de maneira eficaz.
Participação
Precisamos de mais participação em todos os níveis. Isso requer uma mudança de paradigma de um modelo de tratamento médico para um modelo de suporte. Profissionais de saúde mental não podem produzir recuperação; eles podem apenas acompanhar e facilitar. De acordo com o princípio de ajudar os indivíduos a ajudarem a si mesmos, a autonomia dos usuários / consumidores deve ser fortalecida. Os profissionais devem ser especialistas em aumentar a conscientização e criar capacidade de assumir auto-responsabilidade. Participação, no entanto, é mais do que isso! Por fim, os sistemas de apoio psiquiátrico e psicossocial não podem ser planejados sem os experts com experiência vivida, conforme o afirmado no slogan “Nada sobre nós sem nós”.
Muitas dessas demandas são discutidas entre especialistas há anos. Eles fazem parte de modelos bem-sucedidos e estão incluídos nas recomendações do conselho de especialistas do Ministério Federal da Saúde (na Alemanha). É surpreendente que eles ainda não constituam a base de nossos sistemas de assistência e saúde mental.
Para conseguir isso, precisamos de comprometimento em todos os níveis da sociedade. Questões fundamentais sobre serviços públicos e políticas sociais e de saúde estão em jogo. O “Psychiatrie-Enquête“, o Relatório da Comissão Alemã de Peritos sobre o estada da arte da Psiquiatria, iniciou melhorias significativas nos cuidados psiquiátricos desde 1975. No entanto, no contexto de uma burocratização e comercialização nos serviços de saúde mental, essas abordagens de reforma foram desgastadas e perdidas em muitos aspectos.
Membros do Grupo de Ação que juntos criaram o Manifesto de Berlim em agosto e setembro de 2019 e / ou o traduziram para o inglês em outubro de 2019 (em ordem alfabética): Stephan B. Antczack, Gamma Bak, Burkhard Bröge, Uwe Brohl-Zubert, Julia Eder, Dietlinde Gogl, Sabine Haller, Jacob Helbeck, Ingrid E. Johnson, Ute Krämer, Thomas Künneke, Anja Lehmann, Peter Lehmann, Tina Lindemann, Ule Mädgefrau, Yvonne Mahling, Peter Mast, Katrin Nordhausen, Jann E. Schlimme, Uwe Wegener, Stefan Weinmann, Gudrun Weißenborn, Claudia Wiedow, Jenny Ziegenhagen.
Atuando há quase 30 anos como psiquiatra e seguindo recomendações acadêmicas de que pacientes esquizofrênicos deveriam fazer uso de antipsicóticos para o resto de suas vidas, me deparo com o importante artigo de Joanna Moncrieff e cols.
O uso prolongado de antipsicóticos baseia-se na premissa de que sua interrupção poderia levar a recaídas, situação a ser evitada apesar das consequências já bem conhecidas de seu uso prolongado: diabetes, discinesia tardia, doença cardiovascular, disfunção sexual, alterações cognitivas, etc.. Porém, não existem, até o momento, trabalhos que comparem os benefícios e prejuízos de uma redução e retirada gradual de antipsicóticos. Neste sentido, o presente artigo trata de um estudo com término previsto para 2022, cuja intenção é verificar se tal estratégia de redução traria uma evolução funcional favorável com mínimos riscos de piora dos sintomas ou recaídas.
O estudo terá a duração de 2 anos, com avaliações realizadas aos 6, 12 e 24 meses e todo o planejamento de redução será individualizado para cada participante e baseado numa avaliação clínica, sendo as doses reduzidas a cada 1 ou 2 meses. As medições realizadas terão como objetivo avaliar o funcionamento social, recaídas graves, sintomas, qualidade de vida subjetiva, efeitos adversos dos antipsicóticos, peso corporal, disfunção sexual, função neuropsicológica, satisfação e aderência ao medicamento, além de uma análise econômica dos custos e benefícios de tal estratégia.
O estudo de Joanna Moncrieff e cols. nos traz uma grande esperança quanto à possibilidade de podermos oferecer aos sujeitos com diagnóstico de esquizofrenia uma outra opção baseada numa boa evidência cientifica e diferente do uso contínuo de antipsicóticos, pois uma estratégia que possa reduzir de forma eficaz os antipsicóticos, traria muitos benefícios para a saúde e qualidade de vida, além de benefícios econômicos associados a um melhor funcionamento social dessas pessoas.
Um aumento de pensamentos suicidas é um efeito colateral grave e conhecido para vários tipos de antidepressivos. Estudos recentes sugerem que pode haver alguns fatores genéticos que aumentam o risco para essa reação. Um novo estudo, no International Journal of Neuropsychopharmacology, identifica duas variantes genéticas específicas que estão associadas ao agravamento da ideação suicida em pacientes que tomam antidepressivos.
Os pesquisadores liderados por Geraldine Voegeli, do Sistema de Saúde VA San Diego, realizaram testes genotípicos em 78 pacientes que apresentaram piora da suicídio enquanto usavam antidepressivos e compararam os resultados com pacientes em antidepressivos que não relataram piora desses sintomas. Eles descobriram que duas variantes genéticas comuns que afetam a via da neurotrofina, envolvidas no desenvolvimento e na função dos neurônios, estavam associadas ao agravamento da ideação suicida por antidepressivos.
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Voegeli, G., Ramoz, N., Shekhtman, T., Courtet, P., Gorwood, P. and Kelsoe, J.R., 2016. Neurotrophin Genes and Antidepressant-Worsening Suicidal Ideation: A Prospective Case-Control Study. International Journal of Neuropsychopharmacology, p.pyw059. (Full Text)