Entrevista com o Dr. Peter Groot

0

Dias 29, 30 e 31 de Outubro próximo, teremos o 3 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas – Alternativas ao Diagnóstico Psiquiátrico e ao Tratamento Psicofarmacológico.

O Seminário será transmitido on-line e com transmissão simultânea. youtube.com/VIDEOSAÚDEDEFIO

 

 

Tive o prazer de entrevistar o Dr. Peter Groot. O Dr. Peter desenvolveu junto com o Dr. Jim Van_Os, os dois são pesquisadores da Universidade de Maastrich (Holanda), uma tecnologia revolucionária que garante que médicos e pacientes planejem e executem um programa individualizado de redução da medicação psiquiátrica de forma segura e eficaz. São as chamadas “tiras de afunilamento” (tapering strips).

A ENTREVISTA

Fernando: Olá Peter. Antes de tudo, devo dizer que foi muito bom haver conhecido você em Gotemburgo durante o Encontro do Instituto Internacional para a Retirada de Drogas Psiquiátricas (IIPDW). A apresentação que você fez para nós das tiras de afunilamento teve um forte impacto em todos nós, você sabe. E certamente o mesmo acontecerá com o público brasileiro.

Muito obrigado por responder a esse pequeno número de perguntas que apresentarei. Esta breve entrevista será importante para preparar o público brasileiro para o que você nos trará.

Você poderia nos dizer por que é tão importante oferecer às pessoas meios para reduzir ou interromper o uso de drogas psiquiátricas?

Peter Groot: Parar abruptamente com medicamentos psiquiátricos pode causar sintomas de abstinência. Esses sintomas podem ser leves, mas também podem ser graves. Tão graves que os pacientes não conseguem parar e (precisam) continuar usando seus medicamentos. Mesmo se eles não quiserem fazer isso. Mesmo que isso seja desnecessário ou até prejudicial. Os sintomas de abstinência podem deixar as pessoas ansiosas, agitadas e até suicidas e, portanto, podem ter consequências muito graves. Para impedir que isso aconteça, os médicos devem poder deixar seus pacientes pararem com segurança. No entanto, até agora, isso era muito difícil ou praticamente impossível.

Para fazer algo sobre isso, desenvolvemos as chamadas tiras de afunilamento. As tiras de afunilamento tornam praticamente possível para os médicos prescreverem programas de redução individualizados, e adaptáveis na medida que for o necessário. É muito importante que o paciente e o médico trabalhem juntos, que as decisões de tratamento sejam feitas com base na tomada de decisão compartilhada e que sejam feitas consultas sobre o auto (monitoramento) durante e após o tratamento da redução gradual. Se o médico e o paciente fazem isso bem, sair com êxito de medicamentos psiquiátricos se torna muito mais fácil. Nosso objetivo é tornar isso praticamente possível. Já há muitos pacientes (e ainda estão) sofrendo desnecessariamente com a retirada e, como consequência disso, estão usando medicamentos psiquiátricos desnecessariamente e por muito tempo.

Fernando: Você desenvolveu a estratégia das “tiras de afunilamento” para o processo de retirada de medicamentos psiquiátricos. Você poderia explicar em poucas palavras qual é a racionalidade das tiras de afunilamento? Como elas operam?

Peter Groot: A lógica das tiras de afunilamento é muito simples: redução da dose em etapas muito pequenas. Tornamos praticamente possível o que muitos pacientes tentam fazer em casa, porque não conseguem diminuir com segurança a dosagem do medicamento que o médico possa haver prescrito.

Inicialmente, queríamos desenvolver apenas uma tira de afunilamento para os antidepressivos Paroxetina e Venlafaxina, os dois antidepressivos mais difíceis de serem eliminados com segurança. Logo descobrimos que isso não era o suficiente. Ao longo dos anos, foi solicitado o desenvolvimento de tiras de afunilamento para outros medicamentos: não apenas para outros antidepressivos, mas também para benzodiazepínicos, antipsicóticos, antiepiléticos, analgésicos opioides como Oxicodona, e a lista ainda está crescendo. A retirada é um problema muito maior do que muitas pessoas pensam. Depois que desenvolvemos as primeiras tiras de afunilamento, também aprendemos muito rapidamente que o sistema que desenvolvemos tinha que ser flexível, porque os pacientes diferem um do outro. As soluções de tamanho único não funcionam muito bem na medicina, a tomada de decisões compartilhadas funciona muito melhor. O sistema que desenvolvemos para a medicação afunilada torna isso praticamente possível.

Fernando: Você sabe, no Brasil e no resto do mundo, nosso sistema de assistência à saúde mental depende fortemente do modelo biomédico. O senso comum é que os sintomas que aparecem quando alguém reduz ou para de tomar drogas psiquiátricas são os sintomas da suposta doença mental. Você tem formação em química. Então, o que você diz sobre os sintomas de abstinência? Os sintomas de abstinência não são bem aceitos pela comunidade científica e pelos médicos. O que poderia nos dizer sobre isso? Sabemos que é uma questão complexa, mas em poucas palavras, você poderia nos dizer algo do que nos mostrará com mais detalhes durante nosso Seminário no Rio de Janeiro?

Peter Groot: A confusão sobre a distinção entre sintomas de abstinência e sintomas de recaída é um grande problema clínico. Importante para resolver isso é ser capaz de impedir a ocorrência de sintomas de abstinência e a redução gradual da medicação torna isso praticamente possível.

Penso que nas últimas décadas a consciência da presença e importância dos problemas de abstinência foi mínima e que os problemas de abstinência foram amplamente subestimados. Não foi dada atenção suficiente às experiências dos pacientes e os ensaios clínicos não são adequados para detectar problemas de abstinência suficientemente bem.

Mas acho que isso está realmente mudando agora. Há um grupo crescente de pessoas em todo o mundo, e você é uma delas, que está trabalhando duro para conseguir mudanças importantes. E acho que vemos isso acontecendo agora.

Fernando: Por fim, conte-nos sobre as suas perspectivas com este seminário no Rio.

Peter Groot: Meu plano é contar com mais detalhes sobre a medicação afunilada. E para falar sobre o que gostaríamos de fazer no futuro próximo. Uma coisa importante é usar os dados fornecidos a nós pelos pacientes que usam medicação afunilada, não apenas durante a redução, mas também por um período mais longo. Isso é importante porque sabemos que os pacientes que abandonam a medicação com sucesso podem ter problemas mais tarde. Problemas que podem indicar recaída, mas também podem ser efeitos tardios do uso prolongado de medicamentos. Há uma crescente conscientização sobre a ocorrência de tais efeitos tardios, ou como se queira chamá-los. Sabemos muito pouco sobre isso, porque isso nunca foi investigado adequadamente. Eu acho que para começar a investigar isso estamos dando um bom passo.

Finalmente, espero ver o que está acontecendo na Fundação Oswaldo Fiocruz e no Brasil, aprender uns com oss outro e trabalhar juntos. Também estou ansioso para conhecer Lucy Johnstone pessoalmente. Fernando, nos encontramos pela primeira vez na Reunião de Rede da IIPWD em Goteborg, na Suécia, que achei muito emocionante, encorajadora e energetizante. Espero muito que esse também seja o caso no Rio. Estou ansioso por isso!

———–

As “tiras de afunilamento” ganham expressão em diversas partes do mundo.  Como você pode verificar com um click aqui, conhecendo por exemplo o movimento no Reino Unido para que o seu Sistema de Saúde reconheça oficialmente as “tiras”.

O reconhecimento oficial que os Antidepressivos produzem Sintomas de Abstinência

0

Do British Medical Journal. O Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (NICE) alterou suas diretrizes sobre depressão,  reconhecendo a gravidade e a duração dos sintomas de abstinência de antidepressivos.

As orientações sobre o tratamento da depressão em adultos afirmam que os sintomas de abstinência podem ser graves e prolongados em ‘alguns pacientes’.

As diretrizes anteriores do NICE, publicadas originalmente em 2009 e atualizadas no ano passado, diziam que os sintomas de abstinência são “geralmente leves e auto-limitados por cerca de uma semana“.

Porém, em uma emenda, o NICE acaba de reconhecer que:

“há uma variação substancial na experiência das pessoas, com sintomas que duram muito mais (às vezes meses ou mais) e são significativamente graves para alguns pacientes”.

James Davies, psicoterapeuta e principal autor da carta publicada no The BMJ, diz que a mudança foi “extremamente significativa“.

Paul Chrisp, diretor do Centro de Diretrizes da NICE, diz o seguinte:

“Alteramos as diretrizes, para reconhecer as evidências emergentes sobre a gravidade e a duração dos sintomas de abstinência de antidepressivos.”

Aqui está o artigo do BMJ na íntegra →

3 Seminário A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUÁTRICAS

0

Publicado na página do Centro de Estudos Estratégicos da FIOCRUZ (CEE/FIOCRUZ). É a respeito do 3 SEMINÁRIO INTERNACIONAL A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS. Que irá ocorrer nos dias 29, 30 e 31 de Outubro, no Rio de Janeiro (ENSP/FIOCRUZ).

“Os sistemas oficiais de classificação de doenças e de diagnóstico transformam em doença as formas cotidianas de pensar, sentir e agir, gerando uma falsa “epidemia de transtornos mentais” e enfatizando tratamentos com foco na medicalização. Milhões de pessoas ao redor do mundo buscam deixar de usar drogas psiquiátricas, mas encontram dificuldade, tendo em vista os severos efeitos gerados pela abstinência. Essas questões estarão em debate no 3º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, de 29 a 31/10/2019, iniciativa do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (Laps/Ensp/Fiocruz), em parceria com a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), o Conselho Federal de Psicologia (CFP) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (Capes).

Coordenado pelos pesquisadores Paulo Amarante e Fernando Freitas, do Laps, o evento tem como foco: Alternativas ao diagnóstico psiquiátrico e ao tratamento psicofarmacológico, e reunirá, no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), pesquisadores, alunos, familiares e usuários da assistência psiquiátrica e saúde mental. Haverá transmissão ao vivo e tradução simultânea.”

Veja na íntegra a matéria →

 

Rachaduras no paradigma dominante da Psiquiatria

1
Magnus Hald

Tenho o prazer de trazer ao público brasileiro, em particular aqueles que seguem o nosso site do Mad in Brasil (MIB), uma entrevista entre dois colegas que tive a oportunidade de recentemente conhecer em Gotemburgo (Suécia), na reunião do Instituto Internacional para a Retirada das Drogas Psiquiátricas (International Institute for Psychiatric – IIPDW). O entrevistado é o Dr. Magnus Hald, psiquiatra, Diretor da Divisão de Saúde Mental e Abuso de Substância, na Noruega.  Quem o entrevistou foi Auður Axelsdóttir, terapeuta ocupacional, Islândia. A entrevista foi dada, muito recentemente, em uma estação de rádio de grande audiência na Islândia.

Eu fiz a transcrição não literal dessa entrevista. Mas você poderá ouvir na íntegra o conteúdo da entrevista clicando o link que está no término desta matéria.

Antes de apresentar o conteúdo da entrevista, algumas informações importantes que ajudarão a melhor compreender o seu contexto.

Na semana seguinte da reunião do IIPDW, em Gotemburgo, houve na Noruega o 24º. Encontro da Rede Internacional para o Tratamento da Psicose. Entre os diversos temas, foi discutido o trabalho e o desenvolvimento da psiquiatria sem drogas na Noruega. O colega Magnus Hald é um dos protagonistas de uma experiência bastante inovadora, relatada por Robert Whitaker e postada aqui no MIB. Trata-se de uma iniciativa do Governo da Noruega, através do seu Ministério da Saúde. É, portanto, uma política de saúde do Estado Norueguês. Que consiste em que é obrigatório que sejam oferecidas na rede de assistência em saúde mental nacional o direito a ter a opção de tratamento livre de drogas psiquiátricas.  É algo fortemente inovador no cenário internacional da assistência psiquiátrica.

Na próxima última semana de Outubro, nos dias 29, 30 e 31, no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), haverá o III SEMINÁRIO INTERNACIONAL A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS. O foco neste ano são os dois pilares do ‘modelo biomédico’ da Psiquiatria: o diagnóstico psiquiátrico e o tratamento psicofarmacológico.

Essa entrevista com o Dr. Magnus Hald, narrando com detalhes a experiência norueguesa de tratamento sem drogas psiquiátricas, é uma boa ocasião para a abertura de novos horizontes para a assistência em saúde mental em nosso país.

A ENTREVISTA

Atendendo à demanda dos usuários

Foi decidido, em 2016, que teríamos uma enfermaria livre de drogas no Hospital da Universidade de Tromsø, em que eu era o Diretor da Divisão de Saúde Mental e Abuso de Substâncias. Isso foi em 2016. E em 2017 eu abri as portas para o inicio do Programa.

Isso na verdade começou por iniciativa dos usuários, por cinco organizações de usuários, demandando opções por liberdade para tratamento sem drogas. Portanto, foi uma iniciativa dos usuários.

Deveríamos ouvir as vozes dos pacientes, uma demanda do Ministério da Saúde. E as organizações dos usuários se uniram. É por isso que o Ministério da Saúde decidiu que deveríamos ter isso no país.

Houve uma forte oposição dos psiquiatras, e ainda há hoje uma forte pressão contra essa iniciativa. Pensam que isso não é correto, que é uma irresponsabilidade. Eles (psiquiatras) acreditam que não deve haver esse tipo de opção [tratamento sem drogas psiquiátricas].

Eu penso que é ainda um começo.

Em muitas partes do mundo isso está ocorrendo fora dos locais da Medicina, mas aqui faz parte do nosso sistema público de saúde.

Os problemas conectados com as drogas psiquiátricas

Eu penso que há diferentes desenvolvimentos da Psiquiatria. Eu, da minha parte, não considero ser difícil apoiar essa direção que estamos tomando. Eu trabalho como psiquiatra desde os anos 70. E tenho visto que há muitos problemas conectados com as drogas. Na Noruega já temos muitas unidades livres de drogas. É isso um problema? Por que deveria ser? É difícil dizer isso. É um bom debate.

O que nos leva a não apenas debater o não uso de drogas, mas também, ao usá-las, discutir o quanto. Eu penso que a maioria dos psiquiatras irão concordar que nem todos os pacientes podem ter um bom uso das drogas psiquiátricas. O que acontece quando você vê que um paciente não está tendo um bom uso das drogas? Ao invés de interromper, em geral o que se faz é prescreve mais e mais drogas.

Na agenda dos Direitos Humanos

[o direito a ser tratado sem drogas psiquiátricas] Eu concordo muito com isso. Eu desenvolvo isso há mais de 2 anos, e vejo que ainda há um longo caminho a percorrer para que possamos oferecer um serviço realmente bom para as pessoas. Mas penso que entre as principais coisas que alcançamos [ com a experiência em Tromsø] é que nós colocamos isso na Agenda. Quero dizer, que as pessoas passam a ver isso. Que nós temos que debater essa Agenda.

Ainda que no sistema hospitalar (…)

Sim. Isso é no sistema hospitalar nosso. É uma enfermaria [livre de drogas psiquiátricas] ao lado de outra enfermaria. É um grande desafio. Porque é um desafio para a nossa enfermaria.

A questão é como não conter pacientes (…)

Na Noruega somos obrigados a dar um Consentimento Informado e Esclarecido. E o paciente deve ter condições para dar o Consentimento. E se alguém é considerado como sendo incapaz para dar o Consentimento, ele não pode ter um tratamento voluntário. Assim sendo, como dar conta dessa questão em uma Unidade livre de drogas?

Como funciona a Unidade?

Tentamos fazer um planejamento individualizado, para cada pessoa. Tentamos fazer esse plano com a rede social do paciente, assim como com a rede social dos profissionais. Mas pode ser apenas com o paciente e em sua rede social natural de vida. E se tenta sempre educar as pessoas da rede natural do paciente.

Geralmente as pessoas pedem voluntariamente para entrar no Programa. Recebemos a referência vinda de um Centro Especializado de Psiquiatria ou de psiquiatras privados. Em geral, o próprio paciente é quem preenche ele próprio o pedido: “o que você quer ao vir para este Programa?”

Pode haver diferentes tipos de coisas que as pessoas queiram alcançar. Por exemplo, muitas e muitas pessoas querem reduzir o seu consumo de drogas. Então chegam já fazendo uso de drogas e nós iniciamos um programa de redução e de término. Nós iremos tentar desenvolver com o paciente um Programa de redução das drogas. E isso pode durar algum tempo, como de 1 ano a 2 anos. Pelo menos com aqueles que já estão fazendo o consumo de drogas há algum tempo.

Nós damos suporte ao que querem fazer. Esse é um grande desafio: dar suporte às pessoas que estão em processo de redução das doses usadas! Esse é um grupo.

Mas há um outro grupo dos que querem estar na enfermaria sem fazer uso algum de drogas psiquiátricas. E temos que construir um Programa para essas pessoas.

E há algumas outras pessoas que não estão em consumo pesado de drogas psiquiátricas, que entram em contato conosco porque necessitam ser hospitalizadas e não querem ir para um lugar onde serão tratadas forçosamente com medicamentos.

É muito interessante ver que há diferentes tipos de pessoas que querem fazer tratamento livre de drogas psiquiátricas. Isso é um desafio.

A equipe

Há um médico em formação em psiquiatria. Há um psicólogo. 6 enfermeiro(a)s. 2 fisioterapeutas. 2 ex-pacientes com experiência de vida de retirada das drogas psiquiátricas. Há estudantes de psicologia. Há 2 arte-terapeutas. 1 terapeuta ocupacional. Sei que no total somos 20 pessoas. Há pessoas para o trabalho durante o dia. Há aqueles para a noite. Há o trabalho não apenas para os pacientes na enfermaria, mas fora, com reuniões com as redes sociais. Há vezes que temos que viajar por longas distâncias, até mesmo de avião. Há vezes que as reuniões são feitas por Skype, com os pacientes, os profissionais e a rede social dos pacientes, porque estão em diferentes partes da região.

A orientação teórica

Eu penso que em Tromsø as pessoas não dizem que se trata de um modelo de assistência baseado no Diálogo Aberto. Temos tido muita colaboração ao longo de muitos anos [com os colegas da Finlândia]. Eu penso que estamos trabalhando mais com “Processos Reflexivos” ou “Equipes Reflexivas”. [Uma metodologia desenvolvida pelo norueguês Tom Andersen].

O histórico de tratamento psicofarmacológico

A maioria que nos procura tem uma história de sucessivas tentativas de deixar de tomar as drogas psiquiátricas e de ouvir que mexer com a medicação pode provocar o retorno dos sintomas. Que ouviram das equipes que as ‘sensações’ ruins retornarão. E que sabem que esse processo não é fácil, a partir da sua própria experiência. Que se os sintomas retornarem, o que farão?

A permanência no Programa

Assim é que chegam. E ficam 2 a 3 semanas. Às vezes, vindo 3 vezes durante o ano. É feito um Plano individualizado.

Se houver necessidade de retorno [sintomatologia insuportável] há sempre um leito disponível, para qualquer necessidade (demanda).

Apenas creio eu que tivemos apenas uma paciente que permaneceu por meses, porque não queria de modo algum fazer uso de drogas, e que apresentava muitos sintomas, que lhe eram impossíveis de ser manejados. Então ela permaneceu na enfermaria, com uma recuperação muito lenta, em um processo que durou muito tempo. Sua família tinha dúvidas se seria ou não uma boa ideia permanecer sem drogas. Se ela estaria ou não melhorando (…) Porém, a grande maioria fica apenas por um tempo muito limitado.

Os resultados (follow-up)

Os resultados? Muita gente vem conseguindo muito bons resultados. Mas o nosso Programa está funcionando há apenas 2 anos. Nós ainda não temos uma experiência de longo prazo.

As ‘tiras de afunilamento

Começamos a fazer uso das ‘tiras’. A indústria farmacêutica não produz doses com as quais se possa fazer a redução de uma forma segura e eficaz. Tentar dividir esses medicamentos é algo muito difícil! E nem sempre isso é possível.

Na Holanda, há uma farmácia que produz as ‘tiras de afunilamento’.  Nós as compramos da Holanda. Há muita burocracia envolvida aqui na Noruega para importar medicamentos. O que temos que fazer é preencher muitos e muitos pedidos, e argumentar muito.  Cada vez mais fazemos uso das ‘tiras’. Eu penso que sai muito caro.

Mas temos que fazer isso. Porque quando se usa as ‘tiras de afunilamento’ o paciente não precisa se preocupar com qual o medicamento ele deve tomar, quantos medicamentos deve ingerir, qual o ritmo do processo de redução. Porque está tudo em uma ‘tira’. Basta tomar a dose da ‘tira’ correspondente ao dia.

[Por exemplo] Em 3 meses você sai de 50 mg. de Seroquel até chegar a 0 mg.  Isso ocorrre em apenas 3 meses.

A dinâmica do Programa

4 vezes na semana temos as chamadas ‘recovery workshops’. Cada um percorre as diferentes equipes, como ‘medicação psiquiátrica’, ‘vida cotidiana’, ‘vida sexual.  As pessoas compartilham as suas experiências.

3 vezes na semana há um ‘treinamento físico’, com os fisioterapeutas. Em grupos, mas que também pode ser individual. Você sabe, as pessoas têm altos e baixos, muitas coisas ocorrendo em seus corpos. Consideramos as atividades físicas essenciais para o êxito do tratamento.

Há ainda arte-terapia em grupo, 1 vez por semana, e que também pode ser individual, conforme a demanda. Também essencial para o bom êxito.

Há também as reuniões com as redes sociais dos pacientes.

Sobre a ‘resistência’ dos colegas (psiquiatras)

Estou acostumado.

Acho que o debate é fundamental.

Acho importante que saibamos que existem diferentes opções, diferentes possibilidades.

Penso que devemos lutar contra os regimes de opressão.

Que as diferenças não são perigosas.

Que devemos fazer diferentemente do que já estamos acostumados. As pessoas não querem que as coisas sejam sempre como já são.

Há algumas pessoas que querem fazer uso das drogas. E há outras pessoas que não querem fazer uso de drogas. Temos que respeitar a ambas.

Temos que respeitar, por exemplo, aquelas pessoas que querem parar de fazer uso das drogas de uma vez só. E as outras que querem reduzir lentamente. É a nossa experiência.

Futuro

Que a experiência se aprofunde.

Eu quero desenvolver um Programa de pesquisa. E que seja adequada à experiência que estamos desenvolvendo. A experiência não pode ser pesquisada usando o método do duplo cego randomizado, para dar um exemplo. Esse tipo de metodologia não é adequada à clínica.

———

Como eu disse no início desta matéria, a transcrição da entrevista que fiz não é literal. Portanto, é possível que tenha omitido algo importante, involuntariamente.

O MIB é um espaço informativo. Mas, sobretudo, um espaço destinado a despertar um debate e a buscar pela construção de alternativas ao paradigma psiquiátrico hoje dominante entre nós, seja lá fora seja aqui no Brasil.

E mais uma vez renovo o convite a participar do III SEMINÁRIO INTERNACIONAL, na ENSP/FIOCRUZ. Você poderá acompanhar ao vivo tudo o que será apresentado no SEMINÁRIO, pelas redes sociais na Internet. Informações mais detalhadas estarão disponibilizadas aqui e na página do Facebook do Mad in Brasil.

E para quem interessar, clique aqui para ouvir a entrevista na íntegra →

No Dia Mundial da Saúde: sobre os esforços de prevenção ao suicídio

0

A prevenção do suicídio não deve ser tratada pelo aumento da prescrição de medicamentos, diz Dainius Pūras, relator especial da ONU sobre o direito à saúde. Em um comunicado à imprensa sobre prevenção de suicídio para o Dia Mundial da Saúde Mental, em 10 de outubro, ele declarou:

“A dor emocional vem frequentemente da pessoa ser vítima de violência, discriminação ou exclusão. Visar a química cerebral dos indivíduos geralmente exacerba o estigma e a exclusão social, agrava a solidão e o desamparo e falha em reduzir o risco de suicídio.

A alta incidência e o ônus econômico das condições de saúde mental também podem ser vistos como efeitos de trauma e de outras adversidades, incluindo violência interpessoal e de gênero, além de abuso e negligência de crianças.

Patologizar a diversidade das respostas individuais às adversidades como se fossem condições médicas desestimula os indivíduos e perpetua a exclusão social e o estigma.

Devemos buscar novas rotas para a prevenção do suicídio que invistam no fortalecimento de relacionamentos saudáveis, respeitosos e confiantes, que também incluem a conexão de pessoas em suas comunidades.

A prevenção do suicídio deve abordar os fatores estruturais que tornam a vida impossível de viver e examinar como a angústia surge nos desequilíbrios de poder; também deve abordar problemas de relacionamento e reduzir a violência interpessoal. ”

O Relator Especial diz que uma resposta individualizada e direcionada a cada situação permanece vital na prevenção do suicídio, mas alerta contra o uso excessivo de medicamentos e contra a coerção e o isolamento.

“Para garantir que as pessoas permaneçam vivas e desenvolvam as habilidades necessárias para prosperar, é necessário haver cuidados comunitários contínuos em robustos sistemas de suporte que possam alcançar adequadamente as pessoas onde vivem, trabalham, aprendem e se divertem”, disse ele.

“Para prevenir o suicídio, os Estados devem adotar estratégias com uma abordagem baseada em direitos que evite a medicalização excessiva e lide com os determinantes da sociedade, promovendo autonomia e resiliência por meio de conexão social, tolerância, justiça e relacionamentos saudáveis.”

Leia a declaração completa no site da ONU clicando aqui.

O Dr. Dainius Pūras é médico da Lituânia, com notável experiência em saúde mental e saúde infantil; ele assumiu suas funções como relator especial da ONU em 1º de agosto de 2014. Dainius Pūras é diretor do instituto de monitoramento de direitos humanos em Vilnius, na Lituânia, professor de psiquiatria infantil e adolescente e saúde mental pública na Universidade de Vilnius e leciona nas faculdades de medicina e filosofia da mesma universidade.

Os relatores especiais fazem parte do que é conhecido como Procedimentos Especiais do Conselho de Direitos Humanos. Procedimentos Especiais, o maior corpo de especialistas independentes no sistema de Direitos Humanos da ONU, é o nome geral dos mecanismos independentes de pesquisa e monitoramento do Conselho que abordam situações específicas de países ou questões temáticas em todas as partes do mundo. Especialistas em procedimentos especiais trabalham voluntariamente; eles não são funcionários da ONU e não recebem salário por seu trabalho. Eles são independentes de qualquer governo ou organização e servem em sua capacidade individual.

A Solidão Aumenta os Riscos de Graves Problemas de Saúde Mental, além dos Físicos

0

Um estudo recente publicado em Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology examina a relação entre a solidão e os “transtornos mentais comuns” de gravidade variável. Realizando uma análise longitudinal em uma coorte de adultos holandeses com idades entre 18 e 64 anos, os autores descobriram que a solidão prediz o início de transtornos mentais comuns (TMC) graves, mas não de TMC de leve a moderado. Eles também descobriram que os TMC graves preveem um aumento da solidão ao longo do tempo.

“Estudos em larga escala de jovens, de meia idade e idosos, na população em geral, relatam taxas de solidão que variam de 14 a 47%, escrevem Jasper Nuyen e coautores. “Vários estudos transversais de base populacional descobriram que a solidão está fortemente relacionada a transtornos de humor e ansiedade em adultos (incluindo idosos), e estudos recentes também sugerem um vínculo transversal com transtornos por uso de substâncias”. 

Solidão pode ser definida como uma situação vivenciada por um indivíduo na qual há uma ausência desagradável ou inadmissível de (ou qualidade de) certos relacionamentos. A solidão prediz uma variedade de problemas de saúde mental e física, de modo que alguns pesquisadores nos EUA a chamam de ameaça à saúde pública.

O vínculo social de qualidade é amplamente considerado como sendo uma necessidade humana fundamental, embora dois em cada cinco estadunidenses relatam que “às vezes ou sempre sentem que seus relacionamentos sociais não são significativos”. Mais da metade de todos os estadunidenses relatou sentir que ninguém os conhece bem. Muitos países europeus também mostram altas taxas de solidão, embora países como Portugal, Grécia e outros possam ter menos incidência dessa epidemia.

“Existem algumas evidências de pesquisas longitudinais baseadas na população sugerindo que a solidão aumenta o risco de aparecimento de ansiedade e transtornos depressivos”, escrevem os pesquisadores.

“Entre os adultos com idades entre 30 e 31 anos no início do estudo (baseline), durante um período de 13 anos de acompanhamento (follow-up) verificou-se que a solidão aumentou o risco da primeira internação hospitalar ocasionada por um transtorno de ansiedade, assim como após o ajuste por idade, renda e número de doenças físicas.  Um estudo anterior entre adultos mais velhos mostrou que a solidão verificada no início do estudo previa a incidência da depressão incidente em um follow-up de três anos.”

O presente estudo busca melhorar e expandir as pesquisas existentes sobre os efeitos da solidão na saúde mental. A maior parte da literatura existente concentra-se em ansiedade e depressão, mas Nuyen e seus coautores acreditam que uma orientação mais ampla na abordagem dos transtornos mentais ajudará a esclarecer melhor a epidemia de solidão. Além disso, grande parte da pesquisa anterior se concentrou em populações clínicas e de idosos. Os autores do presente estudo concentram-se em populações adultas na Holanda que não estão em clínicas em geral.

Dados longitudinais após uma coorte de adultos holandeses foram extraídos do The Netherlands Mental Health Survey and Incidence Study-2(NEMESIS-2), com adultos de 18 a 64 anos. Um método de acompanhamento de três anos foi usado para examinar os efeitos a longo prazo da solidão na saúde mental e da saúde mental na solidão. Um total de 6646 adultos holandeses foram entrevistados face-a-face, no começo com o suporte de um computador, com várias entrevistas de acompanhamento, ao longo dos três anos de follow-up.

O número de entrevistados disponíveis diminuiu a cada acompanhamento, de 5303 para 4618 e, por fim, para 4007. Os dados da segunda e terceira sessões de entrevistas de acompanhamento foram utilizados no presente estudo, a fim de analisar os efeitos da solidão a longo prazo, usando a escala de solidão De Jong Gierveld.

Os “transtornos mentais comuns” foram classificados de leve a moderado até grave, usando o DSM-IV e o CID. Foram incluídos os seguintes transtornos: transtornos do humor (depressão maior, distimia e transtorno bipolar), transtornos de ansiedade (transtorno do pânico, agorafobia sem transtorno do pânico, fobia social, fobia específica e transtorno de ansiedade generalizada) e transtornos relacionados ao uso de substâncias (álcool / drogas abuso e dependência).

As seguintes condições foram consideradas como ‘graves’: transtorno bipolar I, dependência de substâncias com uma síndrome de dependência fisiológica, tentativa de suicídio nos últimos 12 meses ou comprometimento grave auto-relatado em pelo menos duas áreas de funcionamento.

No início do estudo, uma sub-coorte sem TMC de 12 meses foi descoberta e a taxa de solidão nesse grupo foi de 16,8%. Após três anos, 5,8% desse grupo desenvolveram um TMC leve a moderado em 12 meses, enquanto 2,8% desenvolveram um dos TMC graves. Uma análise de regressão logística multinomial univariada mostrou que a solidão basal estava associada ao aparecimento tardio de TMC graves, mas não de um TMC leve a moderado, o que também foi apoiado por três regressões multivariadas.

38% dos entrevistados com um TMC de 12 meses desde o início relataram sentir solidão. 45,3% desses entrevistados continuaram experimentando TMCs no seguimento, sendo 24,1% leve a moderado e 21,2% grave. Novamente, as análises de regressão univariada e multivariada mostraram uma ligação entre a solidão e a continuação de TMC graves, mas não de TMC leve a moderada.

De um grupo que respondeu inicialmente como não tendo solidão, 7,7% apresentaram algum TMC leve a moderado em 12 meses e 3,3% relataram TMC graves. Depois de três anos, quase 10% desse grupo relatou ter solidão.

“O TMC grave observado no início do estudo (baseline) permaneceu um preditor do início da solidão na análise multivariada, também ao se ajustar para o suporte social percebido no início do estudo. Nenhum dos três modelos multivariados revelou que algum TMC leve a moderado estava na linha de base associada ao desenvolvimento da solidão no seguimento do estudo”, escrevem Nuyen e coautores.

Por fim, da coorte que relatou ter solidão no início do estudo, 12,1% apresentaram um TMC leve a moderado no acompanhamento, enquanto 15,3% apresentaram um TMC grave. 59,9% relataram solidão no follow-up seguinte.

Curiosamente, a relação entre a solidão verificada no início do estudo e os TMC graves no seguimento desapareceu quando os pesquisadores controlaram o suporte social percebido.

“Isso concorda com uma descoberta anterior de que, entre pacientes mais velhos com transtorno depressivo, a associação entre solidão inicial e o curso ruim da depressão se tornou não significativa após o ajuste para outros aspectos das relações sociais, incluindo o suporte social subjetivo”.

 O artigo teve vários pontos fortes, como a grande amostra populacional não clínica, o desenho longitudinal que abrange os efeitos da solidão em vários períodos de tempo e o uso de instrumentos psicométricos estabelecidos para avaliar variáveis ​​como a solidão e os TMC.

As limitações incluíram uma sub-representação de habitantes holandeses que não eram fluentes em falar holandês, bem como dificuldades em avaliar o grau de solidão, porque estes indivíduos que viviam solidão muito grave eram muito poucos para serem analisados ​​de maneira significativa.

Além disso, os autores relataram algumas inconsistências em relação à forma como as duas principais variáveis ​​foram medidas, de modo que a solidão foi avaliada nos períodos inicial e de acompanhamento, mas os TMC foram avaliados em intervalos de 12 meses antes e após as sessões de entrevista.

Os autores concluem:

“Além disso, este estudo aponta para a importância de prestar atenção adequada à solidão, tanto em adultos com e sem TMC. Profissionais que trabalham em vários contextos, incluindo a comunidade local, a prática geral e os cuidados de saúde mental, devem estar cientes de que adultos solitários correm um risco maior de desenvolver TMC grave e que a solidão em adultos com TMC existente aumenta o risco de resultados ruins, em especial em termos de TMC grave persistente “.

“E mais ainda, os profissionais devem estar alertas ao aparecimento da solidão entre adultos com TMC graves, pois são um grupo de risco. Nossas descobertas sugerem que intervenções para reduzir a solidão podem ajudar a prevenir o aparecimento de TMC grave em adultos e podem contribuir para melhores resultados em pacientes com TMC existente.”

****

Nuyen, J., Tuithof, M., de, G. R., van, D. S., Kleinjan, M., & Have, M. T. (2019). The bidirectional relationship between loneliness and common mental disorders in adults: Findings from a longitudinal population-based cohort study. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology. (Link)

Movimento de Ex-Usuários da Psiquiatria

0

No Brasil estamos acostumados como o movimento de usuários da psiquiatria. Como se isso represente o máximo do que se pode alcançar: ex-usuários dos manicômios apoiam a Reforma Psiquiátrica.

O movimento de usuários tem sido um forte aliado dos profissionais de saúde mental comprometidos com uma assistência fora dos hospitais psiquiátricos. Graças a essa aliança, importantes conquistas foram alcançadas.

Porém, o Brasil não tem movimentos de “ex-usuários” ou de “sobreviventes da Psiquiatria”.

Quer dizer, no Brasil não há movimentos organizados daqueles que foram “usuários” da Psiquiatria e que saíram do sistema de assistência psiquiátrica. E que têm experiências de vida que devem ser incorporadas ao sistema oficial de assistência. Por exemplo, serem atores ativos, enquanto profissionais, nos serviços de assistência em saúde mental.

Ou que, por haverem sido “vítimas” da assistência psiquiátrica, os “ex-usuários” negam radicalmente que a Psiquiatria possa fazer algum bem. E que lutam por uma assistência não orientada pelo “modelo biomédico” da Psiquiatria.

Se a incorporação de ex-usuários aos serviços de assistência em saúde mental é algo inexistente no país, muito menos se pode imaginar um movimento contra a própria Psiquiatria enquanto tal.

Eis uma problemática que ainda é muito incipiente aqui no Brasil.

Para alimentar o debate a respeito, veja  esse vídeo

Episódio “The Benzo Crisis” em This Is Life With Lisa Ling da CNN

0
Seized packets of the benzodiazepine Diazepam on display at the Health Products Regulatory Authority (HPRA) Headquarters in Dublin after a Europe-wide Interpol-coordinated project called Pangea X. PRESS ASSOCIATION Photo. Picture date: Monday September 25, 2017. See PA story HEALTH Drugs . Photo credit should read: Niall Carson /PA Wire

Apareceu na CNN, This is Life, a primeira de uma série de reportagens da prestigiada jornalista estadunidense Lisa Ling: A Experiência de Tentar Deixar de tomar Benzodiazipínicos.

Lisa Ling participa de uma rara reunião de pessoas que receberam benzodiazepínicos e tiveram efeitos colaterais debilitantes.

Veja na íntegra →

Ou a reunião com dependentes químicos dos benzos:  → https://edition.cnn.com/videos/health/2019/10/02/this-is-life-with-lisa-ling-epi-2-clip-1.cnn

Marci Webber Ganhou uma Alta Condicional de uma Internação em Hospital de Custódia

1

Desde 2012, quando Marci Webber foi considerada culpada por insanidade mental por haver matado a sua filha de quatro anos de idade, ela tem estado detida em hospitais psiquiátricos de Illinois. Mad in America publicou vários posts de Cindi Perlin sobre Marci, pois ela cometeu o homicídio enquanto estava no fundo de um episódio psicótico que eclodiu enquanto tomava um coquetel de drogas psiquiátricas.

Em 18 de setembro, um juiz do condado de Illinois decidiu que Marci Webber não mais atendia aos critérios legais para ficar trancada em um hospital psiquiátrico e que o Departamento de Serviços Humanos de Illinois deveria desenvolver um plano para a sua alta condicional.

O juiz George Bakalis não se pronunciou dessa maneira, para ele o ato homicida de Webber se devia às drogas. No entanto, os procedimentos realmente contam uma história que dá motivos para se acreditar que sim, que se devia às drogas prescritas, bem como confirmam as suas queixas de que ela havia sido punida e abusada no Elgin Mental Health Center por se recusar a tomar drogas psiquiátricas no Centro de Assistência.

Drogas psiquiátricas e o longo caminho para o homicídio

Em 2010, Webber tinha 43 anos e não tinha histórico prévio de psicose. No entanto, ela tinha um longo histórico de uso de drogas psiquiátricas e de luta com depressão, ansiedade e insônia – lutas que ela hoje vê como devidas em grande parte à acatisia induzida por drogas.

Nascida em 1967, Webber entrou no Exército em 1987, servindo em uma equipe de mísseis Pershing, com sede na Alemanha. Após uma dispensa com honras que recebeu em 1989, obteve um diploma de bacharel em comunicação pela Universidade de Illinois. Sua primeira filha, Mallory, nasceu em 1992 e, pouco tempo depois, ela estava em uma batalha de custódia com o pai de sua filha. Seu médico receitou Paxil para “aliviar o estresse”, ela disse ao Mad in America (MIA).

Durante os anos seguintes, Webber trabalhou como publicitária em vários empregos e, enquanto estava em Paxil, sofria continuamente de ansiedade e insônia. Em 2000, ela deu à luz a uma segunda filha, Madison, e enquanto lutava com o estresse de cuidar de um recém-nascido, seu médico receitou-lhe uma dose mais alta de Paxil. Em 2001, ela entrou na Albany Law School e, com seus problemas de humor e sono cada vez mais piores, um psiquiatra acrescentou Zyprexa ao Paxil, pois isso deveria controlar o seu humor e ajudá-la a dormir. Em algum momento, Wellbutrin também foi adicionado ao seu coquetel.

Em janeiro de 2002, devido a um problema com a cobertura do seu seguro de saúde, ela não conseguiu renovar as suas prescrições, e a retirada abrupta de seu coquetel levou-a a um colapso. Depois de colocar uma faca em seu braço frente ao seu marido, ela foi internada em um hospital.

O restante do ano foi um grande caos em sua vida. Seu marido a deixou, e seu coquetel de drogas passou a incluir Zoloft, Neurontin e Seroquel, sendo este último um substituto para o Zyprexa. Esse coquetel geralmente induzia uma acatisia excruciante nela, e agora ela começava a beber álcool para amenizar essa dor. Duas vezes mais naquele ano ela foi voluntariamente ao hospital, na esperança de obter alívio para todos esses estresses.

Nos anos que se seguiram, ela tirou uma licença médica na Faculdade de Direito de Albany, havendo concluído cinco dos oito semestres. Ela cuidou de suas duas filhas, vivendo com falta de pensão da previdência social, e em 2006 teve uma terceira filha, Maggie. Durante os anos seguintes, ela ficou em um coquetel de Zoloft, Wellbutrin e Seroquel, com outras drogas usadas de vez em quando. As dosagens dos três principais medicamentos eram frequentemente aumentadas.

No final de maio de 2010 ela viajou para Illinois para a graduação do ensino médio de sua filha Mallory, que naquela época morava com o pai. Mas, ela havia esquecido sua caixa de medicamentos psiquiátricos, e logo se viu diante de graves sintomas de abstinência, e seus pensamentos tomaram uma decisão fortemente paranoica.

Nos 12 meses anteriores, houve vários incidentes na Igreja Católica que ela frequentava, um dos quais envolveu um seminarista tocando indevidamente a sua filha de quatro anos. O que a levou a ficar mais ainda obcecada com esse risco para a filha e, no final de outubro, voltou abruptamente a uma combinação de medicamentos psiquiátricos que havia sido recentemente prescrita. Ela voltou a tomar Zoloft, em alta dose, e um psiquiatra substituiu a receita de Seroquel por uma de Ambien. Este último medicamento é conhecido pelos efeitos colaterais ‘estranhos’ que podem por ele ser causados , incluindo ‘hipnose, amnésia e alucinações’.

“Ambien foi o pontapé inicial”, lembrou Webber. “Foi isso e a acatisia. A dor chegou ao telhado. Você é capaz de fazer qualquer coisa para acabar com isso.”

Os pensamentos de Webber agora corriam soltos. Ela ficou convencida de que um anel sexual na Internet iria vir a sequestrar a sua filha de quatro anos e torná-la uma escrava sexual. Os sequestradores a matariam em um ritual satânico, o que, acreditava Webber, a condenaria ao inferno eterno. Em novembro daquele ano, enquanto visitava a mãe em Illinois, Webber matou a filha para salvá-la desse destino. E tentou se matar.

“Eu pensei que a estava enviando para o céu”, disse ela.

Cindi Perlin, que vinha sendo a psicoterapeuta de Marci há anos, imediatamente teve um pensamento quando soube o que havia acontecido: havia que ser as drogas o que desencadeou o seu ato homicida. “Eu conhecia a intimidade de Marci há oito anos e sabia que ela era uma mãe preocupada e amorosa com seus filhos”, escreveu ela, em um de seus posts no MIA. “Marci nunca tinha sido antes violenta ou psicótica.”

Não é culpada por razões de insanidade

Webber passou dois anos na prisão e, em um curto julgamento em 2012, não foi considerada culpada por insanidade. Depois de um breve período no Chicago-Read Mental Health Center, ela foi transferida para um hospital psiquiátrico em Elgin, Illinois, e foi lá que ela decidiu se posicionar e se recusar a tomar mais medicamentos psiquiátricos.

Sua recusa a tomar medicamentos a levou ser submetida a anos de maus-tratos e assédio, com a equipe a certa altura incentivando-a a se matar. Ela foi agredida mais de uma dúzia de vezes por outros pacientes.

No entanto, uma vez fora das drogas psiquiátricas, os sintomas psicóticos de Webber diminuíram, o que lhe proporcionou ter um motivo legal para solicitar sua libertação. De acordo com a lei de Illinois, uma pessoa considerada inocente por motivo de insanidade pode continuar a ser detida apenas se essa pessoa representar um perigo para si ou para os outros e necessitar de atendimento hospitalar. Webber pediu a alta pela primeira vez em 2014, mas após uma série de atrasos, o tribunal negou seu pedido em 2017.

Em junho de 2018, ela apresentou uma nova petição de quitação da sua pena e as audiências começaram em maio de 2019.

O Testemunho

Webber apresentou o testemunho de dois psicólogos, Toby Watson e Dathan Paterno, e de um psiquiatra, Gail Tasch. Os dois aplicaram uma bateria de testes e todos concluíram que Webber não sofria de nenhum transtorno mental grave e não era um perigo para si ou para os outros. Embora no passado ela tenha sofrido de depressão, ansiedade e sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, eles concluíram que qualquer sintoma desse tipo poderia ser atribuído ao seu confinamento e ao tratamento hostil nas instalações de Elgin.

O Estado, que procurava a manter em confinamento, apresentou o testemunho de uma psicóloga, Lesley Kane, quem o tribunal havia nomeado para entrevistar Webber, e do psiquiatra Richard Malis, que trabalhava para o Departamento de Serviços Humanos de Illinois. Embora ambos tenham argumentado que a petição de Webber deveria ser negada, eles o fizeram por diferentes razões.

Kane disse ao juiz que, embora Webber não apresentasse nenhum sintoma psicótico há algum tempo, ela tinha “traços” que apoiavam o diagnóstico de transtorno de personalidade limítrofe. As pessoas com esse distúrbio, disse ela ao tribunal, costumavam ter “mudanças marcantes de humor”, “estarem frequentemente agitadas” e serem propensas a “sarcasmo extremo” e “amargura duradoura”. Se Webber fosse libertada, ela correria o risco “de desenvolver mais sintomatologia em um ambiente comunitário ”, disse Kane e, portanto, que ela deveria permanecer internada em um hospital.

Videotape da entrevista de Leslie Kane sobre Marci Weber, Nov. 20, 2018

Por sua vez, Malis deu a Webber um diagnóstico diferente. Ele testemunhou que Webber sofria de “alucinações e delírios, bem como transtorno bipolar esquizoafetivo”, e que ela continuava sendo “uma ameaça para si mesma ou para os outros”. No entanto, ele reconheceu que, apesar de Webber não tomar remédios há muitos anos, ela não mostrava quaisquer sinais de psicose.

O enfermeiro chefe do turno da noite do Centro de Saúde Mental Elgin, Terry Nicholas, também testemunhou um incidente que bem mostrou um tipo de mentira institucional – frequente no Centro de Saúde Mental Elgin – com relação ao comportamento de Webber. A certa altura, depois que Nicholas escreveu no prontuário de Webber que ela era “agradável e cooperativa”, seus superiores, ao revisarem o prontuário, disseram-lhe que isso aborreceria o Dr. Malis. Em sua decisão, o juiz Bakalis detalhou a sequência de eventos:

“O Sr. Nicholas foi informado de que o Dr. Malis não estava satisfeito com esse relato e que não queria que fossem relatadas coisas agradáveis em relação à peticionária, pois isso prejudicaria sua intenção de solicitar em seu requerimento ao tribunal a obtenção de uma ordem de medicação forçada. Nicholas testemunhou que o próprio Dr. Malis expressou seu descontentamento diretamente com ele, afirmando que não poderia obter a ordem judicial com esses tipos de comentários sobre o quadro da peticionária. Este testemunho não foi contestado pelo Estado.”

O juiz Bakalis observou que algo semelhante surgiu durante a primeira petição de Webber de quitação da sua penalidade. Durante os procedimentos anteriores, dois funcionários da Chicago-Read testemunharam que não achavam que Webber estivesse doente mental e opinavam que ela deveria receber alta. No entanto, ambos haviam assinado anteriormente “cartas recomendando tratamento”, que foram enviadas ao tribunal afirmando que, de fato, ela precisava ser mantida em um ambiente confinado. Este parecia ser outro exemplo da equipe médica apresentando uma falsa avaliação do comportamento de Webber ao tribunal, observou o juiz.

Este testemunho anterior e o presente testemunho de Nicholas pareciam indicar ao tribunal que os funcionários do Departamento de Serviços Humanos de Illinois (IDHS) são instruídos por seus superiores a endossar os diagnósticos lá dados, mesmo que discordem deles. Embora o depoimento na audiência anterior não tenha ocorrido enquanto a peticionária estava sob os cuidados do Dr. Malis, o juiz questionou a maneira pela qual o IDHS vinha produzindo seus relatórios e que a pressão é exercida sobre os funcionários para se adequarem ao que os médicos supervisores achavam que deveria ser feito, mesmo que eles discordassem dos procedimentos. Isso fez com o tribunal suspendesse o julgamento para dar o prazo de noventa dias para que fossem considerados os relatórios que foram submetidos ao tribunal, verificando se eram completamente precisos em relação à peticionária.

A Decisão do Juiz

Esses foram os testemunhos que o juiz Bakanis necessitava para tomar a sua decisão. Ele ouviu três profissionais confirmando que Marci Webber não tinha doença mental, uma quarta testemunha disse que ela tinha um transtorno de personalidade limítrofe

Esse foi o conjunto de testemunhas que o juiz Bakalis necessitou examinar para tomar a sua decisão. Ele tinha ouvido três profissionais testemunharem que Marci Webber não tinha uma doença mental, e uma quarto testemunha afirmando que ela apresentava transtorno de personalidade limítrofe e uma quinta que ela apresentava transtorno bipolar esquizoafetivo. No entanto, todos pareciam concordar que ela não apresentava sintomas de psicose desde que havia interrompido os seus remédios seis anos antes, e também havia testemunhos de que o descumprimento de Webber de manter o tratamento psicofarmacológico havia irritado tanto a Malis que ele repreendeu uma enfermeira por escrever em um gráfico que ela era “agradável e cooperativa” sem os medicamentos.

Primeiro, em sua decisão por escrito, o juiz Bakalis negou a pertinência do depoimento a respeito de Weber que havia sida dada pelas três testemunhas especializadas. O tribunal, escreveu ele, “não pode concordar com os especialistas da peticionária de que ela sofra de doença mental, porque claramente, ela não é uma doente mental”.

Segundo, ele afirmou que foi o testemunho de Kane o que ele achou ser o mais convincente. “O tribunal considera que a análise do Dr. Kane está mais próxima do que na verdade afeta a peticionária, que é ser basicamente um transtorno de personalidade limítrofe. A peticionária claramente precisa ter um bom tratamento e terapia de saúde mental. ”

Terceiro, ele concluiu que Webber “nunca receberá esse [bom] tratamento enquanto estiver sob a custódia do IDHS”, e sob os cuidados do Dr. Malis. O juiz Bakalis escreveu:

“O tribunal perguntou especificamente ao Dr. Malis se era necessária uma relação entre um psiquiatra e um paciente para que o tratamento fosse eficaz; Dr. Malis reconheceu que isso seria necessário. Ele também reconheceu que esse relacionamento não existe entre ele e a peticionária, devido à desconfiança da peticionária em relação a ele e à sua posição de que ela não pode melhorar sem medicamentos psiquiátricos. Quando perguntado pelo tribunal se um psiquiatra diferente poderia ser designado para a peticionária, à luz dessa falta de relacionamento, o Dr. Malis afirmou que isso não seria possível.”

O tribunal está preocupado com a relação de tratamento entre a peticionária e Dr. Malis. Claramente, a peticionária não coopera com o Dr. Malis e o Dr. Malis não vê nenhuma esperança de que a peticionária melhore sem que ela tome medicamentos, mesmo que a peticionária esteja em remissão de psicose há vários anos – sem medicação.

Tendo avaliado o testemunho dessa maneira, Malis concluiu que, embora os traços associados ao transtorno de personalidade limítrofe, como “ser uma pessoa difícil, desagradável e narcísica”, possam “torná-la uma pessoa desagradável”,  isso “não estabelece que alguém seja uma pessoa que apresente perigo para si ou para outros.” Como tal, na opinião do tribunal, ela não, “requer estar sendo atendida como paciente internada em um hospital. Muitas pessoas com os mesmos atributos são encontradas em toda a sociedade. ”

No entanto, embora o juiz Bakalis tenha atribuído essas características a Webber, ele observou que ela “não demonstrou comportamento fisicamente violento em relação à equipe ou a outros pacientes. De fato, a peticionária foi objeto de abuso por outros pacientes sem haver retaliado.”

Em suma, o juiz Bakalis constatou que o Estado não havia demonstrado que Webber estava “precisando de serviços de saúde mental em regime de internação”. Ele ordenou ao Departamento de Serviços Humanos de Illinois que desenvolvesse um plano para sua “libertação condicional”, o que exigirá ela receba tratamento de saúde mental na comunidade e que evite todo o uso de drogas não prescritas, maconha e álcool. A liberação condicional será por cinco anos e, se Webber cumprir todas as condições durante esse período, ela será “totalmente liberada” da custódia do Departamento de Serviços Humanos de Illinois.

Uma cronologia das drogas psiquiátricas

Embora exista uma ligação bem estabelecida entre a acatisia induzida por drogas e a violência, e também um risco de que os ISRSs (Inibidores de Recaptação da Serotonina) possam desencadear esse comportamento, o possível vínculo de causa e efeito no caso de Marci Webber é obscurecido por seu longo uso de drogas psiquiátricas sem nunca haver se tornado violenta ou psicótica antes de 2010.

Mas a cronologia é certamente sugestiva desse link. A retirada abrupta de um coquetel de medicamentos que inclui um antipsicótico é conhecida por colocar alguém em risco de sofrer um episódio psicótico, e é notável que ela matou a filha logo depois de voltar a um coquetel que incluía Ambien, com todas os seus possíveis efeitos mentais espantosos. E como ela se lembra hoje, a dor da acatisia havia se tornado intolerável.

Então, depois que ela se afastou dos medicamentos em 2013, sua mente havia ficado limpa e ela não mostrou sinais de psicose desde então.

Em sua decisão, o juiz Bakalis revelou a sua própria ambivalência sobre esse ponto, o que pode ser visto em seu uso da palavra “meramente”:

O tribunal continua a ter algumas preocupações quanto ao fato de a peticionária compreenda completamente que a sua conduta anterior havia sido causada pelo desenvolvimento de doença mental e não apenas causada pelos medicamentos que estava tomando no momento do crime.

Embora a sua liberdade do sistema de internação compulsória seja condicional, com um plano ainda a ser definido, Webber está agora ansiosa pela possibilidade de um novo futuro. “Eu fiz isso para que todos os pacientes quimicamente sensíveis que são forçados a suportar efeitos colaterais horríveis ou perigosos como é a acatisia”, disse ela em uma ligação telefônica para o Mad in America. “Sou grata por estar saindo do inferno em que passei anos e pelo apoio de todos aqueles que contribuíram fielmente para minha causa.”

Ensaios clínicos mostram que os antidepressivos “não são benéficos a longo prazo”

0
Creative Commons

É cada vez mais comum que as pessoas tomem remédios antidepressivos por um longo prazo. Recentemente, um novo estudo teve como objetivo descobrir se o uso a longo prazo tem ganhado suporte nos dados de ensaios clínicos feitos para esses medicamentos. Os pesquisadores, liderados por Peter C. Gøtzsche, descobriram que esses medicamentos não eram eficazes para o uso a longo prazo. Segundo os pesquisadores, todos os estudos avaliados “concluíram que os medicamentos não são benéficos a longo prazo”.

Além disso, os pesquisadores queriam determinar a prevalência de efeitos nocivos após o uso de antidepressivos a longo prazo. Infelizmente, o que descobriram foi que todos os ensaios clínicos não relataram danos ou que escolheram medidas de resultado muito seletivas que provavelmente ocultavam a verdadeira extensão dos efeitos nocivos.

Por esse motivo, os pesquisadores concluem que “os ensaios randomizados atualmente disponíveis não podem ser usados para investigar danos persistentes ocasionados pelos antidepressivos”.

Creative Commons

É possível se extrapolar os danos em longo prazo a partir dos danos em curto prazo dos antidepressivos cujos resultados são hoje conhecidos. Os pesquisadores escrevem que “sabemos que o uso em curto prazo de antidepressivos pode causar irritabilidade, ansiedade e pânico, embotamento emocional, discinesias, comprometimento sexual, assim como suicídio e agressão”. Além disso, efeitos sérios de abstinência estão cada vez mais sendo bem documentados: podem durar meses ou anos, assim como podem ser confundido com sendo o retorno dos sintomas depressivos para os quais foram prescritos.

Os pesquisadores conduziram uma revisão sistemática de todos os ensaios clínicos existentes tendo como objeto os antidepressivos, pesquisas randomizadas e controladas por placebo (duplo-cego), que examinaram o seu uso a longo prazo (com resultados até pelo menos seis meses). Sem surpresa alguma, havia muito poucos ensaios que empregaram esse critério. Com outras palavras, os pesquisadores encontraram apenas 12 estudos desse tipo. Com um detalhe, nem todos os estudos se concentraram na depressão. Alguns estudos incluíram pacientes com transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno do pânico, transtorno da compulsão alimentar periódica e até adolescentes que se recusaram a ir à escola.

Embora já tenha havido milhares de ensaios clínicos de antidepressivos já feitos, apenas esses 12 estudos foram os que relataram resultados de uso a longo prazo. Apareceram também outros problemas com os estudos que eles examinaram, que são assim explicados:

Os resultados relatados foram menos detalhados durante o acompanhamento (‘follow-up’) do que no período de intervenção, e apenas dois estudos mantiveram o duplo-cego durante o acompanhamento.”

Isso significa que os estudos falharam em medir com precisão seus resultados no acompanhamento (‘follow-up’). Isso também significa que em 10 dos 12 estudos, os participantes sabiam se estavam recebendo antidepressivos ou placebo durante as avaliações de follow-up, o que provavelmente influenciou os resultados coletados.

Os pesquisadores escrevem que, como os ensaios clínicos randomizados e controlados existentes não são úteis para analisar benefícios e riscos de longo prazo do uso de antidepressivos, outros tipos de estudos são os que fornecem as únicas informações sobre este tópico.

Por exemplo, um estudo observacional de resultados em longo prazo acompanhou aqueles que usam antidepressivos ao longo do tempo e correlacionou o seu uso com os resultados. Os pesquisadores desse estudo descobriram que aqueles que tomaram antidepressivos tiveram resultados piores após nove anos do que aqueles que não receberam o medicamento – mesmo quando a gravidade dos sintomas depressivos esteve sob controle.

****

Danborg, P. B., Valdersdorf, M., & Gøtzsche, P. C. (2019). Long-term harms from previous use of selective serotonin reuptake inhibitors: A systematic review. International Journal of Risk & Safety in Medicine, 30, 59-71. DOI: 10.3233/JRS-180046 (Link)

Noticias

Blogues