Um estudo recente publicado em Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology examina a relação entre a solidão e os “transtornos mentais comuns” de gravidade variável. Realizando uma análise longitudinal em uma coorte de adultos holandeses com idades entre 18 e 64 anos, os autores descobriram que a solidão prediz o início de transtornos mentais comuns (TMC) graves, mas não de TMC de leve a moderado. Eles também descobriram que os TMC graves preveem um aumento da solidão ao longo do tempo.
“Estudos em larga escala de jovens, de meia idade e idosos, na população em geral, relatam taxas de solidão que variam de 14 a 47%, escrevem Jasper Nuyen e coautores. “Vários estudos transversais de base populacional descobriram que a solidão está fortemente relacionada a transtornos de humor e ansiedade em adultos (incluindo idosos), e estudos recentes também sugerem um vínculo transversal com transtornos por uso de substâncias”.
Solidão pode ser definida como uma situação vivenciada por um indivíduo na qual há uma ausência desagradável ou inadmissível de (ou qualidade de) certos relacionamentos. A solidão prediz uma variedade de problemas de saúde mental e física, de modo que alguns pesquisadores nos EUA a chamam de ameaça à saúde pública.
O vínculo social de qualidade é amplamente considerado como sendo uma necessidade humana fundamental, embora dois em cada cinco estadunidenses relatam que “às vezes ou sempre sentem que seus relacionamentos sociais não são significativos”. Mais da metade de todos os estadunidenses relatou sentir que ninguém os conhece bem. Muitos países europeus também mostram altas taxas de solidão, embora países como Portugal, Grécia e outros possam ter menos incidência dessa epidemia.
“Existem algumas evidências de pesquisas longitudinais baseadas na população sugerindo que a solidão aumenta o risco de aparecimento de ansiedade e transtornos depressivos”, escrevem os pesquisadores.
“Entre os adultos com idades entre 30 e 31 anos no início do estudo (baseline), durante um período de 13 anos de acompanhamento (follow-up) verificou-se que a solidão aumentou o risco da primeira internação hospitalar ocasionada por um transtorno de ansiedade, assim como após o ajuste por idade, renda e número de doenças físicas. Um estudo anterior entre adultos mais velhos mostrou que a solidão verificada no início do estudo previa a incidência da depressão incidente em um follow-up de três anos.”
O presente estudo busca melhorar e expandir as pesquisas existentes sobre os efeitos da solidão na saúde mental. A maior parte da literatura existente concentra-se em ansiedade e depressão, mas Nuyen e seus coautores acreditam que uma orientação mais ampla na abordagem dos transtornos mentais ajudará a esclarecer melhor a epidemia de solidão. Além disso, grande parte da pesquisa anterior se concentrou em populações clínicas e de idosos. Os autores do presente estudo concentram-se em populações adultas na Holanda que não estão em clínicas em geral.
Dados longitudinais após uma coorte de adultos holandeses foram extraídos do The Netherlands Mental Health Survey and Incidence Study-2(NEMESIS-2), com adultos de 18 a 64 anos. Um método de acompanhamento de três anos foi usado para examinar os efeitos a longo prazo da solidão na saúde mental e da saúde mental na solidão. Um total de 6646 adultos holandeses foram entrevistados face-a-face, no começo com o suporte de um computador, com várias entrevistas de acompanhamento, ao longo dos três anos de follow-up.
O número de entrevistados disponíveis diminuiu a cada acompanhamento, de 5303 para 4618 e, por fim, para 4007. Os dados da segunda e terceira sessões de entrevistas de acompanhamento foram utilizados no presente estudo, a fim de analisar os efeitos da solidão a longo prazo, usando a escala de solidão De Jong Gierveld.
Os “transtornos mentais comuns” foram classificados de leve a moderado até grave, usando o DSM-IV e o CID. Foram incluídos os seguintes transtornos: transtornos do humor (depressão maior, distimia e transtorno bipolar), transtornos de ansiedade (transtorno do pânico, agorafobia sem transtorno do pânico, fobia social, fobia específica e transtorno de ansiedade generalizada) e transtornos relacionados ao uso de substâncias (álcool / drogas abuso e dependência).
As seguintes condições foram consideradas como ‘graves’: transtorno bipolar I, dependência de substâncias com uma síndrome de dependência fisiológica, tentativa de suicídio nos últimos 12 meses ou comprometimento grave auto-relatado em pelo menos duas áreas de funcionamento.
No início do estudo, uma sub-coorte sem TMC de 12 meses foi descoberta e a taxa de solidão nesse grupo foi de 16,8%. Após três anos, 5,8% desse grupo desenvolveram um TMC leve a moderado em 12 meses, enquanto 2,8% desenvolveram um dos TMC graves. Uma análise de regressão logística multinomial univariada mostrou que a solidão basal estava associada ao aparecimento tardio de TMC graves, mas não de um TMC leve a moderado, o que também foi apoiado por três regressões multivariadas.
38% dos entrevistados com um TMC de 12 meses desde o início relataram sentir solidão. 45,3% desses entrevistados continuaram experimentando TMCs no seguimento, sendo 24,1% leve a moderado e 21,2% grave. Novamente, as análises de regressão univariada e multivariada mostraram uma ligação entre a solidão e a continuação de TMC graves, mas não de TMC leve a moderada.
De um grupo que respondeu inicialmente como não tendo solidão, 7,7% apresentaram algum TMC leve a moderado em 12 meses e 3,3% relataram TMC graves. Depois de três anos, quase 10% desse grupo relatou ter solidão.
“O TMC grave observado no início do estudo (baseline) permaneceu um preditor do início da solidão na análise multivariada, também ao se ajustar para o suporte social percebido no início do estudo. Nenhum dos três modelos multivariados revelou que algum TMC leve a moderado estava na linha de base associada ao desenvolvimento da solidão no seguimento do estudo”, escrevem Nuyen e coautores.
Por fim, da coorte que relatou ter solidão no início do estudo, 12,1% apresentaram um TMC leve a moderado no acompanhamento, enquanto 15,3% apresentaram um TMC grave. 59,9% relataram solidão no follow-up seguinte.
Curiosamente, a relação entre a solidão verificada no início do estudo e os TMC graves no seguimento desapareceu quando os pesquisadores controlaram o suporte social percebido.
“Isso concorda com uma descoberta anterior de que, entre pacientes mais velhos com transtorno depressivo, a associação entre solidão inicial e o curso ruim da depressão se tornou não significativa após o ajuste para outros aspectos das relações sociais, incluindo o suporte social subjetivo”.
O artigo teve vários pontos fortes, como a grande amostra populacional não clínica, o desenho longitudinal que abrange os efeitos da solidão em vários períodos de tempo e o uso de instrumentos psicométricos estabelecidos para avaliar variáveis como a solidão e os TMC.
As limitações incluíram uma sub-representação de habitantes holandeses que não eram fluentes em falar holandês, bem como dificuldades em avaliar o grau de solidão, porque estes indivíduos que viviam solidão muito grave eram muito poucos para serem analisados de maneira significativa.
Além disso, os autores relataram algumas inconsistências em relação à forma como as duas principais variáveis foram medidas, de modo que a solidão foi avaliada nos períodos inicial e de acompanhamento, mas os TMC foram avaliados em intervalos de 12 meses antes e após as sessões de entrevista.
Os autores concluem:
“Além disso, este estudo aponta para a importância de prestar atenção adequada à solidão, tanto em adultos com e sem TMC. Profissionais que trabalham em vários contextos, incluindo a comunidade local, a prática geral e os cuidados de saúde mental, devem estar cientes de que adultos solitários correm um risco maior de desenvolver TMC grave e que a solidão em adultos com TMC existente aumenta o risco de resultados ruins, em especial em termos de TMC grave persistente “.
“E mais ainda, os profissionais devem estar alertas ao aparecimento da solidão entre adultos com TMC graves, pois são um grupo de risco. Nossas descobertas sugerem que intervenções para reduzir a solidão podem ajudar a prevenir o aparecimento de TMC grave em adultos e podem contribuir para melhores resultados em pacientes com TMC existente.”
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Nuyen, J., Tuithof, M., de, G. R., van, D. S., Kleinjan, M., & Have, M. T. (2019). The bidirectional relationship between loneliness and common mental disorders in adults: Findings from a longitudinal population-based cohort study. Social Psychiatry and Psychiatric Epidemiology. (Link)
No Brasil estamos acostumados como o movimento de usuários da psiquiatria. Como se isso represente o máximo do que se pode alcançar: ex-usuários dos manicômios apoiam a Reforma Psiquiátrica.
O movimento de usuários tem sido um forte aliado dos profissionais de saúde mental comprometidos com uma assistência fora dos hospitais psiquiátricos. Graças a essa aliança, importantes conquistas foram alcançadas.
Porém, o Brasil não tem movimentos de “ex-usuários” ou de “sobreviventes da Psiquiatria”.
Quer dizer, no Brasil não há movimentos organizados daqueles que foram “usuários” da Psiquiatria e que saíram do sistema de assistência psiquiátrica. E que têm experiências de vida que devem ser incorporadas ao sistema oficial de assistência. Por exemplo, serem atores ativos, enquanto profissionais, nos serviços de assistência em saúde mental.
Ou que, por haverem sido “vítimas” da assistência psiquiátrica, os “ex-usuários” negam radicalmente que a Psiquiatria possa fazer algum bem. E que lutam por uma assistência não orientada pelo “modelo biomédico” da Psiquiatria.
Se a incorporação de ex-usuários aos serviços de assistência em saúde mental é algo inexistente no país, muito menos se pode imaginar um movimento contra a própria Psiquiatria enquanto tal.
Eis uma problemática que ainda é muito incipiente aqui no Brasil.
Para alimentar o debate a respeito, veja esse vídeo→
Seized packets of the benzodiazepine Diazepam on display at the Health Products Regulatory Authority (HPRA) Headquarters in Dublin after a Europe-wide Interpol-coordinated project called Pangea X. PRESS ASSOCIATION Photo. Picture date: Monday September 25, 2017. See PA story HEALTH Drugs . Photo credit should read: Niall Carson /PA Wire
Apareceu na CNN, This is Life, a primeira de uma série de reportagens da prestigiada jornalista estadunidense Lisa Ling: A Experiência de Tentar Deixar de tomar Benzodiazipínicos.
Lisa Ling participa de uma rara reunião de pessoas que receberam benzodiazepínicos e tiveram efeitos colaterais debilitantes.
Desde 2012, quando Marci Webber foi considerada culpada por insanidade mental por haver matado a sua filha de quatro anos de idade, ela tem estado detida em hospitais psiquiátricos de Illinois. Mad in America publicou vários posts de Cindi Perlin sobre Marci, pois ela cometeu o homicídio enquanto estava no fundo de um episódio psicótico que eclodiu enquanto tomava um coquetel de drogas psiquiátricas.
Em 18 de setembro, um juiz do condado de Illinois decidiu que Marci Webber não mais atendia aos critérios legais para ficar trancada em um hospital psiquiátrico e que o Departamento de Serviços Humanos de Illinois deveria desenvolver um plano para a sua alta condicional.
O juiz George Bakalis não se pronunciou dessa maneira, para ele o ato homicida de Webber se devia às drogas. No entanto, os procedimentos realmente contam uma história que dá motivos para se acreditar que sim, que se devia às drogas prescritas, bem como confirmam as suas queixas de que ela havia sido punida e abusada no Elgin Mental Health Center por se recusar a tomar drogas psiquiátricas no Centro de Assistência.
Drogas psiquiátricas e o longo caminho para o homicídio
Em 2010, Webber tinha 43 anos e não tinha histórico prévio de psicose. No entanto, ela tinha um longo histórico de uso de drogas psiquiátricas e de luta com depressão, ansiedade e insônia – lutas que ela hoje vê como devidas em grande parte à acatisia induzida por drogas.
Nascida em 1967, Webber entrou no Exército em 1987, servindo em uma equipe de mísseis Pershing, com sede na Alemanha. Após uma dispensa com honras que recebeu em 1989, obteve um diploma de bacharel em comunicação pela Universidade de Illinois. Sua primeira filha, Mallory, nasceu em 1992 e, pouco tempo depois, ela estava em uma batalha de custódia com o pai de sua filha. Seu médico receitou Paxil para “aliviar o estresse”, ela disse ao Mad in America (MIA).
Durante os anos seguintes, Webber trabalhou como publicitária em vários empregos e, enquanto estava em Paxil, sofria continuamente de ansiedade e insônia. Em 2000, ela deu à luz a uma segunda filha, Madison, e enquanto lutava com o estresse de cuidar de um recém-nascido, seu médico receitou-lhe uma dose mais alta de Paxil. Em 2001, ela entrou na Albany Law School e, com seus problemas de humor e sono cada vez mais piores, um psiquiatra acrescentou Zyprexa ao Paxil, pois isso deveria controlar o seu humor e ajudá-la a dormir. Em algum momento, Wellbutrin também foi adicionado ao seu coquetel.
Em janeiro de 2002, devido a um problema com a cobertura do seu seguro de saúde, ela não conseguiu renovar as suas prescrições, e a retirada abrupta de seu coquetel levou-a a um colapso. Depois de colocar uma faca em seu braço frente ao seu marido, ela foi internada em um hospital.
O restante do ano foi um grande caos em sua vida. Seu marido a deixou, e seu coquetel de drogas passou a incluir Zoloft, Neurontin e Seroquel, sendo este último um substituto para o Zyprexa. Esse coquetel geralmente induzia uma acatisia excruciante nela, e agora ela começava a beber álcool para amenizar essa dor. Duas vezes mais naquele ano ela foi voluntariamente ao hospital, na esperança de obter alívio para todos esses estresses.
Nos anos que se seguiram, ela tirou uma licença médica na Faculdade de Direito de Albany, havendo concluído cinco dos oito semestres. Ela cuidou de suas duas filhas, vivendo com falta de pensão da previdência social, e em 2006 teve uma terceira filha, Maggie. Durante os anos seguintes, ela ficou em um coquetel de Zoloft, Wellbutrin e Seroquel, com outras drogas usadas de vez em quando. As dosagens dos três principais medicamentos eram frequentemente aumentadas.
No final de maio de 2010 ela viajou para Illinois para a graduação do ensino médio de sua filha Mallory, que naquela época morava com o pai. Mas, ela havia esquecido sua caixa de medicamentos psiquiátricos, e logo se viu diante de graves sintomas de abstinência, e seus pensamentos tomaram uma decisão fortemente paranoica.
Nos 12 meses anteriores, houve vários incidentes na Igreja Católica que ela frequentava, um dos quais envolveu um seminarista tocando indevidamente a sua filha de quatro anos. O que a levou a ficar mais ainda obcecada com esse risco para a filha e, no final de outubro, voltou abruptamente a uma combinação de medicamentos psiquiátricos que havia sido recentemente prescrita. Ela voltou a tomar Zoloft, em alta dose, e um psiquiatra substituiu a receita de Seroquel por uma de Ambien. Este último medicamento é conhecido pelos efeitos colaterais ‘estranhos’ que podem por ele ser causados , incluindo ‘hipnose, amnésia e alucinações’.
“Ambien foi o pontapé inicial”, lembrou Webber. “Foi isso e a acatisia. A dor chegou ao telhado. Você é capaz de fazer qualquer coisa para acabar com isso.”
Os pensamentos de Webber agora corriam soltos. Ela ficou convencida de que um anel sexual na Internet iria vir a sequestrar a sua filha de quatro anos e torná-la uma escrava sexual. Os sequestradores a matariam em um ritual satânico, o que, acreditava Webber, a condenaria ao inferno eterno. Em novembro daquele ano, enquanto visitava a mãe em Illinois, Webber matou a filha para salvá-la desse destino. E tentou se matar.
“Eu pensei que a estava enviando para o céu”, disse ela.
Cindi Perlin, que vinha sendo a psicoterapeuta de Marci há anos, imediatamente teve um pensamento quando soube o que havia acontecido: havia que ser as drogas o que desencadeou o seu ato homicida. “Eu conhecia a intimidade de Marci há oito anos e sabia que ela era uma mãe preocupada e amorosa com seus filhos”, escreveu ela, em um de seus posts no MIA. “Marci nunca tinha sido antes violenta ou psicótica.”
Não é culpada por razões de insanidade
Webber passou dois anos na prisão e, em um curto julgamento em 2012, não foi considerada culpada por insanidade. Depois de um breve período no Chicago-Read Mental Health Center, ela foi transferida para um hospital psiquiátrico em Elgin, Illinois, e foi lá que ela decidiu se posicionar e se recusar a tomar mais medicamentos psiquiátricos.
Sua recusa a tomar medicamentos a levou ser submetida a anos de maus-tratos e assédio, com a equipe a certa altura incentivando-a a se matar. Ela foi agredida mais de uma dúzia de vezes por outros pacientes.
No entanto, uma vez fora das drogas psiquiátricas, os sintomas psicóticos de Webber diminuíram, o que lhe proporcionou ter um motivo legal para solicitar sua libertação. De acordo com a lei de Illinois, uma pessoa considerada inocente por motivo de insanidade pode continuar a ser detida apenas se essa pessoa representar um perigo para si ou para os outros e necessitar de atendimento hospitalar. Webber pediu a alta pela primeira vez em 2014, mas após uma série de atrasos, o tribunal negou seu pedido em 2017.
Em junho de 2018, ela apresentou uma nova petição de quitação da sua pena e as audiências começaram em maio de 2019.
O Testemunho
Webber apresentou o testemunho de dois psicólogos, Toby Watson e Dathan Paterno, e de um psiquiatra, Gail Tasch. Os dois aplicaram uma bateria de testes e todos concluíram que Webber não sofria de nenhum transtorno mental grave e não era um perigo para si ou para os outros. Embora no passado ela tenha sofrido de depressão, ansiedade e sintomas de transtorno de estresse pós-traumático, eles concluíram que qualquer sintoma desse tipo poderia ser atribuído ao seu confinamento e ao tratamento hostil nas instalações de Elgin.
O Estado, que procurava a manter em confinamento, apresentou o testemunho de uma psicóloga, Lesley Kane, quem o tribunal havia nomeado para entrevistar Webber, e do psiquiatra Richard Malis, que trabalhava para o Departamento de Serviços Humanos de Illinois. Embora ambos tenham argumentado que a petição de Webber deveria ser negada, eles o fizeram por diferentes razões.
Kane disse ao juiz que, embora Webber não apresentasse nenhum sintoma psicótico há algum tempo, ela tinha “traços” que apoiavam o diagnóstico de transtorno de personalidade limítrofe. As pessoas com esse distúrbio, disse ela ao tribunal, costumavam ter “mudanças marcantes de humor”, “estarem frequentemente agitadas” e serem propensas a “sarcasmo extremo” e “amargura duradoura”. Se Webber fosse libertada, ela correria o risco “de desenvolver mais sintomatologia em um ambiente comunitário ”, disse Kane e, portanto, que ela deveria permanecer internada em um hospital.
Videotape da entrevista de Leslie Kane sobre Marci Weber, Nov. 20, 2018
Por sua vez, Malis deu a Webber um diagnóstico diferente. Ele testemunhou que Webber sofria de “alucinações e delírios, bem como transtorno bipolar esquizoafetivo”, e que ela continuava sendo “uma ameaça para si mesma ou para os outros”. No entanto, ele reconheceu que, apesar de Webber não tomar remédios há muitos anos, ela não mostrava quaisquer sinais de psicose.
O enfermeiro chefe do turno da noite do Centro de Saúde Mental Elgin, Terry Nicholas, também testemunhou um incidente que bem mostrou um tipo de mentira institucional – frequente no Centro de Saúde Mental Elgin – com relação ao comportamento de Webber. A certa altura, depois que Nicholas escreveu no prontuário de Webber que ela era “agradável e cooperativa”, seus superiores, ao revisarem o prontuário, disseram-lhe que isso aborreceria o Dr. Malis. Em sua decisão, o juiz Bakalis detalhou a sequência de eventos:
“O Sr. Nicholas foi informado de que o Dr. Malis não estava satisfeito com esse relato e que não queria que fossem relatadas coisas agradáveis em relação à peticionária, pois isso prejudicaria sua intenção de solicitar em seu requerimento ao tribunal a obtenção de uma ordem de medicação forçada. Nicholas testemunhou que o próprio Dr. Malis expressou seu descontentamento diretamente com ele, afirmando que não poderia obter a ordem judicial com esses tipos de comentários sobre o quadro da peticionária. Este testemunho não foi contestado pelo Estado.”
O juiz Bakalis observou que algo semelhante surgiu durante a primeira petição de Webber de quitação da sua penalidade. Durante os procedimentos anteriores, dois funcionários da Chicago-Read testemunharam que não achavam que Webber estivesse doente mental e opinavam que ela deveria receber alta. No entanto, ambos haviam assinado anteriormente “cartas recomendando tratamento”, que foram enviadas ao tribunal afirmando que, de fato, ela precisava ser mantida em um ambiente confinado. Este parecia ser outro exemplo da equipe médica apresentando uma falsa avaliação do comportamento de Webber ao tribunal, observou o juiz.
Este testemunho anterior e o presente testemunho de Nicholas pareciam indicar ao tribunal que os funcionários do Departamento de Serviços Humanos de Illinois (IDHS) são instruídos por seus superiores a endossar os diagnósticos lá dados, mesmo que discordem deles. Embora o depoimento na audiência anterior não tenha ocorrido enquanto a peticionária estava sob os cuidados do Dr. Malis, o juiz questionou a maneira pela qual o IDHS vinha produzindo seus relatórios e que a pressão é exercida sobre os funcionários para se adequarem ao que os médicos supervisores achavam que deveria ser feito, mesmo que eles discordassem dos procedimentos. Isso fez com o tribunal suspendesse o julgamento para dar o prazo de noventa dias para que fossem considerados os relatórios que foram submetidos ao tribunal, verificando se eram completamente precisos em relação à peticionária.
A Decisão do Juiz
Esses foram os testemunhos que o juiz Bakanis necessitava para tomar a sua decisão. Ele ouviu três profissionais confirmando que Marci Webber não tinha doença mental, uma quarta testemunha disse que ela tinha um transtorno de personalidade limítrofe
Esse foi o conjunto de testemunhas que o juiz Bakalis necessitou examinar para tomar a sua decisão. Ele tinha ouvido três profissionais testemunharem que Marci Webber não tinha uma doença mental, e uma quarto testemunha afirmando que ela apresentava transtorno de personalidade limítrofe e uma quinta que ela apresentava transtorno bipolar esquizoafetivo. No entanto, todos pareciam concordar que ela não apresentava sintomas de psicose desde que havia interrompido os seus remédios seis anos antes, e também havia testemunhos de que o descumprimento de Webber de manter o tratamento psicofarmacológico havia irritado tanto a Malis que ele repreendeu uma enfermeira por escrever em um gráfico que ela era “agradável e cooperativa” sem os medicamentos.
Primeiro, em sua decisão por escrito, o juiz Bakalis negou a pertinência do depoimento a respeito de Weber que havia sida dada pelas três testemunhas especializadas. O tribunal, escreveu ele, “não pode concordar com os especialistas da peticionária de que ela sofra de doença mental, porque claramente, ela não é uma doente mental”.
Segundo, ele afirmou que foi o testemunho de Kane o que ele achou ser o mais convincente. “O tribunal considera que a análise do Dr. Kane está mais próxima do que na verdade afeta a peticionária, que é ser basicamente um transtorno de personalidade limítrofe. A peticionária claramente precisa ter um bom tratamento e terapia de saúde mental. ”
Terceiro, ele concluiu que Webber “nunca receberá esse [bom] tratamento enquanto estiver sob a custódia do IDHS”, e sob os cuidados do Dr. Malis. O juiz Bakalis escreveu:
“O tribunal perguntou especificamente ao Dr. Malis se era necessária uma relação entre um psiquiatra e um paciente para que o tratamento fosse eficaz; Dr. Malis reconheceu que isso seria necessário. Ele também reconheceu que esse relacionamento não existe entre ele e a peticionária, devido à desconfiança da peticionária em relação a ele e à sua posição de que ela não pode melhorar sem medicamentos psiquiátricos. Quando perguntado pelo tribunal se um psiquiatra diferente poderia ser designado para a peticionária, à luz dessa falta de relacionamento, o Dr. Malis afirmou que isso não seria possível.”
O tribunal está preocupado com a relação de tratamento entre a peticionária e Dr. Malis. Claramente, a peticionária não coopera com o Dr. Malis e o Dr. Malis não vê nenhuma esperança de que a peticionária melhore sem que ela tome medicamentos, mesmo que a peticionária esteja em remissão de psicose há vários anos – sem medicação.
Tendo avaliado o testemunho dessa maneira, Malis concluiu que, embora os traços associados ao transtorno de personalidade limítrofe, como “ser uma pessoa difícil, desagradável e narcísica”, possam “torná-la uma pessoa desagradável”, isso “não estabelece que alguém seja uma pessoa que apresente perigo para si ou para outros.” Como tal, na opinião do tribunal, ela não, “requer estar sendo atendida como paciente internada em um hospital. Muitas pessoas com os mesmos atributos são encontradas em toda a sociedade. ”
No entanto, embora o juiz Bakalis tenha atribuído essas características a Webber, ele observou que ela “não demonstrou comportamento fisicamente violento em relação à equipe ou a outros pacientes. De fato, a peticionária foi objeto de abuso por outros pacientes sem haver retaliado.”
Em suma, o juiz Bakalis constatou que o Estado não havia demonstrado que Webber estava “precisando de serviços de saúde mental em regime de internação”. Ele ordenou ao Departamento de Serviços Humanos de Illinois que desenvolvesse um plano para sua “libertação condicional”, o que exigirá ela receba tratamento de saúde mental na comunidade e que evite todo o uso de drogas não prescritas, maconha e álcool. A liberação condicional será por cinco anos e, se Webber cumprir todas as condições durante esse período, ela será “totalmente liberada” da custódia do Departamento de Serviços Humanos de Illinois.
Uma cronologia das drogas psiquiátricas
Embora exista uma ligação bem estabelecida entre a acatisia induzida por drogas e a violência, e também um risco de que os ISRSs (Inibidores de Recaptação da Serotonina) possam desencadear esse comportamento, o possível vínculo de causa e efeito no caso de Marci Webber é obscurecido por seu longo uso de drogas psiquiátricas sem nunca haver se tornado violenta ou psicótica antes de 2010.
Mas a cronologia é certamente sugestiva desse link. A retirada abrupta de um coquetel de medicamentos que inclui um antipsicótico é conhecida por colocar alguém em risco de sofrer um episódio psicótico, e é notável que ela matou a filha logo depois de voltar a um coquetel que incluía Ambien, com todas os seus possíveis efeitos mentais espantosos. E como ela se lembra hoje, a dor da acatisia havia se tornado intolerável.
Então, depois que ela se afastou dos medicamentos em 2013, sua mente havia ficado limpa e ela não mostrou sinais de psicose desde então.
Em sua decisão, o juiz Bakalis revelou a sua própria ambivalência sobre esse ponto, o que pode ser visto em seu uso da palavra “meramente”:
O tribunal continua a ter algumas preocupações quanto ao fato de a peticionária compreenda completamente que a sua conduta anterior havia sido causada pelo desenvolvimento de doença mental e não apenas causada pelos medicamentos que estava tomando no momento do crime.
Embora a sua liberdade do sistema de internação compulsória seja condicional, com um plano ainda a ser definido, Webber está agora ansiosa pela possibilidade de um novo futuro. “Eu fiz isso para que todos os pacientes quimicamente sensíveis que são forçados a suportar efeitos colaterais horríveis ou perigosos como é a acatisia”, disse ela em uma ligação telefônica para o Mad in America. “Sou grata por estar saindo do inferno em que passei anos e pelo apoio de todos aqueles que contribuíram fielmente para minha causa.”
É cada vez mais comum que as pessoas tomem remédios antidepressivos por um longo prazo. Recentemente, um novo estudo teve como objetivo descobrir se o uso a longo prazo tem ganhado suporte nos dados de ensaios clínicos feitos para esses medicamentos. Os pesquisadores, liderados por Peter C. Gøtzsche, descobriram que esses medicamentos não eram eficazes para o uso a longo prazo. Segundo os pesquisadores, todos os estudos avaliados “concluíram que os medicamentos não são benéficos a longo prazo”.
Além disso, os pesquisadores queriam determinar a prevalência de efeitos nocivos após o uso de antidepressivos a longo prazo. Infelizmente, o que descobriram foi que todos os ensaios clínicos não relataram danos ou que escolheram medidas de resultado muito seletivas que provavelmente ocultavam a verdadeira extensão dos efeitos nocivos.
Por esse motivo, os pesquisadores concluem que “os ensaios randomizados atualmente disponíveis não podem ser usados para investigar danos persistentes ocasionados pelos antidepressivos”.
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É possível se extrapolar os danos em longo prazo a partir dos danos em curto prazo dos antidepressivos cujos resultados são hoje conhecidos. Os pesquisadores escrevem que “sabemos que o uso em curto prazo de antidepressivos pode causar irritabilidade, ansiedade e pânico, embotamento emocional, discinesias, comprometimento sexual, assim como suicídio e agressão”. Além disso, efeitos sérios de abstinência estão cada vez mais sendo bem documentados: podem durar meses ou anos, assim como podem ser confundido com sendo o retorno dos sintomas depressivos para os quais foram prescritos.
Os pesquisadores conduziram uma revisão sistemática de todos os ensaios clínicos existentes tendo como objeto os antidepressivos, pesquisas randomizadas e controladas por placebo (duplo-cego), que examinaram o seu uso a longo prazo (com resultados até pelo menos seis meses). Sem surpresa alguma, havia muito poucos ensaios que empregaram esse critério. Com outras palavras, os pesquisadores encontraram apenas 12 estudos desse tipo. Com um detalhe, nem todos os estudos se concentraram na depressão. Alguns estudos incluíram pacientes com transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno do pânico, transtorno da compulsão alimentar periódica e até adolescentes que se recusaram a ir à escola.
Embora já tenha havido milhares de ensaios clínicos de antidepressivos já feitos, apenas esses 12 estudos foram os que relataram resultados de uso a longo prazo. Apareceram também outros problemas com os estudos que eles examinaram, que são assim explicados:
“Os resultados relatados foram menos detalhados durante o acompanhamento (‘follow-up’) do que no período de intervenção, e apenas dois estudos mantiveram o duplo-cego durante o acompanhamento.”
Isso significa que os estudos falharam em medir com precisão seus resultados no acompanhamento (‘follow-up’). Isso também significa que em 10 dos 12 estudos, os participantes sabiam se estavam recebendo antidepressivos ou placebo durante as avaliações de follow-up, o que provavelmente influenciou os resultados coletados.
Os pesquisadores escrevem que, como os ensaios clínicos randomizados e controlados existentes não são úteis para analisar benefícios e riscos de longo prazo do uso de antidepressivos, outros tipos de estudos são os que fornecem as únicas informações sobre este tópico.
Por exemplo, um estudo observacional de resultados em longo prazo acompanhou aqueles que usam antidepressivos ao longo do tempo e correlacionou o seu uso com os resultados. Os pesquisadores desse estudo descobriram que aqueles que tomaram antidepressivos tiveram resultados piores após nove anos do que aqueles que não receberam o medicamento – mesmo quando a gravidade dos sintomas depressivos esteve sob controle.
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Danborg, P. B., Valdersdorf, M., & Gøtzsche, P. C. (2019). Long-term harms from previous use of selective serotonin reuptake inhibitors: A systematic review. International Journal of Risk & Safety in Medicine, 30, 59-71. DOI: 10.3233/JRS-180046 (Link)
Publicado em Independent: “Alguns anos atrás, novos medicamentos para a depressão eram considerados superiores e menos tóxicos do que a geração mais antiga de pílulas que eles substituíram. Pensa-se que Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRSs) como Prozac e Venlafaxina, produzem menos efeitos colaterais do que medicamentos mais antigos como a Amitriptilina.
À primeira vista, parece bom. Mas a história deveria ter nos alertado para desconfiar de tais alegações. Que se pergunte aos milhares de pacientes que ainda estão sendo retirados das prescrições de Diazepam iniciadas anos atrás, sem saber que eles se tornariam dependentes químicos.
(…) A mesma revisão [revisão da literatura científica que acaba de ser feita] encontrou evidências que sustentam o potencial desses medicamentos [ISRSs] para induzir sintomas de abstinência, como mau humor e insônia. Isso demonstra o quão difícil e confuso é discernir se sintomas como mau humor devem ser atribuídos à retirada de um antidepressivo ou a uma indicação de que o mau humor da pessoa persistiu.
(…) Pesquisadores e clínicos distinguem dependência química da abstinência, embora estejam conectados. Por exemplo, a dependência é marcada pela necessidade de mais medicamento, e não por algo que as pessoas que usam antidepressivos relatam rotineiramente. Mas, compreensivelmente, as pessoas que apresentam sintomas de abstinência após uma redução de antidepressivos podem querer mais do medicamento para evitar sintomas negativos, como insônia ou ansiedade.”
Em novembro de 2017, 35 organizações de saúde mental, lideradas pela Society for Psychotherapy Research (SPR), escreveram uma declaração de tomada de posição, dirigida ao Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (National Institute for Health and Care Excellence -NICE), pedindo revisões das diretrizes clínicas para a depressão em adultos. Eles solicitaram a inclusão do envolvimento das partes interessadas para abordar “falhas significativas na metodologia, falta de transparência e várias inconsistências” presentes nas diretrizes hoje existentes.
No entanto, uma atualização sobre as próximas diretrizes indicou que essas preocupações não foram abordadas. Em resposta, os signatários elaboraram a Declaração da Posição das Partes Interessadas. Eles escrevem:
“Mantemos nossa posição de que estas diretrizes não são adequadas ao objetivo e, se publicadas, impedirão seriamente o atendimento de milhões de pessoas no Reino Unido que sofrem de depressão, potencialmente até mesmo causando danos clínicos”.
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Na declaração original de 2017, as partes interessadas identificaram no rascunho “falhas metodológicas abrangentes e fundamentais”. Inúmeras sugestões de revisões foram descritas.
Primeiro, eles exigem que o NICE examine estudos clínicos que incluam dados de acompanhamento de 1 a 2 anos, em vez de resultados exclusivamente de curto prazo. O significado dessa inclusão foi discutido recentemente por outros pesquisadores (consulte o relatório publicado em MIB). Além disso, a exclusão de ensaios relevantes resultou em diretrizes equivocadas que favorecem pesquisas médicas em detrimento de pesquisas psicológicas, bem como certos tratamentos psicológicos em detrimento de outros.
“Esta não é uma posição científica aceitável e cria preconceitos baseados em escolhas subjetivas, em vez de boas evidências científicas da eficácia do tratamento”.
Outro ponto importante de discórdia com as novas diretrizes envolveu a exclusão de experiências de usuário do serviço. Eles argumentam:
“É necessária uma revisão sistemática completa dos estudos primários da experiência do usuário do serviço, empregando metodologia formal para síntese qualitativa; E os resultados dessa revisão devem ser incorporados à abordagem mais ampla das recomendações quantitativas de revisão e tratamento, em vez de serem deixados como uma seção independente.”
Dado que as opiniões dos usuários do serviço sobre suas experiências têm “pelo menos valor igual à evidência quantitativa de resultados clínicos”, eles observam que a exclusão desses dados não se justifica.
Além disso, de acordo com a Associação Europeia de Psiquiatria, os casos em que os pacientes experimentam “depressão persistente” precisam ser agrupados em vez de separados. Eles acrescentam,
“No futuro, o NICE também precisa verificar se o sistema categórico geral de transtornos mentais realmente se encaixa na experiência do usuário do serviço ou se uma abordagem mais focada no trauma se encaixaria melhor na experiência do usuário do serviço. Enquanto isso, a diretriz atual deve estar pelo menos alinhada com as melhores evidências clínicas e de pesquisa. ”
Juntamente com outras considerações metodológicas específicas, a coalizão sugere fortemente que o NICE use métodos apropriados para examinar os efeitos do tratamento e inclua uma análise dos resultados que não são do tratamento, como a qualidade dos relacionamentos e a capacidade de trabalhar.
Eles escrevem:
“O esboço atual das diretrizes tem um foco extremamente restrito nos sintomas enquanto resultantes do tratamento e falha em levar em consideração outros aspectos da experiência do usuário do serviço que há muito são solicitados, como qualidade de vida, relacionamentos e capacidade de participar no trabalho, educação ou na sociedade. O escopo das diretrizes lista o funcionamento adaptativo, o bem-estar do cuidador e uma série de outros resultados constantes na lista dos principais resultados a serem considerados, e ainda assim as diretrizes não levam em conta esses resultados.”
Embora o NICE tenha reconhecido suas omissões e as suas interpretações errôneas na elaboração do esboço das diretrizes, eles não abordaram as preocupações acima quando ocorreu a segunda rodada de consultas.
“O escopo da terceira revisão não inclui nenhuma das preocupações detalhadas nesta declaração. Em vez disso, o NICE propõe atualizar a revisão de evidências existente e incluir novos trabalhos sobre a ‘escolha do paciente’. Não está claro a que corpo de evidência “escolha do paciente” se refere, mas o NICE especificou que isso não se refere à experiência do paciente (da qual existe um corpo significativo de evidências). ”
Portanto, esta Declaração das Partes Interessadas foi escrita para expressar ainda mais a visão da coalizão de que a diretriz atual é imprópria e corre ainda o risco de causar danos clínicos. Eles enfatizam que isso não pode ser adiado.
“Se essas falhas metodológicas sérias não forem tratadas adequadamente nas diretrizes, as recomendações de tratamento não poderão ser consideradas e serão enganosas, inválidas e impedirão o atendimento de milhões de pessoas no Reino Unido, causando potencialmente danos clínicos”.
Eles concluem:
“As diretrizes da NICE têm uma influência significativa na política do Reino Unido e internacionalmente, e, portanto, a publicação dessas diretrizes em sua forma atual teria um impacto muito prejudicial sobre os usuários, serviços, força de trabalho dos profissionais de saúde e práticas de pesquisa.”
Atualmente, milhões de pessoas em todo o mundo estão tentando abandonar os medicamentos psiquiátricos, mas consideram isso ser extremamente difícil, por causa dos efeitos de abstinência que são frequentemente graves e persistentes, e porque há tão pouco apoio disponível para a retirada dos medicamentos de maneira lenta e segura.
Os 40 especialistas internacionais que compareceram à reunião deste fim de semana (final de setembro de 2019) do Instituto Internacional de Retirada de Drogas Psiquiátricas (www.iipdw.org) votaram a favor das recomendações da recente revisão da Public Health England [PHE] sobre‘Dependência e abstinência associada a medicamentos prescritos’ e comprometeram-se a tentar implementá-las nos 15 países de onde são e nos demais países. Essas recomendações incluem:
Melhoria da orientação clínica e a probabilidade de ser seguida.
Melhorar as informações para pacientes e prestadores de cuidados acerca dos medicamentos prescritos e aumentar a escolha informada e a tomada de decisão compartilhada entre médicos e pacientes.
Melhorar o suporte disponível do sistema de saúde para pacientes com dependência ou retirada dos medicamentos prescritos.
Mais pesquisas sobre a prevenção e tratamento da dependência e retirada dos medicamentos prescritos.
Os participantes concordaram que, além de antidepressivos e benzodiazepínicos, outras drogas psicoativas, por ex. antipsicóticos, devem ser incluídas. Eles também concordaram com a PHE que: ‘o objetivo é garantir que nosso sistema de saúde desenvolva consciência e aprimore a tomada de decisões para melhor tratamento e apoio ao paciente. Essas recomendações são apenas o começo. Todas as partes do sistema de saúde e a população em geral precisarão se envolver com esse problema complexo e trabalhar juntas para encontrar soluções ‘.
A reunião decidiu realizar uma grande conferência internacional na Islândia em 2020.
A organizadora da reunião, Dra. Carina Håkansson (Psicoterapeuta, Suécia), comentou:
“Todas as nossas esperanças foram superadas. Muitos planos, locais e internacionais, surgiram desse encontro de especialistas e ativistas inspirados. Chegou claramente a hora de se mudar esta questão.” [email protected]
Os participantes comentaram:
“As drogas psiquiátricas destruíram 10 anos da minha vida. Estou tão feliz que finalmente estamos abordando esta questão de como parar com esses medicamentos, que afetam literalmente milhões de pessoas.” Olga Runciman, Dinamarca (psicóloga, membro do Conselho do IIPDW) +45 27851003, [email protected]
“Os médicos devem poder prescrever as ‘tiras de afunilamento medicação’ que demonstrei na reunião, que são necessárias para se parar com segurança o uso dos medicamentos psiquiátricos. Isso é crucialmente importante ‘. Dr. Peter Groot, Holanda (Hospital Universitário da UMC, Utrecht) +31 622290233 [email protected]
“Como psiquiatra do NHS, sei quantas vidas são arruinadas por excesso de medicação. Precisamos reconhecer que existem alternativas mais poderosas e menos prejudiciais.” Dr. Rex Haigh, Reino Unido (Berkshire) +44 7768 546983 [email protected]
“O forte compromisso durante todo o fim de semana, de pesquisadores, clínicos e pessoas com experiência em drogas psiquiátricas, foram momentos inspiradores. A negação e minimização dos danos que a psiquiatria e as empresas farmacêuticas produzem não prevalecerão mais em nossa sociedade”. Professor John Read, Reino Unido (Universidade de East London, Membro do Conselho do IIPDW) +44 7944 853 783 [email protected]
MISSÃO
O Instituto Internacional para Retirada de Drogas Psiquiátricas (IIPDW) foi criado para responder a uma necessidade flagrante de saúde mental: desenvolver maneiras de ajudar as pessoas a se afastarem dos medicamentos psiquiátricos.
A saúde mental falhou em fornecer apoio às pessoas que desejam reduzir ou retirar seus medicamentos psiquiátricos. Frequentemente, as pessoas simplesmente ouvem que é uma má ideia e, por conseguinte, tentam reduzir ou deixar de tomar esses medicamentos sem o apoio de que precisam.
De fato, os medicamentos psiquiátricos são prescritos há 60 anos; há poucas pesquisas sobre como retirar esses medicamentos. A maioria dos estudos de abstinência realizados envolveu abstinência abrupta dessas drogas e, mesmo em estudos em que os medicamentos foram retirados mais gradualmente, não houve esforço para identificar os suportes necessários.
A missão do nosso Instituto é reunir conhecimento e dados de pesquisa baseados na prática para que essa lacuna seja preenchida. Nosso objetivo é reunir esse conhecimento e disseminá-lo para pacientes, familiares, profissionais da assistência, organizações profissionais e por toda a sociedade.
NOSSOS OBJETIVOS
Desenvolver pesquisas e conhecimentos baseados na prática que facilitem a redução e a retirada seguras de medicamentos psiquiátricos.
Contribuir para práticas baseadas em evidências para redução e abstinência de medicamentos psiquiátricos e facilitar sua inclusão nas diretrizes de prática geral.
Apoiar o direito humano à escolha informada em relação aos medicamentos psiquiátricos.
Promover práticas que ajudem famílias, amigos e profissionais a apoiar a redução e a retirada seguras de medicamentos psiquiátricos, levando em consideração os aspectos relacionais e sociais essenciais para esse processo.
Em um novo artigo, os pesquisadores afirmam explicitamente que os antidepressivos não devem ser usados, uma vez que não há evidências suficientes de benefício e evidências para o risco de possíveis danos. Eles baseiam essa conclusão em uma revisão completa dos estudos existentes.
“Os benefícios dos antidepressivos parecem ser mínimos e possivelmente sem importância para a maioria dos pacientes com transtorno depressivo maior”, eles escrevem. “Antidepressivos não devem ser usados em adultos com transtorno depressivo maior, antes que evidências válidas mostrem que os potenciais efeitos benéficos superam os efeitos nocivos”.
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O artigo, publicado on-line no BMJ Evidence-Based Medicine, foi escrito por pesquisadores proeminentes da área, incluindo Irving Kirsch (Harvard University, especialista em antidepressivos e efeito placebo) e Janus Jakobsen e Christian Gluud (Center for Clinical Intervention Research, Dinamarca).
Os pesquisadores escrevem que as análises dos ensaios clínicos constatam consistentemente que os antidepressivos têm uma ligeira vantagem estatística sobre o placebo. No entanto, esse efeito é mínimo e provavelmente nem é visivelmente diferente do placebo para clínicos ou pacientes. Embora exista uma pequena diferença estatística, ela está associada a um julgamento de “nenhuma mudança”. Estima-se que a diferença seja equivalente a menos de uma diferença de 2 pontos em uma escala de 52 pontos – e outras pesquisas descobriram que pelo menos uma diferença de 7 pontos é necessária para ser clinicamente relevante.
Apesar desses resultados, o uso de antidepressivos é generalizado e crescente. Os pesquisadores observam que um em cada oito adultos nos EUA relatou tomar um antidepressivo no mês passado, e mais de 60% deles tomam o medicamento há mais de dois anos.
Uma percepção comum é que os antidepressivos são necessários nos casos mais graves de depressão, mesmo que sejam ineficazes para a depressão de leve à moderada. No entanto, a pesquisa atual tem sistemática e consistentemente não dando apoio a esta hipótese. Os pesquisadores escrevem que “não há evidências claras para apoiar a noção de que os antidepressivos seriam mais benéficos na depressão grave em comparação com a depressão leve ou moderada”.
Outro ponto importante é que os antidepressivos geralmente são prescritos para tratamento a longo prazo, apesar da falta de estudos rigorosos a longo prazo – e evidências de que os sintomas depressivos podem sim ser agravados pelo uso de antidepressivos a longo prazo. Os pesquisadores escrevem que “não há evidências para tratamento a longo prazo com antidepressivos”.
Os pesquisadores também criticaram os altos níveis de viés nos ensaios clínicos existentes, o que resulta em uma superestimação de benefícios e minimização de danos. Os pesquisadores escrevem que os ensaios independentes – não vinculados à indústria farmacêutica – não encontraram “efeito significativo dos ISRSs”, ainda que os ensaios com “viés de obtenção de lucro” provavelmente encontrem um efeito estatisticamente significativo para os antidepressivos. Estudos, nos quais um autor do artigo era funcionário da empresa farmacêutica, “tiveram 22 vezes menos de chances a ter declarações negativas sobre o medicamento” do que aqueles estudos realizados sem profissionais comprometidos com a indústria farmacêutica.
Os pesquisadores também observam que o diagnóstico de depressão é um julgamento subjetivo, feito com base na interpretação do clínico a partir de variados critérios. Quer dizer, o diagnóstico não se baseia em nenhum quadro referencial com bases causais ou biológicas, e “não há testes objetivos e nem tampouco laboratoriais (por exemplo, exames de sangue, ressonância magnética) para depressão ou para que o diagnóstico seja validado”.
O estudo também analisa pesquisas sobre os efeitos adversos dos antidepressivos. Eles destacam o risco de problemas gastrointestinais, disfunção do sono e disfunção sexual, que podem continuar mesmo após a interrupção do medicamento. Eles também observam que muitos dos dados sobre danos vêm apenas de estudos de curto prazo de uso e que os efeitos a longo prazo são provavelmente os mais graves. Eles também escrevem que os efeitos de abstinência podem ser graves e durar vários meses, se não muito mais.
Os pesquisadores concluem que qualquer recomendação para prescrever antidepressivos deve avaliar os benefícios e os malefícios do medicamento. A análise feita por eles sugere que os benefícios potenciais são mínimos, na melhor das hipóteses, enquanto que o risco de dano é gigantesco.
Eles sugerem reformas estruturais, tais como abordar questões como desemprego e pobreza, que estão substancialmente correlacionadas com a experiência da depressão. Eles também citam diretrizes internacionais para o tratamento da depressão, que tomam como foco exercícios, higiene do sono e alimentação saudável – enquanto sendo intervenções de primeira linha.
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Jakobsen, J. C., Gluud, C., Kirsch, I. Should antidepressants be used for major depressive disorder? BMJ Evidence-Based Medicine. Epub ahead of print: September 26, 2019. DOI:10.1136/ bmjebm-2019-111238 (Link)
Em um novo artigo, os pesquisadores Susan McPherson e Michael Hengartner examinam dados sobre os resultados da depressão a longo prazo. O estudo foi conduzido em antecipação às próximas revisões das diretrizes de tratamento da depressão propostas pelo Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados – National Institute for Health and Care Excellence (NICE). Seus resultados demonstraram que os antidepressivos se tornam menos eficazes ao longo do tempo, enquanto que as terapias psicológicas tendem a aumentar em eficácia.
Anteriormente, o NICE excluiu análises de ensaios de depressão a longo prazo em suas diretrizes, porque o número de estudos sobre depressão a longo prazo era insuficiente. No entanto, essa decisão foi recebida como sendo um empecilho, porque estudos de longo prazo – que examinam o prognóstico da depressão além da média de 10 semanas de tratamento – são uma fonte crucial de evidência.
McPherson e Hengartner argumentam que “se for possível concordar que dados de ensaios de boa qualidade e de longo prazo são a melhor evidência possível para condições de longo prazo, a escassez e a qualidade variável desses dados não devem ser um motivo para excluí-los nas análises usadas para informar as recomendações das diretrizes de depressão.”
O NICE concordou recentemente em considerar esses dados para a próxima revisão. Em resposta, para informar o processo de revisão, McPherson e Hengartner realizaram uma revisão das evidências disponíveis sobre os resultados da depressão em longo prazo. Eles escrevem:
“As partes interessadas argumentaram que os resultados a longo prazo fornecem a ‘melhor evidência possível’ e os executivos da NICE concordaram recentemente em analisar o problema novamente. Examinamos os dados disponíveis para ilustrar como o NICE poderia fazer uso dessa evidência.”
A análise deles constatou:“que a longo prazo os antidepressivos são consistentemente menos eficazes do que o tratamento psicológico isoladamente ou em combinação com antidepressivos”.
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Entre os estudos sobre resultados de depressão sintetizados pelo NICE, os ensaios de depressão a longo prazo foram agrupados em duas categorias distintas: “depressão resistente ao tratamento” e “depressão crônica”. No entanto, porque os estudos “resistentes ao tratamento” e “crônicos” tendem a caracterizar casos de depressão ocorridos em ‘episódios’ que duram dois anos ou mais, os pesquisadores não os consideraram distinções clinicamente significativas.
Nesta revisão, eles combinaram os dois corpos da literatura (sobre depressão “resistente ao tratamento” e “crônica”). Sua análise incluiu onze estudos que examinaram a depressão aos seis meses de tratamento ou mais tarde. Os tratamentos nesses estudos variaram, apresentando uma combinação de terapias antidepressivas e psicológicas (por exemplo, apoio de colegas, terapia interpessoal, terapia cognitivo-comportamental, terapia de grupo).
McPherson e Hengartner examinaram os tamanhos dos efeitos dos antidepressivos ao término do tratamento e acompanharam e compararam os tamanhos dos efeitos dos tratamentos psicológicos na conclusão e acompanhamento do tratamento.
Os tratamentos psicológicos pareceram aumentar em eficácia ao longo do tempo, exceto a psicoterapia cognitivo-interpessoal em grupo, que diminuiu em eficácia ao longo do tempo, e o sistema de análise cognitivo-comportamental da psicoterapia, ao apresentarem resultados variados. Os antidepressivos foram consistentemente menos eficazes ao longo do tempo quando comparados aos tratamentos psicológicos isolados e aos tratamentos psicológicos em combinação com antidepressivos.
Existem várias limitações a serem consideradas ao se interpretar esses achados. Inconsistências entre os estudos, como a variabilidade no design e os efeitos diferenciais causados por danos menores, efeitos colaterais e tolerabilidade em tratamentos psicológicos versus ensaios com antidepressivos, se quisermos dar alguns exemplos. “Portanto”, escrevem os autores, “as descobertas aqui não são apresentadas como uma meta-análise independente e devem ser interpretadas com cautela”.
As diretrizes da NICE, no entanto, fornecem uma graduação de ensaios que podem ser responsáveis por esse viés quando seus resultados forem aplicados para o desenvolvimento de diretrizes.
Além disso, é importante examinar os dados suplementares sobre os resultados a longo prazo da depressão que apóiam esses achados. Por exemplo, outros estudos ilustraram que a recorrência da depressão é mais provável para aqueles que tomam antidepressivos do que aqueles que receberam um placebo. Além disso, quanto mais tempo uma pessoa toma antidepressivos, maior a probabilidade de que ela sofra recaída. Esses resultados foram interpretados como sendo resultante do aumento da tolerância aos antidepressivos ou os efeitos da retirada do antidepressivo.
Estudos de coorte naturalistas indicam que o uso de antidepressivos a longo prazo tem resultados piores do que o uso a curto prazo, e tratamentos não farmacológicos resultam serem mais promissores do que aqueles com o uso a longo prazo de antidepressivos. Além disso, a pesquisa constata que é difícil parar de tomar antidepressivos após uso prolongado.
De fato, alguns pacientes podem desenvolver uma dependência aos antidepressivos, e alguns que usam antidepressivos por um período prolongado relatam sentir-se viciados. Além das complicações do uso de antidepressivos, estão os efeitos colaterais complicados que se apresentam enquanto complicações significativas à saúde, como obesidade, hepatotoxicidade e eventos cardiovasculares.
“As análises experimentais dos dados de resultados a longo prazo revelam um quadro clínico importante, apoiado em evidências encontradas em outras formas de pesquisa longitudinal. Embora as evidências devam ser avaliadas adequadamente com a metodologia GRADE, é importante considerá-las nas diretrizes da NICE para cuidado com os pacientes, bem como nas prioridades de pesquisa em andamento e futuras. ”
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McPherson, S., & Hengartner, M. P. (2019). Long-term outcomes of trials in the National Institute for Health and Care Excellence depression guideline. BJPsych Open, 5(5). DOI: 10.1192/bjo.2019.65 (Link)