Por que a ‘Psiquiatria Exata’ não é uma Mudança de Paradigma

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Peter SimonsUma carta que acaba de ser publicada em JAMA Psychiatry sugere que “a psiquiatria exata” não é a mudança de paradigma tal como é o pretendido pelo establishment psiquiátrico.

A carta foi escrita por Ana Gómez-Carrillo, MD, Dr Med; Timothé Langlois-Thérien, BSc, e Laurence J. Kirmayer, MD, FRCPC, FCAHS, FRSC, da McGill University e do Hospital Geral Judaico de Montreal, Québec.

Em um ‘ponto de vista’ anterior, apresentado igualmente na mesma JAMA Psychiatry, foi sugerida a necessidade de uma ‘mudança de paradigma’ na psiquiatria, desde que tome como foco a ‘medicina genômica’, como se essa fosse a tal mudança pretendida. A pretenção é que a ‘Medicina genômica’ se constituiria como base da chamada ‘psiquiatria exata’. Tal psiquiatria estaria assim baseada na noção de que, se variantes genéticas suficientes forem descobertas, os fármacos poderiam ser direcionados a pessoas específicas conforme tais variantes ‘biológica’- o tratamento supostamente visando apenas aqueles que teriam uma reação positiva a esses produtos químicos que são os psicofármacos.

No entanto, como Gómez-Carrillo e os outros autores apontam em sua carta, isso dificilmente pode ser considerado como sendo uma mudança de paradigma. Afinal, a psiquiatria predominante já opera supondo que os problemas em saúde mental são um distúrbio cerebral que pode ser consertado por agentes farmacêuticos. Essa suposta ‘mudança de paradigma’ é simplesmente dizer que ‘os psiquiatras precisam direcionar melhor esses produtos farmacêuticos’ – o que é, na melhor das hipóteses, uma pequena extensão do paradigma atual, não uma mudança de fato.

De acordo com Gómez-Carrillo, “a visão dos autores perpetua as atuais abordagens explicativas reducionistas e, como tal, não pode tal visão ser considerada uma mudança de paradigma”.

Novo Paradigma

Embora a psiquiatria neurobiológica tenha identificado numerosas variantes genéticas teoricamente associadas a problemas de saúde mental, nenhuma dessas variantes é útil para que seja dita haver diferença entre indivíduos com e sem problemas de saúde mental (além de marcadores de doenças físicas, como doenças da tireoide ou doenças metabólicas, que podem levar a problemas de saúde mental).

Por exemplo, um estudo relatado no Mad in America descobriu que, de 7.849 pessoas com um diagnóstico de saúde mental, 32 pessoas tinham uma variante genética específica. Das 10.799 pessoas do grupo de controle “saudável”, 9 tinham a mesma variante genética. Ou seja, em ambos os grupos, um número minúsculo de pessoas tinha essa variante genética, sendo que mais de 99,5% das pessoas em ambos os grupos não tinham essa variante genética. No entanto, este estudo foi apresentado como se fosse uma evidência científica de que uma variante genética tenha sido descoberta relacionada a problemas com a saúde mental.  A respeito, confira um outro estudo apresentado aqui no Mad in Brasil, onde se analisa essa busca da psiquiatria por marcadores genéticos, como se aí estivesse guardado algo como o Santo Graal.

Assim, Gómez-Carrillo argumenta que a ‘psiquiatria exata’, como é apresentada na literatura, é uma pista falsa, continuando a dominação do paradigma reducionista neurobiológico que repetidamente não encontrou, até hoje, nenhum biomarcador identificável para explicar os problemas de saúde mental.

Em vez disso, escreve Gómez-Carrillo, a psiquiatria deveria estar se concentrando em entender melhor os correlatos sociais, ambientais e psicológicos dos problemas de saúde mental. Afinal de contas, trauma, pobreza, identidade marginalizada e a vida urbana, são fenômenos muito mais correlacionados com problemas de saúde mental do que fatores biológicos. Isso, como o artigo sugere, seria sim uma verdadeira mudança de paradigma.

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Confira → Gómez-Carrillo, A., Langlois-Thérien, T., Kirmayer, L. J. (2018). Precision psychiatry—Yes, but precisely what? JAMA Psychiatry, e1. Published online October 17, 2018. doi:10.1001/jamapsychiatry.2018.2651 (Link)

Fazendo da inclusão uma realidade: primeira parte de entrevistas

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Afastando-se do modelo biomédico e da institucionalização, pessoas com deficiências psicossociais em todos os lugares demonstraram que existem alternativas melhores para a inclusão de pessoas com deficiência em sua comunidade. Com a criação de espaços para formas alternativas de recuperação, usando métodos tradicionais de cura para enfatizar a conformidade com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD) em nível nacional, e construindo coalizões com outros grupos, as pessoas com deficiência na região Ásia-Pacífico estão se esforçando para fazer da inclusão uma realidade dentro de seus contextos.

Nesta primeira parte de uma série de duas, Mad in Asia Pacific conversa com as ativistas Emmy Charissa (Cingapura), Silvia Antonia De Costa Soares (Timor Leste) e Frank (China), sobre a situação específica em seus países para pessoas com deficiências psicossociais, os desafios que enfrentam e as diferentes maneiras pelas quais estão garantindo uma maior inclusão de pessoas com deficiências psicossociais em seus países.

Todas as entrevistas foram conduzidas no Plenário da TCI Asia Pacific em Bali, 2018.

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Emmy Charissa, Disabled Young Adults Group, Singapore

Silvia Antonia De Costa Soares, Training and Inclusion Manager, Timor Leste

 

Frank, Program Officer, Xin Tu Community Health Promotion Centre, China

 

Porque o discurso do ódio não é um discurso livre

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From Medium: “Tal como a violência, o discurso de ódio também pode ser uma imposição física à liberdade dos outros. Isso porque a linguagem tem um efeito psicológico imposto fisicamente – no sistema neural, com efeitos incapacitantes a longo prazo. […]

Todo pensamento é realizado por circuitos neurais – não flutua no ar. A linguagem ativa neurologicamente o pensamento. A linguagem pode, assim, mudar o cérebro, tanto para o melhor quanto para o pior. O discurso de ódio muda o cérebro dos odiados para o pior, criando estresse tóxico, medo e desconfiança – todos os circuitos físicos, todos em um, ativados todos os dias. Este dano interno pode ser ainda mais grave do que um ataque com um punho. Ela se impõe à liberdade de pensar e, portanto, de agir livre de medo, ameaças e de desconfiança. Ela afeta a capacidade de pensar e agir como um cidadão totalmente livre e por muito tempo. […]

Discurso de ódio também pode mudar o cérebro daqueles com preconceito leve, movendo-o para o ódio e para a ação ameaçadora. Quando o ódio está fisicamente em seu cérebro, então você pensa que odeia e sente ódio, e você é movido a agir para realizar o que você, fisicamente, em seu sistema neural, pensa e sente.

É por isso que o discurso do ódio não é ‘mero’ discurso. […]

Os efeitos físicos de longo prazo, muitas vezes incapacitantes, do discurso de ódio sobre os sistemas neurais dos odiados não têm status na lei, já que nossos sistemas neurais não têm status em nosso sistema legal – pelo menos não ainda. Essa é uma lacuna entre a lei e a verdade.”

Artigo →

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As descobertas sobre a Dependência das Drogas Prescritas : a resposta terrível da Psiquiatria

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Do Dr. Terry Lynch, da Mental Health Academy:

“A dependência de drogas prescritas é uma questão tão importante, embora seja sistematicamente varrida para debaixo do tapete pelos prescritores de drogas psiquiátricas.

“Por que dois psicólogos – John Read e James Davies – realizaram essa pesquisa?

“Onde estão os prescritores dessas substâncias antidepressivas ISRS – psiquiatras e médicos em geral – durante décadas vem assegurando ao público que não há problemas significativos de abstinência associados a essas substâncias?

“Por que os entusiastas prescritores dessas substâncias – psiquiatras e médicos em geral – têm continuamente assegurado ao público que não há necessidade de se preocupar com problemas de abstinência, e não fizeram pesquisas como esta décadas atrás, antes que essas drogas fossem impulsionadas sobre um desavisado e confiante público internacional?

“Por que os prescritores não estão no topo desta questão, assumindo a liderança – como qualquer profissão responsável assim o faria – em relação às substâncias que eles mesmo prescrevem tão amplamente?

“Por que os prescritores parecem querer saber pouco ou nada sobre a grande questão da dependência de drogas prescritas, como o evidenciado pela resposta abaixo do que seria esperado ser dada por Royal College of Psychiatrists e pela American Psychiatric Association a essa importante nova pesquisa?

“A recusa da psiquiatria dominante em levar a sério essas descobertas e resolver os problemas inevitavelmente deixa o vasto número de pessoas que experimentam graves problemas de abstinência de antidepressivos sozinhos, sem apoio, párias virtuais, deixando a essas pessoas pouca opção além de se apoiar umas às outras da melhor maneira possível, através da internet e outros grupos.”

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O 2 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, recentemente realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ, nos dias 29, 30 e 31 de outubro, contou entre seus convidados com a presença de John Read. Questões como essas levantadas pelo Dr. Terry Lynch foram objeto do nosso debate durante o Seminário.

Entre os diversos livros de Dr. Terry Lynch, destacamos este: The Systematic Corruption of Global Mental Health: Book One: Prescribed Drug Dependence.

Artigo →

Estudo explora conexões entre Dieta e ‘Doenças Mentais Sérias’

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bernalyn ruizEm uma carta ao editor publicada recentemente na World Psychiatry, os pesquisadores descrevem um estudo comparando a diferença na nutrição e na inflamação associada à dieta entre pessoas diagnosticadas com uma doença mental grave (DMG) e a população em geral. Os autores verificaram que, quando comparados aos controles, aqueles com diagnóstico de esquizofrenia, bipolar e depressão apresentaram dietas com maior índice inflamatório e maior consumo de energia total, carboidratos, açúcar, gordura total e gordura saturada.

Pesquisas anteriores demonstraram a existência de uma relação entre ter uma dieta maior em alimentos pró-inflamatórios e depressão. Os autores do presente estudo apontam que pesquisas demonstraram que pessoas diagnosticadas com DMG apresentam níveis mais elevados de marcadores inflamatórios periféricos. Ter dietas com uma maior ingestão calórica e consumo excessivo de alimentos ricos em gordura e açúcar aumentam os níveis de inflamação sistêmica, bem como o risco de diabetes e mortalidade cardiovascular.

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Utilizando dados do estudo do Reino Unido Biobank, os indivíduos que receberam um diagnóstico de transtorno depressivo recorrente, transtorno bipolar (tipo I ou II), ou esquizofrenia e controles saudáveis foram selecionados a partir dos participantes do Biobank do Reino Unido. Quase 70.000 participantes foram incluídos na análise de dados, dos quais 54.000 foram usados como controles.

Os grupos de esquizofrenia, bipolar e depressão mostraram um aumento significativo no total de calorias, carboidratos, açúcar, gordura total, gordura saturada e consumo de proteína. Nenhuma mudança significativa foi notada no ajuste para a etnia, índice de massa corporal, educação e privação social. Os autores também analisaram o índice inflamatório dos participantes. Os dados revelaram que os participantes com diagnóstico de esquizofrenia e depressão apresentavam dietas com índice inflamatório significativamente maior quando comparados aos controles.

Os autores explicam que esses dados revelaram que “pessoas com DMGs têm maior ingestão de nutrientes obesogênicos e mais dietas inflamatórias do que a população em geral”. Eles sugerem que “deve-se considerar mais o aumento do consumo de alimentos ricos em nutrientes que são conhecidos por reduzir inflamação sistêmica”.

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Firth, J., Stubbs, B., Teasdale, S. B., Ward, P. B., Veronese, N., Shivappa, N., … & Sarris, J. (2018). Diet as a hot topic in psychiatry: a population‐scale study of nutritional intake and inflammatory potential in severe mental illness. World Psychiatry17(3), 365. (Link)

Fritjof Capra: Visão de sistemas da vida

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Will HallO que a saúde se torna quando a ciência é limitada por uma visão mecanicista da realidade? Como uma visão mecanicista molda conceitos de saúde mental e doença – e nega a vitalidade fundamental dos seres humanos? O que o estudo dos sistemas vivos nos ensina a criar uma visão diferente e mais holística? Fritjof Capra, físico teórico, teórico de sistemas e autor de vários livros best-sellers internacionais, incluindo os disponíveis em português: O Tao da Física: uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental; O Ponto de Mutação: A ciência, a sociedade e a cultura emergente; e mais recentemente, A Visão Sistêmica da Vida e suas Implicações Filosóficas, Políticas, Sociais e Econômicas (co-autoria com Pier Luigi Luisi). Em uma entrevista dada ao Madness Radio, Capra discute mudanças fundamentais na consciência científica com implicações de longo alcance para a nossa compreensão da mente e da doença mental.

 

www.fritjofcapra.net

www.capracourse.net

A Sobrevivência de um Denunciante da Psiquiatria

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peter-gotzsche“Sobrevivência de um Denunciante”.  Com esse título, em 27 de junho de 2018 fiz uma palestra como convidado em uma reunião no Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano, em Berlim, que foi organizada pelos diretores Gerd Gigerenzer e Ralph Hertwig.

Se eu soubesse o que estava reservado para mim, o título teria sido “Morte de um denunciante”. Descrevo os problemas que tive com a liderança da organização que fui um dos fundadores há 25 anos, a Colaboração Cochrane (Cochrane Collaboration), particularmente em relação à minha crítica às drogas psiquiátricas.

Em 13 de setembro, o Conselho Diretor da Cochrane me expulsou da diretoria e da Cochrane, depois de um julgamento e depois que o advogado contratado pela Cochrane me exonerou de todas as acusações contra mim (veja os documentos sobre Medicamentos Mortais e Crime Organizado). Desempenhou um papel fundamental que a minha equipe de pesquisa havia criticado uma revisão Cochrane das vacinas contra o HPV publicada em maio de 2018. Nossas críticas foram altamente justificadas e reforçadas um mês depois, no mesmo periódico científico, quatro dias após minha expulsão. Foi considerado haver sido um comportamento muito ruim que eu tenha criticado uma revisão da Cochrane, embora nossa própria política encoraje isso; temos até um prêmio anual pela melhor crítica. Isso é uma censura científica direta, que é altamente prejudicial para qualquer empreendimento científico, como também descrito recentemente por Bob Whitaker.

De volta para casa na Dinamarca, meu hospital anunciou que eu seria demitido, sem haver alguma boa razão. Parece ser uma disputa política vinda do Ministério da Saúde, que não deu atenção ao fato de eu ter economizado bilhões de coroas dos cidadãos dinamarqueses em minhas pesquisas; por haver criado um centro de pesquisa de reputação internacional; e que os pacientes apreciem minhas iniciativas. Havia chegado a hora de silenciar um crítico vocal da indústria farmacêutica, da psiquiatria e do establishment.

Eu sou apenas o mensageiro, o símbolo de que a saúde é, em muitos aspectos, absurda e prejudicial porque a indústria farmacêutica é demasiadamente poderosa. A Colaboração Cochrane está em profunda crise porque está muito próxima da indústria, porque pratica a censura científica e porque tem um modelo de negócios que está focado em ‘marca’ e em ‘nosso produto’, em vez de abrir o debate científico ou fazer uma ciência correta, mesmo que algumas pessoas possam ficar chateadas ao serem informadas de que seu trabalho não tenha sido bom o suficiente.

Abaixo está a minha palestra de denúncia. Nela, eu discuto como o livro de Peter Rost, The Whistleblower: Confessions of Healthcare Hitman, onde ele descreveu o destino de 233 pessoas que denunciaram fraudes no sistema de saúde: 90% foram demitidos ou rebaixados, 27% enfrentaram processos judiciais, 26% tiveram que buscar atendimento psiquiátrico ou físico, 25% sofreram abuso de álcool, 17% perderam suas casas, 15% se divorciaram, 10% tentaram suicídio e 8% faliram. Mas apesar de tudo isso, apenas 16% disseram que não denunciariam novamente.

Eu também compartilho minha visão, enquanto biólogo, de que um ‘herói’ é alguém que possui genes diferentes dos ‘não-heróis’. Durante a evolução, é uma vantagem permanecer no meio, em vez de ser um herói, para que você tenha menos risco de morrer. Mas há algumas pessoas estranhas que têm alguma outra coisa em seus genes, em que nós realmente não pensamos muito sobre o risco para nós mesmos, apenas fazemos o que achamos certo apesar do risco. Então, como esses genes sobreviveram durante a evolução? Eu acho que é porque quando uma tribo está sob ameaça, sob um grave perigo, as pessoas no meio não sabem o que fazer. Mas então aqueles com esses genes especiais assumem e se tornam líderes. E então irão passar pela crise.

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Em português, um dos livros de Peter Gotzsche: Medicamentos mortais e crime organizado, a indústria farmacêutica.

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A palestra no Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano:

Anatomia de uma Psiquiatra

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Esta semana, na Rádio MIA, entrevistamos a Dra. Sandy Steingard. Dr. Steingard é diretora-médica do Howard Center, um centro comunitário de saúde mental onde tem trabalhado nos últimos 21 anos. Ela também é Professora Associada Clínica de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Vermont. Por mais de 25 anos, sua prática clínica incluiu principalmente pacientes que experimentaram estados psicóticos. Dr. Steingard atua como Presidente do Conselho da Fundação para a Excelência em Cuidados de Saúde Mental. Ela foi nomeada para Best Doctors in America em 2003 e escreve regularmente para Mad in America. Ela é editora do livro Psiquiatria Crítica, Controvérsias e Implicações Clínicas, previsto para 2019.

Nesse episódio nós discutimos:

  • O que levou Sandy à sua carreira em psiquiatria e seu interesse particular pelos aspectos críticos da psiquiatria e da psicologia.
  • Que o interesse inicial de Sandy foram as explicações biomédicas das experiências psicóticas.
  • Como, no final dos anos 80, o advento de novos antipsicóticos causou uma excitação inicial por causa das promessas feitas sobre segurança e eficácia, mas que Sandy passou a se dar conta dos problemas com as drogas.
  • Como ela testemunhou a superpromoção das drogas e que a promoção foi marcadamente diferente dos resultados dos estudos e de suas observações dos pacientes que os estavam tomando.
  • Como uma série de decepções e reconhecimento de algumas falhas inerentes à psiquiatria levou Sandy ao seu interesse em alternativas.
  • Que o livro, A verdade sobre os laboratórios farmacêuticos da Marcia Angel teve um grande impacto durante os anos 2000 sobre a visão de Sandy.
  • Outros livros influentes foram The Daily Meds, de Melody Petersen, e Side Effects, de Alison Bass.
  • Que a leitura de Anatomia de uma Epidemia,  em particular os aspectos problemáticos do uso a longo prazo de antipsicóticos, fez com que Sandy passasse a questionar a sua prática clínica.
  • O fato de ela encontrar colegas às vezes irritados com a conclusão de que os antipsicóticos poderiam não ser seguros ou não levar a melhores resultados para os seus pacientes.
  • Isso a levou à investigação de alternativas, como o Diálogo Aberto (Open Dialogue), treinando com Mary Olsen no Institute of Dialogic Practice e à descoberta da Rede de Psiquiatria Crítica e o trabalho da Dra. Joanna Moncreiff.
  • Como Sandy aborda a prática clínica a partir de uma perspectiva crítica, particularmente quando as expectativas estão alinhadas com a narrativa biomédica dominante.
  • Seu livro, Critical Psychiatry(Psiquiatria Crítica), com data de março de 2019 para o lançamento, visa ajudar os clínicos a aplicar estratégias de transformação em suas práticas clínicas.
  • Que os psiquiatras seriam bem servidos, ao acolherem a experiência vivida em sua prática diária.
  • Por que o consentimento informado deve ser visto como um processo contínuo e não como um acordo único.
  • Os problemas que surgem em estudos clínicos onde a experiência é traduzida em uma forma numérica.

Links Relevantes:

Critical Psychiatry, Controversies and Clinical Implications (due 2019)

How Well Do Neuroleptics Work?

 

 

 

As expressões de gênero e sexualidade de pacientes judiciários através dos laudos psiquiátricos

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CAMILAO Cadernos de Saúde Pública, periódico publicado pela ENSP/Fiocruz, divulgou recentemente o importante artigo Expressões da sexualidade e de gênero na injunção crime-loucura: engendramentos moralizantes no tratamento do paciente judiciário.  Os autores Willian Guimarães, Simone M. Paulon e Henrique C. Nardi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, exploram nesse artigo os processos penais referentes às pessoas em sofrimento mental que cometeram crimes, os chamados pacientes judiciários, os quais recebem uma medida de segurança, a fim de analisar a forma como as expressões da sexualidade e de gênero emergem nos trâmites judiciais que definem os destinos desses sujeitos.

O método utilizado para a análise é a genealogia de Foucault, que visa romper com a busca por uma origem e uma verdade dos acontecimentos históricos. Foucault trabalha com gênese, nascimento, formação, construção, rupturas, remetendo ao processo histórico como algo em constante formulação e reformulação. A história é vista então como fruto das constantes lutas de discursos e suas relações de ‘saber – poder’ ao longo do tempo. Através deste método, os autores aprofundam como foi o processo de emergência do “anormal”, noção produzida pelo discurso médico-jurídico. Para tal, foram analisadas seis peças judiciais, focando principalmente nos laudos psiquiátricos de pessoas não heterossexuais e/ou não cisgêneras que receberam uma medida de segurança.

O artigo inicia explicando o que ocorre quando uma pessoa diagnosticada com transtorno mental comete um crime. O caminho legal é que ele (a) seja avaliado por um perito, por indicação judicial, para o estabelecimento de laudo. Quando o laudo atesta insanidade mental, a pessoa pode ser considerada incapaz de responder as infrações legais, recebendo não uma pena alternativa ou privativa de liberdade, mas uma medida de segurança e encaminhada para o tratamento ambulatorial em serviços de saúde mental, ou é internada em hospitais de custódia, conhecidos como manicômios judiciários. Este último é o preferido da justiça, sendo a pena escolhida na maioria das vezes. Isso se deve para conter a suposta periculosidade que a sociedade atribui a esse sujeito.

A medida de segurança contrasta com um tratamento humanizado a pessoas em sofrimento mental exigida pela Lei nº 10.216/2001, chamada Lei da Reforma Psiquiátrica. A magnitude da importância dessa questão é demonstrada pelo Censo Estabelecimentos de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de 2011, coordenada pela antropóloga Débora Diniz, professora na Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). E pela inspeção nacional aos manicômios judiciários e alas psiquiátricas de 2015, organizada pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), em conjunto com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Associação Nacional do Ministério Público em Defesa da Saúde (AMPASA). Ambos os trabalhos investigativos constataram o contexto precário destas instituições e o desrespeito aos direitos humanos.

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A lógica Manicomial opera no campo da sexualidade e do gênero de diferentes formas de higienização da sociedade, ao mesmo tempo em que reafirma a imoralidade daqueles que transgridem a expectativa imputada a estas expressões.

Ao aprofundar na temática central do artigo, os autores irão constatar que quando as expressões de sexualidade e de gênero que não correspondem a cisheteronorma estão presentes na injunção crime-loucura, acentuam a já existente moralização dos corpos. É possível notar isso no fragmento de um laudo feito por um psiquiatra, de um paciente judiciário:

“Trata-se de um travesti envelhecido, feio, figura patética. Porta-se, entretanto, de forma coquete e sedutora, tentando envolver e angariar a simpatia e a piedade dos peritos. Lamenta-se constantemente, queixa-se da vida e de todos, mas deixa transparecer um certo orgulho por ser ‘tão’ perseguido, ‘tão’ sofrido e ‘tão’ infeliz (…) A linguagem é afeminada, afetada, prolixa. Apresenta conduta delinquente e antissocial, homossexualismo, transvestismo e crises histéricas extremamente bizarras e de tal forma dramática que sugerem um surto psicótico (…) Não se mudará suas características de personalidade, ainda que se tente investir todas as formas de tratamento conhecidas da medicina” (Laudo psiquiátrico sobre mulher travesti, 23/Dez/1991)

É possível perceber uma escrita com diversos adjetivos pejorativos, desrespeitando a expressão de gênero dessa pessoa, assim como seu comportamento e características pessoais, na tentativa de elucidar uma depravação psicológica moral da examinada. Mesmo ao tentar utilizar uma linguagem diagnóstica típica da psiquiatria, elabora enunciados depreciativos como “homossexualismo” e “transvestismos”. Assim como o fragmento apresentado acima, o artigo traz outros fragmentos de laudos significativos para demonstrar como o corpo que se encontra em desacordo com o modelo cisheteronormativo será considerado imoral e estará ao alcance das técnicas disciplinares para seu controle.

Nas considerações finais, os autores chegam à conclusão que a sanção penal dos pacientes jurídicos pode operar objetivamente como uma prisão perpétua para aqueles sujeitos que fogem à expectativa da normalidade, ferindo os direitos humanos. O sujeito atestado ‘cientificamente’ como louco e irracional, pode ter sua voz silenciada e revogado seus direitos. Quando as expressões da sexualidade e de gênero são evidenciadas, é para acentuar essa característica do paciente judiciário como seres irracionais. Os autores propõe o questionamento dos valores morais que sustentam as perspectivas tradicionais de dispositivos médico-judiciários como essências para o estabelecimento de outra relação com esses sujeitos e para reafirmar eticamente as diferentes possibilidades de existir no mundo.

 

Leia o artigo clicando aqui.

Resultados do maior estudo com antidepressivos feito até hoje

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JoannaAlguns meses atrás, fiquei surpresa ao receber um pedido de um obscuro jornal de estudos de consciência para revisar um artigo. Surpresa porque, embora não fosse imediatamente óbvio o que estava no título, o artigo continha os primeiros relatos do desfecho primário do massivo e notório estudo STAR-D , 14 anos após o seu término.

Quais foram as principais descobertas do maior estudo sobre antidepressivo de todos os tempos e que está sendo apresentado agora em uma revista pouco conhecida?

A resposta pode estar no fato de que os dados mostram o quão miseravelmente pobres são os resultados do tratamento médico padrão para a depressão!

Com 4041 participantes, o estudo STAR-D é de longe o maior e mais caro estudo sobre antidepressivos até hoje realizado. A intenção do estudo foi ver se o tratamento com antidepressivo, combinado com cuidados de alta qualidade realizados em condições clínicas usuais, obteve os resultados esperados.  Não envolveu placebo ou qualquer tipo de controle. Para maximizar o envolvimento das pessoas, todo o tratamento foi fornecido gratuitamente durante o período do estudo.

O artigo que me pediram para revisar, que agora é publicado em Psicologia da Consciência: Teoria, Pesquisa e Prática, foi escrito por um grupo liderado por Irving Kirsch,  e baseado nos dados originais obtidos através do NIMH . [1]  Shannon Peters descreve suas descobertas em detalhes.

O grupo de Kirsch ressalta que o artigo que descreve o projeto do estudo STAR-D identifica claramente a Escala de Hamilton para Depressão (HRSD) como sendo o desfecho primário[2].  Isso faz sentido, uma vez que a HRSD é uma das escalas de avaliação mais comumente usadas em pesquisas de tratamento da depressão, especialmente pesquisas de uso de antidepressivos. Como os autores do STAR-D observam no protocolo do estudo, “o HAM-D17 (HRSD), o resultado primário, permite a comparação com a vasta literatura de ECR” (citado em [1] ).

No entanto, o resultado que foi apresentado em quase todos os documentos do estudo foi o QIDS (Inventário Rápido de Sintomatologia Depressiva) , uma medida feita especialmente para o estudo STAR-D, sem credenciais anteriores ou posteriores. De fato, como os autores do presente artigo apontam, essa medida foi concebida não como uma medida de resultado, mas como uma forma de rastrear sintomas durante o curso do tratamento, e o protocolo original do estudo declarou explicitamente que não deveria ser usado como uma medida de resultado.

A análise constatou que, durante as primeiras 12 semanas de tratamento com antidepressivo, as pessoas no estudo STAR-D mostraram uma melhoria de 6,6 pontos no HRSD. Este nível de mudança não atinge o limite necessário para indicar uma “melhoria mínima”, de acordo com a escala Clinical Global Impressions (uma escala global de classificação), que seria de 7 pontos. Também está abaixo da média de melhora do placebo em ensaios controlados com placebo de antidepressivos. Uma meta-análise de pesquisas com paroxetina , por exemplo, descobriu que a melhora média em pacientes tratados com placebo foi de 8,4 pontos no HRSD. [3] Uma meta-análise de pesquisas com fluoxetina e venlafaxina relataram níveis médios de melhora no placebo de 9,3 pontos em apenas 6 semanas.[4] Outra meta-análise encontrou níveis de melhoria de placebo entre 6,7 e 8,9 pontos em grupos de placebo em ensaios envolvendo uma variedade de antidepressivos.[5]

A proporção de pessoas classificadas como apresentando uma ‘resposta’ (usando a definição arbitrária mas comumente usada de uma redução de 50% na pontuação da HRSD de acordo com o protocolo original) foi de 32,5% no estudo STAR-D, e a proporção classificada como apresentando remissão (Pontuação HRSD ≤7) foi de 25,6%. A meta-análise de ensaios controlados com placebo de fluoxetina e venlafaxina relatou taxas de resposta de 39,9% entre as pessoas alocadas em placebo, e taxas de remissão de 29,3%. Em outra metanálise com antidepressivos, a taxa de resposta no placebo foi um pouco acima do nível STAR-D em 34,7%, [6] e em outro foi logo abaixo em 30,0%. [7]

Os autores do artigo atual ressaltam, no entanto, que a melhora é menor nos ensaios controlados com placebo, mesmo nas pessoas tratadas com antidepressivos, do que nos estudos que comparam um antidepressivo com outro sem controles com placebo. Isto é presumível  porque as pessoas em ensaios controlados por placebo são informadas de que há uma chance de receberem um placebo, enquanto que em estudos comparativos, eles sabem que receberão algum tipo de droga ativa. Portanto, os pesquisadores compararam os resultados do estudo STAR-D com os resultados de uma grande meta-análise de ensaios comparativos (citado em [6]). Eles encontraram níveis médios de melhoria de HRSD de 14,8 pontos; taxas de resposta de 65,2% e taxas de remissão de 48,4%. Portanto, os resultados de STAR-D são aproximadamente metade da magnitude daqueles obtidos em testes comparativos com drogas padrão.

Os autores propõem que as razões para este mau desempenho dos antidepressivos no estudo STAR-D se devem à seleção de pacientes mais complexos. Os estudos da indústria, em particular, excluem pessoas com condições e sintomas ‘co-mórbidos’ ou história de autoflagelação, e muitas vezes recrutam pessoas através de anúncios. Também pode ser devido à atenção intensiva e procedimentos de avaliação que as pessoas realizam em estudos financiados pela indústria, e o efeito placebo adicional de estar em um teste de um ‘novo’ tratamento, que a maioria dos estudos envolve.

Seja qual for o motivo, o STAR-D sugere que, em situações da vida real (que o STAR-D imitava melhor que outros testes), as pessoas que tomam antidepressivos não se saem muito bem. Na verdade, dado que para a grande maioria das pessoas a depressão é uma condição naturalmente remitente, é difícil acreditar que as pessoas tratadas com antidepressivos tenham um desempenho melhor do que as que não recebem tratamento algum.

Parece que esta pode ser a razão pela qual os resultados do principal do estudo STAR-D permanecerem enterrados por tanto tempo. Em vez disso, foi selecionada uma medida que mostrava resultados em uma perspectiva ligeiramente melhor. A propósito, mesmo assim os resultados foram muito ruins, especialmente no longo prazo, como Piggott et al. mostraram em uma análise anterior. [8]

Se isso foi deliberado ou não por parte dos autores originais do STAR-D, certamente isso não foi explicitado. Certamente deve haver alvoroço sobre a retenção de informações sobre uma das classes de medicamentos mais prescritas no mundo. Devemos ser gratos a Kirsch e seus co-autores por finalmente colocarem esses dados no domínio público.

Referências bibliográficas:

  1. Kirsch I, Huedo-Medina TB, Pigott HE, Johnson BT. Do outcomes of clinical trials resemble those “real world” patients? A reanalysis of the STAR-D antidepressant dataset. Psychology of Consciousness: Theory, Research and Practice 2018;Sept 2018.
  2. Rush AJ, Fava M, Wisniewski SR, Lavori PW, Trivedi MH, Sackeim HA, et al. Sequenced treatment alternatives to relieve depression (STAR*D): rationale and design. Controlled Clinical Trials 2004;25:119-42.
  3. Sugarman MA, Loree AM, Baltes BB, Grekin ER, Kirsch I. The efficacy of paroxetine and placebo in treating anxiety and depression: a meta-analysis of change on the Hamilton Rating Scales. PLoS One 2014;9(8):e106337.
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