Pesquisadora da Fiocruz: Dr. Quirino esconde os dados objetivos do quadro da saúde mental no Brasil; os últimos foram publicados em 2015

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Publicado em VioMundo, artigo da Psiquiatra Ana Paula Guljor, pesquisadora do LAPS/ENSP/Fiocruz e diretora da ABRASME. Em uma matéria escrita pela jornalista Conceição Lemes, a política oficial do governo Temer de desmonte das estruturas da reforma psiquiátrica brasileira é analisada e denunciada. Está sendo revertida a lógica organizativa da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) ao serem privilegiados os leitos hospitalares psiquiátricos. Vem ocorrendo uma explícita guinada pró-empresas privadas de saúde e comunidades terapêuticas em detrimento do SUS. E recentemente, em 27/11, foi lançada a Frente parlamentar Mista em Defesa da Nova Política Nacional de Saúde Mental e da Assistência Hospitalar Psiquiátrica.  O que se pode esperar do governo Bolsonaro que começa no próximo janeiro? A seguir trechos do artigo da Dra. Ana Paula Guljor.

“(…) Assim, Dr. Quirino, o que posso dizer de seu pronunciamento, além de lamentar as informações inconsistentes sobre as pesquisas no campo da avaliação de resultados do processo de Reforma Psiquiátrica?

Acho que posso dizer que seu grupo — empresários da saúde, corporações ligadas a indústria de medicamentos, parlamentares financiados pela indústria da loucura e da doença — e seus projetos de destruição das conquistas sociais são parte de uma história que muitos de nós já viveram.

Me refiro aos que, lá atrás, construíram a Reforma Psiquiátrica, a Reforma Sanitária e o processo de retorno à democracia do Brasil.

Novas roupagens, antigos objetivos.

Mas, como a história evolui em ciclos, os avanços sociais seguirão.

Posso dizer, adaptando o poeta Mário Quintana: ‘Vocês passarão e Nós passarinho’.

Estamos entrando em uma era sombria, mas que é onde se agiganta a mobilização e a luta.”

Artigo na íntegra→

Deputados criam polêmica ao lançar frente pró-internação psiquiátrica

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O Globo

Publicado em O GLOBO:

“O lançamento, esta semana, de uma frente parlamentar para cobrar a criação de leitos de internação psiquiátrica reacendeu o debate sobre as políticas públicas para a saúde mental no país. Composta por 226 deputados e quatro senadores, a agremiação — batizada de Frente Parlamentar Mista em Defesa da Nova Política Nacional de Saúde Mental e da Assistência Psiquiátrica — diz ser um contraponto em um debate que, segundo seus integrantes, foi “sequestrado pela esquerda”. O lançamento acontece dias depois de o futuro ministro da Saúde, o deputado Luiz Mandetta (DEM), criticar a atuação dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e dizer que pretende fazer mudanças nas políticas de tratamento de dependentes químicos.

— Criamos um sistema em que o paciente recebe cuidados nos Caps durante o dia, mas é devolvido para a família à noite. E essa família não tem condições de prestar a devida assistência — afirma o deputado Roberto de Lucena (Podemos), idealizador do grupo.”

— Tememos o retorno dos hospitais psiquiátricos. Lugares que cometiam violações aos direitos dos pacientes — afirma Marisa Helena Alves, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

“Desde o ano passado, o governo faz mudanças na Política Nacional de Saúde Mental. Em dezembro, anunciou alterações que incluíram a revisão nos valores pagos, pelo SUS, pelos leitos psiquiátricos existentes em hospitais gerais. O ministério da Saúde também passou a fazer repasses financeiros a comunidades terapêuticas: instituições, muitas vezes mantidas por grupos religiosos, onde pacientes que sofrem com problemas de dependência química são internados.”

A matéria na íntegra →

Trauma Fora da Caixinha: Como a Tendência “Informada pelo Trauma” fica aquém

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noelhunterCada vez mais está se tornando moda para as agências de saúde mental e profissionais se tornarem “informados sobre o trauma”. O alardeado é que isso é uma coisa boa. Mas o que está acontecendo na realidade está longe de ser o ideal.

Há uma necessidade premente de entender como coisas como abuso, pobreza, opressão, injustiça, racismo e outras adversidades afetam a nossa saúde mental e o bem-estar geral. O senso comum, é claro, nos diria que isso essencialmente ao longo de tempo leva uma pessoa a ficar louca. Mas hoje em dia o senso comum é percebido como juvenil ou que é menos do que a ‘ciência’.

Independentemente disso, é imperativo que qualquer pessoa ou sistema com a função de ajuda considere o contexto do sofrimento e o que aconteceu na vida de uma pessoa que a levou ao seu atual estado de espírito.

O problema é que isso é demorado, complexo, altamente subjetivo e individual – tudo contra o qual o sistema foi projetado.

O que parece acontecer na realidade quando uma organização ou um clínico individual torna-se “informado sobre o trauma” é que as fórmulas antigas simplesmente são misturadas com todos os ingredientes do trauma e check-boxes e sem nenhum significado real. Torna-se ainda uma outra maneira de progredir na própria carreira e de sentir-se bem consigo próprio, enquanto que na prática não faz nada diferente. É mais uma vez colocar os humanos em caixinhas.

Claro, isso não é universal – existem muitos programas genuínos dedicados a traumas e há profissionais trabalhando com traumas que ajudam a muitos. Este artigo não é sobre estes. Mas se você se sentir desconfortável ao ler isso ou se sentir na defensiva, talvez seja sobre você que eu esteja falando.

O que se segue é um vislumbre das inúmeras maneiras pelas quais os principais serviços e especialistas em traumas dentro deste mainstream estão perpetuando danos ao mesmo tempo em que se vangloriam por serem tão progressistas e conscientes.

Ignora o “trauma” invisível

Talvez uma das maneiras mais problemáticas que os estudos de ‘trauma’ impactaram a sociedade é a mensagem implícita de que se uma experiência não é considerada traumática pelo DSM, então não é “ruim o suficiente” para causar uma pessoa a sofrer intensamente e muito.

O DSM descreve especificamente o trauma como experimentar diretamente ou testemunhar algum evento com risco de vida, como por exemplo violência, guerra ou agressão sexual.

Testemunhar ou experimentar ameaças literais de morte é horrível. Mas o que é considerado risco de vida para uma criança de dois anos é muito diferente do que para uma criança de 22 anos. E o que ameaça nossa psique em um nível existencial nem sempre é tangível ou facilmente identificável.

O que sobrecarrega a capacidade do corpo de lidar ou o que deixa uma pessoa em um estado de estresse crônico pode não ser um evento evidente como é o caso de um assalto.

Tomemos o ostracismo, por exemplo. Ser ignorado, não ser querido ou ser deixado de fora, por mais sutil que seja, pode ser uma sentença de morte para alguns. Pode ser mais doloroso e mais prejudicial do que bullying ou abuso físico. No entanto, no mundo do DSM e dos profissionais de saúde mental, isso pouco importa. Não é ruim o suficiente.

Fumar cigarros é muito diferente do que ter uma arma sobre a minha cabeça. Mas ambos são susceptíveis de me matar em algum momento.

Nos anos 1960 e 70, terapeutas com orientação sistêmica em psicoterapia familiar pareceram entender muito bem os efeitos tóxicos e insidiosos de dinâmicas interpessoais camufladas, como gazlight , double-binds , e bodes expiatórios . Entendia-se que a disfunção psicológica tendia a existir dentro da família  ou no sistema social, e não dentro de qualquer indivíduo, mesmo que um indivíduo pudesse assumir os sintomas, por assim dizer, pelo todo.

Essa complexidade e visão holística foi perdida na idade do diagnóstico e da doença individual, mesmo dentro da terapia familiar. Como nenhuma dessas dinâmicas destrutivas contam como trauma e, certamente, são quase impossíveis de se medidas ou capturadas em um questionário, elas de alguma forma se tornam irrelevantes.

Os campos da saúde mental e do trauma chegaram a um lugar onde, essencialmente, se algo não pode ser facilmente identificável e mensurável, aparentemente isso não importa.

Questionários e tratamentos conforme manuais mercantilizam a experiência de vida

Só porque algo não pode ser resumido a uma pergunta simplista e medido em uma escala Likert de 5 pontos, não significa que não conte.

Ninguém pode realmente capturar experiências de opressão crônica, microagressões ou a luta da injustiça com uma escala de classificação arbitrária. Nem tudo pode ser quantificado. Isso não significa que não exista ou afete profundamente aqueles que experimentam tais adversidades.

O que acaba acontecendo é que se algo não pode ser convenientemente medido e estatisticamente manipulado, isso é visto como de alguma forma sendo inferior à ‘ciência real’ ou é totalmente ignorado.

A pesquisa qualitativa, que se baseia no subjetivo e tenta capturar narrativas com nuances, é previsivelmente criticada por aqueles que acreditam ser cientistas sérios. Em teoria, a pesquisa quantitativa deve ser objetiva, imparcial, demonstrando novas descobertas ao revés do senso-comum, confiável ou consistente entre estudos e pesquisadores, formalizada, generalizável e válida.

É isso que as ciências sociais valorizam – previsibilidade, falta de complexidade, falta de subjetividade ou emoção e em fórmulas robóticas.

No entanto, considere que o simples uso de diferentes procedimentos estatísticos pode determinar resultados muito diferentes usando os mesmos dados. Ou que milhões de dólares são gastos em pesquisas sobre o cérebro para que possamos entender descobertas totalmente inovadoras e fora do senso-comum , como a tristeza associada a áreas do cérebro ligadas a emoções (e nem mesmo o tempo todo!). Pensemos em como os pesquisadores tendem a encontrar apoio para a sua afiliação particular (farmacêutica, teórica, etc.) mais frequentemente do que não, ou que as descobertas negativas quase nunca são publicadas. Será que realmente precisamos de centenas de estudos para nos dizer que, quando coisas ruins acontecem, isso nos afeta e pode nos enlouquecer?

É divertido jogar com números e provar que estamos certos. Quem não gosta de estar certo? Também é super bom para a segurança da carreira. Mas isso não é ciência. E isso não ajuda.

Muito pelo contrário. Isso ameaça tomar a narrativa de vida pessoal e subjetiva de uma pessoa e inseri-la em uma caixa de fórmulas que, de alguma forma, leva a uma suposta explicação do motivo pelo qual as pessoas sofrem. Oh, você diz que nunca se sentiu sendo entendido dentro de sua família? Como se você fosse ruim ou não fosse bom o suficiente para a maior parte de sua vida? Você sentiu que não importa o quanto você tentasse, nada funcionou para ajudá-lo a progredir ou a encontrar validação e conexão com os outros? Bem, nenhuma dessas coisas está no meu questionário de trauma validado nem está incluída na escala do ACE. Então, nada aconteceu com você. Desculpe. Você só tem um desequilíbrio químico e precisa de tratamento especializado para sua doença mental genética.

Ditos modos compreensíveis versus não compreensíveis de reagir ao estresse

Mesmo que uma pessoa tenha a sorte de ter suas experiências de vida reconhecidas e validadas, ainda há o problema do que é aceitável em resposta a tais experiências. Se uma pessoa pode articular seu medo como diretamente relacionado ao evento identificável que um profissional de saúde mental considera ruim o suficiente para justificar uma resposta angustiada, então pode ser considerado compreensível. Se o medo se torna difuso ou simbolizado, ou não se liga diretamente a algum evento evidente, então a pessoa é paranoica ou delirante.

Se alguém sente dor e grita de modo a perturbar os outros, é quase certo que a pessoa será diagnosticada com um distúrbio não relacionado a trauma que insinua um defeito interno. Se a pessoa grita muito alto ou faz com que os outros sintam sua dor, diz-se que sua personalidade está desordenada. O que isso significa?

Isso é absurdo. Não é ciência.

Os diagnósticos são quase inteiramente baseados em como um determinado clínico individual entende a pessoa à sua frente. Uma das diferenças que definem, por exemplo, entre um distúrbio dissociativo e uma psicose, é a história que se coloca às experiências internas.

Se alguém sente que algumas forças do ‘não-eu’ estão controlando a mente ou o corpo e atribui isso a ‘alters’ ou a outras pessoas que vivem no corpo, bem, isso é compreensível e dito ser dissociação. Se o clínico acredita que os distúrbios dissociativos não existem, a pessoa é informada de que está inventando ou apenas buscando atenção.

Alternativamente, se, ao contrário, essa experiência possessiva é atribuída a alienígenas irradiando ondas de luz radioativas para o cérebro (o que pode-se argumentar ser o mais plausível), agora a pessoa tem uma doença genética do cérebro chamada esquizofrenia que requer drogas tóxicas para a vida.

Basicamente, se uma pessoa está em extrema angústia e procura ajuda de um profissional de saúde mental, as probabilidades de obter compreensão e cuidados informados sobre trauma são amplamente aprimoradas se você puder articular sua experiência e dor de uma forma que o profissional entenda, não seja perturbado por algo, e possa caber em uma caixa de seleção ou em uma escala validada.

As teorias do trauma tornaram-se, em grande parte, apenas mais um modelo de doença

Há muitas coisas que são úteis para entender os correlatos do que está acontecendo no cérebro com comportamentos ou sentimentos às vezes confusos. Quando uma pessoa está em estado de congelamento, por exemplo, o cérebro literalmente fica offline. Além de funções básicas para sustentar a vida, o cérebro está jogando morto. Tentar falar com uma pessoa ou forçar uma pessoa assim a falar quando em tal estado isso não passas de um esforço fútil, é como fazer a chuva voltar à sua nuvem. Técnicas não-verbais são prudentes neste caso – ficar com raiva e mais patologizar e culpar o paciente por ser difícil, é claro, são muito mais comuns.

Com certeza, há mudanças cerebrais distintas que parecem estar associadas ao abuso infantil, estresse crônico e a outras formas de adversidade. O hipocampo tende a encolher, o funcionamento executivo é alterado, as maneiras pelas quais as emoções são processadas são diferentes e os ventrículos tendem a ser ampliados. MAS, isso NÃO é igual a disfunção ou a doença!

O cérebro é um órgão incrível que se adapta ao seu ambiente. Um estudo que realmente analisou as diferenças cognitivas do ponto de vista da adaptação mostrou como um grupo que sofreu trauma teve dificuldade com a inibição (isto é, eles eram ‘impulsivos’). No entanto, por outro lado, eles também eram melhores em trocar tarefas rapidamente e trabalhar em situações de incerteza e estresse. Estas são pessoas que podem se tornar excelentes policiais, paramédicos, médicos de ER ou soldados. Ao mesmo tempo, elas podem ser excelentes bibliotecários.

Tudo o que ouvimos, no entanto, é como o trauma danifica o cérebro e prejudica a vítima.

E, claro, que uma vítima é uma vítima. Vivenciar o trauma e viver com a dor e o sofrimento não exime uma pessoa de responsabilidade por seus comportamentos. Todo perpetrador já foi uma vítima. Demasiadas vezes, porém, a responsabilidade é confundida com a culpa, na medida em que, se uma pessoa é considerada responsável pelos seus comportamentos, essa pessoa é de alguma forma culpada ou é má.

Vítimas são boas. Perpetradores são ruins. Pessoas que sofreram traumas são uma ou outra. Tudo é simples.

Pior, raramente há discussão de como o cérebro realmente se cura e pode se adaptar a ambientes novos, mais seguros e mais calmos ao longo do tempo e com um sistema de suporte saudável. Pode ser mais difícil superar as primeiras experiências que a pessoa mais velha tem e mais camadas de dor e adversidade são adicionadas ao longo dos anos, mas a possibilidade de cura está sempre presente.

Cura, no entanto, só pode significar algo diferente para a pessoa que sofre do que para o profissional que precisa consertar alguém ou se sentir bem por ser um ajudante e se livrar de sintomas e doenças como um médico de verdade faz.

Muitas coisas demonstraram alterar a função e a estrutura do cérebro : ioga, meditação, relacionamento, terapia, exercícios aeróbicos, nutrição e muito mais. E, para a maioria deles, nenhum profissional de saúde mental é necessário.

O trauma pode ser extremamente prejudicial, tóxico e difícil de superar. Mas não é uma doença nem uma sentença de vida.

Missionários Modernos: Intervindo onde você não é necessário ou desejado

Os profissionais de saúde mental adoram dizer ao mundo como devem ou não se comportar, o que são e o que não são comportamentos, crenças e emoções aceitáveis e como medicamentos e terapia são necessários em quase todas as situações. Mas o que eles amam ainda mais é mostrar como são úteis e necessários.

No início do século 20, os missionários cristãos voltaram seus esforços para a África subsaariana. Sem dúvida que eles foram benevolentes em seus esforços – acreditando totalmente no poder dos evangelhos e na bondade das palavras de Jesus, certamente eles queriam se doar aos outros compartilhando seus conhecimentos e crenças em terras distantes. O resultado desses esforços, no entanto, levou à erradicação de costumes africanos seculares e à eventual implementação do apartheid.

Da mesma forma, agora é amplamente reconhecido que, quando profissionais de saúde mental entram em outras culturas, especialmente após um desastre natural ou outro evento social trágico, eles pioram as coisas. A ideia de que alguém precisa ‘processar’ o evento traumático por meio de orientações específicas de terapia informadas sobre o trauma com um profissional tende a levar um sofrimento a ser mais prolongado e a piores desfechos em longo prazo do que aqueles que não contaram com esse tipo de ajuda.

O livro Crazy Like Us: A Globalização da Psique Americana , de Ethan Watters, descreve como a exportação da indústria de saúde mental americana levou à perda de costumes locais e de formas alternativas de entender e lidar com o sofrimento humano. E algumas dessas culturas estavam melhores antes que nossos missionários psiquiátricos se intrometessem em sua sociedade.

No final, qualquer ideologia corre o risco de se tornar polêmica e autoritária; a psiquiatria já cruzou essa linha. Quando os interesses de negócios e de carreira distorcem aqueles com uma forte identidade de ser o ‘bom rapaz  ou ‘ajudante’, então qualquer sugestão de que eles não são necessários ou estão fazendo mal não é ouvida e descartada. Esses indivíduos têm dificuldade incrível em manter a raiva, reconhecer quando estão errados, dizer “sinto muito” ou, melhor: “não sei”.

No processo, o ajudante corre o risco de se tornar um destruidor.

É hora de começarmos a abraçar a diversidade, a diferença, a complexidade e a humildade. Profissionais de saúde mental fariam bem em considerar que somos uma pequena partícula entre a história de curandeiros, crentes, contadores de histórias, filósofos, charlatões, vendedores de óleo de cobra, amantes, juízes e ideólogos. Nenhuma lista de verificação ou questionário mudará isso.

Por que a ‘Psiquiatria Exata’ não é uma Mudança de Paradigma

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Peter SimonsUma carta que acaba de ser publicada em JAMA Psychiatry sugere que “a psiquiatria exata” não é a mudança de paradigma tal como é o pretendido pelo establishment psiquiátrico.

A carta foi escrita por Ana Gómez-Carrillo, MD, Dr Med; Timothé Langlois-Thérien, BSc, e Laurence J. Kirmayer, MD, FRCPC, FCAHS, FRSC, da McGill University e do Hospital Geral Judaico de Montreal, Québec.

Em um ‘ponto de vista’ anterior, apresentado igualmente na mesma JAMA Psychiatry, foi sugerida a necessidade de uma ‘mudança de paradigma’ na psiquiatria, desde que tome como foco a ‘medicina genômica’, como se essa fosse a tal mudança pretendida. A pretenção é que a ‘Medicina genômica’ se constituiria como base da chamada ‘psiquiatria exata’. Tal psiquiatria estaria assim baseada na noção de que, se variantes genéticas suficientes forem descobertas, os fármacos poderiam ser direcionados a pessoas específicas conforme tais variantes ‘biológica’- o tratamento supostamente visando apenas aqueles que teriam uma reação positiva a esses produtos químicos que são os psicofármacos.

No entanto, como Gómez-Carrillo e os outros autores apontam em sua carta, isso dificilmente pode ser considerado como sendo uma mudança de paradigma. Afinal, a psiquiatria predominante já opera supondo que os problemas em saúde mental são um distúrbio cerebral que pode ser consertado por agentes farmacêuticos. Essa suposta ‘mudança de paradigma’ é simplesmente dizer que ‘os psiquiatras precisam direcionar melhor esses produtos farmacêuticos’ – o que é, na melhor das hipóteses, uma pequena extensão do paradigma atual, não uma mudança de fato.

De acordo com Gómez-Carrillo, “a visão dos autores perpetua as atuais abordagens explicativas reducionistas e, como tal, não pode tal visão ser considerada uma mudança de paradigma”.

Novo Paradigma

Embora a psiquiatria neurobiológica tenha identificado numerosas variantes genéticas teoricamente associadas a problemas de saúde mental, nenhuma dessas variantes é útil para que seja dita haver diferença entre indivíduos com e sem problemas de saúde mental (além de marcadores de doenças físicas, como doenças da tireoide ou doenças metabólicas, que podem levar a problemas de saúde mental).

Por exemplo, um estudo relatado no Mad in America descobriu que, de 7.849 pessoas com um diagnóstico de saúde mental, 32 pessoas tinham uma variante genética específica. Das 10.799 pessoas do grupo de controle “saudável”, 9 tinham a mesma variante genética. Ou seja, em ambos os grupos, um número minúsculo de pessoas tinha essa variante genética, sendo que mais de 99,5% das pessoas em ambos os grupos não tinham essa variante genética. No entanto, este estudo foi apresentado como se fosse uma evidência científica de que uma variante genética tenha sido descoberta relacionada a problemas com a saúde mental.  A respeito, confira um outro estudo apresentado aqui no Mad in Brasil, onde se analisa essa busca da psiquiatria por marcadores genéticos, como se aí estivesse guardado algo como o Santo Graal.

Assim, Gómez-Carrillo argumenta que a ‘psiquiatria exata’, como é apresentada na literatura, é uma pista falsa, continuando a dominação do paradigma reducionista neurobiológico que repetidamente não encontrou, até hoje, nenhum biomarcador identificável para explicar os problemas de saúde mental.

Em vez disso, escreve Gómez-Carrillo, a psiquiatria deveria estar se concentrando em entender melhor os correlatos sociais, ambientais e psicológicos dos problemas de saúde mental. Afinal de contas, trauma, pobreza, identidade marginalizada e a vida urbana, são fenômenos muito mais correlacionados com problemas de saúde mental do que fatores biológicos. Isso, como o artigo sugere, seria sim uma verdadeira mudança de paradigma.

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Confira → Gómez-Carrillo, A., Langlois-Thérien, T., Kirmayer, L. J. (2018). Precision psychiatry—Yes, but precisely what? JAMA Psychiatry, e1. Published online October 17, 2018. doi:10.1001/jamapsychiatry.2018.2651 (Link)

Fazendo da inclusão uma realidade: primeira parte de entrevistas

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Afastando-se do modelo biomédico e da institucionalização, pessoas com deficiências psicossociais em todos os lugares demonstraram que existem alternativas melhores para a inclusão de pessoas com deficiência em sua comunidade. Com a criação de espaços para formas alternativas de recuperação, usando métodos tradicionais de cura para enfatizar a conformidade com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD) em nível nacional, e construindo coalizões com outros grupos, as pessoas com deficiência na região Ásia-Pacífico estão se esforçando para fazer da inclusão uma realidade dentro de seus contextos.

Nesta primeira parte de uma série de duas, Mad in Asia Pacific conversa com as ativistas Emmy Charissa (Cingapura), Silvia Antonia De Costa Soares (Timor Leste) e Frank (China), sobre a situação específica em seus países para pessoas com deficiências psicossociais, os desafios que enfrentam e as diferentes maneiras pelas quais estão garantindo uma maior inclusão de pessoas com deficiências psicossociais em seus países.

Todas as entrevistas foram conduzidas no Plenário da TCI Asia Pacific em Bali, 2018.

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Emmy Charissa, Disabled Young Adults Group, Singapore

Silvia Antonia De Costa Soares, Training and Inclusion Manager, Timor Leste

 

Frank, Program Officer, Xin Tu Community Health Promotion Centre, China

 

Porque o discurso do ódio não é um discurso livre

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From Medium: “Tal como a violência, o discurso de ódio também pode ser uma imposição física à liberdade dos outros. Isso porque a linguagem tem um efeito psicológico imposto fisicamente – no sistema neural, com efeitos incapacitantes a longo prazo. […]

Todo pensamento é realizado por circuitos neurais – não flutua no ar. A linguagem ativa neurologicamente o pensamento. A linguagem pode, assim, mudar o cérebro, tanto para o melhor quanto para o pior. O discurso de ódio muda o cérebro dos odiados para o pior, criando estresse tóxico, medo e desconfiança – todos os circuitos físicos, todos em um, ativados todos os dias. Este dano interno pode ser ainda mais grave do que um ataque com um punho. Ela se impõe à liberdade de pensar e, portanto, de agir livre de medo, ameaças e de desconfiança. Ela afeta a capacidade de pensar e agir como um cidadão totalmente livre e por muito tempo. […]

Discurso de ódio também pode mudar o cérebro daqueles com preconceito leve, movendo-o para o ódio e para a ação ameaçadora. Quando o ódio está fisicamente em seu cérebro, então você pensa que odeia e sente ódio, e você é movido a agir para realizar o que você, fisicamente, em seu sistema neural, pensa e sente.

É por isso que o discurso do ódio não é ‘mero’ discurso. […]

Os efeitos físicos de longo prazo, muitas vezes incapacitantes, do discurso de ódio sobre os sistemas neurais dos odiados não têm status na lei, já que nossos sistemas neurais não têm status em nosso sistema legal – pelo menos não ainda. Essa é uma lacuna entre a lei e a verdade.”

Artigo →

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As descobertas sobre a Dependência das Drogas Prescritas : a resposta terrível da Psiquiatria

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Do Dr. Terry Lynch, da Mental Health Academy:

“A dependência de drogas prescritas é uma questão tão importante, embora seja sistematicamente varrida para debaixo do tapete pelos prescritores de drogas psiquiátricas.

“Por que dois psicólogos – John Read e James Davies – realizaram essa pesquisa?

“Onde estão os prescritores dessas substâncias antidepressivas ISRS – psiquiatras e médicos em geral – durante décadas vem assegurando ao público que não há problemas significativos de abstinência associados a essas substâncias?

“Por que os entusiastas prescritores dessas substâncias – psiquiatras e médicos em geral – têm continuamente assegurado ao público que não há necessidade de se preocupar com problemas de abstinência, e não fizeram pesquisas como esta décadas atrás, antes que essas drogas fossem impulsionadas sobre um desavisado e confiante público internacional?

“Por que os prescritores não estão no topo desta questão, assumindo a liderança – como qualquer profissão responsável assim o faria – em relação às substâncias que eles mesmo prescrevem tão amplamente?

“Por que os prescritores parecem querer saber pouco ou nada sobre a grande questão da dependência de drogas prescritas, como o evidenciado pela resposta abaixo do que seria esperado ser dada por Royal College of Psychiatrists e pela American Psychiatric Association a essa importante nova pesquisa?

“A recusa da psiquiatria dominante em levar a sério essas descobertas e resolver os problemas inevitavelmente deixa o vasto número de pessoas que experimentam graves problemas de abstinência de antidepressivos sozinhos, sem apoio, párias virtuais, deixando a essas pessoas pouca opção além de se apoiar umas às outras da melhor maneira possível, através da internet e outros grupos.”

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O 2 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, recentemente realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/FIOCRUZ, nos dias 29, 30 e 31 de outubro, contou entre seus convidados com a presença de John Read. Questões como essas levantadas pelo Dr. Terry Lynch foram objeto do nosso debate durante o Seminário.

Entre os diversos livros de Dr. Terry Lynch, destacamos este: The Systematic Corruption of Global Mental Health: Book One: Prescribed Drug Dependence.

Artigo →

Estudo explora conexões entre Dieta e ‘Doenças Mentais Sérias’

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bernalyn ruizEm uma carta ao editor publicada recentemente na World Psychiatry, os pesquisadores descrevem um estudo comparando a diferença na nutrição e na inflamação associada à dieta entre pessoas diagnosticadas com uma doença mental grave (DMG) e a população em geral. Os autores verificaram que, quando comparados aos controles, aqueles com diagnóstico de esquizofrenia, bipolar e depressão apresentaram dietas com maior índice inflamatório e maior consumo de energia total, carboidratos, açúcar, gordura total e gordura saturada.

Pesquisas anteriores demonstraram a existência de uma relação entre ter uma dieta maior em alimentos pró-inflamatórios e depressão. Os autores do presente estudo apontam que pesquisas demonstraram que pessoas diagnosticadas com DMG apresentam níveis mais elevados de marcadores inflamatórios periféricos. Ter dietas com uma maior ingestão calórica e consumo excessivo de alimentos ricos em gordura e açúcar aumentam os níveis de inflamação sistêmica, bem como o risco de diabetes e mortalidade cardiovascular.

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Utilizando dados do estudo do Reino Unido Biobank, os indivíduos que receberam um diagnóstico de transtorno depressivo recorrente, transtorno bipolar (tipo I ou II), ou esquizofrenia e controles saudáveis foram selecionados a partir dos participantes do Biobank do Reino Unido. Quase 70.000 participantes foram incluídos na análise de dados, dos quais 54.000 foram usados como controles.

Os grupos de esquizofrenia, bipolar e depressão mostraram um aumento significativo no total de calorias, carboidratos, açúcar, gordura total, gordura saturada e consumo de proteína. Nenhuma mudança significativa foi notada no ajuste para a etnia, índice de massa corporal, educação e privação social. Os autores também analisaram o índice inflamatório dos participantes. Os dados revelaram que os participantes com diagnóstico de esquizofrenia e depressão apresentavam dietas com índice inflamatório significativamente maior quando comparados aos controles.

Os autores explicam que esses dados revelaram que “pessoas com DMGs têm maior ingestão de nutrientes obesogênicos e mais dietas inflamatórias do que a população em geral”. Eles sugerem que “deve-se considerar mais o aumento do consumo de alimentos ricos em nutrientes que são conhecidos por reduzir inflamação sistêmica”.

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Firth, J., Stubbs, B., Teasdale, S. B., Ward, P. B., Veronese, N., Shivappa, N., … & Sarris, J. (2018). Diet as a hot topic in psychiatry: a population‐scale study of nutritional intake and inflammatory potential in severe mental illness. World Psychiatry17(3), 365. (Link)

Fritjof Capra: Visão de sistemas da vida

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Will HallO que a saúde se torna quando a ciência é limitada por uma visão mecanicista da realidade? Como uma visão mecanicista molda conceitos de saúde mental e doença – e nega a vitalidade fundamental dos seres humanos? O que o estudo dos sistemas vivos nos ensina a criar uma visão diferente e mais holística? Fritjof Capra, físico teórico, teórico de sistemas e autor de vários livros best-sellers internacionais, incluindo os disponíveis em português: O Tao da Física: uma análise dos paralelos entre a Física Moderna e o Misticismo Oriental; O Ponto de Mutação: A ciência, a sociedade e a cultura emergente; e mais recentemente, A Visão Sistêmica da Vida e suas Implicações Filosóficas, Políticas, Sociais e Econômicas (co-autoria com Pier Luigi Luisi). Em uma entrevista dada ao Madness Radio, Capra discute mudanças fundamentais na consciência científica com implicações de longo alcance para a nossa compreensão da mente e da doença mental.

 

www.fritjofcapra.net

www.capracourse.net

A Sobrevivência de um Denunciante da Psiquiatria

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peter-gotzsche“Sobrevivência de um Denunciante”.  Com esse título, em 27 de junho de 2018 fiz uma palestra como convidado em uma reunião no Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano, em Berlim, que foi organizada pelos diretores Gerd Gigerenzer e Ralph Hertwig.

Se eu soubesse o que estava reservado para mim, o título teria sido “Morte de um denunciante”. Descrevo os problemas que tive com a liderança da organização que fui um dos fundadores há 25 anos, a Colaboração Cochrane (Cochrane Collaboration), particularmente em relação à minha crítica às drogas psiquiátricas.

Em 13 de setembro, o Conselho Diretor da Cochrane me expulsou da diretoria e da Cochrane, depois de um julgamento e depois que o advogado contratado pela Cochrane me exonerou de todas as acusações contra mim (veja os documentos sobre Medicamentos Mortais e Crime Organizado). Desempenhou um papel fundamental que a minha equipe de pesquisa havia criticado uma revisão Cochrane das vacinas contra o HPV publicada em maio de 2018. Nossas críticas foram altamente justificadas e reforçadas um mês depois, no mesmo periódico científico, quatro dias após minha expulsão. Foi considerado haver sido um comportamento muito ruim que eu tenha criticado uma revisão da Cochrane, embora nossa própria política encoraje isso; temos até um prêmio anual pela melhor crítica. Isso é uma censura científica direta, que é altamente prejudicial para qualquer empreendimento científico, como também descrito recentemente por Bob Whitaker.

De volta para casa na Dinamarca, meu hospital anunciou que eu seria demitido, sem haver alguma boa razão. Parece ser uma disputa política vinda do Ministério da Saúde, que não deu atenção ao fato de eu ter economizado bilhões de coroas dos cidadãos dinamarqueses em minhas pesquisas; por haver criado um centro de pesquisa de reputação internacional; e que os pacientes apreciem minhas iniciativas. Havia chegado a hora de silenciar um crítico vocal da indústria farmacêutica, da psiquiatria e do establishment.

Eu sou apenas o mensageiro, o símbolo de que a saúde é, em muitos aspectos, absurda e prejudicial porque a indústria farmacêutica é demasiadamente poderosa. A Colaboração Cochrane está em profunda crise porque está muito próxima da indústria, porque pratica a censura científica e porque tem um modelo de negócios que está focado em ‘marca’ e em ‘nosso produto’, em vez de abrir o debate científico ou fazer uma ciência correta, mesmo que algumas pessoas possam ficar chateadas ao serem informadas de que seu trabalho não tenha sido bom o suficiente.

Abaixo está a minha palestra de denúncia. Nela, eu discuto como o livro de Peter Rost, The Whistleblower: Confessions of Healthcare Hitman, onde ele descreveu o destino de 233 pessoas que denunciaram fraudes no sistema de saúde: 90% foram demitidos ou rebaixados, 27% enfrentaram processos judiciais, 26% tiveram que buscar atendimento psiquiátrico ou físico, 25% sofreram abuso de álcool, 17% perderam suas casas, 15% se divorciaram, 10% tentaram suicídio e 8% faliram. Mas apesar de tudo isso, apenas 16% disseram que não denunciariam novamente.

Eu também compartilho minha visão, enquanto biólogo, de que um ‘herói’ é alguém que possui genes diferentes dos ‘não-heróis’. Durante a evolução, é uma vantagem permanecer no meio, em vez de ser um herói, para que você tenha menos risco de morrer. Mas há algumas pessoas estranhas que têm alguma outra coisa em seus genes, em que nós realmente não pensamos muito sobre o risco para nós mesmos, apenas fazemos o que achamos certo apesar do risco. Então, como esses genes sobreviveram durante a evolução? Eu acho que é porque quando uma tribo está sob ameaça, sob um grave perigo, as pessoas no meio não sabem o que fazer. Mas então aqueles com esses genes especiais assumem e se tornam líderes. E então irão passar pela crise.

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Em português, um dos livros de Peter Gotzsche: Medicamentos mortais e crime organizado, a indústria farmacêutica.

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A palestra no Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano:

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