Em uma nova pesquisa internacional, a maior até o momento, os pesquisadores descobriram que mais da metade dos usuários de antipsicóticos relatam apenas experiências negativas com as drogas. O estudo on-line foi conduzido por John Read e Ann Sacia da Universidade de East London, e publicado na principal revista, Schizophrenia Bulletin. Seiscentas e cinqüenta pessoas de 29 países diferentes responderam a perguntas sobre sua experiência pessoal com drogas antipsicóticas. O pesquisador John Read comentou:
“Estas 650 pessoas confirmam os resultados de ensaios menores com medicamentos em que os antipsicóticos são melhores do que placebo para apenas cerca de 20% das pessoas e causam uma gama assustadora de efeitos adversos graves. Durante décadas, as empresas farmacêuticas exageraram os benefícios e minimizaram os efeitos colaterais desses poderosos agentes tranquilizantes”.
Tradicionalmente, a psiquiatria tem se concentrado apenas nos relatos dos profissionais da saúde mental para declarar um tratamento bem-sucedido ou ineficaz. Isto é particularmente verdadeiro em relação à base de evidências de medicamentos antipsicóticos, que têm sido manchadas em controvérsia por décadas. Entretanto, os antipsicóticos continuam sendo o tratamento mais proeminente para a esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, e são regularmente utilizados para outras condições como “transtorno da personalidade borderline“, “depressão“, e são administrados rotineiramente a crianças em lares para adoção.
Embora estudos tenham atribuído o empobrecimento das funções cognitivas e a recuperação prejudicada pelo uso de antipsicóticos, menos atenção tem sido dada às experiências em primeira pessoa dos pacientes com esses medicamentos. Em um caso em que um psiquiatra experimentou as drogas e documentou sua experiência, ele escreveu:
“Não posso acreditar que tenho pacientes com 800mg deste material andando por aí. Não há como, em boa consciência, eu poder dosar esta merda (sic) a menos que um paciente consinta em 20 horas de sono por dia. Mas tenho certeza de que existe um nicho de mercado para este medicamento. Tem que haver uma população de pacientes que não queira sentir emoções, trabalhar, fazer sexo, cuidar de suas casas, ler, dirigir, ir fazer coisas, e que queira baixar seu QI em 100 pontos“.
Outros efeitos adversos dos antipsicóticos incluem saúde cardíaca precária, atrofia cerebral e aumento da mortalidade. Somente recentemente os pesquisadores começaram a explorar experiências de pacientes com medicamentos antipsicóticos. Há algumas evidências que sugerem que alguns usuários de serviços acreditam que os antipsicóticos prejudicam a recuperação. Entretanto, estes relatos em primeira pessoa não desempenham um papel significativo na forma como estas drogas são avaliadas.
Abordagens psicossociais, como a abordagem de diálogo aberto, o movimento dos ouvidores de vozes e outras formas autóctones de ajuda, sugerem que os sintomas psicóticos podem ser abordados com o mínimo de uso de drogas.
Esta pesquisa atual, considerada como a maior até agora, vem em um momento em que os antipsicóticos estão sob maior escrutínio. Seiscentos e cinqüenta usuários da pesquisa em 29 países responderam perguntas sobre A Experiência com Medicamentos Antidepressivos e Antipsicóticos. Para este estudo, Read e Sacia utilizaram as respostas em duas perguntas abertas: “No geral, em minha vida, os medicamentos antipsicóticos foram ____” e “Há algo mais que você gostaria de dizer, ou enfatizar, sobre sua experiência com medicamentos antipsicóticos?”.
Foi realizada uma análise temática, e três unidades de estudo foram categorizadas: positiva, negativa e mista. Read e Sacia descobriram que apenas 14,3% relataram que sua experiência com antipsicóticos foi puramente positiva, 27,9% dos participantes tiveram experiências mistas, e a maioria dos participantes (57,7%) apenas relatou resultados negativos.
Cerca de 22% dos participantes relataram efeitos de drogas como mais positivos do que negativos na escala de Classificação Geral Antipsicótica, com quase 6% chamando sua experiência de “extremamente positiva”. A maioria dos participantes teve dificuldade em articular o que era positivo sobre a sua experiência, mas cerca de 14 pessoas notaram uma redução nos sintomas, e 14 outros notaram que isso os ajudou a dormir.
Dos que afirmaram ter tido efeitos adversos, 65% relataram sintomas de abstinência, e 58% relataram suicídio. No total, 316 participantes reclamaram dos efeitos adversos das drogas. Estes incluíam ganho de peso, apatia, entorpecimento emocional, dificuldades cognitivas e problemas de relacionamento. Um paciente declarou:
“Minha primeira e única tentativa de suicídio foi devido à inquietude da acatisia. Ninguém acreditava na dor que eu sentia“.
Outro observou: “Eles tiraram-me a única coisa em que eu podia confiar anteriormente: minha mente e a tornaram inútil”.
Resultados semelhantes foram relatados em uma recente revisão, que constatou que enquanto alguns pacientes relataram uma redução nos sintomas com antipsicóticos, outros afirmaram que causaram sedação, embotamento emocional, perda de autonomia e um sentimento de resignação. Os participantes da pesquisa atual também reclamaram dos persistentes efeitos adversos dos antipsicóticos, muito depois de terem interrompido o seu uso.
É importante ressaltar que estes temas negativos também incluíam interações negativas com os prescritores do medicamento. Os participantes relataram falta de informação sobre efeitos colaterais e efeitos de abstinência, falta de apoio dos prescritores e falta de conhecimento sobre alternativas; alguns notaram que eles foram mal diagnosticados e os antipsicóticos pioraram a situação.
Um participante disse: “Não fui avisado sobre os efeitos permanentes/semi-permanentes dos antipsicóticos que recebi”. Outro observou: “A maioria dos médicos não faz a menor ideia. Eles viram as costas para os pacientes que sofrem, negando a existência de danos de abstinência“.
Esta é uma descoberta importante, pois pesquisas anteriores mostraram que as relações positivas com o prestador de serviços de saúde mental são consideradas essenciais para a recuperação de muitos pacientes que sofrem de psicose do primeiro episódio.
Read e Sacia escrevem que a principal conclusão é que os usuários dos serviços querem que os clínicos desenvolvam relações respeitosas e colaborativas com eles. Eles escrevem que isto requer:
“… o fornecimento de informações completas sobre todos os possíveis efeitos adversos, incluindo sedação, suicídio e efeitos de abstinência, e sobre vias alternativas de tratamento; e responder respeitosa e terapeuticamente quando os pacientes expressam o tipo de preocupações levantadas neste estudo e nos 35 estudos qualitativos anteriores”.
Os pesquisadores observam que o estudo tem certas limitações, como o uso de amostragem de conveniência. Além disso, sua natureza on-line poderia restringir o uso aos economicamente favorecidos, uma vez que eles têm fácil acesso à Internet.
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Read, J. & Sacia, A. (2020). Using open questions to understand 650 people’s experiences with antipsychotic drugs. Schizophrenia Bulletin. First published online: 12 February 2020. https://doi.org/10.1093/schbul/sbaa002 (Link)