Psicoterapeutas Fazem uma Reflexão sobre os Fracassos na Terapia

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ZenobiaUm estudo recente, conduzido pelo Dr. Andrzej Werbart, entrevistou sete terapeutas psicanalíticos sobre suas experiências em terapia com pacientes adultos jovens que não melhoraram. Os resultados, publicados na Psychotherapy Research, demonstram que os terapeutas experimentam um “retrato dividido” do paciente “não melhorado” e, em sua confusão, lutam para encontrar um equilíbrio entre distância e proximidade que resulta em um sentimento geral de controle perdido no processo terapêutico.

“Quanto mais o terapeuta tentava aprofundar o relacionamento para ajudar o paciente a alcançar suas experiências não formuladas, mais o paciente se retirava, aumentando a confusão do terapeuta, relataram os terapeutas. Com o tempo, os terapeutas ficaram frustrados e incapazes de encontrar uma maneira de avançar com seus pacientes, ficando presos em uma luta”.

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Há uma extensa evidência sugerindo que a psicoterapia é eficaz para uma ampla gama de preocupações com a saúde mental. Ainda assim, um número substancial de clientes não experimenta melhora na psicoterapia. Pior ainda, alguns experimentam o que é chamado de “deterioração” durante o tratamento, ou um agravamento de sua angústia.

Embora as evidências sugiram que os terapeutas possam melhorar os resultados identificando casos de tratamento malsucedido, as pesquisas também demonstram que é difícil para os terapeutas detectar suas falhas no tratamento. Werbart e colegas destacam a importância de compreender os fatores específicos que levam à melhoria do tratamento, estagnação ou deterioração, justificando, assim, o mérito deste projeto que examina experiências de terapeutas de casos “não melhorados” com psicoterapia.

Utilizando critérios quantitativos de inclusão e técnicas de análise qualitativa, os pesquisadores levantam as seguintes questões neste estudo:

  • “Como os terapeutas descrevem seu trabalho nesses casos particulares e a si mesmos enquanto terapeuta desse tipo de paciente?”
  • “Como os terapeutas descrevem seus pacientes, a relação terapêutica e o resultado da terapia?”
  • “Quais fatores e processos parecem ter sido cruciais para o resultado malsucedido do ponto de vista do terapeuta?”

Eles também investigaram “se há alguma característica particular das experiências dos terapeutas já observáveis no início do tratamento, conforme relatado nas entrevistas”.

Dados de arquivo do Young Adult Psychotherapy Project(YAPP) foram utilizados. Este estudo apresentou dados naturalistas, longitudinais com psicoterapia psicanalítica em adultos jovens (que foram em grande parte por demanda pessoal) em Estocolmo, na Suécia. Os pacientes participaram da terapia por uma média de 22,3 meses, e os dados do desfecho foram avaliados no término, em 1 1/2 ano e em um acompanhamento de 3 anos.

Os pesquisadores usaram critérios de seleção para estudar exclusivamente casos de não-melhora, definidos como “pacientes que relataram um nível de sintomas antes do início do tratamento propriamente dito, com nenhuma redução confiável dos sintomas ou mesmo com deterioração ao final do tratamento”. O corte entre casos “não-melhorado” e “clinicamente-melhorado” foi feito tomando como referência a medida de desfecho do Índice de Gravidade Global (GSI). Os psicoterapeutas foram recrutados de um estudo anteriorque examinou as perspectivas dos pacientes a respeito da sua experiência de psicoterapia que não levou a melhora da sua saúde mental.

Neste estudo, oito pacientes trabalharam com sete psicoterapeutas. Quatro dos sete terapeutas eram do sexo feminino e três do sexo masculino. A idade média da amostra do terapeuta foi de 52,9 anos.

Depois de participar de entrevistas semiestruturadas com terapeutas e de codificar os relatos dos terapeutas através dos fundamentos de sua teoria, os pesquisadores identificaram uma categoria central que conectava subcategorias e domínios adicionais. Esta categoria central, intitulada “ter a metade do paciente em terapia”, foi criada com base em citações diretas dos terapeutas entrevistados.

A categoria central “Ter metade do paciente em terapia” capturou um processo no qual o terapeuta experimentou partes do paciente que no início da terapia se apresentavam como obscuras ou ausentes – que partes essenciais de suas circunstâncias ou problemas de vida foram excluídas em suas entrevistas iniciais. Apesar de inicialmente se sentir atraído pelo paciente e por sua história, o terapeuta sentia-se incapaz de diminuir a distância. Isso acabou resultando em um senso percebido da perda de controle do terapeuta no processo terapêutico e a incapacidade de alcançar um equilíbrio favorável de proximidade e distância.

Nove subcategorias são mapeadas em torno dessa categoria principal. Essas nove subcategorias foram agrupadas em dois domínios temáticos: 1) Experiências do processo terapêutico e 2) Experiências de resultados terapêuticos.

Experiências do processo terapêutico

Os terapeutas inicialmente descreveram estar interessados e envolvidos no trabalho com o paciente. Eles não se esforçaram por ganhar empatia do paciente e experimentaram o paciente como extraordinariamente verbal, capaz e apreciador de terapia, apesar de ter um histórico traumático. Werbart e co-autores escrevem:

“A terapeuta se sentiu incomumente alerta, livre ou criativa, e poderia descrever um sentimento libertador de que as coisas acabariam e se esclareceriam com o tempo e que ela e o paciente estavam funcionando com sucesso. Era fácil gostar do paciente e sentir empatia, e o terapeuta sentiu-se importante, pois o paciente ousou se abrir e demonstrar confiança de uma maneira incomum”.

Desde o começo, os terapeutas sentiram uma distância do paciente, ou de partes do problema do paciente, que foi aumentando com o tempo. Os terapeutas entenderam os pacientes como tendo dificuldades em permitir a proximidade em seu relacionamento terapêutico e em relações interpessoais fora da terapia. Um participante terapeuta declarou: “Ela mantém uma certa distância; ela tem dificuldade em deixar seus sentimentos fluírem e não expressa nada forte sobre sua ligação comigo também.”

Além disso, eles descreveram o paciente como exibindo uma crescente aversão à proximidade, conforme descrito pela declaração deste terapeuta:

“Quanto mais a terapia significava para ela, e quanto mais eu significava para ela, pior, mais perigosa a terapia se tornava para ela e mais ela precisava me transformar em um não-corpo. Durante esse tempo eu estava funcionando como uma extensão dos móveis da sala, eu fazia parte da montagem, por assim dizer, eu não era uma pessoa viva”.

Os terapeutas perceberam os pacientes como se tornando cada vez mais ameaçados por questões, confrontos e intervenções, resultando em “batalhas infrutíferas” e tentativas frustradas de colaboração. Em última análise, o terapeuta relata ter perdido o controle no processo, sentindo-se perplexo, envolvido demais e mais propenso a abandonar a sua postura profissional.

Experiências com resultados de terapia

Os terapeutas da amostra descreveram acreditar que o paciente adquiriu maior percepção de sua vida, apesar do resultado não melhorado do caso. Eles sentiram que os sintomas do paciente diminuíram em força e que os pacientes adquiriram novas maneiras de administrar sua vida.

Além disso, eles relataram alguns resultados favoráveis da terapia, como a percepção da melhor confiança do paciente no relacionamento terapêutico, bem como uma mudança no funcionamento interpessoal. No entanto, os terapeutas entenderam que os problemas centrais do paciente permaneciam no término e que as melhorias percebidas não haviam levado a mudanças substanciais.

Esses resultados foram interpretados pelos pesquisadores juntamente com os resultados de seu estudo anterior, no qual eles examinaram as perspectivas dos pacientes de psicoterapia não melhorada, capturada pelo título “Girando as Rodas”. Enquanto os pacientes experimentaram um terapeuta muito passivo, os terapeutas descreveram como um paciente presente pela metade.

“Assim, há uma diferença marcante entre as experiências dos pacientes e a dos terapeutas a respeito do processo terapêutico em casos de não-melhoria. Interpretamos as experiências de pacientes sem melhorias como uma aliança terapêutica desequilibrada, com um vínculo emocional suficientemente bom, porém sem concordância suficiente em relação aos objetivos e tarefas da terapia”, escrevem os pesquisadores.

Werbart e seus colegas continuam a descrever que os pacientes provavelmente vivenciaram dificuldades em abordar e trazer à tona assuntos emocionalmente sobrecarregados, e, no final, os terapeutas não conseguiram ajudá-los a lidar com isso. Dessa forma, os pesquisadores discutem como os terapeutas podem ter superestimado o funcionamento do paciente enquanto subestimavam o escopo dos problemas do paciente.

Tanto o paciente quanto o terapeuta descreveram, a partir de seus diferentes pontos de vista, que o terapeuta não compreendia o paciente, o que poderia ter acrescentado à experiência do paciente a sensação de um relacionamento artificial”.

Além disso, o terapeuta se esforçou para adaptar sua abordagem às necessidades personalizadas e ao nível de funcionamento do paciente, apesar de suas tentativas ativas de se metacomunicar, talvez como resultado de superestimar o funcionamento do paciente. Os terapeutas, convencidos de que precisavam apenas de mais tempo, ou de mais trabalho, mas que geralmente estavam no caminho certo, podem não ter considerado a adoção de um novo entendimento ou foco.

Werbart e co-autores explicam como essa falsa convicção leva os terapeutas a potencialmente interpretar a terapia malsucedida como resistência do paciente:

“Eles não atribuem o limitado progresso na terapia à sua própria compreensão limitada dos problemas do paciente, mas sim à falta de vontade do paciente de se abrir e se esforçar mais. Em conjunto, isso resultou na incapacidade de adaptar sua técnica e abordar suas intervenções para os problemas centrais dos pacientes”.

Embora o paciente tenha descrito seu interesse e envolvimento no caso, isso pode ter comprometido sua capacidade de manter um equilíbrio efetivo de proximidade e distância com sucesso. Os pesquisadores levantam a hipótese de que “é possível que a percepção restrita dos terapeutas sobre sua contratransferência tenha contribuído para as dificuldades de se tomar uma ‘terceira posição’ junto com o paciente e desafiar a pseudo-mentalização do paciente”.

Existem várias implicações desta pesquisa. Dois destaques notáveis de Werbart e colegas concentram-se na prevenção de resultados de terapia que ficam abaixo do esperado. Primeiro, eles afirmam que os terapeutas devem estar atentos às contradições e incompatibilidades na avaliação inicial dos pacientes, na relação terapêutica e no processo terapêutico.

Especificamente, quando os terapeutas experimentam uma colaboração positiva e estimulante em conjunto com o distanciamento do paciente, isso pode ser uma indicação de que o terapeuta não está totalmente em contato com o funcionamento e as experiências do paciente.

“Se o terapeuta se concentra unilateralmente nas partes que funcionam melhor, existe o risco de nenhuma mudança terapêutica. Esse tipo de incompatibilidades e tendências divididas nas experiências do terapeuta pode ser difícil de reconhecer por terapeutas novatos e igualmente por terapeutas, e deve ser abordado no treinamento e supervisão de psicoterapia ”, escrevem Werbart e pesquisadores.”

Finalmente, eles encorajam a avaliação contínua do funcionamento do paciente durante todo o processo de terapia para informar e orientar as abordagens e adaptações das intervenções dos terapeutas. O terapeuta também deve estar disposto a reconsiderar sua avaliação inicial.

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Werbart, A., von Below, C., Engqvist, K., & Lind, S. (2018). “It was like having half of the patient in therapy”: Therapists of nonimproved patients looking back on their work. Psychotherapy Research, 1-14. (Link)

Eficácia do Antidepressivo não Depende da Gravidade da Depressão

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FreitasUm novo estudo, que foi publicado em Acta Psychiatrica Scandinavica, descobriu que a eficácia do antidepressivo não depende da gravidade da depressão. Os pesquisadores analisaram os dados em nível individual (IPD) de pesquisas radomizadas, duplo-cego, controladas com placebo, com antidepressivos da nova geração, para o tratamento da fase aguda da depressão maior. E os resultados são impactantes, na medida em que o que a meta-análise feita revelou que os antidepressivos aparecem como não sendo mais efetivos para a depressão maior do que para a depressão suave.

Depresssão maior

Esse estudo foi realizado por alguns dos mais destacados pesquisadores em antidepressivos: Toshi Furukawa, da Universidade de Kyoto, Stefan Leucht, da Techische Universität Muchen, e Andrea Cipriani, da Universidade de Oxford, entre outros. Esses três autores estiveram igualmente envolvidos no recente estudo publicado na Lancet Psychiatric que sugere que os antidepressivos são efetivos.

Os critérios escolhidos para a meta-análise foram: ensaio clínico duplo-cego randomizado e controlado (ECR); tratamento da fase aguda de adultos diagnosticados com transtorno depressivo maior; a intervenção feita com antidepressivos da nova geração, implementados como monoterapia, prescritos conforme a dose oficialmente recomendada; o controle foi com placebo; os ensaios clínicos foram realizados no Japão.  E a estratégia da pesquisa consistiu em examinar 11 ECRs de seis empresas farmacêuticas do Japão à espera da aprovação regulatória. Dessas, quatro empresas concordaram em fornecer os dados solicitados, o que resultou em apenas 6 estudos para constituir a amostra.  Um total de 2.464 participantes foram incluídos. Os estudos compararam seis antidepressivos com placebo. Os antidepressivos examinados foram duloxetina (Cymbalta), escitalopram (Lexapro), mirtazipina (Remeron), Paroxetina (Paxil) e bupropion (Wellbutrin).

Os autores usaram os dados individualizados dos participantes ao invés de dados agregados, isto porque tal metodologia de meta-análise tem revelado ser a que apresenta melhores vantagens, tanto estatísticas quanto clínicas.

Os autores observam que os resultados dessa meta-análise contrariam estudos anteriores que sugerem que os antidepressivos são mais eficazes na depressão grave. Eles verificaram que, como a eficácia antidepressiva sobre o placebo é um efeito tão pequeno, a melhora pode ser facilmente confundida com outros fatores. Medicamentos antidepressivos geralmente são apenas um pouco melhores que o placebo em estudos de eficácia – o suficiente para ser estatisticamente significativo. Entretanto, o significado clínico dessa pequena diferença tem sido questionado.

Esse estudo confirma investigações concluídas há mais de uma década por Irving Kirsch e colegas.

Algumas das limitações deste último estudo foram: ter apenas estudos do Japão; apenas metade dos estudos identificados foram os incluídos nos dados; muitos tipos de antidepressivos não foram examinados; e pacientes muito graves ou suicidas não foram incluídos nos estudos. De fato, os pesquisadores descrevem os participantes como “altamente selecionados”. Isso significa que o estudo não pode responder a perguntas sobre se os antidepressivos poderiam prevenir a tendência suicida na depressão grave.

Os autores assim concluem:

“Clinicamente, as implicações das descobertas atuais podem ser resumidas da seguinte forma. Os pacientes deveriam igualmente se beneficiar em todo o espectro de gravidade, na medida em que sofrem de depressão maior. O mito do benefício especificamente menor dos antidepressivos para o espectro mais moderado do transtorno, em comparação com seu espectro mais severo, deve agora ser expelido. Dadas as amplas implicações clínicas dos presentes achados, vale a pena examinar sua generalização, isto é, se a gravidade inicial modifica a eficácia de intervenções de tamanhos variáveis de efeito em amostras menos restritas de pacientes com depressão maior, em outros transtornos em psiquiatria e fora da psiquiatria.”

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Artigo: Furukawa, T. A., Maruo, K., Noma, H., Tanaka, S., Imai, H., Shinohara, K., . . . Cipriani, A. (2018). Initial severity of major depression and efficacy of new generation antidepressants: Individual participant data meta-analysis. Acta Psychiatrica Scandinavica, 137(6)450-458. doi: 10.1111/acps.12886 (Link)

Novas Diretrizes para a Atenção Primária do Canadá envolvendo a Desprescrição de Benzodiazepínicos

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CAMILASaiu recentemente um artigo sobre novas diretrizes para a atenção básica do Canadá, envolvendo os benzodiazepínicos (ARBs). Alguns médicos da University of Ottawa, em Ontário (Canadá), publicaram uma série de diretrizes clínicas, com o objetivo de auxiliar médicos a desprescrever, de forma segura, benzodiazepínicos. As diretrizes baseadas em evidências, foram publicadas na edição de maio do periódico Canadian Family Physician, onde observam que os benzodiazepínicos ainda são largamente prescritos para o tratamento a longo prazo da insônia em adultos.

Apesar dos benefícios a curto prazo, como maior rapidez em iniciar o sono e uma hora a mais na duração do sono, o uso crônico dos ARBs pode levar à dependência física e psicológica. Além de novas evidências mostrarem que sua eficácia diminui após 4 semanas e os efeitos adversos permanecem. Isso acontece porque agonistas de receptores de benzodiazepínicos se ligam a receptores de ácido y- aminobudírico tipo A, mas com seu uso excessivo por um prolongado período de tempo o receptor pode mudar fisicamente, diminuindo seu potencial para sedação. Pelos efeitos adversos – quedas, demência, acidentes automobilísticos, dependência física, entre outros –  e alta prescrição no tratamento da insônia, foi consenso entre familiares, médicos, enfermeiras e geriatras, que os ARBs são a classe de medicamentos mais importantes para o desenvolvimento de diretrizes de desprescrição.

O objetivo do artigo foi revisar sistematicamente os benefícios e danos da desprescrição de ARBs, usando a opinião dos pacientes e a literatura sobre o assunto, e assim  desenvolver um guia baseado em evidências que assista profissionais da saúde e usuários na tomada de decisão e na redução de ARBs. Essa iniciativa é de grande relevância, principalmente quando 13% da população do Canadá tem insônia, uma das mais numerosas demandas da atenção primária daquele país.

A equipe de desenvolvimento do guia (EDG) consistiu em 8  profissionais da saúde, 1 médico da família, 2 psiquiatras, 1 psicólogo clínico, 1 farmacologista clínico, 2 farmacêuticos clínicos, 1 geriátra e 1 metodologista. A equipe usou o sistema GRADE* para o desenvolvimento do guia e a lista de Schünemann e colegas, para orientar a construção de métodos para o desenvolvimento de diretrizes de descontinuidade. O EDG também formulou a principal questão de manejo clínico, da seguinte forma, utilizando a abordagem ‘PICO’ (população, intervenção, comparação e resultado): quais são os efeitos (benefícios e danos) da desprescrição de ARBs comparado com o uso continuado em adultos com insônia.

Antes de executar a pesquisa, a equipe realizou uma revisão sistemática para avaliar os efeitos das diferentes abordagens de desprescrição das ARBs, além de investigar os efeitos comparativos de diferentes intervenções de desprescrição, que incluíam interrupção abrupta, “afunilamento”, troca ou substituição de terapia, entre outros. Resultados primários incluíram qualidade de sono, efeito na cognição (melhora ou piora), eventos adversos de retirada de drogas, taxa de cessação (proporção de pacientes que pararam completamente as ARBs) e danos (sedação diurna, equilíbrio, acidentes com veículos motorizados, quedas, mortalidade, dependência). Já os resultados secundários incluíram a carga (burden) de pílula benzodiazepínica (média da dose de ARBs) e satisfação dos pacientes.

O público alvo do guia de desprescrição de benzodiazepínicos são adultos que tomam ARBs para tratamento de desordem de insônia: insônia primária e insônia por comorbidade (onde comorbidades subjacentes são gerenciados), com idades entre 18 e 64 anos, que tomam ARBs a maioria dos dias da semana, por mais de 4 semanas, e adultos idosos com mais de 65 anos que tomam ARBs, independente do tempo. O guia não é recomendado para outros tipos de desordem do sono, ansiedade não tratada, depressão ou condições físicas ou mentais que poderiam estar causando ou agravando a insônia. Esses pacientes devem ser tratados apropriadamente pelas suas condições primárias antes de considerar a desprescrição ou serem encaminhados ao psicólogo ou psiquiatra.

O resultado da revisão sistemática demonstra que muitos pacientes podem interromper com sucesso os ARBs , com aproximadamente 60% a 80% dos pacientes capazes de interromper o uso, como resultado de uma intervenção de desprescrição. Em relação ao ‘afunilamento’ das doses, a taxa média de sucesso é entre 25% a 80%, em comparação com taxas de cessação de 10% a 20% do cuidado usual quando a deprescrição não é iniciada.

A equipe que desenvolveu o guia de desprescrição percebeu que envolver o paciente na discussão sobre os ARBs e saber sobre os objetivos e preferências no uso de ARBs foi um importante primeiro passo, o que foi confirmado pelos médicos que participaram da implementação do projeto. Os pacientes indicaram que seriam mais suscetíveis a desprescrição se houvesse um plano claro de redução gradual e eles sabiam o que esperar. A justificativa para a desprescrição deve ser claramente explicado, um plano de afunilamento deve ser negociado, e as seguintes evidências devem ser discutidas: riscos de uso contínuo de ARBs (por exemplo, quedas, acidentes automobilísticos) e potenciais benefícios de descontinuação (por exemplo, redução do risco de queda, menos sedação, melhora no pensamento e na memória); efeito terapêutico de ARBs pode ser perdido dentro de 4 semanas devido a alterações do receptor (mas os efeitos amnésicos persistir); e  Efeitos adversos leves de abstinência de drogas podem ser esperados durante o afunilamento a curto prazo (alguns dias a semanas).

No entanto, a revisão sistemática não identificou estudos que compararam diferentes estratégias de redução por afunilamento. Além disso, foi constatado que Pacientes em uso de doses mais baixas no início do estudo e usando ARBs por um período mais curto, tendem a ter maiores taxas de abandono e menor risco de reiniciar o uso de seus ARBs. Sofrimento psicológico e pior estado geral de saúde no início do estudo parece aumentar o risco de precisar reiniciar o uso do ARBs. A equipe recomenda que ao decidir diminuir as doses e as taxas, considere usar uma taxa mais lenta com as pessoas com maior probabilidade de ter um risco maior de recaída (por exemplo, uso a longo prazo ou histórico de sofrimento psicológico).

Preocupação com o potencial de sintomas de abstinência costuma ser  a principal razão pela qual os prescritores muitas vezes não abordam os pacientes sobre a desprescrição de ARBs. Mas a  revisão sistemática constatou que não houve diferença nas pontuações gerais dos sintomas de abstinência de ARBs para redução gradual em comparação com os cuidados habituais ou a continuação de ARBs. No grupo de afunilamento desta pesquisa, foram relatados mais problemas para dormir aos 3 meses em comparação com a continuação de ARBs (diferença média de 16,1 maior em uma escala de 100 pontos de “problemas para dormir”, 95% CI 15,0 a 17,2), mas qualquer diferença em relatos de problemas para dormir não passava mais de 12 meses. O afunilamento gradual de agentes de ação curta não elimina os sintomas de abstinência, mas melhora sua gravidade, com os sintomas começando a aparecer quando as doses são reduzidas para cerca de 25% da linha de base.

Uma variedade de estratégias e intervenções de gestão de comportamento, como a TCC, tem sido usada para ajudar com insônia e pode ser considerada como alternativa não-medicamentosa se a insônia ocorrer durante ou após a desprescrição de ARBs. A revisão sistemática também constatou que, quando usada como parte de uma intervenção de desprescrição, a TCC combinada com o desmame, melhorou as taxas de cessação de ARBs pós-intervenção em comparação com o afunilamento sozinho. Isso é consistente com a atual base de evidências.

A equipe ressalta que o afunilamento gradual reduz, mas pode não eliminar, os sintomas de abstinência. Um plano de monitoramento deve ser desenvolvido em conjunto com o paciente. A cada passo do afunilamento (aproximadamente a cada 1 a 2 semanas durante a duração), monitore a gravidade e a frequência dos sintomas adversos de abstinência (ansiedade, irritabilidade, sudorese, sintomas gastrointestinais, insônia), benefícios potenciais (por exemplo, menos sedação diurna, melhor cognição, menos quedas) e humor, qualidade do sono e alterações no sono.

Outro dado importante para os profissionais de saúde é que ao oferecer desprescrição de ARBs é essencial estar atento para depressão pré-existente ou incidente ou transtornos de ansiedade. Comorbidades psiquiátricas são comuns na insônia. Em um estudo longitudinal de 6 anos, 76 indivíduos que tiveram insônia e estavam tomando benzodiazepínicos tiveram um aumento de 5 vezes risco de desenvolver depressão e um risco de 3 vezes de desenvolver um transtorno de ansiedade em comparação com indivíduos que não tinham insônia e não usavam benzodiazepínicos.

Como fruto dessa pesquisa foram criadas ferramentas: algoritmo de apoio à decisão e um panfleto de informações do paciente correspondente, ambos  destinam-se a apoiar os profissionais de saúde no envolvimento dos pacientes sobre este importante tópico e implementando planos de deprescrição com eles, e que será disponibilizada na atenção primária do Canadá. O trabalho do EDG para criação das diretrizes de desprescrição, foi um trabalho credível, desenvolvido com uma abordagem rigorosa e baseada em evidências. Oferece ao clínico, portanto, um argumento claro e confiável para  as discussões sobre a desprescrição de ARBs com os pacientes. Por que não fazer algo similar no Brasil?

*

*O sistema GRADE foi proposto pelo grupo Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation (GRADE) e é um sistema que fornece informação clara e concisa tanto sobre a qualidade da evidência, quanto sobre a força da recomendação. Fonte: Portal Ministério da Saúde. Para saber mais http://www.gradeworkinggroup.org/

……

Pottie, K., Thompson, W., Davies, S., Grenier, J., Sadowski, C. A., Welch, V., … Farrell, B. (2018). Deprescribing benzodiazepine receptor agonists: Evidence-based clinical practice guideline. Canadian Family Physician64(5), 339–351. (link)

Ensaios Clínicos Controlados Aleatoriamente com Drogas Psiquiátricas Falam dos Danos Causados

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robert-whitakerOs ensaios clínicos randomizados (ECRs) são vistos como o padrão ouro para orientar a ‘ medicina baseada em evidências’ e, até recentemente, eu não prestava muita atenção ao ‘tipo’ de evidências que eles forneciam. Mas depois de escrever recentemente a respeito de duas metanálises de antipsicóticos e antidepressivos que concluíram que essas drogas eram ‘eficazes’, comecei a pensar em ECRs com uma outra forma de olhar.

Os dados mais importantes em um ECR não são se o medicamento fornece um benefício estatisticamente significativo em relação ao placebo. O dado mais importante é o cálculo do ‘número necessário para tratar’ (NNT). Estes são os dados que devem ser usados para fornecer aos pacientes o consentimento informado sobre a probabilidade de que eles se beneficiarão do tratamento a curto prazo, ou, inversamente, serão prejudicados por ele. E são esses dados – e não os dados de eficácia – que devem informar os protocolos de prescrição.

No passado, escrevi sobre a corrupção nos ECRs das drogas psiquiátricas – o viés do projeto, o uso de um grupo de placebo composto de pessoas retiradas de suas drogas, a distorção dos resultados publicados e assim por diante. Mas este post é sobre algo diferente. Mesmo se tomarmos os ECRs de antipsicóticos e antidepressivos pelo valor de face, os dados do NNT das metanálises revelam que a esmagadora maioria dos pacientes não se beneficia do tratamento e, portanto, é prejudicada, pelo menos em algum grau, pela exposição deles à droga.

Em suma, os números do NNT fornecem evidências para a utilização dos fármacos de forma seletiva, evitando seu uso imediato nos pacientes do primeiro episódio.

Resultados de eficácia versus NNT

A descoberta de eficácia em um estudo de uma droga psiquiátrica vem do cálculo dos resultados agregados para os grupos de drogas e placebo. Se a redução dos sintomas, em média, é maior no grupo de drogas do que no grupo de placebo, e se essa diferença é estatisticamente significativa, então o julgamento é considerado positivo para a droga. O tratamento proporciona um benefício em relação ao placebo.

Esta é a evidência que é citada na psiquiatria para o uso de antipsicóticos e antidepressivos enquanto terapias de primeira linha para depressão e transtornos psicóticos. Essas drogas – e é assim que as descobertas são apresentadas ao público – podem ser consideradas que ‘funcionam’.

No entanto, os indivíduos em um teste de alguma droga psiquiátrica, tanto no placebo quanto nos grupos tratados com medicamentos, terão respostas variadas: alguns irão piorar, alguns permanecerão os mesmos, alguns ficarão um pouco melhores, e alguns podem ficar muito melhor. Se você mapear as respostas individuais nos dois grupos, as curvas na forma de sino para cada grupo se sobreporão em algum grau. O grau de sobreposição reflete o ‘tamanho do efeito’ e, por sua vez, leva a um cálculo do número de pessoas que devem ser tratadas para produzir uma pessoa adicional que recebe um benefício do medicamento (NNT).

Assim, o NNT fala da porcentagem de pessoas que estão sendo expostas aos efeitos adversos da droga, sem qualquer benefício adicional, e da porcentagem de pessoas que têm uma resposta terapêutica positiva que, de outra forma, não teriam. Pode-se dizer que o primeiro grupo foi prejudicado pelo tratamento, enquanto o segundo grupo poderia se beneficiar dele.

Por exemplo, um NNT de 10 significa que 10 pessoas devem ser tratadas para produzir uma pessoa adicional que tenha um resultado positivo, o que leva a essa equação benefício-dano: nove pessoas serão expostas aos efeitos adversos do tratamento sem qualquer benefício adicional (e, portanto, são prejudicadas), enquanto um terá uma resposta benéfica que ele ou ela não teria de outra forma.

Com um número NNT em mente, uma pessoa que está pensando em tomar um remédio pode avaliar se a probabilidade de ter uma resposta melhor que vem com o uso da droga vale o risco de ser exposta aos efeitos adversos da droga. Essa é a equação que os pacientes devem considerar ao considerar se devem ou não tomar um medicamento, em oposição ao achado de ‘eficácia’ em que geralmente nos concentramos.

É fácil se verificar a espantosa diferença no entendimento que surge ao ver os méritos de um medicamento através da lente NNT, em oposição à lente eficaz / não eficaz. O primeiro fornece uma compreensão sofisticada dos riscos que acompanham o uso do medicamento e lembra ao paciente e ao médico que os resultados individuais podem variar muito. Enquanto que a outra forma de olhar leva a uma conclusão simplista de ‘medicamentos’, que promove a falsa noção de que a maioria dos pacientes pode esperar se beneficiar do tratamento.

Em outras palavras, o NNT ilumina o impacto variável do medicamento, enquanto que os achados sobre a descoberta da eficácia levam a uma ocultação desse fato crítico. Pode-se dizer que os dados de eficácia, de fato, levam a um delírio clínico.

O NNT para os Antidepressivos

Irving Kirsch e outros calcularam que os antidepressivos, nos ECRs, têm um efeito do tamanho de 0.30. Aqui está uma visualização de um tratamento com um efeito de tamanho 0.30.

Graphic by Kristoffer Magnusson, http://rpsychologist.com/de/cohend/
Graphic by Kristoffer Magnusson, http://rpsychologist.com/de/cohend/

Neste gráfico, há uma sobreposição de 88% no espectro de resultados entre os dois grupos. Isso produz um NNT de 8. Uma em cada oito pessoas tratadas com um antidepressivo terá uma resposta positiva que, de outra forma, não teria; os outros sete terão sido expostos aos efeitos adversos do tratamento sem receber qualquer benefício adicional.

Assim, para a pessoa que está considerando tomar um antidepressivo, os dados do NNT fornecem a ‘matemática’ necessária para avaliar o benefício potencial de tomar o medicamento contra o possível dano de fazê-lo. O paciente saberá que tem uma chance em oito de se sair melhor do que sem o antidepressivo e, portanto, a pergunta para ele é: esse possível benefício vale os aspectos negativos da exposição ao medicamento?

Para completar esse consentimento informado, o paciente precisaria ter uma compreensão dos possíveis efeitos negativos da exposição a um antidepressivo. Os efeitos colaterais são muitos, começando com a disfunção sexual e um risco maior de ter uma reação maníaca, o que pode levar a um diagnóstico bipolar. Outros possíveis efeitos negativos incluem o sofrimento dos sintomas de abstinência quando se tenta abandonar o antidepressivo e, possivelmente, acabar com o antidepressivo a longo prazo, o que, por sua vez, muitas vezes leva a uma série de dificuldades físicas e emocionais.

Muitas pessoas deprimidas, quando apresentadas a essa informação, podem ainda escolher tomar um antidepressivo. Elas veriam isso como um risco que valeria a pena. Ao mesmo tempo, muitos provavelmente prefeririam deixar de tomar a droga e procurar uma alternativa não-medicamentosa.

Meu palpite é que a grande maioria das pessoas, quando confrontadas com o NNT de 8 encontrados, tomaria a segunda opção, particularmente ao sofrer um primeiro episódio de depressão. Infelizmente, poucos pacientes são apresentados com os dados do NNT quando estão considerando tomar um antidepressivo, e esses dados raramente informam o pensamento dos médicos.

Deve-se notar também que este NNT de 8 é derivado de ensaios conduzidos pela indústria de antidepressivos, e que em estudos com pacientes do ‘mundo real’, como o ensaio STAR * D, as taxas de resposta a medicamentos têm sido muito menores. Pode ser que, em pacientes do ‘mundo real’, os antidepressivos não proporcionem nenhum benefício a curto prazo de ‘eficácia’ sobre o placebo. O cálculo do NNT-8 é o melhor cenário possível para avaliar a relação benefício-dano para uso a curto prazo de um antidepressivo.

Com Antipsicóticos, o NNT é 6

Em um relatório de 2009, Leucht publicou uma meta-análise de 38 estudos de antipsicóticos de segunda geração e relatou uma taxa de resposta de 41% para os pacientes tratados com drogas versus 24% para o grupo placebo. Essas porcentagens, eles observaram, produzem um tamanho de efeito de 0,50, que se traduz em um NNT de seis.

Graphic by Kristoffer Magnusson, http://rpsychologist.com/de/cohend/
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Seis pessoas devem ser tratadas para produzir mais uma pessoa que tenha uma resposta favorável. Os outros cinco (80%) podem não ter recebido nenhum benefício adicional do tratamento, mas foram expostos aos efeitos adversos do tratamento antipsicótico, que, como se sabe, são muitos.

As porcentagens de resposta citadas por Leucht facilitam a visão da equação benefício vs. dano no uso de um antipsicótico. Os prejudicados são os não-respondedores ao medicamento (59%) e aqueles que teriam respondido sem o tratamento (24%), o que equivale a 83% (ou aproximadamente cinco em cada seis pacientes).

Os efeitos adversos dos antipsicóticos são quase numerosos demais para serem listados. Os antipsicóticos de segunda geração podem causar ganho de peso, diabetes, disfunção metabólica, sintomas parkinsonianos, desaceleração cognitiva, entorpecimento emocional e retração do cérebro. Pode ser difícil retirar-se de um antipsicótico, e o risco de uso a longo prazo inclui discinesia tardia e uma série de outros efeitos negativos.

Assim, a equação benefício versus dano que vem da meta-análise de Leucht: vale a pena para um paciente que é ‘psicótico’ tomar um antipsicótico para obter essa chance de um em seis de ter uma resposta favorável que, de outra forma não teriam, com este possível benefício vindo à custa da exposição aos efeitos adversos da droga?

Práticas de Prescrição informadas pelo NNT

Os dados do NNT revelam que a maioria dos pacientes será prejudicada em algum grau ao tomar um antidepressivo ou um antipsicótico, mesmo a curto prazo. Com antidepressivos, 88% se enquadram nessa categoria de exposição ao medicamento sem qualquer benefício adicional; com um antipsicótico, 80% se enquadram nessa categoria.

Dado esse fato, é fácil entender que os ECRs em psiquiatria não forneçam uma ‘base de evidências’ para práticas de prescrição ‘um tamanho serve para todos’. Em vez disso, eles fornecem provas convincentes de que os médicos precisam desenvolver protocolos de ‘uso seletivo’, que procurem identificar aqueles que poderiam melhorar sem o tratamento medicamentoso, e procurar interromper o tratamento em quem não responde ao medicamento.

Resposta ao placebo vs. resposta ao medicamento

Há ampla evidência de que a recuperação de um episódio depressivo ou psicótico sem exposição ao tratamento medicamentoso coloca o paciente em um caminho de longo prazo muito melhor. As taxas de recaída são menores para aqueles que se recuperam sem medicação, e seus resultados funcionais de longo prazo também são melhores.

Existe uma maneira bastante fácil de identificar aqueles que podem ficar bem sem tratamento medicamentoso, particularmente com depressão no primeiro episódio ou psicose no primeiro episódio. Os médicos, enquanto prestam assistência psicossocial, podem utilizar uma prática de observação e espera. Esperar por uma semana ou duas para ver se o paciente começa a melhorar sem a droga, e isso ajudaria a identificar aqueles que poderiam ficar bem sem a droga.

Este é o protocolo para os antipsicóticos usado no programa Open Dialogue desenvolvido na região oeste da Lapônia, na Finlândia, a partir dos anos 90. Eles relataram que dois terços de seus pacientes psicóticos em primeiro episódio se recuperam sem o uso de antipsicóticos e estão bem ao final de cinco anos. Seus resultados falam do extraordinário benefício para a saúde pública que pode advir de uma prática de observação e espera.

Quanto à depressão no primeiro episódio, antes da comercialização dos ISRS, entendia-se que a depressão era uma doença episódica e que a maioria das pessoas poderia se recuperar com o tempo sem qualquer intervenção somática. Por sua vez, nos primeiros anos da era dos antidepressivos, um pensamento comum passou a ser que as drogas eram úteis porque poderiam acelerar esse processo natural de cura.

Assim, o benefício que viria com um protocolo de observação e espera não é simplesmente o de que alguns pacientes evitariam os efeitos adversos da droga em curto prazo. A recuperação sem tratamento medicamentoso também coloca os pacientes melhor em um curso de longo prazo, como pode ser visto mais claramente nos resultados do Open Dialogue.

Os que não respondem aos medicamentos

Os ECRs de antipsicóticos e antidepressivos falam de uma porcentagem significativa de pacientes que não melhoram com a droga. Levando em consideração este fato, a segunda parte de um protocolo de uso seletivo seria parar de prescrever o medicamento a não-respondentes, e tentar outros métodos terapêuticos.

Isso parece bastante óbvio – não prescrever uma droga que não funciona – e, no entanto, a prática atual é dobrar o tratamento com drogas. Os médicos colocam os não-respondentes em medicamentos adicionais, e rapidamente esses pacientes estão em regime de polifarmácia, e lutando com uma carga crescente de efeitos colaterais.

Os números do NNT alertam os médicos que haverá muitos não respondentes. Se os médicos adotassem um protocolo de uso seletivo, eles tentariam identificar esses não respondentes rapidamente e mudá-los-ia para uma terapia não medicamentosa. Esse seria um aspecto essencial de um protocolo de prescrição que procuraria determinar ‘para quem’ o medicamento funciona e ‘por quanto tempo’, o que é entendido como a questão que é indispensável ser respondida para se fazer ‘o melhor uso’ de uma droga.

Um corpo robusto de evidências

Em Anatomia de uma epidemia, apresentei a base de evidências para drogas psiquiátricas dessa maneira: escrevi sobre como os ECRs forneciam evidências de seus benefícios de curto prazo (pelo menos até certo ponto), e então examinei evidências de muitos outros tipos – estudos epidemiológicos, estudos longitudinais, descobertas de ressonância magnética e assim por diante – que contavam como as drogas psiquiátricas pioravam os resultados em longo prazo.

Em outras palavras, nesse livro, contei sobre um paradoxo: drogas que ‘funcionavam’ no curto prazo, mas que causavam danos a longo prazo.

No entanto, se se concentra nos dados do NNT dos ECRs, o paradoxo desaparecerá. Os ensaios clínicos randomizados relatam a maioria dos pacientes que não se beneficiam das drogas e que, portanto, são prejudicados por práticas de prescrição de padrão único. Especificamente:

  • Os ECRs falam de uma porcentagem significativa de pacientes que se recuperariam no curto prazo sem o tratamento, mas que foram expostos à droga, e isso pode colocá-los em um caminho para o uso de longo prazo de um antidepressivo e outras drogas psiquiátricas, as quais acarretam possíveis efeitos negativos.
  • Os ECRs falam de uma porcentagem significativa de pacientes medicados que não respondem e entram de cabeça na toca do coelho da polifarmácia.

De fato, a literatura dos ECRs e a dos resultados a longo prazo agora se reúne para contar falar sobre um paradigma de cuidado que, como é atualmente praticado, leva desde o primeiro momento a mais danos do que benefícios aos pacientes. O maior risco para os pacientes no primeiro episódio é que o primeiro uso de uma droga se transformará em longo prazo, o que significa que, em troca de uma pequena chance – 1 em cada 8 para antidepressivos, 1 em cada 6 para antipsicóticos – que uma pessoa terá uma melhor resposta com a droga do que com o placebo, que essa pessoa está exposta a um risco significativo de se tornar um usuário de longa data de uma droga psiquiátrica.

Existem centenas de blogs pessoais que foram publicados no Mad in America e Mad in Brasil que falam sobre esse caminho de curto a longo prazo. Os autores falam de não responder às drogas em primeiro lugar ou piorar gradualmente com uma droga psiquiátrica, de cair no tormento da polifarmácia e, eventualmente, de vidas que se encontravam diminuídas ou mesmo arruinadas. Suas histórias pessoais atestam os próprios resultados que são visíveis nos ECRs e na literatura de resultados de longo prazo, se a profissão examinasse de perto suas próprias descobertas.

Na seção ‘soluções’ do Anatomia de uma epidemia, escrevi que a psiquiatria precisava adotar protocolos de uso seletivo, com base em dois preceitos: evitar o uso imediato de drogas para identificar aqueles que conseguem melhorar ‘naturalmente’ e tentar minimizar a longo prazo uso, o que inclui interromper o tratamento em não-respondentes.

Os números NNT dos ECRs de curto prazo argumentam para esse mesmo protocolo de uso seletivo, e esse foi o momento para mim de ‘olha aí’. Existe uma base consistente de evidências, começando com os ECRs que avaliam resultados de curto prazo, que exigem que a psiquiatria corajosamente reveja o uso desses medicamentos e adote protocolos de uso seletivo. Enquanto não conseguir fazê-lo e se apegar a seus protocolos de tamanho único, a psiquiatria usará as drogas de uma forma que causa – e não há outra maneira de dizer – UM GRANDE DANO.

Carta da Associação Americana de Psicologia sobre a Separação das Famílias promovida pelo Governo Trump

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A Associação Americana de Psicologia emitiu uma carta ao presidente Trump para expressar sua forte oposição à nova política de separar pais e crianças imigrantes que são detidos durante a travessia da fronteira.

“A política atual exige que as crianças sejam removidas de seus pais e colocadas por um período de tempo indeterminado na custódia do Escritório de Reassentamento de Refugiados. Décadas de pesquisa psicológica determinaram que é do melhor interesse da criança e da família manter as famílias unidas. As famílias que fogem de suas casas para buscar refúgio nos Estados Unidos já estão sob enorme quantidade de estresse. A separação repentina e inesperada da família, como a separação de famílias na fronteira, pode aumentar esse estresse, levando a um trauma emocional nas crianças. A pesquisa também sugere que, quanto mais tempo os pais e as crianças são separados, maiores são os sintomas de ansiedade e depressão relatados para as crianças. Experiências adversas na infância, como a separação entre pais e filhos, são importantes determinantes sociais dos transtornos mentais. Para crianças, eventos traumáticos podem levar ao desenvolvimento de transtorno de estresse pós-traumático e outros transtornos mentais que podem causar efeitos duradouros. Além disso, as políticas de imigração, como a separação de famílias na fronteira, também podem afetar negativamente os imigrantes que já estão nos Estados Unidos. Eles podem sofrer de sentimentos de estigmatização, exclusão social, raiva e desesperança, assim como medo pelo futuro”.

A carta →

Criança separada

Fabricantes de Doenças: Como as empresas farmacêuticas vendem tratamentos ao inventarem doenças

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Publicado em Huffington Post: A imagem da indústria farmacêutica tem sido significativamente prejudicada nos últimos anos, na medida em que o público começou a descobrir o papel que o seu marketing agressivo desempenhou para alimentar a epidemia de opiáceos. Mas o povo Americano, Brasileiro, e no mundo inteiro, ainda está em grande parte no escuro sobre o que pode ser a tática mais eficaz da indústria farmacêutica para empurrar as suas drogas – a comercialização de doenças.

Há um corpo substancial de literatura médica que remonta ao início dos anos 90 sobre a prática conhecida como “fabricação de doença” (“disease mongering“). As empresas farmacêuticas regularmente patologizam experiências cotidianas, convencem os médicos de que são problemas sérios, contam a um público hipocondríaco que há necessidade de ajuda e oferece a cura: um novo medicamento Contra o ataque de bilhões de dólares em campanhas de marketing feitas a cada ano, no entanto, os alertas dos pesquisadores sobre essas táticas têm sido amplamente ignorados.

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Pesquisadores exploram sexualidade e gênero no contexto da psicose

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Photo Credit: Kalypso, by Constantinos Th. Karentzos

ZenobiaUma equipe de pesquisadores publicou recentemente um estudo na revista Psychosis, explorando como o sexo e os conteúdos sexuais e de gênero se manifestam em experiências psicóticas. A equipe, liderada pelo Dr. Nev Jones, conduziu entrevistas e grupos focais com pessoas cujas vidas foram impactadas pela psicose, e seus resultados mostram que muitas pessoas experimentam conteúdo sexual como parte de suas experiências psicóticas que estão ligadas a dinâmicas de poder culturalmente carregadas.

Essas experiências também podem ser acompanhadas por sentimentos de vergonha que não são revelados em contextos terapêuticos. Os autores discutem identificar esses temas informalmente em seu trabalho:

“Ao comparar experiências anedóticas, percebemos que temas relacionados a sexo e gênero são comuns, mas associados as estigmas aditivos, que são sub-explorados e sub-reconhecidos na literatura da pesquisa atual.”

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Nas últimas décadas, pouca ou nenhuma pesquisa explorou a conexão entre experiências de sexualidade e psicose. Embora alguns estudos tenham investigado o conteúdo sexual de sintomas psicóticos ou associações entre trauma sexual e sintomas posteriores, relatos pessoais das várias manifestações de sexo, sexualidade e gênero dentro do contexto da psicose ainda não foram incluídos na literatura de pesquisa. O objetivo deste estudo foi investigar como o sexo, a sexualidade e o gênero se manifestam na vida de indivíduos que foram impactados pela psicose.

Historicamente, a sexualidade tem sido destaque no debate em torno da psicose. A teoria freudiana, por exemplo, explorou os aspectos psicossexuais da ‘esquizofrenia’. As investigações contemporâneas sobre a sexualidade em relação à psicose parecem, contudo, ter parado nos anos 90. Jones e seus colegas entendem que isso possivelmente ocorreu concomitantemente ao aumento da proeminência do discurso psiquiátrico da psicose. Com isso, com o foco em uma abordagem biomédica, há o ofuscamento da teoria psicanalítica, assim como da fenomenologia e das experiências individuais.

Neste estudo, entrevistas qualitativas e grupos focais foram realizados com a intenção de obter uma compreensão e apreciação mais profundas dos vários modos como a sexualidade se manifesta na vida dos indivíduos. Entrevistas e grupos focais centrados em conteúdo relacionado a sexo ou gênero. Jones e seus colegas recrutaram indivíduos por meio de agências locais de saúde mental, ouvindo grupos de redes de vozes e grupos de defesa de direitos.

Um total de 49 pessoas participaram de grupos focais (n = 24) e de entrevistas individuais (n = 25). Todos relataram receber um diagnóstico de ‘transtorno do espectro da esquizofrenia’ em algum momento de suas vidas. O conteúdo das entrevistas foi analisado qualitativamente através de métodos fenomenológicos para desenvolver temas que emergem das experiências individuais.

Os resultados demonstraram que 68% dos entrevistados e 20,8% daqueles em grupos focais “descreveram conteúdo explícito ou aspectos de sua experiência de psicose envolvendo sexo, sexualidade ou gênero”. Os pesquisadores agruparam esses relatos em cinco grandes grupos temáticos.

1) Variedades de experiência. Houve um leque diversificado de maneiras em que os temas envolvendo sexo, sexualidade e gênero se manifestaram nas experiências dos indivíduos. Uma característica unificadora dessas histórias envolveu entrevistados a expressar uma falta de oportunidade para discutir e explorar essas experiências em outros lugares, incluindo nunca ter compartilhado esses tópicos com um profissional de saúde mental.

Por exemplo, alguns participantes descreveram persistências relacionadas a termos sexuais, fantasias eróticas, ouvir vozes com nomes fortemente sexualizados ou de gênero, alucinações de violência sexual aterrorizantes e experiências sensuais positivas. Além disso, alguns participantes falaram de experiências psicóticas que destruíam sua sexualidade (tornavam-nas assexuadas), vozes que os intimidavam sobre suas atrações ao mesmo sexo e vozes que incessantemente comentavam sobre seus atos sexuais.

Alguns desses temas foram discutidos na medida em que se relacionavam com as suas experiências passadas concretamente sofridas, e outras pessoas descreveram apenas terem se envolvido com essas questões ou ideias após uma experiência delirante. Outro grupo de participantes negou qualquer conexão direta com suas experiências da vida real.

2.) Vergonha e perseguição. Em muitos casos, os entrevistados descreveram ouvir vozes ou ver sinais em sua vida diária que eram carregados de vergonha e os lembravam de experiências socialmente marginalizadas (por exemplo, abuso sexual passado ou trabalho sexual de sobrevivência) ou identidades (por exemplo, LGBTQ).

3.) Violência sexual ou sexualizada. As experiências de psicose frequentemente incluíam temas de violência sexual que diferiam entre as identidades de gênero. Isso foi verdade tanto para os participantes que tiveram experiências passadas de violência sexual quanto para aqueles que não as tiveram. Homens descreveram casos de psicose envolvendo-os como perpetradores de violência sexual, enquanto mulheres descreveram vitimização. Para outros, a violência sexual tornou-se um tema crítico que surgiu continuamente em relação a grupos mais amplos à parte deles mesmos. Por exemplo, aqueles relacionados a ideias de homofobia.

Os participantes expressaram uma série de reações sobre essas experiências, incluindo vergonha, culpa e constrangimento. Alguns expressaram preocupações de responsabilidade por essas experiências ou que podem estar ligadas a elas em um sentido “mais profundo, psicológico”.

4.) Gênero, sexualidade, agência e poder. Este tema centrou-se em torno da interseção entre experiências pessoais de dinâmicas diretas de poder que se manifestaram em experiências sexuais e dinâmicas de poder social que se manifestaram simbolicamente também. Os pesquisadores escrevem:

“Embora a maioria das experiências envolvendo violência sexual (sexualizada) certamente impliquem em claras dinâmicas de poder, incluindo ameaças físicas e emocionais, dinâmicas relacionais envolvendo ou baseadas em poder simbólico, social ou cultural também se manifestaram de formas não violentas em termos de gênero ou sexualizadas.”

Os pesquisadores discutem esse tema enquanto experiências complicadas e culturalmente carregadas da sexualidade, as quais ocorrem dentro do contexto da psicose. Isso envolve a compreensão de como alguém ‘se importa’ e funciona como capaz de agir sobre os outros e de agir sobre si mesmo. Alguns indivíduos narraram processos de empoderamento e redenção relacionados a essas experiências.

5.) Experiências positivas do erótico. Embora algumas das experiências de sexualidade acima tenham sido descritas como violentas, muitos participantes descreveram manifestações positivas de excitação que, às vezes, estavam associadas a estados espirituais ou criativos.

Notavelmente, a prevalência de experiências carregadas de vergonha se conecta a pesquisas que exploraram a vergonha como um fator no potencial desenvolvimento da psicose, bem como a vergonha como um mediador entre experiências traumáticas e a gravidade da sintomatologia pós-traumática. Jones e colaboradores observam que “o trabalho fenomenológico adicional é crucial para desmembrar a relação entre a vergonha e as experiências de marginalização social na psicose”.

Os achados deste estudo destacam a prevalência de conteúdo sexual ou de gênero nas experiências psicóticas da amostra, bem como a forma como essas experiências são interpessoais, de desenvolvimento e significativas em termos socioculturais. A construção de significado em que os participantes se envolveram apresentou religiões individuais / crenças espirituais, atitudes culturais, lutas pessoais relativas a identidades, assim como experiências relacionadas a agressão sexual ou a falhas românticas percebidas.

Os autores enfatizam que “a psicose é um termo amplamente genérico” e que, portanto, as experiências de indivíduos afetados pela psicose são “profundamente heterogêneas”. O trabalho deles foi exploratório, não confirmatório, e merece futuras investigações sobre variações transculturais. Pesquisas futuras também são necessárias para desmembrar o que esses achados significam para as relações terapêuticas e o processo social de recuperação. Os pesquisadores concluem:

“Embora não esteja focado especificamente em sexo / sexualidade, nosso trabalho contribui de maneira singular para um crescente corpo de literatura sobre influências culturais ou transculturais na fenomenologia das experiências psicóticas.”

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Jones, N., Rosen, C., Kamens, S., & Shattell, M. (2018). “It was definitely a sexual kind of sensation”: sex, sexual identity, and gender in the phenomenology of psychosis. Psychosis, 1-10. (Link)

Taxas crescentes de suicídio: quando reconhecemos que algo não está funcionando ?

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Independentemente da raça, sexo, idade ou etnia, as pessoas nos Estados Unidos e pelo mundo afora estão cada vez mais escolhendo a morte como a única saída. Mais pessoas tiram suas vidas do que morrem por overdose com opiáceos – apenas via o suicídio, não havendo traficantes de drogas para culpar ou pessoas para se jogar na cadeia (ou punir com a pena de morte) como bodes expiatórios. Na semana passada, os suicídios da estilista Kate Spade e do famoso chef Anthony Bourdain foram notados. E essas mortes vêm na esteira dos resultados de um estudo do Centro de Controle de Doenças que demonstrou que as taxas de suicídio continuam a aumentar e que o suicídio é agora uma entre a “principal causa de morte para os americanos”.

A resposta CADA VEZ MAIS É: Mais tratamento. Melhor tratamento. Tratamento mais acessível. E, claro, maior consciência sobre ‘o sofrimento psíquicol’.

Kate Spade tinha entrado e saído do tratamento pelo menos nos últimos cinco anos, provavelmente com alguns dos melhores terapeutas que a cidade de Nova York tem a oferecer. Anthony Bourdain não era estranho a tratamentos longos e intensivos, tendo estado em reabilitação por dependência de heroína e cocaína. A maioria das pessoas que se suicidou o fez depois de ter procurado ajuda.

Nos últimos anos, os Estados Unidos assistiram a um enorme avanço ‘no tratamento’ e ‘promissoras descobertas’ sobre doenças mentais, mas as taxas de suicídio aumentaram em 30% e as taxas de incapacitação por transtornos mentais aumentaram em dois milhões de adultos entre 1997 e 2009.

Curiosamente, o tratamento para pessoas que estão se sentindo deprimidas e sem esperança está associado a um aumento real de suicídio, violência e assassinato. Embora as drogas de todos os tipos (legais ou não) possam ser ferramentas úteis de enfrentamento para alguns quando estão com dor psíquica, elas não são uma panacéia – e os ‘antidepressivos’ às vezes podem ser completamente o oposto do que se espera que sejam.

Quando é que os profissionais e o público finalmente passarão a reconhecer que O QUE ESTAMOS FAZENDO NÃO ESTÁ FUNCIONANDO? Quando iremos dizer “Se queremos que as coisas mudem de fato, certamente devemos mudar nossa abordagem”?! Quando é que a mídia começará a questionar amplamente o que está acontecendo na sociedade ao em vez de cair na análise do individual?

Do jeito que está, o público continua sendo bombardeado por clichês banais e sugestões vazias que sempre acabam com algum tipo de mensagem como “isso ocorre mesmo, pode ocorrer com qualquer um (menos comigo)”.

“Ligue para a linha direta de suicídio. Saiba que você não está sozinho.”

O problema é que a maioria de nós está sozinha. Os EUA, e a maior parte da sociedade ocidental, concentra-se em uma cultura individualista que coloca o ‘sucesso’ acima dos relacionamentos, levando muitos a enfocar suas vidas na busca de uma ilusão frágil e passageira ao colocar a si próprio em prova. Essa busca sem fim deixa uma pessoa esmagada no momento em que a ilusão de sucesso desaparece (o que sempre acontece). E assim, a perseguição é sempre por mais, mais e mais.

As pessoas acumulam ‘amigos’ nas mídias sociais em um tipo de competição por popularidade bizarra, mas muitas vezes não têm ninguém com quem conversar quando precisam. Um post no Facebook sobre gatos ou alguém espatifando o rosto no chão pode reunir 50 ‘curtidas’, enquanto que uma manifestação honesta de dor, necessidade de conexão ou desesperança tenderá a ser ignorada e resultará em seguidores perdidos. Um selfie de uma pessoa no meio de sua vida feliz e perfeita resultará em uma avalanche de ‘Parabéns!’, Enquanto que uma foto mostrando o que está por trás da máscara pode receber alguns rostos tristes, enquanto que a maioria se apressa para passar rapidamente de lado por tais perturbações da realidade.

A questão é que nenhuma quantidade de talento, elogios, atenção, inteligência ou beleza jamais substituirá o amor, a intimidade, a empatia ou a conexão humana. Não importa quantas coisas uma pessoa compre, não importa quanto status uma pessoa ganhe, e não importa quantos admiradores sigam cada movimento de uma pessoa, isso nunca preencherá o buraco da solidão – pelo menos não por muito tempo.

Ter um aparelho de telefone à mão e discar ‘o SOS suicídio’ quando se está desesperado e necessitado pode ser extremamente útil para muitos. Há algo poderosamente calmante e curativo quando alguém realmente sabe ouvir, mostra se importar, que está curioso sobre o motivo de uma pessoa estar sofrendo, e demonstra estar disposto a ser paciente e calmo para ouvir a história e a dor de uma pessoa. A terapia também pode ser extremamente útil pelas mesmas razões.

O que as pessoas precisam, no entanto, é de conexão humana, empatia, compreensão, paciência, tolerância e uma razão para se amarem a si mesmas e se sentirem amadas pelos outros. Então, por que chegamos a um ponto em que a única maneira de as pessoas realmente receberem isso é ir a um profissional? O que há de errado com a nossa sociedade?

“É sobre doença mental”!

Dizer a uma pessoa que ela está ‘doente’ por sofrer ou por estar triste serve para alienar ainda mais o indivíduo. Muitas vezes a pessoa se sente defeituosa e coloca o problema dentro dela própria, ao em vez de reconhecer que fatores culturais e circunstanciais são o problema. Estudos demonstraram repetidas vezes que uma perspectiva de doença biológica para o sofrimento humano leva à diminuição da empatia, ao aumento do desejo por distância social e ao aumento do preconceito e da discriminação.

Pior ainda, esse foco nas doenças mentais e no sofrimento individual pode às vezes levar aqueles que são diagnosticados a desenvolver uma falta de responsabilidade sobre como tratar os outros, a falta de empatia por aqueles que não são vistos como doentes e a preocupação com o próprio estado interno em detrimento da conexão com os outros. Internalizar uma explicação de doença para o sofrimento de si próprio  leva a alterações na identidade, reforço de dinâmicas abusivas, diminuição da esperança e da auto-estima e diminuição da probabilidade de procurar ajuda.

Em outras palavras: nós, como sociedade, somos informados de que, se alguém está sofrendo, a abordagem correta é convencê-los de idéias que provavelmente as levarão a se sentirem marginalizadas, desamparadas, sem esperança, piores consigo mesmas, envergonhadas, retraumatizadas e com menos possibilidades que cheguem aos outros em busca de conexão e suporte quando, de fato, a conexão e o suporte são as coisas mais prováveis para se curar.

As taxas de suicídio, de fato, são mais altas em áreas que relatam os mais altos níveis de felicidade. Talvez fazer uma pessoa se sentir diferente e anormal por sofrer profundamente não seja tão útil!

Kate Spade popularizou as bolsas com alergia ao tédio nos anos 90. GETTY
Kate Spade popularizou as bolsas com alergia ao tédio nos anos 90. GETTY

Uma aversão à dor e ao sofrimento não nega a sua existência. A falta de empatia por si mesmo ou pelos outros só resulta em maior sofrimento, independentemente de quão profundamente oculto possa estar. O bode expiatório de uma suposta ‘doença’ invisível pode proporcionar conforto temporário para o reconhecimento dos horrores e a injustiça do mundo, mas é uma ilusão – e com consequências fatais para muitos.

“Certifique-se de que eles / você consiga ajuda.”

O atual paradigma de saúde mental nasce de uma sociedade que valoriza soluções curtas e imediatas. Uma sociedade que abriga um senso de direito a alguma idéia de felicidade que corresponda a uma quase completa falta de tolerância para a dor ou sofrimento. Uma sociedade que isola aqueles que perturbam o status quo, faz proselitismo de que todos os problemas serão resolvidos se você comprar X ou for a um especialista em Y, e estimula ativamente o ódio e o caos para não se ver os avanços dos privilegiados da sociedade.

E assim, quando uma pessoa está triste, desesperada, ansiosa, temerosa, experimentando uma crise espiritual, ou está zangada e farta da hipocrisia e da opressão, os especialistas proclamam que a resposta está na maioria das vezes em correções de curto prazo, um esforço quase imediato para suprimir qualquer incerteza ou dor, marginalização por meio de afirmações de doença individual e culpa implícita (no caráter e / ou cérebros) do indivíduo, justamente por não ser capaz de aceitar e lidar com uma sociedade insana e cruel.

Curiosamente, como resultado direto de sua formação, os profissionais que assumem essa perspectiva biotecnológica do sofrimento tendem a perceber seus pacientes em termos menos humanos.

Os médicos são pagos, as seguradoras recebem somas vultuosas de dinheiro, os hospitais prosperam e os indivíduos freqüentemente se tornam usuários de um sistema que ignora cada vez mais o relacionamento em detrimento de intervenções técnicas, supostamente “sofisticadas”, que geralmente pioram as coisas.

Apesar de todas as declarações de que os profissionais de saúde mental são especialistas e de que o tratamento avançou muito ao longo dos anos, não estamos em melhor situação do que há 100 anos. Além disso, as taxas de incapacidade por transtornos mentais aumentaram, o suicídio continua a crescer, a doença mental diagnosticada continua a progredir e, bem, as pessoas estão cada vez mais infelizes.

Quando 45.000 pessoas por ano preferem morrer do que viver neste mundo por mais tempo, convém que todos consideremos o que está acontecendo no mundo para causar isso.

Talvez possamos parar de culpar a deficiência individual e o baixo estoque genético, e começar a reconhecer que nossa sociedade está doente. Talvez seja a hora de fazermos algo diferente.

 

Quando os antidepressivos falham, o aumento da dose pode ser uma resposta menos eficaz

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Publicado em Psychiatry Adviser: Em um estudo publicado no Journal of Clinical Psychiatry, os pesquisadores não recomendam o aumento da dosagem de antidepressivos como resposta à falha do tratamento, na medida em que análises de regimes de aumento de dose revelam mudanças insignificantes no tamanho do efeito.

Algumas pesquisas demonstraram que o aumento da dose é a maneira predominante utilizada pelos médicos para a falta de resposta ao tratamento com o antidepressivo. Outras práticas recomendadas comuns incluem mudar para um antidepressivo diferente, combinar dois ou mais antidepressivos ou aumentar o tratamento com antipsicóticos.

Os investigadores identificaram 9 estudos compreendendo 1273 pacientes adultos, através dos bancos de dados da CENTRAL, PubMed, Embase e PsycINFO. Eles incluíram ensaios controlados, randomizados, nos quais pacientes com depressão unipolar que não responderam ao tratamento antidepressivo foram designados para aumentar a dose ou para grupos de controle com dose contínua. Todos os estudos examinaram inibidores seletivos da recaptação da serotonina, com um estudo também relatando a maprotilina.

Comparado com uma dose continuada de acordo com a prescrição inicial de um paciente, uma dose aumentada não mostrou ser mais eficaz, com uma diferença média padronizada insignificante de 0,053 (IC 95%, -0,143 a 0,248). De forma semelhante, análises de resultados secundários encontraram uma razão de probabilidade não significativa de 1,124 para resposta antidepressiva e remissão da depressão.

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Como falar com alguém que esteja ouvindo vozes

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Neste artigo publicado pela revista MetroUK, Lucy Nichol explica como melhor apoiar pessoas em ‘psicose’, enfatizando a necessidade de acreditar em indivíduos que ouvem vozes e reconhecê-los como o perito em suas próprias experiências.

“Ouvir vozes pode ser assustador para as pessoas. Mas nem sempre é assim. E se a pessoa que está experimentando a voz, a visão, a crença ou o sentimento não estiver aterrorizada, então por que alguém deveria estar com medo?

Dr. Liam Gilligan, um psicólogo clínico do Norfolk e do Suffolk NHS Foundation Trust, diz que devemos tentar reconhecer as emoções que estão sendo apresentadas pela pessoa experimentando a visão ou a crença.

Por exemplo, se essa pessoa não estiver em perigo, por que abordá-la de maneira angustiada? Isso só irá fazer com vocês dois se sintam angustiados.”

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