PESQUISADORES QUESTIONAM STATUS “PADRÃO OURO” DA TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

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ZenobiaEm uma nova revisão, o Dr. Leichsenring e uma equipe de pesquisadores examinaram criticamente as evidências que sustentam a Terapia Comportamental Cognitiva (TCC). Os autores, que representam uma variedade de modalidades, deixam claro que seu objetivo não foi o ‘bater com força na TCC’, pelo contrário, eles se propuseram a explorar construtivamente as suposições e evidências do campo. Suas descobertas sugerem que as evidências atuais que apoiam a eficácia da TCC não são tão robustas quanto o alegado.

“Mais importante, não há evidências consistentes de que a TCC é mais eficaz do que outras abordagens baseadas em evidências”, escrevem eles. “Essas descobertas não justificam a TCC como a psicoterapia padrão-ouro”.

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A TCC é uma das várias abordagens psicoterápicas. Terapias interpessoais, humanísticas, sistêmicas e psicodinâmicas são comumente praticadas como alternativas. A TCC é a abordagem que tem recebido mais atenção e tem sido referida como o ‘padrão ouro’ do tratamento psicoterápico. Alguns até argumentam que uma psicoterapia única e integrada baseada na TCC deve ser o único tipo de psicoterapia. No entanto, outros discordam, argumentando que existe uma pluralidade e diversidade de abordagens psicoterápicas tão eficazes quanto, particularmente se levarmos em consideração que as evidências não apoiam a superioridade da TCC sobre outros métodos.

Nesta revisão, Leichsenring e colegas identificam quatro premissas usadas para reivindicar a eficácia superior da TCC: (1) mais estudos estão disponíveis para TCC do que para outras psicoterapias; (2) nenhuma forma de psicoterapia demonstrou ser superior à TCC; (3) os fundamentos teóricos e os (4) mecanismos de mudança da TCC foram pesquisados mais extensivamente.

Eles começam observando que a pesquisa dentro da psicologia e da teoria cognitiva está no meio de uma crise de replicação. Isso coloca em questão o status da teoria da TCC, que vem da pesquisa cognitiva. A mudança na terapia, de acordo com muitos defensores da TCC, envolve mudar os pensamentos dos indivíduos. No entanto, a pesquisa sobre mecanismos de mudança na psicoterapia mostra que os resultados positivos do tratamento não estão exclusivamente relacionados às características da TCC.

Enquanto alguns afirmamque outras abordagens “nem sequer chegam perto” da qualidade dos estudos que apoiam a TCC, os autores acham que as evidências “contam uma história diferente”. Leichsenring e equipe levantam as seguintes questões sobre a qualidade dos estudos da TCC:

  1. Os estudos da TCC usam comparadores fracos, em que as abordagens da TCC são frequentemente comparadas com controles de lista de espera, em vez de outras psicoterapias.
  2. Eles argumentam que muitos estudos de TCC apresentam um alto risco de viés, quando avaliados com o risco de viés da Cochrane. No entanto, eles dizem que essa ferramenta pode não ser a ideal para se avaliar o viés em estudos de psicoterapia.
  3. A qualidade dos estudos da TCC não foi considerada superior às revisões de outras abordagens, como as da psicoterapia psicodinâmica.
  4. Uma revisão de estudos descobriu que, quando os estudos da TCC eram adequadamente comparados com outras práticas psicoterápicas, não havia vantagem.
  5. O viés de fidelidade dos pesquisadores não foi controlado, e isso pode afetar os resultados relatados.

Dadas estas considerações, os autores levantam a sexta questão: de que há ‘alta incerteza com relação ao suporte científico da TCC. “Devido ao baixo número de estudos de alta qualidade e ao grande número de estudos com alto risco de viés, os autores de uma grande metanálise sobre transtornos depressivos e de ansiedade concluíram que os efeitos da TCC são ‘incertos e devem ser considerados com cuidado.'”

Além disso, eles observam que a quantidade de estudos não implica qualidade e que, se a TCC deve ser considerada o ‘padrão ouro’ da psicoterapia, são cruciais as demonstrações de sua eficácia. Eles sublinham duas considerações importantes: (1) alguns estudos não conseguiram encontrar a TCC superior ao placebo no tratamento da depressão, e outros descobriram que ela é ineficaz para sintomas de psicose ou bipolar. (2) as taxas de remissão e resposta à TCC são modestas.

Os autores argumentam que evidências mais convincentes são indispensáveis para apoiar a TCC como a psicoterapia preferível. Este ponto convincente é reforçado por sua descoberta de que as evidências disponíveis não apoiam a superioridade da TCC em relação a outras psicoterapias. Estudos que fizeram essa afirmação apresentam tamanhos de efeito que ou são ‘pequenos e insignificantes’ ou não levaram em consideração como os clínicos variam em sua eficácia.

Além disso, há evidências consideráveis para demonstrar que nenhuma abordagem pode reivindicar ser o padrão-ouro quando a pesquisa sustenta que intervenções específicas exclusivas de cada abordagem não são o fator influente que impulsiona resultados positivos. Em vez disso, os pesquisadores defendem a diversidade e a pluralidade nas abordagens psicoterápicas. Eles escrevem:

“Uma pluralidade de abordagens apoiadas por pesquisas pode ser vantajosa; por exemplo, em pacientes que não respondem a uma determinada abordagem terapêutica. Em contraste, um apelo por uma psicoterapia integrada ‘científica’ sob a hegemonia da TCC implica que as outras abordagens não são científicas: isso, em si, é uma posição não científica “.

Finalmente, eles chamam a atenção para a forma como a pesquisa apoiando a TCC ficou estagnada nas últimas décadas. Além disso, a TCC tem tomado de empréstimo técnicas de outras abordagens, e aqueles que praticam a TCC não a fazem exclusivamente, ao invés disso, tendem a aplicar abordagens não-TCC que são apresentadas em terapias humanísticas, interpessoais e psicodinâmicas.

Eles concluem que “no momento, nenhuma forma de psicoterapia pode reivindicar ser o padrão ouro”. Como resultado, eles defendem a pluralidade no treinamento, na pesquisa e na prática.

“Diferentes pacientes podem se beneficiar de diferentes abordagens, ou podem se beneficiar de diferentes rotas. Os terapeutas são diferentes também. Eles devem ser capazes de escolher qual abordagem se encaixa melhor: um critério não serve para todos. Aprender também com as abordagens dos outros requer que diferentes formas de psicoterapia baseadas em evidências existam e sejam valorizadas igualmente. Pluralidade é o futuro da psicoterapia, não uma ‘monocultura’ centrada na TCC.  “

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Leichsenring, F., Abbass, A., Hilsenroth, J., Luyten, P., Munder, T., Rabung, S., & Steinert, C. (2018). “Gold standards,” plurality and monocultures: the need for diversity in psychotherapy. Frontiers in Psychiatry9, 159. (Full Text)

 

(trad. Fernando Freitas)

Distinguindo Distúrbios Dissociativos de Distúrbios Psicóticos: Compondo a Alienação

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ron ungerAs histórias nos organizam, e as ‘histórias ruins’ igualmente nos organizam de maneiras destrutivas. Neste post irei abordar um exemplo disso: a história contada sobre como os profissionais de saúde mental – qualificados – podem distinguir entre transtornos dissociativos – com suas raízes no trauma -, e transtornos psicóticos – considerados como doenças do cérebro.

Por que os profissionais insistem em fazer essa distinção?

A ideia é que as pessoas com distúrbios dissociativos precisam de uma terapia cuidadosa e habilidosa que lide com seu passado traumático e sua resposta fragmentada a ele, para que possam se reorganizar de maneira mais integrada. Acredita-se que tal abordagem psicológica seria inútil para aqueles com transtornos psicóticos, na medida em que seus problemas são entendidos como baseados em seus cérebros doentes, sendo as drogas necessárias para controlar as disfunções.

Se os profissionais realmente pudessem distinguir com segurança aqueles cujos problemas provenham de experiências difíceis e que podem ser ajudados pela terapia e pela auto compreensão, daqueles cujos problemas sejam mais orgânicos e que não podem ser ajudados de maneira psicológica, concentrando-se em fazer tal distinção seria uma abordagem útil. Mas se sua fé em sua capacidade para fazer isso for realmente uma ilusão, então o que eles estão realmente fazendo é definir todos do lado ‘psicótico’ da distinção como estando além da compreensão e ajuda humanas, e assim infligem outro golpe naqueles já severamente afetados.

É bem sabido que as pessoas se desassociem quando a a mente não consegue dar conta diretamente do que lhes aconteceu. Mais tarde, partes da pessoa cuja experiência não foi enfrentada podem ser incapazes de se integrar com as partes que conseguiram: cada uma se sente estranha à outra.

É o que acontece a seguir, o que pode ser crucial para separar aqueles que serão reconhecidos como tendo um distúrbio dissociativo daqueles que serão vistos como tendo um distúrbio psicótico.

Se a pessoa reconhece as partes ‘alienígenas’ de si mesmas como sendo apenas partes de si mesmas, mesmo que pareçam ser perturbadoras ou até mesmo ‘personalidades diferentes’, então elas têm uma boa chance de se verem a si mesmas e que os profissionais as vejam, como tendo PTSD ou transtorno dissociativo. Mas se as pessoas veem as partes ‘alienígenas’ de si mesmos como sendo literalmente alienígenas, ou demônios, ou agentes da CIA conversando com elas através de um implante cerebral, então elas provavelmente serão diagnosticados como psicóticos.

É importante nos darmos conta do que está acontecendo aqui: é a pessoa que se sente mais fortemente alienada de partes de si quem provavelmente fará a interpretação ‘psicótica’ sobre o que essas partes são – e então é essa pessoa que será vista pelo sistema de saúde mental como tendo um distúrbio que é compreensível apenas como disfunção cerebral.

Podemos imaginar a seguinte conversação:

Pessoa: “Eu tenho um alienígena dentro de mim.”

Profissional de saúde mental: “Não, o que você tem dentro de você é um cérebro defeituoso, isso é patologia cerebral ou é uma doença mental”.

Quando somos alienados de alguém, podemos deixar de cooperar com eles e lutar com eles, mas pelo menos percebemos que eles são seres vivos. Quando as pessoas são alienadas de pensamentos, sentimentos e partes de si mesmas, ou de personagens dentro de si mesmas, elas podem falhar em trabalhar com essas partes ou integrá-las em sua identidade, mas pelo menos elas se relacionam com essas partes como algo vivo. O que os profissionais fazem quando patologizam partes de pessoas ou suas experiências é desumanizá-las, vê-las não como algo que pode ser relacionado, mas como algo que deve ser exterminado. É aí que a alienação se torna composta.

O que falta na resposta do profissional é um reconhecimento de que o que a pessoa pode ter dentro de si é uma resposta muito humana a experiências muito difíceis, e o cérebro pode estar simplesmente respondendo a essas experiências. Ao não admitir essa possibilidade, a recuperação torna-se mais difícil. Se a pessoa aceitar a explicação do profissional, ela pode não mais ser habitada por um alienígena, mas agora ela é habitada por patologia, e pode-se esperar que a patologia seja vitalícia e exija esforços para o extermínio em curso.

Profissionais se diferenciam evidentemente quando começam a ver evidências de ‘patologia do cérebro’, versus quando estão abertas a ver um problema como sendo psicológico.

  • Alguns ainda identificarão qualquer relato de audição de voz como evidência de patologia cerebral, sem considerar a possibilidade de que as vozes possam ser dissociativas.
  • Alguns imaginam que podem usar certos critérios para distinguir ‘vozes dissociativas’ de ‘vozes psicóticas’ – mesmo que as pesquisas mostrem que não há base confiável para fazer tal distinção.
  • Alguns alegam que se uma voz é dissociativa a pessoa poderá falar com ela, enquanto a pessoa não pode falar com uma voz psicótica.

A hipótese alternativa é que os profissionais estão simplesmente deixando de reconhecer que a alienação existe em um espectro, e esses profissionais estão confundindo diferenças no grau de alienação com uma distinção categórica que não existe.

É comum, por exemplo, que as pessoas sejam informadas de que as vozes dissociativas são vivenciadas como vindo de “dentro” da pessoa, enquanto as vozes psicóticas são vivenciadas como “externas” à pessoa. Mas o que ocorre de fato é que essas experiências estão realmente em um espectro e, ao que parece, um espectro muito complicado.

Para os propósitos desta discussão, digamos que uma pessoa é apenas dissociativa, e não psicótica, se perceberem todas as vozes que ouvem (que outras não ouvem) como parte de seu eu, enquanto que definir alguém como ‘psicótico’ quando as pessoas percebem vozes que ouvem como algo diferente de si mesmos. (Visto dessa maneira, ser ‘psicótico’ não se distingue de um problema dissociativo, mas visto como uma possível complicação que pode ocorrer, ou que é um grau mais profundo de alienação).

A questão complicada é que muitas pessoas que são apenas dissociativas, no sentido definido acima, realmente ouvem as vozes das outras partes de si mesmas como se estivessem vindo de fora de si mesmas, de algum outro lugar da sala, por exemplo. Elas também podem ‘ver’ partes de si mesmas fora de si mesmas, embora estejam cientes de que isso é apenas uma experiência mental e, portanto, não são psicóticos. Enquanto isso, muitas pessoas que são ‘psicóticas’ no sentido definido acima, ouvem suas vozes ou muitas de suas vozes localizadas dentro de si, embora acreditem que não faz parte de si mesmas – como no caso em que acreditam que um demônio ou cérebro implantado ficou dentro delas.

A ideia de que os profissionais podem definir vozes como mais ‘psicóticas’, se as pessoas se acharem incapazes de conversar com elas, também ignora a possibilidade de um espectro; ignora a possibilidade de que a incapacidade de conversar possa ser outra função do grau de alienação. Todos sabemos, por exemplo, que quando as pessoas estão se sentindo muito alienadas dos outros seres humanos, muitas vezes descobrem que não conseguem conversar com elas. Muitos de nós descobrimos, por exemplo, que não podemos falar com pessoas politicamente muito diferentes – ou mesmo se estivermos dispostos a conversar, os outros não falarão conosco!

As pessoas que fazem parte movimento de ouvidores de vozes, e os terapeutas que trabalham com psicose, comumente descobrem desde o início que as pessoas não podem conversar com suas vozes, mas com algum trabalho, tal conversa se torna possível e útil.

Este trabalho não é visto como possível, no entanto, quando a incapacidade inicial da pessoa para conversar com as vozes, e a incapacidade de ver as vozes como parte de si mesmas com as quais poderiam se relacionar, é interpretada como evidência de que as vozes são apenas patologias cerebrais. Há uma noção de que ‘não se pode conversar com uma doença’ e, assim sendo, a interpretação do profissional de que a voz é patologia cerebral torna-se parte do problema da comunicação ou a compõe.

Devo salientar que a ‘dissociação’ – assim como a ansiedade ou o humor deprimido – não é uma coisa totalmente ruim. Há momentos em que é útil, e um certo grau disso faz parte do funcionamento humano saudável. As pessoas que fazem parte da rede de ouvidores de vozes apontam que ouvir vozes – um tipo particular de experiência dissociativa – também pode fazer parte do funcionamento humano saudável, embora as pessoas igualmente possam ter vários tipos de problemas com essas experiências. Alguns desses problemas atingem o nível do que é chamado de psicose – estar seriamente ‘fora de contato com a realidade’ e / ou seriamente desorganizado. Mas todos esses problemas podem ser potencialmente abordados  e resolvidos, ajudando as pessoas a se relacionarem com o que estão vivenciando, em vez de patologizá-lo.

Há muitas pessoas que publicamente têm descrito a jornada delas como havendo estado verdadeiramente perdidas em uma psicose, e que preenchem completamente os critérios diagnósticos para ‘esquizofrenia’, e que no entanto, à medida que obtiveram mais insight, mudaram para experiências que pareciam algo mais como um distúrbio dissociativo, e em seguida mudaram para não se sentirem mais ‘perturbadas’. Eleanor Longden é um exemplo bem eloquente. Quando estava totalmente ‘psicótica’, ela estava plenamente convencida de que suas vozes emanavam de seres fisicamente reais fora dela que poderiam prejudicá-la e à sua família, se ela não obedecesse aos seus comandos, e seu processo de raciocínio era tão ruim que chegou a fazer furos em sua cabeça para conseguir chegar às vozes, sem entender o fato de que ela provavelmente se mataria nesse processo. Mais tarde, ela passou a reconhecer as vozes como partes separadas de si mesma e, ao se reconciliar com aquelas partes, curou-se. Ela conta sua história eloquentemente em sua palestra Ted talk e em mais detalhes nesta versão mais longa.

Eu trabalho como terapeuta especializado em terapia para psicose e, embora nem sempre tenha sucesso, tive a sorte de ajudar as pessoas a fazer jornadas semelhantes em direção à cura.

Estes são problemas complexos, e este post apenas toca de leve no assunto. Eu tenho trabalhado para tornar a educação sobre este assunto mais disponível, em particular na forma do meu curso on-line Trabalhando com Trauma, Dissociação e Psicose: CBT e Outras Abordagens para Entendimento e Recuperação, que vem com 6 créditos CE para a maioria dos profissionais dos EUA. . (Até 23/5/18, está sendo oferecido com um grande desconto, e até mesmo gratuito para não-profissionais.)

Em um quadro mais ampliado, alienação e dissociação é algo que acontece não apenas dentro das pessoas, mas dentro e entre grupos sociais, tribos, nações, etc. Ver o ‘outro alien’ como apenas algo patológico, algo a ser exterminado, não costuma funcionar muito bem. Precisamos de dar mais atenção a abordagens que reconheçam a vida e a validade no outro estrangeiro, e que ajudem as pessoas e os grupos sociais a afirmarem suas próprias necessidades, enquanto também encontram maneiras de reconhecer e se reconciliar com as necessidades mais profundas do outro. Há razões para esperança, então vamos fazer o que pudermos para nutrir as possibilidades!

Pesquisador Discute Retirada das Drogas Psiquiátricas e o Movimento dos Sobreviventes

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Will Hall, entre outros papéis, é terapeuta e pesquisador e ex-paciente com psicose,  que publicou recentemente um artigo que explora experiências retirada de drogas que estão centradas no paciente, e chama a atenção para o recente momento dos movimentos de pacientes / sobreviventes. Ele mostra a conexão entre as ideias reducionistas sobre medicação psiquiátrica e as ideias igualmente reducionistas sobre a loucura, insistindo na urgência em se repensar o que constitui ‘saúde’.

“Reconsiderar a eficácia da medicação é inseparável do imperativo de se repensar a própria loucura”, escreve Hall. “As doenças mentais e a psicose são distúrbios cerebrais, como é alegado? E quanto aos pacientes que tomaram medicamentos que agora vem sendo questionados? Como resultado desse crescente ceticismo, demandas por mais pesquisas estão surgindo, especialmente para que seja preenchida a lacuna de investigação a respeito da retirada de medicamentos ”.

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Will Hall é uma liderança no campo da Saúde Mental nos Estados Unidos, consultor, escritor e professor. Diagnosticado com esquizofrenia, ele uma liderança e organizador do movimento dos sobreviventes da psiquiatria. 

 

Hall começa destacando as tendências recentes em direção à colaboração entre pacientes e os prestadores de serviços em diversos ambientes médicos. Quando se trata de tomada de decisão médica e pesquisa, descobriu-se que a colaboração aumenta os resultados e a satisfação do paciente. No campo da psiquiatria, no entanto, a cooperação está ainda muito atrasada.

Pesquisas recentes recomendam cada vez mais cautela em torno dos potenciais efeitos adversos e danos causados pela ingestão de medicamentos psiquiátricos. Muitos suportam efeitos graves de abstinência, na medida em que tentam descontinuar o uso, e têm que enfrentar resistências e falta de apoio dos profissionais de saúde. A importância das decisões de tratamento psiquiátrico é justamente o que garante uma maior colaboração, argumenta Hall.

“Ser totalmente humano significa ser reconhecido como tendo direitos iguais para a escolha do risco médico”, escreve Hall.

Além disso, Hall afirma que a psiquiatria pode aprender observando como os pacientes passaram a abordar a abstinência de medicamentos relacionados a outras condições de saúde, como epilepsia, dor crônica e diabetes tipo 2, para citar algumas. Ele descreve as experiências comuns de pacientes com a retirada das drogas psiquiátricas que são espelhadas nas abordagens do movimento de sobreviventes em psiquiatria:

  • Diversidade e imprevisibilidade. As condições se manifestam de maneira diferente em pessoas diferentes, assim como os medicamentos provocam efeitos diferentes. As opiniões variam entre os médicos, e todas as decisões acarretam riscos.
  • Adaptando as decisões às necessidades individuais. “Uma medida não serve para todos”, quando se trata de decisões de tratamento. Muitas vezes, várias mudanças no estilo de vida estão por detrás das decisões de deixar de tomar a medicação.
  • A importância da retirada gradual. Exceto em circunstâncias em que a retirada abrupta é necessária, a redução gradual pode ajudar a reduzir os efeitos de uma retirada rápida.
  • O paradoxo de tornar as condições piores. Algumas drogas, como drogas antiepilépticas, têm o potencial de exacerbar os sintomas para os quais as drogas foram prescritas. Essa preocupação também vem sendo manifestada com relação aos antipsicóticos.
  • Consideração da informação sobre risco-benefício. “Muitas tomadas de decisão do paciente não se concentram na certeza, mas em riscos e benefícios a serem calculados em uma escolha pessoal.”
  • A dignidade do risco e autonomia do paciente. “Os pacientes são livres para assumir riscos, mesmo quando há discordância”.
  • Riscos da medicina integrativa e holística. Os médicos estão dispostos a incorporar em suas práticas tratamentos integrativos, mesmo que sejam céticos quanto ao seu mecanismo de cura, na medida em que podem fortalecer o relacionamento clínico, motivar a mudança e melhorar a agência do paciente.

Tratamentos das psicoses ou substâncias psicoativas?

Hall observa que, não havendo evidências de marcadores biológicos, as drogas psiquiátricas são mais bem entendidas quando consideradas como substâncias psicoativas: elas alteram a consciência, por meio de mudanças cerebrais, de placebo ou de efeitos nocebo, e podem criar dependência semelhante às substâncias recreativas. Apesar de anos de pesquisa, Hall descobre que não há consenso sobre o protocolo das melhores práticas de tratamento da dependência e, mais uma vez, enfatiza a diversidade que provavelmente existirá no processo de descontinuação.

Dois fatores podem informar a retirada, como ele escreve. 1) que a duração e o grau de uso da substância podem geralmente aumentar a dificuldade de retirada, e 2) a retirada gradual é geralmente recomendada para a maioria das drogas.

(trad. Fernando Freitas)

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Hall, W. (2018). Psychiatric Medication Withdrawal: Survivor Perspectives and Clinical Practice. Journal of Humanistic Psychology, 0022167818765331. (Link)

Cientistas Sociais Questionam Crescente Discurso das Neurociências

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hemersonAntropólogos conclamam para o envolvimento interdisciplinar com as neurociências, em um editorial publicado recentemente em Antropologia Médica. Os autores, John Gardner, Narelle Warren e Paul Mason da Monash Universityna Austrália, e Juan Dominquez da Australian Catholic University, argumentam que é necessário uma relação entre as neurociências (explicações materialistas baseadas no cérebro) e a antropologia e as ciências sociais (explicações socioculturais).

“A indefinição da divisão convencional entre biologia e cultura representa uma oportunidade para haver uma colaboração significativa entre a antropologia e disciplinas como neurociência e psicologia”, escrevem os autores.

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Gardner e seus colegas reconhecem a influência e o poder das neurociências nos contextos modernos e reconhecem que a ciência do cérebro é muitas vezes procurada para explicações sobre ‘o que nos torna humanos’. Estudos neurológicos e imagens cerebrais são percebidos como sendo as fontes mais confiáveis para responder a tais questões dentro da cultura popular.

“O que esses estudiosos veem em alguns domínios da neurociência, e o que eles acham ser tão estimulante, é a possibilidade de um cérebro que não seja determinado e determinante, mas sim dinâmico e, em uma extensão importante, sensível ao contexto”, escrevem os autores. ” A neuroantropologia, em particular, baseia-se nas oportunidades epistemológicas que emergem quando o material biológico não é mais descartado como substrato inerte de sujeitos incultos”.

Os autores analisam criticamente uma perspectiva de ‘neurocultura’ do ‘cerebral’, como foi caracterizada pelo estudioso Fernando Vidal. Vidal percebe o humano como um “sujeito cerebral”, e sugere que o cerebral é “a manifestação contemporânea da evolução coerente no pensamento filosófico ocidental: Descartes equiparou a alma à mente, Locke igualou a identidade pessoal à autoconsciência, e outros pensadores subsequentemente localizaram a mente firmemente no cérebro ”.

Gardner et al. referem-se ao que Vidal diz como sendo uma representação da “ansiedade comum aos comentários da ciência social” nos quais é dito que os domínios socioculturais da experiência humana estão sendo reduzidos a “termos neurobiológicos empobrecidos”. No entanto, os autores reconhecem a oportunidade de “engajamento produtivo entre neurociências e ciências sociais”.

Junto com a visão de Vidal sobre o ‘cerebral’, Gardner et al. incorporam “estudos de ciência e tecnologia (STS), estudos feministas e sociologia, que tratam a relação entre neurociência, self e sociedade.” Eles reivindicam o pensamento de Elizabeth Wilson, professora de Estudos da Mulher, e sua abordagem de integração da psicanálise, psicologia, neurociência e teoria feminista, enquanto ela procura “genuinamente atribuir agência à matéria neurológica e abster-se de afirmar a primazia ontológica da cultura”.

Os autores sugerem que a pesquisa interdisciplinar deve procurar “encontrar um terreno comum, extraindo e perseguindo potenciais neurológicos interessantes, e ilustrar – com uma investigação antropológica detalhada – como os potenciais se tornam culturalmente relevantes”.

Embora existam vários debates sobre a melhor maneira de engajar a antropologia e as neurociências, os autores oferecem o que consideraram essencial para a relação entre as disciplinas:

  1. Antropólogos e profissionais relacionados devem analisar criticamente os discursos convencionais que privilegiam as neurociências e neurotecnologias e que questionem as repercussões éticas e políticas.
  2. Os antropólogos devem se engajar localmente no rastreamento da interseção da biologia e da cultura em indivíduos que sofrem com doenças neurológicas. Eles escrevem: “Uma parte importante disso é, naturalmente, trazer à tona as dimensões socioculturais da doença neurológica e seu tratamento”, e idealmente de uma maneira que “se alinhe aos valores dos pacientes, famílias e públicos. “

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Gardner, J., Warren, N., Mason, P. H., & Dominguez D., J. F. (2018). Neurosocialities: Anthropological Engagements with the Neurosciences. Medical Anthropology. https://doi.org/10.1080/01459740.2018.1439488 (Link)

As Conseqüências a Longo Prazo do Uso de Antidepressivos: uma entrevista com Michael Hengartner

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Pesquisadores da Universidade de Zurique, liderados por Michael Hengartner, recentemente relataram que o uso de antidepressivos estava associado a piores resultados em pacientes seguidos ao longo de mais de 30 anos. Nesta entrevista, Hengartner fornece mais informações sobre a metodologia do estudo e suas descobertas e seus planos para pesquisas futuras sobre esse tópico.

Michael HengartnerMichael P. Hengartner, PhD, é pesquisador sênior e professor da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique, na Suíça. Ele possui um doutorado em psicologia clínica e uma qualificação para a cátedra em medicina. Seus principais interesses de pesquisa são psicopatologia, psicossomática, epidemiologia psiquiátrica, psiquiatria social e psicologia clínica. Ele é casado e pai de três filhos. Siga-o no Twitter @HengartnerMP

P. Você recentemente publicou um estudo que descobriu que o uso de antidepressivos estava associado a piores resultados ao longo de um período de trinta anos. Você pode nos contar um pouco mais sobre a natureza do estudo?

R. Utilizamos os dados de um levantamento epidemiológico longitudinal, conhecido como “Estudo prospectivo de coorte de Zurique“, para realizar essa análise. Este notável estudo longitudinal foi desenhado e conduzido pelo investigador principal Dr. Jules Angst, e mais tarde pelo Dr. Wulf Rössler, ambos afiliados ao Hospital Universitário de Psiquiatria em Zurique, Suíça. Eu tive o privilégio de acessar este inédito conjunto de dados porque sou um ex-pesquisador associado tanto do Dr. Angst quanto do Dr. Rössler.

O estudo de Zurique foi patrocinado pela Fundação Suíça de Ciência para o avanço do nosso conhecimento da epidemiologia psiquiátrica. O estudo de Zurique começou em 1978 com a inscrição de uma amostra representativa de 4.547 jovens adultos (os homens tinham 19 anos e as mulheres de 20 anos) da província de Zurique, na Suíça. Com base em um breve teste de triagem psiquiátrica, os participantes foram classificados como de alto risco ou com baixo risco de transtornos mentais.

Em seguida, uma amostra de 591 pessoas, envolvendo dois terços dos indivíduos de alto risco e um terço dos indivíduos de baixo risco, foram sorteados aleatoriamente desta amostra da triagem inicial para participar da pesquisa longitudinal. Este procedimento é referido como um procedimento de amostragem estratificada e é comum em pesquisas psiquiátricas, devido à baixa prevalência de alguns transtornos mentais na população em geral.

A primeira avaliação abrangente desse grupo foi realizada em 1979, quando os participantes tinham 20/21 anos, com uma entrevista clínica semiestruturada, que captava a psicopatologia, o tratamento, o funcionamento social e a saúde física. Essas avaliações psiquiátricas abrangentes foram repetidas em 1981, 1986, 1988, 1993, 1999 e, finalmente, em 2008. Ou seja, a amostra foi acompanhada (follow-up) durante um período total de observação de 30 anos à medida em que os participantes progrediram de 19/20 anos para 49 /50 anos.

Por favor, note que este estudo de coorte, no início, não foi projetado para medir o efeito a longo prazo dos tratamentos psicofarmacológicos. O principal objetivo do estudo de Zurique foi determinar a prevalência e o curso dos transtornos de humor e ansiedade na comunidade, que, no final dos anos 70 e início dos anos 80, eram em sua maioria desconhecidos. Assim, a presente análise foi necessariamente uma análise post-hoc que eu iniciei devido ao meu crescente interesse nos efeitos a longo prazo da farmacoterapia antidepressiva.

P. Qual foi os resultados primários do seu estudo e como foram medidos?

A. O resultado primário deste estudo foi a gravidade da sintomatologia depressiva nos últimos 12 meses, conforme avaliado em cada onda de avaliação (ou seja, em 1979, 1981, 1986, 1988, 1993, 1999 e 2008). Como está detalhado no artigo, definimos os seguintes quatro níveis que refletem o aumento da gravidade da doença: 1) ausência de sintomas depressivos, 2) sintomas depressivos transitórios e menores, 3) transtorno depressivo subliminar (sintomas que não se qualificam para um diagnóstico psiquiátrico), e 4) depressão maior (de acordo com os critérios de diagnóstico do DSM-IV). Preferimos esse resultado contínuo (sem sintomas para sintomas clinicamente relevantes) mais do que um diagnóstico dicotômico (ou seja, distúrbio presente versus ausente), porque as alterações na psicopatologia são frequentemente sutis e são inadequadamente capturadas por amplas categorias diagnósticas. A remissão completa e os distúrbios diagnosticáveis totalmente sintomáticos agudos são polos extremos ao longo de uma dimensão onde a mudança mais observável (isto é, melhoria / deterioração) ocorre entre estes extremos dentro do intervalo moderado da gravidade da doença.

Imagine você, por exemplo, uma pessoa que tenha depressão grave e que tenha começado com um medicamento antidepressivo. E que alguns anos mais tarde, os seus sintomas foram reavaliados e verificou-se que a pessoa ainda apresentava sintomas de depressão debilitantes, embora estes não ultrapassassem o limiar de diagnóstico (isto é, depressão subliminar). E que outra pessoa também tenha apresentado depressão grave no início do estudo, mas que não usou antidepressivos e no acompanhamento essa pessoa não relatou nenhum sintoma. Agora imagine que só avaliamos diagnósticos psiquiátricos. Em ambos os casos, a depressão maior estava presente no início e ausente no acompanhamento, portanto, nenhum efeito de droga teria sido detectado. No entanto, olhando para um resultado de depressão contínua classificado de acordo com a gravidade da doença, torna-se evidente que a pessoa que usou drogas experimentou apenas uma ligeira melhoria nos sintomas de depressão, enquanto o não-usuário experimentou uma remissão completa. Em consequência, um possível efeito adverso do medicamento só foi detectado porque foram avaliadas mudanças sutis ao longo de um gradiente dimensional de gravidade da doença (semelhante aos escores dimensionais baseados em escalas de avaliação para depressão aplicadas nos ensaios clínicos).

P. Você pode explicar um pouco mais sobre o que encontrou durante as avaliações periódicas?

R. Nós utilizamos um modelo de regressão com defasagem de tempo para testar a associação entre o uso de antidepressivos em qualquer momento e a gravidade da depressão subsequente. Isso significa que uma associação separada foi calculada para todas as ondas de avaliação consecutivas. A destacar: O uso de antidepressivos em 1979 (linha de base) foi relacionado à gravidade da depressão em 1981 (acompanhamento), uso de antidepressivos em 1981 (linha de base) à gravidade da depressão em 1986 (acompanhamento) e assim por diante até ao uso de antidepressivos em 1999 (linha de base) relacionada à gravidade da depressão em 2008 (follow-up). No total, houveram assim 6 efeitos prospectivos únicos que foram agrupados estatisticamente, para se obter uma estimativa de tamanho de efeito único para todo o período de observação de 30 anos.

Para minimizar a confusão por indicação, que qualifica o grau em que uma associação entre tratamento (no início do estudo) e resultado (no acompanhamento) é influenciada pela gravidade da doença no início e por outros fatores, nós estatisticamente controlamos vários fatores potenciais de confusão. Imagine você, por exemplo, que apenas pessoas com depressão grave usam antidepressivos (o que certamente não é verdade, mas vamos supor), então o tratamento se refere a um desfecho ruim, porque as pessoas com formas graves de depressão geralmente têm um desfecho pior independentemente do tratamento recebido. Portanto, incluímos vários marcadores de depressão grave, como é a presença de grave tendência suicida no início do estudo, transtorno de ansiedade em comorbidade ou o alto desconforto subjetivo no início do estudo.

Como o intervalo de tempo médio entre as avaliações consecutivas foi de aproximadamente cinco anos, a interpretação do efeito relatado é que, em qualquer momento entre 20 e 50 anos, pessoas com algum tipo de sintomatologia depressiva que usam antidepressivos têm, em média, uma chance aumentada de 81% em ter uma doença mais grave no follow-up de cinco anos do que pessoas que não usaram antidepressivos (quando ajustado estatisticamente para sexo, nível de escolaridade, casamento, qualquer transtorno afetivo no início do estudo, alta probabilidade de suicídio no início e histórico familiar de depressão).

Mais especificamente, se uma pessoa teve apenas sintomas de depressão menores no início do estudo, ela terá um aumento de 81% nas chances de apresentar depressão subliminar em um acompanhamento médio de 5 anos. Se uma pessoa apresentou depressão subliminar no início do estudo, então o uso de antidepressivos relacionou-se a um aumento de 81% nas chances de ter depressão maior diagnosticável no acompanhamento (controlando os potenciais fatores de confusão detalhados acima).

P. Então você encontrou essa associação entre o uso de antidepressivos e os resultados subsequentes piores em todas as avaliações?

R. Sim, esteve presente em todas as avaliações, ou seja, entre todos os pontos de tempo consecutivos. No entanto, devido ao pequeno número de usuários de antidepressivos em alguns momentos, nem sempre se alcançou significância estatística. Essa é exatamente a razão pela qual é importante usar métodos estatísticos sofisticados que considerem medidas repetidas e forneçam uma estimativa combinada de todas as medições. De alguma forma, este procedimento estatístico se compara à metanálise, que agrupa os efeitos de vários estudos individuais para se chegar a um único tamanho médio de efeito. A análise de medidas repetidas tem mais vantagens. Por exemplo, ela permite que pela análise de tendências do tempo (isto é, os efeitos da idade) e para controlar a confusão que varia no tempo (por exemplo, as variações de gravidade da doença em diferentes episódios de depressão).

P. Houve alguma investigação adicional que você fez, além do que foi colocado artigo publicado, para testar essa associação entre o uso de antidepressivos e os piores resultados a longo prazo?

R. Para testar a robustez e generalização de um efeito relatado, os pesquisadores geralmente conduzem as chamadas análises de sensibilidade. O objetivo dessas análises complementares é aumentar a confiança e a credibilidade de uma associação relatada. Nós realizamos várias análises de sensibilidade que não foram incluídas no artigo publicado devido a restrições para o tamanho do manuscrito, porque o editor da revista decidiu aceitar o trabalho apenas como um relatório curto (em vez de um artigo completo).

Então, aqui vou adicionar alguns detalhes interessantes que não foram relatados no artigo publicado. Como mencionado acima, o efeito prospectivo relatado refere-se ao uso de antidepressivos, em algum momento, e em associação com a gravidade subsequente da depressão durante um período médio de acompanhamento de 5 anos (no entanto, note que alguns intervalos de tempo foram consideravelmente menores, como as avaliações em 1986 e 1988, e outras muito mais longas, como a que ocorreram  entre 1999 e 2008). Não foi relatado no artigo publicado é se a idade na avaliação inicial desempenhou um papel na força da associação (ou seja, efeitos potenciais da idade). A análise de sensibilidade revelou que esse não era realmente o caso. A idade no início do estudo não desempenhou um papel na força da associação. O efeito relatado foi estável ao longo do tempo e se aplica a toda a faixa etária de 20 a 50 anos.

Também não relatamos, no artigo publicado, se a medicação antidepressiva de longo prazo (ou seja, uso de antidepressivos presentes em dois pontos de tempo consecutivos) está relacionada a um desfecho diferente da interrupção da farmacoterapia (ou seja, uso de antidepressivos no momento basal, mas uso descontinuado no próximo período de acompanhamento). Embora o número de casos tenha sido pequeno, a análise de sensibilidade revelou que a interrupção da droga e o não uso persistente estavam relacionados a uma redução significativa na gravidade da depressão, enquanto a terapia a longo prazo estava relacionada a sintomas crônicos / recorrentes (ou seja, sem aparente mudança nos sintomas).

P. Em outras palavras, embora os números fossem pequenos, nenhum uso foi melhor do que a exposição seguida de descontinuação, e a descontinuação foi melhor do que o uso contínuo de antidepressivos? É isso mesmo?

R. Sim, isso é exatamente o que essa análise adicional revelou, embora a diferença entre o não uso e a descontinuação tenha revelado apenas uma tendência à uma significância estatística. No entanto, e mais importante, tanto o não uso quanto a descontinuação estão relacionados a um desfecho claramente melhor do que o uso a longo prazo. Então, dito com outras palavras, a associação entre o uso de antidepressivos e os piores resultados reportados no estudo se deveu principalmente ao uso prolongado das drogas, embora a descontinuação também tenha sido relacionada a um risco ligeiramente aumentado de pior depressão. Mas, novamente, havia poucos registros de uso a longo prazo nesta coorte comunitária (especificamente 21), portanto, esses efeitos precisam ser replicados usando uma amostra maior para aumentar a credibilidade.

P. Você fez alguma outra análise de sensibilidade?

R. Uma terceira análise de sensibilidade centrou-se na mudança intra-individual ao longo do tempo, tanto no uso de medicamentos como na gravidade dos sintomas. A análise da mudança intra-individual adota uma abordagem de modelagem estatística ligeiramente diferente. Mas mesmo com essa análise alternativa, o efeito relatado no artigo publicado foi reproduzido de forma completa e consistente. Ou seja, a associação prospectiva relatada entre o uso de antidepressivos e a gravidade subsequente da depressão foi robusta e confiável.

P. Você tem mais pesquisas planejadas sobre esse assunto, o que é obviamente da maior importância?

R. Conforme discutido no artigo, a maior limitação desta pesquisa (e outros artigos publicados anteriormente) é que as análises são feitas sobre tratamento não aleatório. Embora controlemos vários fatores de confusão em potencial, não podemos descartar que fatores não medidos, como as habilidades de enfrentamento e os traços de personalidade de um indivíduo, influenciaram a associação relatada. Infelizmente, ensaios clínicos randomizados e controlados não são boas alternativas, porque não podem acompanhar grandes amostras em períodos de observação tão longos. Portanto, outras abordagens são necessárias para eliminar o viés de seleção.

Uma solução é usar a análise de correspondência de escore de propensão, uma técnica estatística que vincula usuários de drogas a não usuários comparáveis com base em uma infinidade de covariáveis clinicamente importantes. Este método estatístico assegura que os usuários de drogas e não usuários diferem apenas em relação à seleção do tratamento, mas não em relação a outras variáveis que geram confusão (como funcionamento social, número de hospitalizações anteriores, recebimento de benefícios por invalidez e assim por diante). Neste momento, temos esse artigo em fase de revisão e, como o que acabamos de publicar, ele mostra que as pessoas tratadas com drogas têm o pior resultado a longo prazo com relação aos pacientes não medicados.

Em contraste com a presente análise que foi baseada em uma amostra da comunidade, esse outro trabalho é focado em uma amostra clínica de pacientes psiquiátricos internados em dois locais diferentes na província de Zurique, Suíça, e o resultado primário foram as taxas de reinternação dentro de doze meses a partir dos indicadores de hospitalização. No entanto, como você bem sabe, devido à corrupção institucional dentro da psiquiatria acadêmica, é muito difícil se fazer com êxito o processo de revisão de tais documentos. A maioria dos especialistas em psiquiatria que revisa os principais periódicos científicos recusa peremptoriamente qualquer relato que questione os méritos das drogas psiquiátricas. Então, pode levar algum tempo até que este trabalho seja publicado.

P. Existem outros projetos de pesquisa em que você está trabalhando?

R. Sim, claro. Outra limitação importante do presente trabalho é que não sabemos exatamente por quanto tempo alguém esteve usando antidepressivos, porque só tivemos dados de sete ondas de avaliação espalhadas por 30 anos (e não uma avaliação a cada ano). Outro objetivo de pesquisas futuras deve ser considerar a duração da farmacoterapia e as consequências adversas de se interromper a terapia de manutenção a longo prazo. Ou seja, não só temos de olhar para o resultado a longo prazo da farmacoterapia aguda, mas também para o resultado a longo prazo do uso de antidepressivos a longo prazo (ou seja, farmacoterapia de manutenção ao longo de vários anos). Como detalhado acima, parece que o uso a longo prazo é particularmente problemático.

Essas análises também devem enfocar a saúde física, já que o uso prolongado de drogas provavelmente desempenha um papel importante na interrupção de funções corporais adaptativas (como sexualidade, digestão, imunidade e metabolismo) que podem aumentar a vulnerabilidade a doenças físicas sérias. No momento, estamos desenvolvendo um estudo longitudinal prospectivo sobre as consequências do uso de antidepressivos na saúde mental e física, com base em dados médicos abrangentes de longo prazo derivados de sinistros registrados em seguros. Então, definitivamente, há mais por vir do nosso laboratório de pesquisa sobre esse assunto.

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P.S.: Essa entrevista foi feita pelos editores do Mad in America.

Yoga melhora a Qualidade de Vida em Estudantes do Ensino Fundamental

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jjanzeUm novo estudo, publicado na revista Psychology Research and Behavior Management, investiga o efeito da Yoga nas escolas com relação à qualidade de vida dos estudantes. Os resultados do ensaio clínico randomizado demonstram um aumento significativo na qualidade de vida emocional e psicossocial para os alunos da terceira série do ensino fundamental. Esta breve intervenção na escola mostra resultados promissores e acessíveis para o gerenciamento do estresse nas escolas de ensino fundamental.

“Os currículos de Yoga e de Mindfulness podem proporcionar às crianças em risco de ansiedade uma habilidade que lhes permite melhorar sua qualidade de vida psicossocial e emocional”, escrevem o pesquisador-chefe Bazzano e sua equipe. “ Essas habilidades de enfrentamento, quando fornecidas no ambiente escolar, podem ajudar os alunos a alcançar uma ótima saúde física e mental”.

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O aumento das demandas dos alunos e a ênfase na aprendizagem orientada para avaliação impõem demandas crescentes ao desempenho do aluno. Esses estresses têm criado uma pressão por mais programas de Aprendizagem Social e Emocional(SEL) nas escolas, que enfatizem a redução do estresse e o desenvolvimento psicossocial.

“As parcerias da comunidade com organizações locais que prestam serviços aos estudantes são uma forma de as escolas ampliarem sua capacidade de fornecer atividades relacionadas ao SEL, e podem diminuir a carga de professores e funcionários para fornecer treinamento adicional de atividades fora do currículo exigido ”, acrescentam os pesquisadores.

Programas de Yoga e Mindfulness realizados na escola são uma tendência crescente e aumentaram na última década. A literatura mostra efeitos promissores desses programas na abordagem da saúde mental e na redução do estresse entre os estudantes. A pesquisa também demonstra a diminuição de problemas comportamentais e o aumento do desempenho acadêmico por meio de intervenções de Yoga. No entanto, esses resultados abordam apenas têm abordado um aspecto da cultura orientada para a avaliação que as escolas passaram a valorizar.

O atual estudo randomizado controlado baseado na escola enfoca os benefícios de qualidade de vida, em vez de realização, para alunos e professores após um programa de Yoga e Mindfuness na escola. Os estudantes incluídos no estudo foram da terceira série que testaram positivamente para sintomas de ansiedade. Metade dos alunos do estudo recebeu a intervenção de Yoga, enquanto o grupo de controle recebeu cuidados como de costume, que consistiram em terapia e outros tratamentos comuns.

O Inventário Pediátrico de Qualidade de Vida (PedsQL), uma medida bem validada de qualidade de vida para crianças de 8 a 12 anos, foi aplicado antes do estudo, durante e após a intervenção. Os alunos que receberam a intervenção de Yoga participaram de um curso de oito semanas ministrado por um experiente instrutor de Yoga. Além disso, o professor recebeu informações e treinamento sobre como incorporar o Yoga em suas salas de aula.

Após o período de intervenção, os pesquisadores encontraram aumentos significativos na qualidade de vida emocional e psicossocial entre os estudantes que receberam a intervenção de Yoga, em comparação com aqueles que receberam o tratamento de controle. Bazzano e sua equipe relatam: “A diferença para o PedsQL emocional alcançou significância estatística, com um aumento de 18,27 unidades no grupo de intervenção em comparação com uma redução de 0,86 unidade no grupo de controle em relação ao período basal”.

“O uso de um currículo de yoga pode ser estudado, de modo que os resultados do estudo sejam comparados com outros previamente relatados. A qualidade de vida dos alunos foi avaliada usando instrumentos previamente validados desenhados para serem usados em crianças. Finalmente, os dados coletados dos professores e da equipe irão facilitar futura pesquisa para ajudar a assegurar que sejam atendidas as preocupações e sugestões dos educadores ”.

Mais pesquisas são necessárias para compreender a gama de efeitos da Yoga que se apresentam para o desenvolvimento da pessoa.

Este estudo aponta para o crescimento das evidências do emprego da Yoga nas escolas para abordar resultados não apenas de realizações e resultados em saúde, mas também para melhorar a forma como a pessoa experimenta a vida. Enquanto que o papel da Yoga na melhoria do sistema escolar ainda está sob investigação, dotar as crianças em idade escolar do ensino fundamental com habilidades necessárias para melhorar a sua qualidade de vida pode ser um importante desenvolvimento para o sistema educacional.

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Bazzano, A. N., Anderson, C. E., Hylton, C., & Gustat, J. (2018). Effect of mindfulness and yoga on quality of life for elementary school students and teachers: results of a randomized controlled school-based study. Psychology research and behavior management11, 81. (Link)

A visão xamânica da doença mental

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De UPLIFT: Na visão xamânica, a angústia emocional e a psicose sinalizam um despertar ou emergência espiritual, não uma patologia. As culturas ocidentais podem aprender muito com a abordagem xamânica da saúde mental.

“Adotar uma abordagem ritual sagrada para a doença mental, em vez de considerar a pessoa como um caso patológico, dá à pessoa afetada – e também à comunidade em geral – a oportunidade de começar a examiná-la a partir desse ponto de vista também, o que leva a toda uma infinidade de oportunidades e iniciativas rituais que podem ser muito, muito benéficas para todos os presentes ”, afirma o Dr. Somé.

shaman

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Uso de antidepressivos leva a resultados piores a longo prazo, diz estudo

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Photo Credit: Flickr

Um novo estudo de Michael P. Hengartner, Jules Angst e Wulf Rossler descobriu que aqueles que tomavam antidepressivos tinham maior probabilidade de ter sintomas piores de depressão após 30 anos. Esse achado foi independente da gravidade da doença, bem como de um grande número de outros potenciais fatores de confusão. Os autores, da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique e da Universidade de Zurique, publicaram suas descobertas online este mês na revista Psychotherapy and Psychosomatics. O estudo acompanhou 591 adultos suíços a partir dos 20/21 até os 49/50 anos de idade. O uso de antidepressivos em algum momento do estudo esteve associado a piores sintomas de depressão no final do estudo, mesmo quando se controlava os sintomas iniciais e outros fatores.

“Essas descobertas estão de acordo com um crescente corpo de evidências de vários estudos observacionais naturalistas que sugerem que o uso de antidepressivos (a longo prazo) pode produzir um resultado ruim a longo prazo em pessoas com depressão”, escreve Hengartner.

Photo Credit: Flickr
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A evidência de que os antidepressivos pioram os resultados em longo prazo vem principalmente de pesquisas que mapeiam resultados do mundo real. Por exemplo, um estudo de um ano em uma amostra da comunidade descobriu que apenas 5% gozavam de uma “remissão sustentada”, que é uma taxa de remissão muito mais baixa do que é tipicamente encontrada em estudos de pacientes deprimidos não medicados. Da mesma forma, no grande estudo STAR * D, apenas 108 dos 4041 (3%) pacientes que entraram no estudo remeteram e ficaram bem durante o acompanhamento de um ano. Todos os outros nunca foram remetidos, recaíram ou abandonaram o estudo. Outro estudo em pacientes do mundo real publicado no ano passado descobriu que o uso de antidepressivos estava associado a piores resultados após 9 anos.

A teoria predominante sobre por que os antidepressivos podem piorar a depressão é a sensibilização dos receptores – a ideia de que o uso a longo prazo modifica as formas de funcionamento dos neuro-receptores, tornando a medicação ineficaz, e potencialmente tornando as pessoas vulneráveis ao agravamento da depressão.

Esta nova contribuição para a literatura apresenta os resultados de 591 adultos em uma amostra da comunidade. Os participantes foram avaliados por psicólogos e psiquiatras treinados com entrevista semiestruturada. As avaliações começaram em 1979 (avaliação inicial) quando todos os participantes tinham entre 20 e 21 anos, e as avaliações foram realizadas novamente em 1981, 1986, 1988, 1993, 1999 e finalmente em 2008 (quando tinham 49-50 anos). Em cada avaliação, o resultado primário foi a gravidade dos sintomas depressivos no ano anterior. Também em cada avaliação, os participantes relataram se tinham sido prescritos antidepressivos no ano anterior.

Com a finalidade de criar o seu modelo preditivo, os autores testaram se a prescrição de antidepressivos numa avaliação (por exemplo, 1988) aumentava a probabilidade de sintomas depressivos mais graves no próximo ponto temporal (por exemplo, 1993). Os autores estratificaram os participantes em vários grupos: sem sintomas depressivos; poucos sintomas depressivos que não duraram mais de 2 semanas; depressão “subliminar” que não alcançou os critérios diagnósticos; e depressão maior conforme definido pelo atendimento dos critérios especificados no Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM).

A média entre os períodos, 6% das pessoas com poucos sintomas depressivos estavam tomando antidepressivos; 7% daqueles com sintomas “subliminares” estavam tomando antidepressivos, e 22% daqueles com depressão maior estavam tomando antidepressivos.

Depois de controlar vários fatores – incluindo sexo, nível educacional, estado civil, qualquer distúrbio afetivo no início do estudo, tendências suicidas no início, história familiar de depressão, angústia subjetiva, adversidade na infância e baixa renda dos pais – os pesquisadores descobriram que o uso de antidepressivos estava associado a um aumento de 81% na probabilidade de aumento da gravidade da depressão. Por exemplo, isso significa que as pessoas que tiveram depressão “subliminar”, mas tomaram um antidepressivo, tinham 81% mais chances de piorar o transtorno depressivo maior do que aquelas que apresentavam sintomas “subliminares”, mas não tomavam antidepressivos.

Como os pesquisadores do estudo atual não conseguiram randomizar as pessoas para os antidepressivos ou para um grupo de controle, isso limita as conclusões causais. Existe sempre a possibilidade de que algum outro fator tenha sido responsável pelo fraco efeito de longo prazo que os pesquisadores encontraram, por ex. alguma característica compartilhada por pessoas que procuraram medicação que levou a resultados piores. No entanto, quando os pesquisadores controlaram todos os fatores de risco usuais – como gravidade da depressão, angústia subjetiva, sintomas iniciais, características demográficas (por exemplo, sexo, nível educacional) e até mesmo adversidade na infância – eles ainda descobriram que o uso de antidepressivos estava associado a um pior resultado final.

O Fim dos Asilos Psiquiátricos na Itália

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ITALY. Piedmont region. Collegno near Turin. Psychiatric hospital. 1980.

Publicado em Magno Photos. Para relembrar os 40 anos de aprovação da Lei Basaglia na Itália, um conjunto de fotos. Elas fazem parte de um trabalho de Raymond Depardon, fotógrafo e cineasta francês, que pode ser visto em detalhes em um livro de sua autoria, Manicômio: Selected Madness.

Em 13 de maio de 1978, entrou em vigor a Lei 180 – também conhecida como lei Basaglia – que eliminou asilos para o atendimento de pacientes com psicose crônica na Itália. Em seu lugar, foi proposto um serviço comunitário descentralizado de tratamento e reabilitação de doenças mentais.

Depardon seguiu à risca a recomendação de Basaglia: “Tire suas fotos … caso contrário, as pessoas não vão acreditar em nós“.

Em 1982, o documentário de Depardon sobre o hospital de San Clemente foi lançado, apesar de que seriam necessárias outras três décadas antes de ele publicar Manicomio(2013), seu relatório sobre os últimos dias dos hospitais psiquiátricos da Itália.

Eis alguns dos relatos que Depardon faz da sua experiência:

Com o barulho e a decrepitude do lugar, confesso que por um momento me assustei.”

“Eu sempre voltava ao antigo hospital de Trieste, o lugar chamado manicômio, o asilo lunático. Um dia, segui esse grupo saindo da cantina. O que acontecia com os pacientes que me impressionava tanto: a maneira como eles pareciam, as roupas que usavam, a maneira como andavam? Eu fui atraído por eles. Eu encontrei-me em um muito velho ‘pavilhão’; a porta da enfermaria se fechou atrás de mim, não havia um enfermeiro à vista. Com o barulho e a decrepitude do lugar, confesso que por um momento me assustei. Eu comecei a tirar fotografias, muito silenciosamente. Eu passei a voltar lá todos os dias. Passava todo o meu tempo nesta ala. Ninguém nunca me perguntou nada. Uma tarde, ouvi alguém gritando e abri uma porta. Eu encontrei-me cara a cara com um homem em uma jaula. Eu tinha dúvidas sobre fotografá-lo. Perguntei a uma enfermeira por que ele recebia esse tratamento específico; ela me disse que o homem era violento e um perigo, especialmente para si mesmo. “

ITALY. Friuli Venezia Giulia region. Trieste. Psychiatric hospital. 1979.
ITALY. Friuli Venezia Giulia region. Trieste. Psychiatric hospital. 1979.

Durante o início dos anos 70, mais de 100.000 pacientes estavam encarcerados, em condições frequentemente desumanas, isso em toda a Itália. Era uma estatística que Basaglia estava lutando para mudar, com os resultados de suas políticas alternativas em vigor ao longo de vários anos. Ativamente encorajado por Basaglia, Depardon começou a visitar asilos neste período de transformação, em Veneza, Nápoles, Arezzo e Turim.

As fotos feitas por Depardon são fortes e indiscutíveis evidências do que é o modelo asilar de assistência.

Entre tantas e tantas imagens documentadas sobre a tragédia do modelo manicomial de assistência no Brasil, é igualmente eloquente o trabalho fotográfico de Luiz Alfredo, sobre o que era o Hospital de Barbacena (MG/Brasil) antes da Reforma Psiquiátrica no país. Como é o que nos diz essa foto:

Barbacena

Não deixe de conferir o que acaba de ser publicado em Magno Photos. As imagens dizem mais do que qualquer discurso.

Na Itália, assim como no Brasil, quer dizer, no mundo inteiro, os resultados do modelo manicomial de assistências são os mesmos.

Confira a matéria de Magno Photos,  clicando aqui →

O Impacto Psiquiátrico Desconhecido da Garganta Inflamada

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TriciaO seu filho está mentalmente doente? Talvez não.

De um dia para o outro, uma criança se transforma de despreocupada em uma criança ansiosa, irritável e obsessiva. À família parece que a criança deve ter sido possuída durante o sono. Pois é, foi isso o que aconteceu com a minha filha pré-adolescente no inverno passado. Mesmo sendo médica de família e também sido formada em medicina integrativa, eu não sabia o que havia acontecido com minha filhinha.

Um início abrupto

Minha família e eu passamos a ser espectadores de uma luta livre, vendo a minha filha a começar a grunhir, segurar as orelhas e a golpear a sua cabeça com as suas mãos. Eu pensei que ela devia estar tendo uma doença aguda, senão a sofrer de baixa de açúcar no sangue; mas isso não foi o caso. Nós tentávamos fazer com que ela comesse alguma coisa;  mas nada. Nós a tiramos do ginásio, para apenas ver ela se acalmar um pouco no carro. Aquele primeiro episódio de birra foi apenas o começo do que se tornaria uma recorrência frequente nos nove meses seguintes.

Os episódios vinham durando dias, durando semanas. Os sintomas variavam de irritabilidade leve e agitação a ataques de pânico, gemidos e grunhidos, a agitar os membros sem parar. Às vezes, o comportamento extremo podia durar nada menos do que meia hora. Outras vezes, poderia durar horas a fio, terminando apenas com o esgotamento ao cair no sono. Seu humor geral permanecia irritável, especialmente com seus irmãos e pais. Ela mostrou regressão mental e emocional, passando a brincar com jogos infantis e pré-escolares. Ela perdeu sua iniciativa e desejo de participar de atividades, e ela cansava facilmente em seus esportes habituais. Ela ficou inconfundivelmente indecisa; até mesmo escolhas simples, como decidir entre suco de laranja ou cranberry, podiam causar pânico. Como uma estudante superdotada que sempre havia sido, ela não apresentou nenhum declínio significativo na escola; mas voltava para casa exausta, queixando-se de dores no corpo e muitas vezes desejava ficar na cama.

Profissionais foram mistificados

Nós nos perguntávamos, isso seria apenas um estágio? O início da puberdade? O começo de uma doença mental?

Era assustador e doloroso vê-la sofrer. Ela não podia ser consolada por nenhuma das nossas intervenções. Ela não conseguia descrever como se sentia, para mim, seu pai ou seus irmãos, nem com a psicóloga a quem nós a levávamos para pedir ajuda. A terapeuta tentou a terapia cognitivo-comportamental, a terapia verbal, assim como a ludoterapia; mas sem sucesso ao longo de vários meses. Com a ajuda da psicóloga, tentamos a terapia “sem falas” e outras técnicas recomendadas para crianças no espectro autista. Ficamos desanimados quando a terapia parecia somente desencadear e até mesmo piorar seu estado mental. Nós testamos para a doença de Lyme e outras doenças fisiológicas, e até fizemos uma ressonância magnética cerebral, com medo de um tumor se apresentar com mudanças comportamentais tão drásticas.

Felizmente, sua psicóloga lançou mão da sua lista de colegas, ansiosa por encontrar alguma ajuda para a nossa filha. Depois de receber a resposta: “Você já considerou PANDAS?”, ela repassou a pergunta para mim. Eu imediatamente comecei a ler e a pesquisar para ver exatamente o que esse ‘urso peludo preto ou branco’ poderia ter a ver com a minha filha sofredora. Eu serei eternamente grata por essa sugestão!

O que é PANDAS?

(PANDAS), Transtorno Neuropsiquiátrico Auto-Imune Pediátrico Associado ao Estreptococo (Pediatric Autoimmune Neuropsychiatric Disorder Associated with Strep) é uma causa pouco conhecida de distúrbios neuropsiquiátricos em crianças. Em retrospecto, foi fácil diagnosticar: nossa filha tinha tido faringite por estreptococos e foi tratada com antibióticos (azitromicina) dez dias antes do primeiro episódio da luta livre. Suas mudanças comportamentais súbitas foram devido a uma reação auto-imune, resultando em anticorpos que atacaram os gânglios da base em seu cérebro. Essa parte do cérebro está envolvida no processamento emocional, na expressão motora e no planejamento motivacional.

A situação era clara, mas infelizmente eu não tinha conhecimento da existência dessa condição, assim como os outros dois médicos de família que inicialmente a avaliaram. O diagnóstico foi posteriormente confirmado, primeiro pela sua forte resposta positiva ao mês de uso de antibióticos para tratar estreptococos e, depois, pelo especialista em doenças infecciosas pediátricas que a havia visto. Agora, dois meses após o início do tratamento, ela continuou a tomar penicilina diariamente, para evitar novos episódios de estreptococos – o que poderia desencadear novos sintomas psiquiátricos. E a minha filha voltou ao que era antes: rindo, praticando esportes e aproveitando sua vida novamente. Seu entusiasmo, iniciativa e espontaneidade voltaram!

Comumente confundido com doença mental

Tem havido controvérsias em torno do diagnóstico de PANDAS, desde que foi definido pela primeira vez por Susan Swedo, MD, no NIMH em 1998.

Parece que essa controvérsia é pelo menos parte da razão pela qual eu e os outros médicos ainda ignorávamos a doença, mais do que 20 anos depois. Acredita-se que seja uma doença rara; no entanto, suspeito que na verdade não é tão rara quanto parece; apenas raramente diagnosticada. Quando uma criança apresenta ao seu médico de família um início súbito de sintomas emocionais ou comportamentais, recebe frequentemente um rápido diagnóstico psiquiátrico. Um rótulo de ansiedade, TDAH ou transtorno obsessivo-compulsivo é aplicado imediatamente e, em seguida, drogas psiquiátricas são prescritas para a criança que já está emocionalmente perturbada. Esses rótulos descrevem os sintomas da criança, mas não identificam a causa desses sintomas. Seria como tratar o vômito da apendicite aguda com uma pílula anti-náusea, e não com a operação cirúrgica necessária para remover o apêndice infectado. A criança continuará a ficar doente enquanto a droga mascara temporariamente os sintomas.

Medicamentos psiquiátricos adicionam confusão e agravamento do comportamento

Se a criança receber inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs) para tratar o TOC ou a ansiedade, os medicamentos têm seus efeitos esperados; que frequentemente incluem hiperestimulação, ansiedade e mania; e a criança pode se tornar mais agressiva e até mesmo violenta. Uma doença orgânica não é levada em consideração e, na maioria das vezes, presume-se que a criança está piorando, não que ela esteja sendo impactada negativamente pelos efeitos esperados da medicação.

Se a criança recebe estimulantes, seu comportamento pode mudar de hiperatividade e agitação para apatia. As crianças que recebem estimulantes são frequentemente observadas por falta de espontaneidade, prazer ou curiosidade. Elas provavelmente experimentarão qualquer combinação dos efeitos listados no folheto informativo do medicamento: sonolência, perda de apetite, letargia, insônia, tiques faciais, alterações de humor ou episódios psicóticos. Logo, a criança já sofrendo pode ter depressão adicionada ao rótulo de diagnóstico. Se ela já não preenche todos os critérios para PANDAS – o que inclui TOC, tiques psicomotores e ansiedade -,  certamente assim o fará com a adição de drogas psiquiátricas. Infelizmente, a causa raiz é perdida quando a criança é drogada e seus sintomas estão piorando.

Procure a causa raiz, não uma etiqueta psiquiátrica

É necessária uma mudança radical na avaliação de crianças com distúrbios psicológicos percebidos. O amplo diagnóstico psiquiátrico de crianças levou os clínicos a sub-diagnosticar distúrbios físicos. Os pais são informados de que seu filho tem um desequilíbrio bioquímico fictício no cérebro, enquanto os distúrbios médicos reais são negligenciados. Cada criança com um novo início ou mudança repentina de perturbação emocional ou comportamental precisa ser avaliada para causas infecciosas subjacentes e que podem estar levando ao seu sofrimento. Isso inclui a avaliação de uma infecção por estreptococos; mas também uma longa lista de outros patógenos, como Lyme, Bartonella e Mycoplasma, que também são conhecidos por causar PANS (Síndrome Neuropsiquiátrica Pediátrica de Início Agudo). Outras etiologias de mudança comportamental e emocional abrupta também devem ser consideradas, incluindo traumatismo craniano, concussão, trauma, abuso e exposição a toxinas e drogas. Muitos medicamentos prescritos, especialmente psicotrópicos, podem induzir sintomas cognitivos e psiquiátricos destrutivos.

Os Clínicos precisam de uma nova consciência

Precisamos educar nossos médicos sobre esse problema e identificar essas crianças no início de sua doença quando ela é mais responsiva ao tratamento. O tratamento para PANDAS inclui antibióticos apropriados, terapia cognitivo-comportamental e, em alguns casos graves, terapia imunológica (como esteróides ou imunoglobulina intravenosa, IGIV). Certamente, vamos parar de rotular crianças com distúrbios psiquiátricos e a dar-lhes diagnósticos para toda a vida e drogas psiquiátricas que alteram o cérebro em nome do tratamento. Essas crianças que sofrem e suas famílias precisam de cuidados adequados, tratamento eficaz e compreensão compassiva.

A comunidade médica demorou a aceitar essa etiologia infecciosa de um distúrbio neuropsiquiátrico, mas os pesquisadores têm trabalhado duro e as evidências são claras. As novas diretrizes do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) confirmam as realidades de PANDAS / PANS. Agora, a palavra precisa ser espalhada para médicos, conselheiros, professores e pais: se uma criança tiver uma mudança comportamental ou emocional súbita e abrupta, procure primeiro a causa raiz. Trate a doença real e pare o sofrimento.

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