Duração da Psicose não Tratada: resposta ao artigo de Goff

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ssteingardNo início deste ano, o American Journal of Psychiatry publicou um artigo intitulado “Os Efeitos a Longo Prazo dos Medicamentos Antipsicóticos no Percurso Clínico em Esquizofrenia“. Esta foi uma resposta às preocupações que têm sido levantadas de que essas drogas afetam negativamente os resultados a longo prazo. Os autores concluem, embora de forma um tanto quanto sem entusiasmo, que, em geral, a “evidência de um efeito negativo a longo prazo do tratamento antipsicótico inicial ou de manutenção não é convincente”. Robert Whitaker e Joanna Moncrieff, cujos trabalhos foram citados pelos autores, escreveram críticas sobre este artigo.

Mesmo que se queira aceitar o valor das conclusões do artigo, há poucos argumentos a respeito de alguns dos sérios riscos a longo prazo, como são os distúrbios do movimento e ganho de peso.

Uma das razões mais convincentes para o fato de esses autores apoiarem cuidados de longa duração está relacionada aos dados de recaída: quando alguém é iniciado com esses medicamentos, a taxa de recaída é maior quando os medicamentos são interrompidos do que quando são mantidos (pelo menos durante os dois primeiros anos). No entanto, há um consenso geral de que existem alguns indivíduos que se recuperam e não precisam de medicamentos a longo prazo. Ao bem da verdade, há mesmo um consenso de que alguns podem se recuperar sem drogas; a disputa passa a ser sobre os números.

Para mim, isso levanta uma questão urgente sobre o tratamento inicial. Não faz sentido se tentar capturar todos aqueles indivíduos que podem passar por uma psicose sem uso de drogas? Não faz sentido investir pesadamente em intervenções que não dependam de drogas como tratamento de primeira linha? Pelo menos, podemos proteger esse grupo – seja de 20% ou 80% – do ciclo de recidiva que parece começar uma vez que as drogas são introduzidas.

No entanto, esta abordagem não foi até hoje cuidadosamente avaliada pela corrente hegemônica da psiquiatria. Isso é por causa da hipótese – elevada quase que ao status de doutrina – de que um atraso no início de drogas antipsicóticas aumenta a probabilidade de um desfavorável desfecho de longo prazo. Esta noção existe há quase trinta anos. Se alguém está interessado em oferecer abordagens, como é o caso do Open Dialogue, ao não insistir no uso precoce de drogas, esta é uma preocupação premente. Eu abordei a história deste conceito – muitas vezes referido como Duração da Psicose Não Tratada (em inglês, DUP) –  vide ao final deste blog, onde o que escrevi é reapresentado a vocês brasileiros – e concluí que, embora existam fortes evidências de que intervir precocemente com pessoas em psicose seja útil, a intervenção não precisa de incluir drogas. Então eu li com interesse a seção no artigo de Goff sobre o DUP e eu analiso esse artigo aqui.

Goff e os colegas apenas dedicam um parágrafo a este tópico e citam três artigos. Eles concluem: “A eficácia dos antipsicóticos para o tratamento inicial da psicose está bem estabelecida. O início precoce de antipsicóticos pode melhorar o curso de longo prazo da doença, embora isso não tenha sido estabelecido por testes randomizados “.

O primeiro artigo que citam é o de Pentilla e colegas, que foi uma meta-análise de estudos que avaliaram a associação entre DUP e resultados a longo prazo. Eles descobriram que quanto mais tempo passar antes do desenvolvimento de sintomas psicóticos e o início do tratamento, pior é o resultado. No entanto, neste artigo, o tratamento não era sinônimo de drogas. O tratamento foi definido como “medicamentos antipsicóticos, tratamento psicossocial, contato com serviços de tratamento ou primeira admissão hospitalar”. Parece, portanto, impossível formar qualquer conclusão deste trabalho sobre os méritos ou desvantagens relativas aos antipsicóticos.

O segundo artigo estudado foi escrito por Melle e colegas. Esses autores avaliaram o impacto de um programa de detecção precoce (DP) projetado para ajudar a identificar e tratar indivíduos que estavam passando por psicose. Neste estudo, o programa foi efetivo na identificação de indivíduos e conectá-los com um tratamento que incluiu não apenas medicamentos, mas também apoios psicossociais significativos. O grupo na área de DP estava menos doente no início e, ao longo do tempo, eles permaneceram menos prejudicados. Não houve diferença entre os grupos na exposição a medicamentos antipsicóticos e não há análise específica comparando a duração entre os sintomas iniciais e o início do fármaco. Parece que o que se pode concluir a partir deste estudo é que, se os indivíduos são identificados precocemente, eles tendem a ser menos prejudicados e permanecem assim ao longo do tempo. É difícil saber se a intervenção de qualquer tipo teve muito efeito. Mais uma vez, este artigo não oferece informações específicas para nos informar sobre o impacto – negativo ou não – das drogas.

O último artigo citado é uma revisão minuciosa da literatura de estudos que analisaram a associação entre a duração da psicose não tratada – e neste artigo, o tratamento parece ser sinônimo de iniciação de drogas – e vários resultados. Eles descobriram que aqueles que começaram com drogas anteriormente tiveram uma redução mais robusta de sintomas psicóticos. Eles não encontraram provas conclusivas de que as drogas tiveram algum impacto na função ou na qualidade de vida. Eles não avaliaram os resultados a longo prazo.

Parece difícil apoiar, com base nestes três estudos, a afirmação de que o “início precoce de antipsicóticos pode melhorar a doença a longo prazo”.

Isso não é sem importância.

Um indivíduo assustado e sua família entram no meu consultório. Eles querem o melhor. No modo atual como a assistência em saúde mental é entendida pela sociedade, pode haver enorme pressão sobre os jovens que estão em dificuldade para que tentem as drogas como solução. Muitas vezes os jovens não gostam delas e quando eles param, famílias bem-intencionadas podem implorá-los a retomar a medicação. Isso vem do medo com o futuro. Isso pode levar à alienação e à uma ruptura entre pessoas, o que pode comprometer a recuperação de uma pessoa.

Precisamos ser honestos com os indivíduos e suas famílias sobre o que fazemos e não sabemos o que estamos fazendo. Não parece que existam provas adequadas para se insistir nas drogas como forma de melhorar os resultados a longo prazo, e a minha experiência clínica sugere que essa insistência pode prejudicar.

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[O Mad in Brasil apresenta um blog que escrevi e foi postado no Mad in America, em 14 de abril de 2013.  Sugiro que seja lido agora em português, o que ajudará a complementar o seu entendimento sobre o que escrevi acima.]

Nos últimos 20 anos, tem havido uma preocupação predominante na psiquiatria de que a psicose é ruim para o cérebro. A noção é que o processo psicótico é, por si só, prejudicial e, portanto, todos os esforços devem ser feitos para restringir esse processo, a fim de evitar maiores danos. Essa ideia aumentou a urgência para iniciar o tratamento de drogas o mais rápido possível. Quando li Anatomia de uma Epidemia, essa era uma das minhas preocupações mais prementes; se eu sugerisse a meus pacientes que eles seguissem outros tratamentos antes de iniciar o tratamento com drogas, estaria eu ajudando-os ou prejudicando-os?

Perguntei-me como este conceito poderia conciliar-se com a sugestão de Whitaker de que a exposição a longo prazo a neurolépticos estava associada a um pior resultado. Isso me pareceu ser uma questão urgente, o que me levou a rever a literatura sobre esse tema. A pesquisa sobre o que foi chamado de “duração da psicose não tratada” (DUP) é extensa. Eu vou tentar fazer aqui uma apresentação sumária dos dados, embora eu admita que uma revisão completa esteja além do escopo deste escrito.

Em 1991, Richard Jed Wyatt escreveu um artigo altamente influente intitulado “Neuroleptics and the Natural Course of Schizophrenia”. Wyatt foi nada menos do que o Chefe do Departamento de Neuropsiquiatria dos Institutos Nacionais de Saúde Mental. Neste artigo, Wyatt analisou artigos em que pacientes diagnosticados com esquizofrenia foram tratados com e sem neurolépticos, e depois seguidos por um período de tempo, muitas vezes após a conclusão da fase de tratamento inicial. Em sua conclusão, ele pergunta: “Existe algo que é tóxico para o indivíduo além do episódio psicótico imediato?” Embora ele não tenha sido a primeira pessoa a fazer essa pergunta, sua opinião carregou muito peso ao campo psiquiátrico. Ele responde a esta pergunta da seguinte forma: “O objetivo deste artigo é que alguns pacientes são deixados com um residual que é prejudicial, se uma psicose é permitida que continue sem ser ministrada. Embora a psicose seja indubitavelmente desmoralizadora e estigmatizante, também pode ser biologicamente tóxica “.

O artigo, no entanto, não prova isso. Na verdade, há artigos citados que contradizem esta conclusão (Carpenter, 1977, Rappaport, 1978). Wyatt encontra falhas na metodologia desses estudos que o levam a questionar seus resultados mais do que ele faz com relação aos estudos cujas conclusões coincidem com sua hipótese. Embora Wyatt também relate pelo menos um estudo (Falloon, 1989) que relata resultados muito bons ao serem usados neurolépticos de baixa dose a curto prazo em combinação com suporte familiar, esta mensagem – que a neuroléptica de baixa dose foi ou pode ser ainda mais eficaz do que maiores doses – foi rapidamente perdida na era de promoção da segurança dos neurolépticos mais novos.

Esse artigo abriu espaços para novas pesquisas sobre o tema. Isso levou ao desenvolvimento de programas de intervenção precoce. Também levou a estudos cujo objetivo era avaliar se o desfecho seria melhorado se as pessoas entrassem em tratamento mais cedo. Na maioria, mas não em todos esses estudos, o tratamento é sinônimo de tratamento medicamentoso.

Um estudo finlandês de Pentilla et al. rastreou 89 indivíduos por 20 anos após terem recebido um diagnóstico de esquizofrenia. Inicialmente, eles descobriram que, nos dois primeiros anos, aqueles que tiveram um DUP mais longo passaram mais tempo no hospital e tiveram uma maior taxa de rehospitalização. No entanto, por 10 anos, DUP mais longo associado a risco diminuído de pensão de invalidez, menos tempo no hospital, mais tempo no trabalho no desfecho a longo prazo.

Em outro estudo de longo prazo de Hill et al., que fez um follow-up de 170 pessoas por 12 anos, DUP mais longo foi associado a maiores sintomas positivos e negativos, menor GAF, menor QLS. No entanto, DUP não foi associado a deficiência funcional (trabalhando, vivendo de forma independente).

Parece que muito poucos estudos examinaram o DUP em um sentido mais amplo, ou seja, definindo o tratamento como mais do que o tratamento neuroléptico. Haan et al. examinaram esta questão. Foi feita uma distinção entre DUP, definida como o tempo entre o início dos sintomas psicóticos e o início do tratamento medicamentoso, e o atraso no tratamento psicossocial intensivo (DIPT). Eles não descobriram que o DUP explicasse um resultado ruim, mas descobriram que o DIPT apresentava maior probabilidade de sintomas negativos aos 6 anos, independentemente da influência do DUP, duração da psicose tratada, idade no início e gênero.

No sistema do Diálogo Aberto (Lapônia, Finlândia), o tempo entre desenvolver psicose e entrar no tratamento não é ignorado. No entanto, embora eles não usem esses termos, eles prestam atenção ao DIPT e acham que ele tem um impacto negativo no resultado. Quando eles examinaram seus resultados, eles descobriram que aqueles que tiveram um período de tempo mais longo antes de entrar no tratamento tiveram piores resultados em um paradigma de cuidados em que os neurolépticos não são considerados tratamento de primeira linha. Aqueles com um pior prognóstico tiveram exposição significativamente maior ao tratamento medicamentoso.

 

Pobre Diagnóstico Bom Prognóstico
Dias de hospitalização ** 47.5 (56) 9 (19.2)
Manutenção em medicação (%)** 52.9 19.7
Sem uso de medicação (%) 47.1 80.3

 

Patrick McGorry é provavelmente o psiquiatra que tem mais experiência com intervenção precoce, incluindo o uso precoce de neurolépticos. Em seu estudo atual no entanto, ele escolheu comparar o uso de risperidona com terapia cognitiva como psicoterapia de suporte em indivíduos considerados com alto risco de desenvolver psicose. Aos 12 meses, ele descobriu que não havia vantagem para o uso da risperidona.

Portanto, há consenso de que a intervenção precoce é uma coisa boa. No entanto, o tratamento não precisa ser sinônimo de neurolépticos.

O Elo mais Negligenciado em Assassinatos em Massa

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Publicado no Personal Liberty. Um amigo de longa data do homem que matou 26 pessoas e feriu 20 outros na Igreja Batista de Sutherland Springs, no Texas, no domingo passado, diz que o assassino era um usuário de longo prazo de drogas psiquiátricas. Martinez disse que tinha muito em comum com o seu amigo, ambos eram super-hiperativos. Ele tomou medicamentos para o seu TDAH até os 19 anos e seu amigo Devin com a mesma idade ainda fazia uso de drogas psiquiátricas.  Segundo Tessa, o seu namorada Devin, tomava medicamentos para agressividade.

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O que não é uma surpresa. As drogas psicotrópicas são um denominador comum em todos os assassinatos em massa. O atirador do cinema de Aurora James Holmes, o assassino de Columbine, Eric Harris, o atirador de Sandy Hook Adam Lanza e quase todos os outros assassinos em assassinatos em massa – se não todos eles – estavam em algum tipo de drogas psicotrópicas quando cometeram seus crimes. De acordo com um estudo publicado na revista PLoS One e com base no Sistema de Relatórios de Eventos Adversos da FDA, os seguintes medicamentos que alteram a mente estão mais frequentemente ligados à violência:

10. Desvenlafaxine (Pristiq) é um antidepressivo associado com 7.9 vezes mais violência do que muitas outras drogas.

9. Venlafaxine (Effexor) está relacionada ao Pristiq e é um antidepressivo também usado por aqueles com transtornos de ansiedade. Effexor está 8.3 vezes mais associado com comportamento violento que outras drogas.

8. Fluvoxamine (Luvox) é um antidepressivo que afeta a serotonina (ISRS), e tem 8.4 vezes mais probabilidade de estar associado com violência do que com outros medicamentos.

7) Triazolam (Halcion) pode ser viciante e é uma benzodiazepina que supostamente trata a insônia. São 8,7 vezes mais chances de estar associado à violência do que outros medicamentos.

6. A atomoxetina (Strattera) é frequentemente prescrita para o TDAH e 9 vezes mais chances de estar associada à violência

5. Mefoquine (Lariam) trata a malária e, às vezes, o comportamento bizarro provocado por produtos químicos e 9,5 vezes mais chances de estar ligada à violência.

4. As anfetaminas vêm em muitas formas e são frequentemente usadas para tratar o TDAH (mesmo para crianças não diagnosticadas com TDAH). Elas são 9,6 vezes mais propensas a estarem ligadas à violência.

3. A paroxetina (Paxil) é um antidepressivo ISRS (inibidor seletivo da recaptação da serotonina). Muitos usuários experimentam sintomas graves de abstinência e são mais propensos a produzir crianças com defeitos congênitos, bem como 10,3 vezes mais chances de estarem ligados à violência do que outros medicamentos.

2. Fluoxetine (Prozac) é um nome familiar para um poderoso antidepressivo ISRS ligado a 10.9 vezes mais violência que outras drogas.

1. A vareniclina (Chantix) é administrada a fumantes para supostamente ajudar a reduzir os desejos por cigarros, mas é enorme as chances, 18 vezes, a estarem ligados a comportamentos violentos comparados com outras drogas.

Um relatório recente dos EUA descobriu que 10% dos adolescentes abusam da Ritalin e de outro medicamento estimulante, o Adderall. Oito dos 13 atiradores escolares nos EUA estavam tomando antidepressivos ou estimulantes no momento do crime.

Leia a matéria na íntegra →

Dr. Jay Joseph: Por que a pesquisa genética de esquizofrenia está funcionando no vazio

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James MooreEsta semana, na Radio do Mad, entrevistamos o Dr. Jay Joseph. O Dr. Joseph é psicólogo clínico e autor, alguém que traz uma perspectiva crítica às reivindicações vinculadas na mídia e na literatura acadêmica de que genes desordenados subjazem aos transtornos psiquiátricos.

Seus livros mais recentes são The Trouble with Twin Studies: A Reassessment of Twin Research in the Social and Behavioral Sciences, e o e-book de 2017 Schizophrenia and Genetics: The End of an Illusion.

jjoseph-100x150Nesta entrevista, discutimos as evidências de que a psiquiatria avança ao afirmar que os transtornos mentais supostamente têm uma base genética importante, assim como as razões pelas quais a psiquiatria, há várias décadas, ainda está a insistir em tentativas que, cientificamente, nada levam a comprovar sua hipótese.

 

Neste episódio, é discutido:

  • Como o Dr. Joseph, enquanto psicólogo clínico, passou a se interessar pela validade do diagnóstico de esquizofrenia.
  • Como ele se interessou pelas afirmações da psiquiatria de que os diagnósticos, como a esquizofrenia, têm uma base genética.
  • Como ele descobriu que a evidência de fatores genéticos subjacentes aos principais transtornos psiquiátricos é muito fraca, baseando-se principalmente em estudos feitos com gêmeos e com a adoção.
  • Assim mesmo, apesar de décadas de trabalho, tem havido poucas, senão nenhumas, descobertas de genes desordenados, que supostamente causam os principais distúrbios psiquiátricos.
  • Como os estudos com gêmeos e adoção são usados para tentar demonstrar a relação entre genética e transtornos mentais.
  • Como as pessoas estão sendo informadas de que sua doença mental é baseada geneticamente, o que não é apoiado por evidências, sendo igual ao mito do desequilíbrio químico para explicar os chamados transtornos. Que é um equívoco reiteradamente afirmado dizer que um transtorno ou condição “que ocorre na família” é da “genética”.
  • Que a psiquiatria parece estar focada em encontrar a “causa” de transtornos mentais dentro do corpo, em vez de reconhecer que os fatores sociais e ambientais são as principais causas de trauma, angústia e disfunção psicológica.

Links relevantes:

Dr. Jay Joseph

Schizophrenia and Genetics: The End of an Illusion

Bias and Deception in Behavioral Research

Schizophrenia Genetic Research – Running on Empty

© Mad in Brasil 2017

Estudo Rigoroso Descobre que os Antidepressivos Pioram os Resultados a Longo Prazo

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Photo Credit: Philippa Willitts, “A is for antidepressants,” Flickr

Peter SimonsUm novo estudo realizado por Jeffrey Vittengl na Truman University descobriu que tomar medicamentos antidepressivos resultou em sintomas de depressão mais graves após nove anos.

O estudo, publicado em Psicoterapia e Psicossomática, examinou os resultados ao longo de um período de nove anos, incluindo a gravidade da depressão inicial, bem como outros fatores. Vittengl dividiu o tratamento em categorias e comparou-as com aquelas pessoas que não receberam algum tratamento formal em saúde mental:

  • tratamento inadequado sem medicação (menos de oito sessões de terapia)
  • tratamento inadequado, incluindo medicamentos (menos de quatro consultas com o médico)
  • tratamento adequado sem medicação (pelo menos oito sessões de terapia)
  • tratamento adequado com medicação (pelo menos quatro consultas com o médico)

Dos participantes com depressão, 38,1% não receberam tratamento, 25,2% receberam tratamento inadequado com medicação, enquanto 13,5% receberam tratamento adequado com medicação. 19,2% receberam tratamento inadequado sem medicação, e apenas 4,1% receberam tratamento adequado sem medicação.

Os resultados foram surpreendentes. Mesmo depois de controlar a gravidade da depressão, os participantes que tomaram medicação apresentaram sintomas significativamente mais graves no seguimento de nove anos do que os participantes que não o fizeram. Na verdade, mesmo as pessoas que não receberam nenhum tratamento melhoraram muito mais do que aqueles que receberam medicação. A “adequação” do tratamento não pareceu fazer muita diferença.

Photo Credit: Philippa Willitts, “A is for antidepressants,” Flickr
Photo Credit: Philippa Willitts, “A is for antidepressants,” Flickr

 Esses resultados se somam a um conjunto de pesquisas que indicam que os antidepressivos pioram os resultados a longo prazo. Em um artigo publicado em 1994, a psiquiatra Giovanni Fava escreveu que “as drogas psicotrópicas realmente pioram, pelo menos em alguns casos, a progressão da doença que deveriam tratar”. Em um artigo de 2003, ela escreveu: “Uma tendência estatística sugeriu que, quanto mais tempo se está no tratamento medicamentoso, maior a probabilidade de recaída “.

Pesquisas anteriores também descobriram que os antidepressivos não são mais eficazes do que o placebo para depressão de leve à moderada, e outros estudos questionaram se esses medicamentos são efetivos mesmo para depressão grave. Também foram levantadas preocupações sobre os riscos para a saúde de tomar antidepressivos – como um estudo recente que descobriu que tomar antidepressivos aumenta o risco de morte em 33% (ver o post do Mad in Brasil).

De fato, estudos têm demonstrado que até 85% das pessoas se recuperam espontaneamente da depressão. Em um exemplo recente, os pesquisadores descobriram que apenas 35% das pessoas que sofreram depressão apresentaram um segundo episódio dentro de 15 anos. Isso significa que 65% das pessoas que sofrem de depressão provavelmente nunca mais a experimentará.

Os críticos de achados anteriores argumentaram que não é justo comparar aqueles que recebem antidepressivos com aqueles que não o fazem. Eles argumentam que a gravidade da depressão inicial confunde os resultados – aqueles com sintomas mais graves podem ser mais propensos a serem tratados com antidepressivos. Assim, de acordo com alguns pesquisadores, mesmo que antidepressivos tenham funcionado tão bem quanto psicoterapia ou para os que não receberam qualquer tratamento, aqueles tratados com antidepressivos ainda apresentariam resultados piores – porque eles apresentavam sintomas mais graves no começo.

É por isso que, no atual estudo, Vittengl incluiu a gravidade inicial e posterior da depressão em sua análise, bem como outras variáveis que podem fornecer explicações alternativas para os resultados. Isso fornece um contra-argumento direto para aqueles que argumentam que a gravidade inicial confunde os resultados.

É por isso que, no atual estudo, Vittengl incluiu a gravidade inicial e posterior da depressão em sua análise, bem como outras variáveis que podem fornecer explicações alternativas para os resultados. Isso fornece um contra-argumento direto para aqueles que argumentam que a gravidade inicial confunde os resultados.

Para este fim, ele usou dados do Midlife Development in the United States Survey, que acompanhou a gravidade da depressão, bem como os tipos de tratamento utilizados ao longo de nove anos. Os dados foram coletados em três períodos (1995-1996, 2004-2006 e 2013-2014), e 3.294 participantes permaneceram no estudo ao longo do terceiro período de investigação.

A pesquisa coletou dados sobre depressão, transtorno de ansiedade generalizada, transtorno de pânico, além de outras condições médicas, história familiar das condições de saúde mental e trauma da infância. Dados adicionais incluíram fatores de personalidade, suporte social, funcionamento diário e uso de álcool. Como toda essa informação foi incluída na pesquisa, Vittengl conseguiu adicioná-la em sua análise.

Ele descobriu que, embora esses fatores tenham impactado os sintomas depressivos, eles estiveram igualmente presente entre os vários grupos. Ou seja, a gravidade inicial da depressão prevê a falta de melhora, mas isso acontece tanto se a pessoa está tomando medicação ou não. Portanto, não explica como os resultados podem ser piores com a medicação.

Talvez a limitação mais notável do estudo de Vittengl seja sua distinção entre tratamento “adequado” ou “inadequado”, baseado unicamente no número de sessões (porque foi o rastreado na pesquisa). Este pode não ser o melhor indicador de se os participantes estavam recebendo cuidados suficientes. No entanto, isso não afeta seus achados gerais, comparando o tratamento com a medicação ao tratamento sem medicação e o grupo que não recebeu tratamento algum.

Embora Vittengl escreva que os antidepressivos podem ter um benefício imediato e de curto prazo, ele argumenta que o uso de longo prazo parece prejudicial. Seus resultados sugerem que, em geral, as pessoas realmente melhoram a longo prazo se não buscam nenhum tratamento, o que não ocorre com quem está em medicamentos antidepressivos. A psicoterapia, por outro lado, parece não ter efeitos prejudiciais. No entanto, mesmo não os que não tiveram qualquer tratamento formal no campo da saúde mental foram mais bem sucedidos na redução dos sintomas após nove anos do que os que estiveram em uso de medicação.

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Vittengl, J. R. (2017). Poorer long-term outcomes among persons with major depressive disorder treated with medication. Psychotherapy and Psychosomatics, 86, 302-304. doi: 10.1159/000479162 (Link)

Dr. David Healy: procurando uma cura para a Disfunção Sexual Prolongada, relacionada com medicação

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James MooreEsta semana, entrevistamos o Dr. David Healy. O Dr. Healy é psiquiatra, psicofarmacologista, cientista e autor internacionalmente respeitado. Professor de psiquiatria no País de Gales, David estudou medicina em Dublin e na Universidade de Cambridge. Ele é ex-secretário da Associação Britânica de Psicofarmacologia e autor de mais de 200 artigos revisados por pares e de 20 livros, incluindo The Antidepressant Era, The Creation of Psychopharmacology, seu último livro é Pharmageddon, publicado em 2012.

David é fundador e CEO da Data Based Medicine Limited, que opera através do seu site RxISK.org, e se dedica a tornar os medicamentos mais seguros, através de relatórios diretos, feitos por pacientes, sobre os efeitos colaterais da droga em suas vidas.

Nesta entrevista, discutimos a Disfunção Sexual Pós SSRI (PSSD) e a abordagem nova e inovadora do Dr. Healy: encontrar uma cura para esse problema, com fortes repercussões na qualidade de vida de usuários de antidepressivos e em suas relações afetivo-amorosas.

Dois recentes e-mails para o Dr. Healy destacam o problema:

“Tomei X por 16 anos sem efeitos colaterais. Parei há 7 meses e todo o inferno veio abaixo. Alguns dos efeitos colaterais que recebi na primeira semana depois de parar foram: perda de libido, testículos / pênis frios, dor em torno do pénis e do ânus, zumbido, disfunção erétil, formigamento, dormência (…) A vida não é muito boa nos dias de hoje.”

“Eu fui casada . Tenho crianças bonitas. perderam seu pai. Se posso fazer qualquer coisa para ajudar, não hesite em contatar-me. Gostaria de dar-lhe o meu maior agradecimento pelo que está a fazer, e desejo-lhe o melhor de tudo com campanha de angariação de fundos.”

No episódio, discutimos:

  • Como o Dr. Healy criou o banco de dados sobre os remédios psiquiátricos e o site RxISK.org.
  • Por que o RxISK está focado no momento na Disfunção Sexual Pós SSRI (PSSD).
  • Esse entorpecimento genital pode ocorrer muito rapidamente ao se passar a tomar um antidepressivo SSRI, e também pode ser desencadeado por drogas como Roaccutane (isotretinoína) e Propecia (finasterida).
  • O que levou à criação do Prêmio RxISK.
  • Como as pessoas podem se envolver com a campanha lançada.
  • O fato que muitas vezes as pessoas que não estão envolvidas com cuidados de saúde passam a se sentir motivadas a agir pela causa quando conhecem o problema.

Capacitar as pessoas é permitir que aquelas prejudicadas por pílulas passem a fazer parte da solução.

SEMINÁRIO: A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS: CAUSAS, DANOS E ALTERNATIVAS

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Nos dias 30, 31 e 01 de novembro, no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), Seminário Internacional A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS: CAUSAS, DANOS E ALTERNATIVAS. Entre os convidados internacionais de destaque: Robert Whitaker, Laura Delano e Jaakko Seikkula. O Seminário será transmitido ao vivo → 

Programação:

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RESUMOS (abstracts):

Robert Whitaker

robert-whitakerEm 1980, a American Psychiatric Association (APA) adotou um “modelo de doença” para categorizar transtornos mentais, e esse modelo foi exportado para o Brasil e para grande parte do mundo. O público passou a ser ensinado que depressão, ansiedade, TDAH e esquizofrenia eram doenças do cérebro, causadas por desequilíbrios químicos, e que uma nova geração de drogas psiquiátricas havia sido desenvolvida que corrigia esses desequilíbrios químicos no cérebro.

Essa história passou a ser contada como um notável avanço científico. As causas dos transtornos mentais finalmente passaram a ser conhecidas, e que vinham sendo descobertas drogas que poderiam resolver esses problemas biológicos. E com o público informado com essa história, a prescrição de drogas psiquiátricas, para todas as idades, aumentou dramaticamente.

No entanto, de país a outro país, o aumento do diagnóstico de distúrbios e o aumento do uso de drogas psiquiátricas não levaram a uma redução do ‘fardo’ da doença mental, mas sim ao seu aumento dramático. O número de pessoas “incapacitadas” por transtornos mentais e, portanto, incapaz de trabalhar, aumentou quatro vezes nos Estados Unidos nos últimos 30 anos, e esse aumento na ‘incapacidade’ tem sido observado em muitos outros países que adotaram esse mesmo paradigma de assistência.

Uma revisão da literatura científica revela o por quê. Embora os medicamentos psiquiátricos possam aliviar os sintomas no curto prazo (melhor que o placebo), a longo prazo aumentam o risco de uma pessoa se tornar cronicamente doente e prejudicada funcionalmente. A literatura de pesquisa argumenta por uma necessidade de se repensar profundamente o uso de drogas psiquiátricas, com o pensamento de que elas precisam ser usadas com muito mais cautela, e que devem ser criados modos alternativos de tratamento.

O papel do Brasil é muito relevante para que esse processo tenha êxito global, levando em consideração as suas conquistas na ‘reforma psiquiátrica’.

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Laura Delano

Laura Delanoirei compartilhar a história de como me perdi no sistema de saúde mental ao longo de catorze anos e, por fim, passei a perceber que precisava sair das drogas psiquiátricas, abandonar meus diagnósticos psiquiátricos e deixar o sistema de saúde mental, para assim ter uma chance de recuperar a minha vida.

Eu descreverei como haver sido rotulada de “doente mental” e tomar drogas psiquiátricas moldou fundamentalmente o senso de mim mesma, a minha saúde física, as minhas habilidades cognitivas, o meu senso de sentido e propósito, e minha conexão com o mundo.

Irei reconsconstruir o processo pelo qual eu “desaprendi” a ser um paciente psiquiátrico e me livrar das drogas psiquiátricas. Em seguida, vou compartilhar sobre o trabalho que tenho feito para apoiar os outros que procuram caminhos fora do sistema de saúde mental, e eu vou terminar a conversa compartilhando com vocês os esforços de ativismo militante, defesa de direitos e de educação pública, que estão acontecendo mais amplamente dentro o Movimento de Sobreviventes / Ex-Pacientes Psiquiátricos em rápido crescimento nos Estados Unidos.

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Jaakko Seikkula

Jaakko SeikkulaAceitar o Outro sem condições é o caminho de ouro para abrir diálogos nas redes sociais que se encontram em crises severas. No entanto, o sistema de cuidados é construído sobre diretrizes, onde os profissionais são orientados a seguir sua via de tratamento de um caso para outro dentro de categorias de diagnóstico específicas. Dentro deste tipo de prática hoje dominante, respeitar as vozes dos clientes não é o objetivo básico. Infelizmente, a prática hegemônica muitas vezes desrespeita os recursos psicológicos dos clientes e, portanto, enfatiza a prática fortemente centrada no chamado expert. O tratamento é direcionado aos sintomas de clientes individuais para que o tratamento esteja sob controle.

Nas crises graves, outro tipo de abordagens é imprescindível. Em 30 anos, as experiências de desenvolver a prática do diálogo aberto como foco tornaram-se da maior importância: 1) convidar a família e outras redes sociais dos pacientes para aumentar os recursos; e 2) se concentrar na geração de diálogo para fazer ouvir todas as vozes nas reuniões terapêuticas. Os clientes são abordados como seres humanos em sua plenitude e não como sintomas. Se esses dois elementos principais forem realizados, os recursos dos clientes são ampliados para encontrar seu próprio caminho ao longo de suas vidas. Conforme observado nos estudos de psicose em primeiro episódio, 85% dos pacientes podem retornar ao pleno emprego. Ou em estudos de depressão maior, onde a recuperação ocorre mais rápido e mais frequentemente, em comparação com o tratamento habitual. Em ambos os casos, o papel da medicação pode ser reduzido, evitando assim o efeito nocivo das medicações de psicose e de depressão. Por exemplo, na Lapónia Ocidental com pacientes psicóticos em seu primeiro episódio, 65% não usaram medicação de psicose durante cinco anos; e a situação parece ser a mesma após 20 anos após o início do tratamento. Na primeira comparação, a taxa de aposentadoria é mais baixa na Lapônia Ocidental. e pode ser duas vezes maior dos que em tratamentos baseados em medicação.

Para o clínico, adotar a prática dialógica de respeitar o Outro, sem condições, provou ser uma tarefa desafiadora. Diálogo Aberto enfatiza a importância da nossa escuta cuidadosa de aceitar o outro sem condições. Adotar a prática dialógica é uma nova habilidade, onde podemos nos encontrar em diferentes papéis profissionais do que aqueles com os quais estamos acostumados a agir.

Robert Whitaker: resumo da sua apresentação no Seminário Internacional a Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Causas, Danos e Alternativas

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robert-whitakerMais uma vez eu tenho a oportunidade de estar no Brasil. Desta vez para participar do Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Causas, Danos e Alternativas. Ao lado de colegas como Jaakko Seikkula, Laura Delano, convidados argentinos, uruguaios, e de vários atores importantes brasileiros, as minhas expectativas é que todos contribuamos para que mudanças paradigmáticas na assistência em saúde mental venham a ocorrer. Eis aí o resumo da minha apresentação.

Em 1980, a American Psychiatric Association (APA) adotou um “modelo de doença” para categorizar transtornos mentais, e esse modelo foi exportado para o Brasil e para grande parte do mundo. O público passou a ser ensinado que depressão, ansiedade, TDAH e esquizofrenia eram doenças do cérebro, causadas por desequilíbrios químicos, e que uma nova geração de drogas psiquiátricas havia sido desenvolvida que corrigia esses desequilíbrios químicos no cérebro.

Essa história passou a ser contada como um notável avanço científico. As causas dos transtornos mentais finalmente passaram a ser conhecidas, e que vinham sendo descobertas drogas que poderiam resolver esses problemas biológicos. E com o público informado com essa história, a prescrição de drogas psiquiátricas, para todas as idades, aumentou dramaticamente.

No entanto, de país a outro país, o aumento do diagnóstico de distúrbios e o aumento do uso de drogas psiquiátricas não levaram a uma redução do ‘fardo’ da doença mental, mas sim ao seu aumento dramático. O número de pessoas “incapacitadas” por transtornos mentais e, portanto, incapaz de trabalhar, aumentou quatro vezes nos Estados Unidos nos últimos 30 anos, e esse aumento na ‘incapacidade’ tem sido observado em muitos outros países que adotaram esse mesmo paradigma de assistência.

Uma revisão da literatura científica revela o por quê. Embora os medicamentos psiquiátricos possam aliviar os sintomas no curto prazo (melhor que o placebo), a longo prazo aumentam o risco de uma pessoa se tornar cronicamente doente e prejudicada funcionalmente. A literatura de pesquisa argumenta por uma necessidade de se repensar profundamente o uso de drogas psiquiátricas, com o pensamento de que elas precisam ser usadas com muito mais cautela, e que devem ser criados modos alternativos de tratamento.

O papel do Brasil é muito relevante para que esse processo tenha êxito global, levando em consideração as suas conquistas na ‘reforma psiquiátrica’.

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SEMINÁRIO INTERNACIONAL

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Medicina praticada hoje em dia se parece com ‘fast food’, diz pesquisador

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150854104059ea8270b69d7_1508541040_3x2_mdPublicado 21/10/2017, no Jornal Folha de São Paulo: O médico e pesquisador Marco Bobbio, autor do Livro Troppa Medicina (algo como Medicina Demais) e Secretário Geral do movimento “Slow Medicine”, critica a medicina atual por desperdiçar recursos, excesso de velocidade em vários momentos e a falta de conexão com os pacientes, de maneira semelhante a uma rede de ‘fast food’. Isso significa que muitas vezes, são usadas drogas e tratamentos quando o paciente não precisa.

O movimento da “Slow Medicine” foi fundado em 2002, pelo cardiologista italiano Alberto Dolara. Pretende resgatar o tempo como parte essencial da abordagem médica, enfatizando o raciocínio clínico e o cuidado focado no paciente, salientando os aspectos multidisciplinares da atenção à saúde e o uso adequado da tecnologia.

Leia a matéria na íntegra →

Psicólogos Pressionam por Novas Abordagens para a Psicose – Parte 2

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O relatório, "Compreensão da psicose e da esquizofrenia: por que as pessoas às vezes ouvem vozes, acreditam em coisas que outros acham estranhas ou parecem fora de contato com a realidade, e o que pode ajudar", está disponível gratuitamente através da BPS.

ZenobiaEsta é a segunda parte da cobertura do MIB do relatório recente da Sociedade de Psicologia Britânica que desafia o paradigma atual para o diagnóstico e tratamento da psicose.

Os autores do relatório destacam os fatores traumáticos e sociopolíticos subjacentes às apresentações de psicose e ‘esquizofrenia’ e exigem novas formas de entender essas experiências.

“É vital que os profissionais de saúde mental estejam abertos a diferentes maneiras de entender experiências e não insistam em que as pessoas vejam suas dificuldades em termos de uma doença”, escrevem os autores. “Essa mudança simples terá um efeito profundo e transformador em nossos serviços de saúde mental”.

Time for ChangeOs autores alertam contra a conceitualização de ouvir vozes e outras experiências ‘incomuns’ como sendo indícios de uma indesejada ‘doença cerebral’. Principalmente porque essa visão patologiza uniformemente uma experiência, quando na prática é heterogênea, e que alguns acham ser não-angustiante e favorável ao seu estilo de vida. Além disso, eles argumentam que essas abordagens privilegiam explicações internas de angústia de forma a ocultar os efeitos do trauma e da violência estrutural.

Eles citam evidências convincentes de que os problemas de saúde mental e as experiências angustiantes, muitas vezes rotuladas como ‘psicose’, podem ser reações a eventos estressantes da vida, como pobreza, abuso e diferentes formas de trauma. Sobreviventes de abuso infantil, por exemplo, podem ouvir vozes parecidas com as do seu ex-agressor. Uma revisão descobriu que entre metade e três quartos das pessoas que estão em unidades de internação psiquiátrica foram vítimas de abuso físico ou sexual na infância.

Assim como os flashbacks, imagens intrusivas e a dissociação, a audição de vozes pode surgir como uma resposta natural após o trauma. Os refugiados, por exemplo, podem ouvir vozes ou ter visões relacionadas a experiências pessoais. Os autores escrevem:

“Está ficando claro que há muito mais sobreposição do que se pensava anteriormente entre essas experiências relacionadas ao trauma e aquelas que foram pensadas como psicose”. Eles ainda citam algumas fontes que argumentam que não há distinção e que a ‘psicose’ não precisa existir como um rótulo separado.

Um ouvidor de voz compartilha o seguinte:

“Eu pensei que era ruim porque as vozes me chamavam de todos os tipos de nomes. Mais tarde, percebi que as vozes estavam relacionadas ao abuso físico, porque elas têm as características daqueles que abusaram de mim. Então notei que as vozes se tornaram mais ou menos intrusivas dependendo da situação em que eu estava. Elas se tornaram ruins quando houve conflitos em casa. Então, elas eram um tipo de espelho da minha situação de vida “.

Um indivíduo com experiências de paranoia oferece o seguinte relato de sua história:

“Quando eu era criança, vivíamos em uma estrada totalmente branca. Ninguém era amigável conosco e, por golpe da sorte, o nosso vizinho era um membro da Frente Nacional e ficava a jogar toda a sorte de porcarias por sobre a parede do jardim para nos atingir e sujar a nossa casa … Era realmente horrível, coisas horríveis. E quando você é ainda criança em crescimento, você acha que é assim que o mundo exterior o vê. Você não vai se orgulhar de si mesmo e você realmente teme o mundo ao seu redor. Posso ver como isso teve um efeito fatal na minha experiência de paranoia “.

Os resultados de um estudo, citado no relatório, parecem apoiar a noção de que experimentar múltiplas formas de trauma infantil torna alguém suscetível à ‘psicose’, da mesma maneira que o tabagismo coloca um risco de câncer de pulmão.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) identificou pobreza, sem lar, desemprego e baixa educação como determinantes sociais de problemas de saúde mental. Outros estudos identificaram experiências de discriminação e racismo institucional como fatores que influenciam o desenvolvimento de crenças ‘incomuns’ ou ‘paranoicas’.

Os autores chamam a atenção para uma distinção importante entre indivíduos racistas e racismo sistêmico, observando que o último opera de forma penetrante e insidiosa atravessando uma miríade de aspectos do bem-estar individual. Dr. Suman Fernando conecta a rotulação excessiva de ‘esquizofrenia’ à “excessivas crises, prisão e exclusão escolar”.

Às vezes, o racismo institucional se manifesta em políticas que têm abertamente sido voltadas para as pessoas de cor. O Dr. Johnathan Metzl chama a atenção para o específico diagnóstico “esquizofrenia negra”, que foi usado na década de 1960 para rotular aqueles que participavam do Movimento dos Direitos Civis enquanto “psicose de protesto”. Em alguns casos, membros de certas comunidades que sofreram trauma coletivo relataram ouvir vozes que relembravam a sua perseguição histórica.

“Porque eu ensinava a cultura africana e caribenha, o comércio transatlântico de escravos era grande parte do meu interesse, e passei a ir fundo de mais nessa história. E então, de repente, algo desbloqueou em mim. Comecei a ouvir meus antepassados. Eu podia ouvi-los a chorar e eu podia sentir a sua dor. Todos os meus antepassados femininos, eu podia senti-los e eu podia sentir todos os seus filhos. Eu podia ouvi-los em sua viagem e eu podia sentir todas essas pessoas vindo a mim através de toda a minha leitura. Isso começou a me afetar muito e passou a ser um problema. “

 

Estudos demonstram ainda que os empregados negros têm mais chances de serem estereotipados como violentos, recebem serviços de qualidade mais pobres e são medicados pela força ou trancados. Alguns estudiosos descrevem esse padrão como resultando em um ‘círculo de medo’, em que as pessoas de cor são mais propensas a sofrer angústia devido a políticas racistas, sofrem de serviços precários e então evitam procurar ajuda quando sofrem dificuldades.

Esses diferentes fatores de complicação demonstram a complexidade subjacente que dá origem à experiências que são remodeladas como  ‘esquizofrenia’. O objetivo deste relatório é desafiar como os prestadores de serviços desenvolveram suas crenças e conclusões sobre ‘psicose’, instando-os a reconsiderar sua abordagem.

Alguns indivíduos acham que a audição de voz e as experiências dessa pessoa são angustiantes e incapacitantes. Embora certas formas de apoio profissional possam ser úteis, os autores apontam que a rede de amigos, comunidade e apoio social de alguém é fundamental para seu bem-estar. Formular intervenções com isso em mente é um passo importante para melhorar os serviços.

Existe uma série de opções de suporte entre pares tanto as que são separadas quanto as integradas nos serviços de saúde mental. Algumas são informais e ocorrem de forma natural, outras são executadas por usuários de serviços e outras envolvem pagar provedores para obter suporte de pares mais formal.

O movimento do ‘usuário e sobrevivente do serviço’ serve como uma comunidade de apoio enquanto um fórum concebido para que os indivíduos reflitam suas experiências e compartilhem suas perspectivas. Isso resultou em uma literatura crescente que oferece visões únicas de experiências ‘psicóticas’, abordando a natureza desumanizadora de alguns serviços de saúde mental e retratando um vínculo entre ‘loucura’, criatividade e espiritualidade.

Os métodos de autoajuda e apoio mútuo também estão se tornando cada vez mais populares, particularmente para indivíduos com identidades marginalizadas para que venham a receber suporte culturalmente apropriado. Os usuários negros de serviços têm formado grupos de autoajuda, assim como indivíduos e mulheres LGBT. Abordagens coletivas como essas funcionam para combater o isolamento e reforçam os sentimentos de solidariedade entre os membros.

A Rede de Ouvidores de Vozes é uma rede internacionalmente ativa formada por grupos de autoajuda “com base na ideia de que diferentes pessoas têm ideias diferentes sobre a natureza e as causas de suas experiências”. O relatório continua descrevendo abordagens de desenvolvimento comunitário e “colégios que recuperam: uma abordagem educacional para oferecer ajuda “, como opções adicionais de suporte, e o relatório finalmente conclui com lista de recursos, sites e serviços.

Os autores enfatizam a importância das pessoas receberem cuidados e suporte desejados em tempo hábil. Para alguns, isso pode envolver suporte para necessidades básicas, como habitação, dinheiro e comida. Embora a maioria das pessoas que experimentaram ‘psicose’ queiram trabalhar, elas são severamente subempregadas, o que pode aumentar muito as dificuldades para encontrarem seu valor, suporte e significado em suas vidas de maneira mais geral.

O apoio emocional e as intervenções que podem melhorar a organização e a motivação na vida de alguém podem ser especialmente apreciadas, levando os autores a identificar a necessidade de respostas criativas às necessidades individuais. No entanto, a legislação atual permite que as pessoas sejam mantidas em hospitais contra sua vontade, onde são muitas vezes administrados medicamentos à força. Isso não tem efetivamente resultado na prevenção de admissões.

“Existe um argumento de que, mantendo as pessoas internadas contra a vontade delas, com muita frequência em situações desagradáveis e às vezes assustadoras, onde muitas vezes a única ajuda oferecida é medicação com efeitos colaterais angustiantes, estamos a não respeitar o princípio ético básico de ‘reciprocidade’ , a saber, que “onde a sociedade impõe uma obrigação ao indivíduo de cumprir um programa de tratamento ou cuidados, deve impor uma obrigação paralela às autoridades de saúde e assistência social para fornecer serviços seguros e adequados, incluindo cuidados contínuos após a alta da internação involuntária.'”

As críticas abrangentes e convincentes oferecidas neste relatório fornecem espaço considerável para a reforma em vários níveis de serviços. Em primeiro lugar, elas encorajam a mudança para além do ‘modelo médico’ e oferecem serviços que substituem o paternalismo por uma colaboração radical, envolvendo privilegiar as perspectivas dos usuários de serviços e a aceitação geral de visões fora de um ‘modelo de doença’.

A prescrição automática de medicamentos antipsicóticos precisa ser interrompida, eles escrevem e, em vez disso, os prestadores de serviços precisam começar a apoiar o direito dos indivíduos a serem informados, a escolher e ter um senso de expectativas. Eles pedem um reexame da justificativa que apoie o uso do tratamento involuntário e da medicação forçada, ressaltando que esses serviços são inerentemente discriminatórios.

Finalmente, os esforços de pesquisa devem refletir essas mudanças redirecionando ‘a busca por anormalidades biomédicas’, no sentido de se entender “os eventos e circunstâncias da vida das pessoas” e como afetam as pessoas. Assim, os serviços não fornecerão apenas cuidados padronizados, mas intervenções colaborativas adaptadas às circunstâncias individuais. Para fazer isso, eles argumentam que os prestadores de serviços, particularmente aqueles que lidam com a terapia da palavra, devem estar dispostos a ouvir, aceitar, estarem inteiramente com o cliente para facilitar a cura interpessoal e receber o apoio e o treinamento necessários que lhes permitam fazer isso.

Um ouvidor de voz compartilha o que eles achavam que precisavam, quando aprenderam o significado de suas experiências:

“O que eu finalmente aprendi foi que cada voz estava intimamente relacionada com os aspectos de mim mesmo e que cada um deles carregava emoções esmagadoras que nunca tive a oportunidade de processar e resolver – memórias de trauma e abuso sexual, de vergonha, raiva, perda e autoestima. As vozes tomaram o lugar desta dor e deram palavras a ela. E, possivelmente, uma das maiores revelações foi quando eu percebi que as vozes mais hostis e agressivas realmente representavam as partes de mim que tinham sofrido mais profundamente – e, como tal, eram essas vozes que precisavam que eu lhes mostrasse maior compaixão e cuidado “.

O relatório exige uma mudança fundamental no campo para implementar essas mudanças críticas, particularmente ao reconhecer as formas em que a opressão gera o sofrimento frequentemente categorizado como psicopatologia.

“Não há” nós e eles “, pessoas que são “normais “e pessoas que são diferentes porque estão “doentes mentais ” … “Estamos todos juntos e precisamos cuidar uns dos outros. Se formos sérios sobre a prevenção da ‘psicose’ angustiante, precisamos enfrentar a privação, o abuso e a desigualdade “.

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A Parte 1 da cobertura do MIB pode ser acessada aqui →

Laura Delano, resumo da sua apresentação no Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Causas, Danos e Alternativas

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Laura DelanoÉ com muitas expectativas que estou indo participar do Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: Causas, Danos e Alternativas.

Nesta conversa, irei compartilhar a história de como me perdi no sistema de saúde mental ao longo de catorze anos e, por fim, passei a perceber que precisava sair das drogas psiquiátricas, abandonar meus diagnósticos psiquiátricos e deixar o sistema de saúde mental, para assim ter uma chance de recuperar a minha vida.

Eu descreverei como haver sido rotulada de “doente mental” e tomar drogas psiquiátricas moldou fundamentalmente o senso de mim mesma, a minha saúde física, as minhas habilidades cognitivas, o meu senso de sentido e propósito, e minha conexão com o mundo.

Irei reconsconstruir o processo pelo qual eu “desaprendi” a ser um paciente psiquiátrico e me livrar das drogas psiquiátricas. Em seguida, vou compartilhar sobre o trabalho que tenho feito para apoiar os outros que procuram caminhos fora do sistema de saúde mental, e eu vou terminar a conversa compartilhando com vocês os esforços de ativismo militante, defesa de direitos e de educação pública, que estão acontecendo mais amplamente dentro o Movimento de Sobreviventes / Ex-Pacientes Psiquiátricos em rápido crescimento nos Estados Unidos.

Encontro vocês no Seminário.

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