Breaking apart and shattered life concept as a frozen lake with floating broken chunks of ice in the shape of a human head as a health care and brain issues related to emotional and physical injury of the mind.
Diante do cenário brasileiro mais atual, que vivemos em meio a ataques, retrocessos e ameaças em diferentes campos, cabe retomarmos um pouco da história da Reforma Psiquiátrica como forma de reafirmar mais uma vez o seu ideário. Historicamente, a Reforma Psiquiátrica inseriu-se em um contexto de transformações sociais profundas, ocorridas no setor de saúde ao longo dos últimos 50 anos do século XX. Estas transformações estão associadas ao conjunto de mudanças políticas e sociais ocorridas após a Segunda Guerra Mundial, entre as quais foram consolidados os Direitos Humanos e a Democracia como valores a serem defendidos e preservados.
Amarante (1995) compreende a Reforma Psiquiátrica como o processo histórico de formulação crítica e prática que tem como objetivos o questionamento e a elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria. Este processo alavancou diversas dimensões sociais, desde mudanças jurídico-políticas, reformulações na assistência e na rede de serviços em saúde mental até intervenções socioculturais que ampliam lógicas de entendimento acerca da loucura.
No Brasil, a Reforma Psiquiátrica é um processo que surgiu, principalmente, a partir da conjuntura da redemocratização, no final dos anos 70, fundado não apenas na crítica conjuntural ao subsistema nacional de saúde mental, mas também, na crítica estrutural ao saber hegemônico e às instituições psiquiátricas.
A Reforma Psiquiátrica Brasileira é contemporânea de um processo mais amplo: o da Reforma Sanitária, que nasceu no contexto de luta contra a ditadura e é norteadora dos princípios fundadores do Sistema Único de Saúde. A Reforma Sanitária foi o resultado de um conjunto de alterações estruturais realizadas na área da saúde em vários países, quando a falta de condições de saneamento e a baixa qualidade na prestação dos serviços eram enfrentados.
A partir de 1976, foram criados movimentos como: o Movimento de Renovação Médica (REME), o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). Estes tinham como objetivo discutir e organizar a política no setor da saúde, assim como discutir as práticas das categorias profissionais que criam as bases para a Reforma Sanitária e Psiquiátrica no Brasil.
As mudanças que viriam a desembocar na Reforma Psiquiátrica Brasileira foram lideradas pelo Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) que buscava melhores condições de atendimento aos pacientes dos grandes hospícios brasileiros, denunciava as péssimas condições de tratamento, incluindo os horrores do hospício de Barbacena, e as atrocidades sofridas por milhares de pacientes. Neste ponto, vale destacar o documentário do cineasta Silvio Da-rin e Helvécio Ratton, “Em nome da Razão” de 1979, filmado dentro do hospício em Barbacena, que trouxe à tona tragédia cotidiana e os horrores praticados à época.
É fundamental nos remetermos à influência de Franco Basaglia, através de sua produção teórica e das práticas da psiquiatria democrática italiana. Também é necessário citar o importante papel dos estudos de Erwing Goffman sobre as instituições totais.
Quando o MTSM foi constituído, existiram várias atividades importantes para seu reconhecimento, com destaque para o V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Camboriú (SC), praticamente ocupado pelos participantes do movimento, para o I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupos e Instituições, ocorrido em 1978, no Rio de Janeiro, para o qual vieram personalidades internacionais como Franco Basaglia, Erwing Goffman, Thomas Szasz, Robert Castel, Félix Guattari, entre outros. Esses autores influenciaram o pensamento e ações que transformariam o cenário da saúde mental nos anos seguintes.
Um segundo momento da Reforma Psiquiátrica Brasileira pode ser considerado uma trajetória sanitarista. Foi iniciado nos primeiros anos da década de 80, quando parte considerável do movimento de reforma sanitária, e não só psiquiátrica, passou a ser incorporada como política pública.
A marca distintiva está no fato de que a noção de Reforma ganhou uma inflexão diferente: a crítica ao asilo deixou de visar o seu aperfeiçoamento ou humanização, vindo a incidir sobre os próprios pressupostos da psiquiatria, a condenação de seus efeitos deletérios com vistas à normatização e ao controle. A expressão “Reforma Psiquiátrica” passou então a exigir uma adjetivação precisa que tem uma característica essencial: no Brasil, a restauração democrática. O desafio fundamental encontrava-se no resgate da cidadania interditada.
Na década de 80, desenvolveu-se no Brasil o Movimento da Reforma Psiquiátrica, que objetivava a revisão das premissas assistenciais e teóricas visando a superar o modelo de assistência centrado em práticas de institucionalização, e promover o resgate da cidadania dessa população e construir uma rede comunitária para a prática do cuidado em liberdade (Amarante, 1994).
Cabe destacarmos alguns marcos históricos como: a intervenção na Casa de Saúde Anchieta, em 1989, e a criação do primeiro CAPS do Brasil, denominado CAPS Professor Luís da Rocha Cerqueira, em 1986, no coração da cidade de São Paulo. A criação deste CAPS e de tantos outros, com outros nomes e lugares diferentes, fez parte de um intenso movimento social, inicialmente, de trabalhadores de saúde mental que buscavam a melhoria da assistência no Brasil e denunciavam a situação precária dos hospitais psiquiátricos, que ainda eram o único recurso destinado aos usuários.
A construção da Rede de Saúde Mental, posteriormente denominada como Rede de Atenção Psicossocial, ampliou a concepção de saúde para além do “mental” e se tornou um lugar privilegiado de construção de uma nova lógica de atendimento e cuidado.
O lema “sociedade sem manicômios” adotado em 1987, funcionava como um norte ético para as mudanças estruturais da gestão pública, que foram a marca da década seguinte: a redução dos leitos de hospitais especializados, a criação de serviços na comunidade, ampliação radical do acesso ao tratamento, abertura das fronteiras de atendimento na atenção primária, entre outras.
Este amplo movimento social da Reforma Psiquiátrica Brasileira alcançou avanços na constituição de um modelo de atenção psicossocial e comunitário, alternativo às instituições manicomiais predominantes.
A Constituição Federal de 1988 construiu o pacto social e institucional que permitiu grandes avanços no campo da saúde mental. A Reforma Psiquiátrica avançava com o arcabouço de um sistema universal de saúde, e sob a premissa ética dos direitos de cidadania.
Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), cujos princípios norteadores concebem a saúde como direito fundamental e dever do Estado, enfatizam a integralidade, a equidade, a universalidade, a intersetorialidade e a participação da população, de modo que a visão de cuidado em saúde busca ações muito além dos fatores biológicos, a saúde passou a ser compreendida de forma complexa. Esta concepção de saúde considera o contexto socioeconômico, cultural, político e histórico do país, ou seja, os processos de saúde/doença passaram a abranger situações de moradia, saneamento, renda, alimentação, educação, lazer e acesso aos bens e serviços.
É imprescindível relembrarmos uma pioneira do ideário da Reforma Psiquiátrica Brasileira, a Dra. Nise da Silveira, no então Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro que se tornou “A Casa das Palmeiras”. Desde os anos 40/50, já havia a experiência de transformações assistenciais com arte e referenciais teóricos junguianos. Este trabalho liderado pela Dra. Nise questionou profundamente o modelo asilar e propor modos humanizados de tratamento.
Nos anos 60 também ocorriam movimentos de comunidades terapêuticas, baseados no modelo inglês de Maxwell Jones.
Do ponto de vista da gestão de políticas públicas, a Reforma Psiquiátrica Brasileira consubstancia-se em uma legislação de saúde mental iniciada em 1990, com a Declaração de Caracas. A Declaração de Caracas propôs um novo paradigma de Atenção e Reestruturação da Assistência Psiquiátrica, com o objetivo de promover o respeito aos direitos humanos e civis, assim como reestruturar a atenção psiquiátrica com base na atenção primária à saúde no âmbito dos sistemas locais de saúde. A Declaração de Caracas marcou uma importante mudança no paradigma da atenção à saúde mental na Região das Américas, rumo à descentralização dos serviços de saúde mental.
Em 1989, o deputado Paulo Delgado apresentou o Projeto de Lei n. 3657, que visava a extinção progressiva dos manicômios e a substituição por outros recursos assistenciais. Este projeto de lei dispunha de basicamente três artigos: 1º) Proibição a construção de novos hospitais psiquiátricos; 2°) Direcionamento do financiamento para a criação de recursos não manicomiais; 3º) Regulamentação das internações compulsórias.
Os anos seguintes marcaram o avanço desse processo, com a realização da I Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), o projeto de lei do deputado Paulo Delgado para regulamentação dos direitos das pessoas com transtornos mentais (1989) – que só é aprovado em 2001.
A aprovação da Lei n. 10.216 em 06 de abril de 2001, é um grande marco histórico, posto que representa a consolidação da Reforma Psiquiátrica no Brasil. A lei direciona e redireciona a Atenção à Saúde Mental, regulamenta a não internação dos indivíduos com transtorno mental e consiste também em um novo modelo de assistência psiquiátrica na internação social do usuário, bem como a implantação de Residências Terapêuticas e Centros de Atenção Psicossocial e direitos colocados pelo Estado para os usuários. A transformação dos Serviços de Saúde Mental rompe com fatores vivenciados pelos usuários, historicamente cruéis e desumanos.
Podemos observar que apesar de falarmos em “Reforma Psiquiátrica”, trata-se fundamentalmente de propor uma “Reforma da Assistência em Saúde Mental” em amplo aspecto, que inclui a articulação horizontal do saber psiquiátrico em uma dinâmica de forças com outros campos do saber e não se restringe à perspectiva biomédica.
Nascido do reclame da cidadania do louco, o movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira desdobrou-se em um diversificado escopo de práticas e saberes. A importância analítica de se localizar a cidadania como valor fundante e organizador deste processo está em que a Reforma é sobretudo um campo heterogêneo, que abarca a clínica, a política, o social, o cultural e as relações com o jurídico, e é obra de atores muito diferentes entre si.
Se, por um lado, verificamos avanços importantes na assistência em saúde mental no país, por outro, é preciso considerar a permanência de lógicas patologizantes e tuteladoras mesmo nos serviços. A luta pela Reforma (ainda) é urgente.
A deposição da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, significou uma interrupção do processo democrático no país, acarretando uma reorientação radical das políticas sociais. No mesmo ano de 2016, o novo governo (Michel Temer) instituiu uma medida provisória que, posteriormente, tornou-se a Emenda Constitucional 95/2016, determinando o congelamento por 20 anos dos recursos destinados a diversas políticas sociais, entre as quais o SUS. Iniciou-se um período, agravado nos anos seguintes, de redução dramática do já insuficiente financiamento do sistema público de saúde.
Vinte anos após a aprovação da Lei nº 10.216/2001, precisamos (ainda) reafirmar e sustentar uma ética do cuidado alicerçada em ideais democráticos e humanitários. Finalmente, para além de promover um aperfeiçoamento técnico e institucional do tratamento em saúde mental, a Reforma Psiquiátrica tem efeitos também do ponto de vista da cidadania brasileira. Com suas diretrizes no sentido contrário ao da redução das políticas sociais do Estado, o ideário da Reforma aponta para a construção de uma sociedade mais inclusiva e para a recuperação do sentido coletivo das nossas ações, valores que são urgentes no Brasil pandêmico e pandemônico dos dias atuais.
Referências:
Tenório, F. (2002). A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e conceitos. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 9, 25-59.
Amarante, P. (Ed.). (1994). Psiquiatria social e reforma psiquiátrica. SciELO-Editora FIOCRUZ.
Amarante, P. (1995). Novos sujeitos, novos direitos: o debate em torno da reforma psiquiátrica. Cadernos de Saúde Pública, 11, 491-494.
Num artigo de 2020 no The British Journal of Psychiatry, os investigadores Joanna Moncrieff e Mark Horowitz escreveram que o burburinho em torno da escetamina (o medicamento da Janssen para a depressão resistente ao tratamento [TRD]) estava “a repetir os erros do passado” – promovendo um medicamento que tinha uma eficácia pouco clara (e efeitos adversos claros) como sendo a nova cura milagrosa para a depressão.
Horowitz e Moncrieff atualizaram essa análise anterior com outro artigo no The British Journal of Psychiatry. Escrevem que uma investigação mais aprofundada apenas confirmou as suas conclusões de que a escetamina tem, na melhor das hipóteses, uma eficácia incerta – e efeitos nocivos graves.
Escrevem: “A escetamina tem um efeito clinicamente incerto nas quatro semanas de uso, e não há estudos com períodos de seguimento mais longos e mais relevantes para o tratamento de pessoas com depressão”.
De acordo com Horowitz e Moncrieff, houve seis ensaios de eficácia de 4 semanas de escetamina para TRD. Cinco desses ensaios mostraram que o medicamento não era melhor do que um placebo. No entanto, um ensaio encontrou um ligeiro efeito estatisticamente significativo a favor da escetamina (uma diferença de 4 pontos numa escala de 60 pontos) – um efeito que não atingiu o limiar de significância clínica. Mesmo a empresa farmacêutica Janssen, que realizou o estudo, tinha utilizado uma diferença de 6,5 pontos como ponto de referência.
Observem que não existem dados de eficácia a longo prazo; estes estudos duraram apenas um mês.
Então, como é que este medicamento foi aprovado pela FDA dos EUA? Afinal, o NICE do Reino Unido, rejeitou o fármaco após ter visto as mesmas provas.
A FDA trabalhou em estreita colaboração com Janssen, acabando por renunciar aos requisitos habituais (tal como para dois ensaios clínicos que demonstraram eficácia, geralmente durante 6-8 semanas) e permitindo ao fabricante do medicamento apresentar apenas um resultado estatisticamente significativo de um ensaio de eficácia a curto prazo. Janssen complementou-o com um ensaio de descontinuação (um estudo do que acontece depois de as pessoas deixarem subitamente de tomar o fármaco), que os investigadores criticaram por efeitos de abstinência conflituosos com efeitos de recaídas.
Erick Turner, que faz parte do comité consultivo da FDA que aprovou o medicamento, foi citado no Medscape como dizendo: “Aceitar apenas um ensaio de curto prazo como sendo suficiente é uma ruptura histórica com precedentes“. No mesmo artigo do Medscape, o investigador de antidepressivos Glen Spielmans foi citado como dizendo: “Com base nas provas fornecidas no pedido de Janssen, a FDA não deveria ter aprovado o fármaco“.
Quais são os Danos?
No seu estudo anterior, Horowitz e Moncrieff também avaliaram os efeitos adversos devidos à escetamina.
Por exemplo, houve seis mortes no ensaio de segurança de Janssen – todas no grupo que tomou escetamina. Três delas foram mortes por suicídio, e duas dessas pessoas referiram nunca ter tido pensamentos suicidas antes.
Houve também seis acidentes de automóvel no grupo da escetamina, um dos quais foi fatal. (O uso de escetamina foi ligado a acidentes de automóvel no passado devido aos seus efeitos dissociativos). Mas a FDA considerou que estes acidentes não estavam relacionados com a droga.
A escetamina está também associada a danos na bexiga, ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais. Com certeza, dos que tomam escetamina, uma pessoa morreu de ataque cardíaco, outra morreu de insuficiência cardíaca e pulmonar, e uma pessoa teve uma hemorragia cerebral não fatal. Além disso, aproximadamente 20% das pessoas que tomaram escetamina tiveram problemas de bexiga depois de tomarem a droga.
No artigo atual, Horowitz e Moncrieff observam também que os supostos efeitos “antidepressivos” da escetamina são indistinguíveis da “alta” que os utilizadores recreativos experimentam quando usam cetamina.
Horowitz e Moncrieff escrevem:
“Não é claro como se pode distinguir a euforia induzida por drogas e os efeitos antidepressivos. Jauhar argumenta que é a persistência do efeito que o marca como “antidepressivo”, mas, tal como descrito acima, os ensaios com escetamina não confirmam a ocorrência de um efeito clinicamente relevante”.
Em conclusão, a escetamina falhou em cinco dos seus seis ensaios e tem efeitos adversos graves. Causa problemas de bexiga em pelo menos 20% dos que tomam o fármaco. Está também ligada ao aumento do suicídio e dos acidentes de automóvel, entre outros danos.
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Horowitz, M. A., & Moncrieff, J. (2021). Esketamine: Uncertain safety and efficacy data in depression. The British Journal of Psychiatry, 219(5), 621-622. DOI: https://doi.org/10.1192/bjp.2021.163 (Link)
Como observa a psiquiatra Grace Jackson em seu livro de 2005, Rethinking Psychiatric Drugs: A Guide for Informed Consent (Repensando as Drogas Psiquiátricas: Um Guia para o Consentimento Livre e Esclarecido), o potencial de consentimento livre e esclarecido para permitir uma escolha significativa do paciente “deve depender logicamente” de “um fornecimento de informações adequadas”. À medida que o conhecimento sobre a retirada de medicamentos psiquiátricos se acumula em fóruns on-line, torna-se cada vez mais crítico para os prescritores fornecer essa informação aos pacientes. Se os prescritores não o fizerem, eles não fornecerão o consentimento informado.
Infelizmente, os prescritores normalmente não utilizam o conhecimento on-line, e as suas próprias fontes de informação são muitas vezes inadequadas. Essas fontes incluem ensaios clínicos aleatórios de psicotrópicos, metodologicamente deficientes, e as diretrizes, declarações e processos suspeitos das empresas farmacêuticas e do estabelecimento médico. Confiando nestas fontes, os prescritores têm uma compreensão potencialmente incompleta e talvez distorcida da retirada das drogas prescritas.
Para corrigir esta situação, é essencial, como sugere Jackson, responsabilizar os prescritores quando eles falham, inadvertidamente ou intencionalmente, para fornecer aos pacientes informações precisas sobre a retirada. Também é essencial continuar a familiarizar os prescritores com a riqueza de material disponível nos fóruns de retirada on-line, trazendo tais informações para a prática clínica psiquiátrica. Somente então “os clínicos e pacientes serão livres para participar da troca de um consentimento autenticamente informado para o atendimento”.
Uma salvaguarda historicamente imperfeita
No campo da psiquiatria, há muito tempo o relacionamento paciente-clínico apresenta um processo anêmico de consentimento livre e esclarecido. Quando, em um workshop em 1991, David Cohen apresentou um modelo detalhado de consentimento livre e esclarecido para uso na prescrição de medicamentos psiquiátricos, pacientes e ex-pacientes responderam “que nem um único ponto mencionado no formulário foi discutido com eles por seus médicos prescritores”.
Essa deficiência tem sido difícil de ser superada. Reconhecendo a persistência do problema, Cohen and David Jacobs lançaram uma versão revisada desse formulário em 2015 e novamente defenderam um processo de consentimento livre e esclarecido mais genuíno. Embora o processo seja rotineiramente enfraquecido pela falha dos prescritores em fornecer informações abrangentes sobre muitos aspectos do uso de medicamentos psicotrópicos, a falta de informações transmitidas sobre a retirada é particularmente gritante. Em 2018, um repórter do New York Times descreveu quantos indivíduos que estão tentando deixar de tomar as drogas prescritas experimentaram “sintomas de abstinência dos quais nunca foram avisados”.
Da mesma forma, em 2020, o pesquisador John Read, pesquisando 3200 pessoas sobre antidepressivos na Nova Zelândia e internacionalmente, descobriu “que apenas 1% se lembrava de ter sido informado sobre os efeitos da abstinência quando os medicamentos foram receitados pela primeira vez”.
O problema não se limita à conversa inicial sobre o medicamento, mas continua mesmo quando os pacientes, tentando descontinuar um medicamento, relatam a sua angústia a um prescritor.
Seja o resultado de decisões intencionais ou a simples falta de conhecimento, a falha generalizada dos prescritores em fornecer informações sobre a retirada durante o consentimento livre e esclarecido é profundamente preocupante. Para contestar o status quo, os defensores devem olhar para as exigências legais do consentimento livre e esclarecido.
A evolução da lei relativa ao consentimento livre e esclarecido apoia uma maior divulgação
A legislação federal e estadual (Estados Unidos) relativa ao consentimento livre e esclarecido fornece uma ferramenta fundamental para garantir que os prescritores eduquem os pacientes sobre os riscos da abstinência associados à medicação psiquiátrica. Embora a lei relativa ao consentimento livre e esclarecido difira em certa medida de estado para estado, a direção que a jurisprudência vem tomando deve beneficiar os pacientes.
Nos Estados Unidos, o dever de dar o consentimento livre e esclarecido originalmente poderia ser adequadamente realizado, se os médicos simplesmente compartilhassem informações que aqueles em sua profissão costumam revelar. Entretanto, no caso seminal de 1972, Canterbury vs. Spence, o Tribunal de Apelação dos EUA para o Distrito de Columbia rejeitou essa norma. Em vez disso, o Tribunal exigiu que os médicos revelassem todas as informações que um “paciente razoável” gostaria de saber antes de se submeter ao tratamento em questão.
Embora continue havendo variação por jurisdição quanto ao que deve ser divulgado, os tribunais (Estados Unidos) agora reconhecem amplamente esta norma. As informações sobre a retirada devem ser divulgadas, mesmo que essas informações não derivem de fontes nas quais os médicos tradicionalmente tomam como referência.
Desde Canterbury, os tribunais estaduais e federais têm interpretado as suas exigências em relação ao consentimento livre e esclarecido. Nesses casos, vemos a evolução da lei de maneiras que poderiam preparar melhor os pacientes para tomar decisões de tratamento. A jurisprudência aplicável aos prescritores de Massachusetts fornece exemplos de tal progressão.
Em sua decisão de 1982 no Harnish v. Children’s Hospital Medical Center, a mais alta corte de Massachusetts exigiu que, durante o consentimento livre e esclarecido, os médicos revelassem: a condição sendo tratada, o tipo e a probabilidade dos riscos do tratamento proposto, os benefícios razoavelmente esperados, a incapacidade do médico de prever resultados (se verdadeiros), qualquer irreversibilidade do tratamento, resultados sem tratamento e alternativas disponíveis (incluindo riscos e benefícios).
Concordando com o Tribunal de Recursos de D.C., o Tribunal de Massachusetts decidiu que o fato de outros na profissão não fornecerem informações não é uma defesa para reclamações de violação do consentimento livre e esclarecido.
O Tribunal de Harnish rejeitou especificamente a norma legal que estava sendo aplicada naquele momento em outras jurisdições que os médicos precisam “divulgar … somente as informações que são habitualmente divulgadas por médicos em circunstâncias similares”.
Concluindo que esta regra não oferecia proteção suficiente ao paciente, o Tribunal exigiu, ao invés disso, que os médicos informassem todas as informações médicas significativas que o médico possui ou deveria razoavelmente possuir que sejam materiais para uma decisão inteligente do paciente – se deve ou não se submeter a um procedimento proposto.
A informação que um médico razoavelmente deve possuir é aquela que o médico médio qualificado ou, no caso de uma especialidade, o médico médio qualificado que pratica aquela especialidade. (Ênfase acrescentada).
Posteriormente, o Tribunal ampliou a aplicação da nova exigência de consentimento livre e esclarecido dos médicos a todos os provedores médicos.
Seis anos mais tarde, em Kissinger v. Lofgren, o Tribunal de Apelações dos EUA para a Primeira Circunscrição adotou a análise Harnish. Revendo o padrão de consentimento livre e esclarecido no contexto da cirurgia, o Tribunal de Apelações procurou o que “é conhecido ou deveria ser razoavelmente conhecido por todos os médicos que realizam esse tipo de operação”.
Essas decisões significam que um prescritor de Massachusetts deve revelar informações pertinentes a uma retirada que um prescritor qualificado médio sabe ou deveria saber razoavelmente, mesmo que o prescritor ou os colegas do prescritor não costumem rotineiramente revelar tais informações. Fazer o mesmo trabalho inadequado que outros fazem é insuficiente.
Como o conteúdo dos fóruns on-line cada vez mais se torna uma psiquiatria convencional, inclusive nas formas discutidas em meu post anterior, torna-se mais fácil concluir que um prescritor médio deve saber sobre os riscos da retirada. Os fóruns de abstinência on-line documentam amplamente uma variedade de riscos, de vários graus de severidade, associados à descontinuação de medicamentos psiquiátricos. Tais informações estão prontamente disponíveis e, portanto, devem ser divulgadas durante o consentimento livre e esclarecido.
A lei atual pode não garantir a divulgação suficiente dos riscos de abstinência
Embora os atuais requisitos legais de consentimento livre e esclarecido e a crescente acessibilidade de informações on-line favoreçam uma discussão robusta sobre a retirada ao prescrever medicamentos psiquiátricos, a divulgação de riscos de retirada permanece incomum. Parece improvável que a atual jurisprudência, por si só, resolva este problema.
A persistente recusa dos prescritores psiquiátricos em revelar as novas evidências importantes sobre o consentimento livre e esclarecido, a disponibilidade de tratamentos alternativos, fornece motivo para ceticismo.
Em um artigo de 2015 sobre o dever de um médico prescritor de revelar tratamentos alternativos mais seguros aos psicotrópicos, a professora de direito Rita Barnett-Rose observa que os médicos muitas vezes não divulgam todas as informações que um “paciente razoável” gostaria de saber sobre este assunto. “Os médicos prescritores raramente revelam qualquer opção de tratamento alternativo mais seguro aos medicamentos psicotrópicos, mesmo quando há provas persuasivas de que tais alternativas mais seguras existem”.
Ela cita, como exemplo de tal “evidência persuasiva” negligenciada, ensaios clínicos aleatórios e controlados por placebo que a TDAH poderia ser mais bem tratada com uma mudança de dieta do que com medicamentos.
Além disso, os tribunais não fornecem uma solução para as omissões dos prescritores, explica Barnett-Rose. Quando estas falhas chegam aos tribunais, os juízes se recusam a aplicar o mais novo padrão legal:
Decisões em jurisdições razoáveis de pacientes são frequentemente indistinguíveis das jurisdições da comunidade médica, e muitas vezes simplesmente adiam ao médico ou à própria comunidade médica para determinar quais alternativas são “razoáveis” ou “disponíveis” para o paciente, independentemente dos interesses do próprio paciente. Isto, por sua vez, limita severamente a divulgação.
O resultado é que há pouco incentivo para que os prescritores mudem seus hábitos.
Assim como os prescritores continuam a ignorar, apesar do surgimento de novos estudos, provas relativas a modalidades alternativas de tratamento, os prescritores podem muito bem ignorar as provas relativas ao risco de retirada, mesmo quando confrontados com provas de fóruns on-line e pesquisas clínicas emergentes. Este já parece ser o caso.
Os prescritores podem tomar conhecimento da atenção dos tribunais para informações de retirada online em processos contra empresas farmacêuticas.
Enquanto alguns pacientes prejudicados por medicamentos psiquiátricos buscam mover processos judiciais de consentimento livre e esclarecido contra prescritores, outros têm buscado uma compensação de reembolso dos fabricantes de medicamentos. Os prescritores relutantes em reconhecer novas informações relativas a efeitos de retirada poderiam tomar conhecimento de referências, em tais litígios contra empresas farmacêuticas, a partir das novas evidências retiradas de fontes on-line.
Tradicionalmente, os demandantes que processam empresas farmacêuticas por tais danos tendem a confiar em provas do que essas empresas sabiam sobre os riscos de seus produtos (frequentemente de seus próprios estudos), mas não reveladas ao público.
Como Rachel Aviv explica no The New Yorker, tal litígio se concentra em revelar que “[i] os registros internos dos fabricantes farmacêuticos mostram que as empresas estavam cientes do problema da retirada”. Os registros poderiam demonstrar que essas empresas “administram seus estudos e gerenciam seus dados [de forma a] suprimir informações vitais sobre danos e resultados obscuros que os implicariam”.
Além disso, os queixosos frequentemente argumentam que os fabricantes de medicamentos buscam a publicação seletiva e tendenciosa de ensaios clínicos e/ou se envolviam em marketing enganoso. Os tribunais aceitam evidências de todos esses tipos.
Todas essas fontes probatórias continuam sendo importantes, mas os autores que processam as empresas farmacêuticas em relação aos efeitos de retirada têm agora uma fonte adicional de prova do que é comumente conhecido enquanto um fórum de medicamentos on line. Por exemplo, no processo Fisher vs. SmithKline Beecham Corp., uma decisão de 2009 relativa ao risco de suicídio da Paxil, um tribunal distrital dos EUA em Nova York observou que o autor da ação usou a Internet para procurar informações relativas à Paxil para determinar os fatos sobre os quais a ação legal pode ser baseada.
Da mesma forma, em Saavedra et al. v. Eli Lilly & Co., os autores confiaram nos fóruns da Internet como fonte de autoridade para sua queixa no tribunal distrital de 2012, alegando que “Em resposta às práticas enganosas e ilegais de marketing da Lilly, uma comunidade de antigos e atuais usuários da Cymbalta surgiu para fornecer apoio mútuo e orientação para lidar com a retirada da Cymbalta”.
Assim como os demandantes podem buscar informações acumuladas em fóruns de retirada on-line para apoiar seus argumentos em litígios contra empresas farmacêuticas, também os demandantes que levantam tais reclamações contra os prescritores podem. Em ambos os casos, os peticionários podem argumentar que os réus sabiam de tais efeitos, mesmo que continuem a promover medicamentos. Afinal, esta informação não está escondida nos arquivos das empresas farmacêuticas, mas está claramente disponível para todos verem, online.
É necessário agir para efetivar um consentimento livre e esclarecido significativo
Dado o atual potencial incerto para a aplicação bem-sucedida das leis de consentimento livre e esclarecido em foros judiciais, aqueles que procuram assegurar que os prescritores revelem totalmente os riscos de retirada devem buscar proteções adicionais aos pacientes.
Uma fonte potencial de proteção é a orientação de organizações médicas profissionais. Elaboradas por médicos que pensam no futuro, estão surgindo diretrizes que requerem discussão sobre a retirada durante o consentimento livre e esclarecido. Os padrões profissionais recentes incluem a orientação colaborativa para Terapeutas Psicológicos e as Diretrizes Clínicas sobre Depressão em Adultos do National Institute for Health and Care Excellence do Reino Unido (atualizadas em 2019 para tratar dos efeitos da retirada).
Entretanto, o público para estes novos padrões permanece limitado. É necessária uma orientação para os prescritores psiquiátricos dos EUA.
Além disso, os defensores devem buscar diretrizes públicas para reforçar a exigência de divulgação de informações de retirada como um elemento essencial do consentimento livre e esclarecido. Os defensores podem buscar tais mandatos através de estatutos estaduais, regulamentos, políticas e modelos de formulários de consentimento livre e esclarecido. Esses tipos de disposições não existem em muitos estados (Estados Unidos).
Por exemplo, em Massachusetts, além da jurisprudência, a autoridade relevante em relação ao consentimento livre e esclarecido para medicamentos psiquiátricos é extremamente limitada. Os estatutos e regulamentos estaduais relativos ao consentimento livre e esclarecido não abordam explicitamente o tópico da retirada, incluindo aqueles que se aplicam especificamente ao tratamento com medicação com antipsicóticos.
As políticas relevantes das agências de Massachusetts tendem a ter um escopo restrito e prestam pouca atenção à retirada. Uma diretriz do Departamento de Saúde Pública de Massachusetts (DPH) para o uso de psicotrópicos em instalações de cuidados de longo prazo, promulgada de acordo com o §72BB, exige o uso de um formulário que verifique que “riscos” de tratamento foram discutidos com o paciente.
Entretanto, a diretriz minimiza tais “riscos” e os associa à administração de medicamentos, ao invés de sua descontinuidade: “Estes riscos podem variar; e é possível que poucas ou nenhumas consequências adversas possam ocorrer se a medicação for administrada”. Além disso, o formulário não contém nenhuma exigência de que um prescritor discuta dificuldades associadas à descontinuidade da medicação.
Da mesma forma, a Política # 14-01 do Departamento de Saúde Mental de Massachusetts (DMH), Educação sobre Medicamentos, Avaliação de Capacidade e Consentimento Informado para Medicamentos Psiquiátricos, que se aplica a todas as instalações e programas hospitalares e ambulatoriais operados e contratados pelo DMH, nos quais medicamentos psiquiátricos são prescritos, instrui os prestadores a “abordar o desenvolvimento de quaisquer reações adversas relacionadas ao uso de medicamentos psiquiátricos” durante o prhttps://www.madinamerica.com/mia-manual/model-consent-form-psychiatric-drug-treatment/ocesso de consentimento livre e esclarecido, mas não exige que os prescritores forneçam informações relevantes em relação a dependência, dependência e/ou problemas de abstinência.
Existem bons modelos para orientar a reforma legislativa, regulatória ou sub-regulatória. O formulário de consentimento livre e esclarecido de Cohen e Jacobs para tratamento de medicamentos psiquiátricos, discutido acima, contém o tipo de linguagem referente a dependência e retirada que todos os prescritores devem incluir durante o processo de consentimento livre e esclarecido. Vale a pena citar longamente o formulário:
Fui informado, se me foi prescrito um tranquilizante como Xanax ou Klonopin e tomo regularmente por mais de três ou quatro semanas, que corro o risco de me tornar fisicamente dependente do mesmo. Terei então uma boa chance de experimentar insônia e ansiedade, e muitas outras sensações desagradáveis, quando eu tentar parar a droga, ou mesmo enquanto eu continuar a tomá-la. Entendo que estas drogas não são agentes anti-ansiedade ou indutores do sono eficazes, após algumas semanas de uso. Percebo que algumas pessoas são incapazes de se retirar e, portanto, devem suportar permanentemente as consequências do uso diário. …
Entendo que é provável que a droga provoque vários efeitos desagradáveis quando eu parar de tomá-la, especialmente se eu parar muito de repente. Entendo que embora as reações de abstinência sejam sistematicamente ignoradas no tratamento ou pesquisa de drogas psiquiátricas, elas podem representar a pior parte de todo o meu episódio de consumo de drogas. Entendo ainda que essas reações muitas vezes se assemelharão aos sintomas originais para os quais a droga me foi prescrita, e provavelmente serão tomadas para um retorno desses sintomas (uma “recaída”), e não para efeitos de abstinência. Percebo que meu médico ou o pesquisador provavelmente interpretará essas reações como um sinal de que minha “doença” é crônica e que meu medicamento é “eficaz”.
Também entendo que uma vez que estou tomando drogas há meses ou anos, terei muita dificuldade para encontrar um profissional de saúde que me ajude a me retirar com prudência e segurança das drogas, se assim o desejar.
Um estado exige o uso de um modelo específico de consentimento livre e esclarecido que trate do tema da dependência. O Departamento de Serviços de Saúde do Wisconsin emprega um formulário de consentimento livre e esclarecido para Ativan que descreve explicitamente o potencial de dependência física e psicológica. Entretanto, este formulário se aplica apenas ao atendimento de indivíduos com deficiências intelectuais em instalações de cuidados intermediários que atendem indivíduos com deficiências intelectuais e não a uma população mais ampla.
A reforma deve incluir mudanças legislativas para melhor obrigar os prescritores a discutir todos os riscos de medicamentos, incluindo o potencial para efeitos de retirada. Um projeto de lei atualmente apresentado em Massachusetts é um bom começo. Conhecida como “Benzo Bill“, ela exige, entre outras ações, que os profissionais que prescrevem benzodiazepínicos e hipnóticos não-benzodiazepínicos usem um formulário DPH de Massachusetts para obter o consentimento informado por escrito de um paciente.
O formulário incluiria informações sobre uso indevido e abuso de medicamentos, bem como sobre os riscos de dependência, dependência e uso a longo prazo. (O projeto de lei poderia ser melhorado listando explicitamente os efeitos de retirada entre estes tópicos). O projeto de lei também estabelece uma comissão “para estudar protocolos para interromper com segurança o uso de benzodiazepinas e hipnóticos não-benzodiazepínicos e minimizar os sintomas de abstinência do paciente”.
Os defensores podem considerar propostas legislativas que vão ainda mais longe. O professor Barnett-Rose oferece uma proposta. Dada a falha dos tribunais, incluindo aqueles com “padrões razoáveis de pacientes”, em exigir que os médicos revelem tratamentos alternativos mais seguros, ela sugere que “os legisladores adotem disposições de consentimento livre e esclarecido baseadas em dignidade que assegurarão melhor tanto a revelação adequada pelos médicos de tratamentos alternativos à medicação psicotrópica quanto o fornecimento de um remédio real para os pacientes no caso de uma violação por parte do médico”.
Como ela explica, um “modelo baseado em dignidade” é aquele que reconhece que privar um paciente de informação por si só constitui uma perda real: a perda da autonomia individual e o direito de determinar o que deve ser feito com o próprio corpo. Para a Barnett-Rose, um remédio eficaz e apropriado requer responsabilidade não apenas por violações do consentimento livre e esclarecido que resultem em danos, mas também por violações onde não ocorram danos reais.
Há uma série de maneiras de encorajar a divulgação de riscos de retirada durante o consentimento livre e esclarecido. Os defensores devem buscar normas que referenciem especificamente os efeitos de retirada como um tópico obrigatório durante o processo. Os defensores devem considerar a utilidade de ferramentas práticas, incluindo protocolos e formulários de consentimento livre e esclarecido. Eles podem avaliar quais recursos as agências públicas e de saúde mental podem contribuir. Eles devem pensar em ampliar as circunstâncias nas quais um reclamante pode ser capaz de buscar recurso da forma sugerida pela Barnett-Rose.
Finalmente, os redatores devem abraçar a sabedoria dos pacientes/sobreviventes psiquiátricos que têm lutado com a retirada e a construção de respostas on-line pelos pares.
Conclusão
As informações relativas à retirada de medicamentos psiquiátricos em sites on-line são totalmente relevantes para a prática psiquiátrica atual. Devemos buscar maneiras de acessar e legitimar sistematicamente estas informações. Ao mesmo tempo, devemos pressionar para que estas informações sejam incluídas nas discussões de consentimento livre e esclarecido entre prescritores e pacientes, usando todas as ferramentas disponíveis para tal. Finalmente, devemos reconhecer as deficiências no processo de consentimento livre e esclarecido e ser criativos nas formas de remediar essas deficiências.
Guia de Redução de Danos de Drogas Psiquiátricas, escrito por Will Hall [Reduction Guide to Coming of Psychiatric Drugs, written by Will Hall and published by The Icarus Project & The Freedom Center],https://willhall.net/comingoffmeds/
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Em uma nova peça publicada no Psychiatric Services, Magenta Simmons e colegas discutem a necessidade de melhor pesquisa em torno de classes diversas e protegidas em modelos de tomada de decisão compartilhada (SDM) de saúde mental.
Os modelos SDM giram em torno de clínicos e usuários de serviços que tomam decisões sobre saúde mental juntos com base nas melhores evidências disponíveis e na experiência vivida pelo usuário do serviço. De acordo com os autores, a maioria das pesquisas em torno do SDM é realizada em países ricos com participantes com acesso desproporcional aos recursos, em comparação com as médias globais. Há também barreiras na pesquisa psiquiátrica ao examinar classes protegidas, como pessoas involuntariamente confinadas.
A ausência destes grupos na literatura da pesquisa significa que há muito menos informações boas nas quais eles podem basear suas decisões sobre saúde mental, tornando sua participação nos modelos de SDM desnecessariamente difícil. Eles escrevem:
“Os participantes de todas as experiências eram na sua maioria homens brancos de meia-idade de países de alta renda. Este estreito limite demográfico limita o quanto os pesquisadores sabem sobre se o SDM funciona para outros grupos. No entanto, o problema vai muito mais fundo do que isso. A evidência que os pesquisadores usam para alimentar as intervenções da SDM e informar as decisões de tratamento é prejudicada pela mesma questão de não representatividade. Maximizar a relevância das intervenções SDM requer o uso consistente de práticas de pesquisa inclusivas”.
Pesquisas anteriores apontaram uma divisão entre a forma como os usuários dos serviços e os clínicos entendem a psicose. Por exemplo, onde psiquiatras e outros profissionais médicos tendem a endossar causas biogenéticas, os usuários dos serviços endossam todo tipo de crenças causais, desde questões espirituais até questões relacionadas a substâncias. Da mesma forma, pesquisas têm mostrado que enquanto os profissionais de saúde mental tendem a apoiar causas biogênicas para sintomas de saúde mental, os usuários de serviços tendem a endossar as psicossociais. Estas diferenças nas crenças causais em torno dos sintomas podem prejudicar a aliança terapêutica e impedir a cura.
Devido à diferença de poder entre clínicos e usuários de serviços, estes diferentes entendimentos causais tendem a ver a experiência do usuário do serviço ignorada em favor do conhecimento do clínico. Este fenômeno de não levar uma pessoa a sério é chamado de injustiça epistêmica.
Pesquisas têm mostrado que receber um diagnóstico psiquiátrico pode levar a uma injustiça epistêmica onde o usuário do serviço é desacreditado com base apenas em seu diagnóstico. Entretanto, mesmo pesquisadores que são críticos na aplicação do conceito de injustiça epistêmica a usuários de serviços “delirantes” disseram que esta questão provavelmente aparece em outras áreas da saúde mental, particularmente em torno de crianças e jovens. Ou seja, tendemos a desacreditar essas pessoas devido à sua idade. Os usuários de serviços têm detalhado o quão devastador pode ser quando suas decisões de saúde mental são baseadas na opinião de um psiquiatra e não em sua própria experiência vivida.
Os modelos SDM são uma tentativa de combater a injustiça epistêmica, envolvendo tanto o clínico quanto o usuário do serviço nas decisões sobre a saúde mental. Pesquisas têm demonstrado que expor os clínicos às experiências vividas dos usuários de serviços no início de seu treinamento pode melhorar as práticas de SDM. No entanto, as disciplinas-psi têm lutado para implementar as práticas de SDM. Por exemplo, muitos usuários de serviços têm se sentido coagidos pelos clínicos a tomar antipsicóticos, e muitos clínicos ainda consideram não tomar esses medicamentos como moralmente irresponsável e tolo.
A pesquisa atual questiona a falta de amostras representativas relacionadas à pesquisa SDM. De acordo com os autores, a maioria das pesquisas da SDM ocorre em países ricos ocidentais, excluindo assim pessoas de diversas origens raciais e culturais. Além disso, devido a uma obrigação ética de proteger certos grupos do risco da pesquisa, pessoas com capacidade cognitiva limitada e aquelas que são confinadas involuntariamente raramente são incluídas na pesquisa psiquiátrica.
Ao invés de proteger esses grupos, o resultado dessas práticas é marginalizá-los ainda mais, excluindo suas vozes e experiências da pesquisa. Além disso, como eles não estão representados no estudo, encontrar informações confiáveis sobre quais intervenções podem funcionar para eles torna-se desnecessariamente difícil.
Os autores argumentam que, como resultado de nossas obrigações éticas para com as classes protegidas, os participantes da pesquisa SDM e a maioria das pesquisas são tipicamente aqueles que esperaríamos ter mais autonomia de decisão. Aqueles sem autonomia de decisão, tais como usuários de serviços involuntariamente confinados, são negados tanto o direito de participar de suas próprias decisões de saúde mental quanto o direito de representação na pesquisa.
Como remédio para estes usuários de serviços a quem é negada a capacidade
de participar nas decisões sobre sua saúde mental, os autores recomendam o uso de diretrizes avançadas para que os usuários de serviços possam tomar decisões por si mesmos antes que estejam em sua maior vulnerabilidade. Entretanto, os mecanismos legais por si só não são suficientes:
“A tomada de decisão que defende os direitos humanos é mais do que ter mecanismos legais eficazes. Ao considerar o tratamento em saúde mental, quase todas as opções vêm com potenciais danos que as pessoas têm o direito de conhecer. No entanto, atualmente a melhor evidência disponível tem sérias limitações devido à estreita proporção da população à qual se aplica”.
Para concluir, os autores imploram aos pesquisadores que encontrem maneiras de incluir populações mais marginalizadas em suas pesquisas com segurança. Se os pesquisadores pudessem incluir mais pessoas desses grupos em suas pesquisas, esses grupos teriam acesso a informações muito melhores nas quais basear suas decisões de tratamento de saúde mental.
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Simmons, M., Farmer, J., & Filia, K. (2021). The Need for Representative Research on Shared Decision Making. Psychiatric Services, 72(11), 1245–1245. https://doi.org/10.1176/appi.ps.721102 (Link)
Doctor and patient considering nutritional supplement therapy in medical office
Uma meta-análise de rede foi publicada no mês passado na World Psychiatry mostrando que a psicoterapia tem um efeito duradouro sobre a depressão – ao contrário das pílulas para depressão.
Esta é uma meta-análise importante. Os autores incluíram 81 ensaios randomizados, com 13.722 participantes. A resposta sustentada foi definida como sendo a resposta ao tratamento agudo e, subsequentemente, sem recaída depressiva durante a fase de manutenção (intervalo de 24-104 semanas). Os autores extraíram os dados reportados no tempo mais próximo a 12 meses. A psicoterapia, e a combinação de psicoterapia e comprimidos para depressão, eram melhores que os comprimidos para depressão sozinhos, e melhores que o “tratamento padrão”, com diferenças de risco que variavam de 12 a 16 pontos percentuais.
Infelizmente, os autores, vários dos quais são psiquiatras, tiram uma série de conclusões altamente enganosas. Eles parecem estar tentando defender a indefensável crença prevalecente entre os psiquiatras de que os comprimidos para depressão são bons para as pessoas. Como exemplo, eles sugerem que uma combinação de pílulas e psicoterapia tem mérito, apesar de acharem que as pílulas não acrescentam nada ao efeito da psicoterapia. Além disso, as pílulas expõem os pacientes a sérios danos que podem ser fatais, os quais eles não mencionam.
Há muitas razões pelas quais poderíamos esperar que a psicoterapia seja consideravelmente melhor que as pílulas para depressão a longo prazo.
Primeiro, isto é o que outras metanálises têm mostrado.
Segundo, as pílulas para depressão não têm nenhum efeito clinicamente relevante sobre a depressão. A diferença entre os comprimidos e placebo é de cerca de 2 pontos na escala de classificação de Depressão Hamilton de 52 pontos, mas o efeito clinicamente relevante mínimo nesta escala é de 5-6 pontos (7-8 pontos em análises mais conservadoras, e em um gráfico no artigo original). Isto significa que nem os clínicos nem os pacientes podem dizer a diferença entre a melhoria das pílulas versus placebo.
Na seção Discussão, os autores escrevem que seus “resultados sugerem que a adição de farmacoterapias não interfere com os efeitos duradouros das psicoterapias”. As terapias de combinação seguidas de tratamento discricionário foram tão eficazes quanto as psicoterapias correspondentes (OR=1,08, 95% CI: 0,74-1,56)”.
É enganoso dizer que a adição de pílulas (um tratamento ineficaz) não impediu o efeito duradouro da psicoterapia. Os autores revelam seu viés dizendo que a combinação foi “tão eficaz” quanto a psicoterapia. Eles deveriam ter dito que a adição de um comprimido era ineficaz!
Terceiro, os comprimidos para depressão mudam as funções do cérebro e levam o paciente a um território desconhecido onde o paciente não havia estado antes. Isto é problemático porque não se pode passar de uma nova condição quimicamente induzida de volta ao normal a menos que se afine a droga, e mesmo assim, nem sempre será possível, já que você pode ter desenvolvido danos cerebrais irreversíveis. Em contraste, o objetivo dos tratamentos psicológicos é mudar um cérebro que não está funcionando bem de volta para um estado mais normal.
A Introdução já contém um erro imperdoável. Os autores escrevem que, para os pacientes em remissão, está bem documentado que as farmacoterapias contínuas podem reduzir a taxa de recaídas depressivas na fase de manutenção. Isto não tem sido “bem documentado”. Sabe-se há muitos anos que os chamados estudos de manutenção, que eles citam, são fatalmente falhos porque muitos dos pacientes trocados por placebo sofrem efeitos de abstinência, que podem durar meses ou mesmo anos.
Muitos pacientes do grupo “placebo”, que na verdade é um grupo de abstinência, desenvolverão uma depressão de abstinência. Em um estudo onde pacientes que estiveram em remissão por 4-24 meses tiveram sua terapia de manutenção mudada para placebo por 5-8 dias em um período desconhecido para os pacientes e clínicos, os três sintomas mais comuns de abstinência foram pior humor, irritabilidade e agitação, e 25 dos 122 pacientes em sertralina ou paroxetina preencheram os critérios dos autores para depressão. Em contraste, não seria de se esperar que um único paciente de 122 pacientes ficasse deprimido durante 5-8 dias aleatórios após a psicoterapia.
Os autores mencionam na seção Resultados que, “Em relação à descontinuação de todas as causas, todos os tratamentos pareciam mais aceitáveis do que placebo de pílula”.
Isto não é correto para pílulas para depressão, e ilustra que a meta-análise de sua rede, que se baseou em relatórios de ensaios publicados, foi tendenciosa em favor das pílulas. Um dos autores é a psiquiatra Andrea Cipriani, que foi a primeira autora de uma meta-análise de rede totalmente falsa que comparou diferentes pílulas para depressão. Chamei minha crítica a este trabalho de “Recompensar as empresas que mais enganaram nos ensaios com antidepressivos“.
Outros pesquisadores mostraram, com base nos ensaios que Cipriani et al. haviam incluído, que o tamanho do efeito dos comprimidos para depressão era maior nos ensaios publicados em comparação com os ensaios não publicados (p<0,0001). Eles também demonstraram que o desenho para a retirada do medicamento é defeituoso (o tamanho do efeito era maior em ensaios com “placebo run-in” do que em ensaios sem (p=0,05). Finalmente, eles mostraram que os dados dos resultados relatados por Cipriani et al. diferiram dos relatórios de estudos clínicos em 12 (63%) dos 19 ensaios.
Quando meu grupo de pesquisa estudou a interrupção de todas as causas, não usamos um único relatório de estudo publicado, mas apenas relatórios de estudo clínico que tínhamos obtido das agências médicas europeias e britânicas. Foi um enorme trabalho estudar as interrupções de estudos nos ensaios controlados por placebo. Incluímos 71 relatórios de estudos clínicos, que tinham informações sobre 73 ensaios e 18.426 pacientes. Descobrimos que 12% mais pacientes desistiram durante o uso de drogas do que durante o uso de placebo (p<0,00001).
Este é um resultado extremamente importante. A visão dos psiquiatras é que os comprimidos para depressão fazem mais bem do que mal, mas a visão dos pacientes é o oposto. Os pacientes preferiram placebo, embora alguns deles tenham sido prejudicados por efeitos com a interrupção brusca. Isso significa que as drogas são ainda piores do que as encontradas nos ensaios.
Como tivemos acesso a dados detalhados, pudemos incluir pacientes em nossas análises que os investigadores haviam excluído, por exemplo, porque algumas medidas não haviam sido feitas. Nosso resultado é único e confiável, em contraste com as análises anteriores, utilizando principalmente dados publicados. Por exemplo, uma grande revisão anterior de 40 ensaios (6391 pacientes) informou que as desistências foram as mesmas (risco relativo de 0,99) quando a paroxetina foi comparada com placebo.
A seção Discussão também revela o viés dos autores em relação à terapia medicamentosa. Eles escrevem que, “Eventos raros, mas críticos, como o suicídio, e desvantagens mais comuns, porém sutis, como sintomas de abstinência de antidepressivos, deveriam ser medidos mais sistematicamente e relatados para informar apropriadamente nossas escolhas de tratamento”.
Não são necessários mais dados para “informar apropriadamente nossas escolhas de tratamento”. A verdade simples, mas para os psiquiatras, incômoda é que os comprimidos para depressão não devem ser usados para ninguém. Os comprimidos para depressão duplicam o risco de suicídio em crianças, adolescentes e adultos, enquanto a psicoterapia reduz pela metade futuras tentativas de suicídio em pessoas admitidas após uma tentativa de suicídio. Os autores deveriam ter concluído que pacientes com depressão deveriam ser tratados com psicoterapia e não com pílulas.
Sob Conclusões, os autores escrevem: “Iniciar o tratamento de um episódio depressivo importante com terapias combinadas ou psicoterapias apenas pode levar a incrementos de 12-16% nas taxas de resposta sustentada a um ano, em relação às farmacoterapias protocolizadas ou tratamento padrão em cuidados primários ou secundários”.
Esta afirmação também é enganosa. Os autores deveriam ter dito que isso não ajuda os pacientes a adicionar um comprimido de depressão à psicoterapia, mas os expõe a danos desnecessários, que podem ser fatais, e envolve muitos outros efeitos, por exemplo, distúrbios sexuais em metade dos tratados, que podem se tornar permanentes e persistir depois que a droga tiver sido interrompida.
Os autores também concluem que, “A combinação de psicoterapias com farmacoterapias tem uma vantagem em termos de resposta sustentada, mas tem riscos de efeitos colaterais e sintomas potenciais de abstinência”. Tais combinações podem ser reservadas para aqueles que valorizam um alívio mais rápido ou que podem ser considerados difíceis de tratar”.
Isto é um puro disparate e um desejo, que está em contradição direta com as evidências mais confiáveis que temos. Primeiro, a combinação não tem qualquer “vantagem em termos de resposta sustentada”. Segundo, os comprimidos que não têm efeito clínico relevante não podem proporcionar “alívio mais rápido” do que se os pacientes não os obtiverem. Terceiro, eles não podem ser úteis para aqueles que são “considerados difíceis de tratar”. E por que os pacientes que já estão sofrendo mais devem ser submetidos a ainda mais sofrimento? Os autores estão prestando uma homenagem oral a um paradigma psiquiátrico fracassado, enquanto sugerem aos seus colegas que prejudiquem seus pacientes.
Em uma das primeiras páginas de meu livro mais recente sobre psiquiatria, eu advirto os pacientes: “Se você tem um problema de saúde mental, não consulte um psiquiatra”. É muito perigoso e pode vir a ser o maior erro que você cometeu em toda a sua vida”. A meta-análise atual da rede fornece apoio ao meu aviso.
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Mad in Brasil recebe blogs de um grupo diversificado de escritores. Estes posts são projetados para servir como um fórum público para uma discussão a respeito da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são as próprias dos escritores.
Um novo artigo, publicado na revista Philosophical Psychology, explora a pressão exercida sobre os clínicos de saúde mental para diagnosticar crianças e os diagnósticos falso-positivos que podem surgir dessa pressão. Os benefícios e consequências negativas do diagnóstico da saúde mental são destacados, abordagens categóricas versus dimensionais de diagnóstico são exploradas, e uma abordagem de diagnóstico que permite um maior movimento entre as duas abordagens é oferecida como uma direção futura.
A autora, a filósofa Agnes Tellings, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Radboud, escreve:
“A maioria dos profissionais de saúde mental envolvidos no diagnóstico e tratamento de crianças às vezes sofrem pressão – exercida por pessoas no contexto da criança – para fazer um diagnóstico (particular) mesmo quando a profissional está relutante em fazer esse diagnóstico porque ela acha que pode ser injustificado: os professores pedem a medicação TDAH para os alunos para que eles mostrem um comportamento menos perturbador na sala de aula; os pais pedem um diagnóstico de dislexia para sua filha, para que ela tenha tempo extra ao fazer os exames. Os próprios profissionais às vezes também sentem a necessidade de fazer um diagnóstico para o qual nem todos os critérios são satisfeitos, pois o diagnóstico dará à criança acesso a ajuda”.
A pesquisa que investiga a pressão para que os clínicos façam o diagnóstico de seus clientes é limitada. Entretanto, as pesquisas disponíveis sugerem que, às vezes, os profissionais dão diagnósticos como uma forma de ajudar as crianças, ou os cuidadores da criança, a acessar os recursos necessários.
Os falsos positivos são um produto potencial da pressão diagnóstica e ocorrem quando um indivíduo recebe um diagnóstico de saúde mental que posteriormente é considerado impreciso.
Os relatos destacam as pesquisas atuais sobre falsos positivos:
“Alguns estudos têm sido conduzidos sobre falsos positivos. Bruchmuller, Margraf e Schneider (2012) descobriram que 20% dos 473 psicoterapeutas que trabalham principalmente com crianças e adolescentes deram um diagnóstico de TDAH em uma vinheta de criança quando dois critérios necessários para TDAH não foram cumpridos, e 15% deram tal diagnóstico em uma vinheta enquanto três critérios necessários não se cumpriram”.
A crescente popularização dos transtornos de saúde mental, impulsionada pela internet, mídias sociais e propagandas criadas pela indústria farmacêutica, é uma causa potencial de pressão diagnóstica e diagnósticos errôneos.
As etiquetas diagnósticas frequentemente reificam ou concretizam um comportamento problemático em um transtorno, com a etiqueta descrevendo tanto a condição quanto a causa – por exemplo, “Mohammed foi muito desatento quando o professor explicou a tarefa porque ele tem TDAH”.
Os relatos identificam as vantagens de se obter um diagnóstico, descrevendo como para os pais ou professores, um diagnóstico fornece uma linguagem clara e oferece uma explicação para um conjunto de comportamentos. Ele também pode oferecer acesso a tratamento e apoio educacional. Para a criança, o diagnóstico pode permitir uma sensação de alívio, pois a criança entende que não é culpada por suas dificuldades. No entanto, apesar destes benefícios, as crianças têm expressado ser motivo de gozo mesmo quando seus pares estão cientes de seu diagnóstico.
A exclusão dos colegas e as expectativas mais baixas dos professores têm se mostrado como preocupações relacionadas à obtenção de um diagnóstico. Além disso, mesmo quando recebem rótulos geralmente positivos, como ser talentosa, a maioria das crianças prefere ser “normal”. Assim, os rótulos criam uma divisão entre as crianças diagnosticadas e aquelas sem problemas, bem como aquelas com problemas “normais”. Os rótulos também tendem a aderir ao indivíduo enquanto ele permanece com a pessoa, e às vezes podem vir a definir a pessoa, tanto aos olhos dos outros como a si mesmos. Além disso, pesquisas têm mostrado que os diagnósticos podem se tornar profecias autorrealizáveis – o comportamento da criança se torna mais alinhado com o diagnóstico e é tratado por aqueles em suas vidas como “tendo” este diagnóstico, o que, por sua vez, aumenta o comportamento que corresponde ao diagnóstico, e assim por diante.
Além disso, quando os diagnósticos são dados, outras explicações – como o ambiente ou o contexto do indivíduo – caem no esquecimento. Ademais, diagnósticos incorretos não só levam a questões sociais e estigmatização, mas também são injustos, permitindo a perpetuação do status quo por falta de compreensão de como a sociedade pode estar contribuindo para os problemas da criança, resultando em um mau uso de recursos, afetando negativamente a credibilidade do diagnóstico de profissionais e rótulos de diagnóstico, e impedindo resultados de pesquisas científicas.
As abordagens atuais de diagnóstico são de natureza categórica ou dimensional. Por exemplo, a “bíblia” da psiquiatria, o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM), utiliza em grande parte uma abordagem categórica para o diagnóstico. A partir de uma lente categórica, as pessoas recebem um diagnóstico se tiverem mais do que um certo número de sintomas.
O não cumprimento desse número significa a ausência de diagnóstico, embora ainda possam estar enfrentando problemas. Modelos categóricos têm sido criticados como carentes de evidência de pesquisa, não confiáveis, inconsistentes e “cientificamente sem sentido“. Além disso, se os critérios para receber um diagnóstico forem especialmente frouxos, as pessoas podem ser diagnosticadas de forma imprecisa.
Em um modelo categórico, a mente é reduzida ao cérebro ou ao corpo. Desta perspectiva, as questões de saúde mental são percebidas como transtornos se puderem ser reduzidas a problemas no cérebro. No entanto, a pesquisa desmascarou a ideia de que existe um cérebro “normal”.
Por outro lado, os modelos dimensionais não distinguem uma linha entre as pessoas com e sem transtorno. Em vez disso, os transtornos são vistos ao longo de um espectro que varia de sem transtorno a transtorno. A visão das lutas pela saúde mental como existindo ao longo de um continuum tem mostrado reduzir a percepção da diferença e, como resultado, reduzir o estigma. Entretanto, os modelos dimensionais carecem de clareza, o que pode causar problemas para as decisões políticas relativas ao reembolso do tratamento e são mais obscuros para os profissionais de tratamento navegarem.
Tellings oferece um caminho intermediário, um modelo “categorias-em-dimensões”, que pode ajudar a aliviar a pressão do diagnóstico e, portanto, reduzir os falsos positivos.
Ela descreve o modelo: “Se considerarmos o que agora denominamos transtornos mentais como misturas complexas de fenômenos físicos, aspectos funcionais da biologia humana, aspectos intencionais do comportamento das pessoas, e às vezes aspectos morais do comportamento das pessoas, podemos desenvolver uma abordagem rica de problemas mentais e seu tratamento. O comportamento que agora chamamos de ‘TDAH’ pode ser tratado com medicamentos (postura física), e/ou analisamos como e em que circunstâncias este comportamento é funcional para a criança. Então, podemos ensinar-lhe outros comportamentos e criar circunstâncias nas quais ela possa mais facilmente mostrar tal comportamento”.
O modelo de categorias dentro das dimensões permite maior flexibilidade e dinamismo. Eles incluem tanto os fatores individuais quanto os sociais que contribuem para seus problemas e não são entendidos como fixos ou permanentes.
A abordagem em rede é um exemplo de um desses modelos. Ela usa categorias de diagnóstico no DSM como um ponto de salto e entende os sintomas como causadores e reforçadores um do outro em uma “rede de sintomas”.
Da perspectiva da Abordagem em Rede, “os transtornos mentais não se reduzem nem ao cérebro, nem ao corpo, nem à sociedade, embora sejam uma “coisa discernível”: são redes de sintomas estreitamente conectados e que se reforçam mutuamente”.
O trabalho de Telling enfatiza a importância de se adotar estratégias, como a abordagem em rede, para compreender as lutas com a saúde mental não como estática ou produto da biologia, mas como uma interação dinâmica entre o indivíduo e a sociedade, que opera juntamente com uma gama de severidade que valoriza e apoia aqueles localizados ao longo de todo o espectro que necessitam de ajuda.
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Tellings, A. (2020). Diagnosis pressure and false positives: Toward a nonreductionist, polytomic approach of child mental problems, Philosophical Psychology, 33(1), 86-101. https://doi.org/10.1080/09515089.2019.1698021 (Link)
O placebo run-in (PRI) é uma prática comum na pesquisa de antidepressivos. No início de um estudo, todos os participantes recebem o placebo por um período de tempo. Aqueles que se dão bem com o placebo são retirados do estudo. Em seguida, os demais participantes, que não responderam ao placebo, são designados aleatoriamente para receber o medicamento ou placebo para o resto do estudo. Esta prática é projetada para fazer com que a droga ativa pareça melhor, diminuindo o efeito placebo.
Mas em uma nova meta-análise na JAMA Psiquiatry, os pesquisadores criticam esta prática e pedem o fim deste método. Mais importante, eles descobriram que o PRI não realiza um trabalho realmente muito bom para fazer com que os antidepressivos pareçam melhores. Eles escrevem que isto se deve ao fato de grande parte do efeito “antidepressivo” do fármaco ativo ser atribuível ao efeito placebo – portanto, eliminar os que respondem bem aos placebos faz com que ambos os grupos pareçam piores.
A pesquisa foi liderada por Amelia J. Scott na Universidade Macquarie, Austrália. Elas escrevem:
“Esta revisão sistemática e meta-análise fornecem evidências que sugerem que o uso de períodos PRI não tem base científica em ensaios com antidepressivos”. Ao mesmo tempo, os períodos de PRI acarretam inúmeros custos e riscos. Estas descobertas sugerem que o uso de períodos de PRI não deve continuar nos ensaios RCT de antidepressivos”.
Scott e os outros pesquisadores realizaram uma meta-análise de 347 estudos sobre a eficácia dos antidepressivos. Eles descobriram que 174 (50%) utilizaram um período de PRI. Entretanto, apenas 25 desses estudos forneceram uma justificativa para o uso de um PRI. Desses, 22 admitiram que sua razão para um PRI era “identificar e excluir os respondedores placebo”.
Cada estudo excluiu, em média, 9,5% de seus participantes porque eles responderam ao placebo durante o período do PRI.
Como esperado, Scott e os outros pesquisadores descobriram que a resposta ao placebo foi maior nos estudos que não utilizaram um PRI. Entretanto, isto não afetou a diferença entre os grupos porque a resposta do grupo antidepressivo também foi maior nos estudos que não utilizaram um PRI.
Por que isso aconteceu? Os pesquisadores escrevem:
“O uso e o raciocínio por trás dos períodos de PRI destacam um equívoco contínuo de que as respostas placebo não contribuem aditivamente para a melhoria dos sintomas dentro dos grupos de tratamento ativo”.
Um período de PRI não ajuda os antidepressivos a parecerem melhores do que o placebo porque muito do efeito “antidepressivo” do medicamento também se deve ao efeito placebo.
Scott e os outros pesquisadores também sugerem que o uso de um período de PRI diminui ainda mais a generalização dos testes antidepressivos – que, argumentam eles, já fazem um trabalho pobre de representar os pacientes que são realmente vistos no mundo real. Além disso, eles escrevem que os critérios de exclusão excessivamente zelosos utilizados nestes estudos, por exemplo, significam que a população estudada não reflete a prática da vida real.
Assim, por razões éticas – e porque o PRI não melhora nem mesmo os resultados que a indústria farmacêutica esperava – eles exigem a sua eliminação.
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Scott, A. J., Sharpe, L., Quinn, V., & Colagiuri, B. (2021). Association of single-blind placebo run-in periods with the placebo response in randomized clinical trials of antidepressants: A systematic review and meta-analysis. JAMA Psychiatry. Published online November 10, 2021. doi:10.1001/jamapsychiatry.2021.3204 (Link)
Male hand with stethoscope over black keyboard of laptop
A Associação Psiquiátrica Dinamarquesa tem um folheto de 21 páginas de 2020 no seu website intitulado “Make Psychiatry Healthy” (Tornar a psiquiatria saudável). Uma vez que também considero que a psiquiatria esteja doente, estudei o folheto de perto. Descobri que as sugestões da Associação iriam tornar a psiquiatria mais doente do que já está.
“Durante os últimos 10 anos, uma atenção especial aos transtornos mentais não psicóticos, tais como stress, ansiedade e depressão, resultou num aumento acentuado do número de pacientes psiquiátricos. Podem representar doenças graves, mas infelizmente a economia não acompanhou os desenvolvimentos … De 2009 a 2017, o número de pacientes em tratamento psiquiátrico aumentou de 110.000 para 151.000”.
Não há informação sobre o sobrediagnóstico, embora desempenhe um papel importante para o número crescente de pessoas que recebem um diagnóstico psiquiátrico. Os critérios para fazer um diagnóstico são tão amplos que muitas pessoas saudáveis, provavelmente a grande maioria, poderiam obter um diagnóstico se fossem examinadas para alguns dos muitos diagnósticos com os quais a psiquiatria opera. Esta é também a minha experiência quando peço aos participantes de cursos para experimentarem apenas três testes de diagnóstico diferentes sobre si próprios.
“Literalmente falando, a esquizofrenia, a doença bipolar e as psicoses relacionadas com o abuso de substâncias destroem a mente e privam as pessoas da capacidade de estar com os outros e de se desenrascarem sozinhas. No entanto, demasiados doentes mentais graves são deixados para se defenderem num sistema psiquiátrico com poucos recursos para os doentes em excesso. Vivem vidas significativamente mais curtas do que a média … Alguns representam um perigo para outros. Vários estão em risco para si próprios. Isto reflete-se no elevado número de suicídios e no número de pacientes psiquiátricos forenses, ou seja, doentes mentais condenados a tratamento, que triplicou no período de 2001 a 2014”.
O folheto não diz que uma das principais razões pelas quais os pacientes gravemente doentes vivem vidas substancialmente mais curtas do que outras é o tratamento que os psiquiatras lhes proporcionam, muitas vezes contra a sua vontade. Além disso, os psiquiatras privam frequentemente os pacientes da sua esperança de melhorar, por exemplo, quando dizem que o tratamento médico deve ser vitalício. O elevado número de suicídios deve-se em parte ao fato de os comprimidos para a depressão aumentarem o risco de suicídio, tanto em crianças como em adultos.
Num estudo de registo de 2.429 suicídios, os psiquiatras dinamarqueses mostraram que a admissão numa ala psiquiátrica aumenta 44 vezes o risco de suicídio para pacientes psiquiátricos. Naturalmente, seria de esperar que os pacientes admitidos no hospital estivessem em maior risco de suicídio do que os outros, mas os resultados foram robustos, e a maioria dos potenciais enviesamentos no estudo apoiaram efetivamente a hipótese de que o contato hospitalar é prejudicial. Um editorial de acompanhamento observou que há poucas dúvidas de que o suicídio está relacionado tanto com o estigma como com o trauma, e que é inteiramente plausível que o estigma e o trauma inerentes ao tratamento psiquiátrico – especialmente se involuntário – possam causar suicídio. Os autores acreditam que algumas das pessoas que cometem suicídio durante ou após uma admissão no hospital o fazem devido às condições inerentes a essa hospitalização.
A triplicação de pacientes psiquiátricos forenses poderia dever-se ao fato de demasiados receberem uma sentença de tratamento. Isto tem sido fortemente criticado no debate público, mas os psiquiatras também não escrevem nada sobre isso.
Os psiquiatras afirmam que “74% dos pacientes psiquiátricos forenses receberam tratamento psiquiátrico inadequado no período antes de terem cometido o crime. Alguns dos crimes, que afetam pessoas completamente inocentes, poderiam assim ter sido evitados com um melhor tratamento”.
Estas conclusões baseiam-se em premissas falsas, e não são válidas. Na psiquiatria contemporânea, um tratamento inadequado significa um tratamento médico inadequado. Mas não existem drogas psicotrópicas que possam prevenir o crime, a menos que se torne os pacientes totalmente passivos com doses excessivas de comprimidos de psicose, que eles chamam de se tornar um zumbi. Está bem documentado que as drogas psicotrópicas aumentam o risco de violência. Aquilo que aos olhos dos psiquiatras é “melhor tratamento” irá, portanto, provavelmente aumentar a criminalidade.
“[Nós] médicos somos obrigados a dar alta a pacientes gravemente doentes que não tenham sido tratados adequadamente mais de 25.000 vezes por ano, porque novos pacientes chegam às clínicas. Entre outras coisas, isto é expresso nas elevadas taxas de readmissão quando os ‘pacientes de porta giratória’ voltam a chegar repetidamente, na esperança de um tratamento adequado.”
Há duas razões principais pelas quais os pacientes voltam, mas os psiquiatras não os mencionam. Uma é que os comprimidos para depressão e os comprimidos para psicose têm um efeito tão pequeno que é menos do que o efeito clinicamente relevante mínimo, que os próprios psiquiatras demonstraram. O outro é que os pacientes frequentemente não gostam das drogas devido aos seus danos, e se pararem abruptamente ou fazerem o afunilamento demasiado depressa, podem ter sintomas de abstinência, também chamados sintomas de retirada, o que os torna ainda piores. Estes sintomas assemelham-se frequentemente a transtornos psiquiátricos, e então não é de todo estranho que os pacientes voltem a aparecer. Conduziria a resultados muito melhores a longo prazo e menos pacientes de porta giratória se se optasse pela psicoterapia e outras intervenções psicossociais em vez de medicação.
“O diagnóstico é claro: a psiquiatria está doente. Muito doente. Infelizmente, um tratamento deficiente dos sintomas é o único tratamento que a psiquiatria tem recebido nos últimos anos. Isto não pode continuar. A psiquiatria precisa de um plano de tratamento político a longo prazo. Um plano de tratamento que reforce a psiquiatria e os esforços para as pessoas e famílias afetadas por doenças mentais. Um plano de tratamento que assegure um tratamento adequado e digno para todos os que dele necessitam. Um plano de tratamento que torne a psiquiatria saudável”.
Claro, a psiquiatria está muito doente, mas a culpa é dos próprios psiquiatras, e a solução não é mais do mesmo, o que só iria piorar a situação. Em todos os países onde esta relação foi estudada, existe uma correlação clara entre o quanto a população é tratada com medicamentos psicotrópicos e a atribuição de pensões por invalidez devido a transtornos psiquiátricos. A medicina torna difícil o funcionamento das pessoas. Quão difícil pode ser? O tratamento deficiente dos sintomas de que os psiquiatras falam não se aplica à psiquiatria, mas é precisamente o tipo de tratamento que os psiquiatras dão aos pacientes!
“O número de camas psiquiátricas deve ser acentuadamente aumentado. Os doentes mentais sérios devem poder ser admitidos e permanecer hospitalizados quando a sua doença o exigir, e a taxa de readmissão nas seções mais tensas deve ser reduzida. Como vários projetos-piloto demonstraram, mais camas e mais pessoal podem reduzir o uso de coerção e podem reduzir o uso de drogas psicotrópicas para o indivíduo. Isto causará menos efeitos secundários e, portanto, um tratamento mais eficaz a longo prazo”.
Mais camas podem bem reduzir o uso de coerção e medicação, mas é especialmente importante que haja camas suficientes que os pacientes possam administrar eles próprios. Podem necessitar de um pouco de descanso e alívio durante um período de stress agudo, o que pode impedir que a condição evolua para uma psicose. Um psiquiatra sueco escreveu a este respeito: “Ser tratado humanamente é difícil na psiquiatria de hoje. Se entrar em pânico e procurar uma sala de emergência psiquiátrica, ser-lhe-á provavelmente dito que precisa de medicação, e se a rejeitar e disser que apenas precisa de descanso para se recolher, poderá ser-lhe dito que o serviço não é um hotel”.
“A capacidade de tratamento ambulatorial deve ser significativamente aumentada”.
O resultado disto depende inteiramente do fato de se tornar mais do mesmo, ou uma psiquiatria completamente diferente, onde a ênfase é colocada na psicoterapia e outras intervenções psicossociais. Isso dificilmente será o caso porque as clínicas ambulatórias são geridas por psiquiatras.
“O tempo de espera para ofertas de alojamento deve ser significativamente reduzido, e a qualidade deve ser aumentada. O tempo de espera pode exceder 12 meses para uma oferta de alojamento onde os doentes mentais graves que necessitam de apoio e ajuda diária são deixados para se defenderem. Ninguém com uma doença mental grave deve ser despejado na rua”.
Só se pode concordar com isso. Mas os esforços nas instalações de alojamento devem mudar radicalmente. Muitos residentes são incapazes de funcionar porque estão a tomar demasiados medicamentos.
“Os cursos de tratamento para doentes mentais devem ser baseados nas dificuldades e recursos individuais do doente. Diferenças individuais significativas nos cursos e necessidades da doença tornam os pacotes de tratamento e as garantias de tratamento ineficazes. ”
Sim, em grande medida. As garantias de tratamento podem ser úteis se tiver partido uma perna ou tido um coágulo de sangue e precisar de ser tratado e reabilitado sem demora injustificada. Mas os transtornos mentais são tão individuais que não são de todo adequados para pacotes de tratamento.
Em 15 de Novembro de 2016, fui convidado para uma reunião no Parlamento, “Audição sobre crianças sem comprimidos”, que foi apresentada da seguinte forma: “Cada vez mais crianças acabam em psiquiatria”. Isto é correto para algumas crianças, mas muitas poderiam ter sido ajudadas muito melhor mais cedo e com outros esforços. Vamos desenvolver em conjunto recomendações nesse sentido”. Os psiquiatras de crianças e adolescentes concordaram que os pacotes de tratamento são completamente inapropriados. É incrivelmente importante evitar que uma doença mental incipiente se transforme em algo muito pior, e algumas crianças precisam de um esforço muito maior do que outras. Poderia poupar muito dinheiro, também para a aposentadoria antecipada mais tarde, se fossem disponibilizados recursos para dar a estas crianças o apoio de que necessitam, que não são drogas, mas intervenções psicossociais.
“As diretrizes nacionais para o tratamento de doenças psicóticas graves e depressão precisam de ser atualizadas … As diretrizes nacionais reforçarão tanto os direitos dos doentes, como a segurança dos doentes e a qualidade do tratamento em psiquiatria”.
As questões mais importantes em relação aos direitos dos doentes, à segurança dos doentes e à qualidade do tratamento não são mencionadas. A Dinamarca ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que estipula que os doentes mentais não devem ser discriminados: “Os Estados Partes devem abolir políticas e disposições legislativas que permitam ou perpetuem o tratamento forçado, uma vez que se trata de uma violação contínua encontrada nas leis de saúde mental em todo o mundo, apesar das provas empíricas que indicam a sua falta de eficácia e das opiniões das pessoas que utilizam sistemas de saúde mental que sofreram dores e traumas profundos em resultado do tratamento forçado”.
Também não é mencionado que os benzodiazepínicos (comprimidos para dormir ou sedativos) em ensaios aleatórios mostraram melhor efeito do que os comprimidos de psicose em psicose aguda. Em 14 ensaios que os compararam, a sedação desejada ocorreu significativamente mais frequentemente com benzodiazepinas, e quase todos os pacientes relatam que preferem obter uma benzodiazepina se se tornarem novamente psicóticos agudos. No entanto, os psiquiatras não respeitam os desejos dos pacientes. Através da Lei da Liberdade de Acesso, tivemos acesso a documentos em 30 casos consecutivos em que os pacientes se queixaram da medicação forçada à Câmara Nacional de Recurso. Nós mostramos que a lei tinha sido violada em cada um dos casos.
“Especificamente, a Associação Psiquiátrica Dinamarquesa recomenda que a psiquiatria deve ser avaliada com base em:
Expectativa de vida dos pacientes correspondente ao resto da população.
Permanência na educação ou no mercado de trabalho.
Diminuição do número de suicídios.
Diminuição do recurso à coerção.
Diminuição do número de pacientes psiquiátricos forenses.
Diminuição do número de sem-abrigo doentes mentais.
Diminuição do uso de recursos policiais para doentes psiquiátricos.
Reforço das bases de dados clínicos”.
Estas são medidas de efeito muito bom. Se utilizadas na psiquiatria contemporânea, terão de concluir que não funcionam mas que pioram a situação para os pacientes, devido ao uso excessivo de medicação e coerção.
“A psiquiatria deve tornar-se uma parte mais proeminente da educação médica básica. O número de semanas de ensino em psiquiatria deve ser substancialmente aumentado … Uma melhor compreensão entre os médicos em geral das doenças psiquiátricas também contribuirá para aumentar a esperança de vida dos pacientes psiquiátricos”.
Sob o atual paradigma psiquiátrico, isto não é correto. Conduzirá a ainda mais diagnósticos psiquiátricos para pessoas que têm dificuldade em dormir, problemas familiares, problemas amorosos, stress, crianças que são irritantes (também chamadas de TDAH), ou que apenas têm uma baixa temporária na vida; e levará a ainda mais uso de medicação que resultará em ainda mais anos de vida perdidos e anos de boa vida perdidos para pacientes psiquiátricos. Estimei, com base na investigação mais fiável que pude encontrar, que foram ensaios aleatórios e bons estudos de coorte com um grupo de controle que não recebeu medicamentos psiquiátricos, que os medicamentos psiquiátricos são a terceira causa de morte mais comum, depois das doenças cardíacas e do câncer. Pode não ser tão mau, mas não há dúvida de que os medicamentos psiquiátricos são uma causa de morte muito comum.
A educação médica básica deve, portanto, ser radicalmente alterada, com muito maior ênfase nas intervenções psicossociais em psiquiatria. Os medicamentos psiquiátricos só devem ser utilizados em situações agudas, apenas com a aceitação do paciente, e apenas com um plano para a sua posterior eliminação lenta.
“Mais investigação pública em psiquiatria”.
Esta é uma boa ideia. Está bem documentado que não podemos confiar em todos os ensaios patrocinados pela indústria de medicamentos psiquiátricos. São deliberadamente defeituosos por concepção, o que dá uma falsa ideia do que os medicamentos podem realizar e quais são os efeitos nocivos. Além disso, mais de metade das mortes e metade dos suicídios nos ensaios de medicamentos psiquiátricos foram omitidos dos artigos publicados. Os psiquiatras não sabem, portanto, o quão perigosos e ineficazes os medicamentos psiquiátricos são na realidade. Mas a população sabe disso. Um inquérito com 2.031 australianos mostrou que as pessoas pensavam que os comprimidos para a depressão, os comprimidos para a psicose, o eletrochoque e a admissão numa ala psiquiátrica eram mais frequentemente prejudiciais do que benéficos. Os psiquiatras sociais que tinham feito o inquérito ficaram insatisfeitos com as respostas e argumentaram que as pessoas deveriam ser treinadas para chegar à “opinião certa”.
Uma vez que as percepções da população concordam com o que a parte mais fiável da literatura da pesquisa mostra, é tempo de os psiquiatras serem educados por professores que sabem do que estão a falar para que possam ser curados pelos seus muitos conceitos errados, que são tão prejudiciais para os seus pacientes. O folheto da Associação Psiquiátrica Dinamarquesa pode ser resumido com estas palavras: ” Enviem mais dinheiro”. Mas não é uma boa ideia conseguir mais do mesmo.
A psiquiatria deve ser radicalmente alterada. E os psiquiatras precisam de ouvir os pacientes e o resto da população e levar a sério o que eles dizem. Isto não só beneficiaria os pacientes como também proporcionaria uma maior satisfação profissional aos psiquiatras.
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Mad in Brasil recebe blogs de um grupo diversificado de escritores. Estes posts são concebidos para servir de fórum público para uma discussão a respeito da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são as próprias dos escritores.
As organizações de saúde , associações médicas e periódicos científicos da saúde mais proeminentes do mundo são inequívocos: a crise climática representa graves ameaças à saúde pública, incluindo a saúde mental. Mas qual é exatamente a relação entre aquecimento planetário e saúde mental individual? E que papel os provedores de cuidados de saúde mental podem desempenhar no enfrentamento da emergência climática e suas crises humanas e ecológicas associadas?
Com a tarefa de cuidar do sofrimento humano, os médicos de saúde mental devem desenvolver uma compreensão diferenciada do sofrimento relacionado à crise climática, que reconheça o medo, a tristeza, a dor, a indignação ou o horror das pessoas como respostas humanas normais aos calamitosos e perturbadores eventos que acontecem ao nosso redor – eventos, deve-se notar, que não são fatos naturais ou leis, mas sim produtos das decisões de executivos desonestos e gananciosos de combustíveis fósseis e seus aliados políticos que se recusam a reinar na poluição prejudicial e no extrativismo .
A máxima de que “o capitalismo nos deixa doentes ” está sendo familiar para os nossos leitores do Mad, e não é diferente no contexto de sofrimento mental relacionado ao clima. Nossas respostas a este sistema doente devem, portanto, estender-se além do foco em indivíduos que sofrem e, em vez disso, ir aos domínios da comunidade, da política, dos sistemas e de “mudanças rápidas, de longo alcance e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade” – sobre as quais o Painel Intergovernamental A mudança climática disse que são necessários para limitar o aquecimento global a 1,5 ° C.
Mas como devemos entender “estresse climático” em primeiro lugar – ou como podemos chamar o que emerge de nossa consciência do aquecimento global cada vez maior , eventos de extinção em massa e outras ameaças existenciais ao mundo e à sua biodiversidade? Alguns modelos podem ser particularmente úteis para aprofundar nossa compreensão, incluindo o luto ecológico, descrito pela pesquisadora Ashlee Cunsolo; sofrimento existencial, articulado nos campos da oncologia psicossocial e dos cuidados paliativos; e dor para o mundo, a estrutura conceitual desenvolvida pela estudiosa budista e eco-filósofa Joanna Macy.
Para os terapeutas que podem encontrar problemas climáticos em nível individual, a familiaridade com esses modelos os ajudará a rejeitar o falso fardo suportado pelos indivíduos e, em vez disso, abraçar um espírito de vulnerabilidade compartilhada, solidariedade, ação coletiva e demandas por justiça.
Modelos de estresse climático
O luto é uma resposta humana normal e universal à perda – uma experiência interna fisiológica ligada a emoções profundamente dolorosas, incluindo tristeza, raiva e outros. O conceito de luto ecológico da pesquisadora canadense Ashlee Cunsolo é único em suas qualidades de privação de direitos (ou seja, luto que não é abertamente reconhecido) e ambiguidade (ou seja, luto que é difícil de identificar ou articular). O luto ecológico também é diferente das formas mais convencionais de luto, pois as perdas são vagas, frequentemente não humanas, e seus limites e trajetórias são mal definidos . Além de perdas objetivas, como espécies significativas , paisagens e ecossistemas inteiros, também estamos de luto por nossa percepção da perda de segurança e por nossa esperança de um futuro seguro e conhecido.
A utilidade desse modelo vem em nossa resposta ao luto. Para Cunsolo, o luto e seu processo de luto associado (ou seja, o período de transição pelo qual passamos após uma perda) têm “capacidades de criação de nós”. O reconhecimento desta forma de angústia, então, abre possibilidades de conexão com os outros, que serve aos benefícios duplos de universalidade e validação ampla e recíproca (“Eu vejo você, e estamos juntos nisso”), juntamente com oportunidades de ação coletiva em resposta ao desdobramento das ameaças.
Nomear o luto ecológico coletivo também permite o importante trabalho de luto pelas perdas passadas e inevitáveis, enquanto se olha para o futuro para prevenir ou mitigar perdas antecipadas que ainda não são certas. E, no nível individual, atender e aprofundar a experiência do luto ecológico também convida ao reconhecimento de que o luto é uma expressão de amor – aquele que é profundamente sentido por outros que já partiram ou estão sofrendo, ou pelo mundo de forma mais ampla. Visto dessa forma, nosso luto pode convidar a uma conexão renovada com o mundo natural, o que pode fortalecer o impulso de se envolver com outras pessoas no trabalho para a mudança necessária no nível dos sistemas.
Em seguida, nos campos da oncologia psicossocial e dos cuidados paliativos, o sofrimento existencial é considerado um estado psicológico distinto e doloroso, que, segundo os pesquisadores Sigrun Vehling e David Kissane , resulta de um estressor que “desafia expectativas fundamentais sobre segurança, inter-relação com os outros, justiça , controlabilidade, certeza e esperança de uma vida longa e frutífera. ” No contexto do tratamento do câncer, esse estressor pode ser o diagnóstico de uma doença com risco de vida ou o aprendizado da recorrência ou progressão da doença. O desdobramento da crise planetária que agora enfrentamos certamente satisfaz os critérios para tal estressor e a popularidade de escritores como David Wallace-Wells , Elizabeth Kolbert e Roy Scranton, cujo trabalho cobre essas preocupações de longo alcance, fala com a ressonância da angústia existencial para muitos, mesmo que não seja nomeado como tal.
A angústia existencial pode ser experimentada como uma inundação de emoções angustiantes, incluindo medo, indignação e horror com a possibilidade de morte; uma sensação de solidão, desesperança ou falta de sentido; tristeza e arrependimento; e outros. Essas emoções também se relacionam a um construto separado na oncologia psicossocial e nos cuidados paliativos: desmoralização , que é caracterizada por sentimentos de desamparo e inutilidade, a percepção de que o futuro não vale a pena e uma sensação de que as circunstâncias ou situações atuais estão fora de nosso controle, intratável – um conjunto de afirmações que eu aposto que são comuns, embora fugazes ou persistentes, para pessoas angustiadas com a perspectiva de um desastre climático.
O sofrimento existencial como um construto em oncologia psicossocial e cuidados paliativos está enraizado na psicoterapia existencial , que se preocupa com, como o psiquiatra Irvin Yalom coloca, as quatro “preocupações últimas da vida”: morte, liberdade, isolamento existencial e falta de sentido. Também está relacionado ao psiquiatra e filósofo Karl Jaspers, “ Limit Situations”, Definida como os momentos em que o proverbial tapete é puxado sob os nossos pés, e com ele a nossa sensação de segurança. Esses momentos podem ser acompanhados por experiências de medo, ansiedade ou culpa, e a venda existencial que eles removem cria uma situação que é “insuportável para a vida”, deixando a pessoa que os vivência com a escolha de enfrentá-los (proporcionando a oportunidade para um “Ascensão” – uma expansão de horizontes e possibilidades experienciais) ou negá-los ou evitá-los, levando à paralisia.
Para Joanna Macy, no entanto, as emoções ligadas à nossa consciência de que “perdemos a certeza de que haverá um futuro para os humanos” não podem ser equiparadas a preocupações existenciais comuns. Macy entende o sofrimento relacionado ao clima como uma dor para o mundo , que ela vê como uma resposta normal e saudável a um mundo em trauma – uma formulação que ela desenvolve lindamente em seu livro recentemente reeditado, World as Lover, World as Self .
Nossa resposta emocional ao desdobramento das ameaças deve ser entendida como adaptativa – a dor é, afinal, um sinal de alerta aprimorado evolutivamente “não deve ser banida por injeções de otimismo ou sermões sobre ‘pensamento positivo’, [mas sim] ser nomeada e validado como uma resposta humana normal e saudável.” Essa formulação concede ao sofredor a permissão para sentir – um ato ousado que é, em face do desespero opressor, da tristeza ou da angústia existencial, por si só terapêutico. Como Macy aponta, “a recusa em sentir cobra um preço alto [que] apenas empobrece nossa vida emocional e sensorial”.
É importante ressaltar que Macy vincula esse medo, recusa em sentir ou rejeição às inadequações impulsionadas pela austeridade na rede de segurança social que são impulsionadas pelas forças capitalistas. Quando nosso foco se restringe às necessidades imediatas de sobrevivência, não podemos manter a consciência do que está acontecendo ao nosso redor, muito menos nomear ou sentir as emoções associadas a preocupações coletivas mais amplas, como a crise climática.
Esse mesmo foco estreito nas necessidades de sobrevivência também é informado pela lógica neoliberal de que é o indivíduo que é o culpado por sua precariedade, não as estruturas políticas e econômicas que criaram as condições responsáveis por ela. Por sua vez, essa lógica informa o individualismo maligno endossado consciente ou implicitamente por alguns terapeutas que tentam localizar fontes de angústia dentro de um indivíduo “quebrado” ou perturbado – dispensando ou diminuindo as condições que moldam a vida dos clientes fora do escritório. O download de males da sociedade para o indivíduo claramente tem implicações no nível clínico.
Capitalismo e crise climática
Os profissionais de saúde mental infelizmente são bem versados na resposta às consequências em nível individual de políticas sociais malsucedidas ou inadequadas. As intervenções que melhor serviriam às pessoas e ao bem público, incluindo programas sociais como saúde universal, farmácia e ainda outras iniciativas a montante, como bem-estar social, são frequentemente frustradas por receitas públicas insuficientes e restrições de recursos. Esta é uma realidade fria, dizem, enquanto o setor privado, incluindo a indústria de combustíveis fósseis, colhe cada vez mais lucros.
Aqui no Canadá, a privatização de muitos recursos naturais, especialmente petróleo e gás , resultou em deferência política quase total aos interesses do setor. O governo federal do Canadá dedicou US $ 18 bilhões para ajudar o setor de petróleo e gás (ou 18% do total de seus gastos com estímulo COVID-19 até o momento). Este sistema de governança em que subsídios corporativos – uma forma de bem-estar privado – não são questionados enquanto os programas públicos lutam sob as crescentes pressões da austeridade fomentou uma cultura punitiva em que o fardo da responsabilidade de lidar com as fontes de angústia e disfunção a montante é transferido de políticos e empregadores para aqueles que sofrem as consequências a jusante.
As narrativas da responsabilidade individual pela crise climática não são apenas empiricamente equivocadas, mas também obscurecem a responsabilidade e o poder daqueles que podem efetuar mudanças significativas no nível dos sistemas. Devemos reconhecer que esta desconexão, e o desespero suportado pelas pessoas comuns em sua face, são o resultado da exploração e da injustiça forjada pelos sistemas sociais e econômicos capitalistas.
Abordagens Terapêuticas
Se aceitarmos a probabilidade de que algumas pessoas experimentarão um sofrimento emocional normal, embora ainda muito doloroso, relacionado ao clima, segue-se a possibilidade de que um conjunto dessas pessoas possa procurar um terapeuta para ajudá-las a lidar com sentimentos difíceis ou compreender melhor sua experiência. Aqueles que já estão engajados em relacionamentos de apoio com médicos profissionais de saúde mental também podem processar o sofrimento relacionado ao clima durante seu trabalho. Claro, alguns também podem compartilhar seus sentimentos e preocupações com outras pessoas que pensam como você em ambientes não clínicos, como ” Círculos de luto ecológico “, ou em espaços ativistas, como os oferecidos pela Extinction Rebellion. Mas quando tais preocupações surgem no trabalho clínico, como o terapeuta deve responder? E como eles devem navegar pelos riscos políticos e psicológicos relacionados à individualização do desespero climático e, ao mesmo tempo, honrar as lutas reais que os indivíduos enfrentam?
Depois de apresentar uma análise estrutural das dificuldades climáticas, é tentador sugerir que os médicos simplesmente se preocupam com política ou ativismo. Talvez um provedor de cuidados individual possa efetuar mais mudanças ou benefícios por meio do trabalho no nível dos sistemas do que no trabalho com clientes individuais. No mínimo, uma profunda familiaridade com o contexto social, econômico e cultural – os determinantes estruturais da saúde – é um ponto de partida necessário para o trabalho terapêutico. No entanto, isso não é suficiente.
Os clínicos de saúde mental servem a um “ Outro sofredor ” que dificilmente ficará satisfeito ou aliviado por apontarmos para um conjunto de fatores complexos a montante, ou mesmo por uma demonstração de nossos esforços para combater várias formas de injustiça que podem estar contribuindo para sua situação difícil. A ação em níveis sistêmicos por parte de um prestador de cuidados compassivo e informado pode oferecer, infelizmente, pouco ao seu paciente angustiado em qualquer encontro clínico. Da mesma forma, o desenvolvimento de uma abordagem clínica diferenciada para problemas com determinantes ‘upstream’ claros não precisa representar uma aceitação de um status quo sociopolítico tóxico.
Emoções dolorosas ou desafiadoras, como medo, ansiedade, tristeza, desespero, frustração, raiva, culpa e outras são universais, evolutivamente enraizadas e, quando toleráveis e acessíveis à pessoa que as experimenta, podem ser úteis a serviço do crescimento, cura e ação. Isso é verdade quer essas emoções ocorram no curso das relações do dia a dia, emergem de memórias dolorosas ou resultem de nossa consciência das ameaças existenciais das mudanças climáticas. Não desejo fetichista tais emoções ou as experiências potencialmente devastadoras ou traumáticas que podem dar origem a elas, mas vou sugerir que nossa sintonia com o sofrimento – tanto o nosso quanto o dos outros ao nosso redor, próximos e distantes – deve ser apreciada como um sinal de força.
Um ex-supervisor de oncologia psicossocial meu muitas vezes compartilha um refrão semelhante ao se encontrar com um novo paciente ou família devastada pela notícia de câncer avançado ou de não resposta ao tratamento: “você está experimentando um conjunto perfeitamente normal de sentimentos em resposta a uma situação altamente anormal.” Aqui vemos o tremendo poder de validação – o testemunho de outra pessoa de que não sou louco.
A mesma orientação para profissionais de saúde mental em face do sofrimento relacionado ao clima é, portanto, crítica: aquela que é normalizadora, validadora e que é seguida por um convite para se abrir, mergulhar totalmente e vivenciar o sofrimento. Este é um ato radical que provavelmente só será aceito por um paciente ou cliente que encontra um terapeuta preparado para renunciar aos rótulos diagnósticos e à redução de sintomas e, em vez disso, deseja testemunhar, reter, ou melhor ainda, acompanhar as pessoas em seu sofrimento. É aqui que as pessoas podem se envolver melhor em um processo de criação mútua de sentido ou onde, paradoxalmente, a paz no sofrimento pode ser encontrada.
Mas será que a equanimidade em face de um mundo em chamas é realmente o que buscamos? Na linguagem de Macy’s, por meio de um engajamento lúcido com o sofrimento, ou melhor, por meio de um enfrentamento intencional ao fluxo de sua experiência emocional, um levantamento de peso, uma “virada “Pode ocorrer, e com ele, um apetite renovado pela vida, e até mesmo, talvez, uma maior determinação para agir. Como ela diz, “[este trabalho] não envolve nada mais misterioso do que dizer a verdade sobre o que vemos, sabemos e sentimos que está acontecendo em nosso mundo”. A importância de enfrentar – ou mesmo trabalhar – desafiar emoções e experiências, ao invés de rejeitá-las ou suprimi-las, é central para o trabalho em terapia (ou o trabalho individual) que decorre de todos os três modelos de estresse climático apresentados acima (luto ecológico, sofrimento existencial e dor para o mundo).
Terapia individual para um problema social
Os provedores de saúde mental não têm o maior potencial, nem temos responsabilidade exclusiva, para mitigar o sofrimento de nossos pacientes ou da população em geral em relação à crise climática. A aprovação de políticas que sirvam para descarbonizar rapidamente, proteger comunidades vulneráveis e, de outra forma, agir de forma compatível com as ameaças urgentes e terríveis que enfrentamos é muito mais provável de atingir esse objetivo.
E embora as ameaças relacionadas ao clima sejam, em certo sentido, universais, é importante observar que seus impactos são distribuídos de forma desigual, com impactos totalmente desproporcionais sobre os estruturalmente vulneráveis. Ameaças de aniquilação pessoal ou mesmo genocídio também não são novas para muitos. Esse reconhecimento não serve para pesar a gravidade de tais ameaças umas contra as outras, nem para comparar as experiências daqueles que as viveram ou continuam a suportá-las. Em vez disso, se for verdade que “as pessoas que foram isoladas da opressão estão agora acordando para a perspectiva de seu próprio futuro insuportável”, Devemos trabalhar para que o reconhecimento da vulnerabilidade compartilhada leve à solidariedade; que tudo o que resulta de nossa consciência das crises que se cruzam em nosso tempo resiste a tudo se voltar para o isolacionismo, nacionalismo e ecofascismo; e que nossas respostas coletivas abrangem, em vez disso, um amplo entendimento e esforços a serviço da justiça .
Consequentemente, os profissionais de saúde e outros que atendem ao sofrimento psicológico devem se preocupar com os determinantes sociais, econômicos e sociais da saúde por meio de ‘advocacy’, engajamento ativo em campanhas políticas voltadas para a justiça e participação em organizações de base / movimentos, incluindo ações de massa de protesto social não violento .
O papel dos profissionais de saúde mental na resposta à crise climática pode, portanto, ser duplo: no nível clínico, adotar uma abordagem para o sofrimento individual que rejeita falsas noções de “quebrantamento” individual e, em vez disso, honra o luto das pessoas, angústia existencial ou dor por o mundo como respostas normais e saudáveis a uma situação profundamente anormal. E em segundo lugar – e mais importante – devemos trabalhar além do “consultório” para nos unirmos a outros na abordagem significativa dos fatores a montante / estruturais da angústia relacionada ao clima e na construção de comunidades mais justas, equitativas e sustentáveis para todos.
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No podcast Mad in America desta semana, ouvimos Renee Schuls-Jacobson. Renee foi professora por duas décadas e agora é autora, artista, ativista e coach. Nesta entrevista, discutimos o seu livro “Psiquiatrizada: Acordar depois de uma década de medicina ruim“, que foi lançado este ano.
O livro é um relato belamente escrito sobre as experiências de Renee ao ser prescrita a benzodiazepina clonazepam (Klonopin) por sete anos. Ela fala de suas experiências ao tomar o medicamento como o prescrito, mas talvez mais importante, também conta o que aconteceu com ela enquanto ela tentava deixar de fazer uso do medicamento.
A transcrição abaixo foi editada para maior extensão e clareza. Ouça aqui o áudio da entrevista.
James Moore: Renee, seja bem-vinda. Muito obrigado por se juntar a mim hoje para o Podcast Mad in America. Estamos aqui para falar sobre você e o seu livro, Psychiatrized: Waking Up After A Decade of Bad Medicine, publicado este ano. O livro descreve vividamente as suas experiências de drogadição e polifarmácia psiquiátrica imprudente, e muito mais coisas. Antes de ouvirmos de você, devo dizer que, ao ler o livro, fiquei particularmente impressionado com a beleza com que você escreve sobre experiências tão terríveis.
Portanto, para que possamos avançar, acho que foi em 2004 que lhe foi inicialmente prescrito uma sucessão de antidepressivos para o que era chamado de insônia relacionada à ansiedade e isto foi seguido por uma benzodiazepina. Você poderia nos falar um pouco sobre o que levou a essa prescrição inicial?
Renee Schuls-Jacobson: Sim. Primeiro, eu gostaria apenas de dizer obrigado por me receber. Eu realmente aprecio esta oportunidade de compartilhar a minha história.
Portanto, quando você me pergunta sobre o que levou à receita inicial, sinto que isso é sempre um pouco complicado. Se você quisesse que eu fosse reducionista, eu poderia dizer insônia, mas vou ser um pouco mais completa com a minha explicação.
Sinceramente, sinto que todos nós experimentamos traumas em nossas vidas. É um efeito acumulativo e você não sabe o quanto pode tolerar até que ele transborda. Portanto, eu diria apenas que em minha vida, em minha vida jovem, hoje eu entendo que realmente tive algumas experiências bastante incomuns. Vivi um roubo bastante sério quando era muito jovem, que me deixou muito assustada em permanecer sozinha em minha casa, nunca lidando bem com isso. Eu também tive alguma experiência de crescer em uma família onde a minha mãe era muito desregulada emocionalmente. Ela se enfurecia e me menosprezava e procurava fazer o melhor que podia, mas isso era não muito bom em diversos momentos. Ela me batia e me xingava com tudo quanto é nomes, e isso tem um custo. Não estamos falando que foi uma vez. Esse foi todo o meu zero a 18 anos.
Eu também acrescentaria que fui criada em uma comunidade religiosa onde fui educada como judia e mais inclinada para uma educação conservadora muito tradicional. As expectativas para as meninas eram muito claras e era muito explícito como eu deveria me comportar, mas não era realmente quem eu era no meu íntimo e isso causou alguns danos. Depois fui para a escola pública e quando pergunto às pessoas nas palestras, “levante a mão se você já teve que lidar com alguma má conduta sexual ou assédio”, e cada mão vai para cima.
Fui manipulada por professores, rapazes na escola e as pessoas faziam parecer que “você está sendo sensível demais, é assim que é ser uma menina nos Estados Unidos”. Portanto, havia muitas coisas que eu tentava questionar, e me ensinavam que havia algo de errado comigo. Eu era sensível demais, é assim que as coisas são, não questione muito. Então eu acrescentaria que quando eu tinha 17 anos, eu realmente fui estuprada por alguém que eu conhecia e confiava, e muito honestamente era alguém que eu amava muito. Não havia um termo para estupro na época. Foi-me ensinado que o estupro ocorria quando se está sozinha em uma floresta com um estranho, sob uma arma. Isso que era dito como estupro não foi como ocorreu comigo, mas não foi consensual. Foi a segunda vez que fui ter com meus pais e para lhes dizer o que havia ocorrido e me deparei com aquelas respostas muito estereotipadas de: “O que você estava vestindo? O que você estava fazendo? Por que você estava na rua? Você deve ter feito alguma coisa. Você sequer tentou fugir?” Todas essas coisas. Então, muito culpada.
Quando você pergunta o que me trouxe à medicação na primeira vez, essas são todas as coisas que estavam como plano de fundo. O evento precipitante, porém, foi em 1999, quando eu estava grávida de meu único filho, meu filho Cal. Foi uma gravidez muito difícil desde o início. E estive várias vezes na cama fazendo repouso devido a diferentes problemas durante a gravidez e eu apenas queria este bebê. É tão assustador, há essa pessoa dentro de você e você é o ecossistema para essa pessoa e eu só queria que ele chegasse aqui e é muito assustador ter inúmeras ocasiões em que você está sangrando ou com uma hemorragia parcial abrupta. Então, eu já estava bastante nervosa com tudo isso.
Quando ele nasceu em 1999, foi um parto muito ruim que resultou na perda de quase 75% do meu sangue. Eu fui levada para uma cirurgia de emergência, onde eles estavam realmente planejando fazer uma histerectomia. Fui a uma cirurgia de emergência e meu filho recém-nascido foi levado a uma UTI porque ele havia parado de respirar. Foi realmente assustador. Enquanto eu estava na cirurgia, que por sinal não acabou sendo uma histerectomia, tive uma experiência fora do corpo quase que de morte, e foi aterrorizante.
Disseram-me que esta experiência provavelmente foi por causa da anestesia, me deram todo tipo de razões científicas, mas não foi assim que eu vivi isto. Eu simplesmente tive a completa experiência de estar pairando sobre o meu corpo. Eu me observava lá embaixo. Vi uma bacia cor-de-rosa cheia de sangue. Vi o topo do gorro da minha médica, pude ver o topo da cabeça dela e comecei a flutuar pela sala, que parecia um túnel e pude ver a parte inferior do meu corpo desaparecendo por este túnel. Foi realmente assustador e me lembro de tentar me agarrar à borda deste túnel, não querendo entrar e apenas percebendo que é isto mesmo, isto sou eu, eu não vou ser mãe, está tudo acabado. Quando dei por mim, estava no meu corpo e só olhava para cima. Minhas primeiras palavras foram “Estou morta?”. Eu estava amarrada a uma cama e estava recebendo algum tipo de líquido e uma enfermeira apareceu e disse apenas: “Você não está morta de jeito nenhum”. Você está bem”. As primeiras palavras dela para mim foram: “Você está bem”, e eu não estava bem. Eu não estava bem de maneira alguma. Foi aí como começou o problema, as pessoas me dizendo que eu estava bem e que deveria estar bem, quando eu não estava bem.
Moore: Você relata intensamente no livro o trauma que viveu durante aquele parto difícil. Já ouvi as pessoas dizerem que mesmo um nascimento completamente normal pode ser bastante traumático, mas um trauma não reconhecido porque as pessoas que lidam com você já viram centenas de vezes aquilo, mas que você ainda não, por ser uma mãe ou um pai de primeira viagem. Não me surpreende que você tenha chegado a um ponto em sua vida, tendo experimentado tudo o que fez, onde absolutamente não conseguia dormir.
Schuls-Jacobson: Sim, foi realmente difícil dormir depois disso. Eu queria falar com meu marido sobre essas coisas. Sempre fui alguém, tenho certeza de que se possa dizer, que processa os meus pensamentos através da conversa com uma outra pessoa e é assim que sempre fui. Eu era professora. Adoro a troca de ideias e meu marido simplesmente não estava interessado neste diálogo. Ele é médico e pensava: “Por que você está se concentrando nisto? O bebê está bem, você está bem, você não pode simplesmente seguir em frente?”. Ouvi muito isso. Eu ouvia da sua família e de outras pessoas que tudo isso é normal, as novas mães não conseguem dormir, as novas mães se sentem cansadas. Isto seria o de se esperar, mas eu realmente comecei a ouvir vozes.
Eu estava tendo o que as pessoas chamam de alucinações auditivas. Honestamente, hoje eu sei que eu ouço coisas o tempo todo. Hoje em dia, eu apenas sei ouvi-las melhor, mas eu experimentava estas experiências em que eu dizia: “Você ouviu isto?” e era muito assustador. Isso acontecia à noite e eu era perseverante, eu fazia listas mentais à noite, não conseguia relaxar. Eu sabia que o bebê ia acordar e que precisava ser alimentado. Meu parceiro não queria falar comigo. Então, eu me sentia realmente sozinha com tudo isso.
Quando penso nisso agora, fico muito emocionada por ter ficado isolada por muitos meses, sozinha. Sem visitas, presa na cama. Eu tinha uma cuidadora, mas ela não interagia comigo e era como se estive em um confinamento solitário. Isso não é bom. As pessoas precisam estar com outras pessoas. Só agora que eu tenho essa perspectiva.
Então, eu acabei por ter uma terrível insônia e meu marido que é médico, uma noite, eu o acordei uma vez entre tantas outras e ele me disse: “Isto é uma loucura. Você precisa de ajuda. Algo está acontecendo aqui e você tem que conseguir ajuda porque não há vozes, não há sussurros, e isto não pode continuar”. Então, eu fui consultar meu médico da atenção primária.
Moore: Inicialmente, eram alguns antidepressivos diferentes em uma sucessão curta, não foi assim? Mas depois você veio a ser prescrita com o que foi chamado de “dose de bebê” de uma benzodiazepina. Qual foi a sensação? Porque eu acho que você descreveu que você não era alguém que realmente era dada a depender de remédios. Então, você ficou preocupada com isso?
Schuls-Jacobson: Creio que a primeira coisa que me deram foi Prozac e imediatamente comecei a me contorcer. Foi uma resposta muito maníaca, eu estava agitada e a primeira coisa que o médico disse foi que isso levava um pouco de tempo para que se acumulasse em nosso sistema. Eu me esforcei tanto, duas semanas de tremores e passei a dormir menos. Então, fui vê-lo e ele disse: “Então, trata-se realmente de encontrar a droga certa para você”. Então, vamos tirar você desse medicamento e eu vou tentar outro”. Houve uma série de três tentativas com antidepressivos e, naquele momento, eu estava em uma bagunça. Estamos falando provavelmente de três meses dentro e fora de diferentes drogas e havia passado a dormir ainda menos do que antes. Foi quando o médico disse: “Você falhou em três tentativas com ISRSs”. Eu fracassei. Então ele disse: “Isso significa que você vai ser um candidato, vou lhe dar este outro medicamento que irá quebrar o ciclo”.
Verdade seja dita, eu queria que esse ciclo fosse quebrado. A primeira prescrição foi cinco pílulas só para quebrar o ciclo e funcionou. Eu passei a dormir e não ficava agitada. Consegui o primeiro sono de qualidade em muito tempo, em anos, e pensei “o que quer que isso seja, é um milagre”. Eu chamei de milagre o que estava se passando. Liguei para ele e disse: “Você pode continuar a me inscrever esse medicamento? Ele disse: “Eu não posso, mas vou encaminhá-la a alguém que possa”. Foi assim que este ciclo começou porque eu confiei em meu médico de cuidados primários.
Se bem me lembro, ninguém me disse nada sobre isso causar dependência ou levar a sintomas de abstinência. Na verdade, o psiquiatra que acabou por me prescrever um prazo mais longo, na verdade me disse: “as benzodiazepinas são ótimas para a perda de peso”. Eu tinha tido um bebê e ele disse: “É ótimo, você pode até perder algum peso”. Quem não quer talvez perder um pouco de peso em nossa cultura? Então foi isso que me trouxe à clonazepam (Klonopin) no início, foi interromper o ciclo desses ISRSs.
Moore: É incrivelmente poderoso, não é? Dormir após o período que não tinha dormido e tomar um medicamento que, pela primeira vez, lhe permite dormir. Há dependência física dessas drogas, mas também há dependência psicológica. Quando você encontra algo que o ajuda temporariamente, você começa a se apegar a ele, não é mesmo?
Schuls-Jacobson: Sim. Acho que o que eu diria agora é, se alguém tivesse dito: “Aqui está uma garrafa de Jack Daniel’s, basta beber isso até você desmaiar”, eu teria olhado para ele e dito, do que você está falando? Eu nunca teria feito tal coisa, mas essa pequena ‘dose de bebê’ que estava tão baixa, o que você faria se tivesse no meu lugar? Eu tomava um comprimido para apagar. São os mesmos neurotransmissores, é o mesmo processo. É um pouco mais limpo e eu ia a um consultório médico muito legal e recebia uma bela ajuda. Portanto, isto foi para mim atordoante, muito atordoante.
Eu não reconhecia o que se passava como sendo uma dependência. Pensava que isto era o que que se deveria fazer, se vai ao médico. Eu era casada com um médico e confiava nos médicos. Não havia motivo para questionar que essa pessoa estava fazendo algo que não me ajudaria.
Moore: Você escreve no livro que queria parar o clonazepam depois de cerca de nove meses. Então, havia alguma coisa em particular que a fizesse querer parar e que tipo de apoio você recebeu, se é que recebeu algum, para sair?
Schuls-Jacobson: Eu queria sair do clonazepam no nono mês, porque comecei a ter uma tontura muito estranha que era tão ruim que às vezes eu tinha que me agarrar às coisas. Seria como um episódio. Eu comecei a ter muitas infeções. Tive infecções por fungos e infeções na bexiga e tive todo tipo de coisas estranhas que nunca tinha tido antes e atribuí ao medicamento. Eu não estava fazendo mais nada diferente. Eu me exercitava, eu comia bem. A única coisa que eu podia apontar era o medicamento que eu estava tomando e pensei: “Será que isto está associado ao medicamento?
Então, quando fui perguntar e indagar ao psiquiatra que agora era o prescritor, ele disse: “Absolutamente não. Você está tomando uma dose para bebês. Não há como ser a medicação, mas o que provavelmente significa, minha querida Renee, é que isto é um avanço do seu problema original. Isto é uma evidência de que você precisa desta medicação. Você está muito doente e a insônia está voltando“. Então, ele disse: “Isto só significa que precisamos aumentar sua dose“. Então, lentamente, com o tempo, esse 0,5mg foi para 0,75. De 0,75, subiu para 1, de 1 a 1,25 e por fim, passei a tomar cerca de 2,25 mg de Klonopin, sempre conforme o prescrito, nunca mais do que o médico prescrevia, mas isso foi um grande aumento. Acredito que houve um aumento de 400% em um período de sete anos e assim minha “dose de bebê” realmente aumentou, mas eu diria também que isso era normalizado por quase todos porque, novamente, o agora meu ex-marido é médico e ele me dizia que via pessoas tomando 10 mg de Klonopin. Portanto, isso não era nada se eu estivesse tomando 2 mg. Essa é a primeira parte.
Parte dois, eu fazia definitivamente parte de uma comunidade médica sendo esposa de um médico. A história é que todos estão tomando algo e isto era tão verdadeiro que muitas das esposas que eu conheço estavam tomando antidepressivos. Havia muita normalização em torno disso e acho que a outra coisa era que eu realmente confiava em meus médicos e toda vez que eu ia a qualquer médico para um check-up regular, ninguém, nenhum médico jamais me disse, quando eles perguntavam em cada consulta, que medicamentos eu estava tomando. Nunca ninguém me disse: “Espere um minuto. Você tem tomado esta medicação e isto não é uma boa ideia”. Ninguém nunca, nem uma campainha, nem um apito ou uma bandeira vermelha, nem uma vez em sete anos.
Moore: É tão difícil ser essa voz de dissidência, não é mesmo? É tão difícil quando a pressão dos colegas ao seu redor, sua própria família, seus médicos, amigos e conhecidos estão normalizando que não há problema em tomar as drogas a longo prazo, não há problema em tomar esta dose. Não há problema em tomar vários medicamentos de cada vez. É tão difícil, não é, discordar disso e dizer não, isto não é certo para mim, particularmente quando você está vulnerável por alguma maneira.
Schuls-Jacobson: Sim, e eu realmente tenho que dizer que enquanto eu tomava a medicação, eu acreditava que precisava dela. Eu já tinha ficado espantada ao acreditar que havia algo de errado comigo e que todos na unidade familiar inteira acreditavam que havia algo de errado comigo. Eu realmente era um bode expiatório nesta unidade familiar onde havia algo errado e eu estava ficando melhor. Enquanto eu estava tomando a medicação, todos se sentiam bem por eu estar melhorando. Então eu acreditava igualmente, e por isso eu não era a voz da dissidência, eu estava totalmente convencida daquela narrativa, totalmente entrincheirada.
Moore: Você explicou que estava tendo vertigens e infecções, e começou a se perguntar se era a benzodiazepina que poderia estar causando isto. Como você se aproximou de sair dela?
Schuls-Jacobson: Eu não me aproximei de sair de lá. Minha história deu uma pequena volta um dia em 2011. O médico que vinha me receitando estava me receitando três meses de cada vez, e ele basicamente só enviava estas receitas pelo correio.
Um dia, entrei para uma de minhas consultas e fui recebida por um bilhete colado à porta, e o bilhete dizia: “Olá pacientes do Doutor Assim e Assado, o seu médico não está mais clinicando. Por favor, entre em contato com seu médico de atendimento primário para encontrar um novo provedor”. A única coisa que eu realmente sabia sobre este medicamento era que realmente não se deveria perder uma dose. Então liguei para o meu médico da atenção primária, a primeira pessoa que receitou e ele disse: “É melhor você vir aqui agora mesmo, porque eu sei que não pode perder uma dose”. Então, ele me fez entrar e eu me sentei com ele. Fui muito casual. Eu disse: “Então, acho que o médico parou de prescrever”. Eu vou precisar de outra pessoa. Você pode simplesmente prescrever para mim”? Ele olhou para mim e disse: “Não. Não posso prescrever para você isso”, e eu disse, realmente, por quê? Ele disse: “Porque você está tomando isto há muito tempo e tem um problema de dependência”. Eu disse: “O quê?”. Ele disse: “Você vai precisar de um especialista em dependências químicas”. Eu disse: “O quê?” Ele disse: “Porque estes remédios não podem ser abruptamente interrompidos. Você vai precisar de alguém que a ajude a sair disso”.
Eu fiquei atordoada. Ninguém jamais havia dito nada, inclusive ele. Então, ele me indicou, e graças a Deus, ele me indicou o médico que me levou pelo resto do caminho, a Dra. Patricia Halligan”, que eu vou mencionar, ela é uma grande parte da Benzo Information Coalition. Então, eu a conheci e na primeira vez que a conheci, eu disse: “Eu tenho tomado este medicamento. Eu só quero continuar tomando. Se você puder continuar a prescrevê-lo da maneira que o cara fazia, seria muito legal”. Ela olhou para mim e disse: “Certo. Então, vamos explicar por que você está aqui”. Então, ela me explicou pela primeira vez que eu estava tomando um medicamento que está entre os mais viciantes e que meu corpo se tornou dependente dele e que se eu quisesse continuar a trabalhar com ela, precisaríamos trabalhar para afunilar esse medicamento.
Eu disse: “Ótimo, vamos fazer isso”. Eu não tinha mais um filho pequeno nesse momento. Eu não tinha esse estresse, ele dormia a noite toda e ela nunca me assustou para pensar que poderia haver algum problema. Eu realmente não entendia o que estava envolvido com o processo de afunilação, mas eu concordei. Eu não queria mais tomar a medicação.
Moore: Estou tão contente de saber que você encontrou alguém com conhecimento, porque há tantos profissionais sem conhecimento por aí que arrancariam alguém da benzodiazepina muito rapidamente e depois, é claro, você volta e diz, estou no inferno novamente, e eles dizem que é uma recaída. Eles não mencionam dependência porque só querem refletir sobre a pessoa que é doente.
Schuls-Jacobson: Sim e quando você fala sobre esse inferno, a sério, é insondável e ninguém consegue vê-lo. Então, você está tremendo e está chorando e ninguém pode realmente ver essas coisas, mas sim, ela realmente entendeu e eu tive muita sorte de tê-la encontrado. Estou tão feliz por ela estar ajudando tantas outras pessoas agora e ajudando os psiquiatras a desprescrever com segurança para seus pacientes.
Moore: Então, Renee, o que aconteceu quando você foi até o final da sua última dosagem de clonazepam?
Schuls-Jacobson: As pessoas me fazem esta pergunta muitas vezes; eu tive problemas durante a real redução? Muito honestamente, a Dra. Halligan foi tão fantástica que ela realmente me deixou liderar. A ideia era que eu estaria sempre descendo a dosagem e nunca mais voltaria para cima, mas se eu ficasse um pouco nervosa ou desconfortável, eu apenas a seguraria. Segurei-a um pouco mais. Por isso, eu fui muito paciente. Eu nem sabia o que era aquilo, mas foi o que ela me permitiu fazer, e estava tudo bem. Então, eu não tive uma tonelada de problemas durante o meu processo de redução.
Ao terminar o processo de afunilamento, houve um pouco de confusão. Eu não vou entrar aqui para falar de toda essa confusão, mas a doutora queria que eu continuasse a afunilar usando uma estratégia de diluir a pílula em água, mas isso não foi escrito. Ela tinha saído do país por um mês e eu pensei que tinha acabado. Eu havia passado do Klonopin para o Valium. Tinha descido o mais baixo que pude, e no fundo do pequeno bloco de papel amarelo indicando qual seria minha dose, eu fui e disse a mim mesma que era o fim! Então, eu parei.
Para aqueles de nós que têm tomado estes medicamentos, o que aprendemos é que eles têm uma meia-vida muito longa e permanecem em seu corpo por um longo tempo. Então, eu pensei que tinha acabado, mas era uma sensação absolutamente falsa de segurança. Lembro-me da noite em que terminei, comprei um vestido novo, saímos para jantar para comemorar que eu tinha terminado. Cerca de 10 dias depois, comecei a me sentir realmente estranha. Quase não há palavras, você sabe como é um caleidoscópio? Lembro-me de me sentir como se o mundo se inclinasse e tivesse estas arestas à sua volta.
O hoje meu ex-marido é oftalmologista e dizia: “Você está tendo uma enxaqueca ocular”. Isso é o que se passa”. Eu estava tendo um monte de coisas visuais. Então, eu realmente não fiz a conexão. É tão estranho, mas eu não liguei isto 10 dias depois da coisa. Pensei que estava ficando doente e novamente, tive aquela tontura, a insônia estava de volta. O zumbido nos meus ouvidos. Meus olhos estavam pingando e comecei a ter esse mal-estar interno, como se tivesse um motor ligado e era muito desconfortável. Isto é apenas nos 10 dias após interromper.
Pouco tempo depois, provavelmente no dia seguinte, eu não tinha dormido e podia ouvir meu marido fazendo barulho na cozinha. Desci as escadas e fiquei agarrada às paredes. Eu só disse: “algo não está certo”. Tudo é muito brilhante, tudo é muito barulhento. Estou tendo um problema”. No meu cérebro, ouvia o som que se ouvia quando o ar-condicionado clicava para ligar e desligar. Ele clicou três vezes e eu fui para o chão. Agora entendo que era uma convulsão que eu estava tendo. Eu caí no chão e o meu então marido, agora ex-marido, foi trabalhar e fiquei lá a maior parte do dia. Finalmente pude rastejar até o sofá, onde me enrosquei em um cobertor e aquele dia foi meu último dia normal, uma vez que durante anos depois fiquei acamada e gravemente incapacitada em consequência daquela brusca cessação do Klonopin.
Moore: Se você ler sobre isso, verá que as benzodiazepinas suprimem as convulsões. Essa é uma de suas indicações quando começaram a ser usadas, mas, é claro, seu médico não lhe diz quando você irá para parar essa droga, você pode estar mais em risco de convulsões porque a droga suprimiu a atividade das convulsões, mesmo que você não seja alguém propenso a elas. Quantos de nós realmente tomaríamos essas coisas se nos dissessem isso no início, mas isso nunca entra na conversa, não é mesmo?
Schuls-Jacobson: Lembro-me até de perguntar sobre os efeitos colaterais da primeira vez. Não com meu médico de cuidados primários, mas quando o psiquiatra receitou, lembro-me de dizer: “Há efeitos colaterais?”. Ele disse: “Não. É testado e verdadeiro. Este é um medicamento muito antigo, muito bom”, e ele disse que eu poderia até perder um pouco de peso. Então, ele realmente deu uma volta positiva. Não houve uma única menção a um efeito colateral negativo, o que agora só me faz pensar. Quando você lê as centenas e centenas de sintomas que uma pessoa pode ter, o que se lê é um terrível lista de roupa suja, eu brinco que eu tinha todos, exceto a disfunção erétil. Cada um deles, e não é como se você tivesse um e depois as outros fossem embora. Eles são simultâneos e sem parar, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Você está segurando um fio elétrico, sendo eletrocutado enquanto alguém está queimando sua mão no fogão, enquanto você enfia seu dedo do pé, enquanto alguém está batendo em você com um martelo sobre sua cabeça e alguém está lhe espetando com um bastão para o gado. É inacreditável. Não acredito que sobrevivi, mas eu sobrevivi.
Moore: Eu acho que talvez a coisa mais cruel seja esperar que as pessoas lidem com este turbilhão de problemas físicos quando a primeira coisa que acontece quando você reduz muitos desses tipos de drogas é sua ansiedade voltar cem vezes pior do que nunca porque você se reconecta com suas emoções e não está acostumado a experimentá-las. Portanto, esta pobre pessoa não está apenas passando fisicamente pelo inferno, sua ansiedade sobre o que ela está passando é muito maior do que talvez já tenha experimentado.
Schuls-Jacobson: Sim, e é meu entendimento que na verdade é como uma lesão cerebral causada quimicamente. Quando você lê a literatura sobre o que as pessoas com lesões cerebrais têm, elas têm aquela sensibilidade à luz, sensibilidade ao som, o balançar, a insônia. Portanto, mesmo que não pareça ser capaz de ser detectado necessariamente, não é possível detectá-lo de alguma forma, existe uma lesão real. Então estamos tão desconectados de nossos corpos, há este balanço de pêndulo durante anos sem senti-lo, e então ele se move para o outro lado e faz quase uma sobrecorreção. Então, leva um pouco de tempo para voltar a algum tipo de homeostase, onde se pode dizer, eu sinto meu corpo, sentimentos normais novamente, não estes sentimentos malucos.
Eu também tive muito mais do que apenas as sensações físicas. Havia problemas psicológicos, era aterrorizante. Eu tinha paranoia, eu era agorafóbica, pensava que as pessoas estavam tentando me matar. Tive estas alucinações auditivas e visuais que voltaram. Ouvi trens chegando e indo, portas batendo quando não estavam batendo. Lembro-me de tentar adormecer durante aquele momento realmente difícil, quando não se consegue descansar, e era apenas uma porta batendo atrás da outra. Não havia portas batendo. Algo está realmente ferido quando você está se curando disso.
Moore: Você descreve novamente muito bem no livro que o tipo de inferno pelo qual você passou durante muitos anos e que realmente teve um impacto muito sério em sua vida familiar, não foi? Você poderia nos falar sobre isso?
Schuls-Jacobson: Sim. Eu simplesmente não podia mais viver em minha casa. Meu ex-marido agora, então marido, realmente não mudou nada em sua vida para tentar me ajudar com isto. Ele realmente não estava nem mesmo curioso sobre isso. Então, ele simplesmente voltava ao trabalho e me deixava sozinho por longos períodos e eu não conseguia cuidar de mim mesma. Portanto, eu não era realmente capaz de cuidar de nossa casa ou de nosso filho. Então, o que acabou acontecendo foi que eu acabei por chegar até os meus pais, eles vivem a uma hora e meia de distância, e meu pai veio me buscar. Ele realmente entrou na casa e veio e me pegou, eu estava lá em cima no quarto e ele me carregou lá embaixo e me levou até a casa deles. Assim, perdi o contato com meu filho por um longo período. Ele estava indo para a nona série na época, mas eu só precisava de mais ajuda e não estava conseguindo onde eu estava.
Moore: Deve ter sido tão difícil estar no meio de tudo isso e estar tendo fendas familiares e se separando de seus entes queridos quando você precisava do maior apoio possível, mas ouço tantas pessoas dizendo que as famílias não podem dar conta do que está acontecendo com o seu ente querido. Há de tudo, há culpa e negação, em alguns casos, pode haver até mesmo manipulação psicológica ou descrença, ou “recomponha-se”. Parece se estar no pior momento possível.
Schuls-Jacobson: Eu acho que às vezes há grandes pontos cegos. Sei que eu sempre fui a pessoa a quem as pessoas chegavam com um problema. Eu sempre fui o forte, fui professora, fui mãe e sempre fui capaz de lidar com muitas bolas no ar simultaneamente. Agora que estou de volta, sou capaz de fazer isso e desempenhar um pouco multitarefas. Acho que foi um pouco de mudança porque as pessoas sempre me viam como a forte, capaz. Portanto, vai ficar tudo bem. Talvez eu estivesse sendo dramática ou algo assim, mas havia uma incapacidade de as pessoas reconhecerem o quão mal eu estava.
Moore: No livro, eu senti que há um pouco do tema. Obviamente, o livro significará coisas diferentes para pessoas diferentes, de acordo com os bits com que se relacionam, mas para mim, quanto mais você se envolvia com o sistema médico e entrava na esteira transportadora médica, mais intensas se tornavam suas dificuldades. Mas então chegou um ponto em que você começou a confiar na bondade de estranhos que não eram pessoas médicas. Isso parecia ser uma mudança de paradigma em sua capacidade de confiar em si mesmo para lidar com essas coisas e para curar.
Então, me corrija se eu estiver errado, Renee, acho que foi uma amiga sua que recomendou um centro de bem-estar local. Você poderia nos falar sobre isso? Isso é incrível.
Schuls-Jacobson: Grite a Regina Wright. Do outro lado da rua de meus pais vivia minha amiga de infância. É muito difícil explicar isto, mas foi preciso toda a minha coragem para atravessar a rua porque tudo era tão luminoso e eu estava em tal desordem. Eu bati na porta dela e disse: “Minha cara, estou uma bagunça, posso entrar?”. Eu disse a ela o que estava acontecendo, que eu tinha saído deste medicamento e ela não vacilou. Ela sentou-se comigo e disse: “Há um centro de bem-estar muito bom por perto e talvez você pudesse ir lá e fazer uma massagem ou eles fazerem acupuntura”. Acho que ela até conhecia algumas pessoas que tinham ido lá e que realmente se beneficiaram com isso, e foi realmente a mudança porque todos me diziam: “Por favor, volte a tomar este medicamento. Por favor, volte a tomar a medicação”.
Eu tinha acabado de sair dele depois deste longo e prolongado desmame de 10 meses e eu tinha apenas algum tipo de guia ou entendimento interno de que se eu fosse a uma sala de emergência, eles iriam me reintegrar ou, possivelmente, eu teria sido colocado em uma ala psiquiátrica, onde eu poderia ter sido polidrogada novamente e eu simplesmente não poderia deixar isso acontecer. Então, havia algo me guiando que me levou ao outro lado da rua, que me levou a Gina e que me levou a este centro de bem-estar, onde tudo mudou milagrosamente.
Moore: Parecia ser o ponto que você começou a confiar em sua própria verdade e a confiar em sua intuição, e a encontrar recursos dentro de si mesma, que talvez você não pudesse acessar quando estava sendo medicada ou medicalizada, se quisesse.
Schuls-Jacobson: Sim. Definitivamente, isso envolveu pedir ajuda. Senti que sempre tinha pedido ajuda, mas obviamente, às pessoas erradas. Então fui a este lugar, mas a massagem foi horrível, não porque a massagista fosse horrível, mas porque eu era muito sensível e não podia tirar a sensação das mãos dela em minha pele. A lavanda que ela usava parecia que estava me queimando. Então, saí mais cedo, porque não aguentava e fui me encostar na parede, esperando que o meu pai me pegasse porque eu não conseguia dirigir naquele momento e estava apenas soluçando e soluçando contra essa parede de tijolos. Basicamente eu pensava para mim mesma: “É isso, não posso mais fazer isso”. Já há muito tempo que faço isto”. Tinha passado mais de um ou dois meses, acho eu, que eu tinha estado na fase aguda e acabei de dizer que não posso mais continuar, é isto. Eu não tenho nenhuma função neste mundo. Não posso ser mãe, não posso cuidar de um lar, não posso ler, não posso escrever, não posso dirigir. Não posso receber uma massagem. O que eu estou fazendo aqui?
Olhei para o topo do prédio e pensei: “Vou pular”. Vou pular do prédio, e estava soluçando e soluçando porque não queria morrer de verdade. Eu só queria que a dor parasse e esta mulher aproximou-se de mim e estava em silhueta porque o sol estava atrás dela. Em minha memória, ela parecia uma princesa e parecia que havia penas saindo de seu cabelo e ela estava usando este vestido branco ao ponto de as pessoas terem realmente dito “será que ela era real, ou isso era como o sexto sentido, será que isso foi um produto da sua imaginação?” Não, ela era real. Esta é uma pessoa real que se aproximou de mim, ela se abaixou e disse: “Você está bem?” e eu disse: “não, eu não estou bem”.
Eu disse a ela o que estava acontecendo brevemente e ela olhou para mim e disse: “Você gostaria de voltar para casa comigo?”. Eu não perguntei o nome dela e não perguntei onde ela morava. Eu ia pular de um prédio. É como se, se você estivesse prestes a acabar com isso, e tudo bem se essa pessoa me levar para casa e cortar-me em pedaços, que isso fosse rápido. Então, ela me colocou em seu carro e eu fui para casa com ela. Enquanto estávamos no carro, ela me falava sobre o que faz e onde mora, e sobre sua família. Ela disse: “Se você vai para casa comigo, provavelmente eu deveria saber seu nome”. Eu disse, meu nome é Renee e ela disse: “Isso é perfeito”. Meu nome também é Renee”. Foi realmente um momento muito poderoso porque em toda minha vida, eu provavelmente só conhecia uma outra Renee, talvez, e então isto foi realmente estranho.
Renee significa ‘renascido’ em francês e foi uma coisa muito estranha para nós dois, e eu fui para casa com ela. Foi o início de uma mudança total de paradigma, porque ela sabia das coisas. No final, ela havia passado por algo semelhante e havia se curado de três doenças e havia passado por algo semelhante. Ela me ensinou muita coisa.
Moore: Foi bastante incrível ler no livro que você claramente chegou a um ponto em que pensou “não há mais opções de ajuda, eu estou completamente fora disso” e talvez a última coisa que você esperava era encontrá-la a partir da bondade de estranhos. Em última análise, você passou bastante tempo com esta família, não foi?
Schuls-Jacobson: Sim, e eu diria apenas, vindo de uma casa onde todos os livros em nossas prateleiras eram médicos, o DSM e todas essas coisas, entrei em sua casa e ela tinha Robert Whitaker, Anatomia de uma Epidemia e o The body Keeps the Score, todos esses livros que eu nunca tinha visto ou ouvido falar. Era todo um paradigma alternativo ou universo paralelo. A matriz é real. Eu vim para um mundo diferente e aprendi sobre sucos e sobre comer de forma diferente e ela me ajudou a tirar um outro medicamento. Eu estava tomando Topamax porque eles tinham decidido que eu tinha enxaquecas. Então ela me ajudou a tirar o Topamax enquanto eu vivia com ela e ela nunca pediu um centavo. Era realmente a bondade de estranhos, mas muito além da bondade de estranhos.
Moore: Você fala sobre, ao emergir de suas experiências psiquiátricas e medicalizadas, você começou a descobrir novamente a sua centelha criativa. Você começou a pensar em fazer coisas que não pensava em fazer há muito tempo. Você descreveu uma mudança no relacionamento tanto com seu filho quanto com seu marido, com quem, é claro, você ainda está em contato, mas, obviamente, você está se mudando para um lugar diferente. O que estava em sua mente naqueles tempos? Porque eu imagino que o futuro, depois de passar algum tempo com Renee, parecia bem diferente do dia em que você a conheceu quando estava chorando contra a parede, pensando que este era provavelmente o fim da história.
Schuls-Jacobson: Então, rapidamente, depois de ter passado um bom tempo com Renee, eu realmente voltei para casa para o meu marido e o meu filho. Foi realmente estranho. Ainda é estranho quando penso sobre isso. O amor simplesmente não estava presente e eu não sabia o que fazer com isso. Acabamos indo para o aconselhamento matrimonial por um tempo e depois acabei indo para a reabilitação. Acabei indo realmente para uma reabilitação no Arizona, onde aprendi muito sobre a terapia informada sobre trauma, que nunca tinha tido antes, e foi apenas a estrutura para a qual tudo se encaixou. Meu marido de então veio ao Arizona e participou da experiência da semana familiar com muita relutância. Aprendemos muito um sobre o outro, mas principalmente, saímos do casamento percebendo que queríamos coisas muito diferentes para nossas vidas, que éramos muito diferentes e que tínhamos necessidades muito diferentes.
Assim, quando voltei, pouco tempo depois, eu tinha melhorado o suficiente, então pude dirigir com confiança e estava dirigindo um dia e vi este prédio de baixo declive. Eu tinha dirigido por esta estrada um milhão de vezes, e havia este edifício de baixo nível que tinha um sinal de vaga. Olhei para ele e simplesmente parei. Havia uma voz que me dizia: “Vá dar uma olhada”. Então eu parei o carro, olhei e pensei: “Preciso fazer isto”.
Foi tão estranho porque eu e meu ex já conversamos sobre isso muitas vezes. Nós dois somos judeus, acreditamos que o casamento é para sempre e nunca nos ocorreu que nosso casamento estava terminando. Eu só pensava que ia viver lá por um tempo que eu iria para lá para curar. Sempre pensei que voltaríamos a trabalhar juntos e foi uma compreensão lenta de que não era isso que o universo tinha reservado para nós. Como você disse, ainda somos amigáveis, mas somos pessoas muito diferentes.
Portanto, sim, acabei alugando este apartamento. Era para idosos, eu era o mais jovem por cerca de 35 anos e vivi lá por dois anos e meio. Eu era muito mais jovem do que a maioria das pessoas lá, mas era um lugar tão bom para curar. Era tranquilo, as pessoas eram adoráveis. Elas me tomaram debaixo da asa e eu senti muito amor da comunidade. Foi muito estranho, mas foi lá que eu me recuperei muito.
Em 2016, eu estava bem o suficiente para aceitar um trabalho em meio período em uma faculdade comunitária, trabalhando como tutor em um laboratório para estudantes com dificuldades de aprendizagem. Estava muito nervosa porque eu mesmo me sentia muito deficiente, mas foi muito útil para me colocar lá fora, apesar de ter sido muito difícil. Eu definitivamente senti um senso de competência. Era confuso, como eu podia ser tão deficiente, mas tão capaz de ajudar outras pessoas? Foi quando eu realmente percebi, isto é invisível e outras pessoas não estão me experimentando como eu estou me sentindo.
Moore: Pouco depois disso, você descreve deixar seu lado artístico sair e se interessar o suficiente por isso para pensar em dirigir um negócio.
Schuls-Jacobson: Enquanto eu estava em reabilitação, houve um exercício que fizemos. Tivemos que pintar algo e eu entrei na sala de arte e fiz esta coisa e era para apresentá-los em grupo. Eu peguei esta coisa e foi muito elaborado. Todos no meu grupo foram tipo: “Uau, isso é realmente bonito” e depois, uma das pessoas do meu grupo me pediu para vendê-la a ele. Eu disse: “Cara, você não pode comprar meu círculo de recuperação, essa é a minha recuperação”. Então, ele disse: “Eu o compraria, é realmente bonito”.
Então, resumindo, foi a primeira vez que me vi como tendo esta outra coisa que alguém refletiu para mim, e sim, quando saí da reabilitação, voltei para casa e comecei a pintar. Fiz algo para essa pessoa e comecei a fazer outras coisas para outras pessoas, publicando-as no Facebook, sempre deixando as pessoas saberem o que eu estava passando. Essa foi sempre a minha maneira de fazer com que as pessoas soubessem. Nunca me envolvi nessa coisa do estigma, não tinha vergonha, não sentia que tinha feito algo de errado. Então, eu estava tipo, você sabe que estou curando desta lesão cerebral, aqui está o que pintei hoje.
Então, lentamente, organicamente, ao longo do tempo, desenvolvi de alguma forma este negócio e não era para ser um negócio, era um mecanismo de enfrentamento. Comecei a pintar e as pessoas gostaram e as pessoas compraram, e é onde estou hoje. Agora eu sou artista e faço exposições, sou uma daquelas garotas que se sentam em barracas brancas. Tenho um site e dou aulas de arte, mas também voltei a dar aulas de redação de memórias. Portanto, estou ensinando novamente. Só estou fazendo de uma maneira diferente que se adapta às duas metades de mim.
Moore: No livro, você diz: “Aos 42 meses fora do clonazepam, posso dizer que estou finalmente curada”. Sei por outras entrevistas que é bastante difícil para as pessoas que nunca passaram por isso aceitarem que estas experiências podem durar tanto tempo. Elas tendem a ter esta visão de que você sai das drogas, tem seis meses de turbulência e talvez tudo esteja bem, mas estas viagens realmente longas fora das drogas são muito mais comuns do que as pessoas percebem, não são?
Schuls-Jacobson: Sim, e é por isso que eu a enquadro como uma lesão cerebral, porque se alguém teve um derrame, você não espera que ele fique bem um dia depois ou mesmo uma semana depois. Eu tento enquadrar isso dessa forma, é uma lesão muito estranha, pois afeta alguma parte do cérebro onde você ainda é capaz de falar e é simplesmente estranho, mas há este entendimento de que você não está bem. É como uma rachadura, é muito estranho. O que quer que seja, sim, dura muito tempo, mas eu sou realmente uma crente firme, e é por isso que eu realmente escrevi o livro, James, é que eu realmente queria que as pessoas entendessem, não quero ser a criança propaganda da cura por benzodiazepinas, mas eu me curei principalmente disso. Curei o suficiente através disto que do exterior, ninguém pode dizer, por dentro eu ainda tenho um pouco de coisas, mas posso coexistir com ele. A neuroplasticidade é incrível, seu cérebro pode curar. Você não estará onde está daqui a três anos onde estava com três semanas. Aos nove anos, você não estará onde estava aos seis anos. Isto continua a mudar e, pela minha experiência, melhora.
Falei com muitas pessoas neste momento, que também já experimentaram que se pode curar. A história de cada um é diferente. Não posso lhe contar a linha do tempo. Não posso dizer que seria a mesma linha do tempo que a minha, provavelmente não será, mas você não será do jeito que é no início, mudará. Você só tem que aguentar e esperar pelo milagre e tentar encontrar algo para fazer que o faça sentir-se produtivo, construtivo, útil enquanto estiver dentro. Isso é realmente o que a arte foi para mim, foi apenas algo para mudar o tempo. Algumas pessoas fazem biscoitos e outras fazem tapetes, outras jardinam e outras apanham lixo.
Moore: Algumas pessoas fazem podcasts.
Schuls-Jacobson: Algumas pessoas fazem podcasts. O que todos achamos é diferente, mas é o que quer que seja para trazer propósito e consciência, esperemos, a esta questão é o que eu penso.
Moore: Renee, isso nos traz muito bem para olharmos para trás em suas experiências. Há algum conselho que você daria a outros que poderiam ter tido experiências traumáticas em suas vidas e acabar na frente de um médico? Como eles poderiam evitar a cascata de prescrições e o mau tratamento a que você foi submetido?
Schuls-Jacobson: Sim, obrigado por esta pergunta. Eu poderia ter preenchido uma hora falando disso, mas acho que eu diria isto, eu realmente entendo o desejo de descer aquele paraquedas, o paraquedas psiquiátrico porque isso é muito tradicional nesta cultura, mas existem realmente outras modalidades de cura que existem. O mais importante, eu acho, é realmente olhar o que está acontecendo em sua vida que está fazendo você querer ir em direção à psiquiatria ou a estas pílulas em primeiro lugar. É um trabalho que você não gosta? Existe algum relacionamento que está lhe causando estresse? O que está realmente acontecendo aqui, porque isso precisa ser examinado. Essa é a primeira coisa, a mais importante, é o que o está levando à insônia, ou seja, lá o que for.
A propósito, parece haver dois caminhos. Já vi pessoas chegarem aos benzos devido a lesões físicas, onde machucaram suas costas ou algo assim e depois alguém prescreve um benzo para dormir porque a dor os mantém acordados. Então, isso é através de um ferimento físico. Eu encorajaria as pessoas de lá a procurarem algum outro tipo de solução de relaxamento. Depois, há as pessoas que vêm para isso de outra forma, que é a angústia emocional, mas de qualquer forma, é a angústia. Portanto, o que eu descobri são coisas como receber uma massagem terapêutica realmente boa. Descobri que a massagem sacral craniana é uma coisa realmente ótima.
Há algo para o trauma emocional chamado ISR, e isto é o que Renee realmente me ensinou. É a Integração Somato-Respiratória. Não vou fingir saber tudo sobre isso, mas o que posso dizer é que tem a ver com o trabalho de respiração. É uma série muito específica de exercícios de respiração que funcionam para trazê-lo de volta ao seu trauma para que você fique agitado na forma como estava lá. O que acontece no trauma, como eu o entendo, é que temos aquela luta, voo, congelamento ou resposta de congelamento. Isso o traz de volta a isso e permite que você não faça qualquer mecanismo desadaptador que tenha usado, não congele, não faça isso, não fique preso. Permite que você o processe quando a emoção está surgindo, para que você possa liberá-la.
Assim, quando fiz este trabalho com Renee (algumas pessoas o chamam de experiência somática), quando processei aquele estupro desta forma, ele desapareceu. Nunca mais me senti ativada ou agitada com isso, ele apenas o liberou. Peter Levine escreve sobre isto, como os animais têm esta resposta de agitação que os humanos não têm. De qualquer forma, de alguma forma é apenas uma liberação de energia e eu o fiz com aquele trauma e o fiz por múltiplos traumas que mencionei anteriormente que eu havia vivenciado. É caro, mas é a saída, ao contrário de perder anos de renda e perder minha qualidade de vida e perder meu sistema familiar. Gostaria de ter sabido disso antes.
Além disso, sou realmente um grande fã da Terapia Dialética Comportamental. A TDC deveria ser ensinada nas escolas. Esse seria o tipo de primeiro passo, é a terapia dialética comportamental. Há algumas outras coisas que as pessoas precisam observar para ver o que estão comendo. Estas são coisas simples. O que elas estão comendo, sua dieta. Se você está comendo muita porcaria, não vai dormir bem à noite. Portanto, a dieta é importante de se olhar. Exercite-se também. Muitos de nós estamos sentados em nossas mesas e temos que sair para fora. Temos que pegar sol, fazer exercícios e isto tem que se tornar parte de um estilo de vida. É uma mudança de estilo de vida.
Portanto, geralmente o que eu digo é que se você está passando por insônia, você tem que estar disposto a considerar uma mudança de estilo de vida, e se você não quiser fazer isso agora, acredite, você terá que fazer isso mais tarde se você se envolver com esses medicamentos. Portanto, faça-o agora ou faça-o mais tarde. Recomendo vivamente que se lide com a questão central, em vez de se colocar um problema secundário em cima dessa primeira questão.
Moore: Obrigado, Renee. Isso é muito útil. Para qualquer médico ou psiquiatra que possa estar ouvindo isto, o que devemos fazer de diferente ao prescrever drogas que formam dependência, como benzodiazepinas?
Schuls-Jacobson: Na verdade, tenho um pensamento duplo sobre isto. Há pessoas que estão tomando essas drogas agora que não podem ser abruptamente detidas. Eu sei que muitos médicos estão fazendo isso agora mesmo. De alguma forma, esta mensagem está começando a se espalhar de que estes medicamentos estão causando problemas. Portanto, os médicos estão dizendo, eu não quero mais prescrever isto para você. Essa também não é a resposta.
Portanto, a primeira coisa é, se alguém está tomando estes medicamentos, seria encontrar o Manual Ashton online, é um manual gratuito. Você pode encontrá-lo em benzoinfo.org, a Benzodiazepine Information Coalition. Ou aqui. Só espero que os psiquiatras estejam abertos ao fato de que os pacientes tenham acesso a estas informações e que realmente exista uma maneira de afunilar lentamente as pessoas sobre estes medicamentos, o que sempre será melhor do que deter abruptamente alguém. Portanto, esse é o primeiro conselho, você não pode simplesmente parar as pessoas da maneira que as pessoas nos dizem para parar, que é cortá-lo pela metade, cortá-lo pela metade novamente em mais duas semanas, e então você deve ficar bem. Isso é uma loucura.
Por favor, tenha humildade suficiente para pensar que talvez você não saiba tudo. Talvez você tenha aprendido muitas coisas durante suas residências, mas esta é uma informação nova. Novas informações saem. Houve um tempo em que pensávamos que o mundo era plano, agora sabemos melhor. Houve uma época em que pensamos que estas drogas eram o caminho. Agora sabemos melhor. Portanto, tenha um pouco de humildade.
Acho que a segunda coisa é, se um paciente vier em seu caminho e eles ainda não tiverem iniciado estes medicamentos, por favor, tenha mais cuidado com seus blocos de prescrição. Eu sou realmente uma dessas pessoas que acredita que os benzos não devem ser receitados fora de um ambiente cirúrgico. Eles têm uma função. Se você vai fazer uma cirurgia, você precisa de algo para que não sinta a dor. Há uma função para eles que realmente não deve ser prescrita a longo prazo.
Portanto, acho que meu conselho a um psiquiatra que está pensando em prescrever benzos, por favor, não é assim. Eu sou muito preto e branco sobre isso como alguém que foi ferido. Sei que às vezes as pessoas precisam de algo para que possam se recompor. Elas podem precisar de algo, mas por favor, não de um benzo. É uma inclinação escorregadia e de acordo com as novas diretrizes da FDA em 2020, houve um reconhecimento de que estas drogas podem causar convulsões e que podem causar dependência em tão pouco tempo quanto duas semanas. Você está fazendo mal a alguém se prescrever por mais de um dia ou dois ou uma semana ou duas. Então, por que você gostaria de apresentar alguém a isso? Eu chamei isso em meu livro de acordo com o diabo.
Moore: Obrigado, Renee. Quando chegamos ao final desta entrevista, eu só me perguntava se havia algo mais que o tocasse e que deveríamos compartilhar com os ouvintes…
Schuls-Jacobson: Na verdade, sinto-me esperançosa agora que estamos em uma mudança de paradigma. Portanto, as pessoas que estão nele, apenas sabem que você está nele por uma razão e que pode sair dele. Basta ter fé, segure-se. Leiam informações sobre o que é ter um dano cerebral e sejam pacientes com vocês mesmos. Sejam tão gentis e pacientes com vocês mesmos. Falem com vocês mesmos da maneira como falam com uma criança que está ferida ou doente. Temos que ser pacientes e dizer: descanse, beba, durma, cuide de si mesmo, e você ficará bem eventualmente. Por favor, sejam pacientes com vocês mesmos porque muitas pessoas estão tirando suas vidas como resultado desta lesão e isso é paciência. Esta é a mensagem repetidas vezes. Amem-se, tenham paciência com vocês mesmos. Vocês acabarão ficando melhores do que são hoje. Eu acredito nisso.
Moore: Fantástico, obrigado, Renee. A compaixão tem que ir para os dois lados, não é, para a pessoa que nos ajuda, mas também para nós mesmos, tentando curar de algo bastante significativo.
Schuls-Jacobson: Sim, e tendo conversado com quase 500 pessoas neste momento, ouvi dizer que as pessoas simplesmente não exercem essa compaixão por si mesmas. Nós somos seres humanos, não fazemos coisas humanas e precisamos melhorar apenas sendo. Só estarmos ainda com nós mesmos, e é isso que é preciso para curar esta lesão, é só “eu vou conseguir passar por este dia”. É tudo o que tenho que fazer”. Esse é o meu único encargo, é conseguir passar por esse dia”.
Acho que o que eu também acrescentaria é que eu realmente quero que as pessoas entendam que minha vida não é perfeita neste lado. Eu passei por um divórcio, sou solteira. Foi muito difícil passar pela COVID sozinha, sem ninguém, quando as pessoas nem sequer o deixavam entrar. Tem sido muito difícil, mas posso passar por um momento difícil, mas nunca pensei em mim como uma pessoa forte, não assim.
Moore: Renee, tem sido tão emocionante e surpreendente ouvir sobre suas experiências. Tenho que dizer que o livro, como disse no início, está tão bem escrito, mas descreve experiências tão terríveis, mas há tanta esperança nele também para a pessoa que você estava no início da experiência para a pessoa que você se tornou no final, e tudo que você alcançou e aprendeu, e a ajuda que você dá aos outros. Estou muito grato por colocá-la no podcast.
Schuls-Jacobson: Obrigado, James.
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Se você quiser saber mais sobre Renee, seu website pode ser encontrado em RasJacobson.store, aqui, você pode comprar seu livro e ela oferece um blog, além de mostrar suas obras de arte e muito mais. Seu livro também está disponível na Amazon em versão impressa e para dispositivos Kindle.
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