Renee Schuls-Jacobson – Psiquiatrizada: Acordar após uma Década de Má Medicina

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No podcast Mad in America desta semana, ouvimos Renee Schuls-Jacobson. Renee foi professora por duas décadas e agora é autora, artista, ativista e coach. Nesta entrevista, discutimos o seu livro “Psiquiatrizada: Acordar depois de uma década de medicina ruim, que foi lançado este ano.

O livro é um relato belamente escrito sobre as experiências de Renee ao ser prescrita a benzodiazepina clonazepam (Klonopin) por sete anos. Ela fala de suas experiências ao tomar o medicamento como o prescrito, mas talvez mais importante, também conta o que aconteceu com ela enquanto ela tentava deixar de fazer uso do medicamento.

A transcrição abaixo foi editada para maior extensão e clareza. Ouça aqui o áudio da entrevista.

James Moore: Renee, seja bem-vinda. Muito obrigado por se juntar a mim hoje para o Podcast Mad in America. Estamos aqui para falar sobre você e o seu livro, Psychiatrized: Waking Up After A Decade of Bad Medicine, publicado este ano. O livro descreve vividamente as suas experiências de drogadição e polifarmácia psiquiátrica imprudente, e muito mais coisas. Antes de ouvirmos de você, devo dizer que, ao ler o livro, fiquei particularmente impressionado com a beleza com que você escreve sobre experiências tão terríveis.

Portanto, para que possamos avançar, acho que foi em 2004 que lhe foi inicialmente prescrito uma sucessão de antidepressivos para o que era chamado de insônia relacionada à ansiedade e isto foi seguido por uma benzodiazepina. Você poderia nos falar um pouco sobre o que levou a essa prescrição inicial?

Renee Schuls-Jacobson: Sim. Primeiro, eu gostaria apenas de dizer obrigado por me receber. Eu realmente aprecio esta oportunidade de compartilhar a minha história.

Portanto, quando você me pergunta sobre o que levou à receita inicial, sinto que isso é sempre um pouco complicado. Se você quisesse que eu fosse reducionista, eu poderia dizer insônia, mas vou ser um pouco mais completa com a minha explicação.

Sinceramente, sinto que todos nós experimentamos traumas em nossas vidas. É um efeito acumulativo e você não sabe o quanto pode tolerar até que ele transborda. Portanto, eu diria apenas que em minha vida, em minha vida jovem, hoje eu entendo que realmente tive algumas experiências bastante incomuns. Vivi um roubo bastante sério quando era muito jovem, que me deixou muito assustada em permanecer sozinha em minha casa, nunca lidando bem com isso. Eu também tive alguma experiência de crescer em uma família onde a minha mãe era muito desregulada emocionalmente. Ela se enfurecia e me menosprezava e procurava fazer o melhor que podia, mas isso era não muito bom em diversos momentos. Ela me batia e me xingava com tudo quanto é nomes, e isso tem um custo. Não estamos falando que foi uma vez. Esse foi todo o meu zero a 18 anos.

Eu também acrescentaria que fui criada em uma comunidade religiosa onde fui educada como judia e mais inclinada para uma educação conservadora muito tradicional. As expectativas para as meninas eram muito claras e era muito explícito como eu deveria me comportar, mas não era realmente quem eu era no meu íntimo e isso causou alguns danos. Depois fui para a escola pública e quando pergunto às pessoas nas palestras, “levante a mão se você já teve que lidar com alguma má conduta sexual ou assédio”, e cada mão vai para cima.

Fui manipulada por professores, rapazes na escola e as pessoas faziam parecer que “você está sendo sensível demais, é assim que é ser uma menina nos Estados Unidos”. Portanto, havia muitas coisas que eu tentava questionar, e me ensinavam que havia algo de errado comigo. Eu era sensível demais, é assim que as coisas são, não questione muito. Então eu acrescentaria que quando eu tinha 17 anos, eu realmente fui estuprada por alguém que eu conhecia e confiava, e muito honestamente era alguém que eu amava muito. Não havia um termo para estupro na época. Foi-me ensinado que o estupro ocorria quando se está sozinha em uma floresta com um estranho, sob uma arma. Isso que era dito como estupro não foi como ocorreu comigo, mas não foi consensual. Foi a segunda vez que fui ter com meus pais e para lhes dizer o que havia ocorrido e me deparei com aquelas respostas muito estereotipadas de: “O que você estava vestindo? O que você estava fazendo? Por que você estava na rua? Você deve ter feito alguma coisa. Você sequer tentou fugir?” Todas essas coisas. Então, muito culpada.

Quando você pergunta o que me trouxe à medicação na primeira vez, essas são todas as coisas que estavam como plano de fundo. O evento precipitante, porém, foi em 1999, quando eu estava grávida de meu único filho, meu filho Cal. Foi uma gravidez muito difícil desde o início. E estive várias vezes na cama fazendo repouso devido a diferentes problemas durante a gravidez e eu apenas queria este bebê. É tão assustador, há essa pessoa dentro de você e você é o ecossistema para essa pessoa e eu só queria que ele chegasse aqui e é muito assustador ter inúmeras ocasiões em que você está sangrando ou com uma hemorragia parcial abrupta. Então, eu já estava bastante nervosa com tudo isso.

Quando ele nasceu em 1999, foi um parto muito ruim que resultou na perda de quase 75% do meu sangue. Eu fui levada para uma cirurgia de emergência, onde eles estavam realmente planejando fazer uma histerectomia. Fui a uma cirurgia de emergência e meu filho recém-nascido foi levado a uma UTI porque ele havia parado de respirar. Foi realmente assustador. Enquanto eu estava na cirurgia, que por sinal não acabou sendo uma histerectomia, tive uma experiência fora do corpo quase que de morte, e foi aterrorizante.

Disseram-me que esta experiência provavelmente foi por causa da anestesia, me deram todo tipo de razões científicas, mas não foi assim que eu vivi isto. Eu simplesmente tive a completa experiência de estar pairando sobre o meu corpo. Eu me observava lá embaixo. Vi uma bacia cor-de-rosa cheia de sangue. Vi o topo do gorro da minha médica, pude ver o topo da cabeça dela e comecei a flutuar pela sala, que parecia um túnel e pude ver a parte inferior do meu corpo desaparecendo por este túnel. Foi realmente assustador e me lembro de tentar me agarrar à borda deste túnel, não querendo entrar e apenas percebendo que é isto mesmo, isto sou eu, eu não vou ser mãe, está tudo acabado. Quando dei por mim, estava no meu corpo e só olhava para cima. Minhas primeiras palavras foram “Estou morta?”. Eu estava amarrada a uma cama e estava recebendo algum tipo de líquido e uma enfermeira apareceu e disse apenas: “Você não está morta de jeito nenhum”. Você está bem”. As primeiras palavras dela para mim foram: “Você está bem”, e eu não estava bem. Eu não estava bem de maneira alguma. Foi aí como começou o problema, as pessoas me dizendo que eu estava bem e que deveria estar bem, quando eu não estava bem.

Moore: Você relata intensamente no livro o trauma que viveu durante aquele parto difícil. Já ouvi as pessoas dizerem que mesmo um nascimento completamente normal pode ser bastante traumático, mas um trauma não reconhecido porque as pessoas que lidam com você já viram centenas de vezes aquilo, mas que você ainda não, por ser uma mãe ou um pai de primeira viagem. Não me surpreende que você tenha chegado a um ponto em sua vida, tendo experimentado tudo o que fez, onde absolutamente não conseguia dormir.

Schuls-Jacobson: Sim, foi realmente difícil dormir depois disso. Eu queria falar com meu marido sobre essas coisas. Sempre fui alguém, tenho certeza de que se possa dizer, que processa os meus pensamentos através da conversa com uma outra pessoa e é assim que sempre fui. Eu era professora. Adoro a troca de ideias e meu marido simplesmente não estava interessado neste diálogo. Ele é médico e pensava: “Por que você está se concentrando nisto? O bebê está bem, você está bem, você não pode simplesmente seguir em frente?”. Ouvi muito isso. Eu ouvia da sua família e de outras pessoas que tudo isso é normal, as novas mães não conseguem dormir, as novas mães se sentem cansadas. Isto seria o de se esperar, mas eu realmente comecei a ouvir vozes.

Eu estava tendo o que as pessoas chamam de alucinações auditivas. Honestamente, hoje eu sei que eu ouço coisas o tempo todo. Hoje em dia, eu apenas sei ouvi-las melhor, mas eu experimentava estas experiências em que eu dizia: “Você ouviu isto?” e era muito assustador. Isso acontecia à noite e eu era perseverante, eu fazia listas mentais à noite, não conseguia relaxar. Eu sabia que o bebê ia acordar e que precisava ser alimentado. Meu parceiro não queria falar comigo. Então, eu me sentia realmente sozinha com tudo isso.

Quando penso nisso agora, fico muito emocionada por ter ficado isolada por muitos meses, sozinha. Sem visitas, presa na cama. Eu tinha uma cuidadora, mas ela não interagia comigo e era como se estive em um confinamento solitário. Isso não é bom. As pessoas precisam estar com outras pessoas. Só agora que eu tenho essa perspectiva.

Então, eu acabei por ter uma terrível insônia e meu marido que é médico, uma noite, eu o acordei uma vez entre tantas outras e ele me disse: “Isto é uma loucura. Você precisa de ajuda. Algo está acontecendo aqui e você tem que conseguir ajuda porque não há vozes, não há sussurros, e isto não pode continuar”. Então, eu fui consultar meu médico da atenção primária.

Moore: Inicialmente, eram alguns antidepressivos diferentes em uma sucessão curta, não foi assim? Mas depois você veio a ser prescrita com o que foi chamado de “dose de bebê” de uma benzodiazepina. Qual foi a sensação? Porque eu acho que você descreveu que você não era alguém que realmente era dada a depender de remédios. Então, você ficou preocupada com isso?

Schuls-Jacobson: Creio que a primeira coisa que me deram foi Prozac e imediatamente comecei a me contorcer. Foi uma resposta muito maníaca, eu estava agitada e a primeira coisa que o médico disse foi que isso levava um pouco de tempo para que se acumulasse em nosso sistema. Eu me esforcei tanto, duas semanas de tremores e passei a dormir menos. Então, fui vê-lo e ele disse: “Então, trata-se realmente de encontrar a droga certa para você”. Então, vamos tirar você desse medicamento e eu vou tentar outro”. Houve uma série de três tentativas com antidepressivos e, naquele momento, eu estava em uma bagunça. Estamos falando provavelmente de três meses dentro e fora de diferentes drogas e havia passado a dormir ainda menos do que antes. Foi quando o médico disse: “Você falhou em três tentativas com ISRSs”. Eu fracassei. Então ele disse: “Isso significa que você vai ser um candidato, vou lhe dar este outro medicamento que irá quebrar o ciclo”.

Verdade seja dita, eu queria que esse ciclo fosse quebrado. A primeira prescrição foi cinco pílulas só para quebrar o ciclo e funcionou. Eu passei a dormir e não ficava agitada. Consegui o primeiro sono de qualidade em muito tempo, em anos, e pensei “o que quer que isso seja, é um milagre”. Eu chamei de milagre o que estava se passando. Liguei para ele e disse: “Você pode continuar a me inscrever esse medicamento? Ele disse: “Eu não posso, mas vou encaminhá-la a alguém que possa”. Foi assim que este ciclo começou porque eu confiei em meu médico de cuidados primários.

Se bem me lembro, ninguém me disse nada sobre isso causar dependência ou levar a sintomas de abstinência. Na verdade, o psiquiatra que acabou por me prescrever um prazo mais longo, na verdade me disse: “as benzodiazepinas são ótimas para a perda de peso”. Eu tinha tido um bebê e ele disse: “É ótimo, você pode até perder algum peso”. Quem não quer talvez perder um pouco de peso em nossa cultura? Então foi isso que me trouxe à clonazepam (Klonopin) no início, foi interromper o ciclo desses ISRSs.

Moore: É incrivelmente poderoso, não é? Dormir após o período que não tinha dormido e tomar um medicamento que, pela primeira vez, lhe permite dormir. Há dependência física dessas drogas, mas também há dependência psicológica. Quando você encontra algo que o ajuda temporariamente, você começa a se apegar a ele, não é mesmo?

Schuls-Jacobson: Sim. Acho que o que eu diria agora é, se alguém tivesse dito: “Aqui está uma garrafa de Jack Daniel’s, basta beber isso até você desmaiar”, eu teria olhado para ele e dito, do que você está falando? Eu nunca teria feito tal coisa, mas essa pequena ‘dose de bebê’ que estava tão baixa, o que você faria se tivesse no meu lugar? Eu tomava um comprimido para apagar. São os mesmos neurotransmissores, é o mesmo processo. É um pouco mais limpo e eu ia a um consultório médico muito legal e recebia uma bela ajuda. Portanto, isto foi para mim atordoante, muito atordoante.

Eu não reconhecia o que se passava como sendo uma dependência. Pensava que isto era o que que se deveria fazer, se vai ao médico. Eu era casada com um médico e confiava nos médicos. Não havia motivo para questionar que essa pessoa estava fazendo algo que não me ajudaria.

Moore: Você escreve no livro que queria parar o clonazepam depois de cerca de nove meses. Então, havia alguma coisa em particular que a fizesse querer parar e que tipo de apoio você recebeu, se é que recebeu algum, para sair?

Schuls-Jacobson: Eu queria sair do clonazepam no nono mês, porque comecei a ter uma tontura muito estranha que era tão ruim que às vezes eu tinha que me agarrar às coisas. Seria como um episódio. Eu comecei a ter muitas infeções. Tive infecções por fungos e infeções na bexiga e tive todo tipo de coisas estranhas que nunca tinha tido antes e atribuí ao medicamento. Eu não estava fazendo mais nada diferente. Eu me exercitava, eu comia bem. A única coisa que eu podia apontar era o medicamento que eu estava tomando e pensei: “Será que isto está associado ao medicamento?

Então, quando fui perguntar e indagar ao psiquiatra que agora era o prescritor, ele disse: “Absolutamente não. Você está tomando uma dose para bebês. Não há como ser a medicação, mas o que provavelmente significa, minha querida Renee, é que isto é um avanço do seu problema original. Isto é uma evidência de que você precisa desta medicação. Você está muito doente e a insônia está voltando“. Então, ele disse: “Isto só significa que precisamos aumentar sua dose“. Então, lentamente, com o tempo, esse 0,5mg foi para 0,75. De 0,75, subiu para 1, de 1 a 1,25 e por fim, passei a tomar cerca de 2,25 mg de Klonopin, sempre conforme o prescrito, nunca mais do que o médico prescrevia, mas isso foi um grande aumento. Acredito que houve um aumento de 400% em um período de sete anos e assim minha “dose de bebê” realmente aumentou, mas eu diria também que isso era normalizado por quase todos porque, novamente, o agora meu ex-marido é médico e ele me dizia que via pessoas tomando 10 mg de Klonopin. Portanto, isso não era nada se eu estivesse tomando 2 mg. Essa é a primeira parte.

Parte dois, eu fazia definitivamente parte de uma comunidade médica sendo esposa de um médico. A história é que todos estão tomando algo e isto era tão verdadeiro que muitas das esposas que eu conheço estavam tomando antidepressivos. Havia muita normalização em torno disso e acho que a outra coisa era que eu realmente confiava em meus médicos e toda vez que eu ia a qualquer médico para um check-up regular, ninguém, nenhum médico jamais me disse, quando eles perguntavam em cada consulta, que medicamentos eu estava tomando. Nunca ninguém me disse: “Espere um minuto. Você tem tomado esta medicação e isto não é uma boa ideia”. Ninguém nunca, nem uma campainha, nem um apito ou uma bandeira vermelha, nem uma vez em sete anos.

Moore: É tão difícil ser essa voz de dissidência, não é mesmo? É tão difícil quando a pressão dos colegas ao seu redor, sua própria família, seus médicos, amigos e conhecidos estão normalizando que não há problema em tomar as drogas a longo prazo, não há problema em tomar esta dose. Não há problema em tomar vários medicamentos de cada vez. É tão difícil, não é, discordar disso e dizer não, isto não é certo para mim, particularmente quando você está vulnerável por alguma maneira.

Schuls-Jacobson: Sim, e eu realmente tenho que dizer que enquanto eu tomava a medicação, eu acreditava que precisava dela. Eu já tinha ficado espantada ao acreditar que havia algo de errado comigo e que todos na unidade familiar inteira acreditavam que havia algo de errado comigo. Eu realmente era um bode expiatório nesta unidade familiar onde havia algo errado e eu estava ficando melhor. Enquanto eu estava tomando a medicação, todos se sentiam bem por eu estar melhorando. Então eu acreditava igualmente, e por isso eu não era a voz da dissidência, eu estava totalmente convencida daquela narrativa, totalmente entrincheirada.

Moore: Você explicou que estava tendo vertigens e infecções, e começou a se perguntar se era a benzodiazepina que poderia estar causando isto. Como você se aproximou de sair dela?

Schuls-Jacobson: Eu não me aproximei de sair de lá. Minha história deu uma pequena volta um dia em 2011. O médico que vinha me receitando estava me receitando três meses de cada vez, e ele basicamente só enviava estas receitas pelo correio.

Um dia, entrei para uma de minhas consultas e fui recebida por um bilhete colado à porta, e o bilhete dizia: “Olá pacientes do Doutor Assim e Assado, o seu médico não está mais clinicando. Por favor, entre em contato com seu médico de atendimento primário para encontrar um novo provedor”. A única coisa que eu realmente sabia sobre este medicamento era que realmente não se deveria perder uma dose. Então liguei para o meu médico da atenção primária, a primeira pessoa que receitou e ele disse: “É melhor você vir aqui agora mesmo, porque eu sei que não pode perder uma dose”. Então, ele me fez entrar e eu me sentei com ele. Fui muito casual. Eu disse: “Então, acho que o médico parou de prescrever”. Eu vou precisar de outra pessoa. Você pode simplesmente prescrever para mim”? Ele olhou para mim e disse: “Não. Não posso prescrever para você isso”, e eu disse, realmente, por quê? Ele disse: “Porque você está tomando isto há muito tempo e tem um problema de dependência”. Eu disse: “O quê?”. Ele disse: “Você vai precisar de um especialista em dependências químicas”. Eu disse: “O quê?” Ele disse: “Porque estes remédios não podem ser abruptamente interrompidos. Você vai precisar de alguém que a ajude a sair disso”.

Eu fiquei atordoada. Ninguém jamais havia dito nada, inclusive ele. Então, ele me indicou, e graças a Deus, ele me indicou o médico que me levou pelo resto do caminho, a Dra. Patricia Halligan”, que eu vou mencionar, ela é uma grande parte da Benzo Information Coalition. Então, eu a conheci e na primeira vez que a conheci, eu disse: “Eu tenho tomado este medicamento. Eu só quero continuar tomando. Se você puder continuar a prescrevê-lo da maneira que o cara fazia, seria muito legal”. Ela olhou para mim e disse: “Certo. Então, vamos explicar por que você está aqui”. Então, ela me explicou pela primeira vez que eu estava tomando um medicamento que está entre os mais viciantes e que meu corpo se tornou dependente dele e que se eu quisesse continuar a trabalhar com ela, precisaríamos trabalhar para afunilar esse medicamento.

Eu disse: “Ótimo, vamos fazer isso”. Eu não tinha mais um filho pequeno nesse momento. Eu não tinha esse estresse, ele dormia a noite toda e ela nunca me assustou para pensar que poderia haver algum problema. Eu realmente não entendia o que estava envolvido com o processo de afunilação, mas eu concordei. Eu não queria mais tomar a medicação.

Moore: Estou tão contente de saber que você encontrou alguém com conhecimento, porque há tantos profissionais sem conhecimento por aí que arrancariam alguém da benzodiazepina muito rapidamente e depois, é claro, você volta e diz, estou no inferno novamente, e eles dizem que é uma recaída. Eles não mencionam dependência porque só querem refletir sobre a pessoa que é doente.

Schuls-Jacobson: Sim e quando você fala sobre esse inferno, a sério, é insondável e ninguém consegue vê-lo. Então, você está tremendo e está chorando e ninguém pode realmente ver essas coisas, mas sim, ela realmente entendeu e eu tive muita sorte de tê-la encontrado. Estou tão feliz por ela estar ajudando tantas outras pessoas agora e ajudando os psiquiatras a desprescrever com segurança para seus pacientes.

Moore: Então, Renee, o que aconteceu quando você foi até o final da sua última dosagem de clonazepam?

Schuls-Jacobson: As pessoas me fazem esta pergunta muitas vezes; eu tive problemas durante a real redução? Muito honestamente, a Dra. Halligan foi tão fantástica que ela realmente me deixou liderar. A ideia era que eu estaria sempre descendo a dosagem e nunca mais voltaria para cima, mas se eu ficasse um pouco nervosa ou desconfortável, eu apenas a seguraria. Segurei-a um pouco mais. Por isso, eu fui muito paciente. Eu nem sabia o que era aquilo, mas foi o que ela me permitiu fazer, e estava tudo bem. Então, eu não tive uma tonelada de problemas durante o meu processo de redução.

Ao terminar o processo de afunilamento, houve um pouco de confusão. Eu não vou entrar aqui para falar de toda essa confusão, mas a doutora queria que eu continuasse a afunilar usando uma estratégia de diluir a pílula em água, mas isso não foi escrito. Ela tinha saído do país por um mês e eu pensei que tinha acabado. Eu havia passado do Klonopin para o Valium. Tinha descido o mais baixo que pude, e no fundo do pequeno bloco de papel amarelo indicando qual seria minha dose, eu fui e disse a mim mesma que era o fim! Então, eu parei.

Para aqueles de nós que têm tomado estes medicamentos, o que aprendemos é que eles têm uma meia-vida muito longa e permanecem em seu corpo por um longo tempo. Então, eu pensei que tinha acabado, mas era uma sensação absolutamente falsa de segurança. Lembro-me da noite em que terminei, comprei um vestido novo, saímos para jantar para comemorar que eu tinha terminado. Cerca de 10 dias depois, comecei a me sentir realmente estranha. Quase não há palavras, você sabe como é um caleidoscópio? Lembro-me de me sentir como se o mundo se inclinasse e tivesse estas arestas à sua volta.

O hoje meu ex-marido é oftalmologista e dizia: “Você está tendo uma enxaqueca ocular”. Isso é o que se passa”. Eu estava tendo um monte de coisas visuais. Então, eu realmente não fiz a conexão. É tão estranho, mas eu não liguei isto 10 dias depois da coisa. Pensei que estava ficando doente e novamente, tive aquela tontura, a insônia estava de volta. O zumbido nos meus ouvidos. Meus olhos estavam pingando e comecei a ter esse mal-estar interno, como se tivesse um motor ligado e era muito desconfortável. Isto é apenas nos 10 dias após interromper.

Pouco tempo depois, provavelmente no dia seguinte, eu não tinha dormido e podia ouvir meu marido fazendo barulho na cozinha. Desci as escadas e fiquei agarrada às paredes. Eu só disse: “algo não está certo”. Tudo é muito brilhante, tudo é muito barulhento. Estou tendo um problema”. No meu cérebro, ouvia o som que se ouvia quando o ar-condicionado clicava para ligar e desligar. Ele clicou três vezes e eu fui para o chão. Agora entendo que era uma convulsão que eu estava tendo. Eu caí no chão e o meu então marido, agora ex-marido, foi trabalhar e fiquei lá a maior parte do dia. Finalmente pude rastejar até o sofá, onde me enrosquei em um cobertor e aquele dia foi meu último dia normal, uma vez que durante anos depois fiquei acamada e gravemente incapacitada em consequência daquela brusca cessação do Klonopin.

Moore: Se você ler sobre isso, verá que as benzodiazepinas suprimem as convulsões. Essa é uma de suas indicações quando começaram a ser usadas, mas, é claro, seu médico não lhe diz quando você irá para parar essa droga, você pode estar mais em risco de convulsões porque a droga suprimiu a atividade das convulsões, mesmo que você não seja alguém propenso a elas. Quantos de nós realmente tomaríamos essas coisas se nos dissessem isso no início, mas isso nunca entra na conversa, não é mesmo?

Schuls-Jacobson: Lembro-me até de perguntar sobre os efeitos colaterais da primeira vez. Não com meu médico de cuidados primários, mas quando o psiquiatra receitou, lembro-me de dizer: “Há efeitos colaterais?”. Ele disse: “Não. É testado e verdadeiro. Este é um medicamento muito antigo, muito bom”, e ele disse que eu poderia até perder um pouco de peso. Então, ele realmente deu uma volta positiva. Não houve uma única menção a um efeito colateral negativo, o que agora só me faz pensar. Quando você lê as centenas e centenas de sintomas que uma pessoa pode ter, o que se lê é um terrível lista de roupa suja, eu brinco que eu tinha todos, exceto a disfunção erétil. Cada um deles, e não é como se você tivesse um e depois as outros fossem embora. Eles são simultâneos e sem parar, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Você está segurando um fio elétrico, sendo eletrocutado enquanto alguém está queimando sua mão no fogão, enquanto você enfia seu dedo do pé, enquanto alguém está batendo em você com um martelo sobre sua cabeça e alguém está lhe espetando com um bastão para o gado. É inacreditável. Não acredito que sobrevivi, mas eu sobrevivi.

Moore: Eu acho que talvez a coisa mais cruel seja esperar que as pessoas lidem com este turbilhão de problemas físicos quando a primeira coisa que acontece quando você reduz muitos desses tipos de drogas é sua ansiedade voltar cem vezes pior do que nunca porque você se reconecta com suas emoções e não está acostumado a experimentá-las. Portanto, esta pobre pessoa não está apenas passando fisicamente pelo inferno, sua ansiedade sobre o que ela está passando é muito maior do que talvez já tenha experimentado.

Schuls-Jacobson: Sim, e é meu entendimento que na verdade é como uma lesão cerebral causada quimicamente. Quando você lê a literatura sobre o que as pessoas com lesões cerebrais têm, elas têm aquela sensibilidade à luz, sensibilidade ao som, o balançar, a insônia. Portanto, mesmo que não pareça ser capaz de ser detectado necessariamente, não é possível detectá-lo de alguma forma, existe uma lesão real. Então estamos tão desconectados de nossos corpos, há este balanço de pêndulo durante anos sem senti-lo, e então ele se move para o outro lado e faz quase uma sobrecorreção. Então, leva um pouco de tempo para voltar a algum tipo de homeostase, onde se pode dizer, eu sinto meu corpo, sentimentos normais novamente, não estes sentimentos malucos.

Eu também tive muito mais do que apenas as sensações físicas. Havia problemas psicológicos, era aterrorizante. Eu tinha paranoia, eu era agorafóbica, pensava que as pessoas estavam tentando me matar. Tive estas alucinações auditivas e visuais que voltaram. Ouvi trens chegando e indo, portas batendo quando não estavam batendo. Lembro-me de tentar adormecer durante aquele momento realmente difícil, quando não se consegue descansar, e era apenas uma porta batendo atrás da outra. Não havia portas batendo. Algo está realmente ferido quando você está se curando disso.

Moore: Você descreve novamente muito bem no livro que o tipo de inferno pelo qual você passou durante muitos anos e que realmente teve um impacto muito sério em sua vida familiar, não foi? Você poderia nos falar sobre isso?

Schuls-Jacobson: Sim. Eu simplesmente não podia mais viver em minha casa. Meu ex-marido agora, então marido, realmente não mudou nada em sua vida para tentar me ajudar com isto. Ele realmente não estava nem mesmo curioso sobre isso. Então, ele simplesmente voltava ao trabalho e me deixava sozinho por longos períodos e eu não conseguia cuidar de mim mesma. Portanto, eu não era realmente capaz de cuidar de nossa casa ou de nosso filho. Então, o que acabou acontecendo foi que eu acabei por chegar até os meus pais, eles vivem a uma hora e meia de distância, e meu pai veio me buscar. Ele realmente entrou na casa e veio e me pegou, eu estava lá em cima no quarto e ele me carregou lá embaixo e me levou até a casa deles. Assim, perdi o contato com meu filho por um longo período. Ele estava indo para a nona série na época, mas eu só precisava de mais ajuda e não estava conseguindo onde eu estava.

Moore: Deve ter sido tão difícil estar no meio de tudo isso e estar tendo fendas familiares e se separando de seus entes queridos quando você precisava do maior apoio possível, mas ouço tantas pessoas dizendo que as famílias não podem dar conta do que está acontecendo com o seu ente querido. Há de tudo, há culpa e negação, em alguns casos, pode haver até mesmo manipulação psicológica ou descrença, ou “recomponha-se”. Parece se estar no pior momento possível.

Schuls-Jacobson: Eu acho que às vezes há grandes pontos cegos. Sei que eu sempre fui a pessoa a quem as pessoas chegavam com um problema. Eu sempre fui o forte, fui professora, fui mãe e sempre fui capaz de lidar com muitas bolas no ar simultaneamente. Agora que estou de volta, sou capaz de fazer isso e desempenhar um pouco multitarefas. Acho que foi um pouco de mudança porque as pessoas sempre me viam como a forte, capaz. Portanto, vai ficar tudo bem. Talvez eu estivesse sendo dramática ou algo assim, mas havia uma incapacidade de as pessoas reconhecerem o quão mal eu estava.

Moore: No livro, eu senti que há um pouco do tema. Obviamente, o livro significará coisas diferentes para pessoas diferentes, de acordo com os bits com que se relacionam, mas para mim, quanto mais você se envolvia com o sistema médico e entrava na esteira transportadora médica, mais intensas se tornavam suas dificuldades. Mas então chegou um ponto em que você começou a confiar na bondade de estranhos que não eram pessoas médicas. Isso parecia ser uma mudança de paradigma em sua capacidade de confiar em si mesmo para lidar com essas coisas e para curar.

Então, me corrija se eu estiver errado, Renee, acho que foi uma amiga sua que recomendou um centro de bem-estar local. Você poderia nos falar sobre isso? Isso é incrível.

Schuls-Jacobson: Grite a Regina Wright. Do outro lado da rua de meus pais vivia minha amiga de infância. É muito difícil explicar isto, mas foi preciso toda a minha coragem para atravessar a rua porque tudo era tão luminoso e eu estava em tal desordem. Eu bati na porta dela e disse: “Minha cara, estou uma bagunça, posso entrar?”. Eu disse a ela o que estava acontecendo, que eu tinha saído deste medicamento e ela não vacilou. Ela sentou-se comigo e disse: “Há um centro de bem-estar muito bom por perto e talvez você pudesse ir lá e fazer uma massagem ou eles fazerem acupuntura”. Acho que ela até conhecia algumas pessoas que tinham ido lá e que realmente se beneficiaram com isso, e foi realmente a mudança porque todos me diziam: “Por favor, volte a tomar este medicamento. Por favor, volte a tomar a medicação”.

Eu tinha acabado de sair dele depois deste longo e prolongado desmame de 10 meses e eu tinha apenas algum tipo de guia ou entendimento interno de que se eu fosse a uma sala de emergência, eles iriam me reintegrar ou, possivelmente, eu teria sido colocado em uma ala psiquiátrica, onde eu poderia ter sido polidrogada novamente e eu simplesmente não poderia deixar isso acontecer. Então, havia algo me guiando que me levou ao outro lado da rua, que me levou a Gina e que me levou a este centro de bem-estar, onde tudo mudou milagrosamente.

Moore: Parecia ser o ponto que você começou a confiar em sua própria verdade e a confiar em sua intuição, e a encontrar recursos dentro de si mesma, que talvez você não pudesse acessar quando estava sendo medicada ou medicalizada, se quisesse.

Schuls-Jacobson: Sim. Definitivamente, isso envolveu pedir ajuda. Senti que sempre tinha pedido ajuda, mas obviamente, às pessoas erradas. Então fui a este lugar, mas a massagem foi horrível, não porque a massagista fosse horrível, mas porque eu era muito sensível e não podia tirar a sensação das mãos dela em minha pele. A lavanda que ela usava parecia que estava me queimando. Então, saí mais cedo, porque não aguentava e fui me encostar na parede, esperando que o meu pai me pegasse porque eu não conseguia dirigir naquele momento e estava apenas soluçando e soluçando contra essa parede de tijolos. Basicamente eu pensava para mim mesma: “É isso, não posso mais fazer isso”. Já há muito tempo que faço isto”. Tinha passado mais de um ou dois meses, acho eu, que eu tinha estado na fase aguda e acabei de dizer que não posso mais continuar, é isto. Eu não tenho nenhuma função neste mundo. Não posso ser mãe, não posso cuidar de um lar, não posso ler, não posso escrever, não posso dirigir. Não posso receber uma massagem. O que eu estou fazendo aqui?

Olhei para o topo do prédio e pensei: “Vou pular”. Vou pular do prédio, e estava soluçando e soluçando porque não queria morrer de verdade. Eu só queria que a dor parasse e esta mulher aproximou-se de mim e estava em silhueta porque o sol estava atrás dela. Em minha memória, ela parecia uma princesa e parecia que havia penas saindo de seu cabelo e ela estava usando este vestido branco ao ponto de as pessoas terem realmente dito “será que ela era real, ou isso era como o sexto sentido, será que isso foi um produto da sua imaginação?” Não, ela era real. Esta é uma pessoa real que se aproximou de mim, ela se abaixou e disse: “Você está bem?” e eu disse: “não, eu não estou bem”.

Eu disse a ela o que estava acontecendo brevemente e ela olhou para mim e disse: “Você gostaria de voltar para casa comigo?”. Eu não perguntei o nome dela e não perguntei onde ela morava. Eu ia pular de um prédio. É como se, se você estivesse prestes a acabar com isso, e tudo bem se essa pessoa me levar para casa e cortar-me em pedaços, que isso fosse rápido. Então, ela me colocou em seu carro e eu fui para casa com ela. Enquanto estávamos no carro, ela me falava sobre o que faz e onde mora, e sobre sua família. Ela disse: “Se você vai para casa comigo, provavelmente eu deveria saber seu nome”. Eu disse, meu nome é Renee e ela disse: “Isso é perfeito”. Meu nome também é Renee”. Foi realmente um momento muito poderoso porque em toda minha vida, eu provavelmente só conhecia uma outra Renee, talvez, e então isto foi realmente estranho.

Renee significa ‘renascido’ em francês e foi uma coisa muito estranha para nós dois, e eu fui para casa com ela. Foi o início de uma mudança total de paradigma, porque ela sabia das coisas. No final, ela havia passado por algo semelhante e havia se curado de três doenças e havia passado por algo semelhante. Ela me ensinou muita coisa.

Moore: Foi bastante incrível ler no livro que você claramente chegou a um ponto em que pensou “não há mais opções de ajuda, eu estou completamente fora disso” e talvez a última coisa que você esperava era encontrá-la a partir da bondade de estranhos. Em última análise, você passou bastante tempo com esta família, não foi?

Schuls-Jacobson: Sim, e eu diria apenas, vindo de uma casa onde todos os livros em nossas prateleiras eram médicos, o DSM e todas essas coisas, entrei em sua casa e ela tinha Robert Whitaker, Anatomia de uma Epidemia e o The body Keeps the Score, todos esses livros que eu nunca tinha visto ou ouvido falar. Era todo um paradigma alternativo ou universo paralelo. A matriz é real. Eu vim para um mundo diferente e aprendi sobre sucos e sobre comer de forma diferente e ela me ajudou a tirar um outro medicamento. Eu estava tomando Topamax porque eles tinham decidido que eu tinha enxaquecas. Então ela me ajudou a tirar o Topamax enquanto eu vivia com ela e ela nunca pediu um centavo. Era realmente a bondade de estranhos, mas muito além da bondade de estranhos.

Moore: Você fala sobre, ao emergir de suas experiências psiquiátricas e medicalizadas, você começou a descobrir novamente a sua centelha criativa. Você começou a pensar em fazer coisas que não pensava em fazer há muito tempo. Você descreveu uma mudança no relacionamento tanto com seu filho quanto com seu marido, com quem, é claro, você ainda está em contato, mas, obviamente, você está se mudando para um lugar diferente. O que estava em sua mente naqueles tempos? Porque eu imagino que o futuro, depois de passar algum tempo com Renee, parecia bem diferente do dia em que você a conheceu quando estava chorando contra a parede, pensando que este era provavelmente o fim da história.

Schuls-Jacobson: Então, rapidamente, depois de ter passado um bom tempo com Renee, eu realmente voltei para casa para o meu marido e o meu filho. Foi realmente estranho. Ainda é estranho quando penso sobre isso. O amor simplesmente não estava presente e eu não sabia o que fazer com isso. Acabamos indo para o aconselhamento matrimonial por um tempo e depois acabei indo para a reabilitação. Acabei indo realmente para uma reabilitação no Arizona, onde aprendi muito sobre a terapia informada sobre trauma, que nunca tinha tido antes, e foi apenas a estrutura para a qual tudo se encaixou. Meu marido de então veio ao Arizona e participou da experiência da semana familiar com muita relutância. Aprendemos muito um sobre o outro, mas principalmente, saímos do casamento percebendo que queríamos coisas muito diferentes para nossas vidas, que éramos muito diferentes e que tínhamos necessidades muito diferentes.

Assim, quando voltei, pouco tempo depois, eu tinha melhorado o suficiente, então pude dirigir com confiança e estava dirigindo um dia e vi este prédio de baixo declive. Eu tinha dirigido por esta estrada um milhão de vezes, e havia este edifício de baixo nível que tinha um sinal de vaga. Olhei para ele e simplesmente parei. Havia uma voz que me dizia: “Vá dar uma olhada”. Então eu parei o carro, olhei e pensei: “Preciso fazer isto”.

Foi tão estranho porque eu e meu ex já conversamos sobre isso muitas vezes. Nós dois somos judeus, acreditamos que o casamento é para sempre e nunca nos ocorreu que nosso casamento estava terminando. Eu só pensava que ia viver lá por um tempo que eu iria para lá para curar. Sempre pensei que voltaríamos a trabalhar juntos e foi uma compreensão lenta de que não era isso que o universo tinha reservado para nós. Como você disse, ainda somos amigáveis, mas somos pessoas muito diferentes.

Portanto, sim, acabei alugando este apartamento. Era para idosos, eu era o mais jovem por cerca de 35 anos e vivi lá por dois anos e meio. Eu era muito mais jovem do que a maioria das pessoas lá, mas era um lugar tão bom para curar. Era tranquilo, as pessoas eram adoráveis. Elas me tomaram debaixo da asa e eu senti muito amor da comunidade. Foi muito estranho, mas foi lá que eu me recuperei muito.

Em 2016, eu estava bem o suficiente para aceitar um trabalho em meio período em uma faculdade comunitária, trabalhando como tutor em um laboratório para estudantes com dificuldades de aprendizagem. Estava muito nervosa porque eu mesmo me sentia muito deficiente, mas foi muito útil para me colocar lá fora, apesar de ter sido muito difícil. Eu definitivamente senti um senso de competência. Era confuso, como eu podia ser tão deficiente, mas tão capaz de ajudar outras pessoas? Foi quando eu realmente percebi, isto é invisível e outras pessoas não estão me experimentando como eu estou me sentindo.

Moore: Pouco depois disso, você descreve deixar seu lado artístico sair e se interessar o suficiente por isso para pensar em dirigir um negócio.

Schuls-Jacobson: Enquanto eu estava em reabilitação, houve um exercício que fizemos. Tivemos que pintar algo e eu entrei na sala de arte e fiz esta coisa e era para apresentá-los em grupo. Eu peguei esta coisa e foi muito elaborado. Todos no meu grupo foram tipo: “Uau, isso é realmente bonito” e depois, uma das pessoas do meu grupo me pediu para vendê-la a ele. Eu disse: “Cara, você não pode comprar meu círculo de recuperação, essa é a minha recuperação”. Então, ele disse: “Eu o compraria, é realmente bonito”.

Então, resumindo, foi a primeira vez que me vi como tendo esta outra coisa que alguém refletiu para mim, e sim, quando saí da reabilitação, voltei para casa e comecei a pintar. Fiz algo para essa pessoa e comecei a fazer outras coisas para outras pessoas, publicando-as no Facebook, sempre deixando as pessoas saberem o que eu estava passando. Essa foi sempre a minha maneira de fazer com que as pessoas soubessem. Nunca me envolvi nessa coisa do estigma, não tinha vergonha, não sentia que tinha feito algo de errado. Então, eu estava tipo, você sabe que estou curando desta lesão cerebral, aqui está o que pintei hoje.

Então, lentamente, organicamente, ao longo do tempo, desenvolvi de alguma forma este negócio e não era para ser um negócio, era um mecanismo de enfrentamento. Comecei a pintar e as pessoas gostaram e as pessoas compraram, e é onde estou hoje. Agora eu sou artista e faço exposições, sou uma daquelas garotas que se sentam em barracas brancas. Tenho um site e dou aulas de arte, mas também voltei a dar aulas de redação de memórias. Portanto, estou ensinando novamente. Só estou fazendo de uma maneira diferente que se adapta às duas metades de mim.

Moore: No livro, você diz: “Aos 42 meses fora do clonazepam, posso dizer que estou finalmente curada”. Sei por outras entrevistas que é bastante difícil para as pessoas que nunca passaram por isso aceitarem que estas experiências podem durar tanto tempo. Elas tendem a ter esta visão de que você sai das drogas, tem seis meses de turbulência e talvez tudo esteja bem, mas estas viagens realmente longas fora das drogas são muito mais comuns do que as pessoas percebem, não são?

Schuls-Jacobson: Sim, e é por isso que eu a enquadro como uma lesão cerebral, porque se alguém teve um derrame, você não espera que ele fique bem um dia depois ou mesmo uma semana depois. Eu tento enquadrar isso dessa forma, é uma lesão muito estranha, pois afeta alguma parte do cérebro onde você ainda é capaz de falar e é simplesmente estranho, mas há este entendimento de que você não está bem. É como uma rachadura, é muito estranho. O que quer que seja, sim, dura muito tempo, mas eu sou realmente uma crente firme, e é por isso que eu realmente escrevi o livro, James, é que eu realmente queria que as pessoas entendessem, não quero ser a criança propaganda da cura por benzodiazepinas, mas eu me curei principalmente disso. Curei o suficiente através disto que do exterior, ninguém pode dizer, por dentro eu ainda tenho um pouco de coisas, mas posso coexistir com ele. A neuroplasticidade é incrível, seu cérebro pode curar. Você não estará onde está daqui a três anos onde estava com três semanas. Aos nove anos, você não estará onde estava aos seis anos. Isto continua a mudar e, pela minha experiência, melhora.

Falei com muitas pessoas neste momento, que também já experimentaram que se pode curar. A história de cada um é diferente. Não posso lhe contar a linha do tempo. Não posso dizer que seria a mesma linha do tempo que a minha, provavelmente não será, mas você não será do jeito que é no início, mudará. Você só tem que aguentar e esperar pelo milagre e tentar encontrar algo para fazer que o faça sentir-se produtivo, construtivo, útil enquanto estiver dentro. Isso é realmente o que a arte foi para mim, foi apenas algo para mudar o tempo. Algumas pessoas fazem biscoitos e outras fazem tapetes, outras jardinam e outras apanham lixo.

Moore: Algumas pessoas fazem podcasts.

Schuls-Jacobson: Algumas pessoas fazem podcasts. O que todos achamos é diferente, mas é o que quer que seja para trazer propósito e consciência, esperemos, a esta questão é o que eu penso.

Moore: Renee, isso nos traz muito bem para olharmos para trás em suas experiências. Há algum conselho que você daria a outros que poderiam ter tido experiências traumáticas em suas vidas e acabar na frente de um médico? Como eles poderiam evitar a cascata de prescrições e o mau tratamento a que você foi submetido?

Schuls-Jacobson: Sim, obrigado por esta pergunta. Eu poderia ter preenchido uma hora falando disso, mas acho que eu diria isto, eu realmente entendo o desejo de descer aquele paraquedas, o paraquedas psiquiátrico porque isso é muito tradicional nesta cultura, mas existem realmente outras modalidades de cura que existem. O mais importante, eu acho, é realmente olhar o que está acontecendo em sua vida que está fazendo você querer ir em direção à psiquiatria ou a estas pílulas em primeiro lugar. É um trabalho que você não gosta? Existe algum relacionamento que está lhe causando estresse? O que está realmente acontecendo aqui, porque isso precisa ser examinado. Essa é a primeira coisa, a mais importante, é o que o está levando à insônia, ou seja, lá o que for.

A propósito, parece haver dois caminhos. Já vi pessoas chegarem aos benzos devido a lesões físicas, onde machucaram suas costas ou algo assim e depois alguém prescreve um benzo para dormir porque a dor os mantém acordados. Então, isso é através de um ferimento físico. Eu encorajaria as pessoas de lá a procurarem algum outro tipo de solução de relaxamento. Depois, há as pessoas que vêm para isso de outra forma, que é a angústia emocional, mas de qualquer forma, é a angústia. Portanto, o que eu descobri são coisas como receber uma massagem terapêutica realmente boa. Descobri que a massagem sacral craniana é uma coisa realmente ótima.

Há algo para o trauma emocional chamado ISR, e isto é o que Renee realmente me ensinou. É a Integração Somato-Respiratória. Não vou fingir saber tudo sobre isso, mas o que posso dizer é que tem a ver com o trabalho de respiração. É uma série muito específica de exercícios de respiração que funcionam para trazê-lo de volta ao seu trauma para que você fique agitado na forma como estava lá. O que acontece no trauma, como eu o entendo, é que temos aquela luta, voo, congelamento ou resposta de congelamento. Isso o traz de volta a isso e permite que você não faça qualquer mecanismo desadaptador que tenha usado, não congele, não faça isso, não fique preso. Permite que você o processe quando a emoção está surgindo, para que você possa liberá-la.

Assim, quando fiz este trabalho com Renee (algumas pessoas o chamam de experiência somática), quando processei aquele estupro desta forma, ele desapareceu. Nunca mais me senti ativada ou agitada com isso, ele apenas o liberou. Peter Levine escreve sobre isto, como os animais têm esta resposta de agitação que os humanos não têm. De qualquer forma, de alguma forma é apenas uma liberação de energia e eu o fiz com aquele trauma e o fiz por múltiplos traumas que mencionei anteriormente que eu havia vivenciado. É caro, mas é a saída, ao contrário de perder anos de renda e perder minha qualidade de vida e perder meu sistema familiar. Gostaria de ter sabido disso antes.

Além disso, sou realmente um grande fã da Terapia Dialética Comportamental. A TDC deveria ser ensinada nas escolas. Esse seria o tipo de primeiro passo, é a terapia dialética comportamental. Há algumas outras coisas que as pessoas precisam observar para ver o que estão comendo. Estas são coisas simples. O que elas estão comendo, sua dieta. Se você está comendo muita porcaria, não vai dormir bem à noite. Portanto, a dieta é importante de se olhar. Exercite-se também. Muitos de nós estamos sentados em nossas mesas e temos que sair para fora. Temos que pegar sol, fazer exercícios e isto tem que se tornar parte de um estilo de vida. É uma mudança de estilo de vida.

Portanto, geralmente o que eu digo é que se você está passando por insônia, você tem que estar disposto a considerar uma mudança de estilo de vida, e se você não quiser fazer isso agora, acredite, você terá que fazer isso mais tarde se você se envolver com esses medicamentos. Portanto, faça-o agora ou faça-o mais tarde. Recomendo vivamente que se lide com a questão central, em vez de se colocar um problema secundário em cima dessa primeira questão.

Moore: Obrigado, Renee. Isso é muito útil. Para qualquer médico ou psiquiatra que possa estar ouvindo isto, o que devemos fazer de diferente ao prescrever drogas que formam dependência, como benzodiazepinas?

Schuls-Jacobson: Na verdade, tenho um pensamento duplo sobre isto. Há pessoas que estão tomando essas drogas agora que não podem ser abruptamente detidas. Eu sei que muitos médicos estão fazendo isso agora mesmo. De alguma forma, esta mensagem está começando a se espalhar de que estes medicamentos estão causando problemas. Portanto, os médicos estão dizendo, eu não quero mais prescrever isto para você. Essa também não é a resposta.

Portanto, a primeira coisa é, se alguém está tomando estes medicamentos, seria encontrar o Manual Ashton online, é um manual gratuito. Você pode encontrá-lo em benzoinfo.org, a Benzodiazepine Information Coalition. Ou aqui. Só espero que os psiquiatras estejam abertos ao fato de que os pacientes tenham acesso a estas informações e que realmente exista uma maneira de afunilar lentamente as pessoas sobre estes medicamentos, o que sempre será melhor do que deter abruptamente alguém. Portanto, esse é o primeiro conselho, você não pode simplesmente parar as pessoas da maneira que as pessoas nos dizem para parar, que é cortá-lo pela metade, cortá-lo pela metade novamente em mais duas semanas, e então você deve ficar bem. Isso é uma loucura.

Por favor, tenha humildade suficiente para pensar que talvez você não saiba tudo. Talvez você tenha aprendido muitas coisas durante suas residências, mas esta é uma informação nova. Novas informações saem. Houve um tempo em que pensávamos que o mundo era plano, agora sabemos melhor. Houve uma época em que pensamos que estas drogas eram o caminho. Agora sabemos melhor. Portanto, tenha um pouco de humildade.

Acho que a segunda coisa é, se um paciente vier em seu caminho e eles ainda não tiverem iniciado estes medicamentos, por favor, tenha mais cuidado com seus blocos de prescrição. Eu sou realmente uma dessas pessoas que acredita que os benzos não devem ser receitados fora de um ambiente cirúrgico. Eles têm uma função. Se você vai fazer uma cirurgia, você precisa de algo para que não sinta a dor. Há uma função para eles que realmente não deve ser prescrita a longo prazo.

Portanto, acho que meu conselho a um psiquiatra que está pensando em prescrever benzos, por favor, não é assim. Eu sou muito preto e branco sobre isso como alguém que foi ferido. Sei que às vezes as pessoas precisam de algo para que possam se recompor. Elas podem precisar de algo, mas por favor, não de um benzo. É uma inclinação escorregadia e de acordo com as novas diretrizes da FDA em 2020, houve um reconhecimento de que estas drogas podem causar convulsões e que podem causar dependência em tão pouco tempo quanto duas semanas. Você está fazendo mal a alguém se prescrever por mais de um dia ou dois ou uma semana ou duas. Então, por que você gostaria de apresentar alguém a isso? Eu chamei isso em meu livro de acordo com o diabo.

Moore: Obrigado, Renee. Quando chegamos ao final desta entrevista, eu só me perguntava se havia algo mais que o tocasse e que deveríamos compartilhar com os ouvintes…

Schuls-Jacobson: Na verdade, sinto-me esperançosa agora que estamos em uma mudança de paradigma. Portanto, as pessoas que estão nele, apenas sabem que você está nele por uma razão e que pode sair dele. Basta ter fé, segure-se. Leiam informações sobre o que é ter um dano cerebral e sejam pacientes com vocês mesmos. Sejam tão gentis e pacientes com vocês mesmos. Falem com vocês mesmos da maneira como falam com uma criança que está ferida ou doente. Temos que ser pacientes e dizer: descanse, beba, durma, cuide de si mesmo, e você ficará bem eventualmente. Por favor, sejam pacientes com vocês mesmos porque muitas pessoas estão tirando suas vidas como resultado desta lesão e isso é paciência. Esta é a mensagem repetidas vezes. Amem-se, tenham paciência com vocês mesmos. Vocês acabarão ficando melhores do que são hoje. Eu acredito nisso.

Moore: Fantástico, obrigado, Renee. A compaixão tem que ir para os dois lados, não é, para a pessoa que nos ajuda, mas também para nós mesmos, tentando curar de algo bastante significativo.

Schuls-Jacobson: Sim, e tendo conversado com quase 500 pessoas neste momento, ouvi dizer que as pessoas simplesmente não exercem essa compaixão por si mesmas. Nós somos seres humanos, não fazemos coisas humanas e precisamos melhorar apenas sendo. Só estarmos ainda com nós mesmos, e é isso que é preciso para curar esta lesão, é só “eu vou conseguir passar por este dia”. É tudo o que tenho que fazer”. Esse é o meu único encargo, é conseguir passar por esse dia”.

Acho que o que eu também acrescentaria é que eu realmente quero que as pessoas entendam que minha vida não é perfeita neste lado. Eu passei por um divórcio, sou solteira. Foi muito difícil passar pela COVID sozinha, sem ninguém, quando as pessoas nem sequer o deixavam entrar. Tem sido muito difícil, mas posso passar por um momento difícil, mas nunca pensei em mim como uma pessoa forte, não assim.

Moore: Renee, tem sido tão emocionante e surpreendente ouvir sobre suas experiências. Tenho que dizer que o livro, como disse no início, está tão bem escrito, mas descreve experiências tão terríveis, mas há tanta esperança nele também para a pessoa que você estava no início da experiência para a pessoa que você se tornou no final, e tudo que você alcançou e aprendeu, e a ajuda que você dá aos outros. Estou muito grato por colocá-la no podcast.

Schuls-Jacobson: Obrigado, James.

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Se você quiser saber mais sobre Renee, seu website pode ser encontrado em RasJacobson.store, aqui, você pode comprar seu livro e ela oferece um blog, além de mostrar suas obras de arte e muito mais. Seu livro também está disponível na Amazon em versão impressa e para dispositivos Kindle.

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Os Relatórios MIA são apoiados, em parte, por uma subvenção das Fundações da Sociedade Aberta.

Fraude cognitiva e apagão ético na Pandemia do Covid-19

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High resolution virus on a blue background

Quem está chegando ao final de 21 sobreviveu ao biênio mais difícil da história recente; atravessou uma das piores pandemias e uma crise global de canalhice (incapacidade de transcender o próprio umbigo, segundo o professor Clóvis de Barros Filho). Vírus e baixa humanidade fizeram uma aliança e o resultado foram mais de cinco milhões de mortes, no negativo de uma tragédia: a crônica das mortes anunciadas, que não foram evitadas por causa do egoísmo e da indiferença. Negativo de tragédia, porque numa tragédia o desfecho é imponderável. Numa tragédia o destino se impõe apesar da ação humana, e não por causa dela. O vírus encontrou apoio no apagão ético. Vivemos a segunda Idade das Trevas, com o agravante doloso de conhecer de antemão as consequências desastrosas. O boicote às medidas sanitárias simples que teriam evitado 1 a cada 5 mortes (na avaliação do epidemiologista Pedro Hallal), no caso particular do Brasil, colocou o país na vanguarda do movimento canalha, sustentado pela base teórica do negacionismo.

Negar a ciência e a história não é novidade. Galileu e Giordano Bruno foram condenados à morte, porque suas descobertas científicas contrariavam interesses religiosos. O holocausto de judeus durante a Segunda Guerra tem sido negado, apesar das seis milhões de evidências. Magalhães deu uma volta de 360 ao redor do planeta, há meio milênio e, mesmo assim, ainda há quem afirme que a Terra é plana. Desde o século XVIII, vacinas têm salvado bilhões, não obstante, sempre houve os antivacina. Enquanto epidemiologistas alertam sobre o perigo de outras pandemias, discursos anticiência apoiam pandemias. Cientistas sociais precisam denunciar o perigo do apagão ético.

Diante da intensificação de campanhas de desinformação, estudos sobre agnotologia – um neologismo derivado do grego agnosis (ignorância) e logia (estudo) – têm crescido bastante. Trata-se de uma área da ciência que se dedica a estudar a produção cultural e política da ignorância. O conceito foi desenvolvido pelo historiador Robert Proctor, autor de Agnotologia: a construção e a desconstrução da ignorância, de 1995. Estudos encabeçados pelo Social Science Resource Council of New York, mencionados pelo pesquisador brasileiro Renan Leonel, em entrevista à Agência FAPESP, tem trabalhado com a hipótese de que, em países como Estados Unidos, Brasil e Reino Unido, campeões mundiais em casos de Covid-19, a não adesão da população às recomendações da Organização Mundial de Saúde pode ser explicada pela institucionalização do negacionismo que virou, nesses países, discurso oficial e política de Estado. A questão que se coloca aqui é a seguinte: assim como sobrou campanha de desinformação, também não faltou informação. Porque algumas pessoas embarcam na desinformação?

A atitude negacionista não exclui apenas a ciência, mas, também, uma das capacidades mais específicas do gênero humano, que é a empatia, uma vez que não considera os outros na tomada de perspectiva e de decisão. A condição é tão disfuncional que se poderia pensar em doença. Doença, no entanto, afasta a hipótese e a responsabilidade da escolha. Trata-se de uma escolha ou de uma condição? Algumas pessoas são de fato incapazes de reestruturar o pensamento a partir de evidências? Ou escolhem por conveniência no que acreditar, tirando proveito da base teórica deformada?

Distorção cognitiva acontece quando mal interpretamos informações, resultando em consequências negativas e sofrimento desnecessário.  São muitos os exemplos de distorção cognitiva comuns, hoje em dia, envolvendo, sobretudo, as ideias de opinião, liberdade de expressão e democracia.

Contra fatos não há argumentos. Exceto para o negacionista, que costuma ser dotado de uma incrível capacidade cognitiva para elaborar argumentação, que embora careça de lógica e evidência, esbanja convicção. Assim, tornam-se experts em distorcer os fatos até que eles caibam nas suas opiniões, reivindicando vigorosamente o direito de discordar da ciência. Nathalia Pasternak, em seu depoimento na CPI da Covid, desenhou: “ciência não é uma questão de opinião. Não é uma questão do que eu enxergo contra o que você enxerga. Não é uma visão do mundo …. Não é uma questão de desrespeitar a opinião alheia. É questão que a ciência funciona buscando os fatos”. Claro desse jeito, todo mundo entendeu, mas obviamente nem todo mundo concordou.

Liberdade de expressão, o sagrado direito constitucional de manifestar opinião, sem censura e sem opressão, vírgula. Por extenso, porque se trata de uma pausa essencial para garantir que todos tenham acesso igual a uma série de outros direitos, entre eles, o de existir. Liberdade de expressão, para ser de fato e justa, precisa ser pontuada expressamente pelo seu limite que, em civilização, é o limite de qualquer liberdade, as outras pessoas. Liberdade de expressão não inclui: direito de caluniar, difamar e discriminar, como na homofobia e no racismo, por exemplo. Esses não são direitos, inclusive são crimes. Todo mundo compreende? Certamente! Alguns apenas discordam e reivindicam indignadamente o direito de ofender.

Por fim, o coração dos direitos de opinião e expressão, democracia, o dispositivo político garantidor das liberdades, do respeito aos direitos inalienáveis do ser humano, fundamental para a paz e o respeito às diferenças. Democracia é o que assegura que o interesse coletivo prevalecerá sobre as vontades individuais. No entanto, é democracia que o negacionismo invoca para reivindicar a volta do AI-5, um dos 17 Atos Institucionais do regime militar, o mais duro eles, que fechou o Congresso Nacional, cassou mais de 170 mandatos legislativos e instituiu a censura da imprensa e das artes. Ou seja, valendo-se da democracia, a canalhice reivindica o fim da democracia. Invocando democracia  defende-se, também, o direito de não usar máscara, de não se vacinar e de aglomerar em franca pandemia. Nesse caso, particular, mais que distorção, é inversão cognitiva, já que claramente se confunde democracia, com o seu oposto, fazer valer a vontade mesmo quando prejudica a saúde coletiva.

Atitudes guiam o comportamento e são determinadas por componentes cognitivos afetivamente carregados. Em geral, são estáveis, mas a partir de evidências em contrário ou da falta de evidências, as pessoas costumam ser capazes de contestar pensamentos irracionais ou distorcidos e mudar de atitude. Pode ser que determinadas atitudes sejam tão emocionalmente ancoradas para algumas pessoas, que elas simplesmente não conseguem se mover cognitivamente, ainda que as evidências gritem. Nesse caso, a distorção não se corrige por causa de uma incapacidade cognitiva de reformular, é involuntária, portanto. Mas existe também a possibilidade de distorções cognitivas voluntárias e oportunas que acontecem para garantir vantagens pessoais, em detrimento do convívio social. Aí, então, não se trata de distorção, mas de fraude cognitiva. Haverá sempre um fraudador se aproveitando da vulnerabilidade cognitiva de alguém que falha em reestruturar.

No apagão ético, por falha ou fraude, a humanidade perde. Em vida, em planeta, e se perde. Empatia e racionalidade, as características mais distintivas do gênero humano, foram sendo borradas, no apagão ético do último biênio, quando a humanidade ficou mais de cinco milhões de vezes diminuída.

Nenhum homem é uma ilha, inteiramente isolado, todo homem é um pedaço de um continente, uma parte de um todo. Se um torrão de terra for levado pelas águas até o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntai: Por quem os sinos dobram; eles dobram por vós” (John Donne)

Não restará continente humano fora da ética. O mundo da canalhice não se sustenta. A pandemia é viral  e a crise ética também é. Discurso oficial pega mais que catapora e o negacionismo institucionalizado mina os mecanismos de defesa. Apesar dos que insistem em obscurecer, seres humanos tem um incomparável talento para iluminar. Basta um fósforo. Cabe às humanidades riscar.

A mercantilização do mal-estar

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Publicado em El Blog de las Socias, o artigo La mercantilización del malestar, autoria do Dr. Manuel Desviat, psiquiatra espanhol, que dirigiu e assessorou processos da reforma psiquiátrica na Espanha e na América Latina e foi presidente da Asociación Española de Neuropsiquiatría ‒ profesionales de la salud mental (AEN). Desviat é bem conhecido por nós brasileiros, com a sua presença em eventos e em particular graças  com as suas várias publicações, entre elas o livro publicado pela Editora FIOCRUZ, A Reforma Psiquiátrica.

“A patologização de pessoas, minorias ou populações nativas não é novidade para o capitalismo. Originalmente, era necessário a ciência médica para legitimar a patologização dos temas que se adequavam à exploração industrial e colonial, aos povos nativos e ao dejeto humano da industrialização. O que mudou é que, nos nossos dias, o capitalismo conseguiu a patologização de toda a sociedade. Patologização do corpo e da mente, que anda de mãos dadas com a medicalização do desconforto, transformando a saúde num meio de controle, normatividade e uma fonte de lucro (a indústria farmacêutica e de tecnologia sanitária constitui a terceira fonte de acumulação de capital). ”

“ […] houve um tempo em que sentimentos de mal-estar ou infelicidade, que hoje acabam por ser diagnosticados como ansiedade ou depressão, eram tomados como parte da ordem natural das coisas, mas hoje, o gigantesco poder da empresa farmacêutica está a tomar conta do discurso e dos tratamentos médicos. Desde as últimas décadas do século XX, uma época que coincide com o aparecimento de novos e muito mais caros medicamentos psicotrópicos, a indústria farmacêutica colonizou a psiquiatria, as suas publicações, protocolos, diretrizes, classificações (DSM; DCI), investigação, congressos, formação, associações profissionais penetrantes e as de membros da família e usuários. As associações psiquiátricas em todo o mundo mudam a sua orientação: a psiquiatria torna-se (farmaco)biológica, deslocando correntes psicodinâmicas e comunitárias. As associações psiquiátricas de crianças e adolescentes promovem a medicação infantil, sendo a perturbação do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) um bom exemplo das suas consequências: centenas de milhares de comprimidos de anfetaminas que tornam milhões de crianças inquietas, distraídas ou preguiçosas em todo o mundo viciadas para toda a vida. O conflito psíquico é rotulado como um fracasso biológico e a terapia é redirecionada para a farmacologia e para a adaptação do doente à sua condição de paciente, encobrindo a crise subjetiva e as suas razões, fugindo à responsabilidade individual e coletiva. ”

“[…] é necessário redefinir a comunidade e reescrever conceitos como autonomia, dependência, liberdade, empoderamento, consciência da doença, normalidade, habitabilidade, equidade, universalidade, recuperação, emancipação, cuidados, tratamento, diagnóstico. Sem dúvida que existem ocorrências pouco usuais com ou sem sofrimento psíquico, mas a esquizofrenia que tenta capturá-las é uma construção da psiquiatria. Isto não evita o conflito subjetivo, a ruptura subjetiva ou a loucura, que, como diz a Princesa Inca, poeta e ativista da saúde mental, é dolorosa (Princesa Inca, 2011), e é por isso que, seja pela ajuda mútua ou pelas profissões da saúde mental, é necessário atender à pessoa que sofre.

“ […] estes são tempos adversos, não muito propícios à ação coletiva, mas também e precisamente por isso, emergem núcleos não só de resistência, pontos focais que subvertem a vulnerabilidade numa força mobilizadora, numa arma política emancipatória, como Judith Butler (2018) assinala. Fazer da doença uma arma, proclamou o Coletivo Socialista de Doentes [mentais] (SPK) em 1970, em um motim numa clínica universitária em Heidelberg. Muito tem acontecido desde então. A indignação social e cívica explodiu por todo o lado em incêndios que, embora de curta duração, deixaram brasas que alimentam um novo discurso, novas formas de luta. Na saúde mental, as reformas e a psiquiatria comunitária encontraram o seu limite máximo e, portanto, a necessidade de novas formas de saúde mental para o comum, para a saúde mental coletiva. Pela primeira vez desde a moderna atenção à loucura e à consideração da diversidade, há uma construção dialógica no tratamento, pela primeira vez há um encontro entre profissionais e sujeitos afetados; um diálogo nem sempre fácil, e ainda tremendamente minoritário, mas essencial se quisermos resignificar e inovar nas formas e ferramentas conceituais que nos permitam uma nova clínica (tratamento), uma clínica e uma ação terapêutica participada, desde o subjetivo e o social, uma saúde mental coletiva.

Uma tarefa teórica e prática em que a ação terapêutica terá de procurar alianças em movimentos de resistência e emancipação.”

Leia na íntegra →

Revista del Observatorio Uurguayo de Derechos Humanos y Salud Mental

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REVISTA DEL OBSERVATORIO URUGUAYO DE DERECHOS HUMANOS Y SALUD MENTAL, Universidad de la Republica Uruguy.  Neste primeiro número, há vários artigos mostrando iniciativas exemplares da luta antimanicomial e a criação de observatórios, do Uruguai, da América Latina e Caribe e futuramente no Brasil.

Destacamos aqui um trecho da entrevista com o Dr. Paulo Amarante. Respondendo à pergunta “Que desafios regionais podemos destacar em relação à reforma?, Paulo Amarante diz:

“Os desafios são principalmente no sentido político em geral, porque quando falamos de saúde mental, comportamento, subjetividade, não podemos falar apenas de questões científicas. Há sempre uma simultaneidade de fatores, que são culturais, políticos, ideológicos; não há como falar de saúde mental de uma forma abstrata, genericamente, não podemos falar de saúde mental na América Latina; há muitos povos, muitas culturas, muitas nações, muitas línguas. Um desafio é não conduzir os processos de mudança apenas com critérios científicos; a ciência é importante, mas no campo social as ciências humanas não têm a mesma organização quantitativa e mensurável que as ciências duras. Isto é muito importante, a reforma tem de ter uma relação epistemológico-científico-político, este é o grande desafio, para se construir uma posição crítica. Outro desafio está relacionado com a transcendência das disputas de poder entre corporações, organizações de profissões que lutam para legitimar os seus conhecimentos sobre os de outros, psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, etc. Outro desafio está relacionado com interesses comerciais, os proprietários de clínicas privadas, da indústria farmacêutica, de tratamentos de alto custo. A sua influência no desenvolvimento do conhecimento, no financiamento de investigação, congressos, publicações, etc., é também um desafio.”

“Sublinho a importância dos observatórios, a criação do Observatório da Rede da América Latina e do Caribe; o do Uruguai, no Brasil estamos também criando um, estabelecendo uma rede de observatórios latino-americanos, a importância de registar, visualizar o que está acontecendo: quantas camas estão funcionando, duração da estadia, capacidade de ambulatório. Precisamos de mapear as novas instalações, identificar os problemas que temos. Uma ferramenta para mapear o que está a acontecer, não só nos dá ferramentas para a gestão, orientação, planejamento, mas também para identificar questões que vale a pena replicar, multiplicar, e para identificar os problemas que temos.”

Leia

Em Memória do Marcelo Dias

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Mais que tudo, perdemos um amigo e um irmão!

Marcelo Dias tinha a rara habilidade de ser generoso, afetuoso e responsável pelas pessoas que amava e que, sobretudo, tinha o compromisso de cuidar. Por estas razões é que, além de perdemos um defensor fervoroso e consciente de uma prática psiquiátrica em favor das pessoas que sofrem e desejam de fato superar o sofrimento, a sensação é a de certeza de termos perdido uma pessoa muito querida e especial.

Marcelo exercia a profissão de médico psiquiatra com uma inquietação orientada ao mesmo tempo pela ciência e pela ética real do cuidado. Foi um visionário ao perceber as contribuições trazidas pelas novas práticas e saberes psiquiátricas, que corajosa e pioneiramente passou a implementar na sua atividade profissional. Assim foi com o Diálogo Aberto, que mal começávamos a conhecer e a divulgar no Brasil enquanto Marcelo já o desenvolvia nos serviços em que atuava. Da mesma forma, foi palestrante em nossos Seminários Internacionais A Epidemia das Drogas Psiquiátricas realizados na FIOCRUZ, e em programas na TV MIB, sempre percebendo a  importância do pensamento crítico.

E, acima de tudo, como afirmamos anteriormente, Marcelo era uma pessoa dedicada a ouvir, reconhecer e acolher a diferença e a diversidade, a necessidade de uma crítica para uma transformação permanente da psiquiatria e da saúde mental. Nossa sensação pessoal é de uma perda de um grande lutador, um grande inovador e, acima de tudo um irmão e amigo! Marcelo estará sempre presente em nossas mentes e projetos!

Nossos sentimentos à família e aos amigos do querido Marcelo Dias!

Paulo Amarante e Fernando Freitas -Editores do Mad in Brasil

Pesquisadores fornecem orientação para reduzir e parar as drogas psiquiátricas

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Em um novo artigo na European Neuropsychopharmacology, os pesquisadores Mark Horowitz e David Taylor fornecem orientações para a redução de medicamentos psiquiátricos, seja para a descontinuação total ou para a redução da dose. Eles sugerem um afilamento lento e individualizado para minimizar os efeitos da abstinência.

“O princípio geral ao reduzir ou parar os medicamentos psiquiátricos é o seguinte. Fazer uma pequena redução, monitorar os efeitos de retirada ou desestabilização do paciente, depois assegurar a estabilidade antes de fazer outras reduções. As reduções devem provavelmente ser feitas em incrementos cada vez menores devido à farmacologia dos medicamentos; a dose final antes da parada completa precisará ser muito pequena”.

Horowitz e Taylor escreveram anteriormente sobre esta abordagem para antidepressivos na Lancet Psychiatry e para antipsicóticos na JAMA Psychiatry (com Sir Robin Murray).

Uma pesquisa de 2018 descobriu que 84,6% das pessoas que tentaram descontinuar um antidepressivo experimentaram sintomas de abstinência, que duraram mais de um ano para 47% delas. A abstinência do antidepressivo pode incluir ansiedade, lacrimejamento, pavor, dormência, zapping cerebral (descrito como semelhante a “choques elétricos”), náusea, vômito, diarréia, tontura, fadiga, insônia, pesadelos, problemas sexuais, confusão e amnésia.

O uso a longo prazo de drogas psiquiátricas faz com que o corpo se adapte à presença dessas drogas; quando as drogas são removidas do sistema, as adaptações continuam a ocorrer. Isto causa a abstinência.

“Não há razão para se pensar que o cérebro ou o corpo podem voltar ao seu estado pré-droga em semanas após a adaptação ao longo de anos ou décadas de exposição a medicamentos”, escrevem Horowitz e Taylor. Eles acrescentam: “Relatos de pacientes sobre efeitos duradouros são freqüentemente descartados porque o medicamento está ‘fora do sistema’. Entretanto, são as adaptações à droga que persistem, fazendo com que o cérebro registre uma falta da entrada antecipada de drogas psiquiátricas, o que se manifesta como efeitos de abstinência”.

Algumas pessoas podem precisar de meses ou mesmo anos para diminuir lentamente a sua dose antes de eventualmente parar definitivamente a droga. Os pesquisadores escrevem:

“Os efeitos de abstinência (e recaída) podem ser minimizados por um período suficientemente longo de descontinuação, para que as adaptações subjacentes à droga sejam resolvidas”.

De acordo com os pesquisadores, com base em estudos dos efeitos da droga no cérebro, as drogas psiquiátricas impactam o cérebro com uma relação hiperbólica. Ou seja, em doses baixas, pequenos ajustes têm enormes impactos – mas em doses altas, mesmo grandes ajustes têm menos impacto.

“A relação entre a dose de uma droga psiquiátrica e seus efeitos é hiperbólica”, escrevem eles. “Isto é uma conseqüência da lei de ação de massa: quando há poucas moléculas de uma droga presentes no local de ação, cada molécula adicional tem um grande efeito incremental, mas quando concentrações mais altas estão presentes, cada molécula adicional tem cada vez menos efeito, à medida que os receptores tornam-se saturados”.

Isto significa que as reduções de dose não devem ser lineares (reduzidas na mesma quantidade cada vez, por exemplo, 40, 30, 20, 10, 0 mg). Em vez disso, uma estratégia é reduzir a dose atual em 10% a cada vez, especialmente assegurando que o último ajuste – para a descontinuação total – seja muito pequeno.

“Para a maioria das drogas psiquiátricas, isto significa que a dose final necessária antes da interrupção completa será muito pequena, muito menor do que as doses comumente usadas, e em muitos casos muito menor do que as formulações de comprimidos disponíveis”, escrevem eles.

Se as doses finais forem menores do que as disponíveis, então o que os pacientes devem fazer? Horowitz e Taylor sugerem que formulações líquidas e tiras afiladas podem preencher esse vazio. Muitas drogas psiquiátricas já estão disponíveis na forma líquida, o que permite doses muito pequenas. Entretanto, as tiras afiladas estão apenas começando a se tornar mais amplamente utilizadas.

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Horowitz MA, & Taylor D. (2021). How to reduce and stop psychiatric medication. European Neuropsychopharmacology, 55, 4-7. https://doi.org/10.1016/j.euroneuro.2021.10.001 (Link)

A Ilusão Visual da Eficácia em Ensaios de Drogas Psiquiátricas

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Relatórios publicados de ensaios clínicos de medicamentos psiquiátricos normalmente incluem um gráfico mostrando a eficácia do medicamento em estudo na redução dos sintomas do distúrbio em comparação com placebo. Estes gráficos são visualmente convincentes. Eles quase sempre mostram uma separação notável entre o medicamento em estudo e o placebo na redução dos sintomas ao longo do tempo, e assim o leitor pode ver o que os autores do estudo concluem: O medicamento em estudo, em uma ou outra dose, é um tratamento eficaz para o distúrbio.

Estes gráficos, no entanto, apresentam uma ilusão de eficácia. É feito de forma muito simples: Os gráficos são montados com um eixo vertical que, em essência, atua como uma lupa.

Em um recente relatório do MIA intitulado Anatomia de uma Indústria: Comércio, Pagamentos aos Psiquiatras e Traição ao Bem Público, Mad in America analisou as influências financeiras presentes quando sete novos psicotrópicos foram introduzidos no mercado entre 2013 e 2017: quatro antipsicóticos, um antidepressivo e dois medicamentos para a discinesia tardia. Os relatórios publicados sobre os ensaios mais importantes destes medicamentos apresentavam sempre uma ilusão gráfica deste tipo, uma ilusão que pode ser revelada ao se refazer o gráfico dos dados de eficácia com um eixo vertical adequado.

Aqui estão os gráficos que mostram esta ilusão de eficácia para cada um dos sete medicamentos, juntamente com gráficos semelhantes para um quinto antipsicótico que foi aprovado em 2020 (lumateperona).

Antipsicóticos orais como um tratamento para a esquizofrenia

Em ensaios cruciais de um medicamento que está sendo testado como tratamento para esquizofrenia, a medida do resultado primário é a redução dos sintomas na Escala de Síndrome Positiva e Negativa (PANSS). A escala é composta de 30 perguntas, com cada resposta pontuada de 1 a 7, e assim é uma escala de 210 pontos (com possíveis pontuações variando de 30 a 210.) Entretanto, os gráficos de eficácia em relatórios publicados não utilizam essa faixa de possíveis pontuações enquanto eixo vertical; em vez disso, utilizam regularmente um segmento de 25 a 30 pontos da escala PANSS, que atua como uma lupa ao apresentar a “separação” entre droga e placebo.

Rexulti/brexpiprazol

Em um estudo da fase III publicado em 2015, três doses de brexpiprazol foram comparadas com placebo durante um período de seis semanas. Aqui está o gráfico que mostra a eficácia do medicamento nestas três doses:

Parece que há um curso significativamente diferente para aqueles tratados com brexpiprazol em comparação com placebo. No entanto, o eixo vertical fala de uma redução nos sintomas de 0 a 25 pontos na escala PANSS. Esse é o efeito de ampliação: Não há nenhuma informação neste gráfico que diga que esta queda de pontos ocorreu em uma escala de 210 pontos. O uso de um segmento de 25 pontos da escala, ao invés de um segmento com pontuação de 180 pontos, poderia ser dito para ampliar a diferença por um fator de sete (180/25).

A perspectiva adequada seria um gráfico que traçasse a pontuação PANSS com um eixo vertical de 30 a 210 pontos. Isto representaria o curso clínico dos quatro grupos ao longo das seis semanas, e revelaria se havia uma diferença significativa entre os grupos placebo e brexpiprazol.

Como pode ser visto neste gráfico, quase não há diferença no status clínico dos quatro grupos em qualquer momento durante as seis semanas. Os pesquisadores determinaram que é necessário haver pelo menos uma diferença de 15 pontos nos escores de PANSS entre o medicamento e o placebo para que o tratamento proporcione um benefício clinicamente importante, e nenhuma das três doses de brexpiprazol atendia a esse padrão.

Este gráfico também revela que “significância estatística” não deve ser confundida com significância clínica. Embora os resultados para os três coortes brexpiprazol pareçam indistinguíveis, duas das três doses – as doses de 2 mg e 4 mg – foram espremidas sobre a linha “estatisticamente significante”, e isto levou os autores do estudo a concluir que a droga era segura e eficaz nestas doses.

O primeiro gráfico acima apresentou uma queda nos sintomas; o segundo gráfico apresentou a pontuação do PANSS. É possível reaplicar o efeito de ampliação às pontuações do PANSS substituindo o eixo de 30 a 210 pontos por um que vai de 70 a 95 pontos. Assim como no primeiro gráfico, agora aparece uma separação notável entre droga e placebo. Há a mesma ampliação de sete vezes dos resultados.

A descoberta “segura e eficaz” em um artigo publicado, junto com o visual que fala de uma notável separação nos sintomas entre droga e placebo, fornece a “evidência” de como um fabricante de drogas pode usar para promover o seu produto. O fabricante paga aos psiquiatras para servirem como seus conselheiros, consultores e palestrantes e, coletivamente, este grupo elabora os resultados do estudo, escreve revisões adicionais do medicamento e fala sobre sua utilidade em jantares, conferências e webinars CME.

Essa promoção transformou o Rexulti em um medicamento comercialmente bem-sucedido, que gerou US$ 1,4 bilhão em vendas de Medicare e Medicaid de 2015 a 2019.

Vraylar/cariprazina

Em um ensaio fase III de cariprazina, publicado em 2015, duas doses de cariprazina foram comparadas com placebo e com uma dose de 10 mg de aripiprazol. O gráfico de eficácia que foi publicado utilizou o mesmo eixo vertical de 25 pontos mostrando uma queda nos sintomas como fez a publicação brexpiprazol.

O gráfico mostra uma notável separação nos sintomas entre o grupo placebo e os três grupos tratados com cariprazina ou aripiprazol, com esta separação se tornando aparente na segunda semana e mais pronunciada ao longo do tempo.

Agora, aqui está um gráfico que mostra a pontuação de seus PANSS ao longo do tempo:

 

Mais uma vez, a falta de significância clínica é evidente neste visual. O gráfico fornece o mesmo entendimento que os dados numéricos. No final do estudo, havia apenas uma diferença de 10 pontos entre placebo e a dose de 6 mg de cariprazina, e a diferença entre placebo e droga era ainda menor do que a dose de 3 mg. Tanto o gráfico quanto os dados indicam um tratamento medicamentoso que não proporcionou um benefício clínico significativo.

Entretanto, as pequenas diferenças na pontuação do PANSS foram “estatisticamente significativas”, e assim os autores concluíram que a cariprazina era segura e eficaz tanto na dose de 3 mg como na de 6 mg. O maquinário promocional usual entrou em ação assim que o medicamento foi aprovado, e ainda outro medicamento bilionário nasceu. As vendas de Medicare e Medicaid de Vraylar totalizaram $1,2 bilhões de dólares de 2016 a 2019.

Caplyta/lumateperone

Um ensaio fase III de lumateperona, publicado em 2020, comparou duas doses de lumateperona com placebo durante um período de quatro semanas. O gráfico de eficácia utilizou um eixo vertical de 16 pontos, que aumentou o efeito de lupa 11 vezes.

Mais uma vez, parece que há uma diferença significativa na diminuição dos sintomas no PANSS para os dois grupos medicados em comparação com placebo. Aqui está um gráfico de suas pontuações no PANSS durante o período de quatro semanas:

Mais uma vez, parece que há uma diferença significativa na diminuição dos sintomas no PANSS para os dois grupos medicados em comparação com placebo. Aqui está um gráfico de suas pontuações no PANSS durante o período de quatro semanas:

Não há praticamente nenhuma separação entre os grupos medicados e placebo neste gráfico. Na verdade, havia apenas uma diferença de 3,2 pontos nos resultados do PANSS no dia 28 entre placebo e a dose de 42 mg, e uma diferença de 2,4 pontos entre placebo e a dose de 24 mg. Estas diferenças, em uma escala de 210 pontos, não tinham significado clínico, e ainda assim a dose de 42 mg foi considerada como proporcionando um benefício estatisticamente significativo.

Igualmente revelador, a dose de 24 mg não passou o obstáculo “estatisticamente significativo”. Como havia uma pequena diferença nas notas de base para as duas doses, a redução total dos sintomas para a dose de 42 mg foi 1,6 pontos maior do que para a dose de 24 mg, e no mundo de significância estatística, essa diferença minúscula separou um medicamento “eficaz” de um “não eficaz”.

Como a lumateperona não chegou ao mercado até 2020, ainda não há registro público de vendas de Medicaid e Medicare da Caplyta.

Antipsicóticos injetáveis como tratamento para esquizofrenia

Abilify Maintena/aripiprazole uma vez por mês

Em um estudo de 12 semanas de aripiprazole uma vez por mês como tratamento para uma exacerbação aguda da esquizofrenia, os pacientes foram randomizados para placebo ou para um regime de aripiprazole oral e uma dose injetável durante as duas primeiras semanas, com a dose oral interrompida após esse período.

O gráfico de eficácia no artigo publicado utilizou um eixo vertical de 30 pontos que traçou uma diminuição na pontuação do PANSS durante as 12 semanas (uma ampliação de seis vezes os resultados). O visual retrata uma diferença dramática na redução dos sintomas entre os dois grupos.

Entretanto, a diferença de 14,6 pontos entre droga e placebo nas 12 semanas ainda não atingiu o nível “mínimo” de uma “diferença clinicamente importante”. Um gráfico que mostra a pontuação do PANSS em um eixo vertical adequado mostra uma separação visível nos sintomas, mas, ao mesmo tempo, fornece um contexto para entender por que esta diferença era de um tipo modesto e ainda assim ficou aquém de uma diferença clinicamente significativa.

Otsuka e Lundbeck trouxeram o Abilify Maintena ao mercado em 2014 como tratamento para esquizofrenia e como tratamento de manutenção para bipolar. As vendas de Medicare e Medicaid dos injetáveis de 2014 até 2019 totalizaram US$ 3 bilhões.

Aristada/aripipiprazole lauroxil

A eficácia do lauroxil aripiprazole injetável foi avaliada durante um período de 12 semanas como tratamento para uma exacerbação aguda da esquizofrenia. O gráfico de eficácia no artigo publicado utilizou um eixo vertical de 25 pontos (uma ampliação de sete vezes os resultados). Os resultados da eficácia, que compararam duas doses diferentes de placebo, parecem muito semelhantes aos do estudo Abilify Maintena.

 

Um gráfico de seus escores de PANSS revela que a separação entre placebo e uma dose injetável é ligeiramente menor do que nos ensaios de Abilify Maintena. A diferença entre placebo e droga parece ser de um tipo mínimo (12 pontos para a dose de 882 mg, e 11 pontos para a dose de 441 mg), e assim nenhuma das doses atingiu o padrão de 15 pontos para uma diferença clinicamente importante.

As vendas de Medicaid e Medicare da Aristada totalizaram 726 milhões de dólares de 2015-2019.

 

 

 

 

Medicamentos para a discinesia tardia

A escala de movimento involuntário anormal (AIMS) usada para medir sintomas de discinesia tardia avalia os movimentos em sete áreas, com pontuação de 0 a 4. Portanto, é uma escala de 28 pontos.

Austedo/deutetrabenazina

Em um ensaio de 12 semanas de deutetrabenazina, o gráfico de eficácia utilizou um eixo vertical de 3 pontos para representar quedas na pontuação do AIMS (uma ampliação de nove vezes.) O gráfico mostra uma diminuição dramática nos sintomas de Discenia Tardia para o grupo de deutetrabenazina em comparação com o placebo, com a separação evidente ao final de quatro semanas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De fato, ao final de 12 semanas, havia apenas uma diferença de 1,4 pontos na redução dos sintomas na escala AIMS entre a droga e o placebo, com esta diferença mínima esclarecida quando as pontuações dos sintomas são traçadas em um eixo vertical de 28 pontos.

A diferença de 1,4 pontos foi considerada “estatisticamente significativa”, e assim os pesquisadores concluíram que a dutetrabenazina era segura e eficaz como tratamento para a Discinesia Tardia. Entretanto, pode-se pensar que uma diferença de 1,4 pontos em uma escala de 28 pontos não seria clinicamente perceptível, e duas medidas de resultados secundários provaram ser esse o caso. Não houve diferença “estatisticamente significativa” nos resultados com base na “Impressão Global de Mudança” do clínico, e isso provou ser verdade também para as auto-avaliações dos pacientes. Nem os clínicos nem os pacientes notaram uma diferença significativa nos “resultados globais” no final de 12 semanas.

As vendas de Medicaid e Medicare da Austedo totalizaram 581 milhões de dólares de 2017 a 2020.

Ingrezza/valbenazina

Um ensaio de seis semanas de valbenazina produziu uma queda semelhante nos sintomas para os pacientes medicados, e como os pacientes com placebo neste estudo não melhoraram, o gráfico de eficácia que foi publicado, usando um eixo vertical de 4 pontos, mostrou uma separação íngreme do placebo para ambas as doses de valbenazina (40 mg e 80 mg).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Entretanto, o mapeamento dos sintomas de Discinesia Tardia em um eixo vertical de 28 pontos mostra uma diferença muito mais modesta entre droga e placebo.

Uma medida de resultado secundário revela mais uma vez qual dos dois gráficos reflete melhor a realidade clínica. Ao final de seis semanas, não havia diferença “significativa” entre placebo e qualquer uma das doses de droga em uma medida de resultado intitulada “Impressão Clínica Global de Mudança-Discinesia Tardia”. Este é um resultado que fala da incapacidade dos clínicos de notar uma diferença nos resultados “globais” dos grupos medicamentosos e placebo.

As vendas de Medicare e Medicaid da Ingrezza totalizaram $1,2 bilhões de dólares de 2017-2019.

O mais recente antidepressivo

É agora bastante conhecido que os ensaios clínicos de antidepressivos de “segunda geração” não demonstraram grande benefício na escala HAM-D que foi usada para avaliar os resultados primários quando esses medicamentos chegaram ao mercado. Nos ensaios de vortioxetina, um antidepressivo aprovado pela FDA em 2013, a Escala de Depressão Montgomery-Asberg (MADRS) foi utilizada para avaliar a eficácia. Esta é uma escala de 60 pontos que avalia os sintomas em 10 domínios, com uma pontuação de 0 a 6 para cada domínio.

Brintellix/vortioxetina

Um ensaio aleatório americano de vortioxetina comparou duas doses do medicamento com placebo durante um período de oito semanas. O gráfico de eficácia no relatório publicado usou uma escala de 18 pontos para representar diminuições nos escores do MADRS (aumento de três vezes), e enquanto mostrava uma separação entre placebo e ambas as doses do medicamento, a separação visual não foi tão pronunciada como nos ensaios antipsicóticos, refletindo como o efeito de aumento foi muito menor nesta apresentação de dados.

Quando as pontuações do MADRS são plotadas em um eixo de 60 pontos, a diferença entre placebo e as duas doses de vortioxetina quase desaparece.

Na oitava semana, havia uma diferença de 3,2 pontos nos sintomas na escala MADRS entre placebo e a dose de 20 mg de vortioxetina, bem como uma diferença de 1,9 pontos entre placebo e a dose de 10 mg. Embora os resultados para as duas coortes de vortioxetina fossem quase idênticos, verificou-se que a dose de 20 mg produzia um benefício sobre o placebo que era “estatisticamente significativo”, enquanto a dose de 10 mg não alcançou este padrão.

Outros ensaios de vortioxetina produziram resultados similares, com algumas doses consideradas como proporcionando um benefício “estatisticamente significativo”, e outras doses não atingiram este padrão. Mesmo assim, Takeda e Lundbeck, com a ajuda dos psiquiatras que receberam para servir como seus consultores, assessores e palestrantes, ainda encontraram sucesso no mercado com este medicamento, com as vendas do Medicaid e Medicare totalizando $1,25 bilhões de dólares de 2014 a 2019.

lusões Visuais: Chave para a comercialização de medicamentos psiquiátricos

Os relatórios publicados dos oito ensaios analisados aqui apresentaram todos gráficos que proporcionaram um “visual” de drogas que eram bastante eficazes na redução dos sintomas do transtorno. Os gráficos falavam de tratamentos que começaram a proporcionar um benefício sobre o placebo bastante rapidamente, com este benefício sustentado e muitas vezes se tornando mais pronunciado ao final do estudo.

Estes gráficos de eficácia são o que fica na mente dos prescritores. A apresentação visual substitui os dados numéricos, e estes gráficos são usados regularmente em apresentações em eventos de jantar, conferências, e webinars CME. Eles falam de uma separação do tratamento medicamentoso do placebo ao longo do tempo, e assim apresentam uma compreensão visual de como o curso clínico dos pacientes tratados é superior ao curso em pacientes não tratados (que é como o grupo placebo é visto).

No entanto, nos estudos antipsicóticos analisados aqui, nem uma única dose de qualquer um dos cinco antipsicóticos produziu um benefício que atendeu ao padrão de uma “diferença clinicamente importante” sobre o placebo. Nos ensaios dos dois medicamentos para a Discenesia Tardia, nenhum deles produziu um benefício sobre o placebo que fosse clinicamente perceptível. O mesmo se aplicou à vortioxetina: nenhuma das duas drogas produziu um benefício sobre o placebo que, em uma escala de 60 pontos, seria clinicamente perceptível.

Em todos os casos, o quadro visual da eficácia significativa do medicamento surgiu do uso de um eixo vertical que servia como lupa, ampliando drasticamente as diferenças entre o medicamento e o placebo.

No entanto, como foi visto acima, uma imagem diferente emerge quando os sintomas são representados em um gráfico que emprega toda a gama de possíveis pontuações como seu eixo vertical. O efeito de ampliação desaparece, e o visual está agora em sincronia com os dados que falam de um medicamento que falhou em fornecer um benefício clinicamente significativo.

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Atualização: Este artigo foi atualizado para refletir que embora o PANSS seja uma escala de 210 pontos, o intervalo de pontuação possível é de 30 a 210 (um intervalo de 180 pontos.) Os gráficos do PANSS tinham anteriormente um eixo y de 0 a 210; os gráficos atualizados usam um eixo y de 30 a 210.

Revisão Documenta Sintomas Graves de Abstinência com Drogas Psiquiátricas

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Um novo artigo em Psychotherapy and Psychosomatics revisa a literatura atual sobre as síndromes de abstinência após a descontinuação ou a diminuição da dosagem de várias drogas psiquiátricas. A revisão incluiu drogas antidepressivas, antipsicóticas e antiansiolíticas. Os pesquisadores descobriram que mesmo com o uso de uma interrupção gradual, conhecida como afilamento lento, os sintomas de abstinência estiveram presentes em todas as classes de drogas estudadas.

A revisão foi conduzida por Fiammetta Cosci da Universidade de Florença e Guy Chouinard da Universidade de Maastricht. Os autores verificaram que, ao contrário da crença popular, os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (antidepressivos ISRS), antipsicóticos e inibidores de recaptação de serotonina noradrenalina (antidepressivos ISRSN) mostraram síndromes pós-retirada mais severas e duradouras do que as benzodiazepinas. Esta evidência desafia as sugestões de clínicos e pesquisadores que propõem a substituição do uso de benzodiazepinas para ansiedade por antidepressivos e antipsicóticos.

A abstinência de medicamentos psiquiátricos continua sendo uma questão relevante, pois pesquisas recentes sugerem que mais da metade das pessoas que tomam antidepressivos sofrem de abstinência. Tanto os antidepressivos ISRSs, quanto os antidepressivos ISRSNs foram implicados. Há provas consideráveis de que a retirada dos antipsicóticos também pode ser duradoura e severa. Os perigos da polifarmácia e do uso inadequado de medicamentos são de grande preocupação em todo o mundo, na medida em que os pesquisadores começam a abordar seus perigos.

Para a revisão atual, Cosci e Chouinard analisaram a literatura sobre a abstinência causada pela interrupção, troca e pela diminuição de medicamentos psicotrópicos. Estes incluíram diferentes classes de medicamentos como benzodiazepinas, antipsicóticos, antidepressivos, cetamina, agonistas receptores não-benzodiazepínicos (Z-drugs), estabilizadores de humor e lítio. As síndromes de abstinência foram categorizadas em três grupos: novos sintomas de abstinência, sintomas de rebote e transtorno persistente pós-retirada.

Os novos sintomas de abstinência e rebote são de curta duração, temporários e reversíveis. Entretanto, os novos sintomas de abstinência são novos para o paciente (náuseas, dores de cabeça etc.), enquanto os sintomas de rebote se referem ao retorno repentino dos sintomas primários que muitas vezes são mais graves do que o pré-tratamento. Transtorno persistente pós-retirada refere-se a “um conjunto de sintomas duradouros, severos e potencialmente irreversíveis que ocasionam o retorno dos sintomas primários ou transtorno primário com maior intensidade e/ou novos sintomas de retirada e/ou novos sintomas ou transtornos que não estavam presentes antes do tratamento”.

Estudos vem demonstrando que os sintomas de abstinência produzidos por drogas psiquiátricas podem parecer uma recaída, criando assim a ilusão de que a descontinuação das drogas causou um retorno dos sintomas de saúde mental. Os autores deste estudo afirmam que a diferença entre recidiva/reincidência real de ” transtorno ” e sintomas de abstinência é que estes últimos são tanto mais rápidos quanto mais graves.

Cosci e Chouinard revisaram artigos em inglês publicados em revistas revisadas por pares e pesquisaram no banco de dados MEDLINE até janeiro de 2020. Foram utilizadas palavras-chave como “descontinuação/retirada”, com várias classes de medicamentos.

Eles descobriram que as benzodiazepinas e as drogas Z causavam novos sintomas de abstinência, tanto leves quanto graves, desde suor, confusão e taquicardia até convulsões e psicose. A maioria dos novos sintomas de abstinência permanecem leves e de curta duração (2-4 semanas). Os sintomas mais comuns da abstinência incluem insônia e ansiedade, mesmo após o uso a curto prazo e podem durar até 3 semanas. A ansiedade de rebote foi encontrada mesmo durante o tratamento com drogas, quando a dose estava sendo diminuída. Por exemplo, a ansiedade de rebote ocorria pela manhã após a administração da dose noturna.

Embora não haja literatura suficiente sobre os efeitos a longo prazo da abstinência de benzodiazepinas e drogas Z, alguns estudos encontraram efeitos adversos, tais como a deficiência cognitiva, com duração por muito tempo. Os autores também observam que o afilamento lento das benzodiazepinas ajuda a gerenciar os novos sintomas de abstinência e a administração de psicoterapia pode ajudar neste processo.

Para os antidepressivos, eles descobriram que novos sintomas de abstinência incluem dor, fadiga, arritmia, diarreia, visão embaçada, dormência, zapping cerebral, amnésia, depressão, alucinações e sintomas semelhantes a acidentes vasculares cerebrais, entre outros.

A depressão de rebote e até mesmo a ansiedade foram encontradas após a descontinuação dos ISRSs . O uso de ISRSs a longo prazo foi associado a distúrbios persistentes pós-retirada. Descobriram que isso é verdadeiro, mesmo que a descontinuação tenha sido gradual.

Os distúrbios pós-retirada, que algumas vezes continuaram mesmo após um ano de descontinuação, incluem distúrbios de pânico persistente, depressão, memória prejudicada, jogo patológico, distúrbios de ansiedade generalizada, várias disfunções sexuais, e outros. Os pesquisadores também observaram que as empresas farmacêuticas preferem usar a frase síndrome de descontinuação do antidepressivo em vez de “abstinência”, pois ela desvia a atenção do público para os efeitos adversos do medicamento.

A cetamina e a esquetamina, prescritas para “depressão resistente ao tratamento”, são excepcionalmente vulneráveis ao abuso e ao uso indevido. Novos sintomas de abstinência incluem fissura, tremores, delírios e alucinações, calafrios, paranoia, raiva, tremores, palpitações, etc. Eles geralmente duram 3 dias, mas podem continuar por 2 semanas. Os autores escrevem que, apesar do uso de cetamina enquanto droga de rua (Special K), o seu uso continuado tem colocado a psiquiatria “em risco de replicar o abuso da epidemia de opiáceos observada em 2016, nos EUA, com o risco de induzir neurotoxicidade”.

Constatou-se que a interrupção, redução da dosagem ou troca de antipsicóticos causou duas síndromes pós-retirada: a discinesia tardia (movimentos bruscos incontroláveis) e a psicose de supersensibilidade (alucinações, catatonia, ilusões). A primeira pode acontecer mesmo após um curto período de uso.

Novos sintomas da abstinência antipsicótica incluem calafrios, dores no peito, sensações de choque elétrico, tremor, sensibilidade genital, coma, parkinsonismo, letargia, catatonia, ansiedade, depressão e muito mais. Os sintomas de rebote incluem a catatonia e o retorno da psicose florida.

Os antipsicóticos de segunda geração, que foram produzidos para causar menos efeitos colaterais, têm tantos sintomas novos e de rebote quanto os de primeira geração. Mesmo uma diminuição gradual ao longo dos meses não foi capaz de evitar o surgimento destes sintomas de abstinência.

De modo geral, a revisão conclui que ISRSIs, ISRNs e antipsicóticos estão repetidamente ligados a distúrbios pós-retirada de longo prazo e ao aumento da gravidade da doença, quando comparados com benzodiazepinas e cetamina.

Os autores também observam que estes sintomas de abstinência frequentemente influenciam os resultados de ensaios clínicos e que existe uma confusão considerável sobre o que é um sintoma de um transtorno e o que é causado pelo tratamento (iatrogenia). Os pesquisadores alertam para o perigo de os psiquiatras negligenciarem os efeitos da abstinência:

“Os pacientes que apresentam sintomas de abstinência correm o risco de serem mal diagnosticados, maltratados e entrarem na iatrogênese em cascata, que é uma porta de entrada para a cronicidade… Os pesquisadores devem aceitar que os sujeitos em ensaios e na vida real não são mais inócuos, ou mesmo livres de drogas, a regra é estar sob polifarmácia”.

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Cosci, F. & Chouinard, G. (2020). Acute and Persistent Withdrawal Syndromes Following Discontinuation of Psychotropic Medications. Psychotherapy and Psychosomatics, Published online first: April 7, 2020. DOI:10.1159/000506868. (Link)

Entrevista inédita com a Dra. Joanna Moncrieff

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A seguir, apresentamos a entrevista que a Dra. Joanna Moncrieff recentemente deu para o madinbrasil. A Dra. Joanna estará apresentando a palestra inaugural do 5 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas. O Seminário ocorrerá nos dias 04 e 05 de novembro próximo. O Evento será promovido pelo LAPS/ENSP/FIOCRUZ. Abaixo você poderá fazer a inscrição no Seminário.

Nesta entrevista a Dra. Joanna Moncrieff fala do tema da sua palestra – O passado e o futuro da psiquiatria e suas drogas. Em termos gerais, a mensagem é que o papel da psiquiatria tem sido predominantemente de ‘medicalizar’ os problemas psicológicos e o sofrimento psíquico. A problemática das drogas psiquiátricas ganha destaque ao longo da entrevista, na medida em que o tratamento psicofarmacológico está baseado em uma falsa ideia de que o medicamento age em uma suposta base biológica do transtorno mental.

Dra. Joanna questiona se é justificável que problemas psicológicos e o sofrimento psíquico sejam tratados em dispositivos assistenciais do sistema de saúde, como é a prática atual.

A transcrição abaixo foi editada para maior extensão e clareza. Veja aqui a entrevista na íntegra.

 

Fernando: Bom dia, Joanna. Esta entrevista será uma prévia do que você irá nos apresentar no 5 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas. Em 04 de novembro, você irá falar a respeito do ‘passado e o futuro da Psiquiatria e suas Drogas’.  Você sabe que você é a convida ilustre do Seminário. Primeiramente, você poderia nos dizer algo sobre as principais questões que irá nos apresentar?

Joanna: Obrigado pela sua introdução. Irei falar sobre o passado e o futuro da psiquiatria. Há alguns anos que venho refletindo sobre o que a profissão psiquiátrica vem fazendo, o que no passado foi realizado e o que vem ocorrendo. É sobre isso o que eu quero falar no Seminário. Em termos gerais, a mensagem é que o papel da psiquiatria tem sido a medicalização dos problemas psicológicos e o sofrimento mental. Isso ocorre por razões específicas. Isso acontece porque há os interesses da corporação psiquiátrica e os interesses da indústria farmacêutica. Mas também, particularmente, o que é muito importante, porque tem sempre havido um apoio político por detrás do projeto de medicalização. Na minha opinião, a medicalização dos complexos problemas humanos seria porque tornaria mais fácil manejá-los, isso dito de uma forma nua e crua. Contudo, não necessariamente essa é a melhor forma de se lidar com as pessoas envolvidas.

Se por exemplo pensarmos nas drogas, no uso das drogas prescritas para tratar problemas de saúde mental, isso tem sido apresentado cada vez mais como tratamento médico que visa uma doença subjacente. E isso evidentemente ajuda a dar suporte à essa ideia da medicalização do sofrimento psíquico. É a ideia de que os transtornos mentais são doenças como quaisquer outras doenças, como um câncer de pulmão ou a asma. E isso é uma maneira equivocada de ver, porque se a gente entende as drogas dessa maneira a gente entende equivocadamente o que se passa. Porque não é isso o que se passa na realidade, nós não temos realmente evidências de que um transtorno psíquico seja produzido por alguma patologia biológica específica. Não temos evidências de que as drogas agem dessa maneira. E o que é o pior: se pensamos que é assim o que ocorre, nós perdemos o fato de que essas drogas estão fazendo uma outra coisa. Elas estão alterando o modo como as pessoas normalmente pensam, sentem e se comportam. E se algumas dessas alterações podem em algumas circunstâncias ser úteis, em outras podem não o ser. Nós necessitamos entender é que o que as drogas estão fazendo é alterar o estado normal de como o cérebro funciona, para se decidir se é uma boa coisa ou uma má coisa.

Isso se aplica aos pacientes assim como aos profissionais que necessitam saber que as drogas podem estar alterando os modos de pensar e sentir, para que possam tomar decisões informadas se essa ou aquela droga pode ser ou não útil. Igualmente, os profissionais precisam entender que as drogas estão alterando o funcionamento do corpo e do cérebro, caso contrário não entendem por que elas podem ser muito negativas. São consequências que podem provavelmente ser duradouras ou permanentes. Se se põe uma química no corpo que não seja útil, isso reage contra o equilíbrio químico do corpo e produz danos.

O que eu estou tentando dizer é que precisamos ter uma visão mais transparente sobre os danos com tratamento com drogas em psiquiatria. E usar o consentimento informado de modo seguro.

E necessitamos entender que se o uso de drogas pode ser útil, isso não quer dizer que necessariamente estamos agindo em um transtorno biológico. Sabemos que as drogas alteram a nossa forma de sentir as coisas. O álcool faz isso, a heroína faz isso. Mas o álcool e a heroína – agindo sobre formas de sentir – não estão agindo em doenças subjacentes.

Precisamos entender melhor as drogas psiquiátricas e como lidamos com as drogas recreativas.

E estar mais atentos para não cair na armadilha da ideia de que os efeitos das drogas confirmam o fato de que os transtornos mentais tenham uma base biológica subjacente, de que as drogas agem sobre os problemas psicológicos com base em um determinado suporte biológico.

Acho que foi uma longa resposta que eu dei.

Fernando: Há algo que sempre vem à mente quando se fala a respeito do papel da psiquiatria hoje em dia. Como psiquiatra, você pensa possível ser psiquiatra sem fazer o uso do diagnóstico e da prescrição? O que dizer do status do médico, sem o poder de diagnosticar e prescrever?

Joanna: Essa é uma outra excelente questão.  É a questão que está na base de todos esses problemas, assim é como eu penso. Considero ser difícil, mas não é impossível.

A dificuldade é que se a profissão médica tem um papel predominante no tratamento e manejo da saúde mental e dos problemas psicológicos, haverá uma tendência para se entender esse problemática a partir da ótica médica.

Mas eu não penso que a profissão médica tenha esse papel tão necessário. Penso ser possível que pessoas qualificadas em termos médicos possam estar envolvidas no cuidado das pessoas com transtornos mentais, a fim de, por exemplo, ajudar as pessoas a usar drogas de um modo cauteloso, no modo como há pouco falamos. E ajudar a reconhecer todas as complicações potenciais advindas com o uso de drogas prescritas e outras substâncias.

Não estou segura de que para fazer isso as pessoas necessitem de ter uma formação médica propriamente dita. Talvez muito mais pessoas de muitas profissões diferentes poderiam ter algum treinamento médico, de modo a ajudá-las no cuidado das pessoas para o uso de drogas prescritas de um modo sensível. Bem como preparadas para saber identificar, por exclusão, doenças neurológicas demonstráveis, porque isso é um outro tipo de atividade médica que hoje é necessária, embora pessoas de outras profissões possam ser treinadas e capazes de fazer essa distinção.

Minha visão pessoal é que temos que repensar a formação das pessoas que ajudam os indivíduos com problemas de saúde mental. Temos que repensar a formação, temos que repensar onde os problemas de saúde mental estão hoje situados e localizados, visto que muitos dos problemas não são necessariamente médicos. Não há evidências com base biológica para a maioria dos casos de transtorno mental. Nesse sentido, eles não são problemas médicos.

Se não são problemas médicos, por que são eles assim tratados hoje na assistência em saúde? Por que não são tratados em serviços de assistência social, de prevenção?

O que talvez necessitemos é de novos serviços com equipes com uma variedade de habilidades para ajudar as pessoas com uma variedade de dificuldades. Ajudar as pessoas a negociar em seu ambiente social, como lidar com as dificuldades financeiras, de emprego, todas essas coisas que vemos que ocorrem com a maioria das pessoas no cotidiano dos serviços em saúde mental. Em muitos casos é o que está na raiz dos problemas delas.

Fernando: Por exemplo, qual é o papel do psiquiatra nesse processo de desprescrição?  Porque há um know-how dos usuários, sobreviventes ou ex-usuários. E vocês, médicos, nesse processo de desprescrição, de antipsicóticos por exemplo?

Joanna:  Uma outra boa questão. Se você aceita que as drogas não estão tratando doenças, mas que podem ter efeitos úteis e que podem produzir alterações benéficas em estados mentais, cabe então aos indivíduos avaliarem a sua utilidade para situações particulares.

E os psiquiatras ou os médicos em geral não deveriam dizer a alguém que a pessoa deve tomar uma droga por ter uma doença determinada. Ou que um médico diga que isso pode ajudar numa determinada situação, embora que o que sabemos de outras pessoas, das pesquisas, é que as mudanças positivas podem ser acompanhadas por efeitos colaterais e consequências negativas. E assim deve caber ao indivíduo decidir ser irá fazer uso da droga e avaliar se a droga lhe está sendo útil.

Creio também ser útil ao prescritor, mas também para as outras pessoas que estão ajudando o indivíduo, que todos reflitam sobre as mudanças que estão ocorrendo devido às drogas prescritas, de uma perspectiva objetiva. Porque sabemos que uma das características das drogas que alteram a mente é que elas mudam os estados mentais das pessoas. Assim sendo, as pessoas nem sempre estão em condições para avaliar como elas estão ao estarem sob a influência das substâncias.

É importante que as pessoas que deixam de tomar a substância olhem para trás e que avaliem se elas pensam que estavam melhor ou não quando sob influência da substância. Mas também penso ser o papel de um observador objetivo dar um retorno de como elas se sentiam quando estavam tomando a substância.

Fernando: A última pergunta, por favor. O futuro da psiquiatria está intimamente entrelaçado com o futuro da nossa sociedade. Para você, quais seriam alguns dos desafios que você vê em uma sociedade como a brasileira? Com uma história de colonização, escravidão, com profundas desigualdades sociais e econômicas. Eu sei que há muitos desafios, mas você poderia dizer algo? Você tem um livro escrito com colegas, sobre a medicalização da miséria. O que você falaria disso?

Joanna:  Vocês teriam uma melhor resposta para essa pergunta. Eu penso que os problemas brasileiros são similares aos problemas ao redor do mundo. Os problemas que as pessoas trazem aos serviços de saúde mental são problemas causados pela insegurança financeira, as pessoas não conseguirem um emprego sustentável, a degradação do meio ambiente … A maioria dos empregos pedem baixa qualificação, são desprovidos de sentido de vida, não são gratificantes. Isso leva a dificuldades nas relações. Há a insegurança habitacional, as autoridades não atendem à necessidade de programas de moradia popular na medida em que as pessoas não têm renda suficiente.

Eu sei que todas essas coisas levam as pessoas ao sofrimento psíquico, levam a problemas relacionais, a como manter a família delas. Têm efeitos nas crianças. Criam insegurança e ansiedade.

Todos esses problemas sociais se acumulam. E no topo, as dificuldades entre grupos étnicos, desigualdade na segurança social e a desigualdade de oportunidades entre grupos étnicos.

Como no Brasil, há uma história de colonização (…) Com muitas consequências psicológicas para as pessoas.

Eu penso que se pudéssemos criar uma sociedade capaz de dar segurança financeira, acesso à habitação, emprego estável, oportunidades para fazer coisas com sentido, isso eliminaria a grande maioria dos problemas de saúde mental.

Fernando: Eu penso que temos que saber como enfrentar os traumas intergeracionais, históricos. Porque eles estão incorporados nas pessoas, em nossa cultura. Como enfrentar um trauma coletivo? Individualmente é difícil. O que dizer dos traumas coletivos?

Joanna: O trauma está incorporado nas estruturas políticas. E nós vivemos nelas. O que influencia na vida cotidiana das pessoas.

 

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Este é o link para o Formulário de Inscrição: https://forms.gle/mY6gQdj3kHkvpeE57

Instagram: https://www.instagram.com/epidemia.drogaspsiquiatricas/

 

 

Relatório sobre a recente conferência organizada por Mad na Itália

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Recentemente foi realizada a “Conferência MAD” sobre as questões de mudança no sistema de saúde mental em Trieste, sobre a censura às críticas ao modelo biológico da psiquiatria e sobre o risco de reabrir os asilos.

Reflexões e planejamento para o futuro

A recente conferência on-line promovida pela MAD IN ITALY se propôs a desenvolver os temas descritos acima, a fim de obter indicações para o desenvolvimento do planejamento com objetivos claros e concretos. O resumo dos principais temas e a análise que se segue acompanham esta intenção de concretização.

A conferência se desenvolveu focalizando os dois temas relacionados acima, mas ao mesmo tempo bem circunscritos: a necessidade de acesso a práticas de desprescrição e suspensão de drogas psicotrópicas e a necessidade de se criar uma rede de ajuda mútua no território nacional, incluindo o desenvolvimento do papel do ‘especialista entre pares’.*

Com relação ao tema de Trieste, a impressão que emerge dos testemunhos de alguns dos participantes é que o modelo de Trieste, embora inclua aspectos de intervenção psicossocial que ainda são bastante válidos, na verdade é um modelo que recorre a um uso pronunciado de intervenções farmacológicas, ao mesmo tempo em que não oferece nenhum espaço concreto para o processo de desprescrição ou suspensão de drogas psicotrópicas.

Neste contexto, as mudanças muito recentes na liderança do sistema de saúde mental de Trieste foram discutidas como sendo provas concretas desta involução e, portanto, de um crescente afastamento progressivo do modelo basagliano.

Os outros dois temas: A possibilidade de reabertura dos asilos e a da censura ao modelo biomédico da psiquiatria, foram recebidas com uma certa incredulidade, provavelmente porque foram consideradas como questões implícitas à problemática sobre as deficiências em geral do sistema de saúde mental no país.

Então, o que de fato surgiu sobre as questões, que apareceram como as principais, a saber: a suspensão das drogas e o papel dos especialistas entre pares?

Com relação à desprescrição e suspensão, foi destacada a necessidade de se desenvolver e refinar as habilidades dos profissionais de saúde sobre como administrar o processo de suspensão com competência farmacológica. Entretanto, ficou muito claro que o processo de desprescrição e retirada necessita de uma rede psicossocial, que pode ser criada ou ampliada com a introdução da figura do especialista entre pares no sistema de saúde italiano.

Deve-se lembrar que o especialista entre pares é um usuário ou ex-usuário que demonstra uma estabilidade emocional e as habilidades necessárias para ajudar outros usuários. Este personagem vem desempenhando um papel fundamental nos serviços de saúde de vários países (EUA, Canadá, Reino Unido) durante décadas, com resultados notáveis na prevenção de crises emocionais, nas consultas de emergência e nas internações hospitalares.

Além disso, os especialistas entre pares freqüentemente ajudam outros usuários durante o processo de retirada das drogas psicotrópicas, fornecendo conselhos valiosos a partir da sua própria experiência. Neste contexto, a falta de conhecimento adequado por parte da maioria dos profissionais de saúde para iniciar e seguir um processo de desprescrição e retirada foi destacada mais de uma vez pelos participantes, sugerindo a necessidade de cursos de treinamento profissional sobre o assunto.

Com relação à criação de uma rede de especialistas entre pares no território, alguns dos participantes mencionaram experiências já existentes (Modena, Trento), que merecem, portanto, consideração.

Entretanto, o fato mais relevante é que essas iniciativas estão isoladas em um número limitado de cidades e regiões. Os participantes também ressaltaram a necessidade de que a rede de especialistas em pares seja independente da psiquiatria e que tenha a capacidade de se gerenciar sem perder de vista os objetivos de recuperação, que não se baseiem no modelo biomédico, mas que sigam um modelo psicossocial que vise alcançar pelo menos um nível aceitável de qualidade de vida.

É também evidente, pela soma das intervenções sobre o assunto, que há necessidade de maior clareza sobre o trabalho dos especialistas entre pares, que poderia ser proporcionada através de outras conferências on-line com a participação, se possível, da rede internacional MAD.

Finalmente, a experiência italiana com o Diálogo Aberto foi discutida durante algumas intervenções, que destacaram a natureza positiva da iniciativa, mas também o fato de que ainda não há dados suficientes disponíveis para fazer uma análise clara sobre a eficácia do modelo no terreno.

As questões descritas acima serão desenvolvidas por meio de um plano de ação que, por enquanto, pode ser resumido nos pontos principais a seguir, mas que são suscetíveis a mudanças e atualizações, se necessário:

  • Organização de uma conferência do MAD sobre o tema “Caminho psicossocial, desprescrição / suspensão com o uso de “Especialistas pares”.
  • Coleta de dados on-line sobre o assunto de desprescrição / suspensão (dados sobre aqueles que gostariam de empreender um processo de desprescrição, mas não o fazem).
  • Envolvimento da rede internacional MAD como um sistema de apoio a iniciativas no terreno.
  • Consideração do desenvolvimento de projetos-piloto para a suspensão de drogas psicotrópicas.
  • Identificação de redes interessadas na criação de projetos-piloto.
  • Obtenção de mais dados sobre a eficácia dos projetos do Diálogo Aberto na Itália.

Confira o texto original publicado no Mad in Italy →

Nota do Editor: * “Especialista entre pares”.  Refere-se ao reconhecimento do know-how daqueles que foram usuário/paciente da psiquiatria, por uma razão ou outra, e que deixando de sê-lo passam a integrar o sistema de assistência enquanto “especialista”, trabalhando lado-a-lado com os profissionais formais da saúde mental. É algo que nós aqui no Brasil carecemos em nossos serviços assistenciais.

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