Ressentimismo: a política dos ressentidos e as patologias da democracia

No cenário brasileiro atual, uma crise bombástica se configura, da qual somos de certa forma reincidentes. Deixamos um tempo em que existia a preocupação com a manutenção de valores democráticos e de justiça social para uma preocupação efetiva em não recairmos em regimes autoritários e militares cujos efeitos são sentidos até hoje. Ainda não conseguimos curar as cicatrizes dos tempos da ditadura e ainda corremos o risco de vida, uma vez que estamos nas mãos de políticos autoritários e despreparados. Mas, como chegamos tão fundo?

Ao mesmo tempo em que a educação foi sendo esvaziada enquanto mecanismo de transformação social, ela passou a ser abertamente encarada como um problema estritamente técnico do qual não caberia ao Estado se encarregar.  O debate em torno da educação foi esvaziado, abortado, bem como sua capacidade de promover pensamento crítico. Pensamento crítico? Justiça social? Coisa de esquerdista. Preocupação com a saúde pública? Coisa de esquerdista. Vacina? Necessidade de políticas públicas para a contenção da pandemia? Cuidado com a população? Distanciamento social? Contagem de infectados e mortes? Coisa de esquerdista. Para todos esses questionamentos e muitos outros as respostas são basicamente as mesmas, restritas à criação de falsos dilemas que impedem o prolongamento do debate.

A (des) articulação entre os aspectos políticos, sanitários, econômicos e sociais necessita ser repensadas para que novas estratégias de enfrentamento sejam possíveis. Contudo, é importante valorizar os dispositivos que ainda operam (a duras penas) de modo eficaz em nossa sociedade com vistas a promoção de saúde e redução da desigualdade. Esta crise sem precedente que afeta o Brasil exponencialmente é contemporânea ao momento delicado que o mundo atravessa com a ascensão das extremas direitas, a difusão de discursos segregatórios embebidos de ódio e ressentimento que visam extirpar a diferença.

A psicanalista francesa Cynthia Fleury se debruça sobre o que ela denomina como “ressentimismo” e “pulsão ressentimista” na tentativa de perfilar o cenário contemporâneo. Para a autora, a pulsão ressentimista é socialmente criada, ou seja, existem condições objetivas, coletivas e sociais de desigualdade, injustiças sociais, insegurança cultural e socioeconômica. O sentimento de instabilidade política produz a pulsão ressentimista. O ressentimento passa a se apresentar sob a forma de ruminação que constitui uma prisão cristalizante. A partir desta dinâmica, o sujeito projeta uma indiferença sobre o mundo e cria teorias conspiracionistas delirantes que se traduzem política e coletivamente na binarização: nós x eles.

Na paranoia conspiracionista há a recusa da complexidade e a morte do debate que são tão importantes para a democracia. Neste estado de desolação profunda, apenas o líder pode nos “salvar” do que está sendo disseminado. Contudo o líder potencializa, instrumentaliza e confirma a pulsão ressentimista.

O elo entre o ressentimento e o movimento conspiracionista se expande e configura a ponta de um iceberg cujo prolongamento abarca a desconfiança sobre a própria ciência e referenciais político-democráticos. O delírio de perseguição e a convicção delirante elimina o discernimento, a razão, a argumentação e a dialética.

A peste emocional que vivenciamos se utiliza de qualquer signo para a confirmação de teses conspiratórias (das mais variadas possíveis) que produzem o confinamento daquilo em que se crê. Nesse sentido, esses avatares genéricos que tendem ao fascismo servem-se da convicção. A certeza e o delírio andam juntos, lado a lado. Para sair deste estado é imprescindível sublimar a tentação ressentimista para que se possa (re) agir e responder politicamente.

Por isso, é importante nos determos tanto nas dimensões políticas do adoecimento como a participação do imaginário na produção de patologias sociais com dimensões políticas. É valido destacar que, conforme diz Safatle (2018), as patologias sociais nos dias atuais suscitam uma reflexão sobre as patologias enquanto categorias que descrevem modos de participação social, e não como uma mera reflexão sobre a sociedade enquanto organismo saudável ou doente.

Se cada época e cada cultura produz suas próprias patologias, cabe interrogarmos quais patologias estão sendo produzidas e estruturadas hoje em dia com significativas ameaças à democracia e aos ideais democráticos.

 Referências

Fleury, Cynthia. (2005). Les pathologies de la démocratie. Paris: Fayard.

Safatle, V. (2018). Em direção a um novo modelo de crítica: as possibilidades de recuperação contemporânea do conceito de patologia social. Patologias do social: arqueologias do sofrimento psíquico. 1ª ed. Ed. Autêntica, Belo Horizonte, MG.

 

Medicina Insana, Capítulo 4: A Fabricação de Transtornos do Espectro do Autismo (TEA) (Parte 2)

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Rough Road Sign Mojave Desert

 

 

 

 

Nota do editor: Nos próximos meses estaremos publicando uma versão seriada do livro de Sami Timimi, Insane Medicine. A parte 1 do capítulo 4 foi publicada há duas semanas. Na Parte 2,Sami discute a falta de resultados para qualquer base genética ou neurobiológica para os Transtornos do Espectro do Autismo (TEA), bem como os critérios de diagnóstico e testes para o TEA. Todos os capítulos serão arquivados aqui.

Genética do TEA: A hipótese nula foi refutada?

Como discutido anteriormente, a posição científica correta é assumir que o que estamos a caracterizar como autismo ou Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) não existe como uma categoria natural até que possamos demonstrar que esta hipótese nula não pode ser verdadeira. Se quisermos classificar o TEA como uma desordem geneticamente predeterminada de desenvolvimento neurológico, temos de demonstrar que a hipótese nula – de que não existem genes específicos ou anomalias/diferenças neurológicas – não pode ser verdadeira.

O argumento de que o autismo é uma condição fortemente genética baseia-se principalmente em estudos com gêmeos. Expliquei no último capítulo sobre TDAH porque é que estimar a hereditariedade genética utilizando o método dos gêmeos não ajuda a distinguir as causas ambientais das genéticas. A única forma fiável de estabelecer a relevância do componente genético é através de estudos genéticos moleculares, graças a existência de uma base de dados crescente que envolve digitalizações do genoma inteiro de milhares de crianças com o rótulo de autismo.

Não foram descobertos genes específicos, característicos, raros, comuns, ou poligênicos para o autismo, mas não por falta de procura. Vários genes candidatos, estudos de associação, varreduras de genoma e estudos de cromossomas não conseguiram produzir e replicar de forma fiável quaisquer genes particulares associados especificamente ao autismo. Quanto mais falhas se acumulam, mais os proponentes do paradigma da explicação genética começam a falar desesperadamente sobre como a genética do autismo é “complexa” e que deve haver algum tipo de misteriosas interações poligênicas que explicam a “hereditariedade ausente”.

A explicação mais provável para esta constatação, ou melhor, a falta de constatação – que não existem genes que causem autismo – é inominável.

O fracasso contínuo na identificação de especificidades parece ser resultado da identificação da maioria dos cromossomas humanos como sendo potencialmente portadores de genes do autismo, com grandes revisões por parte de peritos a concluírem geralmente: “Muitas equipes de investigação têm procurado genes que possam estar envolvidos. Ainda não encontraram nenhum candidato principal, apenas dezenas, talvez centenas de agentes” (Hughes escrevendo em 2012) e “Com o advento das técnicas de sequenciamento da última geração, o número de genes encontrados que estão associados ao TEA está a aumentar para mais de 800 genes; consequentemente, está a ficar ainda mais difícil encontrar explicações unificadas e associações funcionais entre os genes envolvidos” (Al-jawahiri e Milne escrevendo em 2017).

A elevada proporção de homens em relação às mulheres nos diagnósticos de TEA também constitui um grande problema para as teorias genéticas. Os mecanismos genéticos precisam de dar conta disto (como o autismo transmitido através do cromossoma X), e até agora nenhum estudo genético molecular encontrou uma ligação entre os cromossomas X ou Y.

Em vez de enfrentarmos a possibilidade de os genes não se revelarem por não estarem presentes, estamos entrando em uma era em que múltiplas equipes de investigação se juntam para criar bancos de “grandes dados”, na esperança de que isto possa revelar associações minúsculas. É difícil encarar a possibilidade de que esta massa de dinheiro para a investigação tenha levado a um esforço desperdiçado, pelo que, ao em vez disso, continuam a receber a maior parte do dinheiro desperdiçado com a investigação. Porque “a tecnologia de sequenciamento confirmou rapidamente que a etiologia do TEA era multigênica e altamente heterógena, com muito poucas das mesmas variantes patogênicas presentes em uma percentagem significativa de indivíduos afetados” (Rylaarsdam e Guemez-Gamboa, escrevendo em 2019); e assim “Pode levar muitas mais décadas de investigação até que a comunidade científica tenha uma imagem precisa de como estes moduladores contribuem para a etiologia do TEA. No entanto, este entendimento é fundamental para o desenvolvimento de terapias eficazes” (escrito por Al-jawahiri and Milne em 2017).

Sim, continuem, com o seu dinheiro, a jogar-nos para a investigação. Até agora fracassamos, mas será que precisamos de décadas a mais com esses fracassos para saber realmente o quanto fracassamos, porque não compreendemos os princípios básicos da metodologia científica? Mas nós somos cientistas, parecemos cientistas, falamos como cientistas, por isso o público deve acreditar em nós.

Cientificamente falando, então, temos de assumir que no que diz respeito à genética, o armário está vazio e a hipótese nula mantém-se: Não há nenhuma anomalia genética característica identificável/perfil associada ao TEA.

Estudos de imagem cerebral TEA: A hipótese nula foi refutada?

Uma consideração importante a ser tomada em consideração em qualquer análise de perfis de neuroimagem é a da “neuroplasticidade”. Isto refere-se à notável capacidade do sistema nervoso (particularmente em crianças) de crescer e mudar em resposta a estímulos ambientais. A surpreendente plasticidade do cérebro humano torna difícil determinar causa e efeito precisos, quando indivíduos com diferentes experiências de vida mostram subsequentemente o que parecem ser diferenças na estrutura ou funcionamento neurológico. Este inconveniente torna difícil para os investigadores determinar as características comportamentais que as crianças apresentam como sendo causadas por quaisquer anomalias ou diferenças neurológicas.

Vemos esta neuroplasticidade em jogo de todas as maneiras, desde a capacidade que as crianças têm de compensar ao longo do tempo as lesões cerebrais, até às descobertas de que os taxistas londrinos têm volumes maiores do que qualquer outra pessoa de áreas cerebrais que estão altamente envolvidas na navegação e na consciência espacial. Assim, quaisquer diferenças cerebrais encontradas podem ser o resultado de fatores ambientais que afetam o desenvolvimento cerebral (como traumas psicológicos), diferenças nas taxas de maturação (por exemplo, sabemos que em média as meninas se desenvolvem um pouco mais depressa do que os meninos) e variações resultantes de outras características nos tópicos de investigação (por exemplo, a sua capacidade intelectual).

Isto significa que não podemos assumir que as diferenças que encontramos são o resultado de um problema biológico pré-existente. Afinal, o cérebro é o órgão corporal cuja função é a de permitir que o organismo se adapte ao ambiente. Seria surpreendente se o cérebro não fosse influenciado pelas experiências que o organismo tem.

No entanto, o maior problema para os estudos do autismo, como no caso do TDAH, advém da falta de resultados consistentemente replicados. Esta consistente incoerência flagela a investigação nesta área. Por exemplo, alguns estudos centrados numa área do cérebro chamada “cerebelo” documentaram um aumento do volume cerebelar entre crianças diagnosticadas com um TEA, enquanto outros encontraram volumes cerebelares inferiores à média; outros ainda não relataram diferenças significativas entre crianças com TEA e indivíduos sem TDAH.

Do mesmo modo, estudos sobre outra área chamada ” amígdala” têm sido amplamente inconsistentes, incluindo alguns estudos que encontraram diferenças significativas em volume e outros que não encontraram diferenças. Este é o quadro que emerge desta investigação. Com uma regularidade de relógio, uma equipe de investigadores anuncia a sua última descoberta: “Descobrimos que as ligações entre as duas metades do cérebro são menores no autismo, sugerindo que o TEA é uma desordem da conectividade cerebral“, e isto passa depois pelos meios de comunicação social mundiais, mas depois nunca ouvimos falar das subsequentes equipes de investigação que não conseguem replicar estas descobertas.

Esta realidade ambígua, confusa e contraditória da investigação cerebral sobre o autismo foi-me trazida para o meu país quando participei num debate sobre o autismo com um colega em um evento académico em Março de 2017. Cada um de nós teve de apresentar documentos que apoiassem o nosso ponto de vista. O colega com quem estava a debater, que acredita que o autismo é uma perturbação “conhecida” do sistema nervoso e que com investigação suficiente descobriremos a sua base neurológica, apresentou três comunicações para apoiar a sua posição. Eram:

  1. O quadro emergente do transtorno do espectro do autismo: Genética e patologia“, um artigo de Chen e colegas de 2015. Este artigo propõe que a investigação aponta para um papel primordial no TEA para o sistema límbico e o cerebelo.
  2. Neuroimagem no transtorno do espectro do autismo: Estrutura e função do cérebro durante toda a vida“, um artigo de Ecker e colegas de 2015. Este artigo centra-se nos lobos frontais e temporais e no córtex cerebral como os principais locais de interesse na causa do TEA.
  3. Perturbações do espectro autista: Uma revisão das características clínicas, teorias e diagnóstico“, um artigo de Fakhoury de 2015. Este documento é o balanço das sinapses excitatórias e inibitórias para a questão principal no TEA.

É uma confusão completa. Nenhum tema comum emergiu destas três revisões de investigação do “estado da arte”. Há poucas coincidências nas suas teorias favoritas. Nenhum dos artigos discutiu devidamente os efeitos do ambiente ou possíveis outros fatores (como os níveis de deficiência intelectual nas amostras de investigação) sobre os resultados.

As teorias vêm e vão, e ninguém faz realmente ideia do que, como, ou onde está essa aparente anormalidade ou diferença de desenvolvimento neurológico. É um caldeirão giratório de cientistas autoproclamados que não conseguem enfrentar uma realidade assustadora – que a sua ciência não tenha cumprido os requisitos básicos exigidos pelo método científico. A maioria parece não estar preparada para afirmar o óbvio – que a hipótese nula se mantém e que a sua investigação talvez se encaminhe de um beco sem saída atrás do outro para uma cacofonia de becos sem saída.

Finalmente, alguns investigadores estão a despertar para a ideia de que possivelmente não irão encontrar nada. Um artigo de 2016 intitulado “validade do TEA”, que inclui entre os seus autores o famoso investigador do autismo Professor Christopher Gillberg, conclui: “Os resultados analisados indicam que o diagnóstico TEA carece de validade biológica e construtiva“, e recomendam a supressão dos diagnósticos TEA como base para a investigação. Infelizmente, eles continuam a sugerir uma construção neuro-desenvolvimentista mais ampla. Nenhuma destas provas (ou melhor, a sua falta) parece ter o mínimo de impacto na expansão contínua dos números que recebem rótulos TEA ou no pressuposto de que existe uma coisa natural chamado autismo.

Também aqui, no que se refere à ciência, o armário está igualmente vazio. Ninguém se aproximou de encontrar uma anomalia característica, e como resultado não existe um marcador biológico ou exame ao cérebro utilizado para diagnosticar o autismo. A hipótese nula mantém-se – não existe nenhuma anomalia característica do cérebro associada ao TEA.

O que é afinal o autismo?

O TEA não se desenvolveu a partir de qualquer descoberta científica e foi criado e popularizado através de motivações sociais e políticas.

Não devemos ficar surpreendidos com a falta de progressos na descoberta das bases biológicas. Não sabemos realmente como fazer uma definição utilizável e exclusiva de um caso. Se a nossa definição de um caso inclui uma grande variedade de características que estão espalhadas de diferentes maneiras pelas populações, não nos devemos surpreender quando os resultados da investigação mostram uma grande variação semelhante de descobertas.

Hoje em dia a mesma síndrome definida comportamentalmente (TEA) é aplicada aos residentes de instituições com pouca esperança de viverem independentemente e uma longa lista de grandes e virtuosos como Mozart, Van Gogh, Edison, Darwin, Einstein – todos eles, juntamente com muitos outros, foram diagnosticados retrospectivamente como tendo um TEA (basta digitar “pessoas famosas com autismo” no Google e ver o que surge).

Da perspectiva da “deficiência”, este é todo o espectro humano. Será que as pessoas que apoiam a ideia de que o TEA é uma condição reconhecível dizem seriamente que o que pode ser útil para estes ícones culturais é o mesmo que para os residentes de instituições com pouca linguagem funcional?

Este problema de ter um vasto repertório de formas de apresentar comportamentos e níveis de funcionamento que podem levar a um diagnóstico é referido como o problema da “heterogeneidade” (definido como a qualidade ou estado de ser diverso em carácter ou conteúdo). Não só as características “nucleares”, tais como dificuldades na comunicação social, têm um grande cruzamento com pessoas que não se considerariam como tendo um ” transtorno”, mas os que são considerados como sintomas de autismo são também normalmente listados numa variedade de diagnósticos de saúde mental – desde TDAH à depressão, ansiedade a psicose.

A heterogeneidade é amplamente reconhecida como uma questão nas publicações “mainstream” sobre o autismo. No entanto, longe de se ver isto como um grande problema no que diz respeito à validade científica e médica do conceito, é muitas vezes explicado como um reflexo da “complexidade” do autismo. Isto leva à situação ridícula em que, numa conferência em que estive presente, um consultor de uma nova unidade de avaliação do autismo estava orgulhosamente falando dos primeiros 100 pacientes que tinham diagnosticado com TEA em sua nova clínica nacional e de como, “se reuníssemos essas 100 pessoas numa sala e falássemos com elas, teríamos dificuldade em ver o que elas tinham em comum“.

Isto foi apresentado para explicar quão variado o TEA se apresenta nas pessoas reais, mas a inutilidade e bizarrice ( apenas do ponto de vista do senso comum, quanto mais científico) de dar às pessoas que tinham pouco em comum o mesmo rótulo, parecia perdida neste apresentador (e infelizmente, a maioria dos profissionais da indústria do autismo).

Para onde quer que olhe, a heterogeneidade e a falta de clareza conceitual sobre o que é o autismo, é evidente. Esta confusão é aparente ao examinar “critérios de diagnóstico” relativamente a outros “diagnósticos” comuns. Por exemplo, nos critérios para ” transtorno de conduta” pode-se encontrar “incapacidade de formar laços com pares e egocentrismo, o que é demonstrado pela disponibilidade para manipular os outros por favores sem qualquer esforço para retribuir, juntamente com uma falta geral de sentimentos pelos outros“. Esta descrição tem (provavelmente) uma semelhança mais próxima com as descrições dos casos sobre os quais Hans Asperger escreveu do que os casos de Lorna Wing (como discutido na Parte 1).

Uma das características centrais do espectro autista é a falta de empatia, uma falta que se destina a causar dificuldades duradouras nas interações sociais. Como é que este tipo de “falta de empatia” pode ser diferenciado da falta de empatia encontrada no transtorno de conduta, ou mesmo no “transtorno da personalidade” de um criminoso? Outros ” transtornos”, como a ” transtorno de apego”, também descrevem crianças que carecem de empatia e têm o que se designa por “padrões disfuncionais de interação social”.

O transtorno de apego é descrito como frequentemente associada a alguma forma de negligência, abuso, ou trauma; contudo, na ausência de provas sólidas sobre o que causa o transtorno de apego ou autismo, fazendo a distinção entre “disfunção social” no contexto do transtorno de conduta, transtorno de apego, ou TEA, torna-se pouco mais do que uma questão de semântica transmitida pela opinião subjetiva do diagnosticador. Esta confusão de cruzamento de sintomas não se limita aos transtornos de conduta e de apego, mas abrange potencialmente todo o espectro dos diagnósticos psiquiátricos.

Que tal o “sintoma” de “comportamentos restritos e repetitivos”? As suas versões encontram-se em critérios descritos no transtorno obsessivo compulsivo, transtorno de personalidade obsessivo, transtorno de personalidade esquizoide, TDAH (como nos jogos de computador), transtorno depressivo importante (preocupação mórbida com aspectos negativos da vida), transtornos alimentares (fixação com alimentos e/ou peso), e assim por diante.

Longe dos manuais e dos sintomas medicalizados, também se pode encontrar isto: a maioria dos homens (por exemplo, com o futebol/sociedade!), desportistas (com os seus programas desportivos e de treino), e a humanidade em geral, uma vez que um interesse obsessivo numa esfera restrita é característico não só de um estado de espírito deprimido, mas também da aplicação necessária para a descoberta e exploração. A maioria dos grandes realizadores tem assim a capacidade de “fixar-se” na sua área de interesse/experiência. Na estranha circularidade do raciocínio, esta torna-se então a motivação para rotular a longa lista de grandes realizadores mencionados anteriormente como tendo TEA – a sua capacidade de fixação num assunto torna-se prova de que “têm” supostamente TEA.

E quanto ao “sintoma” de “falta de empatia”? Como já foi mencionado, pode ver-se isto em muitos diagnósticos formais, tais como transtornos de conduta e de apego, mas também em depressão, psicose, TDAH, transtornos de personalidade, e assim por diante. Também pode aparecer como resultado de uma falta de autoconfiança em situações sociais. A percepção de maus resultados ou um sentimento de inferioridade numa cultura competitiva pode também levar as pessoas a afastarem-se de uma série de interesses comuns. De fato, se pensarmos nisso, qualquer experiência ligada a uma preocupação com os nossos próprios problemas tende a reduzir o interesse pela vida e interesses de outras pessoas. A dimensão da possibilidade de fingir interesse em todos os assuntos ou de se empatizar com todas as dificuldades é limitada. À medida que as expectativas de empatia social (por exemplo, na escola e no local de trabalho) aumentam, mais pode parecer faltar esta capacidade.

Assim, aquilo que são considerados sintomas primários do TEA como “dificuldades de comunicação social”, “falta de empatia” e “comportamentos restritos e repetitivos” não podem ser considerados como patologia/diferença individual isolada sem uma compreensão do contexto em que aparecem. Quando se começa a escavar em torno do subsolo que está na base da nossa ideia de autismo, torna-se evidente que este é tão superficial; nada pode realisticamente instalar-se ali. Não é de surpreender que tudo o que temos seja o cientificismo a sustentar o autismo como um conceito. Se não conseguimos encontrar nenhum limite, ainda que vago, para manter o conceito unido, como é que esperamos encontrar correlatos ou marcadores biológicos? A razão pela qual não conseguimos encontrar nenhum é, portanto, óbvia. De acordo com a ciência real, então, o TEA é um fato de cultura e não um fato da natureza.

O TEA, portanto, nem sequer funciona bem como uma classificação descritiva. É o que os terapeutas que trabalham com narrativas chamariam uma “descrição fina” porque deixa de fora todo o tipo de outras coisas que podem ser importantes para se compreender a vida daquela pessoa (família, ambiente social, escola, traumas, etc.) bem como as suas capacidades, habilidades, e coisas em que fazem bem. Estes outros traços tornam-se menos importantes do que o “diagnóstico”, através do qual outros descritores e eventos podem agora ser lidos e vistos como secundários.

Não só os “sintomas” são construções frágeis, como há muitas situações em que não é necessário um conceito misterioso como o autismo para descrever a apresentação, uma vez que processos relativamente comuns e relativamente fáceis de compreensão poderiam estar a funcionar.

Por exemplo, o TEA tem sido considerado mais comum em crianças imigrantes. Quando a origem familiar de uma pessoa difere culturalmente em grau significativo do resto da comunidade local, juntamente com o stress e a adversidade psicossocial que frequentemente acompanha uma mudança tão dramática das circunstâncias das pessoas, e particularmente se não houver uma comunidade já existente que possa fornecer apoio e familiaridade cultural, não poderia isto levar a “sintomas” do tipo autismo, tais como falta de reciprocidade social, afastamento, etc.?

Do mesmo modo, crianças e jovens com uma variedade de “imperfeições” (má coordenação motora, descaracterização facial, dificuldades de fala, etc.) poderiam também ter dificuldades em fazer amigos e, por necessidade, retirar-se para a busca de interesses solitários. As mudanças no estilo de vida podem também causar mudanças nos padrões de socialização semelhantes aos que são descritos pelos sintomas de TEA. A utilização de extensa tecnologia baseada em tela, particularmente nos primeiros anos, poderia reduzir o interesse pela socialização presencial e, em vez disso, forjar uma preferência pelo escapismo encontrado na TV, nos jogos de computador e no YouTube.

Estou em contato com um grupo de profissionais (incluindo psiquiatras e terapeutas) na França e no Norte de África, que têm documentado esta associação e prescrito intervenções que incluem a retirada ou limitação do tempo em frente a uma tela com, após algumas semanas ou meses, um desaparecimento relatado da maioria dos “sintomas” da TEA em algumas crianças.

Assim, para além da construção social dos significados associados aos comportamentos ditos indicativos de autismo, temos também um conjunto diversificado de possibilidades para os potenciais percursos que podem levar a experimentar tais comportamentos. Para alguns, as anomalias cerebrais que causam dificuldades na aprendizagem e bom funcionamento do corpo e do sistema nervoso podem resultar na luta para acompanhar os colegas, fazer amigos, ou, a um nível mais grave de lesão cerebral, a incapacidade de fazer sentido das noções básicas de linguagem e comunicação. Um mundo mais solitário é um resultado que se pode compreender.

Para alguns, graves agressões ambientais (como a privação sentida por muitos nos infames orfanatos romenos) podem prejudicar o desenvolvimento. Para muitos, um conjunto único de circunstâncias envolvendo a interação de fatores biológicos e psicológicos poderia ser relevante. Pequenas diferenças biológicas responsáveis por características físicas, incluindo a coordenação mão-olho e o processamento sensorial, podem ter impactos psicológicos significativos, especialmente se vividas ao longo da infância, num clima de intensa competição social. Um rapaz desajeitado terá dificuldade em misturar-se com outros rapazes que jogam os jogos de bola sempre populares que exigem um bom controle motor e capacidades visuais-espaciais.

Uma combinação de fatores sutis de diferenciação pode estar em jogo. Uma criança pode vir de uma família culturalmente atípica e, devido a alguma falta de jeito, não se integrar no grupo de pares da comunidade local, deixando-a vulnerável à exclusão. Uma criança sem amigos pode então retirar-se para um mundo atomizado, por vezes centrado nas atrações viciantes das engenhocas eletrônicas, tornando mais fácil do que nunca na história humana para os desiludidos simplesmente juntarem-se a um universo virtual paralelo.

Há outra questão que vale a pena mencionar que surge quando se fala de algo estar num “espectro”. Um espectro significa que todos nós estamos, até certo ponto, neste espectro. No entanto, as pessoas que são classificadas com um ” transtorno de espectro autista” são colocadas numa categoria diferente do resto de nós. Um diagnóstico é uma classificação binária. Ou se a tem ou não se tem. Chamar a algo um ” transtorno” transforma um espectro em, a dada altura, já não num espectro, mas em algo que existe como uma categoria separada.

Não se vê isto no resto da medicina. Não se encontra pessoas a dizer que tem uma “doença de asma” ou “doença de diabetes” ou “doença de insuficiência cardíaca”. Ao colocarmos a palavra ” transtorno” no começo, tornamo-la numa patologia, por isso quando classificamos alguém com TEA não estamos a dizer “Você está no nonagésimo percentil do espectro”, simplesmente tem um transtorno ou não tem.

Seja como for, o TEA é inútil, não científico, limitador, e, diria eu, uma construção destrutiva.

Mas certamente que “examinamos” o autismo, não é mesmo?

A mercantilização do TEA resultou no crescimento daquilo a que agora se chama enganosamente “testes” para o TEA. A utilização desta linguagem medicalizada de um “exame” dá-lhe a aura de algo científico e médico que lhe dá algum tipo de resultado e medição precisos – algo que pode responder à pergunta “o meu filho tem TEA? Estes testes baseiam-se ou na observação e classificação de uma pessoa que realiza tarefas definidas ou em respostas dadas a um questionário. Cada pergunta ou tarefa é pontuada de certa forma, de modo que no final tem uma pontuação total e uma resposta sobre se tem pontuado acima ou abaixo do ponto de corte.

A utilização de números dá-lhes mais credibilidade aos olhos do público, pois parece que o avaliador está a medir algo. Mas tudo o que fazem é escrever um número que corresponde à sua interpretação das respostas dadas por uma determinada pessoa num determinado momento, ou à sua interpretação das observações feitas sobre uma determinada pessoa num determinado contexto, num determinado momento. Este número arbitrário é então comparado com outro número arbitrário (o presumível ponto de corte) para decidir se têm ou não TEA. Estes “exames” não fornecem quaisquer dados físicos sobre o funcionamento interno da mente ou do corpo, pelo que não podem ser vistos como tendo o mesmo estatuto que os exames médicos que medem as características físicas e que funcionam como uma ajuda ao diagnóstico.

Se fizéssemos medicina física da mesma forma, em vez de lhe colocarmos um esfigmomanômetro à volta do braço para medir a sua tensão arterial, teríamos um questionário e algumas observações que pontuaríamos à medida que avançássemos e depois, se pontuasse acima de um certo número, diríamos “tem um Transtorno da Pressão Arterial“. Na forma como a maioria das unidades de avaliação de TEA funcionam agora, esse seria o seu trabalho feito: “Examinámo-lo e descobrimos que tem um Transtorno da Tensão Arterial. É um distúrbio que dura toda a vida. Aqui estão alguns folhetos e links para alguns websites sobre Perturbação da Tensão Arterial. Tenha uma boa vida. Adeus“.

Em 2017, participei, juntamente com outros 13 participantes, numa formação de dois dias sobre a administração de um destes instrumentos de teste do autismo (sim, são por vezes referidos como “instrumentos”) –  Escala de Observação Diagnóstica do Autismo (EODA), provavelmente o “teste” mais utilizado para o autismo. A primeira versão foi publicada pela primeira vez em 1989, com várias atualizações desde então.

Para o curso, o EODA foi anunciado como sendo uma “medida semiestruturada padronizada de comunicação, déficits sociais, e jogo associado ao TEA”. A linguagem de “padronizado”, “medida”, e “déficits” ajudam a promover a ilusão de que esta é uma abordagem empiricamente válida e quantificável para a identificação de um problema médico. Há 5 módulos à escolha. Cada módulo classifica os fenômenos semelhantes, mas utiliza algumas atividades diferentes para diferentes idades ou níveis de intelectualidade.

Vale a pena recordar o contexto geral, que reflete vários níveis de pressupostos. Isto inclui que o TEA existe como uma “coisa” discreta e natural, que essa “coisa” pode ser identificada e quantificada, que a identificação e a medição podem ser feitas de forma válida e fiável através de ferramentas de avaliação específicas, que o EODA é uma dessas ferramentas, que os itens no EODA englobam e identificam os “sintomas” que compõem o TEA, que o EODA tem fiabilidade suficiente para lhe permitir não obter falsos positivos (pessoas a quem é dado um rótulo TEA mas que não o “têm”), e que pode ser treinado para administrar o EODA de uma forma “normalizada”, para fazer com que o EODA fique sujeito a pouca variação inter-relacionada. Cada nível assertivo é uma questão em aberto. Se alguma destas hipóteses não se justificar, então a validade do EODA esmorece.

A avaliação do EODA envolve um entrevistador (a quem me referirei como “examinador”) e um sujeito (a quem me referirei como “paciente”). O examinador apresenta uma série de tarefas para o paciente completar num tempo limitado e depois retira cada tarefa no final deste tempo e passa para a tarefa seguinte. Todo o processo deve demorar um mínimo padronizado de 40 minutos e um máximo de 60 minutos. O comportamento do paciente é observado e recebe classificações numéricas, que o examinador coloca num folheto de observação.

O examinador não está autorizado a alterar ou modificar a sua abordagem em resposta ao comportamento do paciente, incluindo a exigência de produzir todas as tarefas em sequência. As tarefas incluem jogo livre; descrever uma história de um livro ilustrado; brincar com figuras em miniatura; completar um puzzle; e, com pacientes mais velhos, questões sobre a sua vida social, compreensão das relações, e esperanças para o futuro. Ao longo da avaliação, o examinador procura a presença de certos “sintomas” ou a ausência de comportamentos “normais”, que serão depois utilizados para completar o sistema de classificação numérica.

Para aprender a administrar os EODA, os participantes do curso (eu incluído) assistiram a várias sessões de avaliação de EODA gravadas em vídeo, fizeram as nossas próprias classificações do que observámos, e foram depois ensinados pelo facilitador do curso quais eram as classificações ” corretas” e como utilizar essas classificações para fazer um diagnóstico (ou não).

A língua utilizada baseia-se em pressupostos que passaram despercebidos (ou não comentados se o foram) durante o curso. Não foi reconhecido que estas avaliações ocorrem num contexto e cenário particular (tal como uma clínica médica na sequência de preocupações expressas por alguém sobre uma criança) ou que o comportamento do examinador poderia ter um impacto na forma como o paciente se comportou subsequentemente. O pressuposto era que o contexto e o lado examinador da dinâmica relacional na sala de avaliação não são significativos, de modo que o que emerge durante a avaliação é puramente o resultado da biologia do paciente.

A rigidez quase artística de ver apenas qualidades internas “reais” nos pacientes era um tema recorrente. A maior parte das perguntas que fiz durante o curso decorreu de um verdadeiro enigma sobre como certos comportamentos dos pacientes nos vídeos das entrevistas de avaliação a que assistimos podiam ser interpretados como consequência exclusiva dos sintomas no paciente. Isto levou a uma circularidade lógica em que o facilitador do curso insistiu que o que estava a ser observado só podia ser entendido como sendo as manifestações de TEA derramadas na sessão de avaliação, devido à perícia/experiência do examinador na realização de uma avaliação padronizada.

Assim, enquanto o facilitador nos guiava através da pontuação, eles continuaram a referir-se ao ” fato ” de este ou aquele sintoma ter ocorrido. As interpretações não patologizantes não eram toleradas. Estávamos todos a ser treinados para nos tornarmos examinadores com um olhar atento para reparar em todas as minúcias do “não normal” do paciente.

O que resulta disto é uma visão mecanicista das interações sociais. Os cenários/tarefas são estabelecidos como se o examinador, as suas ações e o ambiente existissem como variáveis controláveis para que o que emerge demonstre irrefutavelmente as anormalidades sociais dos pacientes. Num exemplo, o facilitador do curso, discutindo as interações de um paciente anterior com a sua mãe, demonstrou esta visão unilateral das interações sociais. Neste exemplo, ela contou-lhe uma história contada por um dos pais de uma criança trazida para a clínica deles.

Aparentemente, esta mãe tinha perguntado ao seu filho: “Porque é que nunca você me olha?” A criança começou então a olhar para ela. A mãe queixou-se agora: “Porque é que você me olha fixamente?”. O menino confuso decidiu agora que talvez devesse aprender a olhar para ela e depois afastar-se dela. A mãe queixou-se agora: “Porque é que você move os seus olhos de um lugar para outro?” De acordo com esta história, o menino acabou por desenvolver uma fórmula complexa sobre quanto tempo devia olhar para ela e afastar-se dela. Ao contar esta história, o facilitador não fez qualquer comentário sobre o papel da mãe neste desconforto relacional em desenvolvimento – tudo isto foi o resultado do TEA (na altura não diagnosticado) desta criança.

Não foi levado em conta a relevância cultural das atividades/perguntas no EODA. A ilusão de objetividade começa a dissolver-se quando se vê a formulação do que se está a pedir para ser avaliado. Por exemplo, para classificar “uso estereotipado/idiossincrático de palavras ou frases“, é dada uma marca de 2 (indicando elevado grau de anormalidade) se o paciente “usa frequentemente expressões estereotipadas ou palavras ou frases estranhas, com alguma outra língua“. Uma marca de 1 (indicando algum nível de anormalidade) é “O uso de palavras ou frases tende a ser mais repetitivo do que o da maioria dos indivíduos no mesmo nível de linguagem expressiva, mas não obviamente estranho“.

Para “Qualidade das atitudes sociais“, 1 é “Qualidade ligeiramente incomum de algumas atitudes sociais. As atitudes podem ser restritas a exigências pessoais ou relacionadas com os próprios interesses da criança, mas com alguma tentativa de envolver o avaliador“, 2 é “Minoria significativa (ou mais) de atitudes inadequadas; muitas atitudes carecem de integração no contexto e/ou qualidade social“. Note-se que palavras como “frequentemente”, “invulgar”, “qualidade”, “algumas”, “significativas”, etc. Todos requerem um examinador para interpretar – não se prestam a estabelecer fatos objetivos. Todas as classificações são assim.

Como é que o f**k está destinado a decidir como é uma “qualidade incomum de algumas atitudes sociais”? Oh, espere um minuto, claro, é um perito que sabe como ver isso. Excelente, então como é que se torna um especialista? Aprendendo a administrar os EODA, estúpido.

A confiança no preconceito interpretativo do examinador foi constantemente revelada. Por exemplo, numa avaliação vídeo que observámos, vi a criança a sorrir regularmente, mas o facilitador do curso disse que isto não era um sorriso, mas sim o sintoma de “sorriso”. Mesmo que fosse “sorridente”, é difícil compreender porque é que isso deveria ser considerado um “sintoma” médico.

Outros comportamentos classificados incluídos: uso “inusual” de palavras; qualidade da tentativa da criança de iniciar a interação; se a criança pede coisas ao examinador; não devolver espontaneamente brinquedos ou outros objetos ao examinador; não mostrar brinquedos ou outros objetos (por exemplo, segurando-os) ao examinador; falta de uso flexível e criativo de objetos (por exemplo, um boneco) de uma forma representativa; interesses sensoriais inusitados; e assim por diante, todos abertos à variação interpretativa.

Todas as classificações são desta natureza. Levantam questões sobre quem tem a autoridade e como chegaram à conclusão sobre o que deve ser considerado apropriado/inadequado, normal/normal, saudável/sintomático, e assim por diante.

As minhas interpretações genuínas utilizando os sistemas de pontuação EODA foram bastante diferentes das que o facilitador explicou serem as pontuações corretas e “objetivas”, particularmente para os dois pacientes mais jovens nos vídeos. De fato, quando o primeiro vídeo foi mostrado, eu estava convencido de que isto estava a ser mostrado para ilustrar uma avaliação de uma criança normal para nos mostrar o contraste, mas afinal todos os vídeos mostravam alguém a quem tinha sido feito um diagnóstico de TEA.

Achei alguns dos vídeos de avaliação muito penosos de ver. O examinador passa rapidamente de uma atividade para outra, dando a cada atividade alguns minutos. Nos dois vídeos de crianças com cerca de 3 e 5 anos de idade, a objetivação dos seus comportamentos teve mais a ver com poder e uma construção privilegiada da verdade do que com a descoberta de qualquer coisa intrínseca à criança. Ambas as crianças me pareceram desconfortáveis e de diferentes formas pouco cooperantes devido, pelo menos em parte, ao contexto e comportamento incomum do examinador – um estranho que tinham acabado de conhecer.

Só podíamos comentar e depois codificar o comportamento do paciente, mas não nos foi permitido interpretar os possíveis sentimentos do paciente ou a natureza relacional/contextual das interações. Parecia-me que este ” exame ” de comunicação social era feito através da criação de um ambiente deliberadamente provocatório e da expectativa de que estes jovens pacientes acatassem as exigências invulgares dos examinadores.

Assim, nos vídeos, EODA parece mais um teste de conformidade social com as exigências em constante mudança de um adulto mandão. Num vídeo, no início da sessão, depois de o examinador retirar alguns brinquedos com que o paciente de 5 anos estava a brincar, o paciente fica de costas para o examinador e diz “Você não é meu amigo“. O resto da sessão de avaliação mostra uma interação complexa, uma parte hilariante da rebelião do jovem paciente, uma parte de envolvimento e uma parte angustiante de se assistir: a pressão e o desapego a frio por parte do examinador.

Para mim, o questionamento repetitivo, por vezes com sorrisos exagerados e não naturais, e a voz infantil e estridente do examinador parecia mais inusitado do que a reação da criança. No entanto, utilizando o EODA, esta criança tinha TEA e era aparentemente a mais “anormal” das duas.

Nos vídeos das avaliações para as crianças mais velhas, perguntei-me sobre a adequação etária dos brinquedos, artigos, e perguntas utilizadas. Não tenho a certeza de como teria respondido, quando era mais novo (como as crianças de 12 e 17 anos nas avaliações de vídeo tiveram de fazer), a perguntas como “O que significa para você um amigo?”Alguma vez pensa numa relação a longo prazo ou em se casar?” “Toma conta do seu próprio dinheiro?” ” Você tem planos ou sonhos para o futuro?

De acordo com as nossas escalas de classificação, existem formas normais e patológicas de responder a estas questões. Cultura, gênero, classe social, nenhuma destas coisas também importa. As duas crianças mais velhas falaram de experiências de serem intimidadas. Mesmo isto foi visto como mais uma prova de que são incompetentes, com uma mensagem oculta de que o TEA foi a razão pela qual foram intimidadas (ou seja, o seu “transtorno”) fez com que outras pessoas as tratassem mal.

As avaliações criaram um funil apertado onde não houve fuga da sua interpretação do que aconteceu como um potencial “sintoma”: se se envolvem, como se envolvem, como falam, o que dizem, o que não dizem, como olham, o que fazem, o que não fazem, e assim por diante.

O EODA é uma armadilha. Uma enorme máquina de fazer dinheiro para os seus criadores, formadores, e promotores. Uma avaliação inventada, para um conjunto inventado de sintomas que é inteiramente subjetivo e que carece de visão sobre o papel do contexto e a natureza intersubjetiva das relações. Tenta identificar “déficits” relacionais ao mesmo tempo que demonstra a própria falta de consciência do instrumento sobre a natureza das relações. Procura incessantemente descobrir provas de “anomalias” e cria um contexto em que o examinador pode prontamente encontrá-las.

É um sistema que captura muitos na sua rede, desde os mais jovens que não vão fazer o que o examinador instrui e da forma como o examinador acredita que devem fazer, até aos mais velhos que têm uma interessante reviravolta de expressão. Constrói, em vez de descobrir, conhecimentos – com os criadores, vendedores, e agora com os muitos examinadores que realizam avaliações EODAS acreditando que sabem como a pessoa universal, neutra em termos de cultura, gênero e sexualidade deve e não deve funcionar. É desavergonhadamente promovido e vendido em todo o mundo, sujeitando cada vez mais crianças e adultos à sua perversa agenda de normalização/patologização.
O autismo já tem esgotada a sua data de “utilização”

Acredito que o conceito de autismo e TEA, tal como o TDAH, não é apenas um exemplo do cientificismo desenfreado que colonizou os campos da psiquiatria e da psicologia, mas, além disso, que devemos deixar de os utilizar.

Estou satisfeito por um movimento ter crescido para recuperar algum sentido da auto-estima que foi roubada pelo paradigma do “transtorno” do autismo. No entanto, não acredito que o movimento da neurodiversidade possa levar ao tipo de mudança em que estou a pensar. Embora alguns possam afirmar que a criação das categorias alternativas de “neurotípico” e “neurodiverso” é uma libertação lúdica dos médicos patologistas, ainda perpetua a dinâmica “nós” e “eles” e solidifica ainda mais a individualização que alimenta a política neoliberal. Substitui a mercantilização aberta pelo autismo como transtorno por uma mercantilização na esfera da neuro-identidade.

Como já discuti, não há aqui nenhum bit “neuro” mensurável e característico. Aqueles que acreditam que descobrimos que foi vendida uma mentira. Todos nós, cada um de nós, somos únicos e, por conseguinte, todos somos neurodiversos.

O autismo faz parte do paradigma de medicalização, patologização e individualização que serve bem a política e economia neoliberal. Os contextos opressivos e inseguros que as pessoas, famílias e comunidades devem suportar na busca de ter as qualidades empresariais ideais, competitivas, eficientes, emocionalmente inteligentes (para se venderem a si próprios ou serviços, ou manipular inteligentemente os outros) necessárias para serem considerados “normais”, significa que quando os indivíduos não conseguem acompanhar, as nossas construções sociais podem culpar a sua interioridade por esta falha percebida.

O autismo é uma daquelas ” falhas” que podem ser marcadas, dadas uma insígnia científica (cientifica), e comercializadas. O foco desloca-se então para a pessoa falhada, que pode ser “apoiada/tratada”, e o contexto social mais amplo é libertado de um exame mais profundo. Políticos, burocratas, instituições de caridade e dirigentes políticos podem parecer realmente preocupados quando falam simpaticamente sobre aqueles que são prejudicados por esta deficiência e sobre como estão a ajudar e a apoiar estas pessoas.

Mas a que custo continuamos a alargar e a alargar a rede TEA? Quem já olhou para os dados do que acontece aos que são apanhados nesta rede? Onde estão as provas de que um diagnóstico melhora os resultados reais para as pessoas diagnosticadas? Por que não estamos a investigar esta questão básica? Quantos são avisados sobre os potenciais resultados negativos associados a um diagnóstico?

Sei, por exemplo, que certas profissões não aceitarão ninguém que tenha um diagnóstico de TEA, mas não sei até que ponto esta questão poderá ser generalizada. Li recentemente que, a nível nacional, “15% dos adultos com um transtorno do espectro do autismo estão empregados a tempo inteiro“. Não sei o que isto significa, mas isso parece-me uma estatística preocupante. Os rótulos carregam associações e estereótipos que poucos de nós são capazes de ver mais além. Quantos de nós deixam de ver e tentam conhecer “Jane” (ou quem quer que seja) quando nos é dito que “ela tem autismo”?

Compreendo que há muitos que acharam útil o ato de nomear. Os pais podem ser capazes de ter uma nova simpatia pelos seus filhos e os adultos podem agora sentir algo sobre a sua vida que faz sentido. Mas a que preço? Quanto tempo duram estes sentimentos iniciais de alívio? O que desaparece da narrativa dessa pessoa quando um rótulo que não consegue explicar é usado para explicar?

Preocupo-me com estas questões e porque nunca as vejo a ser colocadas na literatura dominante sobre o assunto. Preocupo-me com o potencial para um tipo sutil de violência que pode ser infligido a alguém assim rotulado e que pode limitar as suas próprias crenças, as das suas famílias, e de toda uma série de crenças das pessoas sobre o que podem e não podem fazer, do que precisam de proteção e do que não precisam. Preocupa-me a forma como ter o rótulo de autismo proporciona um tipo cruel de esperança. Os pais podem sentir agora que algo é compreendido, os especialistas saberão o que fazer para ajudar. Como os dias, meses e anos acumulam-se com assuntos que não melhoram, o que é que isso faz aos sentimentos dos pais sobre o seu filho ” perturbado “? Estes são os tipos de dilemas que eu vejo regularmente no meu consultório.

Na minha prática encontro frequentemente famílias que tiveram um filho diagnosticado com autismo, onde as coisas não melhoraram, ou pioraram após um período de melhoria, onde os pais se sentem sem poder porque acreditam que não podem ter a perícia para saber o que fazer e parecem não conseguir encontrar os peritos que sabem. Encontro regularmente jovens cujos próprios dilemas não são ouvidos, onde a suposição é que acham que o que fazem é “porque são autistas”.

Para algumas pessoas, o TEA é um bilhete que lhes dá acesso a apoios de aprendizagem (por exemplo) que podem ser úteis para outras crianças a quem é negado este apoio porque não têm “autismo”. Mas também vejo exemplos regulares em que uma rotulagem de autismo exclui crianças que poderiam achar o input útil. Por exemplo, a sua ansiedade social é construída como sendo “porque têm autismo” e por isso é-lhes dito que não há nada que possamos fazer quanto a isso.

O autismo tornou-se a nova armadilha para os pacientes jovens que não seguem os limites cada vez mais estreitos dos comportamentos esperados, e a tal ponto que ignoramos histórias que obviamente teriam um impacto nas suas apresentações. O autismo continua agora a surgir como uma sugestão de “talvez tenham autismo” em reuniões e revisões clínicas, como se isso fosse fornecer uma explicação para comportamentos que nos preocupam, frustram ou enfurecem.

Um diagnóstico de TEA pode enfraquecer pais e professores acidentalmente, porque existe uma suposição de que eles não têm a experiência para saber como intervir e saber qual é a maneira certa de apoiar seu filho. Coisas comuns podem voar pela janela, então eu vi famílias onde a dinâmica do poder mudou por causa da preocupação dos pais de que se eles intervirem de alguma forma na vida de seus jovens, eles podem piorar as coisas. Eles acabam pisando em ovos ao redor do jovem ao mesmo tempo em que entram em pânico com seu futuro, tornando a família muito tensa. Essa suposição pode paralisar os pais e outras pessoas, deixando-os desqualificados e esperando que profissionais mais “qualificados” os aconselhem ou, melhor ainda, forneçam a “terapia especializada certa” para chegar ao filho.

O autismo, como qualquer outro diagnóstico psiquiátrico, não é um diagnóstico. Não tem poder explicativo e, portanto, não pode dizer o que será útil ou não para qualquer indivíduo, família ou comunidade em particular. Melhor ignorar sua relevância. 

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[Trad. e edição por Fernando Freitas]

Nenhuma Vantagem para Antipsicóticos de Segunda Geração

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Num estudo de 720 admissões hospitalares consecutivas numa área de captação específica entre 1991 e 2005, os investigadores descobriram que não havia diferença em termos de readmissão de doentes que receberam alta com antipsicóticos de segunda geração em comparação com os de primeira geração. Os resultados foram mostrados na International Clinical Psychopharmacology.

Absract →

Uso Pesado de Cannabis Ligado a Psicose e Déficits Cognitivos

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Um estudo recente publicado em Medicina Psicológica explora os efeitos potenciais do uso cedo, crônico e intenso de cannabis. Os autores examinam a relação entre o uso excessivo de cannabis e fenômenos psicológicos relacionados com a psicose, bem como disfunções cognitivas.

Comparando dados estatísticos entre os grupos “caso” e ” controle”, para os utilizadores abusivos de cannabis, encontraram um aumento significativo da presença de fenômenos relacionados com a psicose e uma redução significativa do funcionamento cognitivo em vários subdomínios. As limitações na diversidade da amostra, entre outras questões, apontam para a necessidade de mais investigação.

“A cannabis é uma das substâncias psicoactivas mais frequentemente utilizadas em todo o mundo. Em algumas áreas estudadas, ao longo das últimas duas décadas, verificaram-se mudanças significativas nos padrões de consumo de cannabis caracterizados por uma maior prevalência de consumo entre os adultos, menor percepção de danos entre os adolescentes, e exposição não intencional pré-natal e infantil”, escrevem os autores.

“Apesar de um declínio na percepção dos danos da cannabis, várias consequências adversas para a saúde, incluindo sequelas neuropsiquiátricas, têm sido ligadas ao uso regular e pesado da cannabis. A rápida evolução da paisagem do consumo de cannabis no contexto da mudança das leis médicas e recreativas sobre a maconha requer a clarificação das incertezas existentes relativamente ao impacto causal da exposição ao cannabis sobre estes resultados adversos para a saúde”.

Pesquisas anteriores encontraram associações entre o uso da maconha e o início da psicose, bem como outras condições, como sintomas depressivos e de ansiedade. Alguns assinalaram, evidentemente, que a dosagem e os padrões de uso são fatores importantes neste caso, complicando a questão de a maconha (ou cannabis) ser substância inerentemente perigosa. Os indivíduos variam na sua resposta à maconha, sendo alguns mais propensos ao uso pesado e frequente. Além disso, nem todas as investigações confirmaram estas associações, embora estudos negativos tenham sido criticados.

O estudo agora realizado procura compreender os efeitos psicológicos do uso pesado, crônico, e precoce da cannabis. Em particular, os investigadores estavam interessados em potenciais ligações a fenômenos relacionados com psicose, bem como efeitos cognitivos relacionados com a memória, atenção e outros. Os autores afirmam que a investigação anterior sobre estas relações esteve prejudicada pela insuficiente atenção prestada a fatores comórbidos, potencialmente confusos, tais como a exposição multidroga, idade inicial de uso, duração da exposição etc.

Tentando controlar essas variáveis, os investigadores estudaram uma comunidade específica de pessoas “proibidas de utilizar outras substâncias, incluindo tabaco e álcool”. Esta comunidade utiliza cannabis para fins de ” iluminismo, ligação social, usos medicinais, e rituais”. O uso começa cedo para os membros da comunidade, por vezes in utero, e é tanto “pesado” como “crônico”.

Os participantes do estudo eram na sua maioria de ascendência africana, de língua inglesa, e estavam distribuídos geograficamente dentro do país onde o estudo foi realizado. Foi recrutado um grupo de controle com demografia semelhante relacionada com a educação, idade, sexo e etnia. Os participantes variavam na sua ocupação, e a maioria eram homens – 14 de um total de 15 no caso da amostra, 10 de um total de 12 no grupo de controle.

Foram utilizadas várias escalas psicométricas para recolher dados, tais como a Escala de Avaliação do Uso de Canábis Vitalício (SALCU), o Questionário de Personalidade Esquizotípica (SPQ), e várias baterias para medir o funcionamento cognitivo. Estes dados foram analisados estatisticamente utilizando o SPSS.

10 dos 15 participantes no grupo de fumadores de cannabis relataram ter iniciado o uso antes dos 18 anos de idade. O mesmo número reportou fumar cannabis todos os dias do mês anterior, enquanto os restantes 5 reportaram fumar a maioria dos dias.

A sua pontuação média no Questionário de Personalidade Esquizotípica (SPQ) medindo os fenómenos relacionados com a psicose foi de 24, em comparação com 13 para o grupo de controle. Este foi um resultado estatisticamente significativo (p = .03). Especificamente, o grupo “caso” exibiu “crenças estranhas e pensamento mágico, experiência perceptiva incomum, e comportamento estranho e excêntrico” de acordo com a escala.

Em termos de funcionamento cognitivo, o grupo de casos teve um desempenho pior do que o grupo de controle em todas as medidas:

“[…] tamanhos de efeito moderados a grandes para diferenças entre grupos foram anotados no Teste de Detecção (atenção), Teste de Identificação (velocidade psicomotora), Teste de Um Verso (memória de trabalho), Teste de Deslocação de Conjunto (flexibilidade cognitiva), Teste de Caça (processamento visuoespacial), e Teste de Lista de Compras (memória)”.

Foram encontrados efeitos semelhantes para a aprendizagem verbal e a memorização imediata total, enquanto não surgiram diferenças para a memorização tardia.

Para além das provas, os autores do estudo incluíram dados de 3 irmãos dos membros do grupo de casos, na esperança de controlar variáveis confusas tais como genes, educação, estatuto socioeconómico, nutrição, e mais. Constataram que os membros do grupo de casos tiveram pontuações mais elevadas na medida SPQ do que os seus irmãos, enquanto as pontuações dos irmãos foram estatisticamente semelhantes às pontuações do grupo de controle.

Do mesmo modo, os irmãos tiveram melhor desempenho nos testes de memória verbal e de atenção.

Os autores advertem na seção de discussão, no entanto, que apenas uma “pequena minoria” das pessoas expostas à cannabis parece desenvolver psicose. Além disso, os fenômenos psicológicos medidos pelo questionário SQP não sugerem necessariamente uma psicose completa e/ou esquizofrenia.

Os autores notam várias outras limitações aos resultados do estudo.

Uma vez que a investigação foi principalmente transversal e não longitudinal, é impossível determinar de forma conclusiva se a cannabis foi a causa destas diferenças psicológicas ou se elas pré-existiam ao uso pesado e a longo prazo da cannabis.

Os testes longitudinais limitados foram feitos duas vezes, com 6 anos de intervalo, o que confirmou os resultados anteriores, mas apenas 4 participantes estiveram envolvidos nestes testes posteriores.

Os autores também afirmam que a amostra única (e pequena) utilizada no estudo -97% dos participantes eram de “origem africana parcial ou total”, e a maioria eram de origem masculina – o que dificulta a generalização a outras populações.

Os autores concluem, sugerindo a necessidade de mais investigação:

“Os resultados deste estudo sugerem que a exposição precoce, crônica, pesada e o que é importante, a exposição à cannabis em condições de isolamento está associada a sintomas de psicose atenuada e disfunção cognitiva. Os resultados desta amostra única mas de tamanho reduzido justificam uma replicação num estudo maior e longitudinal desta ou de uma população semelhante para compreender melhor os efeitos cognitivos e comportamentais da exposição crônica, pesada e precoce ao canabinóide, sem os efeitos confusos de outras drogas”. 

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D’Souza, D. C., Ganesh, S., Cortes-Briones, J., Campbell, M. H., & Emmanuel, M. K. (October 01, 2020). Characterizing psychosis-relevant phenomena and cognitive function in a unique population with isolated, chronic, and very heavy cannabis exposure. Psychological Medicine, 50(14), 2452-2459. (Link)

A Psiquiatria é Baseada em Evidências, capítulo 2, parte 4

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Kit de sobrevivência
em saúde mental e retirada
dos medicamentos
psiquiátricos

Peter C. Gøtzsche

Nota do Editor: Por permissão do autor, o Mad in Brasil (MIB) estará publicando quinzenalmente um capítulo do recente livro do Dr. Peter Gotzsche. Os capítulos irão ficar disponíveis em um arquivo aqui

Esta é a parte 4 do capítulo 2.  Gotzsche apresenta as evidências sobre o Lítio, as drogas Antiepilépticas, as drogas para o TDAH, e reforça a constatação que a psiquiatria baseada no modelo biomédico de doença é falaciosa.

 

CAPÍTULO 2, PARTE 4

Lítio

O lítio é um metal altamente tóxico utilizado para o transtorno bipolar. Como a maioria das outras drogas psiquiátricas, seda as pessoas e as torna inativas. As concentrações de soro devem ser monitoradas de perto porque a toxicidade pode ocorrer em doses próximas às concentrações terapêuticas.

Nas embalagens, os pacientes e suas famílias são avisados de que deve ser interrompida a terapia com lítio e entrar em contato com o médico se houver diarreia, vômitos, tremores, leve ataxia (não explicada, embora poucos pacientes saibam que significa perda de controle sobre os movimentos corporais), sonolência ou fraqueza muscular.

O risco de toxicidade do lítio é aumentado em pacientes com doença renal ou cardiovascular significativa, debilitação ou desidratação severa, ou esgotamento do sódio, e para pacientes que recebem medicamentos que podem afetar a função renal, por exemplo, o uso de alguns anti-hipertensivos, diuréticos e medicamentos para aliviar a dor de artrite. Muitos medicamentos podem alterar os níveis séricos do lítio, sendo portanto uma droga muito difícil de ser usada com segurança e a lista de danos graves é longa e assustadora.123

Os psiquiatras elogiam esta droga altamente perigosa, dizendo que ela funciona e previne o suicídio. No entanto, os psiquiatras que revisaram os estudos com lítio em 2013 concluíram cautelosamente.124 Houve seis suicídios nos ensaios, todos com placebo, mas os autores observaram que a existência de apenas um ou dois ensaios de tamanho moderado com resultados neutros ou negativos poderia mudar materialmente a sua descoberta. O relato seletivo de mortes é sempre um problema, particularmente com os estudos antigos, e a maioria dos estudos são antigos. Além disso, nesses estudos os pacientes eram frequentemente titulados para a dose mais apropriada antes que a metade deles fosse abruptamente colocada em placebo.

Um psiquiatra sueco e eu, contudo, fizemos a nossa própria meta-análise, excluindo os estudos com a interrupção abrupta. Encontramos apenas quatro estudos. Havia três suicídios nos grupos de placebo e nove versus duas mortes no grupo com lítio, mas devido ao pequeno número e dados não confiáveis (nos ensaios clínicos com todas as drogas psiquiátricas cerca da metade de todas as mortes está faltando),81 não tiramos nenhuma conclusão firme. 125

O lítio ajuda? Estou relutante em usar os quatro estudos que encontramos para responder a essa pergunta. Eles tiveram resultados altamente subjetivos, como se os pacientes tivessem recaído ou tivessem melhorado ao mesmo tempo, e os ensaios devem ter sido pouco cegos porque os efeitos colaterais do lítio são muito pronunciados.

Se quisermos saber o que o lítio faz às pessoas, precisamos de grandes ensaios clínicos com algo no placebo que dê efeitos colaterais, para que seja mais difícil quebrar a cegueira, e deve haver um longo acompanhamento após a fase aleatória haver sido concluída, onde os pacientes são lentamente afunilados do lítio, para que possamos ver quais são os danos de longo prazo. Já sabemos que o lítio pode causar danos irreversíveis ao cérebro.123

Esta não é uma droga que eu recomendaria a ninguém.

Drogas antiepilépticas

Como já foi observado, os antiepilépticos duplicam o risco de suicídio.126 Os psiquiatras os usam muito, mas como ocorre na maioria das outras drogas usadas na psiquiatria, o seu principal efeito é suprimir a resposta emocional, entorpecendo e sedando as pessoas.56

Também como a maioria das outras drogas psiquiátricas, elas são usadas para praticamente tudo. Tenho visto tantos pacientes entrando na porta da psiquiatria com uma variedade de “diagnósticos iniciais”, e a todos acabando sendo prescrito um coquetel horripilante de drogas que inclui  antiepilépticos.

Não me surpreende que os psiquiatras pensem que os antiepilépticos “trabalham” para a mania, porque qualquer coisa que derrube as pessoas e as incapacite parece “funcionar” para a mania. Mas nada mais é do que uma camisa de força química.

Os antiepilépticos não só sedam as pessoas, como também podem ter o efeito oposto e torná-las maníacas.126 As pílulas da depressão também podem tornar as pessoas maníacas,122 mas isto não é desejável, pois geralmente levam a uma cascata de drogas adicionais e perigosas como neurolépticos e lítio que aumentam o risco de morte e dificultam muito o retorno dos pacientes a uma vida normal. Além disso, os pacientes passam agora a serem chamados de bipolares, mesmo sofrendo de um dano causado por uma droga.

As drogas para a epilepsia têm muitos outros efeitos nocivos, por exemplo, 1 entre 14 pacientes com gabapentina desenvolve ataxia, o que, como acaba de ser explicado, é uma falta de coordenação voluntária dos movimentos musculares.

Os psiquiatras chamam essas drogas horríveis de “estabilizadores do humor”, que não é o que elas fazem, e eles nunca esclareceram o significado preciso desse termo.9 Eu pesquisei no Google o significado de estabilizadores de humor: “Estabilizadores de humor são medicamentos psiquiátricos que ajudam a controlar as oscilações entre depressão e mania… comumente usados para tratar pessoas com transtorno de humor bipolar e às vezes pessoas com transtorno esquizoafetivo e transtorno de personalidade limítrofe”. Bem, eles são usados para muito mais, e praticamente todo paciente de “carreira” psiquiátrica os adquire. Logo abaixo desse post do Google, eu pude ler que os estabilizadores de humor não só incluem antiepilépticos e lítio, mas também asenapina, que é um neuroléptico. Assim, o estabilizador de humor parece ser um termo flexível em demasia. Eles esqueceram de mencionar álcool e cannabis, talvez porque não são drogas prescritas, e por conseguinte não têm interesse comercial para a indústria das drogas.

Tenho encontrado com frequência pacientes que estão no antiepiléptico lamotrigina. Foram publicados para essa droga apenas dois testes positivos, enquanto sete testes grandes e negativos deixaram de ser publicados.127 Dois testes positivos são suficientes para a aprovação da FDA e a agência considera os outros como sendo testes fracassados, mesmo que  fracassado seja o próprio medicamento. É preciso ter uma fantasia vívida para imaginar o que acontece nas agências reguladoras de medicamentos e até onde que elas estão dispostas a ir para acomodar os interesses da indústria farmacêutica.51 O resultado final é que a regulamentação das drogas não funciona. Se funcionasse, os nossos medicamentos prescritos não seriam a terceira principal causa de morte,128-138 e os nossos medicamentos psiquiátricos não teriam chegado nem sequer perto de ser registrados. 4

A quantidade de fraudes nos ensaios clínicos nesta área é enorme.4 Não se deve acreditar em nada do que se lê. A menos que você tenha epilepsia, esqueça estas drogas e, se você as estiver usando, encontre ajuda para sair delas, o mais rápido que puder.

Pílulas para o constructo social chamado TDAH

Eu nunca ouvi falar de uma droga psiquiátrica que seja usada principalmente a curto prazo. Todos elas, mesmo os benzodiazepínicos, são utilizadas durante anos pela maioria dos pacientes, e as drogas para o constructo social chamada TDAH não são exceção.

Estes medicamentos são estimulantes e funcionam como anfetaminas; de fato, alguns deles são anfetaminas. A forma como a OMS as descreve é interessante. 139 Sob o título “Manejo do abuso de substâncias: estimulantes do tipo anfetamina”, eles dizem:

“Estimulantes do tipo anfetamina (ATS) referem-se a um grupo de drogas cujos membros principais incluem anfetaminas e metanfetaminas. Entretanto, uma gama de outras substâncias também se enquadram neste grupo, tais como metcatinona, fenetylline [sic], efedrina, pseudoefedrina, metilfenidato e MDMA ou ‘Ecstasy’ – um derivado do tipo anfetamina com propriedades alucinógenas. O uso do ATS é um fenômeno global e crescente e, nos últimos anos, houve um aumento acentuado na produção e uso do ATS em todo o mundo. Durante a última década, o abuso de estimulantes do tipo anfetamina (ATS) se infiltrou na cultura dominante em certos países. Os mais jovens, em particular, parecem possuir uma sensação distorcida de segurança sobre as substâncias, acreditando erroneamente que as substâncias são seguras e benignas … a situação atual merece atenção imediata”.

Cristal é o nome comum para metanfetamina cristalina, uma droga forte e altamente viciante. Em 2017, cerca de 0,6 % da população dos EUA relatou ter usado metanfetamina no ano anterior.140 O uso de estimulantes sob prescrição médica era de 0,8% da população dinamarquesa, também em 2017.

Por que, então, a OMS não avisa com uma palavra que o uso crescente de estimulantes sob prescrição médica também é um enorme problema? Por que este padrão duplo?

Houve 10.333 mortes por overdose de drogas nos EUA em 2017 envolvendo estimulantes,140 em comparação com apenas 1.378 em 2007.

As metanfetaminas são consideradas particularmente perigosas. Não sabemos quantas pessoas são mortas por estimulantes sob prescrição médica, mas sabemos que as crianças que consomem esses medicamentos caíram subitamente mortas na sala de aula.

Sabemos também que os estimulantes aumentam o risco de violência,129 o que não é surpreendente, tendo em vista os seus efeitos farmacológicos. Mas os psiquiatras dizem o contrário. Já os ouvi argumentar muitas vezes, também em uma audiência no Parlamento dinamarquês, que a Ritalina (metilfenidato) protege contra o crime, a delinquência e o abuso de substâncias. Isto não é verdade – se alguma coisa fazem é exatamente o contrário.142

Como para outras drogas psiquiátricas, os efeitos a longo prazo são danosos.4 Isto foi demonstrado no grande ensaio MTA dos EUA que randomizou 579 crianças e relatou resultados após 3, 6, 8 e 16 anos.142-146 Após 16 anos, aqueles que tomavam seus comprimidos de forma consistente eram 5 cm mais curtos do que aqueles que tomavam muito pouco, e havia muitos outros danos.146 Podemos apenas especular quais os efeitos permanentes estas drogas poderiam ter sobre o desenvolvimento do cérebro das crianças.

O efeito a curto prazo é que as drogas podem fazer com que as crianças fiquem quietas na sala de aula, mas esse efeito desaparece muito rapidamente. Os danos a curto prazo incluem tiques, contrações musculares e outros comportamentos consistentes com sintomas obsessivos compulsivos, que podem se tornar bastante comuns.9.147 Os estimulantes reduzem a atividade mental e comportamental espontânea geral, incluindo o interesse social, o que leva à apatia ou à indiferença, e muitas crianças – mais da metade em alguns estudos – desenvolvem depressão e comportamentos compulsivos e sem sentido. 56,148

Estudos com animais confirmaram isso,148 e documentamos outros danos, por exemplo, que as drogas prejudicam a reprodução mesmo depois que os animais foram retirados delas.149

Na escola, o comportamento compulsivo é muitas vezes mal interpretado como uma melhoria, embora a criança possa simplesmente copiar obsessivamente tudo o que aparece no quadro sem nada aprender. Algumas crianças desenvolvem mania ou outras psicoses,56.150 e os danos das drogas são muitas vezes confundidos com um agravamento do constructo social chamado “doença”, que leva a diagnósticos adicionais, por exemplo, depressão, transtorno obsessivo compulsivo ou bipolar – e drogas adicionais, levando à cronicidade. 148

Os ensaios clínicos com drogas TDAH são tendenciosos em um grau excepcional, mesmo para os padrões psiquiátricos, e, portanto, a maioria das revisões sistemáticas dos ensaios  igualmente são altamente tendenciosas. Uma revisão Cochrane do metilfenidato para adultos foi tão ruim que as críticas que nós e outros levantamos levaram à sua retirada da Biblioteca Cochrane.151 Duas revisões da Cochrane realizadas por meus antigos funcionários, que prestaram atenção suficiente às falhas, descobriram que cada tentativa já realizada havia um alto risco de enviesamento.152,153

Também descobrimos que o relato dos danos é extremamente pouco confiável.153 Na revisão da agência britânica de medicamentos foi relatada a ocorrência de “psicose/ mania” em 3% dos pacientes tratados com metilfenidato e em 1% dos pacientes com placebo. A estimativa de 3% é 30 vezes maior do que o risco de 0,1% de “novos sintomas psicóticos ou maníacos” que a FDA adverte. Também encontramos discrepâncias dentro dos documentos regulatórios. No Relatório de Avaliação Pública da agência britânica de regulação de medicamentos, a taxa de agressão para aqueles em metilfenidato foi relatada em 1,2% na página 61 e em 11,9% na página 63, com base na mesma população e mesmo tempo de acompanhamento.153 Além disso, observamos enormes diferenças entre os estudos que não puderam ser explicadas seja pelo desenho do estudo ou pela população de pacientes; por exemplo, a diminuição da libido em metilfenidato foi experimentada em 11% em um ensaio contra apenas 1% em uma análise conjunta de três outros ensaios clínicos. Como a qualidade de vida foi medida em 11 ensaios, mas apenas em 5 foi relatada, onde foi encontrado um efeito mínimo153, é razoável supor que a qualidade de vida piora nos medicamentos para TDAH, que também é o que as crianças experimentam. Eles não gostam das drogas.

Fazer a coisa certa em psiquiatria raramente é possível. Um psiquiatra infantil irlandês me disse que ele foi suspenso porque não colocou os seus filhos em drogas psiquiátricas, incluindo drogas TDAH.

Em vez de mudar os cérebros de nossos filhos, deveríamos mudar o seu ambiente. Também deveríamos mudar os cérebros dos psiquiatras para que eles não mais queiram drogar as crianças com rapidez na prescrição; será que “psicoeducação” ajudaria? Os medicamentos para TDAH são receitados muito mais aos filhos de pais com empregos pouco qualificados, em comparação com os filhos de pais mais instruídos.154 Estes medicamentos são usados como forma de controle social, assim como os neurolépticos o são.

Um documentário britânico foi muito revelador sobre o que é necessário. Mostrou crianças altamente perturbadoras, que eram tão difíceis de se lidar que até mesmo psiquiatras críticos poderiam concluir que as drogas para TDAH eram necessárias. “Não podemos ter crianças penduradas nas cortinas”, como me disse um psiquiatra infantil em uma audiência no Parlamento sobre  drogar crianças. No entanto, as famílias receberam ajuda de psicólogos e descobriu-se que as crianças estavam sendo perturbadas, razão pela qual eram perturbadoras. Uma mãe que sempre repreendeu a sua filha “impossível” foi ensinada a elogiá-la e, um pouco mais tarde, ela se tornou uma criança muito simpática que não era mais hostil para com a sua mãe.

O abuso sexual de crianças é assustadoramente comum e extremamente prejudicial. Você pode facilmente encontrar referências na Internet sobre o fato de que cerca de uma em cada dez crianças foi abusada sexualmente antes de completar 18 anos de idade. Se uma criança se comporta mal, se ela é provocante e desafiadora, isto pode facilmente levar a um diagnóstico de TDAH ou de transtorno de personalidade limítrofe, embora seja uma reação a uma situação horrível de abuso sexual contínuo sobre o qual a criança não ousa falar com ninguém.

Um de meus colegas, o psiquiatra infantil Sami Timimi, pergunta frequentemente aos pais se querem que ele drogue o seu filho para o TDAH:54 “Imagine esta droga funcionando perfeitamente; que mudanças você espera que resultem disso”? Essa pergunta pode surpreender os pais, mas é importante não dizer mais nada até que um deles quebre o silêncio e comece a falar sobre as mudanças que eles imaginam que irão acontecer. Isso ajuda Timimi a entender as áreas específicas de preocupação dos pais. É, por exemplo, o comportamento em casa, as relações entre colegas, o desempenho acadêmico na escola ou a falta de senso de perigo? Timimi pode então responder que nenhuma droga no mundo pode alterar essas coisas em seus filhos. As drogas não tomam decisões, não têm sonhos e ambições, nem realizam ações.

Ao descobrir as especificidades do que os pais querem ver mudado, Timimi pode desviar o interesse deles das drogas para medidas mais específicas, como o desenvolvimento de habilidades de gerenciamento parental para crianças que são mais “intensas” do que a maioria. Ele os ajuda a entender as ansiedades e estresse que seus filhos podem estar sentindo, ou ele os apoia na obtenção de intervenções mais estruturadas nas escolas. Ele também lembra aos pais que uma coisa é certa sobre as crianças: elas mudam conforme crescem e muitas vezes os problemas rotulados como TDAH (particularmente a hiperatividade e a impulsividade) tendem a diminuir e desaparecer à medida que a criança amadurece durante a adolescência.

Como o TDAH é apenas um rótulo e não uma doença cerebral, esperaríamos que mais dessas crianças nascidas em dezembro recebessem um diagnóstico de TDAH e estivessem em tratamento medicamentoso do que aquelas nascidas em janeiro na mesma classe, pois tiveram 11 meses a menos para desenvolver o cérebro. Um estudo canadense de um milhão de crianças em idade escolar confirmou isso.155 A prevalência de crianças em tratamento aumentou de forma praticamente linear de janeiro a dezembro, e 50% a mais das nascidas em dezembro estavam em tratamento medicamentoso.

O diagnóstico de TDAH não deve ser um pré-requisito para se obter ajuda extra ou dinheiro para as escolas, o que ocorre hoje em dia. Isso impulsiona a prevalência deste diagnóstico para cima o tempo todo, e o uso de drogas TDAH também, que foi 3,4 vezes maior na Dinamarca em 2017 do que em 2007, um aumento de 240%.

Alguns países têm experimentado um aumento em espiral no uso de medicamentos psiquiátricos em crianças que é diretamente atribuível a parcerias das escolas com hospitais. Em uma província canadense, os hospitais pressionaram agressivamente o pessoal de serviços especiais e os conselheiros de orientação escolar, que por sua vez encaminharam qualquer criança sob estresse para o departamento psiquiátrico dentro do hospital infantil. A diretoria da escola contratou um psiquiatra escolar que consultou o pessoal sobre situações de rejeição escolar e questões comportamentais e recomendou pílulas para depressão ou drogas para TDAH.

As escolas e hospitais se tornaram lugares perigosos para crianças e adolescentes. Como isto é triste. As escolas deveriam estimular as crianças, e não as pacificar com rapidez via a prescrição.

1 Nunca aceite que seu filho seja tratado com rapidez com uma prescrição médica.

2 Nunca aceite isto, mas resista a se tornar um número sem rosto no novo mercado para adultos.

3 Abordar as crianças com paciência e empatia que lhes permitam crescer e amadurecer, sem drogas.

Os pregos finais no caixão da psiquiatria biológica

Quando discuto o estado da psiquiatria com psiquiatras críticos, psicólogos e farmacêuticos com quem colaboro, às vezes nos perguntamos um ao outro: “Quem é mais louco, em média, os psiquiatras ou os seus pacientes? ”

Esta não é uma questão tão rebuscada ou retórica como pode parecer. Quando pesquisei no Google por ilusão, a primeira entrada foi de um dicionário de Oxford: “Uma crença ou impressão idiossincrática mantida apesar de ser contrariada pela realidade ou argumento racional, normalmente como um sintoma de transtorno mental”.

Como você já viu, logo desde o início do Capítulo 1, e verá mais a seguir, toda a psiquiatria se caracteriza exatamente por isso. As crenças idiossincráticas predominantes dos psiquiatras não são compartilhadas por pessoas consideradas sãs, ou seja, o público em geral, mas os psiquiatras as mantêm vigorosamente, mesmo quando a realidade, incluindo a ciência mais confiável que temos e o argumento racional, mostra claramente que as suas crenças básicas estão erradas.

Se a psiquiatria fosse um negócio, ela já teria ido à falência, então vamos concluir, em vez disso, que ela está moral e cientificamente falida.

Uma definição de loucura é fazer sempre a mesma coisa, esperando sempre por um resultado diferente. Quando uma droga não parece funcionar tão bem, o que ocorre na maioria das vezes, os psiquiatras aumentam a dose, mudam para uma outra droga da mesma classe, adicionam outra droga da mesma classe, ou adicionam uma droga de outra classe.

A ciência nos diz muito claramente que estas manobras não irão beneficiar os pacientes. Trocar medicamentos, adicionar medicamentos ou aumentar a dose não resulta em melhores resultados.156-158 O que é certo é que aumentar a dose total ou o número de drogas aumentará a ocorrência de danos graves, incluindo danos irreversíveis ao cérebro, suicídios e outras mortes.4.159.160 Os neurolépticos encolhem o cérebro de maneira dependente da dose; em contraste, a gravidade da doença tem efeito mínimo ou nenhum efeito.160

Não há provas confiáveis de que a psicose por si só possa danificar o cérebro.161 O mesmo se aplica aos outros transtornos psiquiátricos, mas os psiquiatras muitas vezes mentem a seus pacientes dizendo-lhes que a sua doença pode prejudicar o seu cérebro se eles não tomarem drogas psiquiátricas. O professor de psiquiatria Poul Videbech escreveu em 2014 que a depressão dobra o risco de demência,162 mas a meta-análise que ele citou não mencionou com uma palavra quais tratamentos os pacientes haviam recebido.163 Outros estudos indicam que são as drogas que tornam as pessoas dementes.164,165

É rotina em todos os lugares se aumentar a dose, mesmo quando o paciente ficou melhor. Um comentário frequentemente ouvido em consultas nas enfermarias psiquiátricas é: “O paciente está indo bem depois de duas semanas com Zyprexa, então eu vou dobrar a dose”. Esta rotina é ao mesmo tempo insana e prejudicial. O psiquiatra não pode saber se o paciente poderia ter melhorado mais sem Zyprexa. Os médicos enganam a si mesmos e aos seus pacientes o tempo todo, com base em sua “experiência clínica” enganosa e em seus rituais de tratamento que vão diretamente contra a ciência.

Desta forma, muitos pacientes acabam tomando coquetéis de drogas terrivelmente prejudiciais dos quais talvez nunca escapem. Embora seja difícil de acreditar, está ficando pior. Um estudo americano da psiquiatria de consultório descobriu que o número de medicamentos psicotrópicos prescritos aumentou acentuadamente, em apenas nove anos até 2006: as visitas com três ou mais medicamentos dobraram, de 17% para 33%.166 Prescrições para dois ou mais medicamentos da mesma classe também aumentaram, embora isso não devesse acontecer de forma alguma.

Uma vez fui convidado a seguir o psiquiatra-chefe durante um dia em uma enfermaria fechada. Conversamos com vários pacientes. Um deles me pareceu totalmente normal e razoável, mas para a minha grande surpresa o psiquiatra me perguntou depois se eu podia ver que o paciente estava delirando. Como eu não conseguia, ele explicou que o paciente estava delirando porque havia estado na Internet e descoberto que os neurolépticos são perigosos. Eu respondi que eles são realmente perigosos e que não há nada de ilusório em acreditar nisso. Fiquei tão atônito que não disse mais nada.

Em outra ocasião, telefonei para uma unidade psiquiátrica em Copenhague que tem uma reputação muito ruim por causa dos pacientes que os psiquiatras mataram lá com as suas drogas.45 Um paciente desesperado e em grande angústia tinha me chamado, mas não me foi possível falar com um psiquiatra, apesar de eu ser um colega e estar dentro do horário normal de trabalho. Eu insisti que precisava falar com alguém e fui transferido para uma enfermeira-chefe. Ela me disse para não me envolver porque o paciente estava delirando. Quando perguntei de que maneira, ela disse que ele havia descoberto que os neurolépticos eram perigosos. Perguntei-lhe se ela sabia com quem estava falando. Ah, sim, ela sabia sobre mim.

Vou agora ilustrar mais do mundo absurdo e ilusório da psiquiatria com alguns exemplos.

Um de meus amigos psiquiatras enviou uma carta a um médico de família sobre uma estudante de 21 anos de idade, recentemente com alta em um hospital particular, após ter recebido 21 TCMS. Quando eu perguntei o que era isso, minha amiga respondeu: “Trans-Cranial Magnetic Stimulation [Estimulação Magnética Transcraniana], o último de uma longa linha de modismos passageiros que atingem a psiquiatria, projetado para separar os bem preocupado com o seu dinheiro”.

Como ela ficava cada vez mais ansiosa, ela recebeu 12 choques elétricos. Ela tinha dois diagnósticos, transtorno de personalidade limítrofe e transtorno afetivo bipolar, e recebeu alta com essas drogas (prn: conforme necessário; bd: duas vezes ao dia):

Droga Tipo de droga
diazepam a 20 mg/dia comprimido para dormir (hipnótico/sedativo)
fluvoxamina 300 mg/dia pílula para a depressão
mirtazapina 45 mg à noite pílula para a depressão
quetiapina 400 mg à noite Neuroléptico
quetiapina a 600 mg/dia prn Neuroléptico
aripiprazole 10 mg pela manhã Neuroléptico
olanzapina até 20 mg/dia prn Neuroléptico
valproato 1000 mg à noite medicamento antiepiléptico
lamotrigina 100 mg bd medicamento antiepiléptico
topiramato 50 mg bd medicamento antiepiléptico
lítio 1250 mg/dia “estabilizador de humor”.

 

Isto é uma loucura e constitui uma grosseira negligência médica. No mundo inteiro ninguém sabe o que acontecerá quando todas essas drogas são administradas em conjunto, apenas que é muito mais perigoso do que se menos drogas forem usadas.

A carta encaminhada observa que a paciente dorme muito e que o seu apetite é excessivo. Ela está tentando fazer dieta, já que ganhou cerca de 50 kg com as drogas. Ela tem pouca energia, interesse ou motivação, não faz exercícios ou tem convívio social e não tem nenhum interesse sexual. Ela tem crises de se sentir triste e miserável com ocasionais ideias suicidas por não gostar de si mesma, e também tem crises de se sentir “maníaca”, durante as quais ela está desagradavelmente agitada e tende a ter gastos demais na esperança de se sentir melhor.

Ela também tem frequentes episódios de agitação e irritabilidade e descreveu a acatisia clássica. Ela não tem ideias paranoicas; é ritualista sobre segurança e ordem, mas não há características verdadeiramente obsessivo-compulsivas. Ela é uma pessoa ansiosa desde a escola primária.

Meu colega terminou a sua carta dizendo ao médico de família que este caso era uma demonstração perfeita da razão pela qual ele havia publicado grandes objeções à psiquiatria convencional. O paciente tinha uma personalidade ansiosa com depressão secundária e não tinha transtorno de personalidade limítrofe; além disso, nenhuma das pessoas que usavam este diagnóstico podia dizer o que ele beirava ser.

“Se ela permanecer neste nível de drogas, ela estará morta por quarenta anos. Ela está ciente disto e quer que elas sejam reduzidas, mas todas elas são altamente viciantes e podem produzir estados graves de abstinência, que imitam um grande transtorno mental. ”

Um processo judicial em que estive envolvido não é diferente. É uma história típica que ilustra o papel de uma pílula para a depressão como “Kit para iniciantes da psiquiatria”.

Até onde posso ver, a este jovem nunca deveria ter sido oferecido um medicamento psiquiátrico. Deveria ter-lhe sido oferecida psicoterapia para os seus problemas que pareciam ser transitórios. Além disso, ele estava funcionando bem quando o seu psiquiatra decidiu colocá-lo em uma pílula da depressão para a “depressão”.

Sua “carreira” psiquiátrica durou 33 anos antes de finalmente conseguir sair da última droga, mas ele ainda sofre de efeitos de abstinência duradouros. Sua lista de drogas durante todos esses anos é estonteante. Foram-lhe prescritos os três principais tipos de drogas psiquiátricas, sedativos/ hipnóticos, pílulas da depressão e neurolépticos, em uso e interrompidos em várias combinações, totalizando três sedativos/ hipnóticos diferentes, cinco pílulas da depressão e seis neurolépticos. Ele também desenvolveu o Parkinson, muito provavelmente induzido por drogas, e foi tratado também para isso. Os sedativos/ hipnóticos foram prescritos por cerca de 10 anos, as pílulas da depressão por cerca de 25 anos e os neurolépticos por cerca de 30 anos, e houve um grau considerável de polifarmácia.

É notável que qualquer um possa sobreviver a tudo isso e continuar sendo usado.

O psiquiatra parou as drogas abruptamente muitas vezes. Não afunilar lentamente estas drogas depois de ter colocado um paciente com elas por longos períodos de tempo, constitui uma negligência altamente perigosa.

Espero que ele vença o caso, mas infelizmente, os juízes são muito autoritários e sempre enfatizam o que outros psiquiatras fazem em situações semelhantes. Isto é prudente, como precaução geral, mas não quando praticamente todos estão em falta. Se um banco defraudar seus clientes, não ajuda no tribunal que outros bancos façam o mesmo. Então por que todos são desculpados na psiquiatria? Como será possível ganhar casos, tendo em vista esta injustiça?

Ocasionalmente, um caso é ganho. 4 Wendy Dolin em Chicago processou GlaxoSmith-Kline depois que o seu marido, um advogado de grande sucesso que amava a vida e não tinha problemas psiquiátricos, foi colocado em paroxetina porque ele desenvolveu alguma ansiedade em relação ao trabalho. Ele pegou acatisia e se jogou na frente de um trem seis dias depois de iniciar a paroxetina, não percebendo que não era ele que tinha enlouquecido, era a pílula que o deixara louco. A Baum & Hedlund em Los Angeles ganhou o caso, mas então? GlaxoSmithKline apelou do veredicto.

Quando Wendy soube que eu havia marcado um encontro sobre psiquiatria em relação ao lançamento de meu livro em 2015,4 ela decidiu ir a Copenhague e contar a sua história. Quatro outras mulheres que haviam perdido um marido, um filho ou uma filha para o suicídio induzido por drogas, quando não havia absolutamente nenhuma boa razão para ser prescrita uma pílula da depressão, também vieram, por sua própria conta. Meu programa já estava cheio, mas eu arranjei espaço para elas. Esta foi a parte mais comovente de todo o dia. Houve um silêncio impressionante enquanto elas contavam as suas histórias, que podem ser vistas no YouTube.16

O uso colossal de drogas psiquiátricas não é baseado em evidências, mas é impulsionado por pressões comerciais. Estudei se duas classes de drogas muito diferentes, os neurolépticos e as pílulas da depressão, apresentavam padrões semelhantes no uso a longo prazo. Os padrões de uso deveriam ser muito diferentes, porque a principal indicação para neurolépticos, a esquizofrenia, tem sido tradicionalmente percebida como uma condição crônica, enquanto a principal indicação para pílulas da depressão, a depressão, tem sido percebida como episódica.

No entanto, não eram diferentes. Os padrões de uso eram os mesmos:169

Porcentagem de usuários atuais na Dinamarca que tiveram uma prescrição para a mesma droga ou para uma droga similar em cada um dos anos seguintes após 2006.

Comecei o relógio em 2006, acompanhando os pacientes ao longo do tempo. Naquele ano, 2,0% da população dinamarquesa considerou uma prescrição para um neuroléptico e 7,3% para uma pílula da depressão. Muitos dos pacientes já haviam tomado a sua droga durante anos, mas este grupo de pessoas também incluía alguns que eram usuários pela primeira vez em 2006, ou seja, 19,8% contra 20,0%. Esta foi uma porcentagem notavelmente semelhante para os dois grupos de drogas muito diferentes utilizadas para transtornos muito distintos.

Os pacientes receberam uma nova prescrição a cada ano até que pararam ou chegaram a 2016, meu último ano de observação, quando 35% contra 33% dos pacientes ainda estavam em tratamento.

Estes resultados são chocantes. Sejam quais forem as falhas nas diretrizes, elas não funcionaram como o esperado, e o uso de drogas claramente não foi baseado em evidências. Eu quase senti que tinha descoberto uma nova lei na natureza. Ao contrário de nossos palpites, 1 kg de penas caem com a mesma velocidade que 1 kg de chumbo, desde que caiam no vácuo, de acordo com a lei da gravidade. Da mesma forma, o uso dessas duas classes muito diferentes de drogas caía com a mesma velocidade. Uma enorme proporção de pacientes continuava tomando a sua droga, ano após ano, por mais de uma década.

Isto é um dano iatrogênico de proporções épicas. A tal ponto os pacientes não gostam das drogas que os seus médicos precisam de convencê-los a tomar. Tal persuasão não é necessária para motivar as pessoas a tomar aspirina infantil após um ataque cardíaco, a fim de reduzir o risco de um novo ataque. Os neurolépticos são até mesmo forçados aos pacientes contra a sua vontade “para o seu próprio bem”. Se não fossem forçados, poucos os tomariam. Quando as pessoas saudáveis tomaram um neuroléptico só para experimentar como é, eles me disseram, ou publicaram, que ficaram incapacitadas por vários dias!170 A dificuldade de leitura ou de concentração e a incapacidade de trabalhar são danos comuns – mas o corpo inteiro é afetado. Não podemos duvidar do poder destas toxinas.

O que estamos vendo é o resultado do engano sistemático de médicos e pacientes. Os pacientes são rotineiramente solicitados a suportar os danos, pois pode levar algum tempo até que o efeito da droga se instale. Não lhes é dito que o que eles percebem como efeito da droga é a melhora espontânea que teria ocorrido sem a droga, ou que pode ser difícil sair da droga novamente. A mentira sobre o desequilíbrio químico também tem contribuído. Os pacientes frequentemente dizem que têm medo de adoecer novamente se deixarem de tomar a droga porque acreditam que há algo quimicamente errado com eles.

A psiquiatria hegemônica não se preocupa com as evidências, mas vai continuar os negócios como sempre, fingindo que os meus resultados não existem, e eles dirão que “todos sabemos que o tratamento de longo prazo é bom para as pessoas; se elas não receberem as suas drogas elas terão uma recaída”. “Em 2014, os psiquiatras noruegueses escreveram sobre o que eles chamaram de “taxa alarmantemente alta de descontinuação” de neurolépticos em pacientes com esquizofrenia, 74% em 18 meses. Eu chamaria isto de um sinal saudável, mas os psiquiatras argumentaram que “os clínicos precisam estar equipados com estratégias de tratamento que otimizem o tratamento contínuo com os medicamentos antipsicóticos” 171 A sério? É a alimentação forçada com pílulas, como os gansos de Estrasburgo são alimentados para produzir foie gras? Os neurolépticos fazem as pessoas engordarem. Mas os psiquiatras não precisam fazer isso. Quando a sua vontade é contrariada ou os pacientes cospem os comprimidos, eles podem fazer uso de injeções de depósito.

Em seguida, decidi descobrir se havia um padrão similar de uso de benzodiazepinas e agentes similares (hipnóticos/sedativos), lítio e estimulantes (drogas ADHD).

Como sabemos há décadas que as benzodiazepinas e as drogas similares são altamente viciantes e só devem ser usadas por até quatro semanas (o uso restrito já era recomendado em 1980 no Reino Unido)172.173; e também porque o efeito terapêutico desaparece rapidamente, o uso de tais drogas deve ser muito baixo e, de longe, a maioria dos usuários em um determinado ano deve, portanto, ser usuária pela primeira vez. Este não foi, de forma alguma, o caso:174

Porcentagem de usuários atuais na Dinamarca que receberam uma prescrição para a mesma droga ou para uma droga similar em cada um dos anos seguintes após 2007.

Em 2007, 8,8% da população dinamarquesa recebeu uma prescrição para um agente benzodiazepínico ou similar, 0,24% para o lítio e 0,16% para um estimulante. Para as benzodiazepinas, apenas 13,0% eram usuários de primeira viagem. Para as outras duas drogas, os números foram de 40,4% e 11,2%, respectivamente.

Os pacientes receberam uma nova prescrição a cada ano até que pararam ou chegaram a 2017, meu último ano de observação, quando 18%, 29% e 40%, respectivamente, ainda estavam em tratamento.

Estas descobertas também são perturbadoras. Não importa qual droga psiquiátrica as pessoas tomam ou qual é o seu problema, cerca de um terço dos pacientes ainda estão em tratamento com a mesma droga ou com uma semelhante dez anos depois. Para as benzodiazepinas e agentes similares, o uso continuado após dez anos foi “apenas” 18%, mas dado o que sabemos sobre essas drogas, pode-se argumentar que deveria ter sido zero muitos anos antes de 2017. Isto é um desastre. O mesmo pode ser dito sobre o uso dos outros quatro tipos de drogas, que era muito semelhante, pois o intervalo só passou de 29% para 40% (veja os números).

Se aceitarmos as premissas baseadas em evidências de que essas drogas não têm efeitos que valham a pena, particularmente sem considerar os seus danos substanciais, e que os pacientes geralmente não gostam delas, os dados mostram um uso excessivamente colossal das drogas, para um grau semelhante.

O foco principal da psiquiatria para as próximas décadas deveria ser ajudar os pacientes a se retirarem lentamente e com segurança das drogas que estão fazendo uso, em vez de dizer-lhes que precisam ficar com elas. Mas isso não irá acontecer. O foco da psiquiatria está em si mesma – uma espécie de contínuo selfie que ela envia o tempo todo para o mundo.

O uso das drogas psiquiátricas continua a aumentar acentuadamente em praticamente todos os países. No Reino Unido, de 1998 a 2010, as prescrições neurolépticas aumentaram em média 5% ao ano e as pílulas da depressão em 10%.175

Na Dinamarca, as vendas de ISRSs aumentaram quase que linearmente de um nível baixo em 1992 por um fator de 18, intimamente relacionado ao número de produtos no mercado que aumentou por um fator de 16 (r = 0,97, o que é uma correlação quase perfeita).176 Isto confirma que o uso é determinado pelo marketing.

Antes de se tornar globalmente aceito que as benzodiazipinas são viciantes, foram 30 anos que já tínhamos as evidências.172 Isto era o esperado e deveria ter sido investigado desde o início, porque os seus precursores, os barbitúricos, são altamente viciantes. O primeiro barbitúrico, o barbital, foi introduzido em 1903, mas levou 50 anos até que fosse aceito que os barbitúricos são viciantes.

A dependência às benzodiazepinas foi documentada em 1961 e descrita no BMJ em 1964. Dezesseis anos depois, o Comitê Britânico sobre a Revisão de Medicamentos [UK Committee on the Review of Medicines] publicou uma revisão sistemática das benzodiazepinas,173 concluindo que o potencial de dependência era baixo, estimando que apenas 28 pessoas tinham se tornado dependentes de 1960 a 1977. O fato é que milhões de pessoas haviam se tornado dependentes. Em 1988, a Agência de Controle de Medicamentos finalmente despertou e escreveu aos médicos sobre as suas preocupações.172

Mas a festa continuou, e a história se repetiu. O declínio no uso de benzodiazepinas foi substituído por um aumento semelhante no uso de pílulas da depressão,176 e muito do que antes era chamado de ansiedade e tratado com benzodiazepinas foi agora por conveniência chamado de depressão.5 As empresas farmacêuticas, os médicos e as autoridades negaram durante décadas que as pílulas da depressão também tornavam as pessoas dependentes.172 Fizemos uma revisão sistemática dos sintomas de abstinência e descobrimos que eles foram descritos com termos semelhantes para benzodiazepínicos e ISRSs e eram muito semelhantes para 37 dos 42 sintomas identificados.177

Nosso estudo de 2018 de 39 websites populares de 10 países também foi revelador:32 28 websites advertiam os pacientes sobre os efeitos da abstinência, mas 22 afirmavam que os ISRSs não são viciantes; apenas um declarava que os comprimidos podem ser viciantes e advertiu que as pessoas “podem ter sintomas de abstinência”.

A Imipramina entrou no mercado em 1957, e um artigo de 1971 descreve a dependência com esta droga quando foi testada em seis voluntários saudáveis.178 Como escrevi na primeira página deste livro, 78% dos 2.003 leigos consideravam as pílulas da depressão como viciantes em 1991.179

Assim, sabemos há 50 anos ou mais que as pílulas da depressão são viciantes, e os pacientes sabem disso há pelo menos 30 anos; mas 50 anos depois de sabermos disso, o problema de dependência ainda estava sendo banalizado pelo UK Royal College of Psychiatrists e pelo National Institute for Health and Care Excellence (NICE),180 e também no resto do mundo.

Capítulo 2. A psiquiatria é baseada em evidências?

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[Trad. e Ed. Fernando Freitas]

O(s) Absolutismo(s) da Psicopatologia

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You will learn about: Definitions of Abnormality. Theories of Abnormality. Treating Abnormality.

A área da psicopatologia é atravessada por diversas controvérsias no campo teórico, prático, ético e metodológico. O artigo de David Borges Florsheim, publicado na revista Psicologia em Estudo, aborda a existência de absolutismos nessa área do saber, tais como universalismo, objetivismo e funcionalismos, dificultando o diálogo entre os profissionais e prejudicando o cuidado da pessoa em sofrimento mental.

Na psicopatologia as informações sobre o sofrimento do indivíduo são obtidas pelo próprio relato verbal, da pessoa em sofrimento, da família ou por observação clínica. Com tantas teorias dentro da psicopatologia, há uma questão problemática: como ter garantias sobre a veracidade e a credibilidade científicas dos modelos utilizados? Primeiramente, o autor propõem entender o que se entende por objetividade.

https://images.app.goo.gl/AifDjJyZ5CfgXXKV8
You will learn about: Definitions of Abnormality. Theories of Abnormality. Treating Abnormality.

“Dentre tantos problemas existentes neste cenário tão plural como é a psicopatologia, existe uma questão especialmente problemática, referente a como os profissionais dos diferentes modelos explicativos da doença mental lidam com a questão da objetividade do conhecimento.”

Objetividade é um termo bem complexo, Gaukroger (2012) define cinco sentidos diferentes para ele. O primeiro seria julgar objetivamente as coisas, como um ato livre de preconceitos e vieses. O segundo se refere a um julgamento livre de pressuposições e valores. O terceiro entendimento de objetividade se refere à relação com suas próprias concepções e teorias, se referindo a certos tipo de procedimento que deveriam ser seguidos para se obter a objetividade do conhecimento. O quarto fala sobre haver uma representação precisa da realidade, orientando como direcionar os julgamentos. Por fim, o quinto entendimento de objetividade afirma que para algo ser objetivo deve levar à conclusões aceitas universalmente.

No campo científico, a ideia de produzir um conhecimento neutro, livre de preconceitos, vieses, pressuposições e valores, continua hegemônico de uma forma geral. Na psicopatologia não é diferente. O universalismo, objetivismo e fundamentalismo, abordados pelo artigo, partem da visão dessa objetividade própria da visão científica tradicional (iluminista).

O universalismo se refere a aquilo que extrapola algo particular para um nível universal. Um conhecimento objetivo seria, portanto, um conhecimento universal. No pensamento científico o universalismo é uma constante, apesar de muitos autores considerarem que as diferenças culturais afetam o tratamento e os sintomas mentais, elas costumam ser abordadas de maneira superficial.

“A ideia aqui é a de, por exemplo, a esquizofrenia existir fundamentalmente da mesma forma em todas as partes do mundo. As diferenças encontradas na manifestação da doença, ou seja, as questões particulares/subjetivas de cada contexto social (tais como o conteúdo dos delírios e das alucinações) seriam pouco relevantes para o entendimento do transtorno mental.”

A ideia central para o autor é questionar, enquanto psicopatologistas, são capazes de apresentar uma observação neutra  sobre uma suposta realidade objetiva. O autor então propõem refletir sobre o fundacionalismo cartesiano, o qual procura encontrar um alicerce ou um princípio último que sustente os demais. Sua característica fundamental é que crenças básicas não devem ser questionadas.

“O modelo de psicopatologia hegemônico atualmente, o modelo biológico ou neuropsiquiátrico, possui ao menos duas crenças fundacionais, como afirmam Berrios e Marková (2002). Para os defensores desse modelo, os transtornos mentais na verdade seriam transtornos cerebrais e, além disso, apenas esse modelo de psicopatologia possuiria o patrimônio da verdade científica. Segundo Berrios e Marková (2002), as crenças fundacionais não podem ser provadas, mas ainda assim raramente são confrontadas por aqueles que adotam o modelo biológico.”

O autor conclui que o objetivismo, fundacionalismo e universalismo podem ser considerados como absolutismos, pois propõem buscar estabelecer verdades definitivas em relação ao tempo e espaço. Com isso, a subjetividade, questões culturais, sociais e mesmo teóricas, são desprezadas em nome de uma suposta objetividade do conhecimento.

“O uso de concepções absolutistas para a defesa de um modelo explicativo pode impedir a valorização de proposições alternativas a respeito do sofrimento psíquico.”

As concepções defendidas por pesquisadores são sempre interpretações possíveis do mundo. O autor defende que é necessário ter uma visão pluralista, o que significa valorizar uma existência dialógica e democrática. Para ele, os psiquiatras não deveriam estar completamente comprometidos com um modelo específico, mas manter sempre uma visão crítica, pluralista e de diálogo, como forma mais útil e válida para o tratamento em saúde mental.

***

FLORSHEIM, David Borges. PSICOPATOLOGIA E ABSOLUTISMOS: UNIVERSALISMO, OBJETIVISMO E FUNDACIONALISMO NA SAÚDE MENTAL. Psicol. Estud.,  Maringá ,  v. 25,  e45334,    2020 . (Link)

As taxas de suicídio não diminuíram quando os medicamentos antidepressivos foram introduzidos

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Se os antidepressivos funcionassem para reduzir o suicídio, deveríamos assistir a uma diminuição das taxas de suicídio quando os antidepressivos começaram a ser amplamente adotados. Isto deveria ser verdade por volta de 1960, quando surgiram os medicamentos da primeira geração e ainda mais pronunciado por volta de 1990, quando os ISRS explodiram em popularidade.

Para testar isto, os investigadores analisaram as taxas de suicídio em três países – Itália, Áustria e Suíça – ao longo do tempo. Constataram que não havia associação entre estes períodos e as taxas de suicídio. Os medicamentos não alteraram de forma significativa as taxas de suicídio.

“A introdução de antidepressivos por volta de 1960 e o forte aumento das prescrições após 1990 com a introdução dos ISRS não coincidiu com as mudanças de tendência nas taxas de suicídio na Itália, Áustria ou Suíça”, escrevem os investigadores.

A associação entre medicamentos antidepressivos e suicídio é controversa. Numerosos estudos descobriram que os medicamentos antidepressivos na realidade aumentam o suicídio, especialmente em crianças e jovens adultos. Não obstante, ainda que raramente, alguns estudos têm encontrado resultados pouco claros, indicando que os antidepressivos podem não ter um efeito perceptível no suicídio em adultos (em média).

Alguns estudos ecológicos descobriram que os aumentos da prescrição de antidepressivos estavam associados à diminuição das taxas de suicídio; no entanto, estes estudos têm questões metodológicas. Por exemplo, cobrem frequentemente curtos períodos (em vez de se olhar para quando os medicamentos começaram de fato a ser receitados amplamente). Isto esconde situações em que a taxa de suicídio já estava a diminuir substancialmente antes de os medicamentos começarem a ser utilizados.

Assim, o aumento da prescrição dos medicamentos está estatisticamente associado à diminuição da taxa de suicídio – mas a tendência já tinha começado antes dos medicamentos estarem a ser utilizados, de modo que não podiam ser a causa da diminuição da taxa de suicídio.

No entanto, os defensores do uso de antidepressivos afirmam que as drogas protegem contra o suicídio. Se assim for, deveria ser relativamente fácil de detectar este resultado. As drogas usadas por dezenas de milhões de pessoas deveriam ter um efeito tendencial perceptível logo que se tornassem mainstream – se conseguissem evitar o suicídio.

Assim, no seu novo estudo, os investigadores Simone Amendola, Martin Plöderl, e Michael Hengartner analisaram as taxas de suicídio nos seus respectivos países de origem: Itália, Áustria e Suíça. Analisaram as taxas de suicídio a longo prazo ao longo das décadas do início da década de 1950 até ao início da década de 2010, concentrando-se tanto na utilização inicial generalizada de MAOIs e TCAs em 1960 como no boom das ISRS em 1990. Eles escrevem:

“As reduções nas taxas de suicídio devem ocorrer principalmente quando novos antidepressivos são introduzidos pela primeira vez numa população, mas haverá muito menos redução à medida que o uso se espalha. Como resultado, assumindo que as prescrições de antidepressivos tiveram um claro e sustentado efeito protetor do suicídio a nível da população, seria de esperar (i) uma diminuição das taxas de suicídio por volta de 1960 quando os primeiros antidepressivos foram introduzidos e (ii) outra diminuição a partir de 1990 quando os ISRS foram introduzidos”.

Contudo, os investigadores descobriram que a taxa de suicídio não se alterou nestes períodos. Por exemplo, tanto na Itália como na Suíça, a taxa de suicídio já estava a diminuir substancialmente desde 1950, enquanto que um forte aumento da taxa de suicídio ocorreu no final dos anos 60 e início dos anos 70.

Para a Áustria, a taxa de suicídio foi relativamente estável nos anos 50 (nem aumentando nem diminuindo), mas mais uma vez aumentou substancialmente em meados dos anos 70. Da mesma forma, a popularização dos ISRS não foi associada a alterações nas taxas de suicídio. Na Suíça, a taxa de suicídios diminuiu acentuadamente a partir de 1980, antes de as novas drogas se terem instalado. Na Áustria, o mesmo declínio aconteceu no início da década de 1980 – de novo, muito antes do grande boom de 1990.

Em Itália, a taxa de suicídio mudou drasticamente – mas não em torno dos períodos em questão. Na realidade, aumentou para os homens e diminuiu para as mulheres, começando no início da década de 1980, não se aproximando do marco temporal de 1990. Uma diminuição acentuada dos suicídios dos homens ocorreu por volta de 1998, e depois outro aumento acentuado em 2006. Estas mudanças parecem não estar relacionadas com o grande boom da prescrição por volta de 1990.

Os pesquisadores escrevem:

“Dado que o declínio das taxas de suicídio iniciado por volta de 1980 na maioria dos países (o efeito presumível) precedeu o aumento das prescrições de antidepressivos após 1990 (a causa presumível), a lógica dita é que a prescrição de antidepressivos não pode ser a causa do declínio das taxas de suicídio durante esse período”. 

****

Simendola, S., Plöderl, M., & Hengartner, M. P. (2020). Did the introduction and increased prescribing of antidepressants lead to changes in long-term trends of suicide rates? European Journal of Public Health, ckaa204. Published on 25 November 2020. https://doi.org/10.1093/eurpub/ckaa204 (Link)

Medicina Insana, Capítulo 4: A Fabricação de Transtornos do Espectro do Autismo (Parte 1)

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Nota do editor: O Mad in Brasil vem publicando uma versão seriada do livro de Sami Timimi, Medicina Insana (Insane Medicine). Nesta parte, ele discute a história do diagnóstico do autismo e a expansão do autismo para o transtorno do espectro do autismo. Quinzenalmente será publicada uma nova seção do livro, e todos os capítulos serão arquivados aqui.

O que é a transtorno do espectro do autismo (TEA)? A resposta convencional a esta pergunta é que, tal como o TDAH, é um “transtorno de desenvolvimento neurológico” e que se manifesta principalmente em déficits na capacidade de compreender as emoções das pessoas e, portanto, dificuldades na comunicação social. O autismo é agora utilizado indistintamente com o TEA e tornou-se a estrela em ascensão da patologia psiquiátrica infantil e, tal como o TDAH, tem cavado o seu caminho para se tornar um conceito cada vez mais popular que também pode ser utilizado com os adultos. Tal como o TDAH, o autismo e o TEA são fatos da cultura e não fatos da natureza.

O uso do positivismo, o teste de hipóteses, a busca orientada para a medição do objetivo, o conhecimento livre de valores sobre o mundo “lá fora” (para além da nossa imaginação) funciona bem para sistemas e fenômenos governados por “leis da natureza”, mas não é o método mais apropriado para compreender a vida consciente subjetiva, geradora de sentido. A corrupção da ciência pode acontecer por métodos tais como o uso repetitivo de linguagem “científica” para fornecer um tom de autoridade, ao mesmo tempo que ignora, não publicando, a prospecção de dados, e/ou minimiza fatos ou pesquisas que contradizem as opiniões expressas.

O TEA tornou-se envolto em cientificismo psiquiátrico, onde a ideia de ser científico e fazer ciência supera o que a ciência real encontra e marginaliza as abordagens não-empíricas para se compreender a vida mental daqueles que obtêm este rótulo. Muitos são seduzidos pela ideia de que a ciência acabará por responder à pergunta “porquê” que nos levará a ser capazes de fazer diagnósticos como o TEA (ou seja, uma classificação baseada em explicações causais) da mesma forma que fazemos no resto da medicina.

TEA não consegue encontrar nada de definitivo, recorre ao cientificismo. Com o tempo, a linguagem e os conceitos associados a esta ideologia (de TEA existente como sendo um fato da natureza) tornam-se parte de instituições, livros, formações, e, claro, do nosso “senso comum” cultural mais amplo. Uma vez difundido no nosso senso comum cultural, pensamos em conceitos, como o autismo, como se já fossem fatos científicos estabelecidos, enquanto os fatos e incertezas reais se desvanecem em espaços culturais menores (como este livro).

Esta mistura de cientificismo e ciência falsa que estabeleceu o autismo como um fato cultural tem sido mais difícil de criticar do que qualquer outro chamado diagnóstico psiquiátrico. As suas origens residem no fato de ser um rótulo raro aplicado àqueles que tinham dificuldades de aprendizagem marcadas, muitos dos quais tinham provas de lesões neurológicas ou anomalias genéticas. A maioria não conseguia manter qualquer tipo de conversa significativa e muitos tinham outras condições neurológicas, como a epilepsia. A sua expansão para incluir gênios como Einstein (sim, foi-lhe dado um diagnóstico retrospectivo de TEA), abrangendo assim todo o espectro da capacidade intelectual, parece ter acontecido sem uma sobrancelha levantada nos círculos acadêmicos que a estudaram. Os fenômenos culturais como o filme Rain Man e a controvérsia da vacina MMR transformaram esta condição raramente falada ou notada numa “deficiência” central no cenário.

Estou ciente de que há muitos críticos da medicalização do autismo, mas que, ao contrário de mim, veem o autismo com uma narrativa de “neurodiversidade” e que têm feito muitas coisas positivas para ajudar a capacitar algumas pessoas a quem foi dado o rótulo de autismo, permitindo-lhes aceitar, em vez de lutar contra, quem eles são. Reconheço e valorizo a coragem e o discernimento que estes ativistas têm.

Mas eu luto com a parte “neuro” da “neurodiversidade” – a prova simplesmente não existe. Somos todos neurodiversos, por isso, como conceito, não tem sentido no plano biológico. Como construção cultural, ele cria divisões desnecessárias, corroendo a multiplicidade que compõe as nossas vidas mentais e pode aprisionar as pessoas de volta aos porões, em vez de as libertar dos estereótipos.

Também tem sido muito mais difícil criticar o autismo do que rótulos como o TDAH, uma vez que o autismo não tem nenhum tratamento farmacêutico específico ligado a ele e, portanto, a questão do conflito de interesses não é tão facilmente visível. Desde a expansão do autismo para o TEA, temos um verdadeiro pacote misto de apresentações, problemas e níveis de funcionamento. Quando vejo tal expansão de “diagnóstico”, fico desconfiado de que não estamos lidando com um diagnóstico, mas sim com um produto de marca que tem apelo no mercado e que, por isso, é vulnerável ao que eu chamo o “efeito de banda elástica”, onde os limites podem ser esticados de forma quase interminável.

As descrições do que é o TEA têm “fronteiras difusas” que estão abertas à interpretação subjetiva, dado que não existem marcadores físicos para ajudar a medir e categorizar com precisão qualquer indivíduo.

A construção prevalecente do autismo

É fácil ficar confuso sobre os diferentes termos que são utilizados. Os critérios de “diagnóstico” são diferentes em diferentes sistemas e mudaram ao longo dos anos, sendo alargados para incluir termos como “síndrome de Asperger” e, mais recentemente, um termo que não aparece em nenhum manual de diagnóstico, “prevenção da procura patológica” (PPP) – quanto menos se falar deste último mecanismo de geração de dinheiro, melhor.

De acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde Relacionados, 10ª Edição (CID-10, o manual de diagnóstico que se deve utilizar no Reino Unido), o autismo está listado num grupo de doenças chamado “Perturbações do desenvolvimento pervasivo”. Estas incluem:

O autismo infantil, que é definido como “um tipo de distúrbio de desenvolvimento generalizado que é definido por: (a) a presença de desenvolvimento anormal ou prejudicado que se manifesta antes da idade de três anos, e (b) o tipo característico de funcionamento anormal nas três áreas da psicopatologia: interação social recíproca, comunicação e comportamento restrito, estereotipado e repetitivo. Para além destas características de diagnóstico específicas, é comum uma série de outros problemas não específicos, tais como fobias, distúrbios do sono e da alimentação, birras temperamentais, e agressões (auto-direcionadas)”.

O autismo atípico, que é definido como “um tipo de distúrbio de desenvolvimento generalizado que difere do autismo infantil, quer na idade de início, quer no não cumprimento de todos os três conjuntos de critérios de diagnóstico. Esta subcategoria deve ser utilizada quando existe um desenvolvimento anormal e prejudicado que só está presente após os três anos de idade, e uma falta de anomalias suficientemente demonstráveis em uma ou duas das três áreas da psicopatologia necessárias para o diagnóstico do autismo (nomeadamente, interações sociais recíprocas, comunicação, e comportamento restrito, estereotipado e repetitivo) apesar das anomalias características na(s) outra(s) área(s). O autismo atípico surge mais frequentemente em indivíduos profundamente retardados e em indivíduos com um grave distúrbio de desenvolvimento específico da linguagem receptiva“.

Síndrome de Asperger, que é definida como “um transtorno de validade nosológica incerta, caracterizada pelo mesmo tipo de anomalias qualitativas de interação social recíproca que tipificam o autismo, juntamente com um repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades. Difere do autismo principalmente pelo fato de não haver atraso ou retardamento geral na linguagem ou no desenvolvimento cognitivo. Este transtorno está frequentemente associado a uma marcada falta de jeito. Há uma forte tendência para que as anomalias persistam na adolescência e na vida adulta. Os episódios psicóticos ocorrem ocasionalmente no início da vida adulta“.

Embora o CID-10 seja o manual oficialmente utilizado no Reino Unido, o Manual Americano de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais (DSM) é influente na prática a nível mundial e frequentemente referido até por profissionais no Reino Unido. A sua 5ª edição (DSM-5), publicada em 2013, reviu os critérios para o autismo e inclui “comportamentos sensoriais” como parte da nova definição.

O DSM-5 dispensou subcategorias como a síndrome de Asperger e define TEA como “dificuldades persistentes com a comunicação social e interação social” e “padrões restritos e repetitivos de comportamentos, atividades ou interesses” (isto inclui comportamentos sensoriais), presentes desde a primeira infância, na medida em que estes “limitam e prejudicam o funcionamento diário“.

As definições acima são as “oficiais” atualmente em uso. Já se pode ver como a família dos TEAs se confunde em semântica. Em termos gerais, autismo e TEAs referem-se a um ” transtorno” que mostra sinais desde a primeira infância e que se caracteriza por “anomalias” nas interações sociais, capacidades de comunicação, e comportamentos, interesses e atividades repetitivas restritas. Quem decide e como decide, e segundo que padrões, que existem “anomalias” é, evidentemente, o “especialista”.

Na típica circularidade louca que infesta o conhecimento psiquiátrico, é o perito que define como identificar anomalias na comunicação social, linguagem, e comportamentos, e o perito sabe o que são, porque é o perito que define o que são anomalias na comunicação social, linguagem e comportamentos.

Uma breve história

A palavra “autismo” foi usada pela primeira vez em 1911 pelo psiquiatra Eugen Bleuler que usou o termo “autista” para denotar o estado de espírito de indivíduos psicóticos que mostravam um extremo afastamento do contexto da vida social. É provavelmente a utilização mais precisa do termo, uma vez que Bleuler usou a palavra para descrever um estado de espírito e não como um diagnóstico.

Depois, em um artigo publicado em 1943, o psiquiatra infantil Leo Kanner foi o primeiro a propor o “autismo” como diagnóstico e usou o termo para rotular um grupo de 11 crianças de pais de classe média que eram emocionalmente e intelectualmente deficientes e que demonstravam uma “extrema solidão”, além de outras características inusitadas, tais como bater com as mãos e fazer eco do que um orador lhes dizia. Foi sugerido que Kanner cunhou este novo diagnóstico a fim de ter uma palavra diferente para usar diante da pressão de alguns pais que não desejavam que o seu filho fosse rotulado com o termo mais estigmatizante de “retardamento mental”.

O autismo permaneceu então como um diagnóstico raro dado aos jovens que tinham deficiências consideráveis no funcionamento diário e dificuldades de aprendizagem moderadas a graves com, segundo os primeiros estudos epidemiológicos, uma taxa de prevalência estimada de 4 em 10.000 (0,04%). O conceito e as descrições que Kanner elaborou formaram a base para o diagnóstico do autism, até ao início dos anos 90 no Reino Unido.

No ano após Kanner ter proposto pela primeira vez o “autismo” como diagnóstico, o pediatra vienense Hans Asperger publicou um artigo em 1944, amplamente ignorado na época, no qual descrevia quatro crianças sem deficiência intelectual facilmente reconhecível, mas com problemas de comunicação social. Asperger trabalhou na Áustria ocupada pelos nazis, numa sociedade organizada pela ideologia nazi. Como os nazis estavam preocupados com a tarefa de classificar os tipos humanos, o trabalho de Asperger deve ser entendido como parte desse esforço.

Asperger tinha conseguido fazer avançar a sua carreira sob o regime nazi. Isto deveu-se sobretudo às oportunidades criadas pela convulsão política após a anexação da Áustria à Alemanha em 1938, incluindo a expulsão de vários médicos judeus da profissão. Asperger havia aderido à Clínica Infantil da Universidade de Viena em Maio de 1931, que na altura era dirigida por Franz Hamburger, um fervoroso nazi.

Em 1935, Asperger tomou a seu cargo a enfermaria Heilpädagogik na clínica. Asperger ainda não tinha obtido a sua qualificação de especialista em pediatria e tinha publicado apenas um único trabalho, levantando a questão de porquê é que o colega mais experiente de Asperger, Georg Frankl, não havia sido promovido ao cargo. Dois anos após a promoção de Asperger, Frankl emigrou para os EUA, onde, curiosamente, se juntou a Leo Kanner na John Hopkins, levando alguns a especular se ele introduziu Kanner à ideia do autismo como um diagnóstico.

As universidades austríacas nesta altura eram locais de virulenta agitação antijudeu. Os médicos judeus enfrentavam dificuldades crescentes em assegurar posições universitárias, com algumas clínicas e departamentos praticamente fechados aos judeus. Com a nomeação de Hamburger como presidente em 1930, a clínica infantil em Viena tornou-se uma bandeira das políticas antijudaicas muito antes da tomada do poder por parte dos nazis.

Sejam quais forem as motivações específicas da decisão de Hamburgo de nomear Asperger como chefe da ala Heilpädagogik em 1935, a promoção de Asperger foi ajudada pelas tendências antijudaicas e misóginas que dominavam então a vida social e política da Áustria. Embora Asperger não tenha aderido ao partido nazi, ele compartilhou um considerável terreno comum ideológico com Hamburger e a sua rede, permitindo-lhe misturar-se sem atritos aparentes.

A historiadora americana Edith Sheffer, com base em registos descobertos pela investigadora austríaca Herwig Czech, documenta que Asperger escreveu descrições totalmente degradantes de pelo menos 42 dos seus pacientes, transferindo-os para a famosa clínica Am Spiegelgrund onde quase 800 crianças foram deliberadamente autorizadas a morrer por negligência ou overdoses letais. Asperger apoiou ativamente as leis de esterilização forçada, acreditando que algumas pessoas eram um fardo para a comunidade, e nas suas ações está implícito que ele apoiou a eutanásia daqueles considerados como tendo “uma vida que não valia a pena viver”.

Uma das tarefas de Asperger como pediatra na clínica infantil era peneirar crianças potencialmente educáveis para evitar que se tornassem vítimas do programa secreto de eutanásia “T4” (que levaria ao assassinato de centenas de milhares de pessoas deficientes e/ou institucionalizadas). O significado na altura de escrever o seu trabalho sobre quatro jovens que descreveu como tendo “psicopatologia autista” foi que acreditava que estes jovens doentes problemáticos eram potencialmente educáveis e, portanto, podiam ser poupados de serem enviados para o hospital da morte. O alargamento do autismo ao TEA começou, portanto, nos hospitais e clínicas de assassinato de crianças nazis.

Em 1955, Kanner tinha relatado um total de 120 casos do que ele descreveu como “autismo infantil”. Ele diferenciou esta condição da esquizofrenia infantil, pois sentiu que o autismo era evidente quase desde o nascimento. Kanner, escrevendo com Eisenberg em 1956, formulou hipóteses sobre etiologia, e concluiu que era inútil tentar ligar a etiologia apenas a causas biológicas ou ambientais, sugerindo que os argumentos que contrapusessem “hereditário” versus “ambiental” eram inúteis.

Na década de 1960, o diagnóstico de Kanner de autismo infantil tinha-se tornado um diagnóstico reconhecido para o que era considerado uma doença rara encontrada principalmente em crianças com deficiências intelectuais moderadas a graves.

No final dos anos 70, a psiquiatra Lorna Wing viu uma semelhança em algumas pessoas que ela via e naquelas descritas pelo Asperger. As ideias da Dra. Wing cruzaram-se com outro psiquiatra, Michael Rutter, e formaram a base para a expansão do conceito de autismo em perturbações do espectro do autismo (TEA).

A revisão dos artigos seminais de Wing and Rutter revela até que ponto esta expansão do conceito de autismo não foi o resultado de quaisquer novas descobertas científicas, mas sim de novas ideologias. Por exemplo, no seu artigo de 1981 propondo o diagnóstico da “síndrome de Asperger”, Wing descreve seis histórias de casos que parecem ter pouco em comum com os quatro casos Asperger descritos no seu artigo de 1944, para além de partilhar uma falta de empatia social.

Quatro dos casos de Wing eram adultos, enquanto todos os de Asperger eram crianças; dois tinham algum grau de deficiência de aprendizagem, enquanto nenhum de Asperger tinha; a maioria dos casos de Wing falavam tarde, enquanto a maioria de Asperger falava cedo; a maioria dos casos de Wing foram descritos como tendo pouca capacidade de pensamento analítico, enquanto que os casos de Asperger foram descritos como altamente analíticos; e nenhum dos casos de Wing foi descrito como manipulador, ameaçador, atrevido, conflituoso, ou vingativo (termos que Asperger usou sobre os seus casos) e assim por diante.

No seu artigo seminal de 1978 sobre o assunto, o conhecido psiquiatra infantil britânico Michael Rutter sugeriu que o autismo existe provavelmente em um espectro, com uma forte contribuição genética para a sua expressão. Ele formulou a tríade familiar de sintomas de comunicação deficiente, habilidades sociais deficientes, e uma imaginação restrita que conduz a interesses restritos, que, juntamente com a síndrome de Asperger de Wing, formaram a base para uma nova “imaginação” de um espectro alargado de autismo.

Nenhum destes desenvolvimentos foi acompanhado por quaisquer novas descobertas científicas sobre os corpos e cérebros daqueles que agora se pensava terem autismo, embora agora se falasse dele como um transtorno geneticamente predeterminado, permanente e neuro-desenvolvimentista.

Durante as décadas seguintes, o conceito de autismo começou a atrair mais interesse profissional e público, impulsionado pela cobertura mediática popular, tal como através do filme Rain Man e das controvérsias sobre a vacina MMR. Mais pessoas falavam sobre esta “coisa” chamada autismo. Em breve houve cursos, ferramentas de avaliação, investigação, serviços, documentários, especialistas e instituições, todos dedicados a aprofundar o nosso conhecimento e compreensão do autismo, das suas causas, e de como identificá-lo, tratá-lo ou preveni-lo. O autismo era agora um fenómeno de cultura. As taxas de diagnóstico expandiram-se, levando a mais serviços, investigação, falar sobre ele (e assim por diante).

Agora surgiu um grupo de adultos que se identificava com a ideia de autismo, mas que rejeitava a noção de que se tratava de um transtorno. Estes ativistas começaram a falar do autismo como uma diferença – uma forma diferente, mas igualmente válida, de ver e interagir com o mundo como resultado de uma ” ligação ” neurológica diferente. Por vezes surgiram tensões entre este último grupo que falava de si próprio como parte do espectro da “neurodiversidade” e aqueles (muitas vezes pais) que lutavam para lidar com os comportamentos das crianças diagnosticadas, que estavam frequentemente desesperados para encontrar “tratamentos” e sentiam o lado “desordem” das coisas.

O autismo tinha-se tornado um discurso visível e vigoroso, por esta altura, supunha-se simplesmente que representava uma “coisa” real, tangível e identificável que podia ser diferenciada de outros problemas potenciais (se se identificasse com o lado da desordem) ou que produzia algo fundamentalmente diferente de sujeitos “neurotípicos” (se se identificasse com a perspectiva da diferença). Ninguém, segundo me pareceu, estava a fazer a pergunta óbvia: Em que base probatória pode concluir que o autismo representa uma categoria natural que pode ser diferenciada de outras categorias naturais, seja transtorno ou diferença?

Quando estava a fazer formação como psiquiatra infantil, no início até meados da década de 1990, deparei-me com duas crianças diagnosticadas com autismo em durante os meus quatro anos de estágio. Ambas tinham deficiências funcionais acentuadas e tiveram de frequentar escolas especializadas. De acordo com alguns dados locais recentes que vi, 1,6% das crianças em idade escolar na minha área têm um diagnóstico de autismo. Isto significa que no espaço de duas ou três décadas, a prevalência passou de 0,04% para 1,6%, um aumento fenomenal de 4000%.

Hoje em dia, tenho a impressão de que qualquer criança que frequenta os nossos Serviços de Saúde Mental para Crianças e Adolescentes pode acabar por receber um “diagnóstico” de TEA. Ouço frequentemente, particularmente quando o jovem não está a responder ao que é considerado o tratamento ” correto “, sugerindo-se o autismo como uma possível razão para os problemas ou falta de resposta ao tratamento. Assim, acabamos naquilo a que eu chamo “jogos semânticos”, uma espécie de ” o que devemos chamar a isto” em vez de uma compreensão do que pode estar a contribuir para a sua apresentação ou do que pode fazer a diferença para eles.

A nomenclatura é compreensivelmente popular entre muitos, tais como outros profissionais, professores, pais, e alguns adolescentes. Mas na minha experiência pode tornar-se uma armadilha, uma vez que as pessoas confundem (compreensivelmente) o que lhes foi vendido como diagnóstico com o fato de ser realmente um diagnóstico. Por outras palavras, imaginam que por “terem autismo” os ajuda a compreender as razões dos seus problemas e, portanto, os profissionais saberão agora como melhor os ajudar.

O meu consultório tem muitas pessoas que seguiram este caminho, mas para quem as coisas voltaram a ficar más e agora pensam que deve haver outro diagnóstico e, portanto, outro tratamento, e por isso escorregam mais para o caminho de se tornarem um paciente/parente desamparado e indefeso à mercê de serem prescritos mais tratamentos, muitas vezes inúteis, (sejam medicamentos ou psicológicos) que desamparam ainda mais o seu poder. É um ciclo muito difícil para todos (profissional, criança e família) de sair.

Assim sendo, de onde vem o TEA?

Dado que o conceito de autismo surgiu a partir de uma nova proposta (inicialmente da autoria de Kanner), sem apoio de provas científicas e expandiu-se exponencialmente nas últimas duas a três décadas, mais uma vez sem qualquer apoio de provas científicas, uma questão legítima a ponderar é porque é que isto aconteceu e o que pode estar a impulsionar a nossa fixação com a nossa capacidade de socializar e ler as emoções dos outros. Os parágrafos seguintes são algumas das minhas especulações sobre os potenciais motores sociais, culturais e políticos.

Uma doença médica/psíquica distinta chamada autismo não poderia ter surgido até que os padrões de normalidade tivessem sido formalizados e estreitados e a preocupação com o desenvolvimento das crianças estendida aos primeiros anos de vida da criança para que as crianças com TEA pudessem ser “identificadas”. Isto não quer dizer que não tenham existido pessoas ao longo da história que mostrassem os comportamentos que agora pensamos como sendo autistas, mas para lembrar ao leitor que chamar a este autismo é simplesmente um “truque” de classificação, em vez de ser o resultado de novos conhecimentos científicos.

Desenvolvimento infantil e escolas

À medida que as autoridades educativas e psicológicas foram sendo desenvolvidas durante o século passado para satisfazer as exigências de ajustamento social em mutação, as fronteiras entre o que era considerado normal e “patológico” foram sendo criadas e gradualmente expandidas. Também mudaram à medida que as tendências sociais mudaram e novas áreas de emoção ou comportamento se tornaram locais de preocupação. Psicólogos, psiquiatras e pediatras envolveram-se assim cada vez mais na “descoberta” de indicadores aparentes de uma gama cada vez maior de perturbações entre as crianças por eles inquiridas.

Estes desenvolvimentos na forma como pensamos a infância e os seus problemas interagem com as mudanças políticas, econômicas e sociais observadas nas últimas décadas no Ocidente, algumas das quais são o movimento para redes familiares e sociais mais pequenas, a diminuição da quantidade de tempo que os pais passam em torno dos filhos, o consumismo agressivo que predomina no desejo de estimulação das crianças, um maior envolvimento de profissionais em atividades de educação de crianças (e conselhos sobre educação de crianças), e um sentimento de pânico sobre o desenvolvimento dos meninos.

A psiquiatria e a psicologia podem facilmente tornar-se instrumentos políticos, como no passado, não só em sociedades totalitárias mas também em sociedades democráticas. As necessidades de uma economia baseada nos serviços são diferentes das de uma economia essencialmente industrial. Nas economias de serviços, as fracas capacidades de socialização (da variedade superficial) da força de trabalho são vistas como colocando a economia em desvantagem. A necessidade de inculcar precocemente competências sociais e “inteligência emocional” torna-se assim uma preocupação para as classes dirigentes, professores, e em última análise para os pais.

Embora poucas escolas na sociedade ocidental atual se assemelhem às escolas autoritárias mais rígidas da Europa do século XIX, os mecanismos para disciplinar as crianças não desapareceram, assumindo simplesmente uma forma mais sutil. Na prática de diagnosticar e medicar uma criança com TDAH, por exemplo, vemos vigilância e identificação seguidas de uma tentativa de intervir para corrigir e “disciplinar” crianças que não correspondem às expectativas dos professores e/ou dos pais, que, compreensivelmente, se preocupam com o fato de a criança não estar a cumprir os padrões de conduta socialmente esperados.

Embora as escolas possam reconhecer a individualidade de cada criança, é pouco provável que escapem às definições do que é considerado “normal” para crianças de uma certa idade, e isto moldará o que esperam das crianças nas suas turmas e o que fazem quando identificam um indivíduo que temem não estar a cumprir estas expectativas baseadas na idade. Professores e pais, como os psicólogos, psiquiatras e terapeutas a que se referenciam estas crianças, tornam-se então parte da imposição de uma forma diferente de disciplina para tornar uma criança dócil e obediente o suficiente para que um professor desempenhe o seu trabalho ou os pais dirijam uma família, sem infringir a lei sobre o bem-estar e os direitos das crianças através de formas mais evidentes de castigo.

A psiquiatria e a psicologia ocidentais construíram uma série de fases “normais” de desenvolvimento pelas quais as crianças devem progredir. Os professores fazem então parte dos sistemas de vigilância em vigor para apanhar aqueles que se considera não terem conseguido atingir adequadamente qualquer uma destas fases estreitas, dependentes da idade, e que são então referidos para obter “ajuda” extra (uma palavra mais simpática do que “disciplina”).

Os tipos de cuidados profissionais e de peritos que se obtêm serão então através dos sistemas e serviços que têm toda a ideologia não científica que tenho vindo a descrever ao longo deste livro. É provável que consagrem e solidifiquem a suspeita de ” transtorno” que se pensa ter uma criança e assim satisfaçam as suspeitas do professor e dos pais. As consequências involuntárias disto são tornar a criança rotulada com um selo potencialmente vitalício que limita o que elas, os seus pais e os seus professores podem agora esperar delas, ao mesmo tempo que liberta os prestadores de cuidados de confiarem nos seus próprios conhecimentos, aptidões e intuições, uma vez que é agora o trabalho destes “especialistas” saber o que se está a passar e o que fazer em relação a isso.

A nossa visão da infância muda com o tempo. Em determinado momento, na era vitoriana, quando a economia precisava de um grande número de trabalhadores para tarefas manuais que exigiam tutoria em vez de aprendizagem escolar extensiva, o trabalho infantil era visto como um estado normal para as crianças, e algo que lhes ensinava disciplina, aritmética, e as preparava para as responsabilidades da idade adulta numa era de relações hierárquicas fortemente baseadas na classe. Agora olhamos para trás com horror para a ideia de que as crianças poderiam ter sido enviadas para trabalhar no fosso ou na chaminé, vendo uma vida como ” a roubar” às crianças da sua ” infância”. No entanto, o trabalho infantil era a expectativa normal das crianças na Europa e na América do Norte há cerca de 150 anos (não há muito tempo atrás na escala da história humana).

O que irão as gerações futuras olhar para trás e dizer hoje sobre a infância? Irão interrogar-se sobre a crueldade de criar estas instituições obrigatórias que as crianças têm de frequentar durante a maior parte dos primeiros 18 anos de vida, onde se espera que se conformem às expectativas cada vez mais estreitas de comportamentos baseados na idade, etc.?  No mínimo, parece legítimo especular sobre como as forças econômicas atuais e as escolhas de estilo de vida influenciaram a nossa própria visão da infância, como isto pode afetar a forma como pensamos e criamos as crianças de hoje, e como isto, por sua vez, pode impactar o seu comportamento real.

Como os pais lidam com horários de trabalho mais longos, ambos os pais trabalham, deslocações de maior distância, e menos tempo familiar, as crianças que anteriormente eram vistas de formas mais vulgares como meramente nervosas ou inquietas, tímidas, ou que falavam demais, são agora vistas como sofrendo de doenças psiquiátricas. A expectativa de que as crianças deveriam querer prestar atenção, cooperar e demonstrar independência e empatia dentro de contextos de grupo estruturados passou a ser vista como uma “necessidade” mais importante para os nossos filhos do que seria o caso há algumas décadas atrás.

Mudanças no conceito do self

Com o fim do “estado do bem estar social” na política pós-Thatcher dos anos 80, e o crescimento de uma ideologia de mercado livre mais agressivamente competitiva, os governos ocidentais modernos promoveram a ideia do indivíduo “livre” capaz de competir no mercado livre pelos melhores empregos. As proteções da sociedade diminuíram, a solidariedade social foi vista como suspeita, e uma narrativa tomou conta de que as nossas comunidades eram constituídas por duas classes principais de pessoas: os lutadores e os esquivos.

Esta divisão em anjos ou demónios individuais tem sido e continua a ser uma poderosa forma de distrair as nossas atenções coletivas da miséria que as desigualdades estruturais provocam – ao perceberem a estrutura de classe subjacente que se torna mais visível em momentos de crise, como após o colapso financeiro de 2008.

Estou a escrever isto neste momento, sentado em casa no Reino Unido, no meio da crise da pandemia de Covid-19. Estamos de novo a escrever. Embora haja, tardiamente, algum reconhecimento de que a mão-de-obra mal remunerada se revelou muito mais importante para o funcionamento da sociedade, grande parte da cobertura mediática parece ser 24 horas por dia a transmitir histórias sobre indivíduos que são ou “heróis” (lutando na linha da frente, celebrando a doação de um pouco dos seus milhões, etc.) ou “vilões” (egoisticamente não observando corretamente as regras).

A maioria dos trabalhadores da linha da frente preferem ter equipamento de proteção pessoal adequado do que ser heróis; a maioria dos vilões está apenas a tentar manter-se sãos num mundo louco. Espero para ver se, após esta crise, a fragilidade e injustiça do nosso sistema econômico e os valores que daí advêm se tornaram suficientemente visíveis para tornar as intermináveis perturbações difíceis de suportar.

A personalização com histórias de vergonha e/ou valorização significa que o policiamento já não envolve apenas o exército, a lei, e as prisões. Há uma maior ênfase nos sistemas que governam por consentimento em levar as pessoas a policiar elas próprias. Uma colega minha que cresceu na Polónia da era da Cortina de Ferro comentou como sentiu que sabia o que esperar e quais eram as regras para se manter fora de problemas na Polônia socialista da guerra fria. Após muitos anos de vida e trabalho no Reino Unido, ela começou a sentir que a vida pessoal era muito mais precária no Reino Unido.

Seja no trabalho, em público, ou em casa, ela sentia que havia muitas regras e expectativas não escritas sobre como se devia comportar, a sua atitude, as palavras e expressões que utilizava e assim por diante. Sentia uma carga muito maior de vigilância no Reino Unido do que na pré-queda da Cortina de Ferro na Polónia. Há um sentimento generalizado de que os indivíduos estão sempre a desempenhar e a tentar evitar que a sua falibilidade humana comum seja vista.

Muito do trabalho de definição de quem se encaixa e não se encaixa nos nossos padrões sociais é feito pelos próprios indivíduos. Numa economia capitalista e orientada pelo mercado, o consumo em massa é vital para a manutenção do sistema e, portanto, torna-se uma parte importante da nossa consciência. Numa tal sociedade, mesmo as relações pessoais tornam-se nubladas pelo sistema de valores “comparar e competir”. Tal como a esposa estereotipada do consumidor comparando a brancura dos seus lençóis com os dos seus vizinhos, as pessoas nas sociedades de consumo comparam constantemente as suas próprias inadequações com as dos outros.

Esta prática de autoexame provoca um culto de autoconscientização. Ao fazê-lo, pode criar qualidades interiores, incluindo o que quer que passe para o crescimento pessoal, com cada dia que se procura fazer de si mesmo um produto melhor – novo, melhorado, melhor e mais brilhante até agora. Esta monitorização interna pode tornar-se tão draconiana como a polícia secreta: ou se controla a si próprio, se acha inadequado de alguma forma e por isso continua a consumir para preencher qualquer buraco que tenha descoberto e assim manter a economia em movimento e encaixar-se, ou se não o fizer, arrisca-se a que uma variedade de profissionais se preocupe com o seu bem-estar.

Sendo o objetivo de autorrealização e gratificação tão difícil de alcançar, e a desconfiança competitiva de que as nossas relações pessoais são promovidas pela cultura de consumo, não é difícil perceber porque é que cada vez mais a população se preocupa com o seu estado psicológico e/ou o dos seus filhos. À medida que os governos tomam consciência dos problemas de empatia e falta dela, cresce também o interesse em condições consideradas como baseadas ou causadas por esta falta, e cresce o apoio aos investigadores e serviços que afirmam estar interessados na identificação precoce, prevenção, e tratamento desta situação.

A emergência da economia de serviços tem assistido a uma exploração e manipulação dos desejos humanos e da sexualidade, especialmente através da publicidade, ao serviço do aumento da procura de uma grande variedade de produtos. A economia de serviços está dependente da venda, incluindo a venda de si próprio. Num tal enquadramento, que lugar há para a “verdade” ou para a incapacidade de manipular a sua expressão facial e linguagem corporal para vender um produto? Numa tal sociedade, a incapacidade de o fazer “adequadamente” torna a pessoa menos produtiva e, portanto, um problema potencial para o bom funcionamento de um sistema econômico deste tipo.

A adoção do autismo como rótulo de escolha para tais alienados e rotulados como “aberrações”, ” nerds” e “esquisitos” proporciona uma forma de afastar este problema de um ser humano gerado em grande parte pelo sistema sociopolítico que as pessoas estão a tentar sobreviver, em direção a um problema técnico para que o perito transforme numa mercadoria que possa ser rotulada e vendida. Assim, obtemos uma indústria de especialistas, tratamentos, livros, cursos, investigação, institutos etc., crescendo em torno de “diagnósticos” populares como o TDAH e o TEA.

O consumismo individualizado criou uma consciência acentuada da aparência e do estilo. A invasão de imagens da comunicação social e da publicidade cria um mundo de sonho, uma realidade virtual para fantasiar, uma vez que os comerciais nos vendem imagens de estilos de vida ideais que eles anexam aos seus produtos. A nossa cultura tornou-se tão consumida por estas imagens perpétuas, que agora podemos literalmente retirar uma identidade e deslizar noutra à medida que trocamos de roupa, maquilhagem, sapatos etc. Somos seduzidos a ficar tão preocupados com a nossa identidade superficial que nos submetemos a longos procedimentos cirúrgicos para mudar a forma e aparência dos nossos corpos.

Neste mundo de capitalismo de consumo, tudo se torna potenciais objetos de exploração e lucro. As crianças recebem publicidade dirigida a elas desde a mais tenra idade. A publicidade dirigida especificamente às crianças é um complemento dos mercados de brinquedos, alimentos, equipamento educativo, moda, vestuário desportivo etc. De fato, o domínio da ideia de “saúde” mental é um produto, pelo menos em parte, do capitalismo de consumo da economia de mercado.

A conceituação dos problemas como “saúde” individualiza o sofrimento (absolvendo e mistificando assim o papel dos fatores sociais) e cria novos mercados (por exemplo, através da indústria farmacêutica). É dentro da ideologia que cria tais identidades fraturadas e superficiais que descobrimos a mesma rotulagem superficial de identidades sobre as decretadas pelas instituições modernas como doentes mentais ou desordenadas de alguma forma.

Um dos resultados deste meio cultural é um afastamento da compreensão baseada na profundidade e numa ligação com a realidade física e a funcionalidade quotidiana, em direção a uma cultura onde os factores de superfície, tais como imagem, aparência, o curto prazo e o imediato, se tornaram mais duradouros e característicos. Estes têm impacto tanto na nossa visão das crianças como no seu comportamento (que são assim mais susceptíveis de serem moldados por sinais superficiais – como o TEA enquanto rótulo explicativo fácil), bem como efeitos mais profundos na nossa consciência em termos do que consideramos importante para trazer algum sentido de contentamento às nossas vidas.

A mercantilização das nossas economias, em particular o crescimento de uma economia financeira separada, levou a um declínio nos setores de manufatura e ao crescimento da indústria de serviços. As comunidades integradas, como as que rodeiam as minas de carvão, definharam e morreram. Comunidades de homens que utilizavam os seus corpos em trabalhos manuais duros e depois se socializavam juntos, desapareceram. A ideia de solidariedade e de camaradagem do trabalhador que se formava em torno do sindicato e dos princípios de justiça social foi substituída pela individualização de problemas sob a forma de “stress” no local de trabalho que requeria aconselhamento.

As empresas trocaram segurança no emprego, estabilidade, e uma força de trabalho sindicalizada por serviços de bem-estar dos empregados, aulas de atenção e dias de saúde mental. Ansiedade, stress, depressão são coisas que acontecem ao trabalhador que a nossa abordagem esclarecida da saúde mental pode agora tratar, para que possa voltar às merdas, aos empregos inseguros que oferecemos sem se queixar.

Este novo mundo da linguagem pseudo-emocional da saúde mental, com a exigência de ter fortes “competências pessoais” na força de trabalho e a mudança dos papéis dos homens no local de trabalho, significa que existe agora uma maior exigência política e pessoal para que os homens tenham o tipo de flexibilidade social e emocional reforçada de que anteriormente não precisavam.

Em relação ao autismo, isto conduz a um paradoxo interessante. Uma das características centrais do diagnóstico implica uma falta de empatia. No entanto, melhorar a “inteligência emocional” da força de trabalho é com o propósito de utilizar a empatia para explorar e manipular com sucesso os seus clientes e a sua força de trabalho para fazer o que deseja para seu próprio ganho pessoal.

Parece estranho que as pessoas que têm dificuldade em compreender as nuances emocionais, mas que podem ser compassivas sejam patologizadas, no entanto aqueles que podem usar uma compreensão do estado emocional dos outros para os manipular para fins egoístas são recompensados. Isto é precisamente o que tem acontecido no setor bancário e em muitas outras empresas, com legislação, regulamentação econômica, e o sistema de valores que está na base disto, encorajando eficazmente o tipo de comportamento narcisista que derrubou economias inteiras através da busca legalizada do lucro sem consideração pela responsabilidade social.

A cultura ocidental moderna, particularmente através da publicidade e das necessidades das indústrias de serviços de serem (pseudo)amistosos e acolhedores de uma forma (pseudo)amigável, exige formas mais complexas e complicadas de socialização do que no passado ou em muitas outras culturas. Agora é preciso ser bom a vender-se e a pôr o cliente à vontade para que ele compre a última merda inútil que lhe está a oferecer.

Nesta cultura de sobrevivência dos mais espertos, não é de admirar que aqueles que não são particularmente bons nessa habilidade possam ficar marcados como tendo algo de “errado” com eles. A maioria de nós, no fundo, sabe que esta não é uma cultura agradável. É uma cultura que nos deixa abertos a ser enganados e, por isso, faz-nos desconfiar dos motivos dos outros. As expectativas sociais que surgem desta pseudo-feminização da cultura macho neoliberal são mais preocupantes para mim do que a diversidade de estilos socializantes que potencialmente possuímos.

O problema com os meninos

Como na maioria dos chamados diagnósticos psiquiátricos, não podemos escapar à única classe socialmente construída de pessoas com diferenças biológicas que vão mais fundo do que a superfície – que é o sexo. As condições psiquiátricas, em geral, seguem o padrão dos rapazes, sendo as questões de comportamento os principais clientes entre as crianças; as diferenças sexuais nos clientes começam então a aumentar mesmo na adolescência à medida que mais raparigas se apresentam com problemas de humor; as mulheres tornam-se então os principais clientes quando entramos na idade adulta. Embora o sexo seja obviamente um fato biológico, a forma como construímos as nossas crenças sobre as expectativas dos homens e das mulheres é socialmente construída e muito debatida. O sexo, portanto, é socialmente construído.

O TEA, tal como o TDAH, é dominado pelos meninos na infância, com um aumento do número de mulheres que se identificam com a autismo à medida que entramos no final da adolescência e na idade adulta. Então o que é que se passa com os rapazes e a masculinidade (a construção social da infância) de uma forma mais ampla?

Embora a maioria das sociedades em todo o mundo permaneça patriarcal, o comportamento dos rapazes como uma preocupação social e médica é relativamente recente e em grande parte confinado ao Ocidente, embora a exportação de valores ocidentais também signifique que os números estão a ser identificados com estes ” transtornos ” da infância como o TEA, estão a aumentar.

Em algumas culturas, os rapazes são mais apreciados do que as jovens por uma variedade de razões. Os rapazes crescem então numa posição mais privilegiada e muitas vezes com uma visão de si próprios que reflete o tratamento preferencial que receberam. Os pais têm então menos preocupação com o policiamento ou com o comportamento destes rapazes. Em vez disso, pode haver uma maior preocupação com a sexualidade feminina emergente e as meninas e as mulheres jovens são então mais susceptíveis de serem alvos do olhar e do controle.

Este sexismo culturalmente institucionalizado que favorece os meninos terá obviamente um impacto na forma como os meninos e os homens se vêem a si próprios. Mas antes de nós, no Ocidente, sermos convencidos de que a cultura ocidental é mais avançada e libertada na sua política sexual, eu argumentaria que a cultura ocidental é mais encoberta por ideais masculinos (machistas) e que por vezes fornece uma imagem ainda pior do que é ser um homem.

Os modelos de “o que significa ser um homem” estão presentes em todas as culturas. Na maioria das culturas há uma diferenciação entre as expectativas de meninos e meninas desde a primeira infância, muitas vezes desde o nascimento (assim, os meninos recebem roupa azul, as meninas rosa, etc.). Em muitas culturas ocidentais (ao contrário da maioria das outras culturas), os meninos entram então em instituições (em particular escolas) que têm expectativas não sexuadas em relação à maioria das coisas (tais como comportamento, estilo de aprendizagem, métodos de ensino, etc.). No entanto, dentro do recreio das sub-culturas de grupos de pares, as crenças e expectativas de gênero continuam a ser construídas.

Vivemos numa época em que as crianças são frequentemente caracterizadas por ansiedades polarizadas sobre os riscos que enfrentam e os riscos que representam. Estas ansiedades têm frequentemente um preconceito de gênero, sendo as meninas vistas como “em risco” e os meninos como representando riscos (através de comportamentos indisciplinados, violentos e impulsivos). Esta preocupação sobre o potencial de os meninos se tornarem ladrões e bandidos sem empatia é posta em causa nos meios de comunicação social e nos lares, para cima e para baixo do país.

Inicia-se muito jovem. Ouve-se agora em conversas entre pais e educadores ou professores cujos filhos estão no berçário ou acabaram de começar a escola. São quase sempre os pais de meninos para quem a preocupação com o seu comportamento está a ser levantada. Os cuidadores institucionais (como os educadores de infância e os professores da escola) têm tantas exigências e regras sobre o que podem e não podem fazer, que as questões sobre as capacidades de socialização dos meninos e os comportamentos agressivos começam antes mesmo de conseguirem juntar uma frase.

E o autismo parece ser a atual explicação potencial favorita. Não que sejam jovens, que se desenvolvam a velocidades diferentes, que sejam mais enérgicos, ou curiosos, ou apenas meninos, não, estão a comportar-se assim talvez porque têm autismo. Plante essa semente na cabeça de um pai com uma criança pequena e observe-a crescer. Mesmo que não acredite nisso, será que consegue largar esse pensamento? Como irá moldar posteriormente a sua ansiedade em relação ao seu filho e como irá isso afetar as suas interações com ele?

Uma vez que estas inquietações sobre os meninos estejam no sistema escolar, eles irão experimentar diferentes pressões e expectativas que têm de aprender e negociar. No recreio, serão expostos a variedades de formas em que “o que significa ser homem” estão disponíveis, mas haverá um modelo dominante, uma forma principal de compreender como os meninos e os homens devem ser. No Ocidente em geral, esse modelo dominante que vemos em filmes, histórias e situações do dia-a-dia é construído em torno da ideia de que os homens exibem poder através das suas capacidades corporais (capacidades no desporto e no atletismo), da não exibição de emoções (para além da raiva), da capacidade de estar no controle e de ser um artista competitivo.

Este é o modelo associado ao que por vezes é referido como “o dividendo patriarcal”, ou seja, a expectativa da sociedade de estar numa posição mais poderosa e influente do que as mulheres. Os meninos que se afastam deste modelo dominante podem tornar-se alvos de bullying, provocação e exclusão pelos seus pares masculinos.

Até agora, temos um quadro emergente onde os meninos são os principais clientes de um diagnóstico TEA quando criança, onde a preocupação e o escrutínio dos comportamentos dos pais e outros prestadores de cuidados (como professores) começa cedo, e onde encontram modelos de masculinidade no recreio e grupos de pares que enfatizam uma “hiper-masculinidade” de força, poder, desempenho competitivo, e controle como o principal modelo a aspirar. Mas não é a isto que as cuidadoras principalmente femininas e as instituições em que trabalham querem que aspirem.

O capitalismo de mercado livre pode ser visto como o exemplo mais completo e organizado de um sistema político, social e econômico baseado nos valores da masculinidade. Os seus valores sociais e psicológicos baseiam-se numa competitividade agressiva, colocando as necessidades do indivíduo acima das da responsabilidade social, uma ênfase no controle (e não na harmonia), o uso de análises racionais (científicas e empíricas), e o constante empurrar de fronteiras.  Tal sistema produz desigualdades grosseiras (tanto dentro das nações como entre elas), reduz o estatuto e a importância da educação e, portanto, a estima atribuída ao papel de mãe.

À medida que cada vez mais mulheres são trazidas para o local de trabalho – uma necessidade econômica para aumentar a força de trabalho necessária para servir as economias de mercado – é necessário desenvolver novas formas de autoestima para que essa mudança no papel social da mulher seja sustentável. Como resultado, a carreira profissional das mulheres tem agora mais estima do que o papel da maternidade, que tem perdido cada vez mais o seu estatuto de papel culturalmente valorizado dentro de uma sociedade individualista. Este movimento para fora da esfera familiar e para a esfera pública e do trabalho não foi igualado por um movimento inverso correspondente de homens para fora da esfera pública e do trabalho, para mais papéis familiares e acolhedores.

Ao mesmo tempo que tem havido um movimento de adultos para fora da família; tem havido um movimento no sentido de os cuidados infantis se tornarem uma atividade profissional (principalmente mulheres trabalhadoras com baixos salários). Assim, o que parece estar a acontecer no espaço psicológico da infância é uma feminização crescente de alguns aspectos, particularmente educativos, e uma profissionalização da tarefa de criar os filhos.

Existe agora uma extensa literatura que sugere que os métodos educacionais correntemente utilizados na maioria das escolas ocidentais (tais como avaliação contínua e fichas de trabalho socialmente orientadas) são mais preferidas pelas meninas do que pelos meninos. Isto é então espelhado nos resultados dos exames nacionais, onde as meninas estão agora frequentemente a obter notas mais elevadas do que os meninos na maioria das disciplinas. Os meninos também dominam a previsão das necessidades especiais, onde são marcados como tendo uma quantidade desproporcionalmente elevada de problemas com má leitura e mau comportamento.

Com as escolas sob pressão política de economia de mercado a competirem nas tabelas de classificação nacional, e os meninos a dificultarem mais o desempenho das escolas do que as meninas, correm maior risco de exclusão e de maus resultados escolares. Não é surpreendente que os meninos tenham chegado a ser o gênero “falhado”, provocando ansiedade nos seus prestadores de cuidados (principalmente femininos) e professores.

A feminização de certos aspectos da cultura capitalista masculina em que vivemos também teve um impacto nos ambientes de trabalho para os quais a nossa educação nos está a preparar. Ideias como o cultivo da “inteligência emocional” na gestão e nas relações de trabalho começaram a tornar-se mais populares nos anos 90.

Longe de ser um movimento de esclarecimento em direção a uma sociedade carinhosa e acolhedora, isto faz parte do desenvolvimento de formas “melhores” de motivar a força de trabalho e manipular o consumidor. Assim, a cultura ocidental moderna exige formas mais complexas e complicadas de socialização (numa era obcecada pela imagem) do que no passado (ou em muitas outras culturas), no contexto da diminuição do tamanho das famílias, resultando num contato emocional mais intenso entre os membros destas unidades menores, e menos oportunidades de contacto com um maior número de pessoas.

A busca pela solução tecnológica

Uma das características das sociedades de consumo modernas, economicamente desenvolvidas, é o contínuo avanço das tecnologias e a nossa cada vez maior confiança nelas na vida moderna. Quando as tecnologias funcionam adequadamente, elas funcionam em segundo plano e a sua eficiência, função e utilização são, assim, tidas como garantidas. Quanto melhor a tecnologia, menos temos de pensar nela – ela está lá, funcionando fora da nossa consciência e facilitando-nos a vida.

Assim, nos nossos esforços para chegar de A a B, tivemos primeiro a bicicleta, depois o carro que tornou a viagem mais fácil e mais eficiente. O carro evoluiu então para se tornar mais rápido, mais seguro, mais suave e mais confortável, e a tecnologia continua a evoluir, por isso obtemos o carro automático, navegação por satélite, luzes que acendem e apagam automaticamente, um ambiente climatizado, e assim por diante.

A sedução do avanço tecnológico tem tido um grande impacto na nossa vida quotidiana e, de fato, na nossa consciência. Tão atraentes são os apelos do desenvolvimento de tecnologias que aparentemente tornam a vida mais fácil, mais eficiente e racionalizada, que dificilmente se pode encontrar uma disciplina que não se tenha voltado, em certa medida, para a tecnologia para encontrar novas soluções inovadoras.

A este respeito, a medicina é um bom exemplo de uma profissão cujo sistema de valores essenciais se deslocou de um foco primário na ética dos cuidados para um foco primário numa ética mais orientada tecnologicamente, que gira em torno da eficiência, precisão, eficácia e economia. O foco centra-se agora em aspectos mais técnicos, com notícias de avanços e inovações a receberem um estatuto mais elevado do que os aspectos humanos do trabalho.

Esta tecnificação geral da vida encorajou-nos a procurar soluções simples onde confiamos na perícia técnica de vários técnicos no seu ofício. Estes especialistas trazem consigo os seus conhecimentos científicos e concebem uma solução técnica simples que requer um mínimo de reflexão por parte do utilizador e que, quando aplicada, lidará com o problema e o fará passar para segundo plano como todas as boas tecnologias deveriam.

É fácil ver o apelo da ideia de que os problemas interpessoais que a vida inevitavelmente traz, podem ser reduzidos a uma simples desordem subjacente (como o TEA) e pode ser corrigida pelo perito que diagnosticou a natureza do problema. Também é fácil perceber por que razão, num contexto cultural deste tipo, abordagens mais demoradas que requerem pensamento, reflexão, esforço mental, e um maior envolvimento com assuntos que evoluem e mudam com o passar do tempo, têm recuado em popularidade.

Mas, talvez haja boas razões para acreditar que a ciência tenha levado a avanços que justificam esta tecnificação. Talvez possamos justificar a utilização do TEA como uma categoria por razões científicas?

Iremos explorar a base científica do TEA daqui a quinze dias, na Parte 2 do Capítulo 4.

[trad. e edição, Fernando Freitas]

Eles passarão, nós passarinho!

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O GT7-OCUPAÇÃO da Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial, convoca a todas/tores/todos:

Vamos ocupar as secretarias de saúde com artes de liberdade no dia 16 de Dezembro! Junte sua turma para fazer desenhos, dobraduras, artes de passarinho nos Caps, residências terapêuticas, unidades de acolhimento, UBS, Movimentos sociais, galera do bairro, da rua, de onde você estiver e leve tudo para frente da secretaria de saúde da sua cidade!

Aí grava/ tira foto e manda pra gente em: [email protected]. Só não aglomere na porta, ok? Uma pessoa para despejar arte e uma com a câmara basta. Assim marcamos presença com muita boniteza sem colocar ninguém em risco.

*poema de Mário Quintana ligeiramente modificado a partir da construção mineira do 18 de maio, usada como lema do desfile da Escola de Samba Liberdade Ainda que Tã Tã de 2016

Fazer Significado dos Sintomas de Pânico Reduz o Desconforto, o Estudo Descobre.

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Um novo estudo publicado no Journal of Counseling Psychology investiga o processo de mudança que leva a uma melhoria para as pessoas diagnosticadas com sintomas de pânico no campo da psicoterapia. O ensaio multisite Cornell-Penn descobriu que a Psicoterapia Psicodinâmica Focada no Pânico (PPFP) e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) facilitaram um processo que permitiu que as pessoas mudassem a forma como faziam sentido as sensações corporais associadas ao pânico, o que por sua vez reduziu a gravidade dos seus sintomas. Os investigadores, liderados por Jacques Barber, da Universidade de Adelphi, explicam:

“Esta é a primeira demonstração de processos gerais de mudança através de psicoterapias para transtornos de pânico, sugerindo que na medida em que os pacientes mudam as suas crenças acerca do significado do pânico, os seus sintomas de pânico melhoram em psicoterapias limitadas no tempo e centradas no pânico”.

A investigação anterior já descobriu que a terapia psicodinâmica e a TCC são tratamentos eficazes para uma grande variedade de transtornos mentais. A combinação e integração de elementos destas duas terapias melhoram os resultados dos tratamentos.

A TCC também foi considerada mais rentável no tratamento da Transtorno do Pânico do que os tratamentos psicofarmacológicos, e os antidepressivos não parecem proporcionar quaisquer benefícios adicionais. Além disso, os pacientes beneficiam-se da psicoterapia não só devido à redução dos seus sintomas, mas também porque facilita a capacitação e pode melhorar as relações interpessoais.

Dados os benefícios adicionais decorrentes das experiências psicoterapêuticas em PFPP e TCC, Barber e os seus colegas quiseram estudar os processos que levaram à redução dos sintomas de pânico nos pacientes terapêuticos. Mais especificamente, procuraram estudar a reinterpretação das sensações corporais e a função reflexiva específica do pânico.

De acordo com a teoria cognitiva, certas interpretações das sensações corporais podem aumentar a gravidade dos sintomas, o que reforça o pensamento catastrófico e desenvolve-se em ciclos de ansiedade e pânico. Os terapeutas da TCC procuram reduzir estes sintomas, quebrando o ciclo através de reinterpretações das sensações corporais.

A terapia psicodinâmica promove frequentemente a função reflexiva, que os autores descrevem como “a capacidade de identificar estados mentais em si próprio e nos outros, e de compreender os comportamentos como refletindo os estados e intenções mentais subjacentes”. Abordagens específicas dos sintomas da terapia psicodinâmica, como a PFPP, focalizam-se frequentemente na função reflexiva em relação aos sintomas particulares de um paciente. Por exemplo, o PFPP centra-se em torno da “necessidade de descodificar os significados subjacentes dos sintomas de pânico”. Embora estas abordagens sejam algo diferentes, ambas enfatizam como os pacientes lutam para dar sentido aos seus sintomas e trabalham para uma reinterpretação das suas experiências de pânico.

A amostra deste estudo foi composta por 138 participantes diagnosticados com Transtorno de Pânico com ou sem Agorafobia, alguns com sintomas depressivos. Estes participantes foram aleatorizados em TCC e PFPP, e Terapia de Relaxamento Aplicada (TRA). Os participantes tiveram sessões de 45-50 minutos duas vezes por semana durante cerca de 12 semanas. Para medir a gravidade dos sintomas, utilizaram a Escala de Gravidade dos Transtornos de Pânico (PDSS). Também mediram as interpretações corporais dos participantes e a capacidade de reflexão utilizando o Questionário Breve de Interpretação de Sensação Corporal (BBSIQ) e uma Entrevista de Função Reflexiva (RF). Os investigadores utilizaram estas ferramentas na linha de base, durante a 1ª, 5ª, e 10ª semana de tratamento, e no final.

Descobriram que as primeiras alterações na interpretação das sensações corporais durante a TCC e PFPP previram alterações na gravidade dos distúrbios de pânico. Isto sugere que o processo de reinterpretação das sensações corporais alivia o pânico, independentemente da orientação terapêutica.

Os investigadores também descobriram que a terapia psicodinâmica melhorou significativamente o funcionamento reflexivo específico do pânico no início do tratamento, reduzindo a gravidade dos sintomas de pânico. No entanto, este funcionamento reflexivo esteva mais fortemente relacionado com os resultados das pessoas no grupo de tratamento da TCC. Por outras palavras, a relação entre o funcionamento reflexivo e a melhoria dos sintomas de pânico foi substancial nos raros casos em que a TCC aumentou significativamente o funcionamento reflexivo.

Os autores salientam como as abordagens anteriores da TCC davam importância às emoções não reconhecidas e entendiam-nas como sendo estímulos para ataques de pânico. Modelos mais recentes centram-se exclusivamente na má interpretação das sensações corporais. Se estes resultados forem replicados em estudos futuros, então os terapeutas da TCC devem retomar estes conceitos deixados para trás.

Em conclusão, os investigadores descobriram que ao reinterpretar as sensações corporais associadas ao pânico e ao dar sentido a estas experiências, os clientes podem diminuir a gravidade dos sintomas de pânico. Este processo de reinterpretação é facilitado tanto através da psicoterapia cognitiva-comportamental como psicodinâmica. Este estudo também acrescenta ao crescente corpo de investigação as semelhanças entre diferentes orientações teóricas em psicoterapia e processos de mudança compartilhados.

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Barber, J. P., Milrod, B., Gallop, R., Solomonov, N., Rudden, M. G., McCarthy, K. S., & Chambless, D. L. (2020). Processes of therapeutic change: Results from the Cornell-Penn Study of Psychotherapies for Panic Disorder. Journal of Counseling Psychology, 67(2), 222–231. https://doi.org/10.1037/cou0000417

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