O(s) Absolutismo(s) da Psicopatologia

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You will learn about: Definitions of Abnormality. Theories of Abnormality. Treating Abnormality.

A área da psicopatologia é atravessada por diversas controvérsias no campo teórico, prático, ético e metodológico. O artigo de David Borges Florsheim, publicado na revista Psicologia em Estudo, aborda a existência de absolutismos nessa área do saber, tais como universalismo, objetivismo e funcionalismos, dificultando o diálogo entre os profissionais e prejudicando o cuidado da pessoa em sofrimento mental.

Na psicopatologia as informações sobre o sofrimento do indivíduo são obtidas pelo próprio relato verbal, da pessoa em sofrimento, da família ou por observação clínica. Com tantas teorias dentro da psicopatologia, há uma questão problemática: como ter garantias sobre a veracidade e a credibilidade científicas dos modelos utilizados? Primeiramente, o autor propõem entender o que se entende por objetividade.

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“Dentre tantos problemas existentes neste cenário tão plural como é a psicopatologia, existe uma questão especialmente problemática, referente a como os profissionais dos diferentes modelos explicativos da doença mental lidam com a questão da objetividade do conhecimento.”

Objetividade é um termo bem complexo, Gaukroger (2012) define cinco sentidos diferentes para ele. O primeiro seria julgar objetivamente as coisas, como um ato livre de preconceitos e vieses. O segundo se refere a um julgamento livre de pressuposições e valores. O terceiro entendimento de objetividade se refere à relação com suas próprias concepções e teorias, se referindo a certos tipo de procedimento que deveriam ser seguidos para se obter a objetividade do conhecimento. O quarto fala sobre haver uma representação precisa da realidade, orientando como direcionar os julgamentos. Por fim, o quinto entendimento de objetividade afirma que para algo ser objetivo deve levar à conclusões aceitas universalmente.

No campo científico, a ideia de produzir um conhecimento neutro, livre de preconceitos, vieses, pressuposições e valores, continua hegemônico de uma forma geral. Na psicopatologia não é diferente. O universalismo, objetivismo e fundamentalismo, abordados pelo artigo, partem da visão dessa objetividade própria da visão científica tradicional (iluminista).

O universalismo se refere a aquilo que extrapola algo particular para um nível universal. Um conhecimento objetivo seria, portanto, um conhecimento universal. No pensamento científico o universalismo é uma constante, apesar de muitos autores considerarem que as diferenças culturais afetam o tratamento e os sintomas mentais, elas costumam ser abordadas de maneira superficial.

“A ideia aqui é a de, por exemplo, a esquizofrenia existir fundamentalmente da mesma forma em todas as partes do mundo. As diferenças encontradas na manifestação da doença, ou seja, as questões particulares/subjetivas de cada contexto social (tais como o conteúdo dos delírios e das alucinações) seriam pouco relevantes para o entendimento do transtorno mental.”

A ideia central para o autor é questionar, enquanto psicopatologistas, são capazes de apresentar uma observação neutra  sobre uma suposta realidade objetiva. O autor então propõem refletir sobre o fundacionalismo cartesiano, o qual procura encontrar um alicerce ou um princípio último que sustente os demais. Sua característica fundamental é que crenças básicas não devem ser questionadas.

“O modelo de psicopatologia hegemônico atualmente, o modelo biológico ou neuropsiquiátrico, possui ao menos duas crenças fundacionais, como afirmam Berrios e Marková (2002). Para os defensores desse modelo, os transtornos mentais na verdade seriam transtornos cerebrais e, além disso, apenas esse modelo de psicopatologia possuiria o patrimônio da verdade científica. Segundo Berrios e Marková (2002), as crenças fundacionais não podem ser provadas, mas ainda assim raramente são confrontadas por aqueles que adotam o modelo biológico.”

O autor conclui que o objetivismo, fundacionalismo e universalismo podem ser considerados como absolutismos, pois propõem buscar estabelecer verdades definitivas em relação ao tempo e espaço. Com isso, a subjetividade, questões culturais, sociais e mesmo teóricas, são desprezadas em nome de uma suposta objetividade do conhecimento.

“O uso de concepções absolutistas para a defesa de um modelo explicativo pode impedir a valorização de proposições alternativas a respeito do sofrimento psíquico.”

As concepções defendidas por pesquisadores são sempre interpretações possíveis do mundo. O autor defende que é necessário ter uma visão pluralista, o que significa valorizar uma existência dialógica e democrática. Para ele, os psiquiatras não deveriam estar completamente comprometidos com um modelo específico, mas manter sempre uma visão crítica, pluralista e de diálogo, como forma mais útil e válida para o tratamento em saúde mental.

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FLORSHEIM, David Borges. PSICOPATOLOGIA E ABSOLUTISMOS: UNIVERSALISMO, OBJETIVISMO E FUNDACIONALISMO NA SAÚDE MENTAL. Psicol. Estud.,  Maringá ,  v. 25,  e45334,    2020 . (Link)

As taxas de suicídio não diminuíram quando os medicamentos antidepressivos foram introduzidos

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Se os antidepressivos funcionassem para reduzir o suicídio, deveríamos assistir a uma diminuição das taxas de suicídio quando os antidepressivos começaram a ser amplamente adotados. Isto deveria ser verdade por volta de 1960, quando surgiram os medicamentos da primeira geração e ainda mais pronunciado por volta de 1990, quando os ISRS explodiram em popularidade.

Para testar isto, os investigadores analisaram as taxas de suicídio em três países – Itália, Áustria e Suíça – ao longo do tempo. Constataram que não havia associação entre estes períodos e as taxas de suicídio. Os medicamentos não alteraram de forma significativa as taxas de suicídio.

“A introdução de antidepressivos por volta de 1960 e o forte aumento das prescrições após 1990 com a introdução dos ISRS não coincidiu com as mudanças de tendência nas taxas de suicídio na Itália, Áustria ou Suíça”, escrevem os investigadores.

A associação entre medicamentos antidepressivos e suicídio é controversa. Numerosos estudos descobriram que os medicamentos antidepressivos na realidade aumentam o suicídio, especialmente em crianças e jovens adultos. Não obstante, ainda que raramente, alguns estudos têm encontrado resultados pouco claros, indicando que os antidepressivos podem não ter um efeito perceptível no suicídio em adultos (em média).

Alguns estudos ecológicos descobriram que os aumentos da prescrição de antidepressivos estavam associados à diminuição das taxas de suicídio; no entanto, estes estudos têm questões metodológicas. Por exemplo, cobrem frequentemente curtos períodos (em vez de se olhar para quando os medicamentos começaram de fato a ser receitados amplamente). Isto esconde situações em que a taxa de suicídio já estava a diminuir substancialmente antes de os medicamentos começarem a ser utilizados.

Assim, o aumento da prescrição dos medicamentos está estatisticamente associado à diminuição da taxa de suicídio – mas a tendência já tinha começado antes dos medicamentos estarem a ser utilizados, de modo que não podiam ser a causa da diminuição da taxa de suicídio.

No entanto, os defensores do uso de antidepressivos afirmam que as drogas protegem contra o suicídio. Se assim for, deveria ser relativamente fácil de detectar este resultado. As drogas usadas por dezenas de milhões de pessoas deveriam ter um efeito tendencial perceptível logo que se tornassem mainstream – se conseguissem evitar o suicídio.

Assim, no seu novo estudo, os investigadores Simone Amendola, Martin Plöderl, e Michael Hengartner analisaram as taxas de suicídio nos seus respectivos países de origem: Itália, Áustria e Suíça. Analisaram as taxas de suicídio a longo prazo ao longo das décadas do início da década de 1950 até ao início da década de 2010, concentrando-se tanto na utilização inicial generalizada de MAOIs e TCAs em 1960 como no boom das ISRS em 1990. Eles escrevem:

“As reduções nas taxas de suicídio devem ocorrer principalmente quando novos antidepressivos são introduzidos pela primeira vez numa população, mas haverá muito menos redução à medida que o uso se espalha. Como resultado, assumindo que as prescrições de antidepressivos tiveram um claro e sustentado efeito protetor do suicídio a nível da população, seria de esperar (i) uma diminuição das taxas de suicídio por volta de 1960 quando os primeiros antidepressivos foram introduzidos e (ii) outra diminuição a partir de 1990 quando os ISRS foram introduzidos”.

Contudo, os investigadores descobriram que a taxa de suicídio não se alterou nestes períodos. Por exemplo, tanto na Itália como na Suíça, a taxa de suicídio já estava a diminuir substancialmente desde 1950, enquanto que um forte aumento da taxa de suicídio ocorreu no final dos anos 60 e início dos anos 70.

Para a Áustria, a taxa de suicídio foi relativamente estável nos anos 50 (nem aumentando nem diminuindo), mas mais uma vez aumentou substancialmente em meados dos anos 70. Da mesma forma, a popularização dos ISRS não foi associada a alterações nas taxas de suicídio. Na Suíça, a taxa de suicídios diminuiu acentuadamente a partir de 1980, antes de as novas drogas se terem instalado. Na Áustria, o mesmo declínio aconteceu no início da década de 1980 – de novo, muito antes do grande boom de 1990.

Em Itália, a taxa de suicídio mudou drasticamente – mas não em torno dos períodos em questão. Na realidade, aumentou para os homens e diminuiu para as mulheres, começando no início da década de 1980, não se aproximando do marco temporal de 1990. Uma diminuição acentuada dos suicídios dos homens ocorreu por volta de 1998, e depois outro aumento acentuado em 2006. Estas mudanças parecem não estar relacionadas com o grande boom da prescrição por volta de 1990.

Os pesquisadores escrevem:

“Dado que o declínio das taxas de suicídio iniciado por volta de 1980 na maioria dos países (o efeito presumível) precedeu o aumento das prescrições de antidepressivos após 1990 (a causa presumível), a lógica dita é que a prescrição de antidepressivos não pode ser a causa do declínio das taxas de suicídio durante esse período”. 

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Simendola, S., Plöderl, M., & Hengartner, M. P. (2020). Did the introduction and increased prescribing of antidepressants lead to changes in long-term trends of suicide rates? European Journal of Public Health, ckaa204. Published on 25 November 2020. https://doi.org/10.1093/eurpub/ckaa204 (Link)

Medicina Insana, Capítulo 4: A Fabricação de Transtornos do Espectro do Autismo (Parte 1)

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Nota do editor: O Mad in Brasil vem publicando uma versão seriada do livro de Sami Timimi, Medicina Insana (Insane Medicine). Nesta parte, ele discute a história do diagnóstico do autismo e a expansão do autismo para o transtorno do espectro do autismo. Quinzenalmente será publicada uma nova seção do livro, e todos os capítulos serão arquivados aqui.

O que é a transtorno do espectro do autismo (TEA)? A resposta convencional a esta pergunta é que, tal como o TDAH, é um “transtorno de desenvolvimento neurológico” e que se manifesta principalmente em déficits na capacidade de compreender as emoções das pessoas e, portanto, dificuldades na comunicação social. O autismo é agora utilizado indistintamente com o TEA e tornou-se a estrela em ascensão da patologia psiquiátrica infantil e, tal como o TDAH, tem cavado o seu caminho para se tornar um conceito cada vez mais popular que também pode ser utilizado com os adultos. Tal como o TDAH, o autismo e o TEA são fatos da cultura e não fatos da natureza.

O uso do positivismo, o teste de hipóteses, a busca orientada para a medição do objetivo, o conhecimento livre de valores sobre o mundo “lá fora” (para além da nossa imaginação) funciona bem para sistemas e fenômenos governados por “leis da natureza”, mas não é o método mais apropriado para compreender a vida consciente subjetiva, geradora de sentido. A corrupção da ciência pode acontecer por métodos tais como o uso repetitivo de linguagem “científica” para fornecer um tom de autoridade, ao mesmo tempo que ignora, não publicando, a prospecção de dados, e/ou minimiza fatos ou pesquisas que contradizem as opiniões expressas.

O TEA tornou-se envolto em cientificismo psiquiátrico, onde a ideia de ser científico e fazer ciência supera o que a ciência real encontra e marginaliza as abordagens não-empíricas para se compreender a vida mental daqueles que obtêm este rótulo. Muitos são seduzidos pela ideia de que a ciência acabará por responder à pergunta “porquê” que nos levará a ser capazes de fazer diagnósticos como o TEA (ou seja, uma classificação baseada em explicações causais) da mesma forma que fazemos no resto da medicina.

TEA não consegue encontrar nada de definitivo, recorre ao cientificismo. Com o tempo, a linguagem e os conceitos associados a esta ideologia (de TEA existente como sendo um fato da natureza) tornam-se parte de instituições, livros, formações, e, claro, do nosso “senso comum” cultural mais amplo. Uma vez difundido no nosso senso comum cultural, pensamos em conceitos, como o autismo, como se já fossem fatos científicos estabelecidos, enquanto os fatos e incertezas reais se desvanecem em espaços culturais menores (como este livro).

Esta mistura de cientificismo e ciência falsa que estabeleceu o autismo como um fato cultural tem sido mais difícil de criticar do que qualquer outro chamado diagnóstico psiquiátrico. As suas origens residem no fato de ser um rótulo raro aplicado àqueles que tinham dificuldades de aprendizagem marcadas, muitos dos quais tinham provas de lesões neurológicas ou anomalias genéticas. A maioria não conseguia manter qualquer tipo de conversa significativa e muitos tinham outras condições neurológicas, como a epilepsia. A sua expansão para incluir gênios como Einstein (sim, foi-lhe dado um diagnóstico retrospectivo de TEA), abrangendo assim todo o espectro da capacidade intelectual, parece ter acontecido sem uma sobrancelha levantada nos círculos acadêmicos que a estudaram. Os fenômenos culturais como o filme Rain Man e a controvérsia da vacina MMR transformaram esta condição raramente falada ou notada numa “deficiência” central no cenário.

Estou ciente de que há muitos críticos da medicalização do autismo, mas que, ao contrário de mim, veem o autismo com uma narrativa de “neurodiversidade” e que têm feito muitas coisas positivas para ajudar a capacitar algumas pessoas a quem foi dado o rótulo de autismo, permitindo-lhes aceitar, em vez de lutar contra, quem eles são. Reconheço e valorizo a coragem e o discernimento que estes ativistas têm.

Mas eu luto com a parte “neuro” da “neurodiversidade” – a prova simplesmente não existe. Somos todos neurodiversos, por isso, como conceito, não tem sentido no plano biológico. Como construção cultural, ele cria divisões desnecessárias, corroendo a multiplicidade que compõe as nossas vidas mentais e pode aprisionar as pessoas de volta aos porões, em vez de as libertar dos estereótipos.

Também tem sido muito mais difícil criticar o autismo do que rótulos como o TDAH, uma vez que o autismo não tem nenhum tratamento farmacêutico específico ligado a ele e, portanto, a questão do conflito de interesses não é tão facilmente visível. Desde a expansão do autismo para o TEA, temos um verdadeiro pacote misto de apresentações, problemas e níveis de funcionamento. Quando vejo tal expansão de “diagnóstico”, fico desconfiado de que não estamos lidando com um diagnóstico, mas sim com um produto de marca que tem apelo no mercado e que, por isso, é vulnerável ao que eu chamo o “efeito de banda elástica”, onde os limites podem ser esticados de forma quase interminável.

As descrições do que é o TEA têm “fronteiras difusas” que estão abertas à interpretação subjetiva, dado que não existem marcadores físicos para ajudar a medir e categorizar com precisão qualquer indivíduo.

A construção prevalecente do autismo

É fácil ficar confuso sobre os diferentes termos que são utilizados. Os critérios de “diagnóstico” são diferentes em diferentes sistemas e mudaram ao longo dos anos, sendo alargados para incluir termos como “síndrome de Asperger” e, mais recentemente, um termo que não aparece em nenhum manual de diagnóstico, “prevenção da procura patológica” (PPP) – quanto menos se falar deste último mecanismo de geração de dinheiro, melhor.

De acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde Relacionados, 10ª Edição (CID-10, o manual de diagnóstico que se deve utilizar no Reino Unido), o autismo está listado num grupo de doenças chamado “Perturbações do desenvolvimento pervasivo”. Estas incluem:

O autismo infantil, que é definido como “um tipo de distúrbio de desenvolvimento generalizado que é definido por: (a) a presença de desenvolvimento anormal ou prejudicado que se manifesta antes da idade de três anos, e (b) o tipo característico de funcionamento anormal nas três áreas da psicopatologia: interação social recíproca, comunicação e comportamento restrito, estereotipado e repetitivo. Para além destas características de diagnóstico específicas, é comum uma série de outros problemas não específicos, tais como fobias, distúrbios do sono e da alimentação, birras temperamentais, e agressões (auto-direcionadas)”.

O autismo atípico, que é definido como “um tipo de distúrbio de desenvolvimento generalizado que difere do autismo infantil, quer na idade de início, quer no não cumprimento de todos os três conjuntos de critérios de diagnóstico. Esta subcategoria deve ser utilizada quando existe um desenvolvimento anormal e prejudicado que só está presente após os três anos de idade, e uma falta de anomalias suficientemente demonstráveis em uma ou duas das três áreas da psicopatologia necessárias para o diagnóstico do autismo (nomeadamente, interações sociais recíprocas, comunicação, e comportamento restrito, estereotipado e repetitivo) apesar das anomalias características na(s) outra(s) área(s). O autismo atípico surge mais frequentemente em indivíduos profundamente retardados e em indivíduos com um grave distúrbio de desenvolvimento específico da linguagem receptiva“.

Síndrome de Asperger, que é definida como “um transtorno de validade nosológica incerta, caracterizada pelo mesmo tipo de anomalias qualitativas de interação social recíproca que tipificam o autismo, juntamente com um repertório restrito, estereotipado e repetitivo de interesses e atividades. Difere do autismo principalmente pelo fato de não haver atraso ou retardamento geral na linguagem ou no desenvolvimento cognitivo. Este transtorno está frequentemente associado a uma marcada falta de jeito. Há uma forte tendência para que as anomalias persistam na adolescência e na vida adulta. Os episódios psicóticos ocorrem ocasionalmente no início da vida adulta“.

Embora o CID-10 seja o manual oficialmente utilizado no Reino Unido, o Manual Americano de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais (DSM) é influente na prática a nível mundial e frequentemente referido até por profissionais no Reino Unido. A sua 5ª edição (DSM-5), publicada em 2013, reviu os critérios para o autismo e inclui “comportamentos sensoriais” como parte da nova definição.

O DSM-5 dispensou subcategorias como a síndrome de Asperger e define TEA como “dificuldades persistentes com a comunicação social e interação social” e “padrões restritos e repetitivos de comportamentos, atividades ou interesses” (isto inclui comportamentos sensoriais), presentes desde a primeira infância, na medida em que estes “limitam e prejudicam o funcionamento diário“.

As definições acima são as “oficiais” atualmente em uso. Já se pode ver como a família dos TEAs se confunde em semântica. Em termos gerais, autismo e TEAs referem-se a um ” transtorno” que mostra sinais desde a primeira infância e que se caracteriza por “anomalias” nas interações sociais, capacidades de comunicação, e comportamentos, interesses e atividades repetitivas restritas. Quem decide e como decide, e segundo que padrões, que existem “anomalias” é, evidentemente, o “especialista”.

Na típica circularidade louca que infesta o conhecimento psiquiátrico, é o perito que define como identificar anomalias na comunicação social, linguagem, e comportamentos, e o perito sabe o que são, porque é o perito que define o que são anomalias na comunicação social, linguagem e comportamentos.

Uma breve história

A palavra “autismo” foi usada pela primeira vez em 1911 pelo psiquiatra Eugen Bleuler que usou o termo “autista” para denotar o estado de espírito de indivíduos psicóticos que mostravam um extremo afastamento do contexto da vida social. É provavelmente a utilização mais precisa do termo, uma vez que Bleuler usou a palavra para descrever um estado de espírito e não como um diagnóstico.

Depois, em um artigo publicado em 1943, o psiquiatra infantil Leo Kanner foi o primeiro a propor o “autismo” como diagnóstico e usou o termo para rotular um grupo de 11 crianças de pais de classe média que eram emocionalmente e intelectualmente deficientes e que demonstravam uma “extrema solidão”, além de outras características inusitadas, tais como bater com as mãos e fazer eco do que um orador lhes dizia. Foi sugerido que Kanner cunhou este novo diagnóstico a fim de ter uma palavra diferente para usar diante da pressão de alguns pais que não desejavam que o seu filho fosse rotulado com o termo mais estigmatizante de “retardamento mental”.

O autismo permaneceu então como um diagnóstico raro dado aos jovens que tinham deficiências consideráveis no funcionamento diário e dificuldades de aprendizagem moderadas a graves com, segundo os primeiros estudos epidemiológicos, uma taxa de prevalência estimada de 4 em 10.000 (0,04%). O conceito e as descrições que Kanner elaborou formaram a base para o diagnóstico do autism, até ao início dos anos 90 no Reino Unido.

No ano após Kanner ter proposto pela primeira vez o “autismo” como diagnóstico, o pediatra vienense Hans Asperger publicou um artigo em 1944, amplamente ignorado na época, no qual descrevia quatro crianças sem deficiência intelectual facilmente reconhecível, mas com problemas de comunicação social. Asperger trabalhou na Áustria ocupada pelos nazis, numa sociedade organizada pela ideologia nazi. Como os nazis estavam preocupados com a tarefa de classificar os tipos humanos, o trabalho de Asperger deve ser entendido como parte desse esforço.

Asperger tinha conseguido fazer avançar a sua carreira sob o regime nazi. Isto deveu-se sobretudo às oportunidades criadas pela convulsão política após a anexação da Áustria à Alemanha em 1938, incluindo a expulsão de vários médicos judeus da profissão. Asperger havia aderido à Clínica Infantil da Universidade de Viena em Maio de 1931, que na altura era dirigida por Franz Hamburger, um fervoroso nazi.

Em 1935, Asperger tomou a seu cargo a enfermaria Heilpädagogik na clínica. Asperger ainda não tinha obtido a sua qualificação de especialista em pediatria e tinha publicado apenas um único trabalho, levantando a questão de porquê é que o colega mais experiente de Asperger, Georg Frankl, não havia sido promovido ao cargo. Dois anos após a promoção de Asperger, Frankl emigrou para os EUA, onde, curiosamente, se juntou a Leo Kanner na John Hopkins, levando alguns a especular se ele introduziu Kanner à ideia do autismo como um diagnóstico.

As universidades austríacas nesta altura eram locais de virulenta agitação antijudeu. Os médicos judeus enfrentavam dificuldades crescentes em assegurar posições universitárias, com algumas clínicas e departamentos praticamente fechados aos judeus. Com a nomeação de Hamburger como presidente em 1930, a clínica infantil em Viena tornou-se uma bandeira das políticas antijudaicas muito antes da tomada do poder por parte dos nazis.

Sejam quais forem as motivações específicas da decisão de Hamburgo de nomear Asperger como chefe da ala Heilpädagogik em 1935, a promoção de Asperger foi ajudada pelas tendências antijudaicas e misóginas que dominavam então a vida social e política da Áustria. Embora Asperger não tenha aderido ao partido nazi, ele compartilhou um considerável terreno comum ideológico com Hamburger e a sua rede, permitindo-lhe misturar-se sem atritos aparentes.

A historiadora americana Edith Sheffer, com base em registos descobertos pela investigadora austríaca Herwig Czech, documenta que Asperger escreveu descrições totalmente degradantes de pelo menos 42 dos seus pacientes, transferindo-os para a famosa clínica Am Spiegelgrund onde quase 800 crianças foram deliberadamente autorizadas a morrer por negligência ou overdoses letais. Asperger apoiou ativamente as leis de esterilização forçada, acreditando que algumas pessoas eram um fardo para a comunidade, e nas suas ações está implícito que ele apoiou a eutanásia daqueles considerados como tendo “uma vida que não valia a pena viver”.

Uma das tarefas de Asperger como pediatra na clínica infantil era peneirar crianças potencialmente educáveis para evitar que se tornassem vítimas do programa secreto de eutanásia “T4” (que levaria ao assassinato de centenas de milhares de pessoas deficientes e/ou institucionalizadas). O significado na altura de escrever o seu trabalho sobre quatro jovens que descreveu como tendo “psicopatologia autista” foi que acreditava que estes jovens doentes problemáticos eram potencialmente educáveis e, portanto, podiam ser poupados de serem enviados para o hospital da morte. O alargamento do autismo ao TEA começou, portanto, nos hospitais e clínicas de assassinato de crianças nazis.

Em 1955, Kanner tinha relatado um total de 120 casos do que ele descreveu como “autismo infantil”. Ele diferenciou esta condição da esquizofrenia infantil, pois sentiu que o autismo era evidente quase desde o nascimento. Kanner, escrevendo com Eisenberg em 1956, formulou hipóteses sobre etiologia, e concluiu que era inútil tentar ligar a etiologia apenas a causas biológicas ou ambientais, sugerindo que os argumentos que contrapusessem “hereditário” versus “ambiental” eram inúteis.

Na década de 1960, o diagnóstico de Kanner de autismo infantil tinha-se tornado um diagnóstico reconhecido para o que era considerado uma doença rara encontrada principalmente em crianças com deficiências intelectuais moderadas a graves.

No final dos anos 70, a psiquiatra Lorna Wing viu uma semelhança em algumas pessoas que ela via e naquelas descritas pelo Asperger. As ideias da Dra. Wing cruzaram-se com outro psiquiatra, Michael Rutter, e formaram a base para a expansão do conceito de autismo em perturbações do espectro do autismo (TEA).

A revisão dos artigos seminais de Wing and Rutter revela até que ponto esta expansão do conceito de autismo não foi o resultado de quaisquer novas descobertas científicas, mas sim de novas ideologias. Por exemplo, no seu artigo de 1981 propondo o diagnóstico da “síndrome de Asperger”, Wing descreve seis histórias de casos que parecem ter pouco em comum com os quatro casos Asperger descritos no seu artigo de 1944, para além de partilhar uma falta de empatia social.

Quatro dos casos de Wing eram adultos, enquanto todos os de Asperger eram crianças; dois tinham algum grau de deficiência de aprendizagem, enquanto nenhum de Asperger tinha; a maioria dos casos de Wing falavam tarde, enquanto a maioria de Asperger falava cedo; a maioria dos casos de Wing foram descritos como tendo pouca capacidade de pensamento analítico, enquanto que os casos de Asperger foram descritos como altamente analíticos; e nenhum dos casos de Wing foi descrito como manipulador, ameaçador, atrevido, conflituoso, ou vingativo (termos que Asperger usou sobre os seus casos) e assim por diante.

No seu artigo seminal de 1978 sobre o assunto, o conhecido psiquiatra infantil britânico Michael Rutter sugeriu que o autismo existe provavelmente em um espectro, com uma forte contribuição genética para a sua expressão. Ele formulou a tríade familiar de sintomas de comunicação deficiente, habilidades sociais deficientes, e uma imaginação restrita que conduz a interesses restritos, que, juntamente com a síndrome de Asperger de Wing, formaram a base para uma nova “imaginação” de um espectro alargado de autismo.

Nenhum destes desenvolvimentos foi acompanhado por quaisquer novas descobertas científicas sobre os corpos e cérebros daqueles que agora se pensava terem autismo, embora agora se falasse dele como um transtorno geneticamente predeterminado, permanente e neuro-desenvolvimentista.

Durante as décadas seguintes, o conceito de autismo começou a atrair mais interesse profissional e público, impulsionado pela cobertura mediática popular, tal como através do filme Rain Man e das controvérsias sobre a vacina MMR. Mais pessoas falavam sobre esta “coisa” chamada autismo. Em breve houve cursos, ferramentas de avaliação, investigação, serviços, documentários, especialistas e instituições, todos dedicados a aprofundar o nosso conhecimento e compreensão do autismo, das suas causas, e de como identificá-lo, tratá-lo ou preveni-lo. O autismo era agora um fenómeno de cultura. As taxas de diagnóstico expandiram-se, levando a mais serviços, investigação, falar sobre ele (e assim por diante).

Agora surgiu um grupo de adultos que se identificava com a ideia de autismo, mas que rejeitava a noção de que se tratava de um transtorno. Estes ativistas começaram a falar do autismo como uma diferença – uma forma diferente, mas igualmente válida, de ver e interagir com o mundo como resultado de uma ” ligação ” neurológica diferente. Por vezes surgiram tensões entre este último grupo que falava de si próprio como parte do espectro da “neurodiversidade” e aqueles (muitas vezes pais) que lutavam para lidar com os comportamentos das crianças diagnosticadas, que estavam frequentemente desesperados para encontrar “tratamentos” e sentiam o lado “desordem” das coisas.

O autismo tinha-se tornado um discurso visível e vigoroso, por esta altura, supunha-se simplesmente que representava uma “coisa” real, tangível e identificável que podia ser diferenciada de outros problemas potenciais (se se identificasse com o lado da desordem) ou que produzia algo fundamentalmente diferente de sujeitos “neurotípicos” (se se identificasse com a perspectiva da diferença). Ninguém, segundo me pareceu, estava a fazer a pergunta óbvia: Em que base probatória pode concluir que o autismo representa uma categoria natural que pode ser diferenciada de outras categorias naturais, seja transtorno ou diferença?

Quando estava a fazer formação como psiquiatra infantil, no início até meados da década de 1990, deparei-me com duas crianças diagnosticadas com autismo em durante os meus quatro anos de estágio. Ambas tinham deficiências funcionais acentuadas e tiveram de frequentar escolas especializadas. De acordo com alguns dados locais recentes que vi, 1,6% das crianças em idade escolar na minha área têm um diagnóstico de autismo. Isto significa que no espaço de duas ou três décadas, a prevalência passou de 0,04% para 1,6%, um aumento fenomenal de 4000%.

Hoje em dia, tenho a impressão de que qualquer criança que frequenta os nossos Serviços de Saúde Mental para Crianças e Adolescentes pode acabar por receber um “diagnóstico” de TEA. Ouço frequentemente, particularmente quando o jovem não está a responder ao que é considerado o tratamento ” correto “, sugerindo-se o autismo como uma possível razão para os problemas ou falta de resposta ao tratamento. Assim, acabamos naquilo a que eu chamo “jogos semânticos”, uma espécie de ” o que devemos chamar a isto” em vez de uma compreensão do que pode estar a contribuir para a sua apresentação ou do que pode fazer a diferença para eles.

A nomenclatura é compreensivelmente popular entre muitos, tais como outros profissionais, professores, pais, e alguns adolescentes. Mas na minha experiência pode tornar-se uma armadilha, uma vez que as pessoas confundem (compreensivelmente) o que lhes foi vendido como diagnóstico com o fato de ser realmente um diagnóstico. Por outras palavras, imaginam que por “terem autismo” os ajuda a compreender as razões dos seus problemas e, portanto, os profissionais saberão agora como melhor os ajudar.

O meu consultório tem muitas pessoas que seguiram este caminho, mas para quem as coisas voltaram a ficar más e agora pensam que deve haver outro diagnóstico e, portanto, outro tratamento, e por isso escorregam mais para o caminho de se tornarem um paciente/parente desamparado e indefeso à mercê de serem prescritos mais tratamentos, muitas vezes inúteis, (sejam medicamentos ou psicológicos) que desamparam ainda mais o seu poder. É um ciclo muito difícil para todos (profissional, criança e família) de sair.

Assim sendo, de onde vem o TEA?

Dado que o conceito de autismo surgiu a partir de uma nova proposta (inicialmente da autoria de Kanner), sem apoio de provas científicas e expandiu-se exponencialmente nas últimas duas a três décadas, mais uma vez sem qualquer apoio de provas científicas, uma questão legítima a ponderar é porque é que isto aconteceu e o que pode estar a impulsionar a nossa fixação com a nossa capacidade de socializar e ler as emoções dos outros. Os parágrafos seguintes são algumas das minhas especulações sobre os potenciais motores sociais, culturais e políticos.

Uma doença médica/psíquica distinta chamada autismo não poderia ter surgido até que os padrões de normalidade tivessem sido formalizados e estreitados e a preocupação com o desenvolvimento das crianças estendida aos primeiros anos de vida da criança para que as crianças com TEA pudessem ser “identificadas”. Isto não quer dizer que não tenham existido pessoas ao longo da história que mostrassem os comportamentos que agora pensamos como sendo autistas, mas para lembrar ao leitor que chamar a este autismo é simplesmente um “truque” de classificação, em vez de ser o resultado de novos conhecimentos científicos.

Desenvolvimento infantil e escolas

À medida que as autoridades educativas e psicológicas foram sendo desenvolvidas durante o século passado para satisfazer as exigências de ajustamento social em mutação, as fronteiras entre o que era considerado normal e “patológico” foram sendo criadas e gradualmente expandidas. Também mudaram à medida que as tendências sociais mudaram e novas áreas de emoção ou comportamento se tornaram locais de preocupação. Psicólogos, psiquiatras e pediatras envolveram-se assim cada vez mais na “descoberta” de indicadores aparentes de uma gama cada vez maior de perturbações entre as crianças por eles inquiridas.

Estes desenvolvimentos na forma como pensamos a infância e os seus problemas interagem com as mudanças políticas, econômicas e sociais observadas nas últimas décadas no Ocidente, algumas das quais são o movimento para redes familiares e sociais mais pequenas, a diminuição da quantidade de tempo que os pais passam em torno dos filhos, o consumismo agressivo que predomina no desejo de estimulação das crianças, um maior envolvimento de profissionais em atividades de educação de crianças (e conselhos sobre educação de crianças), e um sentimento de pânico sobre o desenvolvimento dos meninos.

A psiquiatria e a psicologia podem facilmente tornar-se instrumentos políticos, como no passado, não só em sociedades totalitárias mas também em sociedades democráticas. As necessidades de uma economia baseada nos serviços são diferentes das de uma economia essencialmente industrial. Nas economias de serviços, as fracas capacidades de socialização (da variedade superficial) da força de trabalho são vistas como colocando a economia em desvantagem. A necessidade de inculcar precocemente competências sociais e “inteligência emocional” torna-se assim uma preocupação para as classes dirigentes, professores, e em última análise para os pais.

Embora poucas escolas na sociedade ocidental atual se assemelhem às escolas autoritárias mais rígidas da Europa do século XIX, os mecanismos para disciplinar as crianças não desapareceram, assumindo simplesmente uma forma mais sutil. Na prática de diagnosticar e medicar uma criança com TDAH, por exemplo, vemos vigilância e identificação seguidas de uma tentativa de intervir para corrigir e “disciplinar” crianças que não correspondem às expectativas dos professores e/ou dos pais, que, compreensivelmente, se preocupam com o fato de a criança não estar a cumprir os padrões de conduta socialmente esperados.

Embora as escolas possam reconhecer a individualidade de cada criança, é pouco provável que escapem às definições do que é considerado “normal” para crianças de uma certa idade, e isto moldará o que esperam das crianças nas suas turmas e o que fazem quando identificam um indivíduo que temem não estar a cumprir estas expectativas baseadas na idade. Professores e pais, como os psicólogos, psiquiatras e terapeutas a que se referenciam estas crianças, tornam-se então parte da imposição de uma forma diferente de disciplina para tornar uma criança dócil e obediente o suficiente para que um professor desempenhe o seu trabalho ou os pais dirijam uma família, sem infringir a lei sobre o bem-estar e os direitos das crianças através de formas mais evidentes de castigo.

A psiquiatria e a psicologia ocidentais construíram uma série de fases “normais” de desenvolvimento pelas quais as crianças devem progredir. Os professores fazem então parte dos sistemas de vigilância em vigor para apanhar aqueles que se considera não terem conseguido atingir adequadamente qualquer uma destas fases estreitas, dependentes da idade, e que são então referidos para obter “ajuda” extra (uma palavra mais simpática do que “disciplina”).

Os tipos de cuidados profissionais e de peritos que se obtêm serão então através dos sistemas e serviços que têm toda a ideologia não científica que tenho vindo a descrever ao longo deste livro. É provável que consagrem e solidifiquem a suspeita de ” transtorno” que se pensa ter uma criança e assim satisfaçam as suspeitas do professor e dos pais. As consequências involuntárias disto são tornar a criança rotulada com um selo potencialmente vitalício que limita o que elas, os seus pais e os seus professores podem agora esperar delas, ao mesmo tempo que liberta os prestadores de cuidados de confiarem nos seus próprios conhecimentos, aptidões e intuições, uma vez que é agora o trabalho destes “especialistas” saber o que se está a passar e o que fazer em relação a isso.

A nossa visão da infância muda com o tempo. Em determinado momento, na era vitoriana, quando a economia precisava de um grande número de trabalhadores para tarefas manuais que exigiam tutoria em vez de aprendizagem escolar extensiva, o trabalho infantil era visto como um estado normal para as crianças, e algo que lhes ensinava disciplina, aritmética, e as preparava para as responsabilidades da idade adulta numa era de relações hierárquicas fortemente baseadas na classe. Agora olhamos para trás com horror para a ideia de que as crianças poderiam ter sido enviadas para trabalhar no fosso ou na chaminé, vendo uma vida como ” a roubar” às crianças da sua ” infância”. No entanto, o trabalho infantil era a expectativa normal das crianças na Europa e na América do Norte há cerca de 150 anos (não há muito tempo atrás na escala da história humana).

O que irão as gerações futuras olhar para trás e dizer hoje sobre a infância? Irão interrogar-se sobre a crueldade de criar estas instituições obrigatórias que as crianças têm de frequentar durante a maior parte dos primeiros 18 anos de vida, onde se espera que se conformem às expectativas cada vez mais estreitas de comportamentos baseados na idade, etc.?  No mínimo, parece legítimo especular sobre como as forças econômicas atuais e as escolhas de estilo de vida influenciaram a nossa própria visão da infância, como isto pode afetar a forma como pensamos e criamos as crianças de hoje, e como isto, por sua vez, pode impactar o seu comportamento real.

Como os pais lidam com horários de trabalho mais longos, ambos os pais trabalham, deslocações de maior distância, e menos tempo familiar, as crianças que anteriormente eram vistas de formas mais vulgares como meramente nervosas ou inquietas, tímidas, ou que falavam demais, são agora vistas como sofrendo de doenças psiquiátricas. A expectativa de que as crianças deveriam querer prestar atenção, cooperar e demonstrar independência e empatia dentro de contextos de grupo estruturados passou a ser vista como uma “necessidade” mais importante para os nossos filhos do que seria o caso há algumas décadas atrás.

Mudanças no conceito do self

Com o fim do “estado do bem estar social” na política pós-Thatcher dos anos 80, e o crescimento de uma ideologia de mercado livre mais agressivamente competitiva, os governos ocidentais modernos promoveram a ideia do indivíduo “livre” capaz de competir no mercado livre pelos melhores empregos. As proteções da sociedade diminuíram, a solidariedade social foi vista como suspeita, e uma narrativa tomou conta de que as nossas comunidades eram constituídas por duas classes principais de pessoas: os lutadores e os esquivos.

Esta divisão em anjos ou demónios individuais tem sido e continua a ser uma poderosa forma de distrair as nossas atenções coletivas da miséria que as desigualdades estruturais provocam – ao perceberem a estrutura de classe subjacente que se torna mais visível em momentos de crise, como após o colapso financeiro de 2008.

Estou a escrever isto neste momento, sentado em casa no Reino Unido, no meio da crise da pandemia de Covid-19. Estamos de novo a escrever. Embora haja, tardiamente, algum reconhecimento de que a mão-de-obra mal remunerada se revelou muito mais importante para o funcionamento da sociedade, grande parte da cobertura mediática parece ser 24 horas por dia a transmitir histórias sobre indivíduos que são ou “heróis” (lutando na linha da frente, celebrando a doação de um pouco dos seus milhões, etc.) ou “vilões” (egoisticamente não observando corretamente as regras).

A maioria dos trabalhadores da linha da frente preferem ter equipamento de proteção pessoal adequado do que ser heróis; a maioria dos vilões está apenas a tentar manter-se sãos num mundo louco. Espero para ver se, após esta crise, a fragilidade e injustiça do nosso sistema econômico e os valores que daí advêm se tornaram suficientemente visíveis para tornar as intermináveis perturbações difíceis de suportar.

A personalização com histórias de vergonha e/ou valorização significa que o policiamento já não envolve apenas o exército, a lei, e as prisões. Há uma maior ênfase nos sistemas que governam por consentimento em levar as pessoas a policiar elas próprias. Uma colega minha que cresceu na Polónia da era da Cortina de Ferro comentou como sentiu que sabia o que esperar e quais eram as regras para se manter fora de problemas na Polônia socialista da guerra fria. Após muitos anos de vida e trabalho no Reino Unido, ela começou a sentir que a vida pessoal era muito mais precária no Reino Unido.

Seja no trabalho, em público, ou em casa, ela sentia que havia muitas regras e expectativas não escritas sobre como se devia comportar, a sua atitude, as palavras e expressões que utilizava e assim por diante. Sentia uma carga muito maior de vigilância no Reino Unido do que na pré-queda da Cortina de Ferro na Polónia. Há um sentimento generalizado de que os indivíduos estão sempre a desempenhar e a tentar evitar que a sua falibilidade humana comum seja vista.

Muito do trabalho de definição de quem se encaixa e não se encaixa nos nossos padrões sociais é feito pelos próprios indivíduos. Numa economia capitalista e orientada pelo mercado, o consumo em massa é vital para a manutenção do sistema e, portanto, torna-se uma parte importante da nossa consciência. Numa tal sociedade, mesmo as relações pessoais tornam-se nubladas pelo sistema de valores “comparar e competir”. Tal como a esposa estereotipada do consumidor comparando a brancura dos seus lençóis com os dos seus vizinhos, as pessoas nas sociedades de consumo comparam constantemente as suas próprias inadequações com as dos outros.

Esta prática de autoexame provoca um culto de autoconscientização. Ao fazê-lo, pode criar qualidades interiores, incluindo o que quer que passe para o crescimento pessoal, com cada dia que se procura fazer de si mesmo um produto melhor – novo, melhorado, melhor e mais brilhante até agora. Esta monitorização interna pode tornar-se tão draconiana como a polícia secreta: ou se controla a si próprio, se acha inadequado de alguma forma e por isso continua a consumir para preencher qualquer buraco que tenha descoberto e assim manter a economia em movimento e encaixar-se, ou se não o fizer, arrisca-se a que uma variedade de profissionais se preocupe com o seu bem-estar.

Sendo o objetivo de autorrealização e gratificação tão difícil de alcançar, e a desconfiança competitiva de que as nossas relações pessoais são promovidas pela cultura de consumo, não é difícil perceber porque é que cada vez mais a população se preocupa com o seu estado psicológico e/ou o dos seus filhos. À medida que os governos tomam consciência dos problemas de empatia e falta dela, cresce também o interesse em condições consideradas como baseadas ou causadas por esta falta, e cresce o apoio aos investigadores e serviços que afirmam estar interessados na identificação precoce, prevenção, e tratamento desta situação.

A emergência da economia de serviços tem assistido a uma exploração e manipulação dos desejos humanos e da sexualidade, especialmente através da publicidade, ao serviço do aumento da procura de uma grande variedade de produtos. A economia de serviços está dependente da venda, incluindo a venda de si próprio. Num tal enquadramento, que lugar há para a “verdade” ou para a incapacidade de manipular a sua expressão facial e linguagem corporal para vender um produto? Numa tal sociedade, a incapacidade de o fazer “adequadamente” torna a pessoa menos produtiva e, portanto, um problema potencial para o bom funcionamento de um sistema econômico deste tipo.

A adoção do autismo como rótulo de escolha para tais alienados e rotulados como “aberrações”, ” nerds” e “esquisitos” proporciona uma forma de afastar este problema de um ser humano gerado em grande parte pelo sistema sociopolítico que as pessoas estão a tentar sobreviver, em direção a um problema técnico para que o perito transforme numa mercadoria que possa ser rotulada e vendida. Assim, obtemos uma indústria de especialistas, tratamentos, livros, cursos, investigação, institutos etc., crescendo em torno de “diagnósticos” populares como o TDAH e o TEA.

O consumismo individualizado criou uma consciência acentuada da aparência e do estilo. A invasão de imagens da comunicação social e da publicidade cria um mundo de sonho, uma realidade virtual para fantasiar, uma vez que os comerciais nos vendem imagens de estilos de vida ideais que eles anexam aos seus produtos. A nossa cultura tornou-se tão consumida por estas imagens perpétuas, que agora podemos literalmente retirar uma identidade e deslizar noutra à medida que trocamos de roupa, maquilhagem, sapatos etc. Somos seduzidos a ficar tão preocupados com a nossa identidade superficial que nos submetemos a longos procedimentos cirúrgicos para mudar a forma e aparência dos nossos corpos.

Neste mundo de capitalismo de consumo, tudo se torna potenciais objetos de exploração e lucro. As crianças recebem publicidade dirigida a elas desde a mais tenra idade. A publicidade dirigida especificamente às crianças é um complemento dos mercados de brinquedos, alimentos, equipamento educativo, moda, vestuário desportivo etc. De fato, o domínio da ideia de “saúde” mental é um produto, pelo menos em parte, do capitalismo de consumo da economia de mercado.

A conceituação dos problemas como “saúde” individualiza o sofrimento (absolvendo e mistificando assim o papel dos fatores sociais) e cria novos mercados (por exemplo, através da indústria farmacêutica). É dentro da ideologia que cria tais identidades fraturadas e superficiais que descobrimos a mesma rotulagem superficial de identidades sobre as decretadas pelas instituições modernas como doentes mentais ou desordenadas de alguma forma.

Um dos resultados deste meio cultural é um afastamento da compreensão baseada na profundidade e numa ligação com a realidade física e a funcionalidade quotidiana, em direção a uma cultura onde os factores de superfície, tais como imagem, aparência, o curto prazo e o imediato, se tornaram mais duradouros e característicos. Estes têm impacto tanto na nossa visão das crianças como no seu comportamento (que são assim mais susceptíveis de serem moldados por sinais superficiais – como o TEA enquanto rótulo explicativo fácil), bem como efeitos mais profundos na nossa consciência em termos do que consideramos importante para trazer algum sentido de contentamento às nossas vidas.

A mercantilização das nossas economias, em particular o crescimento de uma economia financeira separada, levou a um declínio nos setores de manufatura e ao crescimento da indústria de serviços. As comunidades integradas, como as que rodeiam as minas de carvão, definharam e morreram. Comunidades de homens que utilizavam os seus corpos em trabalhos manuais duros e depois se socializavam juntos, desapareceram. A ideia de solidariedade e de camaradagem do trabalhador que se formava em torno do sindicato e dos princípios de justiça social foi substituída pela individualização de problemas sob a forma de “stress” no local de trabalho que requeria aconselhamento.

As empresas trocaram segurança no emprego, estabilidade, e uma força de trabalho sindicalizada por serviços de bem-estar dos empregados, aulas de atenção e dias de saúde mental. Ansiedade, stress, depressão são coisas que acontecem ao trabalhador que a nossa abordagem esclarecida da saúde mental pode agora tratar, para que possa voltar às merdas, aos empregos inseguros que oferecemos sem se queixar.

Este novo mundo da linguagem pseudo-emocional da saúde mental, com a exigência de ter fortes “competências pessoais” na força de trabalho e a mudança dos papéis dos homens no local de trabalho, significa que existe agora uma maior exigência política e pessoal para que os homens tenham o tipo de flexibilidade social e emocional reforçada de que anteriormente não precisavam.

Em relação ao autismo, isto conduz a um paradoxo interessante. Uma das características centrais do diagnóstico implica uma falta de empatia. No entanto, melhorar a “inteligência emocional” da força de trabalho é com o propósito de utilizar a empatia para explorar e manipular com sucesso os seus clientes e a sua força de trabalho para fazer o que deseja para seu próprio ganho pessoal.

Parece estranho que as pessoas que têm dificuldade em compreender as nuances emocionais, mas que podem ser compassivas sejam patologizadas, no entanto aqueles que podem usar uma compreensão do estado emocional dos outros para os manipular para fins egoístas são recompensados. Isto é precisamente o que tem acontecido no setor bancário e em muitas outras empresas, com legislação, regulamentação econômica, e o sistema de valores que está na base disto, encorajando eficazmente o tipo de comportamento narcisista que derrubou economias inteiras através da busca legalizada do lucro sem consideração pela responsabilidade social.

A cultura ocidental moderna, particularmente através da publicidade e das necessidades das indústrias de serviços de serem (pseudo)amistosos e acolhedores de uma forma (pseudo)amigável, exige formas mais complexas e complicadas de socialização do que no passado ou em muitas outras culturas. Agora é preciso ser bom a vender-se e a pôr o cliente à vontade para que ele compre a última merda inútil que lhe está a oferecer.

Nesta cultura de sobrevivência dos mais espertos, não é de admirar que aqueles que não são particularmente bons nessa habilidade possam ficar marcados como tendo algo de “errado” com eles. A maioria de nós, no fundo, sabe que esta não é uma cultura agradável. É uma cultura que nos deixa abertos a ser enganados e, por isso, faz-nos desconfiar dos motivos dos outros. As expectativas sociais que surgem desta pseudo-feminização da cultura macho neoliberal são mais preocupantes para mim do que a diversidade de estilos socializantes que potencialmente possuímos.

O problema com os meninos

Como na maioria dos chamados diagnósticos psiquiátricos, não podemos escapar à única classe socialmente construída de pessoas com diferenças biológicas que vão mais fundo do que a superfície – que é o sexo. As condições psiquiátricas, em geral, seguem o padrão dos rapazes, sendo as questões de comportamento os principais clientes entre as crianças; as diferenças sexuais nos clientes começam então a aumentar mesmo na adolescência à medida que mais raparigas se apresentam com problemas de humor; as mulheres tornam-se então os principais clientes quando entramos na idade adulta. Embora o sexo seja obviamente um fato biológico, a forma como construímos as nossas crenças sobre as expectativas dos homens e das mulheres é socialmente construída e muito debatida. O sexo, portanto, é socialmente construído.

O TEA, tal como o TDAH, é dominado pelos meninos na infância, com um aumento do número de mulheres que se identificam com a autismo à medida que entramos no final da adolescência e na idade adulta. Então o que é que se passa com os rapazes e a masculinidade (a construção social da infância) de uma forma mais ampla?

Embora a maioria das sociedades em todo o mundo permaneça patriarcal, o comportamento dos rapazes como uma preocupação social e médica é relativamente recente e em grande parte confinado ao Ocidente, embora a exportação de valores ocidentais também signifique que os números estão a ser identificados com estes ” transtornos ” da infância como o TEA, estão a aumentar.

Em algumas culturas, os rapazes são mais apreciados do que as jovens por uma variedade de razões. Os rapazes crescem então numa posição mais privilegiada e muitas vezes com uma visão de si próprios que reflete o tratamento preferencial que receberam. Os pais têm então menos preocupação com o policiamento ou com o comportamento destes rapazes. Em vez disso, pode haver uma maior preocupação com a sexualidade feminina emergente e as meninas e as mulheres jovens são então mais susceptíveis de serem alvos do olhar e do controle.

Este sexismo culturalmente institucionalizado que favorece os meninos terá obviamente um impacto na forma como os meninos e os homens se vêem a si próprios. Mas antes de nós, no Ocidente, sermos convencidos de que a cultura ocidental é mais avançada e libertada na sua política sexual, eu argumentaria que a cultura ocidental é mais encoberta por ideais masculinos (machistas) e que por vezes fornece uma imagem ainda pior do que é ser um homem.

Os modelos de “o que significa ser um homem” estão presentes em todas as culturas. Na maioria das culturas há uma diferenciação entre as expectativas de meninos e meninas desde a primeira infância, muitas vezes desde o nascimento (assim, os meninos recebem roupa azul, as meninas rosa, etc.). Em muitas culturas ocidentais (ao contrário da maioria das outras culturas), os meninos entram então em instituições (em particular escolas) que têm expectativas não sexuadas em relação à maioria das coisas (tais como comportamento, estilo de aprendizagem, métodos de ensino, etc.). No entanto, dentro do recreio das sub-culturas de grupos de pares, as crenças e expectativas de gênero continuam a ser construídas.

Vivemos numa época em que as crianças são frequentemente caracterizadas por ansiedades polarizadas sobre os riscos que enfrentam e os riscos que representam. Estas ansiedades têm frequentemente um preconceito de gênero, sendo as meninas vistas como “em risco” e os meninos como representando riscos (através de comportamentos indisciplinados, violentos e impulsivos). Esta preocupação sobre o potencial de os meninos se tornarem ladrões e bandidos sem empatia é posta em causa nos meios de comunicação social e nos lares, para cima e para baixo do país.

Inicia-se muito jovem. Ouve-se agora em conversas entre pais e educadores ou professores cujos filhos estão no berçário ou acabaram de começar a escola. São quase sempre os pais de meninos para quem a preocupação com o seu comportamento está a ser levantada. Os cuidadores institucionais (como os educadores de infância e os professores da escola) têm tantas exigências e regras sobre o que podem e não podem fazer, que as questões sobre as capacidades de socialização dos meninos e os comportamentos agressivos começam antes mesmo de conseguirem juntar uma frase.

E o autismo parece ser a atual explicação potencial favorita. Não que sejam jovens, que se desenvolvam a velocidades diferentes, que sejam mais enérgicos, ou curiosos, ou apenas meninos, não, estão a comportar-se assim talvez porque têm autismo. Plante essa semente na cabeça de um pai com uma criança pequena e observe-a crescer. Mesmo que não acredite nisso, será que consegue largar esse pensamento? Como irá moldar posteriormente a sua ansiedade em relação ao seu filho e como irá isso afetar as suas interações com ele?

Uma vez que estas inquietações sobre os meninos estejam no sistema escolar, eles irão experimentar diferentes pressões e expectativas que têm de aprender e negociar. No recreio, serão expostos a variedades de formas em que “o que significa ser homem” estão disponíveis, mas haverá um modelo dominante, uma forma principal de compreender como os meninos e os homens devem ser. No Ocidente em geral, esse modelo dominante que vemos em filmes, histórias e situações do dia-a-dia é construído em torno da ideia de que os homens exibem poder através das suas capacidades corporais (capacidades no desporto e no atletismo), da não exibição de emoções (para além da raiva), da capacidade de estar no controle e de ser um artista competitivo.

Este é o modelo associado ao que por vezes é referido como “o dividendo patriarcal”, ou seja, a expectativa da sociedade de estar numa posição mais poderosa e influente do que as mulheres. Os meninos que se afastam deste modelo dominante podem tornar-se alvos de bullying, provocação e exclusão pelos seus pares masculinos.

Até agora, temos um quadro emergente onde os meninos são os principais clientes de um diagnóstico TEA quando criança, onde a preocupação e o escrutínio dos comportamentos dos pais e outros prestadores de cuidados (como professores) começa cedo, e onde encontram modelos de masculinidade no recreio e grupos de pares que enfatizam uma “hiper-masculinidade” de força, poder, desempenho competitivo, e controle como o principal modelo a aspirar. Mas não é a isto que as cuidadoras principalmente femininas e as instituições em que trabalham querem que aspirem.

O capitalismo de mercado livre pode ser visto como o exemplo mais completo e organizado de um sistema político, social e econômico baseado nos valores da masculinidade. Os seus valores sociais e psicológicos baseiam-se numa competitividade agressiva, colocando as necessidades do indivíduo acima das da responsabilidade social, uma ênfase no controle (e não na harmonia), o uso de análises racionais (científicas e empíricas), e o constante empurrar de fronteiras.  Tal sistema produz desigualdades grosseiras (tanto dentro das nações como entre elas), reduz o estatuto e a importância da educação e, portanto, a estima atribuída ao papel de mãe.

À medida que cada vez mais mulheres são trazidas para o local de trabalho – uma necessidade econômica para aumentar a força de trabalho necessária para servir as economias de mercado – é necessário desenvolver novas formas de autoestima para que essa mudança no papel social da mulher seja sustentável. Como resultado, a carreira profissional das mulheres tem agora mais estima do que o papel da maternidade, que tem perdido cada vez mais o seu estatuto de papel culturalmente valorizado dentro de uma sociedade individualista. Este movimento para fora da esfera familiar e para a esfera pública e do trabalho não foi igualado por um movimento inverso correspondente de homens para fora da esfera pública e do trabalho, para mais papéis familiares e acolhedores.

Ao mesmo tempo que tem havido um movimento de adultos para fora da família; tem havido um movimento no sentido de os cuidados infantis se tornarem uma atividade profissional (principalmente mulheres trabalhadoras com baixos salários). Assim, o que parece estar a acontecer no espaço psicológico da infância é uma feminização crescente de alguns aspectos, particularmente educativos, e uma profissionalização da tarefa de criar os filhos.

Existe agora uma extensa literatura que sugere que os métodos educacionais correntemente utilizados na maioria das escolas ocidentais (tais como avaliação contínua e fichas de trabalho socialmente orientadas) são mais preferidas pelas meninas do que pelos meninos. Isto é então espelhado nos resultados dos exames nacionais, onde as meninas estão agora frequentemente a obter notas mais elevadas do que os meninos na maioria das disciplinas. Os meninos também dominam a previsão das necessidades especiais, onde são marcados como tendo uma quantidade desproporcionalmente elevada de problemas com má leitura e mau comportamento.

Com as escolas sob pressão política de economia de mercado a competirem nas tabelas de classificação nacional, e os meninos a dificultarem mais o desempenho das escolas do que as meninas, correm maior risco de exclusão e de maus resultados escolares. Não é surpreendente que os meninos tenham chegado a ser o gênero “falhado”, provocando ansiedade nos seus prestadores de cuidados (principalmente femininos) e professores.

A feminização de certos aspectos da cultura capitalista masculina em que vivemos também teve um impacto nos ambientes de trabalho para os quais a nossa educação nos está a preparar. Ideias como o cultivo da “inteligência emocional” na gestão e nas relações de trabalho começaram a tornar-se mais populares nos anos 90.

Longe de ser um movimento de esclarecimento em direção a uma sociedade carinhosa e acolhedora, isto faz parte do desenvolvimento de formas “melhores” de motivar a força de trabalho e manipular o consumidor. Assim, a cultura ocidental moderna exige formas mais complexas e complicadas de socialização (numa era obcecada pela imagem) do que no passado (ou em muitas outras culturas), no contexto da diminuição do tamanho das famílias, resultando num contato emocional mais intenso entre os membros destas unidades menores, e menos oportunidades de contacto com um maior número de pessoas.

A busca pela solução tecnológica

Uma das características das sociedades de consumo modernas, economicamente desenvolvidas, é o contínuo avanço das tecnologias e a nossa cada vez maior confiança nelas na vida moderna. Quando as tecnologias funcionam adequadamente, elas funcionam em segundo plano e a sua eficiência, função e utilização são, assim, tidas como garantidas. Quanto melhor a tecnologia, menos temos de pensar nela – ela está lá, funcionando fora da nossa consciência e facilitando-nos a vida.

Assim, nos nossos esforços para chegar de A a B, tivemos primeiro a bicicleta, depois o carro que tornou a viagem mais fácil e mais eficiente. O carro evoluiu então para se tornar mais rápido, mais seguro, mais suave e mais confortável, e a tecnologia continua a evoluir, por isso obtemos o carro automático, navegação por satélite, luzes que acendem e apagam automaticamente, um ambiente climatizado, e assim por diante.

A sedução do avanço tecnológico tem tido um grande impacto na nossa vida quotidiana e, de fato, na nossa consciência. Tão atraentes são os apelos do desenvolvimento de tecnologias que aparentemente tornam a vida mais fácil, mais eficiente e racionalizada, que dificilmente se pode encontrar uma disciplina que não se tenha voltado, em certa medida, para a tecnologia para encontrar novas soluções inovadoras.

A este respeito, a medicina é um bom exemplo de uma profissão cujo sistema de valores essenciais se deslocou de um foco primário na ética dos cuidados para um foco primário numa ética mais orientada tecnologicamente, que gira em torno da eficiência, precisão, eficácia e economia. O foco centra-se agora em aspectos mais técnicos, com notícias de avanços e inovações a receberem um estatuto mais elevado do que os aspectos humanos do trabalho.

Esta tecnificação geral da vida encorajou-nos a procurar soluções simples onde confiamos na perícia técnica de vários técnicos no seu ofício. Estes especialistas trazem consigo os seus conhecimentos científicos e concebem uma solução técnica simples que requer um mínimo de reflexão por parte do utilizador e que, quando aplicada, lidará com o problema e o fará passar para segundo plano como todas as boas tecnologias deveriam.

É fácil ver o apelo da ideia de que os problemas interpessoais que a vida inevitavelmente traz, podem ser reduzidos a uma simples desordem subjacente (como o TEA) e pode ser corrigida pelo perito que diagnosticou a natureza do problema. Também é fácil perceber por que razão, num contexto cultural deste tipo, abordagens mais demoradas que requerem pensamento, reflexão, esforço mental, e um maior envolvimento com assuntos que evoluem e mudam com o passar do tempo, têm recuado em popularidade.

Mas, talvez haja boas razões para acreditar que a ciência tenha levado a avanços que justificam esta tecnificação. Talvez possamos justificar a utilização do TEA como uma categoria por razões científicas?

Iremos explorar a base científica do TEA daqui a quinze dias, na Parte 2 do Capítulo 4.

[trad. e edição, Fernando Freitas]

Eles passarão, nós passarinho!

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O GT7-OCUPAÇÃO da Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial, convoca a todas/tores/todos:

Vamos ocupar as secretarias de saúde com artes de liberdade no dia 16 de Dezembro! Junte sua turma para fazer desenhos, dobraduras, artes de passarinho nos Caps, residências terapêuticas, unidades de acolhimento, UBS, Movimentos sociais, galera do bairro, da rua, de onde você estiver e leve tudo para frente da secretaria de saúde da sua cidade!

Aí grava/ tira foto e manda pra gente em: [email protected]. Só não aglomere na porta, ok? Uma pessoa para despejar arte e uma com a câmara basta. Assim marcamos presença com muita boniteza sem colocar ninguém em risco.

*poema de Mário Quintana ligeiramente modificado a partir da construção mineira do 18 de maio, usada como lema do desfile da Escola de Samba Liberdade Ainda que Tã Tã de 2016

Fazer Significado dos Sintomas de Pânico Reduz o Desconforto, o Estudo Descobre.

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Um novo estudo publicado no Journal of Counseling Psychology investiga o processo de mudança que leva a uma melhoria para as pessoas diagnosticadas com sintomas de pânico no campo da psicoterapia. O ensaio multisite Cornell-Penn descobriu que a Psicoterapia Psicodinâmica Focada no Pânico (PPFP) e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) facilitaram um processo que permitiu que as pessoas mudassem a forma como faziam sentido as sensações corporais associadas ao pânico, o que por sua vez reduziu a gravidade dos seus sintomas. Os investigadores, liderados por Jacques Barber, da Universidade de Adelphi, explicam:

“Esta é a primeira demonstração de processos gerais de mudança através de psicoterapias para transtornos de pânico, sugerindo que na medida em que os pacientes mudam as suas crenças acerca do significado do pânico, os seus sintomas de pânico melhoram em psicoterapias limitadas no tempo e centradas no pânico”.

A investigação anterior já descobriu que a terapia psicodinâmica e a TCC são tratamentos eficazes para uma grande variedade de transtornos mentais. A combinação e integração de elementos destas duas terapias melhoram os resultados dos tratamentos.

A TCC também foi considerada mais rentável no tratamento da Transtorno do Pânico do que os tratamentos psicofarmacológicos, e os antidepressivos não parecem proporcionar quaisquer benefícios adicionais. Além disso, os pacientes beneficiam-se da psicoterapia não só devido à redução dos seus sintomas, mas também porque facilita a capacitação e pode melhorar as relações interpessoais.

Dados os benefícios adicionais decorrentes das experiências psicoterapêuticas em PFPP e TCC, Barber e os seus colegas quiseram estudar os processos que levaram à redução dos sintomas de pânico nos pacientes terapêuticos. Mais especificamente, procuraram estudar a reinterpretação das sensações corporais e a função reflexiva específica do pânico.

De acordo com a teoria cognitiva, certas interpretações das sensações corporais podem aumentar a gravidade dos sintomas, o que reforça o pensamento catastrófico e desenvolve-se em ciclos de ansiedade e pânico. Os terapeutas da TCC procuram reduzir estes sintomas, quebrando o ciclo através de reinterpretações das sensações corporais.

A terapia psicodinâmica promove frequentemente a função reflexiva, que os autores descrevem como “a capacidade de identificar estados mentais em si próprio e nos outros, e de compreender os comportamentos como refletindo os estados e intenções mentais subjacentes”. Abordagens específicas dos sintomas da terapia psicodinâmica, como a PFPP, focalizam-se frequentemente na função reflexiva em relação aos sintomas particulares de um paciente. Por exemplo, o PFPP centra-se em torno da “necessidade de descodificar os significados subjacentes dos sintomas de pânico”. Embora estas abordagens sejam algo diferentes, ambas enfatizam como os pacientes lutam para dar sentido aos seus sintomas e trabalham para uma reinterpretação das suas experiências de pânico.

A amostra deste estudo foi composta por 138 participantes diagnosticados com Transtorno de Pânico com ou sem Agorafobia, alguns com sintomas depressivos. Estes participantes foram aleatorizados em TCC e PFPP, e Terapia de Relaxamento Aplicada (TRA). Os participantes tiveram sessões de 45-50 minutos duas vezes por semana durante cerca de 12 semanas. Para medir a gravidade dos sintomas, utilizaram a Escala de Gravidade dos Transtornos de Pânico (PDSS). Também mediram as interpretações corporais dos participantes e a capacidade de reflexão utilizando o Questionário Breve de Interpretação de Sensação Corporal (BBSIQ) e uma Entrevista de Função Reflexiva (RF). Os investigadores utilizaram estas ferramentas na linha de base, durante a 1ª, 5ª, e 10ª semana de tratamento, e no final.

Descobriram que as primeiras alterações na interpretação das sensações corporais durante a TCC e PFPP previram alterações na gravidade dos distúrbios de pânico. Isto sugere que o processo de reinterpretação das sensações corporais alivia o pânico, independentemente da orientação terapêutica.

Os investigadores também descobriram que a terapia psicodinâmica melhorou significativamente o funcionamento reflexivo específico do pânico no início do tratamento, reduzindo a gravidade dos sintomas de pânico. No entanto, este funcionamento reflexivo esteva mais fortemente relacionado com os resultados das pessoas no grupo de tratamento da TCC. Por outras palavras, a relação entre o funcionamento reflexivo e a melhoria dos sintomas de pânico foi substancial nos raros casos em que a TCC aumentou significativamente o funcionamento reflexivo.

Os autores salientam como as abordagens anteriores da TCC davam importância às emoções não reconhecidas e entendiam-nas como sendo estímulos para ataques de pânico. Modelos mais recentes centram-se exclusivamente na má interpretação das sensações corporais. Se estes resultados forem replicados em estudos futuros, então os terapeutas da TCC devem retomar estes conceitos deixados para trás.

Em conclusão, os investigadores descobriram que ao reinterpretar as sensações corporais associadas ao pânico e ao dar sentido a estas experiências, os clientes podem diminuir a gravidade dos sintomas de pânico. Este processo de reinterpretação é facilitado tanto através da psicoterapia cognitiva-comportamental como psicodinâmica. Este estudo também acrescenta ao crescente corpo de investigação as semelhanças entre diferentes orientações teóricas em psicoterapia e processos de mudança compartilhados.

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Barber, J. P., Milrod, B., Gallop, R., Solomonov, N., Rudden, M. G., McCarthy, K. S., & Chambless, D. L. (2020). Processes of therapeutic change: Results from the Cornell-Penn Study of Psychotherapies for Panic Disorder. Journal of Counseling Psychology, 67(2), 222–231. https://doi.org/10.1037/cou0000417

Sociedades patogênicas e loucura coletiva: Um olhar crítico sobre a normalidade

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Resumo: Este artigo aborda a necessidade de repensar os serviços de saúde mental de uma perspectiva coletiva, destacando o impacto da desigualdade e outros determinantes sociais no sofrimento das pessoas, enquanto examina criticamente o papel do atual modelo biomédico no controle da população e na manutenção de um sistema sócio-econômico que é ao mesmo tempo desconcertante e perturbador.

 “Estamos em guarda contra doenças contagiosas do corpo, mas somos exasperantemente descuidados quando se trata das doenças coletivas ainda mais perigosas da mente”.G. Jung, Collected Works Vol. 18

Embora os chamados distúrbios mentais sem dúvida tenham uma correlação biológica, sua natureza vai além do corpo, envolvendo dimensões sociais, culturais e psicológicas. Na maioria das vezes nosso sofrimento é o resultado de como organizamos nossas experiências em nível coletivo: as circunstâncias nas quais nascemos, crescemos, vivemos, trabalhamos e envelhecemos. Infelizmente, a abordagem atualmente dominante da “saúde mental”, orientada biologicamente e baseada no tratamento do indivíduo, tende a perder de vista e ignorar a importância primordial dos determinantes sociais (1, 2).

Ao longo deste artigo, apresento brevemente os fatores econômicos, sociais e ambientais aos quais devemos prestar maior atenção para garantir que todos desfrutem de uma vida mais saudável, mais satisfatória e mais significativa (3).

Para começar, o foco atual no paciente individual (tentando identificar as causas últimas da “doença mental” em nível genético e neuropatológico) deve ser substituído, como muitos pesquisadores e profissionais críticos já enfatizaram, por uma abordagem em saúde pública  com bases relacionais e baseada na população. Em vez de considerar apenas a pessoa posicionada frente ao médico, a partir desta perspectiva o escopo é estendido à família, à rede social, ao bairro, à comunidade e à sociedade em geral, tornando-se estas entidades coletivas nas quais todos nós convivemos com o paciente objeto de atenção.

Isto implica, naturalmente, ir além da psiquiatria e até mesmo da própria medicina, abraçando uma abordagem completamente transdisciplinar e dando atenção concertada a questões como a economia, a mídia e os sistemas de educação e justiça, entre muitos outros aspectos da vida.

Também implica em ir além da mera mitigação dos fatores de risco e a promoção daqueles que protegem as pessoas das doenças, ao atacar as causas profundas do problema através de engajamento sociopolítico e intervenções com efeitos sobre o bem-estar e a saúde, com uma visão clara da direção na qual nossas sociedades deveriam tender a se mover (4).

O primeiro passo neste sentido é reconhecer que, assim como foi firmemente demonstrado que a saúde física varia ao longo de um gradiente social, a “saúde mental” está fortemente correlacionada com a própria posição na sociedade, sendo os grupos mais vulneráveis, desfavorecidos e minoritários desproporcionalmente afetados e expostos a condições de estresse crônico, como a insegurança no trabalho, más condições econômicas e habitacionais, pobreza relativa, marginalização, isolamento social, falta de status e violência, tudo isso somado ao sofrimento muito provável de condições adversas durante a infância e à presença de barreiras de acesso aos cuidados devido a fatores culturais, financeiros e de orientação sexual, entre outros (5).

Há provas esmagadoras de que as desigualdades materiais têm efeitos psicológicos poderosos e que sociedades menos igualitárias têm um efeito negativo sobre as pessoas, desde a educação e expectativa de vida até a “saúde mental” (6-11). Na Espanha, por exemplo, a probabilidade de receber um diagnóstico de doença mental, assim como o risco de cometer suicídio, é muito maior entre migrantes, pessoas com empregos precários e aqueles com níveis de educação mais baixos, afetando duas vezes mais os desempregados do que os empregados (12, 13). Infelizmente, a situação só piorou devido às sucessivas crises econômicas e cortes orçamentários nas políticas sociais, com um aumento significativo, especialmente entre os mais jovens, na incidência de todos os tipos de chamados transtornos mentais, desde problemas de ansiedade até o abuso e dependência de álcool e outras drogas, incluindo “transtornos comportamentais”, estados depressivos, neuróticos e “transtornos de personalidade”, e psicose (14-16).

Embora as diferenças de gênero nas taxas e intensidade do sofrimento psicológico seja uma área ainda muito pouco estudada, dados no âmbito internacional indicam que as mulheres são aproximadamente 75% mais propensas do que os homens a relatar ter sofrido recentemente experiências diagnosticadas como depressão, e cerca de 60% mais propensas a relatar experiências diagnosticadas como transtorno de ansiedade (17). Dada a desvalorização patriarcal do trabalho doméstico e dos cuidados não remunerados, o fato de que as mulheres tendem a ser menos remuneradas no local de trabalho e que é muito mais difícil para elas avançar em suas carreiras, muitas vezes tendo que fazer malabarismos com múltiplos papéis, seria bastante surpreendente se suas lutas diárias não tivessem um custo emocional óbvio.

Estudos recentes sugerem que, da mesma forma, as pessoas não-heterossexuais sofrem desproporcionalmente não apenas de sofrimento psicológico e dos chamados distúrbios mentais, mas também de outros problemas de saúde devido ao estresse crônico causado pelos preconceitos ainda prevalecentes em nossa sociedade (18, 19).

Múltiplas fontes de desigualdade estão interligadas e têm um impacto cumulativo, afetando desproporcionalmente os mesmos grupos e produzindo modos únicos de opressão e discriminação. Atingir maiores níveis de igualdade em todos os sentidos, bem como cooperação e reciprocidade, promovendo a autonomia relacional e a participação democrática de todas as pessoas em nossa vida coletiva para reduzir o peso da hierarquia social, aumentar a coesão e a paridade de oportunidades, deve, portanto, estar no centro de qualquer impulso para a criação de uma sociedade mais sadia e saudável.

É oportuno agora listar como um lembrete alguns dos fatores repetidamente identificados na literatura científica como desencadeadores do desenvolvimento e emergência de reações psicóticas, assim como outras formas de sofrimento psicológico. São o estresse pré-natal, o abuso infantil, a exposição a um ambiente urbano, o status migratório da pessoa, a pertença a uma minoria étnica, a experiência repetida de exclusão e derrota social e, em geral, a criação de apegos temerosos aos outros e a dissociação como forma de lidar com a vida em um ambiente familiar e social adverso (20, 21).

Alucinações e delírios, mais do que sintomas de uma suposta predisposição genética ou alteração biológica, são reações compreensíveis a eventos e circunstâncias da vida (22). Esta é a explicação mais parcimoniosa para o padrão de descobertas observado, pois é muito improvável que os genes que contribuem para um certo tipo de desenvolvimento neurológico aberrante também codifiquem a migração, a condição de uma minoria étnica desfavorecida, a criação em ambientes com alta densidade e tamanho populacional, homossexualidade, problemas socioeconômicos e assim por diante (21).

Em resumo, há uma série de circunstâncias que afetam negativamente o bem-estar das pessoas, impedem a formação ou gradualmente minam sua resiliência e autoestima, e podem levar ao colapso em momentos de vulnerabilidade particular ou diante de eventos percebidos como esmagadores. Além disso, devemos reconhecer que ninguém é imune ao sofrimento e, em um ou outro momento, todos nós podemos chegar ao ponto de ruptura. Mais do que uma falsa e muito insidiosa dicotomia entre doentes mentais e pessoas saudáveis, o que se observa – além da cronificação devido à estigmatização, à exclusão social, à medicalização da miséria e aos danos causados pelos próprios tratamentos – é um continuum dinâmico no qual cada pessoa ocupa posições diferentes ao longo de sua vida (23-25).

Quanto às vulnerabilidades e predisposições a sofrer os chamados transtornos psicológicos, deve-se observar que as formulações mais matizadas do modelo de estresse-diático apontam para uma susceptibilidade diferencial na qual certas pessoas são especialmente sensíveis tanto às experiências negativas quanto às positivas (27). Também é interessante ressaltar que a intensidade do estresse ambiental necessário para atingir o ponto em que a pessoa se rompe irremediavelmente varia não só de um indivíduo para outro, mas também depende de variáveis como o nível de otimismo e expectativas positivas para o futuro, o fato de praticar exercício e o nível de aptidão física e condicionamento, a aplicação de técnicas que permitem uma melhor gestão do estresse, tais como meditação e relaxamento, o repensar consciente das percepções negativas, a escolha de um estilo de vida saudável evitando a privação do sono e o consumo de substâncias tóxicas, nutrição adequada e, talvez acima de tudo, o fato de desfrutar de uma rede de apoio social suficientemente sólida (28-32).

Não é justo nem suficiente, em nenhum caso, colocar o fardo inteiramente sobre a vítima de abuso e/ou circunstâncias desfavoráveis, pedindo às mesmas pessoas que sofreram ou sofrem situações de angústia, conflito e solidão, e estão inseridas em hierarquias sociais opressivas, alienantes e, muitas vezes, violentas, que adaptem seu comportamento e mentalidade para aliviar o impacto das condições sociais negativas em que vivem, reduzindo a sobrecarga alostática que sofrem (33-35).

Também não se deve concentrar praticamente toda atenção e recursos no estudo dos supostos fatores genéticos, das relações genético-ambientais mediadas pelas mudanças epigenéticas do genoma e dos fatores neurológicos que podem conferir maior vulnerabilidade -exacerbando sentimentos de inadequação e ansiedade nas pessoas afetadas-, negligenciando pesquisas e intervenções em nível “biopsicossocial” e coletivo que contribuiriam muito mais efetivamente para a prevenção e alívio do sofrimento (36).

Primeiro, não fazer mal. É inconcebível que intervenções coercitivas, violentas, desumanizantes e (re)traumatizantes ainda sejam realizadas rotineiramente em ambientes de saúde mental, contribuindo para reforçar o desamparo aprendido e privando as pessoas afetadas de praticamente toda esperança de recuperação, atribuindo seus males a causas genéticas e processos neurodegenerativos ainda a serem determinados, isolando-os de seu ambiente e comunidade e agravando sua condição com intervenções farmacológicas neurotóxicas que, aplicadas além de sua possível função paliativa de curto prazo, contribuem – em conluio com interesses econômicos velados e a preservação de um status quo que tem pouco a ver com a saúde das pessoas – para a deterioração e incapacidade das pessoas afetadas.

O acesso a cuidados seguros, respeitosos e eficazes é um direito humano; infelizmente, os cuidados disponíveis às pessoas diagnosticadas com um transtorno mental muitas vezes não atendem a nenhuma dessas três características (37).

Isto não se deve a negligência ou descuido, é claro, mas simplesmente porque considerar e tratar ‘doença mental’ como um problema químico-biológico individual traz enormes benefícios a todas as partes com interesse no atual sistema socioeconômico.

Primeiro, este modelo predominante de “cuidado” fortalece o impulso para a individualização e a destruição dos laços sociais, enfraquecendo a capacidade de resistência e luta da população. O discurso psiquiátrico e psicológico biomédico enfatiza que os indivíduos assumem a responsabilidade pelos resultados das injustiças que experimentam; esta situação intencional serve para ofuscar a realidade e levar as pessoas a questionar suas capacidades mentais em vez de confrontar as instituições e os poderes factuais que os oprimem, aceitando o sofrimento como uma deficiência pessoal.

Este sistema precisa da conivência dos profissionais da saúde mental nesta farsa como uma espécie de adereço: serviços psiquiátricos e psicológicos – sem negar as boas intenções de muitos, se não da maioria, dos profissionais envolvidos – mascaram a inadequação de outros recursos sociais e governamentais, dificultando abordagens mais complexas e responsáveis das questões socioeconômicas; o uso do cuidado mental permite que os Estados finjam cuidar e ajudar as pessoas a superar seus problemas, promovendo, de fato, sua conformidade com as condições que os geram (38).

Em segundo lugar, este estado de coisas proporciona um mercado enormemente lucrativo no qual empresas farmacêuticas multinacionais podem vender seus produtos a uma proporção cada vez maior da população (39-41).

Em uma sociedade hipertensa, extremamente competitiva e materialista como a nossa, os chamados transtornos mentais não são meras aberrações, mas o resultado natural de condições sociais obscenas e um modo de vida que não está de acordo com as necessidades humanas mais básicas e genuínas. A normalidade neste contexto nada mais é do que uma “patologia da normalidade”, uma aberração imposta para pacificar a população e sustentar um sistema voraz que requer opressão social e econômica, alienação, mistificação dos indivíduos e exploração desenfreada do ambiente natural (42).

Ser plenamente adaptado a um contexto profundamente doente, sendo forçado a se encaixar em uma realidade socioeconômica alienante como se fosse um verdadeiro leito procrusteano, sem lutar, lutando, sofrendo e desviando-se da norma, não pode ser considerado algo não problemático em si mesmo (26, 43-46).

Este tipo de crítica ao que geralmente é considerado normal está muito próximo do diagnóstico feito por muitos movimentos contraculturais ao considerar os problemas que nos afligem – de guerras, genocídios, a ameaça de aniquilação atômica, o desastre ecológico contínuo, pobreza e desigualdade, racismo, sexismo, consumismo desenfreado, individualismo extremo, e muito longo etc. -: dito de forma simples, o mundo está se tornando mais um hospício a cada dia que passa; um lugar onde, para piorá-lo, o uso de psicofármacos é normalizado e até banalizado, aproximando-nos rápida e perigosamente da visão distópica de uma sociedade submissa e farmacologicamente controlada, mas supostamente feliz da qual Aldous Huxley nos alertou (47, 48).

Superar esta situação insalubre e patologizante envolve necessariamente promover simultaneamente transformações nas esferas econômica, sócio-política e cultural, repensando e enfrentando de frente as causas do sofrimento e os impedimentos ao desenvolvimento humano (49).

Este deve ser, inevitavelmente, um esforço coletivo que requer não apenas a coordenação de grupos interdisciplinares de profissionais comprometidos, acadêmicos, políticos e todo tipo de outros atores, mas também um profundo entendimento, respeito e acolhimento do conhecimento, experiência e desejos dos mais afetados e desfavorecidos entre nós – os há muito esquecidos, os sem voz, os encarcerados, os sedados e medicalizados… – trabalhando todos juntos para encontrar e alcançar soluções significativas e construtivas.

Esta, até onde posso ver, é a condição essencial para se alcançar qualquer tipo de mudança positiva, duradoura e significativa.

Referências:

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“Miopia da Psiquiatria:” Como a Psiquiatria Contribui para os Resultados Psiquiátricos

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Em um artigo de opinião publicado em JAMA Psiquiatria, os investigadores colocam a culpa pelo agravamento dos resultados da saúde mental aos pés da psiquiatria clínica.

Constatam que os resultados para as pessoas com “doença mental grave” pioraram nos últimos 50 anos e que as pessoas com esquizofrenia continuam a morrer até 25 anos mais novas do que os seus pares. Reconhecem múltiplas razões para esta disparidade crescente. No entanto, o seu artigo centra-se naquilo a que chamam a “miopia” da psiquiatria clínica:

“Sugerimos que as crenças e práticas quotidianas da psiquiatria clínica, tomadas como certas, sobre a doença e o tratamento psiquiátrico, têm estreitado a visão clínica, deixando os clínicos incapazes de apreender aspectos fundamentais das experiências dos pacientes”.

O artigo foi escrito por Joel T. Braslow e Jeremy Levenson da UCLA e John S. Brekke da USC.

Os autores começam por notar que ao longo da história da psiquiatria, os investigadores – e o público que atendem – têm exortado o campo a considerar mais do que apenas a suposta (e ainda não provada) base biomédica para “doença mental”. Por exemplo, eles citam um artigo de 1998 que elucidava a diferença da psiquiatria em relação a outras especialidades médicas: “Ao contrário dos cardiologistas, os psiquiatras são incapazes de passar diretamente da estrutura molecular de um órgão corporal para os resultados funcionais da ação desse órgão”.

A concentração avassaladora da psiquiatria em tentar compreender os fundamentos biológicos da “doença mental” (a sua “miopia”, nas palavras dos autores) desviou a atenção das causas conhecidas, bem pesquisadas e óbvias da “doença mental grave”. Por exemplo, enquanto os testes genéticos ainda não demonstraram qualquer utilidade clínica para classificar ou prever “doença mental”, experiências de vida como trauma, abuso, privação, pobreza, e dor são muito melhores para prever se se vai receber um diagnóstico psiquiátrico.

Os investigadores escrevem: “Ao confundir as partes com o todo, a psiquiatria clínica tem ajudado e incentivado a alienação social; o abandono social, médico e psiquiátrico; e a negligência infligida àqueles com doença mental séria durante o último meio século”.

Quixotesticamente, os autores sugerem então que a psiquiatria está muito bem encaminhada: “Nada inerente ao paradigma biomédico impede um entendimento tão amplo”, escrevem eles – apesar da própria palavra “biomédico” (“relativo tanto à biologia como à medicina”) excluir os níveis sociais e societários de entendimento. Ele podem ter tido a intenção de afirmar que o “paradigma da saúde pública” pode ser consistente com as mudanças sociais e societárias.

Braslow, Brekke, e Levenson não têm respostas concretas para este paradoxo, mas propõem um ideal pelo qual lutar:

“Uma abordagem empiricamente baseada e integradora dará aos clínicos a justificação científica e o imperativo ético de insistir que os desabrigados e o encarceramento são inaceitáveis, quer como locais para alegados tratamentos, quer como resultados para aqueles com Doença Mental Severa”.

Não é claro o que é essa “abordagem empírica e integradora”; os autores não especificam. Acrescentam eles:

“Um olhar clínico mais amplo irá lembrar-nos que um tratamento responsável requer mais do que a prescrição de uma única modalidade, como um fármaco psicotrópico, mas que, em vez disso, aborda múltiplos níveis de fatores que interagem, incluindo famílias, situações de vida, redes sociais, e o que torna a vida dos pacientes significativa”.

Também não é claro como é que os psiquiatras podem abordar o problema dos sem-abrigo, a pobreza, a vida familiar, e as redes sociais. Braslow, Brekke, e Levenson não fornecem indicações concretas para tal. Mas como uma declaração visionária de valores, isto pode ser considerado uma mudança de paradigma para o campo.

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Braslow, J. T., Brekke, J. S., & Levenson, J. (2020). Psychiatry’s myopia—Reclaiming the social, cultural, and psychological in the psychiatric gaze. JAMA Psychiatry. Published Online: September 9, 2020. DOI: 10.1001/jamapsychiatry.2020.2722 (Link)

Repensar a Prevenção de Suicídios: Entrevista com Jennifer White sobre Estudos Críticos de Suicídios

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Jennifer White é uma dos fundadores da Critical Suicidology Network, uma rede internacional em expansão de estudiosos interessados em explorar alternativas às abordagens biomédicas para a prevenção do suicídio. A Critical Suicidology reúne pessoas com experiência de vida, profissionais da saúde mental, investigadores e ativistas “para repensar o que significa estudar o suicídio e estabelecer práticas de prevenção do suicídio de formas mais diversas e criativas, menos psico-cêntricas e menos despolitizadas“.

Ela é professora na Escola de Cuidados Infantis e Juvenis da Universidade de Victoria, em British Columbia, Canadá. Tem trabalhado como conselheira, educadora, investigadora e advogada. White serviu durante sete anos como diretora do Centro de Prevenção de Suicídios no Departamento de Psiquiatria da Universidade de British Columbia.

Escreveu numerosos artigos e capítulos de livros sobre suicídio e automutilação e foi coautora de dois livros: Cuidados com crianças e jovens: Perspectivas críticas sobre pedagogia, prática e política (2011), e Suicidologia Crítica: Transformar a investigação e a prevenção do suicídio para o século XXI (2016). A sua investigação atual centra-se no discurso contemporâneo da prevenção do suicídio dos jovens, procurando alternativas a abordagens de modelo único.

Está neste momento a liderar um projeto Wise Practices for Life Promotion financiado pela First Nations and Inuit Health Branch (FNIHB) of Health Canada. Este projeto procura tratar de uma série de práticas sensatas para a promoção da vida baseadas no que já está a funcionar e/ou a mostrar ser promissor nas comunidades das First Nations em todo o país. Está também a realizar um estudo com conselheiros familiares para aprender mais sobre os desafios e oportunidades que enfrentam na prevenção do suicídio de jovens e as condições organizacionais que os apoiam para serem mais eficazes no seu trabalho.

Transcrevemos alguns trechos da entrevista que consideramos que ajudam a melhor compreender o seu conteúdo.

Samantha Lilly: Os jovens com experiência concreta de suicídio são frequentemente ignorados ou tratados como se os seus pensamentos fossem tolos ou impróprios para a sua situação. Você pode falar-me dos estudos sobre suicídio juvenil tal como existem no âmbito dos entendimentos gerais da suicidologia juvenil?

Jennifer White: Penso que herdámos um quadro adulto para pensar no suicídio em geral, que aplicamos aos jovens. Isso baseia-se frequentemente, como se diz, na ideia de que os jovens são frágeis e não podem tomar decisões em seu próprio nome. Muitas vezes, as nossas intervenções podem tornar-se bastante paternalistas. Existe uma ligação entre esta dinâmica e a tendência para aplicar um quadro mais colonial quando se pensa no suicídio indígena.

Tenho estado certamente empenhada em esforços de prevenção de suicídios de jovens como este. Logo no início da minha carreira – provavelmente há 30 anos – íamos às salas de aula e entregávamos um pacote muito estilo ´standard´: aqui estão os sinais de aviso, aqui estão os fatores de risco etc. Memorizem estas coisas.

Havia um sentido muito bem delineado do que era permitido dizer, do que não era permitido expressar, e dos tipos de perguntas que eram permitidas. Havia uma narrativa muito clara: “Se você é suicida, você não quer realmente morrer”. Precisa de obter ajuda de um adulto de confiança, e este adulto de confiança irá conectá-lo com um profissional ou um perito que irá então intervir”.

Em alguns casos, isso é provavelmente a salvação de vidas para alguns jovens. Nunca fui de dizer que essas coisas não funcionam para ninguém. Mas aquilo com que tenho tido  problema é a sugestão de que essas são as únicas formas de oferecer ajuda. Sabemos que muitos jovens não recorrem aos serviços formais de saúde mental. Mesmo que apareçam e obtenham ajuda, não ficam por conosco por muito tempo. Por isso, penso que é importante que tenhamos toda uma série de coisas para oferecer, um mapa sobre as necessidades do jovem na hora e o seu próprio sentido do que vai ser útil, sem que nós o pré-determinemos.

 

Lilly: Que danos surgem quando um modelo de dimensão única é aplicado aos jovens?

White: A prevenção do suicídio está muito enraizada num paradigma de risco. Todas as pessoas costumam lidar com este registro de risco e patologia. Vemos isso na forma como falamos de fatores de risco e “riscos baixos, médios e altos”, e há certos protocolos a seguir quando as pessoas se enquadram nestas categorias de risco. Mas, é claro, as pessoas são muito mais do que fatores de risco.

De certa forma, estas abordagens podem desumanizar as pessoas e criar distância em relação às próprias pessoas que poderiam ser de maior ajuda. Devido a todo o medo e ansiedade ligados ao tema do suicídio, os adultos bem intencionados sentem muitas vezes medo quando o assunto é abordado na conversa. Depois recebemos este tipo de mensagem: “Se alguma vez se preocupar com alguém, ligue para o 911. Ou vá para o hospital”.

Assim, penso que alguns dos seus limites são que estes scripts – jovens como pacotes de fatores de risco que precisam de ser tratados por outro. Tornam-se objetos sobre os quais se deve agir ou sobre os quais se deve intervir.

Penso que se arrisca a própria possibilidade de criar uma união relacional onde se pode ter uma conversa honesta e aberta sobre o que está a levar alguém a sentir que não quer viver mais.

O que está a acontecer? Vamos tentar compreender isso. Mas colocamos essa categoria em alguém, e depois passamos ao modo de gestão de crises, e por vezes essas estratégias podem ser bastante coercivas. As pessoas não querem estar num hospital. As pessoas não querem que as suas liberdades lhes sejam retiradas em alguns casos.

 

Lilly: Parece que este formato único serve a todos os jovens suicidas através de um sistema, e o funil pode não lhes servir. Poderíamos estar a empurrar pessoas – empurrando uma chave redonda para um buraco quadrado. Como um dos líderes em Estudos Críticos de Suicídio, pode falar um pouco sobre como este pensamento crítico sobre suicídio e a susceptibilidade ao suicídio pode alterar aquele funil ou torná-lo adequado a mais pessoas?

White: Penso que a sua metáfora do funil é uma boa imagem.

Penso que é isso que acontece porque há tanta ansiedade sobre o tema e como as pessoas são profissionalmente treinadas para lidar com ele que existe esta ilusão de controle, que nós sabemos o que fazer. Sentimo-nos como: “OK, alguém é suicida…eu sei o que fazer”. Sei que os avalio como sendo de alto risco, e depois nós enviamo-los para outro profissional ou para um tipo mais intensivo de contexto de tratamento”.

Em estudos críticos de suicídio, estamos a tentar interromper o pensamento sobre as pessoas em termos do seu risco para as vermos como mais do que os seus fatores de risco. Isto faz parte do que se está a passar.

Trata-se também de situar a sua angústia num contexto. O que a principal ênfase da suicidologia frequentemente abraça é o contexto da experiência da angústia e do sofrimento. Ela anula a sua interioridade – os seus sentimentos, as suas histórias, e as suas intenções.

Nós, na população em geral, temos muito cuidado em perguntar: “você está pensando em suicídio? Há quanto tempo pensa sobre isso? Como é que se vai suicidar”? Temos todas estas técnicas que aprendemos para avaliar o risco, que ignoram toda uma parte da humanidade e da experiência de uma pessoa. Por vezes, isso pode levar as pessoas a sentirem-se inauditas e incompreendidas.

Por outro lado, não quero nunca sugerir que estas coisas não possam ser úteis. Mas para algumas pessoas, para alguns jovens, parece que é um encerramento de possibilidades – de formas de ser humano. Porque, de certa forma, indica que as pessoas não querem falar de suicídio. Matar-se não é uma opção, e não há coisas que não possamos sequer explorar juntos sobre essa opção. Temos de estar constantemente a redirecioná-lo para a vida, para que viva.

Muitas pessoas estão a escrever sobre isto. Há esta exortação a viver e este requisito de viver que muitas vezes também não questionamos na prevenção do suicídio. Pensamos, sim, que todos devem viver. Penso que é bom interromper isso e perguntar: “queremos começar a partir daí, ou queremos começar por outro lado? Será o suicídio uma parte da vida?”

Outras coisas externas à pessoa podem estar a contribuir para a angústia. Por vezes, quando se reanima ou se repensam o que está a causar a pressão ou a angústia, as pessoas podem sentir que há coisas que estão a enfrentar que não são da sua própria autoria. Isso pode, por vezes, ser bastante útil. Pode dar-lhe um pouco de espaço para pensar: “Oh, não sou eu, necessariamente, esse é o problema”. Eu sou apenas uma parte deste problema”.

Há aqui todo um contexto! Dá espaço para práticas de solidariedade, para o envolvimento de outras comunidades, para o ver como um local de resistência contra a injustiça.

Há muitas formas de pensar o suicídio, para além de ser uma forma de patologia. Pode ser uma questão. Pode ser uma recusa. “Recuso-me a viver sob estas circunstâncias”. Há muitas formas de pensarmos no suicídio que o caracterizam como uma condição psicopatológica.

 

Lilly: Muitas pessoas em casa podem pensar, por uma boa razão: “Não queremos dar aos nossos jovens a ideia errada, de que o suicídio é um ato de protesto”. Talvez uma das questões-chave da suicidologia crítica seja: E se eles fossem “doentes mentais”? E se eles estivessem apenas deprimidos? Não poderão ser salvos? Como se responde a este tipo de perguntas?

White: Fico contente por você ter perguntado porque penso que ajuda a reforçar que não quero chegar a uma situação em que seja isto ou aquilo. O suicídio é múltiplo. É constituído com os nossos contatos, as nossas relações com outras pessoas, e as nossas histórias.

Não quero entrar num padrão em que dizemos: “Bem, a grande maioria da suicidologia pensa desta forma, e nós temos a resposta”. Ou: “Se estivéssemos apenas a pensar desta forma, resolveríamos o problema”.

Penso que o que estamos a tentar fazer é criar mais possibilidades e mais espaço para formas criativas de compreender o suicídio, para que haja toda uma infinidade de formas que possamos pensar sobre isso.

Os jovens com sintomas de depressão são encorajados a obter ajuda numa clínica de saúde mental. Eles obtêm ajuda através de Terapia Cognitivo-Comportamental ou Terapia Behaviorista, que são frequentemente pensados como práticas baseadas em provas, e beneficiam. Não tenho qualquer problema com isso. Penso que isso é ótimo! É ótimo que as pessoas estejam a receber ajuda, e isso é satisfazer as suas necessidades. Mas penso que há muitas pessoas para quem essas práticas não funcionam, e elas não se sentem como se isso fosse um bom ajuste.

Vou dar-lhe um exemplo de alguém com quem falei recentemente e que fazia parte de um grupo, e ela continuava a dizer: “Quero mais da vida do que apenas estar em segurança”. Havia um foco constante no seu “plano de segurança”.  Era-lhe constantemente pedido que criasse um plano de segurança para assegurar às pessoas que estava “segura”. E, dizia ela, “há mais na vida do que apenas uma vida segura”. Este é um exemplo em que algumas das nossas ferramentas e instrumentos que pensamos estarem a ajudar as pessoas a permanecerem vivas, para ela, é como eles estivessem a diminuir a ideia do que é possível para a vida que ela queria levar.

Para responder à sua pergunta, podemos continuar a pensar em possibilidades que expandam as nossas noções do que conta como uma vida habitável. Podemos continuar a envolver os jovens em conversas significativas sobre isso.

Penso que também podemos dizer que o que temos estado a fazer até agora não está claramente a funcionar. As taxas de suicídio estão a subir em muitos lugares, incluindo nos estados onde anteriormente se encontravam estáveis. Não vemos declínios significativos, apesar de todos os esforços que temos feito em matéria de prevenção. Penso que também abre possibilidades de pensar de forma diferente sobre o suicídio

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Lilly: Estou-lhe grato por ter mencionado este tipo de criação de uma nova imagem ou expansão de como a prevenção do suicídio pode parecer e como o nosso pensamento sobre o suicídio pode mudar. Relativamente à Rede de Estudos Críticos sobre Suicídios, você pode dar-nos uma breve visão geral de algum do trabalho que você e os seus colegas estão a fazer em todo o mundo?

White: Há estudiosos em todo o mundo que estão desencantados com a abordagem dominante da prevenção do suicídio, e estão à procura de alternativas. Penso que uma das coisas de que não temos falado muito, mas é importante mencionar é a inclusão de pessoas com experiência de vida.

Isso é algo em que os Estudos Críticos de Suicídios estão empenhados, e queremos ter cuidado ao pensar nas pessoas em termos destas categorias de identidade. Podemos entrar nesta armadilha de pensar, “bem, eles são profissionais, e são investigadores, e são conselheiros etc.”. As pessoas podem ter múltiplas identidades.

Saímos também com uma declaração de ética que queríamos fazer circular para receber contribuições numa conferência que devíamos ter aqui em Vancouver em junho (foi cancelada devido à pandemia da COVID-19). Perguntava-se, o que significa a ética nos estudos críticos de suicídio? Como é que queremos trabalhar?

Temos muito em conta o contexto político das pessoas, as formas de opressão e as identidades interseccionais. Reconhecemos explicitamente que algumas pessoas, apesar do desejo de outras de estarem vivas, continuarão a escolher a morte. Escrevemos esse direito na declaração ética, o que me parece importante.

Quanto aos meus colegas, há muitos exemplos de pessoas que fazem um trabalho incrível nesta área, quer se trate de suicídio de jovens homossexuais, suicídios severos, ou de críticas psicocêntricas ao suicídio.

No meu próprio trabalho, neste momento, estou a fazer um estudo onde estou a entrevistar conselheiros que trabalham com jovens que têm acesso a serviços de saúde mental por causa do suicídio. Estou a tentar obter as narrativas dos conselheiros sobre a abordagem padrão que a sua organização e instituição esperam deles.  Então, perguntando, que outros métodos estão eles também a utilizar ao mesmo tempo?

Cada um deles tem esta forma de falar sobre a sua prática: “Bem, aqui está o padrão, o que é suposto eu fazer, e depois há esta outra coisa que estou a fazer”. Estes passos adicionais são menos formais, menos públicos, e tinham uma espécie de qualidade crítica para eles. Trabalhavam com os jovens de formas que desafiavam algumas destas normas em torno do que conta como uma vida que vale a pena, por exemplo.

Eles estavam a respeitar as normas e a fazer o que é necessário – cumprindo as normas de cuidado de uma forma boa e ética – mas há outro nível de prática onde eles estão a trabalhar, penso eu, de uma forma que está a chegar a algumas destas conversas críticas com os jovens. Fazem diferentes tipos de perguntas que não posicionam os jovens como pessoas frágeis e desacreditadas, mas sim como pessoas capazes. E os conselheiros descobrem que existem lugares de solidariedade que podem relacionar-se com eles. É uma forma de reelaborar artisticamente as conversas, convidando os jovens para uma conversa em vez de agir sobre eles.

 

Lilly: Quais são alguns exemplos destas questões que convidam à autonomia do jovem que estes clínicos e conselheiros perguntam?

White: Como os jovens estão a chegar para aconselhamento, eles são capazes de ver que há uma parte deles que está a querer obter ajuda. Por vezes é que querem os seus pais fora das suas costas, por isso estão dispostos a vir. Os conselheiros trabalham arduamente para compreender quais são os seus objetivos para e compreender que tipo de vida gostariam de viver.

Parte disto resulta de muita terapia narrativa onde se pode fazer perguntas como: “Com a sua tentativa de suicídio, o que é que está a tomar uma posição contrária? Aqui, se está fazendo uma pergunta relacionada com valores. Pode revelar que eles se preocupam com algo neste mundo em que estão a viver neste momento que não está para vir. Abre a possibilidade de um tipo diferente de conversa quando se faz essa pergunta em vez de: “Quando tentou matar-se pela última vez?” ou “Como tentou matar-se pela última vez?”.

Mais uma vez, não estou a dizer que este tipo de perguntas não seja útil. Mas elas podem tornar-se bastante previsíveis para os jovens. Estão um pouco fora de moda porque já lhes perguntaram muitas vezes se tinham consultado os conselheiros. É a linha padrão de interrogatório.

Muitos jovens dirão: “temos de passar por essas perguntas novamente?”. Podemos simplesmente continuar com elas?”. Algumas dessas conversas precisam de ser novas e oferecer uma maneira diferente de pensar sobre si próprios e sobre o mundo.

 

Lilly: Como aconselharia os pais a falar com os seus filhos sobre suicídio se o seu próprio filho é suicida, ou se estão a perguntar sobre suicídio e o que significa isso? Se houvesse um suicídio no seu grupo de amigos ou na escola, como aconselharia um dos pais a abordar o suicídio de uma forma que encoraje a compreensão do contexto e reduza a natureza “obsoleta” da conversa?

White: Estou sempre interessado neste tipo de conversas que são motivadas pela curiosidade e pelo questionamento honesto sobre o que se passa com alguém sem deixar a ansiedade tomar conta do assunto. Penso que isso é o mais difícil para os pais e para as pessoas que se preocupam com os jovens, porque o seu medo e ansiedade levam vantagens sobre eles.

Por vezes o medo fecha a possibilidade de curiosidade e de uma conversa gerada de forma colaborativa. Quando os jovens sentem que “isto é alguém com quem eu posso realmente ter esta conversa aberta”, é quando alguém pode reconhecer que o suicídio é uma possibilidade e que faz parte da nossa existência humana ter pensamentos de morte e suicídio.

Muitas pessoas suicidas dirão que através de conversas e reflexões com outra pessoa, chegam por vezes ao desejo de viver novamente. Não é uma técnica. É que, por vezes, quando nos é dada permissão para expressar honestamente o que estamos a sentir, podemos chegar a alguns entendimentos diferentes para nós próprios.

 

Lilly: Pode compartilhar o seu pensamento atual sobre os debates sobre se o suicídio é um problema?

White: Penso que o meu próprio pensamento evoluiu tanto ao longo da minha carreira. Há mais de 30 anos que trabalho na prevenção do suicídio. Comecei de uma forma muito tradicional, fazendo coisas pelo livro, produzindo documentos baseados em evidências, e transmitindo conhecimentos a partir deste “lugar de especialista”. Já o fiz.

O meu próprio questionamento surgiu através do meu trabalho com os jovens, vendo que nem sempre foi isto que me parecia útil. Nem sempre me senti como se fosse uma conversa útil. De certa forma, posicionava-os de uma forma que eu não me sentia bem – eu era o perito, e dizia-lhes o que deviam e não deviam fazer.

Assim, aceitei a ideia de que, sim, todos os suicídios deveriam ser evitados. Aceitei que o suicídio era um problema que devia ser impedido, e não tenho a certeza de ter deixado de pensar que é uma preocupação.

Penso que o sofrimento com que estou preocupado está ligado ao suicídio. Pergunto-me se existe uma resposta diferente que possamos dar a este sofrimento que pode ser diferente da prevenção. A prevenção tem esta qualidade de parar, desautorizar, intervir, e talvez haja outras formas de a enquadrar.

Se pensarmos em responder ao suicídio como um convite, como uma abertura à possibilidade, então, quando as pessoas fazem uma tentativa de suicídio, somos chamados a responder com curiosidade, a envolvermo-nos em algum tipo de criação conjunta de sentido sobre o seu significado. Não posso assumir que sei o que significa, e não vou inseri-lo numa categoria pré-determinada.

Estes gestos dirigem-se ao tipo de mundo do qual quero fazer parte, em que reconhecemos a humanidade uns dos outros, e nos vemos uns aos outros. Não vamos colocar as pessoas em categorias, assumindo que sei quem são, sem sequer ter uma conversa com vocês. Trata-se também de mudar as estruturas e o contexto e as formas de violência colonial, racismo e transmisoginia – todas as coisas que sabemos que levam muitas pessoas a sentir-se angustiadas e a sofrer.  Temos de trabalhar em todos esses ângulos.

 

Lilly: O que é que os Estudos Críticos de Suicídios têm para oferecer sobre o momento cultural atual no que se refere ao suicídio?

White: Penso que é importante dizer que os Estudos de Suicídios Críticos devem virar o olhar crítico para nós próprios. Temos de ser constantemente reflexivos sobre o que estamos a fazer e os efeitos do nosso trabalho.

Escrevi recentemente algo sobre a necessidade de incluir pessoas do Sul Global e pessoas Negras e Indígenas nestas conversas. É um passo importante que temos de dar para que não continuemos a replicar um eurocentrismo ocidentalizado neste trabalho – muitos dos recursos teóricos utilizados pelos estudiosos dos Estudos Críticos do Suicídio são de estudiosos ocidentais.

Penso que temos trabalho a fazer. Penso que temos de estar constantemente a problematizar para onde precisamos de ir e como precisamos de ser responsáveis. Não é definitivamente um arranjo perfeito, e penso que precisamos de estar constantemente em movimento e a pensar sobre o que precisamos de fazer para sermos responsáveis.

[Originalmente publicado no MIA. Trad. e edição de Fernando Freitas]

O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE SOB ATAQUE: A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA NO FRONT

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NÃO ÀS PROPOSTAS DE MUDANÇA NA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL IMPOSTAS
PELO MINISTÈRIO DA SAÚDE E ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA (ABP)

 

Há mais de 30 anos a Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas no Brasil
vem sendo construída coletivamente na perspectiva dos direitos humanos e
pautada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Com a participação
de trabalhadores, usuários e familiares do SUS, gestores, professores
universitários e pesquisadores, tendo como marco quatro conferências nacionais
de saúde mental. Experiência esta, reconhecida pela Organização Mundial de
Saúde como uma das mais importantes da América Latina.
A partir de experiências exitosas e de um arcabouço jurídico, a Política de Saúde
Mental se constituiu como uma política civilizatória, com normativas assistenciais
e de financiamento para o campo da saúde mental, preconizando acesso
universal ao cuidado em liberdade, envolvendo a família e a comunidade.
A Lei Federal 10. 216/01 mostra-se como uma das maiores expressões deste
histórico percurso, garantindo os direitos das pessoas com sofrimento psíquico,
determinando que o Estado Brasileiro garanta os recursos comunitários
necessários para o acesso ao cuidado e as ações de reabilitação psicossocial
centradas no meio comunitário.

Desde 2017, os (des)governos Temer e Bolsonaro respectivamente, tem
abdicado cada vez do caráter democrático, instituindo como prática permanente,
ataques às políticas públicas e a primazia de ações governamentais que
atendam interesses econômicos de determinados seguimentos.
Podemos destacar como expressões dessa lógica a liberação de 87, 3 milhões
para comunidades terapêuticas; o aumento de mais de 60% para os hospitais
psiquiátricos com suspensão do Programa de Avaliação de Hospitais
Psiquiátricos – PNASH (ou seja, aumento de diária sem monitoramento da
qualidade). O PNASH possibilitou identificar várias formas de violação de direitos
dentro das instituições psiquiátricas no Brasil e consequentemente o fechamento
destas. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que são estratégicos não
tiveram aumento, tendo os poucos que abriram enfrentado um processo moroso
para sua habilitação.

Sem nenhuma discussão com a sociedade civil organizada, o Ministério da
Saúde institui o que chama de “Nova” Política de Saúde Mental, trazendo na sua
essência a velha lógica do asilamento e do reforço ao sistema privado. Enquanto
a OMS indica a aplicação de 5% dos recursos da saúde na saúde mental, no
Brasil, estudos recentes têm demostrado que em 2010 havia aplicação de 2, 7%
do orçamento e que em 2016 caiu para 1,6%.

Paradoxalmente, em plena pandemia e frente a um anúncio importante da OMS
para o mundo, em outubro de 2020, acerca do impacto da pandemia e a
necessidade dos governantes ampliarem os investimentos na área de saúde
mental, o (des)governo Bolsonaro encena uma nova etapa do golpe em curso
no país desde 2017.

Juntamente com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), vem a público no
dia 04 do corrente ano, na reunião do Conselho Nacional dos Secretários de
Saúde, propor revogação de portarias essenciais para o funcionamento da rede
de atenção psicossocial pública de saúde mental, atropelando os milhões de
usuários, familiares e trabalhadores comprometidos com a defesa de uma saúde
mental inclusiva, diversificada e sem manicômios.

A referida proposta traz no seu bojo o enfoque ao cuidado centrado na internação
asilar, prioritariamente no tratamento médico centrado e a extinção de
financiamento dentro do SUS de serviços essenciais como serviços residenciais
terapêuticos, consultórios na rua e unidades de acolhimento.

A que serve tais proposições da ABP e do (des)governo Bolsonaro? Respaldados em que tipo de ciência? Que clínica é essa proposta? Para atender a interesses de quem? Certamente não é o da população.

A experiência psicossocial no Brasil e vários lugares do mundo nos mostrou que
a convivência, o acesso a diferentes tipos de terapias, a moradia, a articulação
com arte e cultura, a geração de renda ofertadas longitudinalmente, permite que
pessoas com sofrimento psíquico intenso sustentem-se na sociedade.
Por que não investir mais nessas diversas modalidades terapêuticas, em
estratégias de inclusão social, em trabalhos com os familiares, em
disponibilização de medicamentos modernos, em qualificação das equipes
técnicas?

Por que se escolhe focar no tratamento com altos investimentos de recursos
públicos em hospitais psiquiátricos, em comunidades terapêuticas, em
equipamento como eletroconvulsoterapia (usados de forma indiscriminada no
Brasil por longos anos) e num modelo de tratamento médico centrado,
desprezando as contribuições do trabalho interdisciplinar, intersetorial e territorial
das equipes das unidades de atenção básica e de saúde mental?

Essas medidas representarão perdas de recursos financeiros para os municípios
que são hoje responsáveis pela operacionalização da rede de atenção
psicossocial. Tais proposições voltarão a fazer dos gestores públicos, reféns do
sistema privado, além de graves comprometimentos na qualidade de oferta da
assistência prestada.

A Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA e seus Núcleos
Estaduais repudiam veementemente tais proposições postas pela ABP e o
(des)governo Bolsonaro e apelam para os governadores, prefeitos, entidades de
direitos e população em geral que atentem para o desmonte em curso e suas
repercussões, não permitindo que estas medidas se concretizem e com isso,
venham violar ainda mais os direitos de nossa população.

A PSIQUIATRIA É BASEADA EM EVIDÊNCIAS? Capítulo 2/Parte 3

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Kit de sobrevivência
em saúde mental e retirada
dos medicamentos
psiquiátricos

Peter C. Gøtzsche

Nota do Editor: Por autorização do autor, o Mad in Brasil (MIB) estará publicando quinzenalmente um capítulo do recente livro do Dr. Peter Gotzsche. Os capítulos irão ficar disponíveis em um arquivo aqui

CAPÍTULO 2, PARTE 3

Suicídios, outras mortes e outros danos graves

É um segredo bem guardado saber quantas pessoas são mortas por drogas psiquiátricas. Isto tem sido obscurecido de muitas maneiras.

A maneira mais fácil é limpar as mortes para debaixo do tapete, “para que não levantemos preocupações”, como disse um cientista da Merck quando foi desautorizado pelo seu chefe.[51] O cientista tinha pesquisado  que uma mulher com o medicamento Vioxx (rofecoxib) da Merck, para artrite, havia morrido de um ataque cardíaco, mas que a causa da morte havia sido mudada para ‘causa desconhecida’, assim como no relatório da Merck para a FDA. Outras mortes cardíacas repentinas em Vioxx desapareceram antes da publicação dos resultados do ensaio clínico. Quando as muitas mortes não puderam mais ser ocultadas, a Merck retirou o Vioxx, em 2004. Estimei que o Vioxx matou cerca de 200.000 pessoas, a maioria das quais nem precisava do medicamento.[51]

A fraude com consequências letais é comum em ensaios clínicos de drogas [4,51], e as nossas principais revistas médicas, neste caso a New England Journal of Medicine, muitas vezes contribuem voluntariamente, publicando ensaios com falhas e não tomando medidas quando é claramente necessário agir para salvar a vida dos pacientes [51].

A psiquiatria não é exceção. Apenas cerca da metade dos suicídios e outras mortes que ocorrem nos ensaios com drogas psiquiátricas são publicados.[81]

Outro grande problema é a retirada abrupta no grupo placebo. Como praticamente todos os ensaios sofrem deste defeito de projeto, eles subestimarão o quão mortíferos são os medicamentos psiquiátricos.

Neurolépticos

Os neurolépticos são muito tóxicos e provavelmente as mais mortais entre todas as drogas psiquiátricas.[4] Quando eu quis descobrir o quão mortíferos eles são, decidi me concentrar em pacientes idosos e dementes. Presumi que poucos deles estariam em tratamento antes de serem randomizados e que haveria pacientes suficientes para tirar uma conclusão sobre por que muitos deles morrem, quer por drogas ou não.

Encontrei uma meta-análise de ensaios controlados por placebo em demência com um total de cerca de 5.000 pacientes.[82] Após apenas dez semanas, 3,5% haviam morrido enquanto estavam em um dos mais novos neurolépticos, olanzapina (Zyprexa), risperidona (Risperdal), quetiapina (Seroquel) ou aripiprazol (Abilify), enquanto 2,3% haviam morrido em tratamento com placebo. Assim, para cada 100 pessoas tratadas durante dez semanas, um paciente era morto com um neuroléptico. Esta é uma taxa de mortalidade extremamente alta para um medicamento.

Como a metade das mortes está faltando, em média, nas pesquisas publicadas [81], procurei os dados correspondentes da FDA tomando como base os mesmos medicamentos e ensaios. Como era de se esperar, algumas mortes haviam sido omitidas das publicações, e as taxas de mortalidade eram agora de 4,5% contra 2,6%, o que significa que os neurolépticos mataram dois pacientes em cem, em apenas dez semanas.[83]

Também encontrei um estudo finlandês com 70.718 habitantes da comunidade recém-diagnosticados com o mal de Alzheimer, que relatou que neurolépticos matavam [4-5] pessoas por ano em comparação com pacientes que não eram tratados. [84] Se os pacientes recebiam mais de um medicamento neuroléptico, o risco de morte era aumentado em 57%. Como este não foi um ensaio aleatório, os resultados não são totalmente confiáveis; mas tomados em conjunto, estes dados mostram uma taxa de mortalidade tão grande que não me lembro de haver visto um outro medicamento ser tão mortal.

Podemos extrapolar esses resultados para jovens com esquizofrenia? Sim. Na saúde baseada em evidências, nós orientamos as nossas decisões pelas melhores evidências disponíveis. Isto significa a evidência mais confiável são os dados acima mostrados. Assim, na ausência de outras evidências confiáveis, precisamos assumir que os neurolépticos também são altamente letais para os jovens. Portanto, não devemos usar neurolépticos para ninguém, também porque um efeito sobre a psicose nunca foi demonstrado em testes clínicos confiáveis.

Não seria necessário se ir mais longe, mas pode ser interessante. De acordo com a FDA, a maioria das mortes nos pacientes dementes pareceria ser tanto cardiovascular (por exemplo, insuficiência cardíaca, morte súbita) ou infecciosa (por exemplo, pneumonia).[83] Os jovens em neurolépticos também morrem frequentemente de causas cardiovasculares e de repente. E eu esperaria que alguns deles morressem de pneumonia. Os neurolépticos e a admissão forçada em uma enfermaria fechada tornam as pessoas inativas. Quando elas ficam paradas em sua cama, o risco de pneumonia aumenta. Pílulas da depressão, sedativos/ hipnóticos e antiepilépticos também aumentam o risco de pneumonia. Além disso, uma enfermaria psiquiátrica fechada não é uma unidade de medicina interna, e se um paciente desenvolver uma pneumonia enquanto está deitado em uma cama como um zumbi, ele pode não ser notado.

Os psiquiatras estão plenamente conscientes – e muitas vezes escreveram sobre isso – que a vida dos pacientes com esquizofrenia é 15 anos mais curta do que a de outras pessoas, mas eles não culpam as suas drogas ou a si mesmos, mas aos pacientes. [84] É verdade que essas pessoas têm estilos de vida pouco saudáveis e podem abusar de outras substâncias, em particular do tabaco. Mas também é verdade que parte disto é uma consequência das drogas que recebem. Alguns pacientes dizem que fumam porque isso neutraliza alguns dos danos dos neurolépticos, o que é correto porque o tabaco aumenta a dopamina enquanto que as drogas a diminuem.

Também é indiscutível que os neurolépticos matam alguns pacientes com esquizofrenia porque podem causar enormes ganhos de peso, hipertensão e diabetes, mas quão comum é isso?

Quando tentei descobrir por que morrem jovens com esquizofrenia, enfrentei um bloqueio , cuidadosamente guardado pela corporação psiquiátrica. É um dos segredos mais bem guardados da psiquiatria que os psiquiatras matam muitos de seus pacientes com neurolépticos. Eu descrevi as minhas experiências com os guardiões do bloqueio em 2017 no site Mad in America, “A psiquiatria ignora um elefante na sala” [85], mas os eventos subsequentes foram ainda piores.

Grandes estudos de coorte de pessoas com psicose em primeiro episódio oferecem uma oportunidade única para se descobrir por que as pessoas morrem. Entretanto, como há muito pouca ou nenhuma informação nestes estudos sobre as causas de morte, é preciso perguntar.

O estudo TIPS, 12% dos pacientes morreram em apenas 10 anos

Em 2012, Wenche dez Velden Hegelstad e 16 colegas publicaram dados  de acompanhamento de 10 anos para 281 pacientes com uma psicose em primeiro episódio (o estudo TIPS).[86] Embora a idade média deles na entrada no estudo fosse de apenas 29 anos, 31 pacientes (12%) morreram em menos de 10 anos. Entretanto, o artigo detalhado dos autores era sobre recuperação e escores dos sintomas.

Eles não se interessaram por todas essas mortes, que apareceram em um fluxograma de pacientes perdidos para o acompanhamento e não foram comentados em nenhum lugar em seu trabalho.

No texto, eles mencionaram apenas 28 mortes (11%), de modo que não ficou claro nem mesmo quantos morreram. Em março de 2017, escrevi à Hegelstad e perguntei sobre as causas de morte. A maioria dos pacientes ainda estava em neurolépticos 10 anos após o início, o que considerei muito assustador porque cerca da metade deles teria desenvolvido discinesia tardia (um terrível distúrbio do movimento, que muitas vezes é irreversível, mas mascarado pelo tratamento contínuo) e porque muitos, se não todos, teriam desenvolvido danos cerebrais permanentes neste ponto.

Enviei um lembrete dez dias depois e me disseram que receberia uma resposta em breve. Dois meses depois, escrevi novamente e mencionei que era importante para o mundo saber de que todos esses jovens pacientes haviam morrido. Também perguntei se precisávamos apresentar um  pedido de Liberdade de Informação para obter essas informações.

Hegelstad   respondeu   que   eles   estavam   preparando   um   manuscrito detalhando as informações que eu pedi. O artigo saiu no mês seguinte, na World Psychiatry, mas o número de mortes era agora diferente do primeiro artigo, e a informação que eu havia solicitado não estava em lugar algum.[87] Dois meses mais tarde, Robert Whitaker e eu escrevemos ao editor da World Psychiatry, professor Mario Maj, pedindo a sua ajuda para obter uma visão única do porquê de tantos pacientes terem morrido tão jovens. Esperávamos que ele garantisse que o conhecimento que os investigadores tinham em seus arquivos se tornasse público, publicando a nossa pequena carta ao editor e pedindo-lhes que respondessem. “Isso seria um grande serviço para a psiquiatria, os pacientes e para todos os outros com interesse nesta questão de vital importância”.

Explicamos em nossa carta que os autores relataram que 16 pacientes morreram por suicídio, 7 por overdoses acidentais ou outros acidentes, e 8 por doenças físicas, incluindo 3 por doenças cardiovasculares:

“A fim de tentar separar as causas de morte iatrogênicas das mortes causadas pelo transtorno, precisamos saber: Quando ocorreram os suicídios? Os suicídios muitas vezes ocorrem cedo, após os pacientes terem saído do hospital [88], e às vezes são iatrogênicos. Um estudo de registro dinamarquês de 2.429 suicídios mostrou que, comparada com pessoas que não receberam nenhum tratamento psiquiátrico no ano anterior, a taxa ajustada de suicídio foi de 44 para pessoas que haviam sido admitidas em um hospital psiquiátrico. [89] É claro que se esperava que tais pacientes corressem o maior risco de suicídio porque estavam mais doentes do que os outros (confundindo por indicação), mas os resultados foram robustos e a maioria dos possíveis vieses no estudo eram na verdade conservadores, ou seja, favoreciam a hipótese nula de não haver relação. Um editorial que acompanha observou que há poucas dúvidas de que o suicídio está relacionado tanto ao estigma quanto ao trauma e que é inteiramente plausível que o estigma e o trauma inerentes ao tratamento psiquiátrico – particularmente se involuntário – possa causar suicídio.[90]

O que significa uma overdose acidental e outros acidentes? Os médicos prescreveram uma overdose ou os próprios pacientes tiveram uma overdose por engano e que tipos de acidentes foram envolvidos? As drogas psicotrópicas podem levar a quedas, que podem ser fatais, e os suicídios às vezes são erroneamente codificados como acidentais.[91]

É surpreendente que 8 jovens tenham morrido de doença física. Quais eram exatamente essas doenças e quais eram as doenças cardiovasculares? Se algumas dessas pessoas morreram de repente, pode ser porque os antipsicóticos podem causar o prolongamento da QT. ”

Oito dias depois, fomos informados pelo Maj que,  “infelizmente, embora seja uma peça interessante, não compete com sucesso por uma das vagas que temos disponíveis na revista para a sessão de cartas”.

Portanto, não havia espaço na revista para a nossa carta de 346 palavras, não mais do que um resumo da revista, e nenhum interesse em ajudar os jovens a sobreviver descobrindo o que os mata em uma idade tão jovem. Isto é a psiquiatria no que há do seu pior, protegendo-se enquanto literalmente matando os pacientes.

Cinco dias depois, recorri da decisão do Maj:

“Permita-me acrescentar que pessoas com quem falei em vários países sobre mortes em jovens com esquizofrenia – psiquiatras, peritos forenses e pacientes – todos concordaram que precisamos desesperadamente do tipo de informação que lhe pedimos garantir que obtenhamos da muito valiosa coorte de pacientes Melle et al. relatada em sua revista.

Há uma suspeita generalizada e bem fundamentada de que a razão pela qual não vimos um relato detalhado das causas de morte em coortes como a do estudo TIPS de Melle et al. publicado em sua revista é que os psiquiatras priorizam a proteção dos interesses de sua corporação em vez de proteger os pacientes. Ao se recusar a publicar a nossa carta e obter os dados que Melle et al. têm em seus arquivos, se contribui para essa suspeita. Anteriormente pedimos a um dos investigadores, Wenche ten Velden Hegelstad, que nos fornecesse esses dados, mas fomos informados em 10 de maio deste ano que eles seriam publicados … Eles não foram publicados, pois o que Melle et al. publicaram em sua revista não é um relato adequado do porquê da morte desses jovens.

Portanto, pedimos a você que garanta que estes dados sejam divulgados, para o benefício dos pacientes. Acreditamos que é seu dever profissional e ético – tanto como editor da revista quanto como médico – fazer com que isso aconteça. Portanto, não se trata dos espaços que se  tem disponíveis no periódico para as cartas. É uma questão de priorização”.

Não tivemos mais notícias do Maj.

Ao contrário dos autores do estudo TIPS, a professora dinamarquesa de psiquiatria Merete Nordentoft foi acessível quando lhe perguntei sobre as causas de morte de 33 pacientes após 10 anos de acompanhamento no estudo OPUS, também de pacientes com uma psicose em primeiro episódio.[92]

Mencionei especificamente que a ocorrência de suicídios, acidentes e mortes súbitas inexplicáveis poderia estar relacionada a drogas. Nordentoft enviou uma lista das mortes e explicou que a razão das mortes cardíacas não estarem na lista era provavelmente porque os pacientes tinham morrido muito jovens. Nas certidões de óbito, ela tinha visto alguns pacientes que simplesmente haviam caído mortos, um deles enquanto estava sentado em uma cadeira.

É assim que deve ser. A abertura é necessária se quisermos reduzir as muitas mortes que ocorrem em pacientes jovens que estão em tratamento de saúde mental, mas muito poucos psiquiatras são tão abertos quanto a Nordentoft. Perguntei a Hegelstad sobre os números conflitantes de mortes e também pedi para obter detalhes sobre as causas de morte. Não tive mais notícias de Hegelstad.

A TIPS foi apoiada por doações de 15 financiadores, incluindo o Conselho Norueguês de Pesquisa, o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, três empresas farmacêuticas (Janssen-Cilag, Eli Lilly e Lundbeck) e outros financiadores na Noruega, Dinamarca e EUA. Pedi informações detalhadas sobre as mortes a todos os financiadores, enfatizando que os financiadores têm a obrigação ética de garantir que informações de grande importância para a saúde pública, que foram coletadas em um estudo financiado, sejam publicadas.

O silêncio foi assustador. Em dezembro de 2017, o Conselho Norueguês de Pesquisa publicou a sua política de tornar os dados de pesquisa acessíveis para outros pesquisadores, o que não deixava dúvidas de que isso deveria acontecer, sem demora, e o mais tardar quando os pesquisadores publicassem as suas pesquisas.

Janssen-Cilag respondeu: “Achamos os dados sobre mortalidade publicados por Melle et al. 2017 em World Psychiatry totalmente satisfatórios”. Tanto eles quanto Eli Lilly nos encorajaram a contatar os autores, o que era absurdo, pois eu havia escrito dez vezes às empresas que os autores haviam se recusado a compartilhar os seus dados conosco. Lundbeck não respondeu.

Cinco meses após ter escrito para o Conselho Norueguês de Pesquisa, recebi uma carta de Ingrid Melle, a quem o Conselho me pediu que respondesse.

Melle me enviou uma tabela, que não foi particularmente informativa:

Tabela 1. Causas de morte durante os primeiros dez anos após o início do tratamento
N %
Vivo 250 89
Suicídio 16 6
Suicídio confirmado; meios violentos 4 1.4
Suicídio confirmado; outros meios altamente letais 5 1.8
Suicídio confirmado; overdose ou outras intoxicações 2 0.7
Suicídio confirmado, outros meios 2 0.7
Suicídio provável; overdose ou outras intoxicações 3 1.1
Outras causas de morte 15 5
Overdose acidental 5 1.8
Acidentes 2 0.7
Morte natural, doença cardiovascular 3 1.1
Morte natural, outras doenças 2 0.7
Morte natural ou causas desconhecidas 3 1.1

 

Melle explicou que a overdose acidental por drogas significa fazer uso abusivo de uma substância ilegal ou de uma substância muito forte por acidente, e isso não se refere a medicamentos prescritos. Se a informação sobre overdoses era ambígua, era com ela que era definida a causa provável suicídio.

Isto foi realmente interessante. Por que 16 jovens (6%) cometeram suicídio em apenas 10 anos? E por que esta informação de vital importância não foi explorada pelos pesquisadores? Não podemos concluir que foi a esquizofrenia deles que levou ao suicídio. É mais provável que tenham sido as drogas aplicadas a eles, outros tratamentos forçados, internações involuntárias em enfermarias psiquiátricas, humilhação, estigmatização e perda de esperança, por exemplo quando se diz aos pacientes que a sua doença é genética, ou que pode ser vista em um exame do cérebro, ou que ela é vitalícia, ou que requer tratamento vitalício com neurolépticos. Eu não estou inventando.[4] Tudo isso acontece, e alguns pacientes recebem tudo isso. Não é de se admirar que eles possam se matar quando não há esperança.

As overdoses acidentais por drogas também são de interesse. O termo é um pouco tragicômico porque os pacientes com esquizofrenia são geralmente overdosados pelos seus médicos com medicamentos prescritos, e se eles também tomam uma droga ilegal, raramente é possível dizer que foi a droga ilegal que os matou e não os medicamentos prescritos. Poderia ser a combinação e não teria acontecido se o paciente não tivesse sido forçado a tomar neurolépticos e outras drogas perigosas, por exemplo, pílulas da depressão e antiepilépticos, ambos com o dobro do risco de suicídio (ver Capítulo 1).

Finalmente, houve oito mortes por “causas naturais”. Não é natural que uma pessoa jovem morra. Eu teria gostado de saber em detalhes o que aconteceu. Pode ser “natural” para os psiquiatras que os jovens morram em psiquiatria, mas isso é porque os psiquiatras ignoram o seu próprio papel nisso.

Disseram-me que eu havia lido mal a figura 1 no documento original [86], onde eu havia contado 49 mortes. Eu não tinha contado. O número deles é seriamente enganador, porque os fluxogramas sempre mostram o número de pacientes que foram perdidos ou que morreram durante o estudo.

A razão pela qual houve 31 mortes, e não 28, no trabalho da Melle foi porque eles tinham acrescentado 1-3 anos de tempo de observação, o que não tornou exatamente mais transparente o que os pesquisadores haviam feito.

Eu redesenhei a figura aqui:

Escrevi novamente ao Conselho Norueguês de Pesquisa, ressaltando que Melle tinha me dito que os dados sobre as causas de morte continham todas as informações disponibilizadas pelos médicos que escreveram as certidões de óbito. Pedi para ver essas informações, em formato anônimo. Também notei que os neurolépticos haviam sido utilizados liberalmente no estudo e que algumas ou todas as mortes poderiam ter sido potencialmente causadas pelos medicamentos que os pacientes estavam usando, o que frequentemente envolve polifarmácia. Achei curioso, considerando a altíssima taxa de mortalidade de 12% (ver Tabela 1), que os autores não tivessem discutido se as mortes poderiam ter sido causadas pelas drogas e que não tivessem informado quais as drogas que os pacientes estavam a tomar.

Finalmente, notei que Melle me havia perguntado: “Já que você está escrevendo com um papel timbrado do Nordic Cochrane Centre, estou curioso se a Cochrane tem algum plano para fazer alguma coisa nesta área”… Notei que não entendia a relevância dessa pergunta. Por que eu não usaria o papel timbrado do meu próprio centro?

Eu não ouvi mais nada. Mas o comentário inadequado de Melle sobre o papel timbrado do meu centro, que eu usava em toda a correspondência oficial, parece ter sido parte de um esforço concertado com o objetivo de me afastar do meu trabalho como diretor da Cochrane.[36]

Assédio de psiquiatras e Cochrane

Em minha carta aos 15 financiadores, o parágrafo final era:

“Pode-se considerar isto como um pedido de Liberdade de Informação, o que significa que se sua organização não tiver informações detalhadas sobre as mortes no estudo TIPS, esperamos que a sua organização obtenha estas informações da Hegelstad e as envie para nós. Qualquer coisa abaixo disto seria antiética em nossa opinião, e estamos convencidos de que pacientes com transtornos psicóticos concordam conosco (sou patrono da Rede de Ouvidores de Vozes da Dinamarca)”.

Isto pareceria simples, mas o Instituto de Pesquisa Médica Stanley dos EUA não me escreveu. Ao invés disso, o psiquiatra Edwin Fuller Torrey, diretor associado de pesquisa do Instituto, reclamou de mim em  duas cartas ao CEO da Colaboração Cochrane, o jornalista Mark Wilson, onde ele, entre outras coisas, escreveu:[36]

A credibilidade da Colaboração Cochrane repousa no pressuposto da objetividade … Tal objetividade parece estar em grande dúvida para o Dr. Peter C. Gøtzsche que se identifica como Diretor do Centro Nórdico Cochrane e como o patrono da Rede de Ouvidores de Vozes na Dinamarca. Esta organização promove a crença de que as alucinações auditivas são apenas uma ponta de um espectro de comportamento normal, lançando assim a dúvida se a esquizofrenia realmente existe como uma doença, e que as vozes são causadas por traumas na infância, para o que não há evidências sólidas. Dada essa clara falta de objetividade, eu pessoalmente não acharia nenhuma publicação da Cochrane sobre doenças mentais credível.

Torrey também escreveu que a Rede dos Ouvidores de Vozes encoraja as pessoas que tomam neurolépticos para a sua esquizofrenia a pararem de tomar os seus medicamentos, e que, “É muito difícil imaginar como alguém com esses pontos de vista poderia ser objetivo em relação a um estudo Cochrane de antipsicóticos, assim impugnando a sua credibilidade, que é o seu ativo mais importante”.

Isto foi bizarro. Como a minha objetividade pode estar “muito em dúvida” quando eu simplesmente peço o número de mortes e as suas causas? Além disso, ao contrário das afirmações de Torrey, há provas sólidas de que a psicose está relacionada a traumas infantis, com uma clara relação exposição-resposta.[29,30]

Torrey também tirou a conclusão logicamente falsa de que como sou patrono da Rede de Ouvidores de Vozes, nenhuma publicação da Cochrane sobre doença mental é confiável. Não há nenhuma relação entre estas duas coisas. Aqui está um trecho de um comentário que a Rede me enviou:

Discordamos das tentativas de Torrey de desacreditar o Movimento dos Ouvidores de Vozes para acrescentar vantagem em sua tentativa de desacreditar o Professor Peter Gøtzsche. Em 2016, convidamos Gøtzsche para ser patrono por causa do seu trabalho de pioneiro em relação à pesquisa psiquiátrica. Temos a honra de tê-lo como o nosso patrono.

Acreditamos que os comentários de Torrey ao Sr. Wilson a respeito do fato de Gøtzsche ser o nosso patrono estão beirando com o ridículo quando ele tenta desacreditar toda a Colaboração Cochrane.

Pedimos que Torrey deixe de usar a Rede como plataforma para insultar um professor respeitado junto à Colaboração Cochrane. Sugerimos também que ele considere pedir desculpas pelos seus comentários desrespeitosos sobre os ouvidores de vozes.

O lema da Colaboração Cochrane é “Evidência confiável”, que Wilson havia exigido que todos nós usássemos, também em nossos papéis timbrados, como se fôssemos uma empresa farmacêutica e não uma organização científica independente, regida por fins não-lucrativos. Ele também exigiu que utilizássemos nomes curtos para os nossos centros, o que criou grande confusão entre os jornalistas que frequentemente escreviam o “Cochrane Nordic Centre”, embora o nome do meu centro fosse “Nordic Cochrane Centre”:

O lema da Cochrane é altamente enganoso quando se trata de suas revisões de medicamentos psiquiátricos. Como já expliquei acima, muito poucos delas são confiáveis.

As minhas críticas ao crime organizado da indústria de drogas [4,51], aos ensaios clínicos de drogas psiquiátricas e ao uso excessivo de drogas psiquiátricas nunca foram populares na sede da Cochrane, depois que Wilson tomou posse em 2012 e transformou um movimento popular idealista em um negócio com foco em marca e vendas.[36] Wilson e seu substituto me perseguiram particularmente depois que publiquei em 2014  o artigo sobre os dez mitos em psiquiatria que são prejudiciais para os pacientes [38], e quando expliquei no BMJ em 2015 por que o tratamento de longo prazo com drogas psiquiátricas causa mais danos do que benefícios.[36,94]

Wilson também me intimidou nesta ocasião. Em vez de rejeitar a reclamação de Torrey, que era a única coisa certa a fazer, Wilson me escreveu que eu havia quebrado a Política de Porta-Voz da Cochrane ao usar o cabeçalho da carta e o título do meu centro e que isso levaria razoavelmente qualquer leitor a assumir que o pedido era do Centro Nórdico Cochrane e que as opiniões expressas eram as do Centro. Wilson queria pedir desculpas a Torrey por “qualquer confusão a esse respeito”. Muito interessante que um valentão queira pedir desculpas ao outro valentão quando a pessoa entre os valentões não tinha feito nada de errado. O esquema era ridículo, e até mesmo o próprio advogado contratado pela Cochrane não descobriu que eu havia quebrado a política, nem neste caso, nem em outro caso semelhante que também era sobre a psiquiatria,36 mas tais bagatelas não importam para os valentões. Não havia problema, mas Wilson inventou um. Era claro que o pedido vinha do Centro; que eu, como diretor, estava autorizado a falar em nome do meu Centro; e as minhas opiniões eram até compartilhadas pela minha equipe. Além disso, a minha carta não era um anúncio público, mas uma carta para um financiador. Ninguém podia ficar “confuso”.

O advogado americano Ryan Horath descreveu a farsa desta forma [36]:

Os líderes da Cochrane ficaram obcecados com Gøtzsche usar o papel timbrado nórdico da Cochrane para enviar esse pedido. E um número muito grande de pessoas parece concordar com a obsessão da diretoria … JESUS CRISTO, O QUE HÁ DE ERRADO COM VOCÊS? Um pesquisador está fazendo perguntas sobre a supressão de informações relativas a crianças que morreram em um ensaio clínico e todos estão preocupados com o papel timbrado em que a carta está escrita? … Pior ainda, é claro que o ultraje ao uso do papel timbrado da Cochrane é um ultraje fingido, já que se tratava de uma carta privada. Fuller Torrey estava confuso sobre se a carta representava o ponto de vista da Cochrane? Aparentemente não … Em vez disso, Torrey argumentou que Gøtzsche não era ‘objetivo’ e que isso prejudicava a reputação da Cochrane – algo totalmente diferente … Portanto, o uso desta reclamação por parte da Cochrane em seu caso foi enganoso. A queixa é sobre uma coisa, e eles a usaram como prova de outra (alegação falsa). É assim que os tribunais cangurus operam. 

Qual é a linha de fundo dos neurolépticos?

Inúmeros estudos não confiáveis foram elaborados para fabricar um conto de fadas sobre os neurolépticos ajudando as pessoas a sobreviver a sua psicose. Eu dissequei alguns deles em meu livro anterior.[4] Eles têm sérias falhas e os pacientes que estão sendo comparados – os com neurolépticos e os sem – para começar não são comparáveis. Particularmente uma médica finlandesa, Jari Tiihonen, publicou um estudo enganoso após um outro.[4]

Que você não preste atenção a esses relatórios. Whitaker uma vez me escreveu que era necessária uma extraordinária ginástica mental pelos psiquiatras para concluir que essas drogas, que causam obesidade, disfunção metabólica, diabetes, discinesia tardia, arritmias cardíacas letais, etc., protegem contra a morte. Além disso, como observado acima, os psiquiatras frequentemente tiram a esperança dos pacientes de um dia viverem uma vida normal. Por que se preocupar em ter um estilo de vida saudável, se a vida nunca valerá a pena ser vivida? Não é apenas os neurolépticos, que muitas vezes estão em combinação com muitas outras drogas psiquiátricas e que matam os pacientes, é o pacote completo que a psiquiatria lhes entrega.

Se pacientes agudamente perturbados precisam de algo para acalmá-los, os benzodiazepínicos são muito menos perigosos e até parecem funcionar melhor.[95] Quando perguntei aos pacientes se prefeririam uma benzo- diazepina ou um neuroléptico na próxima vez que desenvolvessem uma psicose e sentissem que precisavam de uma droga, todos disseram que prefeririam uma benzodiazepina. Por que então não é isso o que eles obtêm?

Pílulas da depressão

As pílulas da depressão são o garoto-propaganda da psiquiatria, os comprimidos que mais ouvimos falar, e os comprimidos mais usados, em alguns países por mais de 10% da população.

Como observado, é um dos segredos mais bem guardados da psiquiatria que os psiquiatras matam muitos pacientes com neurolépticos. Outro segredo bem guardado é que eles também matam muitos pacientes com pílulas da depressão, por exemplo, pacientes idosos que perdem o equilíbrio e quebram o seu quadril.[4,96]

Os psiquiatras lutaram muito para esconder a terrível verdade de que as pílulas da depressão duplicam o risco de suicídio, não apenas em crianças, mas também em adultos.[2,4,97-100] Os ensaios controlados por placebo são extremamente enganadores neste aspecto, e muito tem sido escrito sobre como as empresas farmacêuticas têm escondido pensamentos suicidas, comportamento suicida, tentativas de suicídio e suicídios em seus relatórios dos ensaios publicados, seja jogando os eventos para debaixo do tapete para que ninguém os veja, ou chamando-os de uma outra coisa.[2,4,101] Esta fraude maciça é rotineira nas empresas farmacêuticas. Eu dediquei uma grande parte à fraude em meu livro de psiquiatria de 2015 [4], e, portanto, vou mencionar aqui apenas alguns resultados de pesquisas recentes.

Meu grupo de pesquisa descobriu que, em comparação com placebo, as pílulas da depressão duplicam a ocorrência de eventos precursores definidos pela FDA para o suicídio e a violência em voluntários adultos saudáveis [97]; que elas aumentam 2-3 vezes a agressão em crianças e adolescentes [55], uma descoberta muito importante considerando os muitos tiroteios escolares em que os assassinos estavam a tomar pílulas da depressão; e que elas aumentam o risco de suicídio e violência em 4-5 vezes em mulheres de meia idade com incontinência urinária por estresse, julgadas pelos eventos precursores definidos pela FDA.98 Além disso, duas vezes mais mulheres experimentaram um evento psicótico central ou potencial.[98]

Os psiquiatras dispensam os resultados das pesquisas que vão contra os seus interesses. Eles também criticaram o nosso uso de eventos precursores, mas não há nada de errado com isso. O uso de eventos precursores para suicídio e violência é semelhante ao uso de fatores prognósticos para doenças cardíacas. Porque o fumo e a inatividade aumentam o risco de ataques cardíacos, é que recomendamos que as pessoas parem de fumar e comecem a se exercitar.

É cruel que a maioria dos líderes psiquiátricos diga – mesmo na TV102 nacional – que as pílulas da depressão podem ser dadas com segurança às crianças porque não houve um aumento estatisticamente significativo de suicídios nas pesquisas, apenas em pensamentos e comportamentos suicidas, como se não houvesse relação entre os dois.[4] Os psiquiatras recompensam as empresas por suas fraudes enquanto sacrificam as crianças. Todos sabemos que um suicídio começa com um pensamento suicida seguido de preparativos e uma ou mais tentativas.

Um psiquiatra americano que argumentou que o comportamento suicida não deveria contar porque é “um substituto não validado e inapropriado” se contradisse, como escreveu no mesmo artigo que, “A história de uma tentativa anterior de suicídio é um dos mais fortes preditores de suicídio completo”, e também escreveu que a taxa de suicídio é 30 vezes maior em tentativas anteriores do que sem tentativas.[103] Isso é uma dissonância cognitiva completa com consequências mortais para os nossos filhos.

Quando escrevi o meu livro de 2015, ficou claro para mim que os suicídios devem aumentar não apenas em crianças, mas também em adultos, mas que as muitas análises e relatórios eram confusos com alguns tendo encontrado isso enquanto que outros não.[4]

O cerne da questão é que muitas tentativas de suicídio e suicídios são deixados de fora nos relatórios. Em 2019, encontrei evidências adicionais disso, quando comparei uma publicação de ensaio [104] com o correspondente relatório de estudo clínico de 1008 páginas submetido aos reguladores de medicamentos.[105] Os autores do relatório publicado não mencionaram que duas das 48 crianças tentaram o suicídio com fluoxetina contra nenhuma das 48 crianças em placebo. O primeiro autor, Graham Emslie, atribuiu falsamente o financiamento do estudo ao Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, mas os dados da FDA mostraram que o estudo havia sido patrocinado pelo fabricante da fluoxetina, Eli Lilly.[106]

Tentativas de suicídio e suicídios não são apenas ocultados durante o estudo. Na maioria das vezes, elas também são omitidas quando ocorrem logo após o término da fase aleatória [4]:

Ensaios sertralinos em adultos; n: número de suicídios e tentativas de suicídio; N: número de pacientes; acompanhamento: tempo após o término da fase aleatória; RR: relação de risco; CI: intervalo de confiança.

Quando a FDA fez uma meta-análise da sertralina usada em adultos (Tabela 30 em seu relatório),107 eles não encontraram um aumento no suicídio, as tentativa de suicídio, as automutilação combinados, a relação de risco 0,87 e o intervalo de confiança de 95% 0,31 a 2,48.

A própria meta-análise da Pfizer encontrou uma redução pela metade dos eventos suicidas quando todos os eventos que ocorreram mais de 24 horas após a fase aleatorizada finalizada terem sido  omitidos.108 Entretanto, quando a Pfizer incluiu eventos que ocorreram até 30 dias depois, houve um aumento nos eventos suicidas de cerca de 50%.

Uma meta-análise de 2005 realizada por pesquisadores independentes usando dados do regulador de drogas do Reino Unido encontrou uma duplicação em suicídio ou automutilação, quando os eventos após 24 horas foram incluídos.[109] Esses pesquisadores observaram que as empresas haviam subnotificado o risco de suicídio em seus ensaios, e também descobriram que a automutilação não fatal e o suicídio foram seriamente subnotificados em comparação com os suicídios relatados.

Foi muito grande uma outra meta-análise dos ensaios realizada em 2005 por pesquisadores independentes, pois incluía todos os medicamentos (87.650 pacientes) e todas as idades.[110] Encontramos o dobro de tentativas de suicídio com drogas do que com placebo, odds ratio (que é o mesmo que razão de risco quando os eventos são raros) 2,28, 95% CI 1,14 a 4,55. Os investigadores relataram que muitas tentativas de suicídio devem ter sido perdidas. Alguns dos investigadores do estudo responderam que houve tentativas de suicídio não relatadas por eles, enquanto outros responderam que nem sequer as procuraram. Além disso, os eventos ocorridos logo após a interrupção do tratamento ativo não foram contados.

A razão pela qual é tão importante incluir eventos suicidas ocorridos após o término da fase aleatória é que eles refletem muito melhor o que acontece na vida real do que em um ensaio rigorosamente controlado, onde os investigadores motivam os pacientes a tomar cada dose do  medicamento em estudo. Na vida real, os pacientes perdem doses porque se esquecem de tomar as pílulas indo para o trabalho, para a escola ou em uma viagem de fim de semana, ou que pegam umas férias das drogas porque as pílulas os impediriam de ter relações sexuais (veja abaixo).

É diferente de estudo para estudo o que acontece quando ele é  concluído. Às vezes, os pacientes recebem tratamento ativo, às vezes apenas os pacientes tratados é que continuam com tratamento ativo, e às vezes não há tratamento.

Em 2019, dois pesquisadores europeus finalmente puseram um fim à negação feroz dos psiquiatras de que as pílulas da depressão também são perigosas para os adultos. Eles reanalisaram os dados da FDA e incluíram danos ocorridos durante o acompanhamento.[99] Eles foram criticados e publicaram análises adicionais.100 Como outros pesquisadores, eles descobriram que eventos suicidas haviam sido manipulados, por exemplo: “Dois suicídios registrados erroneamente no grupo placebo do programa  de aprovação de paroxetina retirada”.100 Eles relataram o dobro de  suicídios nos grupos ativos do que nos grupos placebo, odds ratio 2,48 (95% CI 1,13 a 5,44).

Não deveria haver mais debate sobre se as pílulas da depressão causam suicídios em todas as idades. Elas causam. Mesmo a FDA, que fez o máximo para proteger as empresas farmacêuticas que comercializam as pílulas da depressão,2,4 foi forçada a ceder quando admitiu em 2007, pelo menos indiretamente, que as pílulas da depressão podem causar suicídio em qualquer idade [4,111]:

“Todos os pacientes sendo tratados com antidepressivos para qualquer indicação devem ser monitorados apropriadamente e observados de perto quanto ao agravamento clínico, suicídio e mudanças incomuns de comportamento, especialmente durante os primeiros meses de um curso de terapia medicamentosa, ou em momentos de mudanças de dose, seja aumentando ou diminuindo. Os seguintes sintomas, ansiedade, agitação, ataques de pânico, insônia, irritabilidade, hostilidade, agressividade, impulsividade, acatisia (agitação psicomotora), hipomania e mania, têm sido relatados em pacientes adultos e pediátricos sendo tratados com antidepressivos … Famílias e cuidadores de pacientes devem ser aconselhados a procurar o aparecimento de tais sintomas no dia-a-dia, uma vez que as mudanças podem ser abruptas”.

A FDA finalmente admitiu que as pílulas da depressão podem causar loucura em todas as idades e que as drogas são muito perigosas – caso contrário, não seria necessário o monitoramento diário. É preciso dizer, entretanto, que o monitoramento diário é uma correção falsa de um problema das drogas mortais. As pessoas não podem ser monitoradas a cada minuto, e muitas se matam com meios violentos, por exemplo, enforcando-se, atirando-se de uma janela, se esfaqueando ou pulando na frente de um trem, quando para os seus entes queridos pareciam estar perfeitamente bem.[2,4]

Mas a negação organizada continua inabalável.4 Dois anos após o anúncio da FDA, o governo australiano declarou: “O termo suicídio abrange a ideação suicida (pensamentos sérios sobre tirar a própria vida), planos suicidas e tentativas de suicídio. As pessoas que experimentam a ideação suicida e fazem planos suicidas correm um risco maior de tentativas suicidas, e as pessoas que experimentam todas as formas de pensamentos e comportamentos suicidas correm um risco maior de completar o suicídio”.[112]

É verdade, mas por que situações de suicídio não incluem o próprio suicídio? Se você quer descobrir quão perigoso é o montanhismo, e você inclui ferimentos quando as pessoas têm pensamentos sérios sobre escalar montanhas e frequentar um centro de fitness, e ferimentos quando planejam escalar uma montanha e quando tentam fazer isso, você então excluiria as mortes devido a quedas? Claro que não, mas isto foi o que o governo australiano fez. Eles mostraram a prevalência vitalícia do suicídio, dividido em ideação suicida, plano suicida e tentativa de suicídio, mas não havia dados sobre suicídios.[112]

Há um longo caminho a percorrer. Em nossa revisão de 39 websites populares em 10 países, que realizamos em 2018, descobrimos que 25 afirmaram que as pílulas da depressão podem causar um aumento da ideação suicida, mas 23 (92%) deles continham informações incorretas, e apenas dois (5%) websites observaram que o risco de suicídio é aumentado em pessoas de todas as idades.[32]

As pílulas da depressão podem causar violência e homicídios.[2,4] Mas este também é um dos segredos bem guardados da psiquiatria. Particularmente nos EUA, psiquiatras e autoridades não dirão ao público se o perpetrador estava tomando uma pílula para a depressão. Pode levar muito tempo e envolver pedidos de Liberdade de Informação ou processos judiciais, antes que qualquer coisa seja revelada.

Demorou bastante tempo até que soubéssemos que o piloto aéreo alemão que levou um avião inteiro com ele quando se suicidou nos Alpes, e que o motorista belga de ônibus que matou muitas crianças ao jogar o seu ônibus contra um muro, também nos Alpes, estavam eles a tomar pílulas da depressão.

Apesar de suspeitarmos da subnotificação de sérios danos nos relatórios de estudos clínicos que examinamos – alguns resultados apareceram  apenas em listas de pacientes individuais em apêndices, as quais tivemos para apenas 32 dos nossos 70 ensaios, e não tínhamos formulários de  relato de caso em nenhum dos ensaios – encontramos eventos alarmantes, e que nunca se verá serem publicados em revistas médicas.[55] Aqui estão alguns exemplos:

Quatro mortes foram falsamente relatadas pela empresa, em todos os casos favorecendo o medicamento ativo.

Um paciente recebendo venlafaxina tentou suicídio por estrangulamento sem aviso prévio e morreu cinco dias depois no hospital. Embora a tentativa de suicídio tenha ocorrido no dia 21 dos 56 dias de tratamento aleatório, a morte foi chamada de evento pós-estudo, pois ocorreu no hospital e o tratamento havia sido interrompido por causa de uma tentativa de suicídio.

Embora as narrativas de pacientes ou as listas individuais de pacientes tenham mostrado que foram tentativas de suicídio, as 27 das 62 tentativas foram codificadas enquanto incapacidade emocional ou agravamento da depressão, que é o que se vê nas publicações, e não enquanto tentativas de suicídio.

Uma tentativa de suicídio (overdose intencional com paracetamol em  um paciente com fluoxetina) foi descrita nas tabelas de eventos adversos como “enzimas hepáticas elevadas”, que é o que se obtém quando se bebe um pouco de álcool.

É de particular relevância para os muitos tiroteios escolares que os seguintes eventos para 11 pacientes com uma pílula para a depressão foram listados sob a rubrica agressão para as narrativas feitas pelos pacientes de eventos adversos graves: ameaça homicida, ideação homicida, agressão, abuso sexual, ameaça de levar uma arma para a escola, danos à propriedade, socos em artigos domésticos, agressão, ameaças verbalmente abusivas e agressivas, e beligerância.

Acatisia é um sentimento horrível de inquietação interior, que aumenta o risco de suicídio, violência e homicídio. Só podíamos identificar a acatisia se tivéssemos acesso aos termos na sua forma literal, mas mesmo assim descobrimos que, como a agressão, a acatisia era vista duas vezes mais frequentemente nas pílulas do que no placebo. Em três ensaios com sertralina onde tivemos acesso tanto aos termos literais como aos termos codificados preferidos, a acatisia foi codificada como “hipercinesia”, e o erro de codificação parecia ter prevalecido também nos ensaios com paroxetina, já que não encontramos um único caso de acatisia.

Para as drogas fluoxetina e duloxetina da Eli Lilly, comparamos os nossos achados com os relatórios resumidos de ensaios que estão disponíveis no site da empresa.

Na maioria dos casos, os eventos adversos só foram mostrados se ocorreram, por exemplo, em pelo menos 5% dos pacientes. Desta forma,  as empresas podem evitar relatar muitos danos graves. Constatamos que os eventos suicidas e os danos que aumentam o risco de violência foram seriamente subnotificados:

Apenas 2 de 20 tentativas de suicídio (17 sob drogas, 3 sob placebo) foram documentadas. Nenhum dos 14 eventos de ideação suicida (11 contra 3) foi mencionado. Apenas 3 eventos de acatisia (15 contra 2)  foram mencionados.

Acatisia também é vista com outras drogas psiquiátricas, por exemplo, os neurolépticos (veja abaixo). Acatisia vem do grego e significa incapacidade de ficar quieto. Os pacientes podem se comportar de forma agitada, que não podem controlar, e podem experimentar uma raiva insuportável, delírios e dissociação.[80] Eles podem andar sem parar, mexer nas cadeiras e torcer as mãos – que têm sido descritas como ações que refletem um tormento interior.[1] A acatisia não precisa ter sintomas  visíveis, porque pode ser uma extrema ansiedade e agitação interior, que é como este dano é descrito nas informações do produto para Zyprexa. Em um estudo, 79% dos pacientes mentalmente doentes que haviam tentado se matar sofriam de acatisia.[1] Outro estudo relatou que a metade de todas as brigas em uma enfermaria psiquiátrica estavam relacionadas à acatisia,[5,113] e um terceiro estudo descobriu que doses moderadas a altas de haloperidol, um neuroléptico, tornou metade dos pacientes marcadamente mais agressivos, às vezes a ponto de querer matar os seus psiquiatras.[1]

Como as pílulas da depressão têm efeitos puramente sintomáticos e muitos danos, é altamente relevante descobrir o que os pacientes pensam sobre elas quando pesam os benefícios contra os danos. Os pacientes fazem isso quando decidem se devem continuar em um ensaio até o final ou se devem desistir dele.

Foi um trabalho enorme estudar as desistências nos ensaios controlados por placebo. Incluímos 71 relatórios de estudos clínicos que tínhamos obtido das agências médicas europeias e britânicas, com informações sobre 73 ensaios e 18.426 pacientes. Ninguém antes, exceto o meu grupo de pesquisa, jamais havia lido as 67.319 páginas sobre esses ensaios, que equivalem a 7 metros se empilhadas. Mas valeu bem a pena o esforço; 12% a mais de pacientes abandonaram o estudo enquanto consumiam drogas do que enquanto consumiam placebo.[114]

Este é um resultado terrivelmente importante. A visão dos psiquiatras é que as pílulas da depressão fazem mais bem do que mal [4] e a visão dos pacientes é a oposta. Os pacientes preferiram placebo, embora alguns deles tenham sido prejudicados pelos efeitos da interrupção abrupta. Isso significa que as drogas são ainda piores do que as encontradas nos ensaios com interrupção abrupta.

Como tivemos acesso a dados detalhados, pudemos incluir pacientes em nossas análises que os investigadores haviam excluído, por exemplo, porque algumas medições não haviam sido feitas. Nosso resultado é único e confiável, em contraste com as análises anteriores que utilizavam, em sua maioria, dados publicados. Elas não conseguiram encontrar mais desistências de medicamentos do que de placebo;[114] por exemplo, uma grande revisão de 40 ensaios (6391 pacientes), quando a paroxetina foi comparada com o placebo, relatou que as desistências foram as mesmas (risco relativo de 0,99).

Em seguida, decidimos olhar para a qualidade de vida nessas mesmas pesquisas. Tendo em vista o nosso resultado para as desistências; o pequeno benefício das pílulas da depressão não tem nenhuma relevância para os pacientes; e com as muitas pílulas e os frequentes danos, esperávamos que a qualidade de vida fosse pior nas pílulas do que no placebo.

Éramos talvez um pouco ingênuos, porque agora tínhamos chegado muito perto dos segredos das pílulas da depressão. O que encontramos – ou melhor, não encontramos – foi chocante.[115] O relato da qualidade de vida relacionada à saúde era praticamente inexistente. Em cinco ensaios, não ficou claro qual o instrumento utilizado e nenhum resultado estava disponível. Incluímos 15 ensaios (4.717 pacientes e 19.015 páginas de relatórios de estudo), uma quantidade substancial de dados sobre os quais basear as conclusões. Entretanto, 9 dos 15 relatórios de ensaios clínicos apresentavam relatórios seletivos e, nos registros online das empresas, havia relatórios seletivos para todos os 15 ensaios. Recebemos 20 publicações da Eli Lilly e recuperamos 6 do registro da GlaxoSmithKline. Havia relatórios seletivos em 24 das 26 publicações. Apesar desse extenso relatório seletivo, encontramos apenas pequenas diferenças entre o medicamento e o placebo.

Isto foi mais do que um bloqueio de estrada; foi sabotagem. As  empresas são obrigadas a garantir que o que submetem às agências reguladoras de medicamentos para obter a aprovação para a comercialização seja um relato honesto do que aconteceu, e que dados ou informações importantes não foram deixados de fora. Nós nos perguntamos por que as agências reguladoras de medicamentos não haviam solicitado às empresas os dados em falta.

As pílulas que destroem a sua vida sexual são chamadas de pílulas da felicidade

No mundo de cabeça para baixo da psiquiatria, as pílulas que destroem a sua vida sexual são chamadas de pílulas da felicidade. Metade dos pacientes que tiveram uma vida sexual normal antes de começar a tomar uma pílula para a depressão terão a sua vida sexual perturbada ou impossibilitada.[4,116] Os distúrbios sexuais podem se tornar permanentes e quando os pacientes descobrem que nunca mais poderão ter relações sexuais, por exemplo por causa da impotência, alguns se matam.[117,118] Quando dei uma palestra para psiquiatras infantis australianos em 2015, um deles disse conhecer três adolescentes que tomavam pílulas da depressão e que tinham tentado o suicídio porque não conseguiram ter uma ereção na primeira vez que tentaram ter relações sexuais.

É tão cruel. E ainda assim, a negação profissional é generalizada. Os pacientes são frequentemente humilhados ou ignorados pelos seus médicos que se recusam a acreditar neles. Alguns pacientes são informados de que tais complicações ao tomar as pílulas da depressão são impossíveis, e outros são colocados em neurolépticos depois de terem sido informados de que seu problema é psicossomático.[118]

Um paciente que havia enviado alguns links para estudos e revisões sobre disfunções sexuais pós-ISRS recebeu esta resposta: “Se você deseja ter tal ‘síndrome’ continue o que você está fazendo… leia estudos e revisões obscuras em bancos de dados obscuros e eu posso garantir que você terá isso até o fim da sua vida”!

De longe, a maioria dos pacientes que tomam uma pílula para a depressão sentirá que algo mudou em seus genitais, e muitos reclamam que muito tempo depois de terem saído das pílulas, as suas emoções continuam adormecidas; eles também deixam de se importar com a sua própria vida ou a das outras pessoas, como faziam antes das pílulas.

O professor de psiquiatria David Healy me disse que alguns pacientes podem esfregar uma pasta de pimenta em seus genitais sem nada sentir. Em seu trabalho como perito, ele tem visto dados que ninguém fora da indústria farmacêutica jamais viu, que são lacrados assim que a empresa no tribunal faz um acordo com as vítimas. Healy descreveu que, em alguns ensaios inéditos da fase 1, que são realizados antes de um medicamento ser testado em pacientes, mais da metade dos voluntários saudáveis teve disfunção sexual grave que, em alguns casos, durou após a interrupção do tratamento.[119]

O entorpecimento dos genitais é usado na comercialização. A pílula de depressão Priligy (dapoxetina) foi aprovada na União Europeia para tratar a ejaculação precoce.

É interessante contrastar isto com as informações fornecidas nas bulas, por exemplo, a do Prozac (fluoxetina).[120] Desde o início, elas colocam a culpa no paciente e não na droga: “mudanças no desejo sexual, no desempenho e na satisfação sexual frequentemente ocorrem como manifestações de um transtorno psiquiátrico”. Assim, um cientista da FDA descobriu que Smith-Kline Beecham tinha escondido problemas sexuais com a paroxetina ao culpar os pacientes, por exemplo, a anorgasmia feminina foi codificada como “Transtorno Genital Feminino”.[121]

Healy enviou uma petição a Guido Rasi, diretor da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), em junho de 2019, assinada por um grande grupo de clínicos e pesquisadores. A EMA indicou que pediria às empresas que mencionassem as disfunções sexuais persistentes nas bulas das pílulas da depressão. Seis meses mais tarde, Healy enviou uma nova carta à Rasi declarando que as agências de medicamentos haviam respondido que estas condições poderiam ser decorrentes da doença e não do tratamento. Ele acrescentou: “A melancolia, que é muito rara, pode levar a uma diminuição da libido, mas o tipo de depressão para a qual os ISRSs são prescritos não diminui a libido. De fato, assim como as pessoas se consolam comendo quando estão ‘nervosas’, assim também muitas vezes têm mais sexo na tentativa de lidar com a sua ‘depressão'”.

Em sua bula [120], Eli Lilly afirma que, “algumas evidências sugerem que os ISRSs podem causar tais experiências sexuais desagradáveis”. Não é uma evidência. Quando se olha para todas as evidências, fica muito claro que estas drogas arruínam a vida sexual das pessoas.

O modo de negação da Lilly continua: “Estimativas confiáveis da incidência e da gravidade de experiências incômodas envolvendo desejo sexual, desempenho e satisfação são difíceis de se obter, contudo, em parte porque pacientes e médicos podem relutar em discuti-las”. Já que temos essas evidências, qual é então o problema que a Lilly tem em reconhecer o que aparece?

Nos ensaios clínicos da Lilly[120],”a diminuição da libido foi o único efeito secundário sexual relatado por pelo menos 2% dos pacientes que tomavam fluoxetina (4% de fluoxetina, <1% de placebo)”. Se você não perguntar, você não verá os problemas. Em um estudo cuidadosamente conduzido, 57% das 1022 pessoas que tiveram uma vida sexual normal antes de tomar uma pílula de depressão experimentaram diminuição da libido; 57% atrasaram o orgasmo ou a ejaculação; 46% não tiveram orgasmo ou ejaculação; e 31% tiveram disfunção erétil ou diminuíram a lubrificação vaginal.[116] Não há nada sobre isso na bula de Lilly, além de: “Em mulheres tomando fluoxetina houve relatos espontâneos de disfunção orgásmica, incluindo anorgasmos. Não há estudos adequados e bem controlados examinando a disfunção sexual com o tratamento com fluoxetina. Os sintomas de disfunção sexual ocasionalmente persistem após a interrupção do tratamento com fluoxetina”.

Algumas bulas são mais verdadeiras, por exemplo, para a venlafaxina:[122] diminuição da libido 2%, ejaculação anormal/orgasmo 12%, impotência 6%, e perturbação do orgasmo 2%. Mas isto ainda está longe de ser verdade.

  • Se você se sentir deprimido, não vá ao seu médico, que muito provavelmente irá prescrever uma pílula da depressão para você.
  • Nunca aceite tratamento com uma pílula da depressão. É provável que isso torne a sua vida mais miserável.
  • Não acredite em nada que os médicos lhe digam sobre as pílulas da depressão. É muito provável que esteja
  • As pílulas da depressão são perigosas. Elas aumentam o risco de suicídio, violência e homicídio em todas as idades.
  • As pílulas da depressão podem destruir a sua vida sexual, e no pior dos casos permanentemente.

Capítulo 2. A psiquiatria é baseada em evidências?

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[Trad. e Ed. Fernando Freitas]

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