Sociedades patogênicas e loucura coletiva: Um olhar crítico sobre a normalidade

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Resumo: Este artigo aborda a necessidade de repensar os serviços de saúde mental de uma perspectiva coletiva, destacando o impacto da desigualdade e outros determinantes sociais no sofrimento das pessoas, enquanto examina criticamente o papel do atual modelo biomédico no controle da população e na manutenção de um sistema sócio-econômico que é ao mesmo tempo desconcertante e perturbador.

 “Estamos em guarda contra doenças contagiosas do corpo, mas somos exasperantemente descuidados quando se trata das doenças coletivas ainda mais perigosas da mente”.G. Jung, Collected Works Vol. 18

Embora os chamados distúrbios mentais sem dúvida tenham uma correlação biológica, sua natureza vai além do corpo, envolvendo dimensões sociais, culturais e psicológicas. Na maioria das vezes nosso sofrimento é o resultado de como organizamos nossas experiências em nível coletivo: as circunstâncias nas quais nascemos, crescemos, vivemos, trabalhamos e envelhecemos. Infelizmente, a abordagem atualmente dominante da “saúde mental”, orientada biologicamente e baseada no tratamento do indivíduo, tende a perder de vista e ignorar a importância primordial dos determinantes sociais (1, 2).

Ao longo deste artigo, apresento brevemente os fatores econômicos, sociais e ambientais aos quais devemos prestar maior atenção para garantir que todos desfrutem de uma vida mais saudável, mais satisfatória e mais significativa (3).

Para começar, o foco atual no paciente individual (tentando identificar as causas últimas da “doença mental” em nível genético e neuropatológico) deve ser substituído, como muitos pesquisadores e profissionais críticos já enfatizaram, por uma abordagem em saúde pública  com bases relacionais e baseada na população. Em vez de considerar apenas a pessoa posicionada frente ao médico, a partir desta perspectiva o escopo é estendido à família, à rede social, ao bairro, à comunidade e à sociedade em geral, tornando-se estas entidades coletivas nas quais todos nós convivemos com o paciente objeto de atenção.

Isto implica, naturalmente, ir além da psiquiatria e até mesmo da própria medicina, abraçando uma abordagem completamente transdisciplinar e dando atenção concertada a questões como a economia, a mídia e os sistemas de educação e justiça, entre muitos outros aspectos da vida.

Também implica em ir além da mera mitigação dos fatores de risco e a promoção daqueles que protegem as pessoas das doenças, ao atacar as causas profundas do problema através de engajamento sociopolítico e intervenções com efeitos sobre o bem-estar e a saúde, com uma visão clara da direção na qual nossas sociedades deveriam tender a se mover (4).

O primeiro passo neste sentido é reconhecer que, assim como foi firmemente demonstrado que a saúde física varia ao longo de um gradiente social, a “saúde mental” está fortemente correlacionada com a própria posição na sociedade, sendo os grupos mais vulneráveis, desfavorecidos e minoritários desproporcionalmente afetados e expostos a condições de estresse crônico, como a insegurança no trabalho, más condições econômicas e habitacionais, pobreza relativa, marginalização, isolamento social, falta de status e violência, tudo isso somado ao sofrimento muito provável de condições adversas durante a infância e à presença de barreiras de acesso aos cuidados devido a fatores culturais, financeiros e de orientação sexual, entre outros (5).

Há provas esmagadoras de que as desigualdades materiais têm efeitos psicológicos poderosos e que sociedades menos igualitárias têm um efeito negativo sobre as pessoas, desde a educação e expectativa de vida até a “saúde mental” (6-11). Na Espanha, por exemplo, a probabilidade de receber um diagnóstico de doença mental, assim como o risco de cometer suicídio, é muito maior entre migrantes, pessoas com empregos precários e aqueles com níveis de educação mais baixos, afetando duas vezes mais os desempregados do que os empregados (12, 13). Infelizmente, a situação só piorou devido às sucessivas crises econômicas e cortes orçamentários nas políticas sociais, com um aumento significativo, especialmente entre os mais jovens, na incidência de todos os tipos de chamados transtornos mentais, desde problemas de ansiedade até o abuso e dependência de álcool e outras drogas, incluindo “transtornos comportamentais”, estados depressivos, neuróticos e “transtornos de personalidade”, e psicose (14-16).

Embora as diferenças de gênero nas taxas e intensidade do sofrimento psicológico seja uma área ainda muito pouco estudada, dados no âmbito internacional indicam que as mulheres são aproximadamente 75% mais propensas do que os homens a relatar ter sofrido recentemente experiências diagnosticadas como depressão, e cerca de 60% mais propensas a relatar experiências diagnosticadas como transtorno de ansiedade (17). Dada a desvalorização patriarcal do trabalho doméstico e dos cuidados não remunerados, o fato de que as mulheres tendem a ser menos remuneradas no local de trabalho e que é muito mais difícil para elas avançar em suas carreiras, muitas vezes tendo que fazer malabarismos com múltiplos papéis, seria bastante surpreendente se suas lutas diárias não tivessem um custo emocional óbvio.

Estudos recentes sugerem que, da mesma forma, as pessoas não-heterossexuais sofrem desproporcionalmente não apenas de sofrimento psicológico e dos chamados distúrbios mentais, mas também de outros problemas de saúde devido ao estresse crônico causado pelos preconceitos ainda prevalecentes em nossa sociedade (18, 19).

Múltiplas fontes de desigualdade estão interligadas e têm um impacto cumulativo, afetando desproporcionalmente os mesmos grupos e produzindo modos únicos de opressão e discriminação. Atingir maiores níveis de igualdade em todos os sentidos, bem como cooperação e reciprocidade, promovendo a autonomia relacional e a participação democrática de todas as pessoas em nossa vida coletiva para reduzir o peso da hierarquia social, aumentar a coesão e a paridade de oportunidades, deve, portanto, estar no centro de qualquer impulso para a criação de uma sociedade mais sadia e saudável.

É oportuno agora listar como um lembrete alguns dos fatores repetidamente identificados na literatura científica como desencadeadores do desenvolvimento e emergência de reações psicóticas, assim como outras formas de sofrimento psicológico. São o estresse pré-natal, o abuso infantil, a exposição a um ambiente urbano, o status migratório da pessoa, a pertença a uma minoria étnica, a experiência repetida de exclusão e derrota social e, em geral, a criação de apegos temerosos aos outros e a dissociação como forma de lidar com a vida em um ambiente familiar e social adverso (20, 21).

Alucinações e delírios, mais do que sintomas de uma suposta predisposição genética ou alteração biológica, são reações compreensíveis a eventos e circunstâncias da vida (22). Esta é a explicação mais parcimoniosa para o padrão de descobertas observado, pois é muito improvável que os genes que contribuem para um certo tipo de desenvolvimento neurológico aberrante também codifiquem a migração, a condição de uma minoria étnica desfavorecida, a criação em ambientes com alta densidade e tamanho populacional, homossexualidade, problemas socioeconômicos e assim por diante (21).

Em resumo, há uma série de circunstâncias que afetam negativamente o bem-estar das pessoas, impedem a formação ou gradualmente minam sua resiliência e autoestima, e podem levar ao colapso em momentos de vulnerabilidade particular ou diante de eventos percebidos como esmagadores. Além disso, devemos reconhecer que ninguém é imune ao sofrimento e, em um ou outro momento, todos nós podemos chegar ao ponto de ruptura. Mais do que uma falsa e muito insidiosa dicotomia entre doentes mentais e pessoas saudáveis, o que se observa – além da cronificação devido à estigmatização, à exclusão social, à medicalização da miséria e aos danos causados pelos próprios tratamentos – é um continuum dinâmico no qual cada pessoa ocupa posições diferentes ao longo de sua vida (23-25).

Quanto às vulnerabilidades e predisposições a sofrer os chamados transtornos psicológicos, deve-se observar que as formulações mais matizadas do modelo de estresse-diático apontam para uma susceptibilidade diferencial na qual certas pessoas são especialmente sensíveis tanto às experiências negativas quanto às positivas (27). Também é interessante ressaltar que a intensidade do estresse ambiental necessário para atingir o ponto em que a pessoa se rompe irremediavelmente varia não só de um indivíduo para outro, mas também depende de variáveis como o nível de otimismo e expectativas positivas para o futuro, o fato de praticar exercício e o nível de aptidão física e condicionamento, a aplicação de técnicas que permitem uma melhor gestão do estresse, tais como meditação e relaxamento, o repensar consciente das percepções negativas, a escolha de um estilo de vida saudável evitando a privação do sono e o consumo de substâncias tóxicas, nutrição adequada e, talvez acima de tudo, o fato de desfrutar de uma rede de apoio social suficientemente sólida (28-32).

Não é justo nem suficiente, em nenhum caso, colocar o fardo inteiramente sobre a vítima de abuso e/ou circunstâncias desfavoráveis, pedindo às mesmas pessoas que sofreram ou sofrem situações de angústia, conflito e solidão, e estão inseridas em hierarquias sociais opressivas, alienantes e, muitas vezes, violentas, que adaptem seu comportamento e mentalidade para aliviar o impacto das condições sociais negativas em que vivem, reduzindo a sobrecarga alostática que sofrem (33-35).

Também não se deve concentrar praticamente toda atenção e recursos no estudo dos supostos fatores genéticos, das relações genético-ambientais mediadas pelas mudanças epigenéticas do genoma e dos fatores neurológicos que podem conferir maior vulnerabilidade -exacerbando sentimentos de inadequação e ansiedade nas pessoas afetadas-, negligenciando pesquisas e intervenções em nível “biopsicossocial” e coletivo que contribuiriam muito mais efetivamente para a prevenção e alívio do sofrimento (36).

Primeiro, não fazer mal. É inconcebível que intervenções coercitivas, violentas, desumanizantes e (re)traumatizantes ainda sejam realizadas rotineiramente em ambientes de saúde mental, contribuindo para reforçar o desamparo aprendido e privando as pessoas afetadas de praticamente toda esperança de recuperação, atribuindo seus males a causas genéticas e processos neurodegenerativos ainda a serem determinados, isolando-os de seu ambiente e comunidade e agravando sua condição com intervenções farmacológicas neurotóxicas que, aplicadas além de sua possível função paliativa de curto prazo, contribuem – em conluio com interesses econômicos velados e a preservação de um status quo que tem pouco a ver com a saúde das pessoas – para a deterioração e incapacidade das pessoas afetadas.

O acesso a cuidados seguros, respeitosos e eficazes é um direito humano; infelizmente, os cuidados disponíveis às pessoas diagnosticadas com um transtorno mental muitas vezes não atendem a nenhuma dessas três características (37).

Isto não se deve a negligência ou descuido, é claro, mas simplesmente porque considerar e tratar ‘doença mental’ como um problema químico-biológico individual traz enormes benefícios a todas as partes com interesse no atual sistema socioeconômico.

Primeiro, este modelo predominante de “cuidado” fortalece o impulso para a individualização e a destruição dos laços sociais, enfraquecendo a capacidade de resistência e luta da população. O discurso psiquiátrico e psicológico biomédico enfatiza que os indivíduos assumem a responsabilidade pelos resultados das injustiças que experimentam; esta situação intencional serve para ofuscar a realidade e levar as pessoas a questionar suas capacidades mentais em vez de confrontar as instituições e os poderes factuais que os oprimem, aceitando o sofrimento como uma deficiência pessoal.

Este sistema precisa da conivência dos profissionais da saúde mental nesta farsa como uma espécie de adereço: serviços psiquiátricos e psicológicos – sem negar as boas intenções de muitos, se não da maioria, dos profissionais envolvidos – mascaram a inadequação de outros recursos sociais e governamentais, dificultando abordagens mais complexas e responsáveis das questões socioeconômicas; o uso do cuidado mental permite que os Estados finjam cuidar e ajudar as pessoas a superar seus problemas, promovendo, de fato, sua conformidade com as condições que os geram (38).

Em segundo lugar, este estado de coisas proporciona um mercado enormemente lucrativo no qual empresas farmacêuticas multinacionais podem vender seus produtos a uma proporção cada vez maior da população (39-41).

Em uma sociedade hipertensa, extremamente competitiva e materialista como a nossa, os chamados transtornos mentais não são meras aberrações, mas o resultado natural de condições sociais obscenas e um modo de vida que não está de acordo com as necessidades humanas mais básicas e genuínas. A normalidade neste contexto nada mais é do que uma “patologia da normalidade”, uma aberração imposta para pacificar a população e sustentar um sistema voraz que requer opressão social e econômica, alienação, mistificação dos indivíduos e exploração desenfreada do ambiente natural (42).

Ser plenamente adaptado a um contexto profundamente doente, sendo forçado a se encaixar em uma realidade socioeconômica alienante como se fosse um verdadeiro leito procrusteano, sem lutar, lutando, sofrendo e desviando-se da norma, não pode ser considerado algo não problemático em si mesmo (26, 43-46).

Este tipo de crítica ao que geralmente é considerado normal está muito próximo do diagnóstico feito por muitos movimentos contraculturais ao considerar os problemas que nos afligem – de guerras, genocídios, a ameaça de aniquilação atômica, o desastre ecológico contínuo, pobreza e desigualdade, racismo, sexismo, consumismo desenfreado, individualismo extremo, e muito longo etc. -: dito de forma simples, o mundo está se tornando mais um hospício a cada dia que passa; um lugar onde, para piorá-lo, o uso de psicofármacos é normalizado e até banalizado, aproximando-nos rápida e perigosamente da visão distópica de uma sociedade submissa e farmacologicamente controlada, mas supostamente feliz da qual Aldous Huxley nos alertou (47, 48).

Superar esta situação insalubre e patologizante envolve necessariamente promover simultaneamente transformações nas esferas econômica, sócio-política e cultural, repensando e enfrentando de frente as causas do sofrimento e os impedimentos ao desenvolvimento humano (49).

Este deve ser, inevitavelmente, um esforço coletivo que requer não apenas a coordenação de grupos interdisciplinares de profissionais comprometidos, acadêmicos, políticos e todo tipo de outros atores, mas também um profundo entendimento, respeito e acolhimento do conhecimento, experiência e desejos dos mais afetados e desfavorecidos entre nós – os há muito esquecidos, os sem voz, os encarcerados, os sedados e medicalizados… – trabalhando todos juntos para encontrar e alcançar soluções significativas e construtivas.

Esta, até onde posso ver, é a condição essencial para se alcançar qualquer tipo de mudança positiva, duradoura e significativa.

Referências:

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“Miopia da Psiquiatria:” Como a Psiquiatria Contribui para os Resultados Psiquiátricos

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Em um artigo de opinião publicado em JAMA Psiquiatria, os investigadores colocam a culpa pelo agravamento dos resultados da saúde mental aos pés da psiquiatria clínica.

Constatam que os resultados para as pessoas com “doença mental grave” pioraram nos últimos 50 anos e que as pessoas com esquizofrenia continuam a morrer até 25 anos mais novas do que os seus pares. Reconhecem múltiplas razões para esta disparidade crescente. No entanto, o seu artigo centra-se naquilo a que chamam a “miopia” da psiquiatria clínica:

“Sugerimos que as crenças e práticas quotidianas da psiquiatria clínica, tomadas como certas, sobre a doença e o tratamento psiquiátrico, têm estreitado a visão clínica, deixando os clínicos incapazes de apreender aspectos fundamentais das experiências dos pacientes”.

O artigo foi escrito por Joel T. Braslow e Jeremy Levenson da UCLA e John S. Brekke da USC.

Os autores começam por notar que ao longo da história da psiquiatria, os investigadores – e o público que atendem – têm exortado o campo a considerar mais do que apenas a suposta (e ainda não provada) base biomédica para “doença mental”. Por exemplo, eles citam um artigo de 1998 que elucidava a diferença da psiquiatria em relação a outras especialidades médicas: “Ao contrário dos cardiologistas, os psiquiatras são incapazes de passar diretamente da estrutura molecular de um órgão corporal para os resultados funcionais da ação desse órgão”.

A concentração avassaladora da psiquiatria em tentar compreender os fundamentos biológicos da “doença mental” (a sua “miopia”, nas palavras dos autores) desviou a atenção das causas conhecidas, bem pesquisadas e óbvias da “doença mental grave”. Por exemplo, enquanto os testes genéticos ainda não demonstraram qualquer utilidade clínica para classificar ou prever “doença mental”, experiências de vida como trauma, abuso, privação, pobreza, e dor são muito melhores para prever se se vai receber um diagnóstico psiquiátrico.

Os investigadores escrevem: “Ao confundir as partes com o todo, a psiquiatria clínica tem ajudado e incentivado a alienação social; o abandono social, médico e psiquiátrico; e a negligência infligida àqueles com doença mental séria durante o último meio século”.

Quixotesticamente, os autores sugerem então que a psiquiatria está muito bem encaminhada: “Nada inerente ao paradigma biomédico impede um entendimento tão amplo”, escrevem eles – apesar da própria palavra “biomédico” (“relativo tanto à biologia como à medicina”) excluir os níveis sociais e societários de entendimento. Ele podem ter tido a intenção de afirmar que o “paradigma da saúde pública” pode ser consistente com as mudanças sociais e societárias.

Braslow, Brekke, e Levenson não têm respostas concretas para este paradoxo, mas propõem um ideal pelo qual lutar:

“Uma abordagem empiricamente baseada e integradora dará aos clínicos a justificação científica e o imperativo ético de insistir que os desabrigados e o encarceramento são inaceitáveis, quer como locais para alegados tratamentos, quer como resultados para aqueles com Doença Mental Severa”.

Não é claro o que é essa “abordagem empírica e integradora”; os autores não especificam. Acrescentam eles:

“Um olhar clínico mais amplo irá lembrar-nos que um tratamento responsável requer mais do que a prescrição de uma única modalidade, como um fármaco psicotrópico, mas que, em vez disso, aborda múltiplos níveis de fatores que interagem, incluindo famílias, situações de vida, redes sociais, e o que torna a vida dos pacientes significativa”.

Também não é claro como é que os psiquiatras podem abordar o problema dos sem-abrigo, a pobreza, a vida familiar, e as redes sociais. Braslow, Brekke, e Levenson não fornecem indicações concretas para tal. Mas como uma declaração visionária de valores, isto pode ser considerado uma mudança de paradigma para o campo.

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Braslow, J. T., Brekke, J. S., & Levenson, J. (2020). Psychiatry’s myopia—Reclaiming the social, cultural, and psychological in the psychiatric gaze. JAMA Psychiatry. Published Online: September 9, 2020. DOI: 10.1001/jamapsychiatry.2020.2722 (Link)

Repensar a Prevenção de Suicídios: Entrevista com Jennifer White sobre Estudos Críticos de Suicídios

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Jennifer White é uma dos fundadores da Critical Suicidology Network, uma rede internacional em expansão de estudiosos interessados em explorar alternativas às abordagens biomédicas para a prevenção do suicídio. A Critical Suicidology reúne pessoas com experiência de vida, profissionais da saúde mental, investigadores e ativistas “para repensar o que significa estudar o suicídio e estabelecer práticas de prevenção do suicídio de formas mais diversas e criativas, menos psico-cêntricas e menos despolitizadas“.

Ela é professora na Escola de Cuidados Infantis e Juvenis da Universidade de Victoria, em British Columbia, Canadá. Tem trabalhado como conselheira, educadora, investigadora e advogada. White serviu durante sete anos como diretora do Centro de Prevenção de Suicídios no Departamento de Psiquiatria da Universidade de British Columbia.

Escreveu numerosos artigos e capítulos de livros sobre suicídio e automutilação e foi coautora de dois livros: Cuidados com crianças e jovens: Perspectivas críticas sobre pedagogia, prática e política (2011), e Suicidologia Crítica: Transformar a investigação e a prevenção do suicídio para o século XXI (2016). A sua investigação atual centra-se no discurso contemporâneo da prevenção do suicídio dos jovens, procurando alternativas a abordagens de modelo único.

Está neste momento a liderar um projeto Wise Practices for Life Promotion financiado pela First Nations and Inuit Health Branch (FNIHB) of Health Canada. Este projeto procura tratar de uma série de práticas sensatas para a promoção da vida baseadas no que já está a funcionar e/ou a mostrar ser promissor nas comunidades das First Nations em todo o país. Está também a realizar um estudo com conselheiros familiares para aprender mais sobre os desafios e oportunidades que enfrentam na prevenção do suicídio de jovens e as condições organizacionais que os apoiam para serem mais eficazes no seu trabalho.

Transcrevemos alguns trechos da entrevista que consideramos que ajudam a melhor compreender o seu conteúdo.

Samantha Lilly: Os jovens com experiência concreta de suicídio são frequentemente ignorados ou tratados como se os seus pensamentos fossem tolos ou impróprios para a sua situação. Você pode falar-me dos estudos sobre suicídio juvenil tal como existem no âmbito dos entendimentos gerais da suicidologia juvenil?

Jennifer White: Penso que herdámos um quadro adulto para pensar no suicídio em geral, que aplicamos aos jovens. Isso baseia-se frequentemente, como se diz, na ideia de que os jovens são frágeis e não podem tomar decisões em seu próprio nome. Muitas vezes, as nossas intervenções podem tornar-se bastante paternalistas. Existe uma ligação entre esta dinâmica e a tendência para aplicar um quadro mais colonial quando se pensa no suicídio indígena.

Tenho estado certamente empenhada em esforços de prevenção de suicídios de jovens como este. Logo no início da minha carreira – provavelmente há 30 anos – íamos às salas de aula e entregávamos um pacote muito estilo ´standard´: aqui estão os sinais de aviso, aqui estão os fatores de risco etc. Memorizem estas coisas.

Havia um sentido muito bem delineado do que era permitido dizer, do que não era permitido expressar, e dos tipos de perguntas que eram permitidas. Havia uma narrativa muito clara: “Se você é suicida, você não quer realmente morrer”. Precisa de obter ajuda de um adulto de confiança, e este adulto de confiança irá conectá-lo com um profissional ou um perito que irá então intervir”.

Em alguns casos, isso é provavelmente a salvação de vidas para alguns jovens. Nunca fui de dizer que essas coisas não funcionam para ninguém. Mas aquilo com que tenho tido  problema é a sugestão de que essas são as únicas formas de oferecer ajuda. Sabemos que muitos jovens não recorrem aos serviços formais de saúde mental. Mesmo que apareçam e obtenham ajuda, não ficam por conosco por muito tempo. Por isso, penso que é importante que tenhamos toda uma série de coisas para oferecer, um mapa sobre as necessidades do jovem na hora e o seu próprio sentido do que vai ser útil, sem que nós o pré-determinemos.

 

Lilly: Que danos surgem quando um modelo de dimensão única é aplicado aos jovens?

White: A prevenção do suicídio está muito enraizada num paradigma de risco. Todas as pessoas costumam lidar com este registro de risco e patologia. Vemos isso na forma como falamos de fatores de risco e “riscos baixos, médios e altos”, e há certos protocolos a seguir quando as pessoas se enquadram nestas categorias de risco. Mas, é claro, as pessoas são muito mais do que fatores de risco.

De certa forma, estas abordagens podem desumanizar as pessoas e criar distância em relação às próprias pessoas que poderiam ser de maior ajuda. Devido a todo o medo e ansiedade ligados ao tema do suicídio, os adultos bem intencionados sentem muitas vezes medo quando o assunto é abordado na conversa. Depois recebemos este tipo de mensagem: “Se alguma vez se preocupar com alguém, ligue para o 911. Ou vá para o hospital”.

Assim, penso que alguns dos seus limites são que estes scripts – jovens como pacotes de fatores de risco que precisam de ser tratados por outro. Tornam-se objetos sobre os quais se deve agir ou sobre os quais se deve intervir.

Penso que se arrisca a própria possibilidade de criar uma união relacional onde se pode ter uma conversa honesta e aberta sobre o que está a levar alguém a sentir que não quer viver mais.

O que está a acontecer? Vamos tentar compreender isso. Mas colocamos essa categoria em alguém, e depois passamos ao modo de gestão de crises, e por vezes essas estratégias podem ser bastante coercivas. As pessoas não querem estar num hospital. As pessoas não querem que as suas liberdades lhes sejam retiradas em alguns casos.

 

Lilly: Parece que este formato único serve a todos os jovens suicidas através de um sistema, e o funil pode não lhes servir. Poderíamos estar a empurrar pessoas – empurrando uma chave redonda para um buraco quadrado. Como um dos líderes em Estudos Críticos de Suicídio, pode falar um pouco sobre como este pensamento crítico sobre suicídio e a susceptibilidade ao suicídio pode alterar aquele funil ou torná-lo adequado a mais pessoas?

White: Penso que a sua metáfora do funil é uma boa imagem.

Penso que é isso que acontece porque há tanta ansiedade sobre o tema e como as pessoas são profissionalmente treinadas para lidar com ele que existe esta ilusão de controle, que nós sabemos o que fazer. Sentimo-nos como: “OK, alguém é suicida…eu sei o que fazer”. Sei que os avalio como sendo de alto risco, e depois nós enviamo-los para outro profissional ou para um tipo mais intensivo de contexto de tratamento”.

Em estudos críticos de suicídio, estamos a tentar interromper o pensamento sobre as pessoas em termos do seu risco para as vermos como mais do que os seus fatores de risco. Isto faz parte do que se está a passar.

Trata-se também de situar a sua angústia num contexto. O que a principal ênfase da suicidologia frequentemente abraça é o contexto da experiência da angústia e do sofrimento. Ela anula a sua interioridade – os seus sentimentos, as suas histórias, e as suas intenções.

Nós, na população em geral, temos muito cuidado em perguntar: “você está pensando em suicídio? Há quanto tempo pensa sobre isso? Como é que se vai suicidar”? Temos todas estas técnicas que aprendemos para avaliar o risco, que ignoram toda uma parte da humanidade e da experiência de uma pessoa. Por vezes, isso pode levar as pessoas a sentirem-se inauditas e incompreendidas.

Por outro lado, não quero nunca sugerir que estas coisas não possam ser úteis. Mas para algumas pessoas, para alguns jovens, parece que é um encerramento de possibilidades – de formas de ser humano. Porque, de certa forma, indica que as pessoas não querem falar de suicídio. Matar-se não é uma opção, e não há coisas que não possamos sequer explorar juntos sobre essa opção. Temos de estar constantemente a redirecioná-lo para a vida, para que viva.

Muitas pessoas estão a escrever sobre isto. Há esta exortação a viver e este requisito de viver que muitas vezes também não questionamos na prevenção do suicídio. Pensamos, sim, que todos devem viver. Penso que é bom interromper isso e perguntar: “queremos começar a partir daí, ou queremos começar por outro lado? Será o suicídio uma parte da vida?”

Outras coisas externas à pessoa podem estar a contribuir para a angústia. Por vezes, quando se reanima ou se repensam o que está a causar a pressão ou a angústia, as pessoas podem sentir que há coisas que estão a enfrentar que não são da sua própria autoria. Isso pode, por vezes, ser bastante útil. Pode dar-lhe um pouco de espaço para pensar: “Oh, não sou eu, necessariamente, esse é o problema”. Eu sou apenas uma parte deste problema”.

Há aqui todo um contexto! Dá espaço para práticas de solidariedade, para o envolvimento de outras comunidades, para o ver como um local de resistência contra a injustiça.

Há muitas formas de pensar o suicídio, para além de ser uma forma de patologia. Pode ser uma questão. Pode ser uma recusa. “Recuso-me a viver sob estas circunstâncias”. Há muitas formas de pensarmos no suicídio que o caracterizam como uma condição psicopatológica.

 

Lilly: Muitas pessoas em casa podem pensar, por uma boa razão: “Não queremos dar aos nossos jovens a ideia errada, de que o suicídio é um ato de protesto”. Talvez uma das questões-chave da suicidologia crítica seja: E se eles fossem “doentes mentais”? E se eles estivessem apenas deprimidos? Não poderão ser salvos? Como se responde a este tipo de perguntas?

White: Fico contente por você ter perguntado porque penso que ajuda a reforçar que não quero chegar a uma situação em que seja isto ou aquilo. O suicídio é múltiplo. É constituído com os nossos contatos, as nossas relações com outras pessoas, e as nossas histórias.

Não quero entrar num padrão em que dizemos: “Bem, a grande maioria da suicidologia pensa desta forma, e nós temos a resposta”. Ou: “Se estivéssemos apenas a pensar desta forma, resolveríamos o problema”.

Penso que o que estamos a tentar fazer é criar mais possibilidades e mais espaço para formas criativas de compreender o suicídio, para que haja toda uma infinidade de formas que possamos pensar sobre isso.

Os jovens com sintomas de depressão são encorajados a obter ajuda numa clínica de saúde mental. Eles obtêm ajuda através de Terapia Cognitivo-Comportamental ou Terapia Behaviorista, que são frequentemente pensados como práticas baseadas em provas, e beneficiam. Não tenho qualquer problema com isso. Penso que isso é ótimo! É ótimo que as pessoas estejam a receber ajuda, e isso é satisfazer as suas necessidades. Mas penso que há muitas pessoas para quem essas práticas não funcionam, e elas não se sentem como se isso fosse um bom ajuste.

Vou dar-lhe um exemplo de alguém com quem falei recentemente e que fazia parte de um grupo, e ela continuava a dizer: “Quero mais da vida do que apenas estar em segurança”. Havia um foco constante no seu “plano de segurança”.  Era-lhe constantemente pedido que criasse um plano de segurança para assegurar às pessoas que estava “segura”. E, dizia ela, “há mais na vida do que apenas uma vida segura”. Este é um exemplo em que algumas das nossas ferramentas e instrumentos que pensamos estarem a ajudar as pessoas a permanecerem vivas, para ela, é como eles estivessem a diminuir a ideia do que é possível para a vida que ela queria levar.

Para responder à sua pergunta, podemos continuar a pensar em possibilidades que expandam as nossas noções do que conta como uma vida habitável. Podemos continuar a envolver os jovens em conversas significativas sobre isso.

Penso que também podemos dizer que o que temos estado a fazer até agora não está claramente a funcionar. As taxas de suicídio estão a subir em muitos lugares, incluindo nos estados onde anteriormente se encontravam estáveis. Não vemos declínios significativos, apesar de todos os esforços que temos feito em matéria de prevenção. Penso que também abre possibilidades de pensar de forma diferente sobre o suicídio

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Lilly: Estou-lhe grato por ter mencionado este tipo de criação de uma nova imagem ou expansão de como a prevenção do suicídio pode parecer e como o nosso pensamento sobre o suicídio pode mudar. Relativamente à Rede de Estudos Críticos sobre Suicídios, você pode dar-nos uma breve visão geral de algum do trabalho que você e os seus colegas estão a fazer em todo o mundo?

White: Há estudiosos em todo o mundo que estão desencantados com a abordagem dominante da prevenção do suicídio, e estão à procura de alternativas. Penso que uma das coisas de que não temos falado muito, mas é importante mencionar é a inclusão de pessoas com experiência de vida.

Isso é algo em que os Estudos Críticos de Suicídios estão empenhados, e queremos ter cuidado ao pensar nas pessoas em termos destas categorias de identidade. Podemos entrar nesta armadilha de pensar, “bem, eles são profissionais, e são investigadores, e são conselheiros etc.”. As pessoas podem ter múltiplas identidades.

Saímos também com uma declaração de ética que queríamos fazer circular para receber contribuições numa conferência que devíamos ter aqui em Vancouver em junho (foi cancelada devido à pandemia da COVID-19). Perguntava-se, o que significa a ética nos estudos críticos de suicídio? Como é que queremos trabalhar?

Temos muito em conta o contexto político das pessoas, as formas de opressão e as identidades interseccionais. Reconhecemos explicitamente que algumas pessoas, apesar do desejo de outras de estarem vivas, continuarão a escolher a morte. Escrevemos esse direito na declaração ética, o que me parece importante.

Quanto aos meus colegas, há muitos exemplos de pessoas que fazem um trabalho incrível nesta área, quer se trate de suicídio de jovens homossexuais, suicídios severos, ou de críticas psicocêntricas ao suicídio.

No meu próprio trabalho, neste momento, estou a fazer um estudo onde estou a entrevistar conselheiros que trabalham com jovens que têm acesso a serviços de saúde mental por causa do suicídio. Estou a tentar obter as narrativas dos conselheiros sobre a abordagem padrão que a sua organização e instituição esperam deles.  Então, perguntando, que outros métodos estão eles também a utilizar ao mesmo tempo?

Cada um deles tem esta forma de falar sobre a sua prática: “Bem, aqui está o padrão, o que é suposto eu fazer, e depois há esta outra coisa que estou a fazer”. Estes passos adicionais são menos formais, menos públicos, e tinham uma espécie de qualidade crítica para eles. Trabalhavam com os jovens de formas que desafiavam algumas destas normas em torno do que conta como uma vida que vale a pena, por exemplo.

Eles estavam a respeitar as normas e a fazer o que é necessário – cumprindo as normas de cuidado de uma forma boa e ética – mas há outro nível de prática onde eles estão a trabalhar, penso eu, de uma forma que está a chegar a algumas destas conversas críticas com os jovens. Fazem diferentes tipos de perguntas que não posicionam os jovens como pessoas frágeis e desacreditadas, mas sim como pessoas capazes. E os conselheiros descobrem que existem lugares de solidariedade que podem relacionar-se com eles. É uma forma de reelaborar artisticamente as conversas, convidando os jovens para uma conversa em vez de agir sobre eles.

 

Lilly: Quais são alguns exemplos destas questões que convidam à autonomia do jovem que estes clínicos e conselheiros perguntam?

White: Como os jovens estão a chegar para aconselhamento, eles são capazes de ver que há uma parte deles que está a querer obter ajuda. Por vezes é que querem os seus pais fora das suas costas, por isso estão dispostos a vir. Os conselheiros trabalham arduamente para compreender quais são os seus objetivos para e compreender que tipo de vida gostariam de viver.

Parte disto resulta de muita terapia narrativa onde se pode fazer perguntas como: “Com a sua tentativa de suicídio, o que é que está a tomar uma posição contrária? Aqui, se está fazendo uma pergunta relacionada com valores. Pode revelar que eles se preocupam com algo neste mundo em que estão a viver neste momento que não está para vir. Abre a possibilidade de um tipo diferente de conversa quando se faz essa pergunta em vez de: “Quando tentou matar-se pela última vez?” ou “Como tentou matar-se pela última vez?”.

Mais uma vez, não estou a dizer que este tipo de perguntas não seja útil. Mas elas podem tornar-se bastante previsíveis para os jovens. Estão um pouco fora de moda porque já lhes perguntaram muitas vezes se tinham consultado os conselheiros. É a linha padrão de interrogatório.

Muitos jovens dirão: “temos de passar por essas perguntas novamente?”. Podemos simplesmente continuar com elas?”. Algumas dessas conversas precisam de ser novas e oferecer uma maneira diferente de pensar sobre si próprios e sobre o mundo.

 

Lilly: Como aconselharia os pais a falar com os seus filhos sobre suicídio se o seu próprio filho é suicida, ou se estão a perguntar sobre suicídio e o que significa isso? Se houvesse um suicídio no seu grupo de amigos ou na escola, como aconselharia um dos pais a abordar o suicídio de uma forma que encoraje a compreensão do contexto e reduza a natureza “obsoleta” da conversa?

White: Estou sempre interessado neste tipo de conversas que são motivadas pela curiosidade e pelo questionamento honesto sobre o que se passa com alguém sem deixar a ansiedade tomar conta do assunto. Penso que isso é o mais difícil para os pais e para as pessoas que se preocupam com os jovens, porque o seu medo e ansiedade levam vantagens sobre eles.

Por vezes o medo fecha a possibilidade de curiosidade e de uma conversa gerada de forma colaborativa. Quando os jovens sentem que “isto é alguém com quem eu posso realmente ter esta conversa aberta”, é quando alguém pode reconhecer que o suicídio é uma possibilidade e que faz parte da nossa existência humana ter pensamentos de morte e suicídio.

Muitas pessoas suicidas dirão que através de conversas e reflexões com outra pessoa, chegam por vezes ao desejo de viver novamente. Não é uma técnica. É que, por vezes, quando nos é dada permissão para expressar honestamente o que estamos a sentir, podemos chegar a alguns entendimentos diferentes para nós próprios.

 

Lilly: Pode compartilhar o seu pensamento atual sobre os debates sobre se o suicídio é um problema?

White: Penso que o meu próprio pensamento evoluiu tanto ao longo da minha carreira. Há mais de 30 anos que trabalho na prevenção do suicídio. Comecei de uma forma muito tradicional, fazendo coisas pelo livro, produzindo documentos baseados em evidências, e transmitindo conhecimentos a partir deste “lugar de especialista”. Já o fiz.

O meu próprio questionamento surgiu através do meu trabalho com os jovens, vendo que nem sempre foi isto que me parecia útil. Nem sempre me senti como se fosse uma conversa útil. De certa forma, posicionava-os de uma forma que eu não me sentia bem – eu era o perito, e dizia-lhes o que deviam e não deviam fazer.

Assim, aceitei a ideia de que, sim, todos os suicídios deveriam ser evitados. Aceitei que o suicídio era um problema que devia ser impedido, e não tenho a certeza de ter deixado de pensar que é uma preocupação.

Penso que o sofrimento com que estou preocupado está ligado ao suicídio. Pergunto-me se existe uma resposta diferente que possamos dar a este sofrimento que pode ser diferente da prevenção. A prevenção tem esta qualidade de parar, desautorizar, intervir, e talvez haja outras formas de a enquadrar.

Se pensarmos em responder ao suicídio como um convite, como uma abertura à possibilidade, então, quando as pessoas fazem uma tentativa de suicídio, somos chamados a responder com curiosidade, a envolvermo-nos em algum tipo de criação conjunta de sentido sobre o seu significado. Não posso assumir que sei o que significa, e não vou inseri-lo numa categoria pré-determinada.

Estes gestos dirigem-se ao tipo de mundo do qual quero fazer parte, em que reconhecemos a humanidade uns dos outros, e nos vemos uns aos outros. Não vamos colocar as pessoas em categorias, assumindo que sei quem são, sem sequer ter uma conversa com vocês. Trata-se também de mudar as estruturas e o contexto e as formas de violência colonial, racismo e transmisoginia – todas as coisas que sabemos que levam muitas pessoas a sentir-se angustiadas e a sofrer.  Temos de trabalhar em todos esses ângulos.

 

Lilly: O que é que os Estudos Críticos de Suicídios têm para oferecer sobre o momento cultural atual no que se refere ao suicídio?

White: Penso que é importante dizer que os Estudos de Suicídios Críticos devem virar o olhar crítico para nós próprios. Temos de ser constantemente reflexivos sobre o que estamos a fazer e os efeitos do nosso trabalho.

Escrevi recentemente algo sobre a necessidade de incluir pessoas do Sul Global e pessoas Negras e Indígenas nestas conversas. É um passo importante que temos de dar para que não continuemos a replicar um eurocentrismo ocidentalizado neste trabalho – muitos dos recursos teóricos utilizados pelos estudiosos dos Estudos Críticos do Suicídio são de estudiosos ocidentais.

Penso que temos trabalho a fazer. Penso que temos de estar constantemente a problematizar para onde precisamos de ir e como precisamos de ser responsáveis. Não é definitivamente um arranjo perfeito, e penso que precisamos de estar constantemente em movimento e a pensar sobre o que precisamos de fazer para sermos responsáveis.

[Originalmente publicado no MIA. Trad. e edição de Fernando Freitas]

O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE SOB ATAQUE: A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA NO FRONT

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NÃO ÀS PROPOSTAS DE MUDANÇA NA POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL IMPOSTAS
PELO MINISTÈRIO DA SAÚDE E ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA (ABP)

 

Há mais de 30 anos a Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas no Brasil
vem sendo construída coletivamente na perspectiva dos direitos humanos e
pautada nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Com a participação
de trabalhadores, usuários e familiares do SUS, gestores, professores
universitários e pesquisadores, tendo como marco quatro conferências nacionais
de saúde mental. Experiência esta, reconhecida pela Organização Mundial de
Saúde como uma das mais importantes da América Latina.
A partir de experiências exitosas e de um arcabouço jurídico, a Política de Saúde
Mental se constituiu como uma política civilizatória, com normativas assistenciais
e de financiamento para o campo da saúde mental, preconizando acesso
universal ao cuidado em liberdade, envolvendo a família e a comunidade.
A Lei Federal 10. 216/01 mostra-se como uma das maiores expressões deste
histórico percurso, garantindo os direitos das pessoas com sofrimento psíquico,
determinando que o Estado Brasileiro garanta os recursos comunitários
necessários para o acesso ao cuidado e as ações de reabilitação psicossocial
centradas no meio comunitário.

Desde 2017, os (des)governos Temer e Bolsonaro respectivamente, tem
abdicado cada vez do caráter democrático, instituindo como prática permanente,
ataques às políticas públicas e a primazia de ações governamentais que
atendam interesses econômicos de determinados seguimentos.
Podemos destacar como expressões dessa lógica a liberação de 87, 3 milhões
para comunidades terapêuticas; o aumento de mais de 60% para os hospitais
psiquiátricos com suspensão do Programa de Avaliação de Hospitais
Psiquiátricos – PNASH (ou seja, aumento de diária sem monitoramento da
qualidade). O PNASH possibilitou identificar várias formas de violação de direitos
dentro das instituições psiquiátricas no Brasil e consequentemente o fechamento
destas. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que são estratégicos não
tiveram aumento, tendo os poucos que abriram enfrentado um processo moroso
para sua habilitação.

Sem nenhuma discussão com a sociedade civil organizada, o Ministério da
Saúde institui o que chama de “Nova” Política de Saúde Mental, trazendo na sua
essência a velha lógica do asilamento e do reforço ao sistema privado. Enquanto
a OMS indica a aplicação de 5% dos recursos da saúde na saúde mental, no
Brasil, estudos recentes têm demostrado que em 2010 havia aplicação de 2, 7%
do orçamento e que em 2016 caiu para 1,6%.

Paradoxalmente, em plena pandemia e frente a um anúncio importante da OMS
para o mundo, em outubro de 2020, acerca do impacto da pandemia e a
necessidade dos governantes ampliarem os investimentos na área de saúde
mental, o (des)governo Bolsonaro encena uma nova etapa do golpe em curso
no país desde 2017.

Juntamente com a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), vem a público no
dia 04 do corrente ano, na reunião do Conselho Nacional dos Secretários de
Saúde, propor revogação de portarias essenciais para o funcionamento da rede
de atenção psicossocial pública de saúde mental, atropelando os milhões de
usuários, familiares e trabalhadores comprometidos com a defesa de uma saúde
mental inclusiva, diversificada e sem manicômios.

A referida proposta traz no seu bojo o enfoque ao cuidado centrado na internação
asilar, prioritariamente no tratamento médico centrado e a extinção de
financiamento dentro do SUS de serviços essenciais como serviços residenciais
terapêuticos, consultórios na rua e unidades de acolhimento.

A que serve tais proposições da ABP e do (des)governo Bolsonaro? Respaldados em que tipo de ciência? Que clínica é essa proposta? Para atender a interesses de quem? Certamente não é o da população.

A experiência psicossocial no Brasil e vários lugares do mundo nos mostrou que
a convivência, o acesso a diferentes tipos de terapias, a moradia, a articulação
com arte e cultura, a geração de renda ofertadas longitudinalmente, permite que
pessoas com sofrimento psíquico intenso sustentem-se na sociedade.
Por que não investir mais nessas diversas modalidades terapêuticas, em
estratégias de inclusão social, em trabalhos com os familiares, em
disponibilização de medicamentos modernos, em qualificação das equipes
técnicas?

Por que se escolhe focar no tratamento com altos investimentos de recursos
públicos em hospitais psiquiátricos, em comunidades terapêuticas, em
equipamento como eletroconvulsoterapia (usados de forma indiscriminada no
Brasil por longos anos) e num modelo de tratamento médico centrado,
desprezando as contribuições do trabalho interdisciplinar, intersetorial e territorial
das equipes das unidades de atenção básica e de saúde mental?

Essas medidas representarão perdas de recursos financeiros para os municípios
que são hoje responsáveis pela operacionalização da rede de atenção
psicossocial. Tais proposições voltarão a fazer dos gestores públicos, reféns do
sistema privado, além de graves comprometimentos na qualidade de oferta da
assistência prestada.

A Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA e seus Núcleos
Estaduais repudiam veementemente tais proposições postas pela ABP e o
(des)governo Bolsonaro e apelam para os governadores, prefeitos, entidades de
direitos e população em geral que atentem para o desmonte em curso e suas
repercussões, não permitindo que estas medidas se concretizem e com isso,
venham violar ainda mais os direitos de nossa população.

A PSIQUIATRIA É BASEADA EM EVIDÊNCIAS? Capítulo 2/Parte 3

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Kit de sobrevivência
em saúde mental e retirada
dos medicamentos
psiquiátricos

Peter C. Gøtzsche

Nota do Editor: Por autorização do autor, o Mad in Brasil (MIB) estará publicando quinzenalmente um capítulo do recente livro do Dr. Peter Gotzsche. Os capítulos irão ficar disponíveis em um arquivo aqui

CAPÍTULO 2, PARTE 3

Suicídios, outras mortes e outros danos graves

É um segredo bem guardado saber quantas pessoas são mortas por drogas psiquiátricas. Isto tem sido obscurecido de muitas maneiras.

A maneira mais fácil é limpar as mortes para debaixo do tapete, “para que não levantemos preocupações”, como disse um cientista da Merck quando foi desautorizado pelo seu chefe.[51] O cientista tinha pesquisado  que uma mulher com o medicamento Vioxx (rofecoxib) da Merck, para artrite, havia morrido de um ataque cardíaco, mas que a causa da morte havia sido mudada para ‘causa desconhecida’, assim como no relatório da Merck para a FDA. Outras mortes cardíacas repentinas em Vioxx desapareceram antes da publicação dos resultados do ensaio clínico. Quando as muitas mortes não puderam mais ser ocultadas, a Merck retirou o Vioxx, em 2004. Estimei que o Vioxx matou cerca de 200.000 pessoas, a maioria das quais nem precisava do medicamento.[51]

A fraude com consequências letais é comum em ensaios clínicos de drogas [4,51], e as nossas principais revistas médicas, neste caso a New England Journal of Medicine, muitas vezes contribuem voluntariamente, publicando ensaios com falhas e não tomando medidas quando é claramente necessário agir para salvar a vida dos pacientes [51].

A psiquiatria não é exceção. Apenas cerca da metade dos suicídios e outras mortes que ocorrem nos ensaios com drogas psiquiátricas são publicados.[81]

Outro grande problema é a retirada abrupta no grupo placebo. Como praticamente todos os ensaios sofrem deste defeito de projeto, eles subestimarão o quão mortíferos são os medicamentos psiquiátricos.

Neurolépticos

Os neurolépticos são muito tóxicos e provavelmente as mais mortais entre todas as drogas psiquiátricas.[4] Quando eu quis descobrir o quão mortíferos eles são, decidi me concentrar em pacientes idosos e dementes. Presumi que poucos deles estariam em tratamento antes de serem randomizados e que haveria pacientes suficientes para tirar uma conclusão sobre por que muitos deles morrem, quer por drogas ou não.

Encontrei uma meta-análise de ensaios controlados por placebo em demência com um total de cerca de 5.000 pacientes.[82] Após apenas dez semanas, 3,5% haviam morrido enquanto estavam em um dos mais novos neurolépticos, olanzapina (Zyprexa), risperidona (Risperdal), quetiapina (Seroquel) ou aripiprazol (Abilify), enquanto 2,3% haviam morrido em tratamento com placebo. Assim, para cada 100 pessoas tratadas durante dez semanas, um paciente era morto com um neuroléptico. Esta é uma taxa de mortalidade extremamente alta para um medicamento.

Como a metade das mortes está faltando, em média, nas pesquisas publicadas [81], procurei os dados correspondentes da FDA tomando como base os mesmos medicamentos e ensaios. Como era de se esperar, algumas mortes haviam sido omitidas das publicações, e as taxas de mortalidade eram agora de 4,5% contra 2,6%, o que significa que os neurolépticos mataram dois pacientes em cem, em apenas dez semanas.[83]

Também encontrei um estudo finlandês com 70.718 habitantes da comunidade recém-diagnosticados com o mal de Alzheimer, que relatou que neurolépticos matavam [4-5] pessoas por ano em comparação com pacientes que não eram tratados. [84] Se os pacientes recebiam mais de um medicamento neuroléptico, o risco de morte era aumentado em 57%. Como este não foi um ensaio aleatório, os resultados não são totalmente confiáveis; mas tomados em conjunto, estes dados mostram uma taxa de mortalidade tão grande que não me lembro de haver visto um outro medicamento ser tão mortal.

Podemos extrapolar esses resultados para jovens com esquizofrenia? Sim. Na saúde baseada em evidências, nós orientamos as nossas decisões pelas melhores evidências disponíveis. Isto significa a evidência mais confiável são os dados acima mostrados. Assim, na ausência de outras evidências confiáveis, precisamos assumir que os neurolépticos também são altamente letais para os jovens. Portanto, não devemos usar neurolépticos para ninguém, também porque um efeito sobre a psicose nunca foi demonstrado em testes clínicos confiáveis.

Não seria necessário se ir mais longe, mas pode ser interessante. De acordo com a FDA, a maioria das mortes nos pacientes dementes pareceria ser tanto cardiovascular (por exemplo, insuficiência cardíaca, morte súbita) ou infecciosa (por exemplo, pneumonia).[83] Os jovens em neurolépticos também morrem frequentemente de causas cardiovasculares e de repente. E eu esperaria que alguns deles morressem de pneumonia. Os neurolépticos e a admissão forçada em uma enfermaria fechada tornam as pessoas inativas. Quando elas ficam paradas em sua cama, o risco de pneumonia aumenta. Pílulas da depressão, sedativos/ hipnóticos e antiepilépticos também aumentam o risco de pneumonia. Além disso, uma enfermaria psiquiátrica fechada não é uma unidade de medicina interna, e se um paciente desenvolver uma pneumonia enquanto está deitado em uma cama como um zumbi, ele pode não ser notado.

Os psiquiatras estão plenamente conscientes – e muitas vezes escreveram sobre isso – que a vida dos pacientes com esquizofrenia é 15 anos mais curta do que a de outras pessoas, mas eles não culpam as suas drogas ou a si mesmos, mas aos pacientes. [84] É verdade que essas pessoas têm estilos de vida pouco saudáveis e podem abusar de outras substâncias, em particular do tabaco. Mas também é verdade que parte disto é uma consequência das drogas que recebem. Alguns pacientes dizem que fumam porque isso neutraliza alguns dos danos dos neurolépticos, o que é correto porque o tabaco aumenta a dopamina enquanto que as drogas a diminuem.

Também é indiscutível que os neurolépticos matam alguns pacientes com esquizofrenia porque podem causar enormes ganhos de peso, hipertensão e diabetes, mas quão comum é isso?

Quando tentei descobrir por que morrem jovens com esquizofrenia, enfrentei um bloqueio , cuidadosamente guardado pela corporação psiquiátrica. É um dos segredos mais bem guardados da psiquiatria que os psiquiatras matam muitos de seus pacientes com neurolépticos. Eu descrevi as minhas experiências com os guardiões do bloqueio em 2017 no site Mad in America, “A psiquiatria ignora um elefante na sala” [85], mas os eventos subsequentes foram ainda piores.

Grandes estudos de coorte de pessoas com psicose em primeiro episódio oferecem uma oportunidade única para se descobrir por que as pessoas morrem. Entretanto, como há muito pouca ou nenhuma informação nestes estudos sobre as causas de morte, é preciso perguntar.

O estudo TIPS, 12% dos pacientes morreram em apenas 10 anos

Em 2012, Wenche dez Velden Hegelstad e 16 colegas publicaram dados  de acompanhamento de 10 anos para 281 pacientes com uma psicose em primeiro episódio (o estudo TIPS).[86] Embora a idade média deles na entrada no estudo fosse de apenas 29 anos, 31 pacientes (12%) morreram em menos de 10 anos. Entretanto, o artigo detalhado dos autores era sobre recuperação e escores dos sintomas.

Eles não se interessaram por todas essas mortes, que apareceram em um fluxograma de pacientes perdidos para o acompanhamento e não foram comentados em nenhum lugar em seu trabalho.

No texto, eles mencionaram apenas 28 mortes (11%), de modo que não ficou claro nem mesmo quantos morreram. Em março de 2017, escrevi à Hegelstad e perguntei sobre as causas de morte. A maioria dos pacientes ainda estava em neurolépticos 10 anos após o início, o que considerei muito assustador porque cerca da metade deles teria desenvolvido discinesia tardia (um terrível distúrbio do movimento, que muitas vezes é irreversível, mas mascarado pelo tratamento contínuo) e porque muitos, se não todos, teriam desenvolvido danos cerebrais permanentes neste ponto.

Enviei um lembrete dez dias depois e me disseram que receberia uma resposta em breve. Dois meses depois, escrevi novamente e mencionei que era importante para o mundo saber de que todos esses jovens pacientes haviam morrido. Também perguntei se precisávamos apresentar um  pedido de Liberdade de Informação para obter essas informações.

Hegelstad   respondeu   que   eles   estavam   preparando   um   manuscrito detalhando as informações que eu pedi. O artigo saiu no mês seguinte, na World Psychiatry, mas o número de mortes era agora diferente do primeiro artigo, e a informação que eu havia solicitado não estava em lugar algum.[87] Dois meses mais tarde, Robert Whitaker e eu escrevemos ao editor da World Psychiatry, professor Mario Maj, pedindo a sua ajuda para obter uma visão única do porquê de tantos pacientes terem morrido tão jovens. Esperávamos que ele garantisse que o conhecimento que os investigadores tinham em seus arquivos se tornasse público, publicando a nossa pequena carta ao editor e pedindo-lhes que respondessem. “Isso seria um grande serviço para a psiquiatria, os pacientes e para todos os outros com interesse nesta questão de vital importância”.

Explicamos em nossa carta que os autores relataram que 16 pacientes morreram por suicídio, 7 por overdoses acidentais ou outros acidentes, e 8 por doenças físicas, incluindo 3 por doenças cardiovasculares:

“A fim de tentar separar as causas de morte iatrogênicas das mortes causadas pelo transtorno, precisamos saber: Quando ocorreram os suicídios? Os suicídios muitas vezes ocorrem cedo, após os pacientes terem saído do hospital [88], e às vezes são iatrogênicos. Um estudo de registro dinamarquês de 2.429 suicídios mostrou que, comparada com pessoas que não receberam nenhum tratamento psiquiátrico no ano anterior, a taxa ajustada de suicídio foi de 44 para pessoas que haviam sido admitidas em um hospital psiquiátrico. [89] É claro que se esperava que tais pacientes corressem o maior risco de suicídio porque estavam mais doentes do que os outros (confundindo por indicação), mas os resultados foram robustos e a maioria dos possíveis vieses no estudo eram na verdade conservadores, ou seja, favoreciam a hipótese nula de não haver relação. Um editorial que acompanha observou que há poucas dúvidas de que o suicídio está relacionado tanto ao estigma quanto ao trauma e que é inteiramente plausível que o estigma e o trauma inerentes ao tratamento psiquiátrico – particularmente se involuntário – possa causar suicídio.[90]

O que significa uma overdose acidental e outros acidentes? Os médicos prescreveram uma overdose ou os próprios pacientes tiveram uma overdose por engano e que tipos de acidentes foram envolvidos? As drogas psicotrópicas podem levar a quedas, que podem ser fatais, e os suicídios às vezes são erroneamente codificados como acidentais.[91]

É surpreendente que 8 jovens tenham morrido de doença física. Quais eram exatamente essas doenças e quais eram as doenças cardiovasculares? Se algumas dessas pessoas morreram de repente, pode ser porque os antipsicóticos podem causar o prolongamento da QT. ”

Oito dias depois, fomos informados pelo Maj que,  “infelizmente, embora seja uma peça interessante, não compete com sucesso por uma das vagas que temos disponíveis na revista para a sessão de cartas”.

Portanto, não havia espaço na revista para a nossa carta de 346 palavras, não mais do que um resumo da revista, e nenhum interesse em ajudar os jovens a sobreviver descobrindo o que os mata em uma idade tão jovem. Isto é a psiquiatria no que há do seu pior, protegendo-se enquanto literalmente matando os pacientes.

Cinco dias depois, recorri da decisão do Maj:

“Permita-me acrescentar que pessoas com quem falei em vários países sobre mortes em jovens com esquizofrenia – psiquiatras, peritos forenses e pacientes – todos concordaram que precisamos desesperadamente do tipo de informação que lhe pedimos garantir que obtenhamos da muito valiosa coorte de pacientes Melle et al. relatada em sua revista.

Há uma suspeita generalizada e bem fundamentada de que a razão pela qual não vimos um relato detalhado das causas de morte em coortes como a do estudo TIPS de Melle et al. publicado em sua revista é que os psiquiatras priorizam a proteção dos interesses de sua corporação em vez de proteger os pacientes. Ao se recusar a publicar a nossa carta e obter os dados que Melle et al. têm em seus arquivos, se contribui para essa suspeita. Anteriormente pedimos a um dos investigadores, Wenche ten Velden Hegelstad, que nos fornecesse esses dados, mas fomos informados em 10 de maio deste ano que eles seriam publicados … Eles não foram publicados, pois o que Melle et al. publicaram em sua revista não é um relato adequado do porquê da morte desses jovens.

Portanto, pedimos a você que garanta que estes dados sejam divulgados, para o benefício dos pacientes. Acreditamos que é seu dever profissional e ético – tanto como editor da revista quanto como médico – fazer com que isso aconteça. Portanto, não se trata dos espaços que se  tem disponíveis no periódico para as cartas. É uma questão de priorização”.

Não tivemos mais notícias do Maj.

Ao contrário dos autores do estudo TIPS, a professora dinamarquesa de psiquiatria Merete Nordentoft foi acessível quando lhe perguntei sobre as causas de morte de 33 pacientes após 10 anos de acompanhamento no estudo OPUS, também de pacientes com uma psicose em primeiro episódio.[92]

Mencionei especificamente que a ocorrência de suicídios, acidentes e mortes súbitas inexplicáveis poderia estar relacionada a drogas. Nordentoft enviou uma lista das mortes e explicou que a razão das mortes cardíacas não estarem na lista era provavelmente porque os pacientes tinham morrido muito jovens. Nas certidões de óbito, ela tinha visto alguns pacientes que simplesmente haviam caído mortos, um deles enquanto estava sentado em uma cadeira.

É assim que deve ser. A abertura é necessária se quisermos reduzir as muitas mortes que ocorrem em pacientes jovens que estão em tratamento de saúde mental, mas muito poucos psiquiatras são tão abertos quanto a Nordentoft. Perguntei a Hegelstad sobre os números conflitantes de mortes e também pedi para obter detalhes sobre as causas de morte. Não tive mais notícias de Hegelstad.

A TIPS foi apoiada por doações de 15 financiadores, incluindo o Conselho Norueguês de Pesquisa, o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, três empresas farmacêuticas (Janssen-Cilag, Eli Lilly e Lundbeck) e outros financiadores na Noruega, Dinamarca e EUA. Pedi informações detalhadas sobre as mortes a todos os financiadores, enfatizando que os financiadores têm a obrigação ética de garantir que informações de grande importância para a saúde pública, que foram coletadas em um estudo financiado, sejam publicadas.

O silêncio foi assustador. Em dezembro de 2017, o Conselho Norueguês de Pesquisa publicou a sua política de tornar os dados de pesquisa acessíveis para outros pesquisadores, o que não deixava dúvidas de que isso deveria acontecer, sem demora, e o mais tardar quando os pesquisadores publicassem as suas pesquisas.

Janssen-Cilag respondeu: “Achamos os dados sobre mortalidade publicados por Melle et al. 2017 em World Psychiatry totalmente satisfatórios”. Tanto eles quanto Eli Lilly nos encorajaram a contatar os autores, o que era absurdo, pois eu havia escrito dez vezes às empresas que os autores haviam se recusado a compartilhar os seus dados conosco. Lundbeck não respondeu.

Cinco meses após ter escrito para o Conselho Norueguês de Pesquisa, recebi uma carta de Ingrid Melle, a quem o Conselho me pediu que respondesse.

Melle me enviou uma tabela, que não foi particularmente informativa:

Tabela 1. Causas de morte durante os primeiros dez anos após o início do tratamento
N %
Vivo 250 89
Suicídio 16 6
Suicídio confirmado; meios violentos 4 1.4
Suicídio confirmado; outros meios altamente letais 5 1.8
Suicídio confirmado; overdose ou outras intoxicações 2 0.7
Suicídio confirmado, outros meios 2 0.7
Suicídio provável; overdose ou outras intoxicações 3 1.1
Outras causas de morte 15 5
Overdose acidental 5 1.8
Acidentes 2 0.7
Morte natural, doença cardiovascular 3 1.1
Morte natural, outras doenças 2 0.7
Morte natural ou causas desconhecidas 3 1.1

 

Melle explicou que a overdose acidental por drogas significa fazer uso abusivo de uma substância ilegal ou de uma substância muito forte por acidente, e isso não se refere a medicamentos prescritos. Se a informação sobre overdoses era ambígua, era com ela que era definida a causa provável suicídio.

Isto foi realmente interessante. Por que 16 jovens (6%) cometeram suicídio em apenas 10 anos? E por que esta informação de vital importância não foi explorada pelos pesquisadores? Não podemos concluir que foi a esquizofrenia deles que levou ao suicídio. É mais provável que tenham sido as drogas aplicadas a eles, outros tratamentos forçados, internações involuntárias em enfermarias psiquiátricas, humilhação, estigmatização e perda de esperança, por exemplo quando se diz aos pacientes que a sua doença é genética, ou que pode ser vista em um exame do cérebro, ou que ela é vitalícia, ou que requer tratamento vitalício com neurolépticos. Eu não estou inventando.[4] Tudo isso acontece, e alguns pacientes recebem tudo isso. Não é de se admirar que eles possam se matar quando não há esperança.

As overdoses acidentais por drogas também são de interesse. O termo é um pouco tragicômico porque os pacientes com esquizofrenia são geralmente overdosados pelos seus médicos com medicamentos prescritos, e se eles também tomam uma droga ilegal, raramente é possível dizer que foi a droga ilegal que os matou e não os medicamentos prescritos. Poderia ser a combinação e não teria acontecido se o paciente não tivesse sido forçado a tomar neurolépticos e outras drogas perigosas, por exemplo, pílulas da depressão e antiepilépticos, ambos com o dobro do risco de suicídio (ver Capítulo 1).

Finalmente, houve oito mortes por “causas naturais”. Não é natural que uma pessoa jovem morra. Eu teria gostado de saber em detalhes o que aconteceu. Pode ser “natural” para os psiquiatras que os jovens morram em psiquiatria, mas isso é porque os psiquiatras ignoram o seu próprio papel nisso.

Disseram-me que eu havia lido mal a figura 1 no documento original [86], onde eu havia contado 49 mortes. Eu não tinha contado. O número deles é seriamente enganador, porque os fluxogramas sempre mostram o número de pacientes que foram perdidos ou que morreram durante o estudo.

A razão pela qual houve 31 mortes, e não 28, no trabalho da Melle foi porque eles tinham acrescentado 1-3 anos de tempo de observação, o que não tornou exatamente mais transparente o que os pesquisadores haviam feito.

Eu redesenhei a figura aqui:

Escrevi novamente ao Conselho Norueguês de Pesquisa, ressaltando que Melle tinha me dito que os dados sobre as causas de morte continham todas as informações disponibilizadas pelos médicos que escreveram as certidões de óbito. Pedi para ver essas informações, em formato anônimo. Também notei que os neurolépticos haviam sido utilizados liberalmente no estudo e que algumas ou todas as mortes poderiam ter sido potencialmente causadas pelos medicamentos que os pacientes estavam usando, o que frequentemente envolve polifarmácia. Achei curioso, considerando a altíssima taxa de mortalidade de 12% (ver Tabela 1), que os autores não tivessem discutido se as mortes poderiam ter sido causadas pelas drogas e que não tivessem informado quais as drogas que os pacientes estavam a tomar.

Finalmente, notei que Melle me havia perguntado: “Já que você está escrevendo com um papel timbrado do Nordic Cochrane Centre, estou curioso se a Cochrane tem algum plano para fazer alguma coisa nesta área”… Notei que não entendia a relevância dessa pergunta. Por que eu não usaria o papel timbrado do meu próprio centro?

Eu não ouvi mais nada. Mas o comentário inadequado de Melle sobre o papel timbrado do meu centro, que eu usava em toda a correspondência oficial, parece ter sido parte de um esforço concertado com o objetivo de me afastar do meu trabalho como diretor da Cochrane.[36]

Assédio de psiquiatras e Cochrane

Em minha carta aos 15 financiadores, o parágrafo final era:

“Pode-se considerar isto como um pedido de Liberdade de Informação, o que significa que se sua organização não tiver informações detalhadas sobre as mortes no estudo TIPS, esperamos que a sua organização obtenha estas informações da Hegelstad e as envie para nós. Qualquer coisa abaixo disto seria antiética em nossa opinião, e estamos convencidos de que pacientes com transtornos psicóticos concordam conosco (sou patrono da Rede de Ouvidores de Vozes da Dinamarca)”.

Isto pareceria simples, mas o Instituto de Pesquisa Médica Stanley dos EUA não me escreveu. Ao invés disso, o psiquiatra Edwin Fuller Torrey, diretor associado de pesquisa do Instituto, reclamou de mim em  duas cartas ao CEO da Colaboração Cochrane, o jornalista Mark Wilson, onde ele, entre outras coisas, escreveu:[36]

A credibilidade da Colaboração Cochrane repousa no pressuposto da objetividade … Tal objetividade parece estar em grande dúvida para o Dr. Peter C. Gøtzsche que se identifica como Diretor do Centro Nórdico Cochrane e como o patrono da Rede de Ouvidores de Vozes na Dinamarca. Esta organização promove a crença de que as alucinações auditivas são apenas uma ponta de um espectro de comportamento normal, lançando assim a dúvida se a esquizofrenia realmente existe como uma doença, e que as vozes são causadas por traumas na infância, para o que não há evidências sólidas. Dada essa clara falta de objetividade, eu pessoalmente não acharia nenhuma publicação da Cochrane sobre doenças mentais credível.

Torrey também escreveu que a Rede dos Ouvidores de Vozes encoraja as pessoas que tomam neurolépticos para a sua esquizofrenia a pararem de tomar os seus medicamentos, e que, “É muito difícil imaginar como alguém com esses pontos de vista poderia ser objetivo em relação a um estudo Cochrane de antipsicóticos, assim impugnando a sua credibilidade, que é o seu ativo mais importante”.

Isto foi bizarro. Como a minha objetividade pode estar “muito em dúvida” quando eu simplesmente peço o número de mortes e as suas causas? Além disso, ao contrário das afirmações de Torrey, há provas sólidas de que a psicose está relacionada a traumas infantis, com uma clara relação exposição-resposta.[29,30]

Torrey também tirou a conclusão logicamente falsa de que como sou patrono da Rede de Ouvidores de Vozes, nenhuma publicação da Cochrane sobre doença mental é confiável. Não há nenhuma relação entre estas duas coisas. Aqui está um trecho de um comentário que a Rede me enviou:

Discordamos das tentativas de Torrey de desacreditar o Movimento dos Ouvidores de Vozes para acrescentar vantagem em sua tentativa de desacreditar o Professor Peter Gøtzsche. Em 2016, convidamos Gøtzsche para ser patrono por causa do seu trabalho de pioneiro em relação à pesquisa psiquiátrica. Temos a honra de tê-lo como o nosso patrono.

Acreditamos que os comentários de Torrey ao Sr. Wilson a respeito do fato de Gøtzsche ser o nosso patrono estão beirando com o ridículo quando ele tenta desacreditar toda a Colaboração Cochrane.

Pedimos que Torrey deixe de usar a Rede como plataforma para insultar um professor respeitado junto à Colaboração Cochrane. Sugerimos também que ele considere pedir desculpas pelos seus comentários desrespeitosos sobre os ouvidores de vozes.

O lema da Colaboração Cochrane é “Evidência confiável”, que Wilson havia exigido que todos nós usássemos, também em nossos papéis timbrados, como se fôssemos uma empresa farmacêutica e não uma organização científica independente, regida por fins não-lucrativos. Ele também exigiu que utilizássemos nomes curtos para os nossos centros, o que criou grande confusão entre os jornalistas que frequentemente escreviam o “Cochrane Nordic Centre”, embora o nome do meu centro fosse “Nordic Cochrane Centre”:

O lema da Cochrane é altamente enganoso quando se trata de suas revisões de medicamentos psiquiátricos. Como já expliquei acima, muito poucos delas são confiáveis.

As minhas críticas ao crime organizado da indústria de drogas [4,51], aos ensaios clínicos de drogas psiquiátricas e ao uso excessivo de drogas psiquiátricas nunca foram populares na sede da Cochrane, depois que Wilson tomou posse em 2012 e transformou um movimento popular idealista em um negócio com foco em marca e vendas.[36] Wilson e seu substituto me perseguiram particularmente depois que publiquei em 2014  o artigo sobre os dez mitos em psiquiatria que são prejudiciais para os pacientes [38], e quando expliquei no BMJ em 2015 por que o tratamento de longo prazo com drogas psiquiátricas causa mais danos do que benefícios.[36,94]

Wilson também me intimidou nesta ocasião. Em vez de rejeitar a reclamação de Torrey, que era a única coisa certa a fazer, Wilson me escreveu que eu havia quebrado a Política de Porta-Voz da Cochrane ao usar o cabeçalho da carta e o título do meu centro e que isso levaria razoavelmente qualquer leitor a assumir que o pedido era do Centro Nórdico Cochrane e que as opiniões expressas eram as do Centro. Wilson queria pedir desculpas a Torrey por “qualquer confusão a esse respeito”. Muito interessante que um valentão queira pedir desculpas ao outro valentão quando a pessoa entre os valentões não tinha feito nada de errado. O esquema era ridículo, e até mesmo o próprio advogado contratado pela Cochrane não descobriu que eu havia quebrado a política, nem neste caso, nem em outro caso semelhante que também era sobre a psiquiatria,36 mas tais bagatelas não importam para os valentões. Não havia problema, mas Wilson inventou um. Era claro que o pedido vinha do Centro; que eu, como diretor, estava autorizado a falar em nome do meu Centro; e as minhas opiniões eram até compartilhadas pela minha equipe. Além disso, a minha carta não era um anúncio público, mas uma carta para um financiador. Ninguém podia ficar “confuso”.

O advogado americano Ryan Horath descreveu a farsa desta forma [36]:

Os líderes da Cochrane ficaram obcecados com Gøtzsche usar o papel timbrado nórdico da Cochrane para enviar esse pedido. E um número muito grande de pessoas parece concordar com a obsessão da diretoria … JESUS CRISTO, O QUE HÁ DE ERRADO COM VOCÊS? Um pesquisador está fazendo perguntas sobre a supressão de informações relativas a crianças que morreram em um ensaio clínico e todos estão preocupados com o papel timbrado em que a carta está escrita? … Pior ainda, é claro que o ultraje ao uso do papel timbrado da Cochrane é um ultraje fingido, já que se tratava de uma carta privada. Fuller Torrey estava confuso sobre se a carta representava o ponto de vista da Cochrane? Aparentemente não … Em vez disso, Torrey argumentou que Gøtzsche não era ‘objetivo’ e que isso prejudicava a reputação da Cochrane – algo totalmente diferente … Portanto, o uso desta reclamação por parte da Cochrane em seu caso foi enganoso. A queixa é sobre uma coisa, e eles a usaram como prova de outra (alegação falsa). É assim que os tribunais cangurus operam. 

Qual é a linha de fundo dos neurolépticos?

Inúmeros estudos não confiáveis foram elaborados para fabricar um conto de fadas sobre os neurolépticos ajudando as pessoas a sobreviver a sua psicose. Eu dissequei alguns deles em meu livro anterior.[4] Eles têm sérias falhas e os pacientes que estão sendo comparados – os com neurolépticos e os sem – para começar não são comparáveis. Particularmente uma médica finlandesa, Jari Tiihonen, publicou um estudo enganoso após um outro.[4]

Que você não preste atenção a esses relatórios. Whitaker uma vez me escreveu que era necessária uma extraordinária ginástica mental pelos psiquiatras para concluir que essas drogas, que causam obesidade, disfunção metabólica, diabetes, discinesia tardia, arritmias cardíacas letais, etc., protegem contra a morte. Além disso, como observado acima, os psiquiatras frequentemente tiram a esperança dos pacientes de um dia viverem uma vida normal. Por que se preocupar em ter um estilo de vida saudável, se a vida nunca valerá a pena ser vivida? Não é apenas os neurolépticos, que muitas vezes estão em combinação com muitas outras drogas psiquiátricas e que matam os pacientes, é o pacote completo que a psiquiatria lhes entrega.

Se pacientes agudamente perturbados precisam de algo para acalmá-los, os benzodiazepínicos são muito menos perigosos e até parecem funcionar melhor.[95] Quando perguntei aos pacientes se prefeririam uma benzo- diazepina ou um neuroléptico na próxima vez que desenvolvessem uma psicose e sentissem que precisavam de uma droga, todos disseram que prefeririam uma benzodiazepina. Por que então não é isso o que eles obtêm?

Pílulas da depressão

As pílulas da depressão são o garoto-propaganda da psiquiatria, os comprimidos que mais ouvimos falar, e os comprimidos mais usados, em alguns países por mais de 10% da população.

Como observado, é um dos segredos mais bem guardados da psiquiatria que os psiquiatras matam muitos pacientes com neurolépticos. Outro segredo bem guardado é que eles também matam muitos pacientes com pílulas da depressão, por exemplo, pacientes idosos que perdem o equilíbrio e quebram o seu quadril.[4,96]

Os psiquiatras lutaram muito para esconder a terrível verdade de que as pílulas da depressão duplicam o risco de suicídio, não apenas em crianças, mas também em adultos.[2,4,97-100] Os ensaios controlados por placebo são extremamente enganadores neste aspecto, e muito tem sido escrito sobre como as empresas farmacêuticas têm escondido pensamentos suicidas, comportamento suicida, tentativas de suicídio e suicídios em seus relatórios dos ensaios publicados, seja jogando os eventos para debaixo do tapete para que ninguém os veja, ou chamando-os de uma outra coisa.[2,4,101] Esta fraude maciça é rotineira nas empresas farmacêuticas. Eu dediquei uma grande parte à fraude em meu livro de psiquiatria de 2015 [4], e, portanto, vou mencionar aqui apenas alguns resultados de pesquisas recentes.

Meu grupo de pesquisa descobriu que, em comparação com placebo, as pílulas da depressão duplicam a ocorrência de eventos precursores definidos pela FDA para o suicídio e a violência em voluntários adultos saudáveis [97]; que elas aumentam 2-3 vezes a agressão em crianças e adolescentes [55], uma descoberta muito importante considerando os muitos tiroteios escolares em que os assassinos estavam a tomar pílulas da depressão; e que elas aumentam o risco de suicídio e violência em 4-5 vezes em mulheres de meia idade com incontinência urinária por estresse, julgadas pelos eventos precursores definidos pela FDA.98 Além disso, duas vezes mais mulheres experimentaram um evento psicótico central ou potencial.[98]

Os psiquiatras dispensam os resultados das pesquisas que vão contra os seus interesses. Eles também criticaram o nosso uso de eventos precursores, mas não há nada de errado com isso. O uso de eventos precursores para suicídio e violência é semelhante ao uso de fatores prognósticos para doenças cardíacas. Porque o fumo e a inatividade aumentam o risco de ataques cardíacos, é que recomendamos que as pessoas parem de fumar e comecem a se exercitar.

É cruel que a maioria dos líderes psiquiátricos diga – mesmo na TV102 nacional – que as pílulas da depressão podem ser dadas com segurança às crianças porque não houve um aumento estatisticamente significativo de suicídios nas pesquisas, apenas em pensamentos e comportamentos suicidas, como se não houvesse relação entre os dois.[4] Os psiquiatras recompensam as empresas por suas fraudes enquanto sacrificam as crianças. Todos sabemos que um suicídio começa com um pensamento suicida seguido de preparativos e uma ou mais tentativas.

Um psiquiatra americano que argumentou que o comportamento suicida não deveria contar porque é “um substituto não validado e inapropriado” se contradisse, como escreveu no mesmo artigo que, “A história de uma tentativa anterior de suicídio é um dos mais fortes preditores de suicídio completo”, e também escreveu que a taxa de suicídio é 30 vezes maior em tentativas anteriores do que sem tentativas.[103] Isso é uma dissonância cognitiva completa com consequências mortais para os nossos filhos.

Quando escrevi o meu livro de 2015, ficou claro para mim que os suicídios devem aumentar não apenas em crianças, mas também em adultos, mas que as muitas análises e relatórios eram confusos com alguns tendo encontrado isso enquanto que outros não.[4]

O cerne da questão é que muitas tentativas de suicídio e suicídios são deixados de fora nos relatórios. Em 2019, encontrei evidências adicionais disso, quando comparei uma publicação de ensaio [104] com o correspondente relatório de estudo clínico de 1008 páginas submetido aos reguladores de medicamentos.[105] Os autores do relatório publicado não mencionaram que duas das 48 crianças tentaram o suicídio com fluoxetina contra nenhuma das 48 crianças em placebo. O primeiro autor, Graham Emslie, atribuiu falsamente o financiamento do estudo ao Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, mas os dados da FDA mostraram que o estudo havia sido patrocinado pelo fabricante da fluoxetina, Eli Lilly.[106]

Tentativas de suicídio e suicídios não são apenas ocultados durante o estudo. Na maioria das vezes, elas também são omitidas quando ocorrem logo após o término da fase aleatória [4]:

Ensaios sertralinos em adultos; n: número de suicídios e tentativas de suicídio; N: número de pacientes; acompanhamento: tempo após o término da fase aleatória; RR: relação de risco; CI: intervalo de confiança.

Quando a FDA fez uma meta-análise da sertralina usada em adultos (Tabela 30 em seu relatório),107 eles não encontraram um aumento no suicídio, as tentativa de suicídio, as automutilação combinados, a relação de risco 0,87 e o intervalo de confiança de 95% 0,31 a 2,48.

A própria meta-análise da Pfizer encontrou uma redução pela metade dos eventos suicidas quando todos os eventos que ocorreram mais de 24 horas após a fase aleatorizada finalizada terem sido  omitidos.108 Entretanto, quando a Pfizer incluiu eventos que ocorreram até 30 dias depois, houve um aumento nos eventos suicidas de cerca de 50%.

Uma meta-análise de 2005 realizada por pesquisadores independentes usando dados do regulador de drogas do Reino Unido encontrou uma duplicação em suicídio ou automutilação, quando os eventos após 24 horas foram incluídos.[109] Esses pesquisadores observaram que as empresas haviam subnotificado o risco de suicídio em seus ensaios, e também descobriram que a automutilação não fatal e o suicídio foram seriamente subnotificados em comparação com os suicídios relatados.

Foi muito grande uma outra meta-análise dos ensaios realizada em 2005 por pesquisadores independentes, pois incluía todos os medicamentos (87.650 pacientes) e todas as idades.[110] Encontramos o dobro de tentativas de suicídio com drogas do que com placebo, odds ratio (que é o mesmo que razão de risco quando os eventos são raros) 2,28, 95% CI 1,14 a 4,55. Os investigadores relataram que muitas tentativas de suicídio devem ter sido perdidas. Alguns dos investigadores do estudo responderam que houve tentativas de suicídio não relatadas por eles, enquanto outros responderam que nem sequer as procuraram. Além disso, os eventos ocorridos logo após a interrupção do tratamento ativo não foram contados.

A razão pela qual é tão importante incluir eventos suicidas ocorridos após o término da fase aleatória é que eles refletem muito melhor o que acontece na vida real do que em um ensaio rigorosamente controlado, onde os investigadores motivam os pacientes a tomar cada dose do  medicamento em estudo. Na vida real, os pacientes perdem doses porque se esquecem de tomar as pílulas indo para o trabalho, para a escola ou em uma viagem de fim de semana, ou que pegam umas férias das drogas porque as pílulas os impediriam de ter relações sexuais (veja abaixo).

É diferente de estudo para estudo o que acontece quando ele é  concluído. Às vezes, os pacientes recebem tratamento ativo, às vezes apenas os pacientes tratados é que continuam com tratamento ativo, e às vezes não há tratamento.

Em 2019, dois pesquisadores europeus finalmente puseram um fim à negação feroz dos psiquiatras de que as pílulas da depressão também são perigosas para os adultos. Eles reanalisaram os dados da FDA e incluíram danos ocorridos durante o acompanhamento.[99] Eles foram criticados e publicaram análises adicionais.100 Como outros pesquisadores, eles descobriram que eventos suicidas haviam sido manipulados, por exemplo: “Dois suicídios registrados erroneamente no grupo placebo do programa  de aprovação de paroxetina retirada”.100 Eles relataram o dobro de  suicídios nos grupos ativos do que nos grupos placebo, odds ratio 2,48 (95% CI 1,13 a 5,44).

Não deveria haver mais debate sobre se as pílulas da depressão causam suicídios em todas as idades. Elas causam. Mesmo a FDA, que fez o máximo para proteger as empresas farmacêuticas que comercializam as pílulas da depressão,2,4 foi forçada a ceder quando admitiu em 2007, pelo menos indiretamente, que as pílulas da depressão podem causar suicídio em qualquer idade [4,111]:

“Todos os pacientes sendo tratados com antidepressivos para qualquer indicação devem ser monitorados apropriadamente e observados de perto quanto ao agravamento clínico, suicídio e mudanças incomuns de comportamento, especialmente durante os primeiros meses de um curso de terapia medicamentosa, ou em momentos de mudanças de dose, seja aumentando ou diminuindo. Os seguintes sintomas, ansiedade, agitação, ataques de pânico, insônia, irritabilidade, hostilidade, agressividade, impulsividade, acatisia (agitação psicomotora), hipomania e mania, têm sido relatados em pacientes adultos e pediátricos sendo tratados com antidepressivos … Famílias e cuidadores de pacientes devem ser aconselhados a procurar o aparecimento de tais sintomas no dia-a-dia, uma vez que as mudanças podem ser abruptas”.

A FDA finalmente admitiu que as pílulas da depressão podem causar loucura em todas as idades e que as drogas são muito perigosas – caso contrário, não seria necessário o monitoramento diário. É preciso dizer, entretanto, que o monitoramento diário é uma correção falsa de um problema das drogas mortais. As pessoas não podem ser monitoradas a cada minuto, e muitas se matam com meios violentos, por exemplo, enforcando-se, atirando-se de uma janela, se esfaqueando ou pulando na frente de um trem, quando para os seus entes queridos pareciam estar perfeitamente bem.[2,4]

Mas a negação organizada continua inabalável.4 Dois anos após o anúncio da FDA, o governo australiano declarou: “O termo suicídio abrange a ideação suicida (pensamentos sérios sobre tirar a própria vida), planos suicidas e tentativas de suicídio. As pessoas que experimentam a ideação suicida e fazem planos suicidas correm um risco maior de tentativas suicidas, e as pessoas que experimentam todas as formas de pensamentos e comportamentos suicidas correm um risco maior de completar o suicídio”.[112]

É verdade, mas por que situações de suicídio não incluem o próprio suicídio? Se você quer descobrir quão perigoso é o montanhismo, e você inclui ferimentos quando as pessoas têm pensamentos sérios sobre escalar montanhas e frequentar um centro de fitness, e ferimentos quando planejam escalar uma montanha e quando tentam fazer isso, você então excluiria as mortes devido a quedas? Claro que não, mas isto foi o que o governo australiano fez. Eles mostraram a prevalência vitalícia do suicídio, dividido em ideação suicida, plano suicida e tentativa de suicídio, mas não havia dados sobre suicídios.[112]

Há um longo caminho a percorrer. Em nossa revisão de 39 websites populares em 10 países, que realizamos em 2018, descobrimos que 25 afirmaram que as pílulas da depressão podem causar um aumento da ideação suicida, mas 23 (92%) deles continham informações incorretas, e apenas dois (5%) websites observaram que o risco de suicídio é aumentado em pessoas de todas as idades.[32]

As pílulas da depressão podem causar violência e homicídios.[2,4] Mas este também é um dos segredos bem guardados da psiquiatria. Particularmente nos EUA, psiquiatras e autoridades não dirão ao público se o perpetrador estava tomando uma pílula para a depressão. Pode levar muito tempo e envolver pedidos de Liberdade de Informação ou processos judiciais, antes que qualquer coisa seja revelada.

Demorou bastante tempo até que soubéssemos que o piloto aéreo alemão que levou um avião inteiro com ele quando se suicidou nos Alpes, e que o motorista belga de ônibus que matou muitas crianças ao jogar o seu ônibus contra um muro, também nos Alpes, estavam eles a tomar pílulas da depressão.

Apesar de suspeitarmos da subnotificação de sérios danos nos relatórios de estudos clínicos que examinamos – alguns resultados apareceram  apenas em listas de pacientes individuais em apêndices, as quais tivemos para apenas 32 dos nossos 70 ensaios, e não tínhamos formulários de  relato de caso em nenhum dos ensaios – encontramos eventos alarmantes, e que nunca se verá serem publicados em revistas médicas.[55] Aqui estão alguns exemplos:

Quatro mortes foram falsamente relatadas pela empresa, em todos os casos favorecendo o medicamento ativo.

Um paciente recebendo venlafaxina tentou suicídio por estrangulamento sem aviso prévio e morreu cinco dias depois no hospital. Embora a tentativa de suicídio tenha ocorrido no dia 21 dos 56 dias de tratamento aleatório, a morte foi chamada de evento pós-estudo, pois ocorreu no hospital e o tratamento havia sido interrompido por causa de uma tentativa de suicídio.

Embora as narrativas de pacientes ou as listas individuais de pacientes tenham mostrado que foram tentativas de suicídio, as 27 das 62 tentativas foram codificadas enquanto incapacidade emocional ou agravamento da depressão, que é o que se vê nas publicações, e não enquanto tentativas de suicídio.

Uma tentativa de suicídio (overdose intencional com paracetamol em  um paciente com fluoxetina) foi descrita nas tabelas de eventos adversos como “enzimas hepáticas elevadas”, que é o que se obtém quando se bebe um pouco de álcool.

É de particular relevância para os muitos tiroteios escolares que os seguintes eventos para 11 pacientes com uma pílula para a depressão foram listados sob a rubrica agressão para as narrativas feitas pelos pacientes de eventos adversos graves: ameaça homicida, ideação homicida, agressão, abuso sexual, ameaça de levar uma arma para a escola, danos à propriedade, socos em artigos domésticos, agressão, ameaças verbalmente abusivas e agressivas, e beligerância.

Acatisia é um sentimento horrível de inquietação interior, que aumenta o risco de suicídio, violência e homicídio. Só podíamos identificar a acatisia se tivéssemos acesso aos termos na sua forma literal, mas mesmo assim descobrimos que, como a agressão, a acatisia era vista duas vezes mais frequentemente nas pílulas do que no placebo. Em três ensaios com sertralina onde tivemos acesso tanto aos termos literais como aos termos codificados preferidos, a acatisia foi codificada como “hipercinesia”, e o erro de codificação parecia ter prevalecido também nos ensaios com paroxetina, já que não encontramos um único caso de acatisia.

Para as drogas fluoxetina e duloxetina da Eli Lilly, comparamos os nossos achados com os relatórios resumidos de ensaios que estão disponíveis no site da empresa.

Na maioria dos casos, os eventos adversos só foram mostrados se ocorreram, por exemplo, em pelo menos 5% dos pacientes. Desta forma,  as empresas podem evitar relatar muitos danos graves. Constatamos que os eventos suicidas e os danos que aumentam o risco de violência foram seriamente subnotificados:

Apenas 2 de 20 tentativas de suicídio (17 sob drogas, 3 sob placebo) foram documentadas. Nenhum dos 14 eventos de ideação suicida (11 contra 3) foi mencionado. Apenas 3 eventos de acatisia (15 contra 2)  foram mencionados.

Acatisia também é vista com outras drogas psiquiátricas, por exemplo, os neurolépticos (veja abaixo). Acatisia vem do grego e significa incapacidade de ficar quieto. Os pacientes podem se comportar de forma agitada, que não podem controlar, e podem experimentar uma raiva insuportável, delírios e dissociação.[80] Eles podem andar sem parar, mexer nas cadeiras e torcer as mãos – que têm sido descritas como ações que refletem um tormento interior.[1] A acatisia não precisa ter sintomas  visíveis, porque pode ser uma extrema ansiedade e agitação interior, que é como este dano é descrito nas informações do produto para Zyprexa. Em um estudo, 79% dos pacientes mentalmente doentes que haviam tentado se matar sofriam de acatisia.[1] Outro estudo relatou que a metade de todas as brigas em uma enfermaria psiquiátrica estavam relacionadas à acatisia,[5,113] e um terceiro estudo descobriu que doses moderadas a altas de haloperidol, um neuroléptico, tornou metade dos pacientes marcadamente mais agressivos, às vezes a ponto de querer matar os seus psiquiatras.[1]

Como as pílulas da depressão têm efeitos puramente sintomáticos e muitos danos, é altamente relevante descobrir o que os pacientes pensam sobre elas quando pesam os benefícios contra os danos. Os pacientes fazem isso quando decidem se devem continuar em um ensaio até o final ou se devem desistir dele.

Foi um trabalho enorme estudar as desistências nos ensaios controlados por placebo. Incluímos 71 relatórios de estudos clínicos que tínhamos obtido das agências médicas europeias e britânicas, com informações sobre 73 ensaios e 18.426 pacientes. Ninguém antes, exceto o meu grupo de pesquisa, jamais havia lido as 67.319 páginas sobre esses ensaios, que equivalem a 7 metros se empilhadas. Mas valeu bem a pena o esforço; 12% a mais de pacientes abandonaram o estudo enquanto consumiam drogas do que enquanto consumiam placebo.[114]

Este é um resultado terrivelmente importante. A visão dos psiquiatras é que as pílulas da depressão fazem mais bem do que mal [4] e a visão dos pacientes é a oposta. Os pacientes preferiram placebo, embora alguns deles tenham sido prejudicados pelos efeitos da interrupção abrupta. Isso significa que as drogas são ainda piores do que as encontradas nos ensaios com interrupção abrupta.

Como tivemos acesso a dados detalhados, pudemos incluir pacientes em nossas análises que os investigadores haviam excluído, por exemplo, porque algumas medições não haviam sido feitas. Nosso resultado é único e confiável, em contraste com as análises anteriores que utilizavam, em sua maioria, dados publicados. Elas não conseguiram encontrar mais desistências de medicamentos do que de placebo;[114] por exemplo, uma grande revisão de 40 ensaios (6391 pacientes), quando a paroxetina foi comparada com o placebo, relatou que as desistências foram as mesmas (risco relativo de 0,99).

Em seguida, decidimos olhar para a qualidade de vida nessas mesmas pesquisas. Tendo em vista o nosso resultado para as desistências; o pequeno benefício das pílulas da depressão não tem nenhuma relevância para os pacientes; e com as muitas pílulas e os frequentes danos, esperávamos que a qualidade de vida fosse pior nas pílulas do que no placebo.

Éramos talvez um pouco ingênuos, porque agora tínhamos chegado muito perto dos segredos das pílulas da depressão. O que encontramos – ou melhor, não encontramos – foi chocante.[115] O relato da qualidade de vida relacionada à saúde era praticamente inexistente. Em cinco ensaios, não ficou claro qual o instrumento utilizado e nenhum resultado estava disponível. Incluímos 15 ensaios (4.717 pacientes e 19.015 páginas de relatórios de estudo), uma quantidade substancial de dados sobre os quais basear as conclusões. Entretanto, 9 dos 15 relatórios de ensaios clínicos apresentavam relatórios seletivos e, nos registros online das empresas, havia relatórios seletivos para todos os 15 ensaios. Recebemos 20 publicações da Eli Lilly e recuperamos 6 do registro da GlaxoSmithKline. Havia relatórios seletivos em 24 das 26 publicações. Apesar desse extenso relatório seletivo, encontramos apenas pequenas diferenças entre o medicamento e o placebo.

Isto foi mais do que um bloqueio de estrada; foi sabotagem. As  empresas são obrigadas a garantir que o que submetem às agências reguladoras de medicamentos para obter a aprovação para a comercialização seja um relato honesto do que aconteceu, e que dados ou informações importantes não foram deixados de fora. Nós nos perguntamos por que as agências reguladoras de medicamentos não haviam solicitado às empresas os dados em falta.

As pílulas que destroem a sua vida sexual são chamadas de pílulas da felicidade

No mundo de cabeça para baixo da psiquiatria, as pílulas que destroem a sua vida sexual são chamadas de pílulas da felicidade. Metade dos pacientes que tiveram uma vida sexual normal antes de começar a tomar uma pílula para a depressão terão a sua vida sexual perturbada ou impossibilitada.[4,116] Os distúrbios sexuais podem se tornar permanentes e quando os pacientes descobrem que nunca mais poderão ter relações sexuais, por exemplo por causa da impotência, alguns se matam.[117,118] Quando dei uma palestra para psiquiatras infantis australianos em 2015, um deles disse conhecer três adolescentes que tomavam pílulas da depressão e que tinham tentado o suicídio porque não conseguiram ter uma ereção na primeira vez que tentaram ter relações sexuais.

É tão cruel. E ainda assim, a negação profissional é generalizada. Os pacientes são frequentemente humilhados ou ignorados pelos seus médicos que se recusam a acreditar neles. Alguns pacientes são informados de que tais complicações ao tomar as pílulas da depressão são impossíveis, e outros são colocados em neurolépticos depois de terem sido informados de que seu problema é psicossomático.[118]

Um paciente que havia enviado alguns links para estudos e revisões sobre disfunções sexuais pós-ISRS recebeu esta resposta: “Se você deseja ter tal ‘síndrome’ continue o que você está fazendo… leia estudos e revisões obscuras em bancos de dados obscuros e eu posso garantir que você terá isso até o fim da sua vida”!

De longe, a maioria dos pacientes que tomam uma pílula para a depressão sentirá que algo mudou em seus genitais, e muitos reclamam que muito tempo depois de terem saído das pílulas, as suas emoções continuam adormecidas; eles também deixam de se importar com a sua própria vida ou a das outras pessoas, como faziam antes das pílulas.

O professor de psiquiatria David Healy me disse que alguns pacientes podem esfregar uma pasta de pimenta em seus genitais sem nada sentir. Em seu trabalho como perito, ele tem visto dados que ninguém fora da indústria farmacêutica jamais viu, que são lacrados assim que a empresa no tribunal faz um acordo com as vítimas. Healy descreveu que, em alguns ensaios inéditos da fase 1, que são realizados antes de um medicamento ser testado em pacientes, mais da metade dos voluntários saudáveis teve disfunção sexual grave que, em alguns casos, durou após a interrupção do tratamento.[119]

O entorpecimento dos genitais é usado na comercialização. A pílula de depressão Priligy (dapoxetina) foi aprovada na União Europeia para tratar a ejaculação precoce.

É interessante contrastar isto com as informações fornecidas nas bulas, por exemplo, a do Prozac (fluoxetina).[120] Desde o início, elas colocam a culpa no paciente e não na droga: “mudanças no desejo sexual, no desempenho e na satisfação sexual frequentemente ocorrem como manifestações de um transtorno psiquiátrico”. Assim, um cientista da FDA descobriu que Smith-Kline Beecham tinha escondido problemas sexuais com a paroxetina ao culpar os pacientes, por exemplo, a anorgasmia feminina foi codificada como “Transtorno Genital Feminino”.[121]

Healy enviou uma petição a Guido Rasi, diretor da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), em junho de 2019, assinada por um grande grupo de clínicos e pesquisadores. A EMA indicou que pediria às empresas que mencionassem as disfunções sexuais persistentes nas bulas das pílulas da depressão. Seis meses mais tarde, Healy enviou uma nova carta à Rasi declarando que as agências de medicamentos haviam respondido que estas condições poderiam ser decorrentes da doença e não do tratamento. Ele acrescentou: “A melancolia, que é muito rara, pode levar a uma diminuição da libido, mas o tipo de depressão para a qual os ISRSs são prescritos não diminui a libido. De fato, assim como as pessoas se consolam comendo quando estão ‘nervosas’, assim também muitas vezes têm mais sexo na tentativa de lidar com a sua ‘depressão'”.

Em sua bula [120], Eli Lilly afirma que, “algumas evidências sugerem que os ISRSs podem causar tais experiências sexuais desagradáveis”. Não é uma evidência. Quando se olha para todas as evidências, fica muito claro que estas drogas arruínam a vida sexual das pessoas.

O modo de negação da Lilly continua: “Estimativas confiáveis da incidência e da gravidade de experiências incômodas envolvendo desejo sexual, desempenho e satisfação são difíceis de se obter, contudo, em parte porque pacientes e médicos podem relutar em discuti-las”. Já que temos essas evidências, qual é então o problema que a Lilly tem em reconhecer o que aparece?

Nos ensaios clínicos da Lilly[120],”a diminuição da libido foi o único efeito secundário sexual relatado por pelo menos 2% dos pacientes que tomavam fluoxetina (4% de fluoxetina, <1% de placebo)”. Se você não perguntar, você não verá os problemas. Em um estudo cuidadosamente conduzido, 57% das 1022 pessoas que tiveram uma vida sexual normal antes de tomar uma pílula de depressão experimentaram diminuição da libido; 57% atrasaram o orgasmo ou a ejaculação; 46% não tiveram orgasmo ou ejaculação; e 31% tiveram disfunção erétil ou diminuíram a lubrificação vaginal.[116] Não há nada sobre isso na bula de Lilly, além de: “Em mulheres tomando fluoxetina houve relatos espontâneos de disfunção orgásmica, incluindo anorgasmos. Não há estudos adequados e bem controlados examinando a disfunção sexual com o tratamento com fluoxetina. Os sintomas de disfunção sexual ocasionalmente persistem após a interrupção do tratamento com fluoxetina”.

Algumas bulas são mais verdadeiras, por exemplo, para a venlafaxina:[122] diminuição da libido 2%, ejaculação anormal/orgasmo 12%, impotência 6%, e perturbação do orgasmo 2%. Mas isto ainda está longe de ser verdade.

  • Se você se sentir deprimido, não vá ao seu médico, que muito provavelmente irá prescrever uma pílula da depressão para você.
  • Nunca aceite tratamento com uma pílula da depressão. É provável que isso torne a sua vida mais miserável.
  • Não acredite em nada que os médicos lhe digam sobre as pílulas da depressão. É muito provável que esteja
  • As pílulas da depressão são perigosas. Elas aumentam o risco de suicídio, violência e homicídio em todas as idades.
  • As pílulas da depressão podem destruir a sua vida sexual, e no pior dos casos permanentemente.

Capítulo 2. A psiquiatria é baseada em evidências?

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[Trad. e Ed. Fernando Freitas]

NOTA DE REPÚDIO AO ATAQUE CONTRA A REFORMA PSIQUIÁTRICA BRASILEIRA

O Ministério da Saúde (MS), por meio da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, instituiu um grupo de trabalho no qual propôs a revisão da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e a criação de uma nova proposta de modelo assistencial em Saúde Mental. O MS prepara o “revogaço”, que consiste na revogação de cerca de cem portarias sobre Saúde Mental, ameaçando diversos programas e serviços do setor de Psiquiatria e Saúde Mental.

Na reunião realizada na Câmara Técnica da Comissão Intergestores Tripartite, no dia 03/12/2020, foi apresentada a proposta de revogação de todas as portarias que embasam o processo de construção do modelo comunitário de saúde mental do SUS. Este modelo, amplamente debatido e aprovado em quatro conferências nacionais (1987, 1992, 2001 e 2010), fundamentado na Lei da Saúde Mental (10.216/2001), é orientado pela ética do cuidado em liberdade.

A proposta do governo Bolsonaro se baseia em um modelo que prima pela centralidade nas internações psiquiátricas, cujo domínio é orientado por um modelo de cuidado reducionista e exclusivamente médico-psiquiátrico.

O governo brasileiro ao propor uma política sem amplo debate e participação de usuários, familiares e trabalhadores, orientado unicamente por uma corporação médica, fere o princípio e o direito fundamental da ampla participação, que é o alicerce do Estado democrático.

Como se não fosse suficiente termos um general a frente do Ministério da Saúde em uma pandemia de Covid-19, estão ameaçando o programa de reestruturação da assistência psiquiátrica hospitalar no SUS, as equipes de consultório de rua, os serviços de Residência Terapêutica e o programa de Volta para Casa.

Também corre risco a Rede de Atenção para pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, o modelo de atendimento ambulatorial e de financiamento dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). Objetivamente, estamos diante do risco de desmonte das Políticas Públicas de Saúde Mental resultantes do processo de revisão do paradigma assistencial na Saúde Mental.

Especificamente em relação à atenção das crianças e adolescentes, o documento da Associação Brasileira de Psiquiatria (2020) que inspira a proposição atual do Ministério da Saúde, propõe, dentre outras coisas: a) Criação de Hospitais-Dia, com finalidade “de observação, manipulação de condutas, e determinação de níveis de desenvolvimento […] indicado para crianças pré-escolares (ABP, 2020, p. 17); b) Interconsulta nas escolas para “detecção dos principais problemas de aprendizado ou comportamentais que dificultam o desempenho ou a inserção da criança”; c) Formação de profissionais para atendimento de crianças e adolescentes “segundo teoria e prática referendada pela ABP” (Idem, p. 18, grifo nosso).

Ora, manipular condutas, detectar problemas com finalidade de adequação e desempenho, impor a hegemonia de um único campo de conhecimento na organização do cuidado em saúde mental de crianças e adolescentes, são reproduções do modelo higienista vigente nas primeiras décadas da República, responsável pela institucionalização, segregação, exclusão e silenciamento das infâncias e adolescências brasileiras.

Esse retrocesso é inaceitável posto que não é ético, não é legítimo, não está referendado em consensos amplos, participativos e fundamentados – como são as conferências nacionais do SUS.

No Brasil, vivenciávamos um importante momento histórico, no qual a loucura era sido revisitada e novas construções feitas, a partir da perspectiva da promoção da cidadania e bem-estar social para aqueles que padecem de sofrimento psíquico. A década de 80 foi marcada por um processo de redemocratização do país, após duas décadas de regime militar. Tomou forma o “Movimento pela Reforma Sanitária”, tendo em vista a abertura e livre acesso da população à assistência à saúde. A expressão foi usada para se referir ao conjunto de ideias que se tinha em relação às mudanças e transformações necessárias na área da saúde. Essas mudanças não abarcavam apenas o sistema, mas todo o setor saúde, em busca da melhoria das condições de vida da população.

Tais ações culminaram na inclusão na atual Constituição Federal, promulgada em 1988, em seu artigo 196, que consagra a noção de saúde enquanto direito de todos e dever do Estado. Disposto da seguinte forma: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (C.F. 1988, artigo 196).

Ainda na Constituição Federal, no artigo 199: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º – As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º – É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

Cabe indagar qual é o interesse dessa psiquiatria privada que segue o modelo biologicista medicalizante em auxiliar (embasar) mudanças estruturais nas regulamentações e na operacionalização do SUS?

Em 1990, com a aprovação da Lei 8.080, também chamada de Lei Orgânica da Saúde, a qual institui o Sistema Único de Saúde, preconizou-se a criação de uma rede pública e/ou conveniada – de caráter complementar – de serviços de saúde e atenção integral à população nos níveis de prevenção, promoção e reabilitação.

O SUS é norteado com base em princípios e diretrizes que visam balizar suas ações e contribuir para a conservação de suas bases fundamentais. Os princípios de integralidade, respeito à singularidade, diversidade de abordagens, territorialidade, humanização e reintegração social, estão na base do paradigma de Atenção Psicossocial da Reforma Psiquiátrica brasileira e são garantidos pela lei 10.216, de 06 de abril de 2001.

Sendo assim, violar estes princípios significa também violar o que dispõe a constituição brasileira sobre o assunto. Na prática, a proposta do MS decreta a extinção da Reforma Psiquiátrica Brasileira, ao atingi-la em seus alicerces, e cria um retrocesso institucional de décadas. O tipo de psiquiatria que sustenta esse discurso atroz não tem condições de estabelecer políticas de cuidado que não sejam excludentes, segregatórias, desumanas.

É pela imprescindível necessidade de um atendimento ao sofrimento psíquico em liberdade, dispondo de múltiplas abordagens teóricas, trabalho inter/transdisciplinar, e diferentes dispositivos de assistência, que precisamos nos posicionar com firmeza contra essa proposta descabida de mudança do modelo assistencial em Saúde Mental do Ministério da Saúde do (des)governo Bolsonaro. Trata-se de mais um descalabro, um crime contra a saúde pública e a humanização do atendimento, proposto por um governo que vem mergulhando o país nas trevas do atraso, do obscurantismo e do negacionismo. Desta vez, com o retorno do modelo de exclusão manicomial.

Concluo enfatizando que não podemos tolerar tamanho retrocesso nas conquistas civilizatórias, humanitárias e democráticas, que foram duramente conquistadas em nosso país.

Agradeço especialmente ao psiquiatra Manoel Olavo Loureiro Teixeira pelas conversas que contribuíram para a formulação deste texto.

Saúde mental: Revogaço do Ministério da Saúde ameaça milhares de pessoas que cruzaram o inferno e ousaram desejar a vida que pulsa mais forte

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Publicado em VIOMUNDO. “Nessa semana, o Ministério da Saúde apresentou aos conselhos Nacional de Secretários de Saúde  (Conass) e de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) um conjunto de “propostas” em relação às políticas de Saúde Mental.

Na verdade, um revogaço de cerca de 100 portarias, editadas sobre saúde mental, de 1991 a 2014.

Para quem não é da área, pode parecer à primeira vista que seria mera eliminação de portarias “antigas”, velhas”, visando à “modernização”.

Puro engano.”

A  matéria traz entrevistas e depoimentos em vídeos. Clique aqui para ver o conteúdo  na íntegra →

Aos gestores e trabalhadores da saúde mental e aos amigos e às amigas da lutaantimanicomial brasileira

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Acho muito importante explicitar minha posição frente ao documento “Diretrizes para um modelo de Atenção em Saúde Mental no Brasil” produzido por várias organizações e, dentre elas, a Associação Brasileira de Psiquiatria. Esse documento cita dois de meus artigos de 1990 e 1994 (escrevi mais de 150 artigos de 1994 até hoje mostrando minha posição antimanicomial inequívoca, mas eles não são citados).

Acho importante esclarecer que a cortesia, que me foi dada ao citar dois de meus escritos, entretanto, não corresponde a nenhum tipo de concordância, de minha parte, com as posições expressas no documento.

As recomendações finais do documento expressam exatamente o contrário do meu pensamento (por exemplo, não considero, jamais, o eletrochoque como um tratamento a ser recomendado e estou convencido de que qualquer forma de internação em manicômios é uma violação dos princípios terapêuticos e éticos expressos na Convenção das Nações Unidas sobre os direitos de pessoas com deficiência).

Acho que precisamos investir em seis áreas principais:

1. Em primeiro lugar, a integração da atenção à saúde mental nos serviços primários de saúde é um componente fundamental da atenção integral à saúde mental. A equipe de atenção primária deve ser capaz de fornecer identificação precoce de transtornos mentais, tratamento de pacientes psiquiátricos estáveis, encaminhamento para outros níveis, quando necessário. No entanto, muitas vezes, a ênfase no papel da atenção primária
tem sido a desculpa para não investir em atenção secundária de saúde mental, isto é, em serviços comunitários de saúde mental. Que esteja muito claro: somente se houver cuidados de saúde mental comunitários fortes e generalizados, o pessoal da atenção primária será capaz de funcionar com eficácia. Se não houver nada entre a atenção primária e a terciária, a equipe da atenção primária será capaz de fazer muito pouco e provavelmente falharam m suas tentativas. Portanto, prefiro falar da equipe da atenção primária e da equipe da atenção secundária como partes de uma organização única e harmoniosa, em estreita comunicação e com gestão conjunta dos casos mais complicados.

2. Em segundo lugar, precisamos de mais investimentos em “Cuidados de Saúde Mental Comunitária”. Hoje, existe um amplo consenso que demonstra que a atenção à saúde mental deve abandonar o modelo exclusivamente hospitalar e caminhar para a atenção baseada na comunidade. Essa mudança é necessária por três motivos: ampliar a cobertura, melhorar a qualidade do atendimento e reduzir as violações de direitos humanos. As equipes comunitárias devem, então, ser substancialmente fortalecidas.

3. O terceiro é o foco em hospitais gerais. Os ambientes de hospitais gerais oferecem um local mais acessível e aceitável para atendimento médico 24 horas por dia para pessoas com transtornos mentais agudos. Não precisamos admitir pacientes agudos em hospitais psiquiátricos. Não há mais polêmica sobre isso: é um assunto que tem muitas evidências científicas.

4. Em quarto lugar precisamos fortalecer os processos da desinstitucionalização do Hospital Psiquiátrico. As instituições psiquiátricas têm um histórico de graves violações dos direitos humanos, com resultados clínicos ruins e programas de reabilitação inadequados. Eles também são caros e consomem uma parcela desproporcional dos gastos com saúde mental. Há evidências científicas suficientes para mostrar que pessoas com deficiências mentais crônicas graves não devem ser atendidas em hospitais psiquiátricos. É preciso parar com o debate a favor ou contra o manicômio: é um debate medieval que é superado por evidências epidemiológicas, clínicas, de saúde pública e, sobretudo, éticas.

5. Em quinto lugar está o foco na legislação, direitos humanos e capacitação do usuário. Considerando que Brasil ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, todas as leis nacionais devem ser consistentes com as Normas desta Convenção. As organizações de usuários devem ser radicalmente fortalecidas e as violações dos direitos humanos devem ser punidas, não sendo mais toleradas.

6. O sexto é o Foco na Prevenção. Desenvolver programas i) prevenção do suicídio; ii) treinamento dos pais disponibilizando habilidades para o relacionamento com as crianças; iii) prevenção do uso nocivo de álcool e substâncias psicoativas.

Concluindo, é necessária uma mudança radical de paradigma de um modelo biomédico para um modelo pautado na promoção e defesa dos direitos humanos e capaz de proporcionar intervenções que tenham um impacto real sobre os determinantes sociais da doença, que são, por exemplo. pobreza, exclusão social e baixo nível educacional. Por isso me identifico plenamente com os princípios e práticas do movimento de luta antimanicomial brasileiro e as experiências de reforma dos últimos anos, que têm
acompanhado as lutas pelos direitos dos usuários e trabalhado pela superação total e definitiva dos hospitais psiquiátricos.

Benedetto Saraceno
06 de Dezembro de 2020

Relação entre Indústria Farmacêutica e Psiquiatria no Brasil

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O artigo publicado na revista Política & Sociedade, aborda a relação da indústria farmacêutica com a psiquiatria, e os contornos que tem essa relação a partir da década de 1990 no Brasil. O interesse pelo assunto surge com a epidemia de diagnósticos de transtornos da infância, denunciados por estudiosos do tema como Robert Whitaker, Sandra Caponi e Allen Frances. A questão que o artigo procura responder é: qual o contexto de aproximação mais recente entre a indústria farmacêutica e a psiquiatria no Brasil?

A discussão é situada durante a crise do Brasil durante a década de 1980, seguida por reformas liberais na década de 1990 e os fenômenos de mercados que dizem respeito ao setor de saúde. Nesse contexto, é possível observas novas ações da indústria farmacêutica. Alguns autores afirmam que o Estado é o ator que cria condições para que o mercado possa se tornar estável, aquele que cria e garante as regras do jogo para que as empresas possam agir: elabora leis de incentivo, dá subsídios, investe em pesquisa, em formação profissional e pode ser o principal comprador em alguns mercados, como é o caso das vacinas e outros medicamentos no setor farmacêutico. A partir dos anos de 1980 houve uma forte defesa das instituições privadas como solução para os problemas do aparato público.

No Brasil, depois dos canais alimentares (supermercados, bares e restaurantes) as farmácias são o segundo lugar mais visitados por consumidores. Sendo alto o volume de gastos com medicamentos pelas famílias brasileiras, principalmente aquelas mais pobres.

“Os laboratórios farmacêuticos ocupam a 2ªcolocação, entre os 21 setores do ranking do anuário Valor Inovação Brasil 2018, com o maior nível de investimento da receita líquida em atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), conforme Sociedade Brasileira Pró-inovação Tecnológica (PROTEC, 2018).”

Mas, ao contrário do consumo de alimentos, os produtos farmacêuticos (normalmente) necessitam da prescrição e o receituário médico para que o consumo se realize. Além disso, a qualidade dos medicamentos só pode ser passível de avaliação por parte do profissional especializado, diferentemente de outros bens de consumo.

“Quando falamos de indústria farmacêutica e de medicina, é importante
lembrarmos que estas duas áreas não se diferenciaram a não ser a partir
da Revolução Industrial que marca a era das especialidades: anteriormente,
fazer medicamentos, diagnosticar e prescrever receitas médicas eram tarefas
de curandeiros e boticários os quais disputavam espaço e legitimidade com
os médicos.”

A indústria farmacêutica no Brasil começou a se desenvolver no período entre 1890 e 1950. Seu impulso se relaciona com a constituição da saúde pública e o surgimento das primeiras epidemias. Ocorre então, a institucionalização da saúde, marcada pelo controle das epidemias e por um processo civilizador das formas de convívio entre seres humanos e destes com a cidade, utilizando um contexto de moderação e contenção.

“O Estado brasileiro foi peça fundamental
no desenvolvimento da indústria farmacêutica ao incentivar e fornecer
recursos para os primeiros laboratórios farmacêuticos e foi responsável
pelos próprios planos de saúde pública, produção de soros, vacinas e
medicamentos.”

O Brasil é o segundo maior consumidor de psicotrópicos na infância, em particular a Ritalina, atrás apenas dos EUA. O retorno de teses biologizantes e cerebrais na psiquiatria abriu espaço para a indústria farmacêutica ampliar suas vendas. A partir da década de 1980 há uma aproximação entre a Indústria Farmacêutica e a Associação Psiquiátrica Americana (APA), associação responsável pela edição do DSM.

“Este raciocínio promove a ideia de que os medicamentos
psiquiátricos devem ser a primeira linha de tratamento para estes transtornos.”

No Brasil, recentemente houve a elaboração do manual de boas práticas assinado pelos principais representantes da classe médica brasileira: Conselho Federal de Medicina
(CFM), Associação Médica Brasileira (AMB) e Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e pela Associação da indústria Farmacêutica de Pesquisa (INTERFARMA) – entidade que representa parte da indústria farmacêutica no Brasil.

O documento prevê limites legais no relacionamento entre as empresas do setor farmacêutico e os médicos. No caso do pagamento de despesas de transporte, hospedagem, alimentação, estas devem ser compatíveis com as circunstâncias dos serviços contratados. O documento proíbe a entrega de materiais de interesse científico a estudantes de medicina a não ser durante eventos médicos; o apoio a profissionais para participar de eventos(nacionais ou internacionais) não pode estar condicionado à prescrição e/ou à dispensação de um determinado medicamento. Igualmente é proibida a realização de congresso em local de apelo turístico ou, ainda, a compra de passagem de avião na primeira classe.

Como conclusão, a autora do artigo observou a atuação do Estado brasileiro como responsável por criar um ambiente estável para que as empresas farmacêuticas se consolidassem, em vários momentos diferentes, inclusive no modelo descentralizado e universal como é o SUS.

“A atuação psiquiátrica no Brasil, ao longo do século XX, saiu de um
modelo centrado no hospital para outro descentralizado. Naquele momento
de descentralização que se iniciou uma aproximação entre indústria farmacêutica
e a psiquiatria.”

 

***

MAZON, M. da S. Indústria farmacêutica e psiquiatria no quadro da Sociologia Econômica: uma agenda de pesquisa. Política & Sociedade – Florianópolis – Vol. 18 – Nº 43 – Set./Dez. de 2019. (Link)

Medicina Insana, Capítulo 3: A Fabricação do Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH) (Parte 2)

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Nota do Editor: Nos próximos meses, Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Sami Timimi, Medicina Insana. Neste capítulo 3, parte 1, são apresentados as supostas bases biológicas para o TDAH e como elas são cientificamente falas. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada, e todos os capítulos serão arquivados aqui.

Deixem-me então olhar para as provas que apoiam que o TDAH é uma “coisa” que surge através de problemas genéticos e cerebrais.

Genética do TDAH: A hipótese nula foi refutada?

A alegação de que o TDAH é genético foi extrapolada principalmente a partir de estudos com gêmeos, porque os gêmeos idênticos são mais frequentemente ambos diagnosticados com TDAH do que os gêmeos não idênticos. No método dos gêmeos, presume-se que quando uma percentagem mais elevada de gêmeos idênticos do que não idênticos é diagnosticada com a mesma doença, isto se deve a fatores genéticos e não a fatores ambientais. Isto porque os pares de gêmeos idênticos partilharão 100% dos genes, enquanto os gêmeos não idênticos partilharão, em média, 50% dos seus genes.

O investigador Jay Joseph examinou a questão da hereditariedade das perturbações psiquiátricas (incluindo TDAH) com grande detalhe nos seus livros e artigos, e as suas críticas ilustram os problemas com as provas que apoiam o TDAH como sendo um transtorno com altos níveis de hereditariedade genética.

Para que gêmeos idênticos tenham maior probabilidade de ter um transtorno devido à partilha dos mesmos genes, é preciso assumir que o ambiente psicológico e social é o mesmo para gêmeos idênticos e não idênticos. Isto é conhecido como a Assunção de Ambiente Igual ou AAI, para abreviar. Foi há muito estabelecido que o AAI não se mantém quando se compara gêmeos idênticos e gêmeos não idênticos. Os gêmeos idênticos são frequentemente tratados de forma bastante mais semelhante (por exemplo, vestidos com a mesma roupa) e experimentam um ambiente psicológico único (por exemplo, troca de papéis para confundir os outros).

Ser um dos gêmeos idênticos é uma experiência diferente de ser um dos gêmeos não idênticos, pelo fato que os fatores psicológicos e sociais poderiam por si só ser responsáveis por uma maior semelhança comportamental ou emocional em relação aos gêmeos não idênticos. Isto significa que o método de estudo de gêmeos não pode separar fatores genéticos de fatores ambientais para condições psiquiátricas, e por isso não se pode chegar a estimativas da contribuição genética para o TDAH a partir deste método.

Não tem havido verdadeiros estudos de adoção em crianças com TDAH. De qualquer modo, os problemas metodológicos têm sido numerosos nos estudos de adoção, desde o fato de que a maioria dos adotados já passou um tempo considerável em famílias biológicas de origem ou em abrigos antes da adoção, até as diferenças que os pais dos adotados, como grupo, podem ter em relação aos pais originários.

Os estudos de adoção, como os estudos de família, não são portanto capazes de distinguir as contribuições ambientais das genéticas, e por isso nenhum destes métodos utilizados para estimar a hereditariedade pode por si só ou em conjunto refutar a “hipótese nula” de que não existe nenhuma anormalidade genética característica ou diferença associada àqueles que obtêm um rótulo de TDAH.

A única forma de comprovar de modo seguro uma contribuição genética específica para TDAH é através de estudos genéticos moleculares. Desde que os exames genéticos inteiros mais rápidos e baratos se tornaram disponíveis, as provas genéticas moleculares têm vindo a acumular-se. Este volume cada vez maior de investigação genética com TDAH não está mostrando quaisquer descobertas particulares, quer em relação a genes anormais, quer em relação a associações genéticas consistentes. Isto não tem impedido que investigadores inescrupulosos façam alegações em contrário.

Em 2010 foi publicado um estudo na revista médica The Lancet afirmando haver sido encontrado provas genéticas moleculares concretas de que o TDAH é uma doença genética. Este estudo tem sido, e continua a ser referido como o estudo prevalecente a demonstrar a certeza que se pode chamar TDAH de um transtorno com origem genética. No comunicado de imprensa da época no qual a líder da equipe de investigação, a Professora Anita Thapar, deixou pouco espaço para dúvidas, dizendo “Agora podemos dizer com confiança que o TDAH é uma doença genética e que os cérebros de crianças com esta condição se desenvolvem de forma diferente dos de outras crianças”. Foi isto que realmente encontraram:

O estudo envolveu a comparação de escaneamentos de genoma completo de 366 crianças “com TDAH” com os feitos em 1047 crianças de controle “não TDAH”, à procura de algo chamado copy number variants (CNVs). Os CNVs são pedaços anormais de código genético que são repetidos onde não devem ser ou apagados onde devem estar.

Os investigadores descobriram que 15,6% (57) das crianças com TDAH tinham CNV em comparação com 7,5% (78) dos controles sem TDAH. Isto dá um excesso de 8% no grupo com TDAH, o que não é um número significativo. Se quisermos aceitar a prevalência padrão citada para o TDAH, significa também que se nos depararmos com um jovem que tenha CNV é mais provável que ele não tenha um diagnóstico de TDAH do que o tenha.

O engano, porém, não acaba aí. O QI médio registrado (uma medida psicológica do nível de inteligência utilizada para avaliar o nível de aprendizagem, incluindo o nível de dificuldades de aprendizagem) das crianças com TDAH foi de 86, quer dizer, 14 pontos abaixo da média geral da população de 100. Além disso, quando 33 crianças com TDAH (QI inferior a 70) foram excluídas do grupo com TDAH, apenas 11,4% das restantes 333 crianças tinham CNV (agora apenas 4% acima do grupo de controle sem TDAH). 39% (13) das 33 crianças com TDAH e com uma deficiência intelectual que tinham CNVs.

Esta evidência é mais sugestiva de uma relação entre a presença de CNV e deficiência intelectual (39%) do que CNV e TDAH (11,4%). Os autores deste estudo deveriam, portanto, ter controlado para o QI dado o seu impacto desproporcional na probabilidade de ter CNVs, mas optaram por não o fazer.

Tal como mencionado, o QI médio no grupo TDAH era significativamente inferior ao do grupo de controle (que podemos assumir que teria um QI médio de 100). Os autores deveriam ter escolhido um subgrupo dos seus pacientes com TDAH que tivesse um QI médio de 100. Isto teria então proporcionado um grupo de comparação mais legítimo com o seu grupo de controle. Não posso deixar de pensar se o fizeram, porque suspeito que possam ter ficado sem ou com uma pequena diferença e por isso optaram por não divulgar isto. Este tipo de publicação de grande visibilidade e de atenção mediática é pior do que a ciência fraudulenta [junk Science], pois os autores enganaram a comunidade médica e o público em geral nas suas conclusões.

Desde então, tem havido uma explosão na investigação genética sobre TDAH muito bem financiada. Milhares das pessoas diagnosticadas com TDAH tiveram o seu genoma inteiro digitalizado para ser detectado o que é conhecido como “variantes de DNA” – pedaços de DNA que são diferentes em pessoas com uma condição em comparação com as que não a têm. Estes estudos são denominados estudos de associação de todo o genoma [genome-wide association studies] (GWAS).

Em GWAS, cada pessoa dá uma amostra de DNA, a partir da qual são lidos os milhões de códigos genéticos que cada pessoa carrega, procurando um gene que ocorre mais frequentemente em pessoas com uma condição do que naquelas que não têm. Se um gene é encontrado com mais frequência em pessoas com a condição, diz-se que está associado a essa condição. Os estudos da GWA investigam todo o genoma, o que os torna fundamentalmente diferentes dos métodos que começam com a hipótese de que um determinado gene poderia estar associado ao (neste caso) TDAH.

Uma abordagem baseada em hipóteses apresenta uma teoria de que um determinado gene ou conjunto de genes que codificam, por exemplo, o neurotransmissor dopamina ou os seus receptores em células nervosas, é anormal, e depois compara estes genes em pessoas com um diagnóstico e em controles não-TDAH. Este último tipo de estudo seria a forma prevalecente de investigação de anomalias genéticas moleculares ou diferenças no TDAH, mas isso não foi feito.

Os estudos de GWA não são orientados por hipóteses e são mais exercícios de pesca de dados. Podem levar a hipóteses que podem ser melhor investigadas se revelarem regiões que possam ser de interesse e parecer relevantes para a condição que está a ser estudada. Mas, por si só, dizem mais sobre o que não é relevante do que o que é, particularmente se os genes que ocorrem com mais frequência do que o acaso estiverem espalhados por muitas partes diferentes do genoma.

Os números aqui estudados são particularmente importantes para se compreender. Os estudos iniciais de GWA sobre TDAH não descobriram quaisquer variantes de DNA que alcançassem significado em todo o genoma, mesmo quando a maioria destas amostras foram combinadas numa meta-análise que incluiu mais de três mil doentes com diagnóstico de TDAH e/ou os seus pais.

Mais tarde, utilizando amostras ainda maiores, que chegaram a dezenas de milhares, estudos da GWA mostraram que o TDAH está associado a um grande número de variantes comuns, cada uma com efeitos minúsculos, que estão espalhados pelo genoma, cruzam-se com outros diagnósticos chamados psiquiátricos (como o autismo, esquizofrenia, transtorno bipolar) e muitas vezes sem qualquer controle sobre os efeitos de dificuldades de aprendizagem.

O que isto significa é que para captar genes que ocorrem muito, muito ligeiramente mais do que o acaso naqueles com TDAH em comparação com os controles saudáveis, é necessário ter uma amostra de tamanho muito grande (de pelo menos dez mil). A maioria das pessoas com diagnóstico de TDAH não tem nenhuma das diferenças genéticas individuais detectadas nas amostras maciças de GWAS, nem temos nenhuma teoria biológica razoável para testar o que está a ser detectado a partir destas pequenas e pouco relevantes descobertas.

Os entusiastas da etiologia genética têm-se referido à incapacidade de encontrar anomalias ou diferenças genéticas moleculares confiáveis como um enigma ao qual se referem como “a hereditariedade em falta”. Porque presumem que o TDAH deve ser genético, eles imaginam que os problemas genéticos devem estar aí em algum lugar; é que ainda não o encontramos. A razão mais provável para a “hereditariedade em falta” é, evidentemente, que nunca esteve lá, em primeira instância.

Cientificamente falando, temos de assumir então que no que diz respeito à genética, o armário está vazio e a “hipótese nula” mantém-se: Não há nenhuma anomalia genética característica identificável/perfil associado ao TDAH.

Estudos de imagiologia cerebral TDAH: A hipótese nula foi refutada?

Tal como com a genética, os estudos de imagens cerebrais TDAH não revelaram qualquer anomalia ou característica específicas. A imagem que emerge é de descobertas consistentemente inconsistentes, que são desvios estatísticos (os cérebros não seriam reconhecidos pelos radiologistas como sendo clinicamente anormais), provêm de pequenos estudos de tamanho de amostra, que nem sempre correspondem exatamente à idade (e você verá porque é que isto é importante, quando comentarei a investigação da data de nascimento a seguir) e tipicamente não controlam o nível de QI, ou os possíveis efeitos da medicação. Uma equipe de investigação encontra um pedaço do cérebro menor do que os controles “saudáveis” e a equipe seguinte não, ou até se encontra que esse pedaço é um pouco maior.

Mas, como tenho vindo explicando, esse tipo de ciência não se deve intrometer no caminho do cientificista dedicado! Em 2017, The Lancet Psychiatry publicou um estudo que os autores alegavam ter oferecido provas definitivas de que jovens com TDAH têm cérebros diferentes e de dimensões mais reduzidas em comparação com os seus pares saudáveis.

Tal como com a ciência  genética da sucata, o investigador principal, Dr Hoogman, fez afirmações ousadas afirmando, num comunicado de imprensa com uma grande cobertura pela grande imprensa, “Os resultados do nosso estudo confirmam que as pessoas com TDAH têm diferenças na sua estrutura cerebral e, portanto, sugerem que a TDAH é uma desordem do cérebro”. Uma análise cuidadosa das suas descobertas mostra como a sua investigação revela mais o desespero dos autores em encontrar algo do que a sua capacidade de realizar um exame científico adequado das suas descobertas.

Os autores chamam ao seu estudo uma “mega-análise”, uma vez que retiraram dados de um número grande de projetos anteriores de investigação e “comprimindo” todos os resultados dos diferentes sites, como se fossem todos apenas um grande estudo. Este processo é por vezes esclarecedor, mas pode também fazer com que as descobertas incidentais pareçam mais significativas do que o são na realidade.

No total, tiveram dados dos escaneamentos do cérebro de 1713 pacientes diagnosticados com TDAH e 1529 indivíduos que não tiveram este diagnóstico, recolhidos de 23 equipes de investigação em todo o mundo. Alegam ter encontrado o que corresponde a pequenas diferenças em algumas (não todas) estruturas cerebrais específicas, mas que se tornam estatisticamente significativas quando adicionam todos os volumes disponíveis registrados para uma determinada estrutura no TDAH, quando comparados com grupos não diagnosticados com TDAH.

A utilização de certas medidas de variação estatística permitiu-lhes fazer esta afirmação sobre diferenças tão pequenas que não têm qualquer relevância clínica. Este método permitiu-lhes esconder os resultados consistentemente inconsistentes.

Por exemplo, a maior diferença foi encontrada para uma estrutura cerebral minúscula chamada núcleo accumbens (NA). Esta mega-análise faz assim a afirmação de que as crianças com TDAH têm uma NA menor do que as crianças sem TDAH. No entanto, se olharmos para os dados por site investigado, encontramos 10 sites que encontraram uma média menor de NA no grupo TDAH, 4 sites que encontraram uma média maior de NA no grupo TDAH, e 6 sites que não encontraram qualquer diferença.

Este é o quadro para a estrutura com a maior diferença no estudo. Permanecendo com a NA, também se pode ver que existem grandes problemas técnicos com a interpretação dos escaneamentos, decorrentes das diferentes máquinas e/ou algoritmos analíticos dos diferentes grupos de investigação utilizados. Por exemplo, os indivíduos em Bergen, Noruega, têm um volume médio de NA de 758 mm3 versus 805 mm3 (TDAH versus controle), enquanto em Wuzberg, Alemanha, têm um volume médio de NA de 462 mm3 v 449 mm3 ( TDAH versus controle).

Talvez as crianças norueguesas tenham NAs surpreendentes em comparação com as crianças alemãs, que por esta norma devem ter todas que se defrontar com o TDAH. No entanto, dado que o grupo norueguês é um dos grupos onde os controles têm volumes maiores, enquanto que o grupo TDAH tem volumes maiores no centro alemão, esta enorme variação – que é maior entre centros do que no interior – distorce os resultados se (como é o caso) aqueles com volumes totais maiores se situarem mais no grupo que tinha diferenças a favor de controles com maiores NAs.

Finalmente, aqui está mais um estudo que não controla as diferenças de QI. As associações entre o volume cerebral e o QI têm sido demonstradas através de uma série de estudos com adultos e crianças. Quando os autores deste estudo publicaram a tabela de QI correta (embaraçosamente tinham originalmente publicado uma versão incorreta), um grupo separado reanalisou os seus dados, tendo em conta os efeitos potenciais do QI, e concluiu que não havia diferença significativa entre indivíduos com TDAH e os do grupo de controle em qualquer uma das áreas investigadas do cérebro, uma vez que a diferença de QI é controlada.

Também aqui, no que diz respeito à ciência, o armário está igualmente vazio. Ninguém tem se aproximado de encontrar uma anomalia característica e, como resultado, não há nenhum marcador biológico ou exame cerebral utilizado para diagnosticar o TDAH. A hipótese nula mantém-se – não existe nenhuma anomalia característica do cérebro associada ao TDAH.

TDAH causado por um desequilíbrio químico: A “hipótese nula” foi refutada?

Não há escassez de “especialistas” afoitos para afirmar que o TDAH está relacionado com uma falta ou desequilíbrio químico do neurotransmissor “dopamina”. Esta ideia baseia-se unicamente na constatação de que as drogas (como a Ritalina) que agem para estimular a liberação de dopamina, e, portanto, aumentam os seus níveis nas sinapses cerebrais, parecem melhorar os “sintomas” do TDAH (mais sobre isso vejam em seguida).

Décadas atrás, estudos descobriram que ao se tomar estimulantes, independentemente do diagnóstico, melhora-se a capacidade, pelo menos a curto prazo, de se manter a concentração em uma tarefa. No entanto, ainda que ninguém tenha demonstrado haver falta de dopamina ou não em indivíduos diagnosticados com TDAH, a teoria do desequilíbrio químico foi capaz de se espalhar juntamente com a comercialização agressiva de fabricantes de medicamentos que aumentam os níveis destes agentes químicos no cérebro.

De vez em quando, surge um estudo que desafia a sabedoria aceita e, por isso mesmo, recebe pouca publicidade. Um desses estudos foi publicado em 2013. Os seus resultados questionaram “sugestões anteriores de que a perturbação do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é o resultado de anomalias fundamentais na transmissão de dopamina“. Os investigadores descobriram que a administração de metilfenidato (mais comumente conhecido pela marca Ritalin) a voluntários adultos saudáveis, bem como àqueles que apresentam sintomas de TDAH, levava a aumentos semelhantes da dopamina química no cérebro. Ambos os grupos também tinham níveis equivalentes de melhorias como resultado da droga, quando testados em sua capacidade de concentração.

Não deveríamos ficar surpreendidos com esta descoberta. Estimulantes como a Ritalina agem sobre o sistema nervoso de formas quase que idênticas à cocaína. A maioria dos medicamentos estimulantes são análogos às anfetaminas e, de fato, alguns são derivados de anfetaminas. As anfetaminas são amplamente utilizadas ilegalmente porque lhe dão uma espécie de visão focalizada, fazendo o seu usuário ficar altamente absorvido no que está a fazer; assim, além de se as utilizar pelos seus efeitos recreativos, também são utilizadas como auxiliares de estudo para os exames escolares, uma vez que aumentam a concentração e  mantêm o usuário acordado. Como todas as outras drogas que usamos na psiquiatria, elas têm efeitos gerais em toda as pessoas. Elas não corrigem quaisquer “desequilíbrios químicos” baseados em doenças.

Também aqui, portanto, o armário está também vazio. A “hipótese nula” mantém-se – não há desequilíbrio químico característico associado ao TDAH.

As crianças pequenas para a sua classe escolar são mais propensas a “apanhar” o TDAH

Vários estudos realizados em diferentes países descobriram que as crianças mais novas em uma classe têm um risco significativamente maior (em comparação com as crianças mais velhas num ano escolar) de serem diagnosticadas com TDAH e/ou receberem medicação para TDAH. Estes estudos descobriram que, quer se esteja em um país com altas taxas de diagnóstico ou prescrição (como os EUA) ou com baixas taxas (como a Finlândia), este padrão ainda é evidente.

Tal padrão de identificação do TDAH é fortemente sugestivo da noção de que a imaturidade relativa em comparação com os seus pares é um importante fator de risco para se receber este rótulo (ou seja, para os adultos notarem e problematizarem a capacidade de concentração de uma criança e os seus níveis de atividade – o seu ” barulho). Quer seja mais de 6% das crianças (no estudo islandês) que recebem estimulantes prescritos ou menos de 1% (no estudo finlandês), o padrão ainda se mantém. Seja como for, as normas culturais para a problematização destes comportamentos são que a relativa imaturidade na classe continua a emergir como um fator de risco.

É claro que as crianças amadurecem em ritmos diferentes, levantando uma importante questão de saber se um diagnóstico de TDAH, mesmo para crianças mais velhas da turma, pode também refletir a sua trajetória de desenvolvimento relativamente mais lento. Lembremo-nos de que este é um diagnóstico dado principalmente aos meninos, e os meninos em média desenvolvem-se mais lentamente do que as meninas.

Há já algum tempo que penso que o crescimento de pseudo-diagnósticos, como o TDAH, é um reflexo da intolerância neoliberal ocidental à diversidade entre as crianças, onde desde cedo são dadas mensagens às crianças de que são valorizadas pelo que fazem (pelo seu “desempenho”) e não apenas pelo que são. Estas descobertas dão mais apoio à minha preocupação de que a prevalência de diagnósticos como o TDAH funciona como um barômetro da intolerância das crianças e da “infantilidade” na cultura moderna.

Tratamento de TDAH: Convencer os pais que os seus filhos precisam de tomar substâncias semelhantes à cocaína

Nos anos 70, 80, e 90, o TDAH como conceito havia sido arrancado, ajudado em grande parte pelo crescimento na utilização de derivados de anfetaminas. Este grupo de substâncias é referido como “estimulantes”, pois aumentam a liberação de certos neurotransmissores (ou seja, estimulam o sistema nervoso), muito especialmente a dopamina. A Ritalina era a marca mais reconhecida destes medicamentos e tornou-se um best-seller, obtendo enormes lucros para a Novartis Pharmaceuticals. Outras empresas cedo se aperceberam do enorme potencial que advém da medicalização dos comportamentos das crianças, em particular as que estressam os pais e os professores, e por isso uma variedade de substâncias químicas de longa e curta duração estão agora disponíveis.

Rotular os comportamentos irritantes, preocupantes ou angustiantes das crianças com um rótulo pseudo-médico abre enormes mercados potenciais; por isso, embora a prescrição de estimulantes perigosos e viciantes para crianças tenha começado e permanecido durante algumas décadas como sendo um fenômeno quase que exclusivo dos EUA, desde então o fenômeno espalhou-se globalmente e os números do que estão recebendo medicamentos continuam a aumentar.

Esta tendência não tem sido isenta de controvérsias. Afinal, sabe-se que as anfetaminas, tal como a cocaína, são altamente viciantes, com um acentuado potencial de dependência física e psicológica e com muitos riscos graves para a saúde. Como estimulantes do sistema nervoso central, elas elevam as funções vitais, como a pressão arterial, a temperatura corporal e o ritmo cardíaco. Aqueles que usam anfetaminas geralmente precisam de menos sono, têm menos apetite e têm maior concentração. Como poderíamos justificar dar às crianças uma substância que advertimos os adultos sobre a sua ingestão, devido aos terríveis efeitos a longo prazo que sabemos que pode ter no corpo, cérebro e em tantos aspectos da vida quotidiana de uma pessoa?

É aqui que seria necessária uma teoria de desequilíbrio químico. Os entusiastas da medicação de TDAH criaram um mito, baseado não em provas ou evidências científicas, mas como uma forma de justificar o que eles defendiam. O argumento era que aqueles com TDAH reagem de forma diferente aos estimulantes do que aqueles sem TDAH, porque no TDAH há uma deficiência de dopamina – portanto, os estimulantes estão apenas a substituir o que não estava lá em primeiro lugar. Isto significa que seria uma correção e não algo que conduzirá a todos os efeitos terríveis conhecidos. Por conseguinte, os estimulantes são perigosos se não houver TDAH, mas seguros e talvez vitais para o funcionamento “normal” no caso de se ter TDAH.

Como discutido anteriormente, a “hipótese nula” de um desequilíbrio químico no TDAH tem ainda de ser refutada e, consequentemente, essa teoria é infundada.

A exemplo da maioria dos medicamentos utilizados na psiquiatria, a utilização das drogas para TDAH baseou-se em estórias e que já havia começado antes de ter sido feito um estudo para demonstrar que elas eram seguras e eficazes. O pressuposto era que, uma vez que os estimulantes pareciam acalmar estas crianças, devia estar a funcionar de uma forma diferente daqueles que as utilizavam de forma recreativa, que pareciam mais energizados. No entanto, quando foi estudado nos anos 80, verificou-se que, na realidade, tem efeitos semelhantes, independentemente do diagnóstico.

O seu principal efeito nas doses prescritas é de se criar uma espécie de visão psicológica focada, de modo tal que se fica absorvido no que se está a fazer. O aparente efeito calmante está relacionado com este efeito de maior concentração. Quando se vê o seu filho sentado, aparentemente concentrado no trabalho escolar, e seguindo instruções de uma forma que não estava a fazer antes, pode parecer que este é um tratamento transformador.

Mas este não passa de um efeito geral a curto prazo dum estimulante. Fá-lo-á para a maioria das crianças que tomam o estimulante, independentemente do rótulo que ele tenha. Os estudos que apoiaram a utilização de estimulantes como tratamento foram quase todos realizados por empresas farmacêuticas, duraram apenas algumas semanas ou meses, e concentraram-se na classificação de “sintomas” de TDAH em vez de outras medidas de qualidade de vida. No entanto, uma vez prescrito um estimulante às crianças, a prescrição não é para algumas semanas ou meses, mas normalmente para muitos anos. É aqui que precisamos das provas. O que acontece após vários anos?

Dado que as anfetaminas são altamente viciantes, a tolerância física é susceptível de ocorrer. Como muitos sistemas no corpo, as sinapses nervosas (as ligações entre células nervosas) têm propriedades homeostáticas. Isto significa que gostam de manter os seus mensageiros químicos num intervalo estreito para um funcionamento ótimo. Se houver mais do que a quantidade habitual de dopamina (por exemplo) a ser liberada como resultado da ingestão regular de uma anfetamina, a sinapse começará a desligar os receptores de dopamina para, com efeito, reduzir a quantidade total de dopamina de volta ao seu intervalo estreito habitual. É por isso que os viciados em cocaína que tomam uma certa quantidade regularmente descobrem que, para obterem a mesma dose, têm de tomar mais cocaína – na medida em que a quantidade que costumava dar-lhes essa quantidade já não o faz.

Devido a este mecanismo homeostático, após algum tempo, os comportamentos problemáticos começam a surgir novamente na criança, à medida que o efeito de concentração crescente do estimulante começou a desvanecer-se. Isto é o que chamamos “tolerância” à dose de anfetamina. Isto significa que as sinapses desligaram alguns dos receptores de dopamina, por isso é que já não se obtém o mesmo efeito.

No entanto, se pararmos agora a anfetamina, teremos efeitos de abstinência, uma vez que as células nervosas terão agora muito pouca dopamina, devido ao número reduzido de receptores para o trabalho. O estado de agitação que a retirada súbita ou demasiado rápida do estimulante pode fazer parecer que o “TDAH” estar a voltar com uma vingança, convencendo a todos, incluindo os médicos – poucos dos quais parecem compreender o processo acima referido – de que a criança precisa realmente da anfetamina para um funcionamento mais “normal”.

Agora, portanto, a dose será aumentada e ao ser colocada em funcionamento será um processo de aumento da dependência física (na criança) e psicológica (nos pais e no professor), o que leva a aumentos graduais da dose ao longo do tempo com períodos temporários de melhoria, que acabam por se esgotar – conduzindo a outro aumento de dose – juntamente com uma solidificação da ideia de que a criança tem uma condição cerebral chamada TDAH e que necessita de anfetaminas para a manter sob controle.

A interferência com o sono significa muitas vezes que uma ajuda para dormir será adicionada (como a melatonina); e dificuldades contínuas de comportamento resultam muitas vezes, à dada altura, em utilização também de medicamentos “antipsicóticos” muito pesados. Não é, portanto, raro, após vários anos, encontrar jovens rotulados com TDAH que estão a tomar vários medicamentos, muitas vezes em doses elevadas, e os problemas continuam a voltar ou nunca desaparecem completamente.

Mas o que dizem as evidências da investigação sobre os resultados a longo prazo?

Em 1999, foi publicado um famoso estudo americano sobre “tratamento” para o TDAH. Nessa época a prescrição de medicamentos estimulantes nos EUA já estava generalizada. Quando este estudo foi publicado, recebeu uma extensa cobertura pública e profissional. Lembro-me de assistir à nossa conferência anual da Faculdade de Psiquiatria Infantil e Adolescente (no Royal College of Psychiatrists do Reino Unido) no ano 2000, de ouvir o então presidente da faculdade explicar à audiência de psiquiatras infantis do Reino Unido que as implicações deste estudo eram que teríamos de prescrever estimulantes para qualquer pessoa diagnosticada com TDAH, e que provavelmente (dadas as limitações de recursos) os estimulantes prescritos por si só seriam insuficientes para a maioria.

Então, o que descobriu este famoso estudo? Este estudo, referido como o estudo “MTA” (Multimodal Treatment of Children with ADHD), foi um ensaio multicêntrico de 14 meses em que pacientes jovens foram randomizados para 4 grupos de tratamento: Medicação (estimulantes) apenas, terapia comportamental apenas, medicação combinada e terapia comportamental, e cuidados comunitários de rotina.

Os autores concluíram que, após 14 meses de tratamento, houve mais redução dos sintomas de TDAH apenas na medicação e nos grupos combinados de medicação e terapia comportamental do que no grupo de terapia comportamental apenas, que por sua vez tiveram melhores resultados do que o grupo de cuidados comunitários de rotina.

Como se poderia prever, houve problemas consideráveis associados ao estudo e que tornaram tal conclusão questionável. Por exemplo, dois terços do grupo de cuidados comunitários de rotina estavam também a tomar a mesma medicação que o segmento de medicação do estudo, mas tiveram os resultados mais pobres. Além disso, o segmento de tratamento comportamental consistiu em um tratamento intensivo de 6 semanas que foi concluído em qualquer momento durante os 14 meses, de modo que na altura da avaliação de 14 meses, algumas das famílias que receberam a intervenção da terapia comportamental tinham-no concluído até 9 meses antes das avaliações de 14 meses, enquanto o segmento de medicação incluía consultas regulares até 14 meses.

Isto levanta a possibilidade distinta de uma resposta placebo ser a principal razão para os melhores resultados na medicação e nas formas de tratamento combinado. Nessa época, as declarações de conflito de interesses não eram obrigatórias na maioria dos periódicos. Previsivelmente, quando estas foram divulgadas, muitos dos autores principais tinham longas listas de ligações com as empresas farmacêuticas.

O estudo MTA de 14 meses tornou-se rapidamente o estudo mais citado para tratamentos de TDAH, regularmente referido nas diretrizes de tratamento de muitos países. Com base no que ainda é citado como a melhor prova disponível, ter-se-ia pensado que o estudo MTA terminou aí e não havia mais nada a dizer. Mas mesmo que se aceite os resultados ao valor declarado, 14 meses não equivale aos muitos anos que a maioria dos medicamentos acabam por ser prescritos. Portanto, o estudo MTA ainda não conseguiu abordar a questão do que acontece aos estimulantes prescritos a longo prazo. Ou poderia?

De fato, a história do estudo da MTA não termina aí. Numa conferência em Phoenix a que assisti em 2002, acabei por acaso sentado ao lado de alguém que descobri ser um psicólogo envolvido nas avaliações do ensaio da MTA e um dos centros. Ele disse-me que a sua equipe lá tinha acabado de concluir a análise dos dados para o triênio seguinte.

Lembro-me de ele me dizer “Uma vez publicadas estas descobertas, ninguém mais vai querer que o seu filho tome medicamentos“. Fiquei surpreendido com a clareza e certeza da sua conclusão. Explicou que no seu centro, as crianças que ficaram medicadas tinham piorado constantemente e tinham muitos efeitos adversos, enquanto as que tinham ficado sem medicação estavam agora muito melhor. Disse-me que os seus resultados eram semelhantes aos dos outros centros e que não demoraria muito até que fossem publicados.

Tive de esperar mais 5 anos antes que o follow-up de 3 anos do MTA fosse publicado em 2007. Ao contrário do estudo original de 1999, esta publicação, publicada 8 anos mais tarde (dando tempo suficiente para que a prescrição de estimulantes defendida pelo jornal de 1999 se tornasse a norma), teve pouca cobertura de imprensa ou profissional. Após 14 meses, os participantes no estudo tinham sido livres para escolher os seus tratamentos em curso. Com efeito, o estudo converteu-se num estudo naturalista, semelhante ao que acontece em ambientes de ambulatório em geral.

Os resultados de 3 anos não conseguiram encontrar apoio para uma superioridade contínua dos medicamentos, independentemente da gravidade inicial dos sintomas de TDAH. Além disso, aqueles que utilizaram mais medicação durante os 3 anos tinham maior probabilidade de sofrer uma deterioração dos sintomas de TDAH, tinham taxas de delinquência mais elevadas, e eram significativamente mais curtos (em média 4 cm) e mais leves (em 3 kg) do que aqueles que não tinham tomado medicação.

Por 3 anos, aqueles que continuaram a tomar estimulantes estavam a fazer pior e a experimentar mais efeitos negativos do que aqueles que não o fizeram. Confirmou o meu palpite anterior de que o placebo tinha desempenhado um papel importante nos resultados dos 14 meses. O que o psicólogo me disse 5 anos antes estava certo. Quem, no seu juízo perfeito, iria querer continuar a dar quaisquer estimulantes infantis?

Mas isto (o fim da prescrição de estimulantes às crianças) não foi o que aconteceu. A ciência não pode vencer o marketing numa economia orientada para o mercado livre. As prescrições de estimulantes quase não piscaram após a publicação deste estudo de follow-up. O MTA de 14 meses continuou a ser referido e o follow-up de 3 anos foi ignorado. O estudo de follow-up de 3 anos do MTA tem conclusões semelhantes a outros estudos de follow-up a longo prazo.

Outros estudos também não mostram que o uso a longo prazo de estimulantes está associado a quaisquer resultados melhorados em comparação com os diagnosticados com TDAH que não os tomam, e onde há diferenças é frequentemente com crianças que tomam estimulantes com resultados piores do que as que não os tomam: com problemas físicos (como a hipertensão arterial), psiquiátricos (como “perturbações” do humor), e problemas acadêmicos mais comuns nos que tomam medicamentos a longo prazo.

Se estes medicamentos tivessem poucas provas de danos associados à sua utilização, talvez pudéssemos tolerar a pequena melhoria inicial que por vezes está associada à sua prescrição, mesmo que não haja provas de resultados melhorados a longo prazo. No entanto, os estimulantes que estão a ser receitados são anfetaminas ou substâncias semelhantes a anfetaminas com propriedades farmacológicas quase idênticas às drogas de rua, tais como “speed” e cocaína, que avisamos regularmente os outros dos perigos associados à sua utilização.

Se estes medicamentos só fossem prescritos a doentes durante um ano ou menos, poderia ser possível reunir argumentos baseados em provas para a sua utilização desta forma limitada e controlada. Infelizmente, uma vez iniciada, é provável que uma prescrição continue a ser prescrita durante anos. Como existem danos consideráveis associados ao uso de substâncias tão poderosas e viciantes, é realmente necessária água azul clara nos resultados entre aqueles que recebem tais medicamentos e aqueles que não os recebem. Não consigo pensar num argumento ético racional (provavelmente porque não existe nenhum) para justificar a prescrição a longo prazo de estimulantes.

Se você procurar informação sobre os problemas associados aos estimulantes quando estes estão a sendo categorizados como drogas de abuso, você obterá algo como isto:

“Todos os estimulantes têm em comum um conjunto de efeitos secundários que podem causar estragos no sistema de um utilizador. Os efeitos incluem aumento do ritmo cardíaco, aumento da pressão arterial, aumento da temperatura corporal, tremores ou espasmos musculares, agitação. Todos estes efeitos são comuns. Não importa como se reduz, o abuso estimulante, mesmo a curto prazo, pode ter consequências desastrosas para o usuário, resultando em hipertermia, anomalias cardiovasculares e morte súbita.

Contudo, quando uma pessoa abusa dos estimulantes durante um longo período de tempo, estes agravam os seus riscos de sofrer uma série de outros problemas devastadores de saúde física e mental, tais como alucinações, delírios, ansiedade persistente, paranóia, depressão, perda de peso, redução da função sexual, problemas gastrointestinais, deterioração muscular, danos cardiovasculares, problemas respiratórios, dores de cabeça, derrames e convulsões.

Um usuário de estimulantes crônicos está também em alto risco de desenvolver tolerância à dependência e, eventualmente, dependência química. Além disso, os indivíduos dependentes podem experimentar uma síndrome de abstinência de estimulantes quando o uso da droga para ou abranda. A abstinência do abuso de estimulantes não é um processo que ponha em risco a vida, mas pode ser desconfortável. Há aspectos físicos e psicológicos da abstinência de estimulantes que podem ser difíceis de enfrentar. Os sintomas comuns da abstinência dos estimulantes incluem exaustão mental e física, insônia, anedonia (incapacidade de sentir prazer), irritabilidade, ansiedade e agitação, sono excessivo, fome intensa. Um dos maiores riscos com a abstinência de estimulantes é a depressão com pensamentos suicidas, e a gravidade pode variar de acordo com a substância. Por vezes, esta depressão pode durar para além da fase aguda de abstinência”.

Não há razão para acreditar que as advertências acima não sejam tão relevantes para a prescrição legal de estimulantes como o são para o abuso ilegal das mesmas.

Os perigos dos estimulantes prescritos vão além dos acima descritos, uma vez que os pacientes podem continuar a tomá-los durante décadas com todas as consequências potenciais que isso tem para a confusão das substâncias químicas no cérebro. Por exemplo, num estudo que se seguiu, durante várias décadas, a pacientes a quem foram prescritos estimulantes, os investigadores descobriram um aumento de mais de 8 vezes na probabilidade de tais pacientes desenvolverem condições neurológicas, tais como a doença de Parkinson.

 

Parkinson é uma doença que resulta do fato de os pacientes não terem o neurotransmissor dopamina suficiente no sistema nervoso. É altamente provável que esta descoberta esteja relacionada com a ingestão de estimulantes a longo prazo, dado que os estimulantes funcionam principalmente estimulando as células a libertarem mais do que a quantidade habitual de dopamina.

O TDAH não é um diagnóstico e não pode ser apoiado como uma construção baseada em evidências

Independentemente do que se possa pensar serem os méritos percebidos da construção do TDAH como um “diagnóstico” que tem origem biológica e pode ser “tratado” com medicação, a verdade científica é que não pode ser pensada como uma entidade científica válida e a recomendação vigente para o seu tratamento que normalmente dá prioridade à medicação sem limites de tempo não é baseada em evidências.

O TDAH é um exemplo da forma como a psiquiatria acadêmica se infectou com o cientificismo, o que provavelmente levou a danos incalculáveis. Imaginar que o TDAH é um diagnóstico cega as crianças, pais, professores, médicos e outros profissionais para uma grande variedade de fatores relacionados com o contexto, incluindo imaturidade, dificuldades de aprendizagem, problemas escolares, bullying, exposição à violência, dieta, estilo de vida, falta de apoio familiar, falta de confiança nos pais, etc., que podem ser relevantes.

Também os cega à normalidade da infância e à capacidade das crianças de irritar os adultos. O TDAH é mais um comentário sobre a intolerância cultural que temos para com as diversidades das formas de crescimento das crianças, e a pressão que exercemos sobre elas e sobre os seus pais para que desempenhem os padrões de idade estreitos que estabelecemos.

Como psiquiatra infantil em exercício, vivi os anos de TDAH, emergindo de uma condição rara de interesse limitado e geralmente construída em termos sistêmicos, para que proliferasse para a condição infantil mais comum e construída em termos em grande parte biológicos. Atingiu a saturação há cerca de 5 anos quando a nova criança do bloco estava a ganhar uma dinâmica incessante-autismo, o tema do meu próximo capítulo.

[trad. e edição Fernando Freitas]

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