A infância nos tempos de isolamento social: um debate para além dos discursos medicalizantes

O debate sobre a infância e o desenvolvimento infantil é fundamental, sobretudo neste momento da crise global e multifacetada diante da Covid-19. Uma das dimensões que foi profundamente afetada com o necessário isolamento social, em termos de desenvolvimento infantil, foi a escolarização das crianças e adolescentes. Por essa via podemos pensar o desenvolvimento infantil em amplo aspecto, abrangendo seu caráter biopsicossocial.

A irrupção da Covid-19 produziu uma ruptura na rotina que nos dava a sensação de controle, estabilidade e, até mesmo, segurança. Tudo mudou repentinamente. De uma hora para outra, tivemos que promover mudanças substanciais em nossas vidas. Tantas mudanças que, sob minha ótica, ao invés de pensarmos em “novo normal”, penso que estamos diante de um novo mundo. E este novo mundo exige novas lentes de leitura.

Questões sociais que estavam historicamente invisibilizadas ganharam proeminência. As diferenças sociais na pandemia de Covid-19 escancararam o desamparo radical das classes menos favorecidas. Assim, podemos dizer que a pandemia foi de certa forma como uma lupa que amplia os problemas estruturais da nossa sociedade. A insegurança e a incerteza passaram a fazer parte da rotina.

Nunca entendemos muito bem como o papel da escola no tecido social organiza o cotidiano e temporaliza a vida também dos adultos. O rompimento com este cotidiano produziu um desalento em todos nós, crianças e adultos.  A pandemia produziu um desacerto no dia-a-dia.

Ficou claro o quanto a escola é um espaço de proteção à infância, de nutrição, de aprendizagem, de socialização, de circulação de afetos, de encontros entre elas próprias e com outros adultos significativos como os professores, cuidadores, auxiliares etc. Diante desse turbilhão, surge o questionamento: abrir ou fechar as escolas? Se tudo reabre, por que não as escolas? As crianças estão sofrendo isoladas. Há prejuízo da saúde mental infantil com o isolamento, então porque não reabrir?

Assim, o debate sobre a abertura das escolas se impõe e merece ser constantemente aprofundado. Entretanto, é válido destacar que no entorno do desenvolvimento infantil e do processo de escolarização gravitam os discursos dos pais, dos educadores, dos empresários, dos funcionários da rede pública e privada e dos políticos. Na conjuntura atual, é preciso considerar a constituição psíquica das crianças profundamente atravessada por essa gama de discursos que operam entre os campos da saúde mental e da educação. Em parte das escolas particulares, há a utilização de um discurso embebido pela psicopatologização do sofrimento infantil com vistas a garantir a sua reabertura e manter seus interesses privados. Por parte dos pais e das famílias de modo geral notamos uma sobrecarga de atribuições e tarefas que conduzem a exaustão física e psíquica, principalmente materna. Por parte dos educadores também identificamos sobrecarga de trabalho, medo, insegurança e comprometimento da sua saúde mental. Por fim, verificamos da parte de alguns políticos interesses eleitoreiros muitas vezes ancorados em uma perspectiva negacionista.

O modo de raciocínio binário, abrir ou não abrir as escolas não funciona para responder às questões complexas que se colocam. É preciso sair dos falsos dilemas e aprofundar discussões que devem preceder qualquer decisão.

A abertura das escolas tem sido encarada como da ordem dos direitos fundamentais e associada à garantia de saúde mental das crianças e adolescentes. Peço licença para levantar alguns questionamentos: 1- que tipo de escola as crianças vão se deparar com o retorno as aulas durante a pandemia de covid-19? 2- Como estarão os profissionais que irão receber essas crianças? 3- Como esses profissionais foram apresentados aos protocolos de segurança sanitária? 4 – Quais são os protocolos que estão sendo seguidos já que não há uma unidade discursiva de proteção em relação ao vírus?

O advento da pandemia e o fechamento das escolas fizeram surgir questionamentos sobre a função social da escola tanto para os adultos, quanto para os adolescentes e as crianças. Não sabemos ainda sobre todos os riscos e os impactos do isolamento social sobre as crianças. Contudo, sabemos que a escola vai recolher estes efeitos. Torna-se importante invertermos a lógica operante, desmedicalizar o discurso com o intuito de ampliarmos o debate e nos questionarmos: qual escola temos e qual escola queremos. Quais os recursos pedagógicos dispomos e quais obstáculos estamos enfrentando?

A escola possui função civilizatória, sendo um lugar de acolhimento emocional, de transmissão do legado cultural para as gerações mais novas. Neste contexto é preciso pensarmos nas múltiplas dimensões do cuidado (cuidado familiar, cuidado sanitário, cuidado social, cuidado jurídico entre outros). Podemos pensar que a psique infantil, construída por meio dos cuidados, repercute de modo significativo ao longo  de  toda a  vida.  Cada cultura, cada sociedade e cada época se caracterizam por procedimentos específicos em relação aos cuidados, porém, estes são alicerces psíquicos que permitem e permeiam o engendramento do sujeito. Com efeito, é difícil – ainda que importante – lançarmos um olhar sobre o contexto de nossa época, tendo em vista que os cuidados não são dispensados no vácuo, os cuidadores e os objetos de seus cuidados têm uma existência determinada.

Portanto, os questionamentos sobre a reabertura das escolas não têm resposta óbvia.

Na condição de isolamento social, as crianças se voltam para suas famílias, para a tensão existente entre o mundo jovem e o mundo adulto, para o espaço familiar, assim como para as particularidades dos laços que habitam cada família. Ora, não podemos colocar unicamente sob a égide da escola a salvaguarda da saúde mental das crianças e adolescentes.

Outras questões se colocam como a vulnerabilidade infantil e a violência doméstica, as manifestações de sofrimento que são imediatamente capturadas por lógicas diagnósticas e/ou práticas tecnocráticas. Estas questões também não devem ficar resumidas à pronta resposta favorável à reabertura. Será que a redução da violência contra a criança é de responsabilidade da escola? A abertura da escola garante a ausência de violência intra-familiar e a saúde mental das crianças?

Se os sistemas relacionais, as interações sociais e os sistemas exploratórios são fundamentais para o desenvolvimento infantil, por outro lado, neste momento, é preciso ter cautela e comedimento para que vidas possam ser poupadas. Principalmente, vidas de crianças de baixa renda, vidas de pessoas de classes precarizadas.

Com frequência surge a pergunta: mas até os bares estão abertos, por que não as escolas? Ora, é necessário inverter esse questionamento: por que os bares, restaurantes, cabeleireiros e praias (tidos como serviços essenciais) foram reabertos precocemente?

À luz desses elementos parece fundamental que seja reaberta a discussão sobre a função social da escola e o lugar da infância na nossa cultura, além do abandono de argumentos simplistas nas análises de risco veiculadas até o momento. É fundamental pensarmos em saídas coletivas e criativas que contemplem o macro e o microcosmo que envolve cada criança e cada setor. Precisamos buscar parcerias entre os setores, respostas intersetoriais que, por exemplo, tenham em vista que a saúde mental de crianças e adolescentes é visceralmente vinculada às políticas públicas e à rede de proteção e atenção psicossocial.

Nesse sentido, acredito que a escola precisa se re-inventar, criar novos dispositivos e estratégias de suporte emocional e cognitivo para pais e alunos. A escola precisa ser pensada para além dos muros.

Medicina Insana, Capítulo 3: A Fabricação do Transtorno de Déficit de Atenção / Hiperatividade (TDAH) (Parte 1)

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Nota do Editor: Nos próximos meses, Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Sami Timimi, Medicina Insana. Neste capítulo, ele discute a história do diagnóstico de TDAH, sua proliferação e a falta de evidências de que o TDAH é um transtorno médico legítimo. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada, e todos os capítulos serão arquivados aqui.

O que é Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH)? A resposta convencional a esta pergunta é que é hiperatividade, desatenção, e impulsividade que são causadas por disfunções neurológicas enraizadas principalmente na genética e anormalidades no desenvolvimento do cérebro. Como resultado, é frequentemente referida, a par do autismo, como um “transtorno do desenvolvimento neurológico”. Esta forma de se imaginar o significado de tais comportamentos, primeiro em crianças e posteriormente (com importantes modificações) em adultos, começou nos Estados Unidos e tem sido exportada para todo o mundo.

A acompanhar este paradigma “neuro” estão os tratamentos farmacêuticos usando estimulantes, tais como Ritalina, Adderall, e Strattera, que têm identicamente dominado o tratamento de crianças que são diagnosticadas com TDAH e têm desempenhado um papel importante na construção da TDAH como tendo origem neurológica.

Tanto a ideia de que existem algumas anomalias ou diferenças cerebrais específicas para os diagnosticados com TDAH, como a de que os medicamentos utilizados têm propriedades específicas que visam um processo de doença – como um desequilíbrio químico – são falsas. São danosamente falsas.

Construção principal de TDAH

A construção padrão do TDAH na literatura psiquiátrica é algo parecido com isto:

A TDAH caracteriza-se por um padrão de comportamento, presente em pelo menos dois cenários (por exemplo, escola e casa) e que pode resultar em questões de desempenho em contextos sociais, educacionais ou de trabalho. Os sintomas podem ser divididos em duas categorias de “desatenção” e hiperatividade e impulsividade, que incluem comportamentos como falta de atenção aos detalhes, dificuldade em organizar tarefas e atividades, excesso de conversas, agitação, ou incapacidade de permanecer sentado em situações apropriadas.

De acordo com as últimas definições, os sintomas de TDAH do indivíduo devem estar presentes antes dos 12 anos de idade, (até que as novas definições tenham sido publicadas em 2013, os sintomas tinham de estar presentes antes dos 7 anos de idade).

O TDAH é descrito como um transtorno psiquiátrico comum que afeta entre 3% e 7% das crianças, principalmente meninos, e do qual muitos não conseguem superar (ou seja, será um transtorno para toda a vida). O TDAH tem uma base essencialmente genética que resulta numa anomalia de “neurodesenvolvimento” que também causa um desequilíbrio químico no cérebro. O tratamento é geralmente uma mistura de medicação estimulante e terapia comportamental.

Vamos agora examinar estas asserções com mais cuidado.

Uma breve história

Os comportamentos que se diz constituírem o diagnóstico de TDAH não constituíam o TDAH até ser imaginada dessa forma. Literalmente: não havia TDAH até que alguém lhe chamasse TDAH (ou os seus nomes precursores). Nunca houve qualquer base na descoberta científica antes da invenção do TDAH (ou desde então) que tenha mostrado que o que chamamos TDAH é o resultado de uma anomalia conhecida ou diferença suficientemente característica para se pensar nela como um bem natural – uma coisa que ocorre de uma forma identificável na natureza, tal como a pneumonia ou a diabetes.

O excesso de atividade, a fraca concentração e a impulsividade nas crianças foram inicialmente conceitualizadas como possíveis fenômenos médicos há mais de um século, quando o pediatra britânico Frederick Still descreveu um grupo de crianças que mostrou o que ele considerava ser uma fraca capacidade de atenção duradoura, inquietude, e nervosismo, e prosseguiu argumentando que estas crianças tinham “defeitos anormais de controle moral”, embora geralmente assumisse que isto era causado por doenças pré-existentes que afetavam o cérebro tais como tumores cerebrais, meningite, epilepsia, ferimentos na cabeça, febre tifóide, ou deficiência do intelecto.

Embora Still enumere comportamentos que poderiam ser considerados mais apropriados à categoria de transtorno de conduta (tais como crueldade, ciúmes, deslealdade, desonestidade) do que TDAH, os entusiastas de TDAH pintam frequentemente o seu artigo de 1902 no The Lancet como um exemplo precoce da identificação da síndrome médica do TDAH.

O próximo elo importante na narrativa em desenvolvimento do TDAH citado pelos entusiastas foi um artigo de Bradley de 1937 descrevendo a descoberta casual, numa instituição para crianças neurologicamente deficientes, que o tratamento com o estimulante Benzedrina, alegadamente melhorava o comportamento, concentração, e desempenho escolar de um grupo destas crianças, pelo menos a curto prazo. As crianças apresentavam frequentemente inquietação, mudanças de personalidade e dificuldades de aprendizagem, tendo muitas delas sofrido anteriormente de encefalite.

Nem Still nem os trabalhos de Bradley receberam muita atenção na época da sua publicação e teriam desaparecido como milhares de outras ideias que entram e saem na literatura médica e científica, se os precursores da TDAH não tivessem começado a ganhar terreno nos círculos culturais e políticos décadas mais tarde.

Nos anos pós Segunda Guerra Mundial, a psiquiatria passou a estar envolvida no tratamento de muitos homens, mulheres e famílias traumatizados e assim começou a expandir a sua gama de interesses. A vida mental das crianças – um grupo que até então não havia despertado muito interesse da profissão psiquiátrica – se tornou o foco de uma maior curiosidade e interesse. Vários médicos começaram a especular que as crianças que se apresentavam como hiperativas poderiam ter lesões orgânicas no cérebro que estavam a causar a sua hiperatividade.

Em 1947, Strauss e Lehtinen propuseram um diagnóstico de Dano Cerebral Mínimo (DCM) para explicar a ocorrência de hiperatividade na ausência de provas evidentes de lesão cerebral. Argumentando que as crianças que sofreram lesões cerebrais identificáveis (de, por exemplo, encefalite, traumatismos congénitos, e epilepsia) por vezes apresentavam hiperatividade, sugeriram que aqueles que apresentavam hiperatividade na ausência de lesões cerebrais facilmente identificáveis, poderiam ter alguns danos cerebrais ainda não identificados.

Foi nos anos 50 quando um grupo de médicos, juntamente com alguns educadores, políticos e pais, começou a ficar mais alarmado com as crianças que tinham os comportamentos que agora associamos ao TDAH, e se perguntava se tais comportamentos eram as manifestações de uma patologia subjacente que justificasse a intervenção médica.

Como o historiador Matthew Smith descobriu através da pesquisa de bases de dados médicos, tais preocupações atingiram o seu auge no final dos anos 50 e, particularmente, em 1957, quando, entre outros acontecimentos, um grupo de pedopsiquiatras no Lar Emma Pendleton Bradley em Rhode Island, EUA, cunhou o termo “transtorno de impulso hipercinético” para descrever um grupo de crianças. Isto foi quando o que agora pensamos como TDAH foi devidamente inventado e um grupo de comportamentos infantis, principalmente exibidos por (como qualquer pai ou professor lhe diria) meninos, foram trazidos sob o olhar do médico. Não haveria então ou desde então nenhuma descoberta biológica para justificar a sua entrada em qualquer sistema de conhecimento como sendo uma coisa baseada em “neuro”.

O número de artigos médicos sobre crianças com os “sintomas” de TDAH, aumentou exponencialmente nos Estados Unidos, após 1957, e mais tarde noutros países. No meio século anterior, a literatura médica, particularmente a influenciada por ideias psicanalíticas, estava mais preocupada com crianças retraídas, tímidas e “neuróticas”. O final dos anos cinquenta, então, marcou um ponto de viragem com interesse transferido mais para crianças que exibiam comportamentos delinquentes, violentos, e outros comportamentos antissociais.

O que estava por detrás desta viragem? Segundo Matthew Smith, pode ter estado relacionado com o medo, na sequência do lançamento soviético dos satélites Sputnik no Outono de 1957, de que os EUA estivessem a ficar atrás da URSS na corrida pela superioridade científica, tecnológica e militar. Havia a preocupação de que se não fossem feitas mudanças no sistema escolar americano para corrigir a situação, eles poderiam perder completamente a Guerra Fria. Isto provocou uma mudança na estrutura das salas de aula, nos métodos de ensino e nas expectativas em relação ao desempenho dos alunos.

Não estou inteiramente convencido disto, e penso que tais eventos se cruzaram com outras mudanças que estavam ocorrendo na cultura da época, incluindo (mas não só) o crescimento e o medo da cultura adolescente, mudanças na estrutura familiar e no enraizamento da comunidade, aumento da dimensão de uma classe média com aspirações, e maior preocupação com as crianças, tanto como agentes como vítimas

O ponto mais importante aqui é reconhecer que o TDAH surge e se populariza porque existem razões culturais, e não científicas, para se tornar uma marca vendável. Mudanças nas preocupações públicas e políticas irão mudar o interesse, conversas, financiamento, prestação de serviços, e assim por diante.

Desenvolvimentos de diagnóstico

Nos anos 60, o termo DCM estava a ser criticado e a perder o apoio, pois não se encontravam provas de lesões orgânicas subjacentes em crianças que demonstravam hiperatividade. Além disso, foram encontradas taxas mais elevadas de lesões cerebrais na maioria das categorias psiquiátricas (em vez de qualquer uma específica) e muitas das que tinham provas de lesões cerebrais não mostravam hiperatividade.

Em vez disso, o Oxford International Study Group of Child Neurology sugeriu que o Dano Cerebral Mínimo fosse redefinido como Disfunção Cerebral Mínima. O conceito de Disfunção Cerebral Mínima era mais amplo e referia-se a crianças com problemas de aprendizagem ou de comportamento que variavam de leves a graves, e que apresentavam “desvios” de percepção, conceitualização, linguagem, memória, atenção, impulso, ou função motora.

À medida que se ia reconhecendo na literatura médica que a presença de hiperatividade não podia ser considerada como prova de algum tipo de dano cerebral, começou a ser entendida como fazendo parte de uma síndrome comportamental que poderia surgir de uma patologia orgânica, mas que também poderia ocorrer na sua ausência. Como resultado, ocorreu um movimento de afastamento de definições baseadas em causas em direção a definições baseadas no comportamento. Assim, em 1966, o Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais, segunda edição (DSM-II), com base nos Estados Unidos, cunhou o rótulo “” “Reação hipercinética da infância” [Hyperkinetic reaction of childhood], para substituir o diagnóstico de Disfunção Cerebral Mínima.

Ao mesmo tempo, o crescente interesse dos psicólogos significava que os mecanismos psicológicos estavam a ser colocados em hipótese como o mediador entre as potenciais influências causais e as manifestações comportamentais subsequentes. O papel da atenção veio à tona como uma nova teoria que propunha que os problemas em manter a atenção eram os propulsores da hiperatividade.

Assim, quando o DSM-II foi substituído no início dos anos oitenta pela terceira edição (DSM-III), o transtorno foi agora denominado Transtorno do Déficit de Atenção (TDA) refletindo esta mudança de ênfase. Isto podia ser diagnosticado com ou sem hiperatividade e foi definido usando três dimensões (três listas separadas de sintomas): uma para déficit de atenção, outra para impulsividade, e outra para hiperatividade. TDA define agora o cenário para uma revolução a ter lugar na prática psiquiátrica infantil ocidental, à medida que a droga Ritalina se junta à crescente popularidade do uso de psicofármacos para lidar com os desafios da vida.

Quando o DSM-III foi revisto (e tornou-se DSM-III-R) no final dos anos oitenta, os sintomas foram todos combinados numa única lista (uma dimensão) e o TDA foi agora alterado para Transtorno de Déficit de Atenção/ Hiperatividade (TDAH), com atenção, hiperatividade, e impulsividade agora assumidas como parte de uma transtorno sem distinções, e assim nasceu o rótulo TDAH.

Quando a quarta edição do DSM (DSM-IV) foi publicada em 1994, os critérios foram novamente alterados, desta vez a favor de um modelo bidimensional, sendo o déficit de atenção uma subcategoria e a hiperatividade-impulsividade a outra. A cada revisão, verifica-se que um maior número de crianças se encontra acima do limiar de diagnóstico. Por exemplo, mudando de DSM-III para DSM-III-R, mais do dobro do número de crianças da mesma população que poderiam ser diagnosticadas com a doença. A mudança de DSM-III-R para DSM-IV aumentou a prevalência em mais dois terços, com os critérios tendo agora o potencial para diagnosticar a grande maioria das crianças com problemas académicos ou comportamentais em um ambiente escolar.

Em 2013, foi publicada a quinta edição do DSM (DSM-5), tendo alguns critérios-chave sido alargados para permitir que mais adolescentes e adultos se qualificassem para um diagnóstico – por exemplo, aumentando a idade de início dos sintomas para 12 anos ou mais cedo, que tinha aumentado a partir dos 7 anos de idade ou mais cedo no DSM-IV. O aumento meteórico dos números diagnosticados com TDAH significou que, até 2016 nos Estados Unidos, cerca de 9,4% (6,1 milhões) das crianças entre os 2-17 anos de idade tinham recebido um diagnóstico de TDAH.

A biologização da infância

A principal recomendação de tratamento tem sido, desde há muito tempo, a prescrição de medicamentos estimulantes – nomeadamente, o uso da classe das anfetaminas (tais como Ritalina e Dextroanfetamina). A ideia de que o TDAH tem um tratamento médico específico tem atuado como um poderoso estimulante (trocadilho pretendido) para a popularização do conceito, particularmente nos países que são dominados por um sistema de valor econômico baseado no mercado onde a percepção da disponibilidade de um tratamento específico tem permitido a mercantilização e comercialização do diagnóstico.

A ideologia que começou a ganhar terreno no final dos anos 50 para os adultos e no início dos anos 70 para as crianças – que as patologias mentais são o resultado de desequilíbrios químicos para os quais existem medicamentos específicos – foi adoptada. A comercialização de medicamentos diretamente aos médicos coincidiu com o interesse do governo dos EUA pelos méritos da utilização de medicamentos psicoativos para tratar a hiperatividade.

Além disso, a expansão do uso de psicofármacos para a hiperatividade aconteceu numa altura em que as abordagens “científicas” à criação de filhos se tornaram moda, atingindo o seu auge em meados do século XX, no Ocidente. A ascensão de formas científicas de falar sobre crianças, desenvolvimento infantil, e paternidade deslocou abordagens mais naturalistas para a educação dos filhos, característica de épocas anteriores, empurrando a tarefa de criação da criança para uma maior apropriação por grupos profissionais.

Anteriormente nos Estados Unidos, as crianças eram vistas como sendo em grande parte fortes e resilientes. Um exemplo disto pode ser encontrado no estudo da Fischer no final dos anos 50/princípio dos anos 60, na cidade de New England. Segundo o estudo, as famílias entendiam os comportamentos problemáticos dos seus filhos como “fases” pelas quais se podia esperar que a maioria das crianças passasse. Ver os problemas desta forma significava que os pais não sentiam na obrigação de procurar ajuda profissional para eles. De fato, fazê-lo seria contrário a outra crença dominante, que era a de que os pais não deveriam forçar os filhos no caso de estes danificarem o seu “potencial”.

Assim, o “mau” comportamento das crianças era interpretado através de uma lente normativa como o esperado e temporário.

Estas mudanças dinâmicas – afastando os problemas de comportamento infantil da arena do “senso comum” parental em direção à propriedade por parte de uma classe profissional – juntamente com a maior ênfase na utilização de psicofármacos para controlar emoções e comportamentos, contribuíram para o diagnóstico e prescrição de medicamentos para transtornos mentais infantis que aumentaram acentuadamente nas últimas décadas na maioria dos países pós-industriais (particularmente na América do Norte, Norte da Europa, e Australásia).

Embora este fato não seja contestado, está sujeito a muitas interpretações diferentes por parte de estudiosos e profissionais, dependendo dos seus pressupostos teóricos divergentes. Aqueles que acreditam que o progresso científico está por detrás desta rápida mudança na prática, argumentam que perturbações como o TDAH foram simplesmente “pouco reconhecidos” no passado. De acordo com esta perspectiva, sempre houve crianças que sofreram de tais perturbações, mas só em resultado dos recentes avanços clínicos e científicos é que descobrimos que estes são sintomas de condições médicas que podem causar um desenvolvimento anormal.

Os críticos deste ponto de vista, como eu, apontam para a falta de provas que sustentem a ideia de que houve descobertas clínicas ou científicas que levaram ao progresso.

No início deste século, o conceito de TDAH estava a migrar para além do de um transtorno de desenvolvimento infantil para uma transtorno para toda a vida, à medida que a ideia de TDAH adulta descolava, começando inevitavelmente na capital mundial da comercialização farmacêutica, os Estados Unidos. A ênfase em TDAH adulta passa de observações de comportamento externo para falhas percepcionadas de regulamentação interna, salientando problemas com o “autoconceito” e ignorando em grande parte a hiperatividade no seu quadro de diagnóstico.

À medida que a cultura ocidental tem aumentado o seu foco no indivíduo, tem enfatizado a fragilidade da sua vida interior, transformado desejos em necessidades de mercadorias, e ensinado as pessoas a medir o seu sentido de amor-próprio através de realizações competitivas. Os diagnósticos, enquadrados de formas que culpam o problema de disfunção bioquímica, podem parecer fornecer uma via de alívio das lutas envolvidas em manter um sentido positivo de ego na ausência de realização ou satisfação pessoal.

O foco na “vida interior” (tal como na depressão e ansiedade) que domina a psiquiatria de adultos (em oposição ao foco no comportamento que domina a psiquiatria infantil), levou a que as mulheres fossem os “clientes” predominantes dos serviços psiquiátricos na comunidade. Talvez não surpreendentemente, a mudança de ênfase nas definições de TDAH adulta, de características comportamentais para características internalizadas, tem sido acompanhada por um aumento do número de mulheres diagnosticadas com TDAH adulta, e em muitos países as mulheres superam em número os homens para este rótulo, apesar do fato de o diagnóstico de TDAH na infância estar fortemente associado a ser masculino.

Esta tentativa de solução, no entanto, permanece frágil, pois inclui também a noção de incapacidade permanente e de base biológica, e portanto a de “bens danificados”, criando um problema a mais longo prazo – com a pessoa diagnosticada convidada para uma luta potencialmente vitalícia para controlar e evitar que o seu “TDAH” arruíne a sua vida.

A indústria farmacêutica parece ter sido fundamental na ascensão do TDAH adulto, especialmente durante as últimas décadas. Em 2004, por exemplo, as empresas de marketing farmacêutico identificaram explicitamente o TDAH adulto como um mercado em expansão e lucrativo para estimulantes e medicamentos relacionados.

Nos Estados Unidos, várias empresas têm realizado campanhas de publicidade direta ao consumidor, que comercializam o transtorno sugerindo que os comportamentos comuns (tais como esquecer as chaves do carro) podem ser sintomas. Os websites das empresas também contêm questionários de rastreio que encorajam as pessoas a procurar ajuda se pensarem que têm o diagnóstico. Além disso, foi revelado que alguns dos investigadores que mais vigorosamente promoveram o conceito de TDAH adulto e conduziram muitos dos ensaios de medicamentos não revelaram milhões de dólares de rendimentos que tinham recebido das empresas farmacêuticas.

O que hoje definimos como TDAH é o produto destes interesses comerciais, políticos e institucionais. Em nenhuma parte da história da emergência e popularização do TDAH houve qualquer – e refiro-me a qualquer – descoberta científica significativa.

Não há TDAH em todo o lugar

A vontade de “descobrir” modelos biomédicos dentro dos quais colocar vários comportamentos das crianças considerados socialmente difíceis resultou na exclusão do significado cultural, do significado local de comportamentos particulares, e das crenças e práticas locais para lidar com tais comportamentos.

Quando vemos os comportamentos da infância através do prisma das crenças culturais locais, pode-se encontrar variações na prática mesmo dentro e entre países que reconhecem e têm ampla disponibilidade de serviços para o diagnóstico e tratamento do TDAH.

Por exemplo, num contexto em que o auto-controle em resposta a agressões ou provocações é altamente valorizado, é mais provável que a falta de auto-controle seja interpretada como um transtorno. Do mesmo modo, em contextos onde o sucesso escolar é altamente valorizado, é mais provável que o mau desempenho escolar seja interpretado como sendo o resultado de um transtorno.

Assim, encontra-se uma diferença significativa na forma como o TDAH é conceitualizado na prática do mundo real entre o Reino Unido e os EUA. Tanto os estudos epidemiológicos como as entrevistas criança/família encontraram diferenças consideráveis no tipo de problemas susceptíveis de levar a um diagnóstico de TDAH, e subsequente tratamento, entre estes dois países.

No Reino Unido, o diagnóstico e tratamento é mais susceptível de ser dado a crianças (principalmente meninos e adolescentes) das classes sociais mais baixas e está associado a níveis mais elevados de problemas de comportamento, enquanto que nos EUA, as crianças da classe média (mais uma vez principalmente meninos e adolescentes), particularmente em áreas de menor rendimento acadêmico, são mais susceptíveis de serem diagnosticadas e tratadas.

Entrevistas com jovens diagnosticados com TDAH no Reino Unido e nos EUA descobriram que as suas crenças sobre TDAH espelham os resultados epidemiológicos, sendo muito mais provável que as crianças britânicas vejam o TDAH como um transtorno de autocontrole que as faz perder a calma e entrar em lutas, enquanto que as crianças estadunidenses têm mais probabilidades de acreditar que o TDAH é um transtorno que as leva à reprovação escolar.

Os estudos de TDAH transculturais encontram diferenças importantes e significativas entre os avaliadores de diferentes países quanto aos comportamentos que classificam como problemáticos. Existem também diferenças significativas entre avaliadores quando avaliam crianças de diferentes origens étnicas minoritárias. Alguns dos primeiros estudos encontraram uma taxa surpreendentemente elevada de hiperatividade em crianças da China e de Hong Kong. Nesses estudos, quase três vezes mais crianças chinesas do que inglesas foram classificadas como hiperativas.

No entanto, um olhar mais atento aos resultados sugeriu que a maioria das crianças chinesas “hiperativas” não teriam sido classificadas como hiperativas pela maioria dos avaliadores ingleses e eram de facto muito menos hiperativas do que as crianças inglesas classificadas como ” hiperativas”. Uma sugestão para uma tal disparidade nas classificações de hiperatividade entre os avaliadores e as crianças chinesas e inglesas é que isso pode ser devido à maior importância do sucesso escolar na cultura chinesa, levando a uma intolerância de menor grau de comportamento perturbador. Qualquer que seja o(s) motivo(s), demonstra que a hiperatividade e a disruptividade são entidades culturalmente construídas.

Outro estudo de antropologia médica, publicado em 2003, analisou um grupo de crianças da classe média de uma escola mexicana com mais de 200 alunos. Utilizando questionários padrão, os investigadores concluíram que cerca de 8% das crianças podiam ser diagnosticadas como tendo TDAH, mas havia apenas uma criança nessa escola que tinha recebido um diagnóstico de TDAH. Através de entrevistas com os pais e professores das crianças mais ativas que não foram diagnosticadas, os investigadores descobriram que estes prestadores de cuidados consideravam os comportamentos do tipo TDAH como estando dentro dos limites de comportamentos considerados normais e esperados para estas crianças, particularmente meninos, nessa idade.

No âmbito de qualquer cultura/sociedade, o TDAH mostra diferentes padrões de distribuição que podem ser rastreados até às dinâmicas sociais e culturais. Assim, no Reino Unido, a distribuição social do diagnóstico de TDAH segue os contornos de um gradiente baseado na sua classe. As crianças que apresentam os sintomas de qualquer perturbação emocional ou comportamental, incluindo as que apresentam sintomas de TDAH, são muito mais susceptíveis de serem pobres, de serem criadas por pais solteiros e/ou desempregados, de crescerem em bairros desfavorecidos, e de serem expostas a eventos de vida estressantes nas suas primeiras fases de vida.

O maior excesso de todos é quando um progenitor está em apuros com a lei – uma audiência em tribunal por um progenitor aumenta o risco de um diagnóstico em quase 200%. Esse gradiente não é encontrado nos EUA; as crianças mais favorecidas economicamente no Reino Unido estão muito mais protegidas contra um diagnóstico de TDAH do que as suas homólogas americanas.

Raça e etnia é outra área onde se podem encontrar diferenças nos padrões de diagnóstico dentro do país. Num estudo etnográfico de famílias com crianças diagnosticadas com TDAH numa área metropolitana do nordeste dos Estados Unidos, foram encontradas diferenças consideráveis entre as crenças e práticas das famílias “euro-americanas” e das famílias afro-americanas.

Enquanto as famílias euro-americanas deram explicações biomédicas e preferiram utilizar um léxico clínico de “transtornos” e “condições”, ou categorias de diagnóstico específicas para descrever os problemas de comportamento dos seus filhos, as famílias afro-americanas resistiram à patologização da experiência dos seus filhos, o que se refletiu na utilização de um vocabulário mais difuso de “questões”, “desafios” e “dificuldades” para descrever comportamentos e sentimentos problemáticos nos seus filhos. Estas famílias afro-americanas demonstraram um questionamento ativo e ceticismo em relação às intervenções de saúde mental, quer estas fossem medicamentos ou psicoterapêuticas.

Todos estes exemplos recordam-nos que o intervalo entre as observações do comportamento de uma criança e os significados a elas ligados, incluindo se e quando o TDAH é utilizado como rótulo, é vasto e assombroso. Nesse espaço, construímos as nossas interpretações culturalmente tendenciosas com as consequências que depois decorrem das nossas escolhas.

Então o que é que a ciência real revelou sobre a TDAH, as suas causas, e os seus tratamentos?

Medicina Baseada na Ciência e na Evidência

A ciência é geralmente considerada como a atividade intelectual e prática que engloba o estudo sistemático do mundo físico e natural através da observação e experimentação. A ciência é a utilização de uma abordagem metodológica que envolve a geração de hipóteses (sugerindo uma teoria) e depois o teste dessas hipóteses através da experimentação. Os melhores cientistas podem viver e aceitar a incerteza como um pré-requisito para serem objetivos na busca do conhecimento.

Nas ciências naturais, nas quais a maioria da medicina se baseia para desenvolver um sistema de categorização baseado em causas (diagnóstico), o conhecimento desenvolve-se e constrói-se através da realização de um tipo particular de investigação, que visa provar que algo chamado “hipótese nula” não pode ser verdade. A hipótese nula é uma afirmação ou posição por default de que não há relação entre certos fenómenos medidos. Rejeitar ou refutar a hipótese nula – e assim concluir que existem motivos para acreditar que existe uma relação e que a hipótese real pode ser verdadeira – é uma tarefa central na prática moderna da ciência.

Mas antes que qualquer descoberta possa ser aceite, são necessárias outras equipes de investigação independentes para replicar os resultados usando os mesmos métodos ou métodos semelhantes. Isto porque uma equipe pode ter preconceitos, tamanhos de amostra inadequados, problemas técnicos com a precisão do seu equipamento, erros nas análises, e por vezes podem até ter resultados manipulados.

A crise da “replicabilidade” é um grande problema na investigação psiquiátrica e psicológica. Uma equipe anuncia ter encontrado algo (digamos que uma área do cérebro é menor em doentes com TDAH em comparação com um grupo de idade saudável), mas as duas equipes seguintes que realizam o mesmo estudo chegam a conclusões diferentes.

Uma abordagem científica requer que se parta do princípio de que a sua teoria (hipótese) não é verdadeira – a hipótese nula. A contestação da hipótese nula – significando portanto que há provas de que a sua teoria pode ser verdadeira – deve acontecer antes de poder passar à fase seguinte de permitir que outras equipes de investigação façam as mesmas experiências ou experiências semelhantes para ver se obtêm os mesmos resultados que você.

Se em qualquer fase deste processo a sua teoria não estiver a receber apoio, deve voltar à “hipótese nula” e assumir que a sua teoria não é verdadeira. Não é científico pedir a alguém que prove que a “hipótese nula” é verdadeira. Deve sempre assumir que é verdade, até que tenha sido provado através de todas as etapas acima referidas que não pode ser verdade.

Um dos maiores problemas com os conceitos atuais utilizados na psiquiatria pode ser compreendido voltando a estes pressupostos básicos. Para avaliar cientificamente a proposição de que existe uma categoria natural de disfunção/transtorno chamada “Transtorno de Déficit de Atenção/Déficit de Hiperatividade” (TDAH) que é ” neurodesenvolvimental”, devemos começar com a hipótese nula. Ou seja, temos de assumir, até prova em contrário, que não existe qualquer relação característica entre o que estamos a definir como TDAH e alguma característica biológica/neurológica mensurável identificável.

Este é um pressuposto fundamental por detrás do desenvolvimento do conhecimento através do método científico. A aplicação da metodologia científica é a base da Medicina Baseada em Evidências. Até termos demonstrado que esta hipótese básica nula não pode ser verdadeira, então cientificamente, não podemos prosseguir com a investigação que pressupõe que a Medicina Baseada em Evidências como conceito tem qualquer poder explicativo para os comportamentos que descreve.

Na sua forma mais ampla, a Medicina Baseada em Evidências é uma abordagem para melhorar os cuidados de saúde que utiliza a aplicação do método científico para a tomada de decisões. Durante grande parte da sua história, a medicina baseou-se mais na subjetividade do “juízo clínico”, e os estudantes de medicina aprendiam esta ou aquela ideia favorita do professor. A prática desenvolvia-se mais através de uma narrativa e assumia a autoridade do “médico” ou do “professor”, muitas vezes com poucas provas de apoio.

A mudança para uma maior utilização de princípios científicos para informar a prática ocorreu durante os anos 80, com maior atenção à investigação sobre causas e tratamentos, a par do desenvolvimento de instituições internacionais como a Colaboração Cochrane, dedicadas à avaliação sistemática de provas de investigação sobre questões clínicas importantes. Novas abordagens analíticas (tais como meta-análises e revisões sistemáticas) permitiram aos investigadores reunir os resultados de um grande número de estudos que contribuíram para o desenvolvimento de uma base de evidência abrangente.

A Medicina Baseada em Evidências foi um importante passo em frente no desenvolvimento de uma abordagem mais credível do ponto de vista científico aos cuidados de saúde. Contudo, como todas as grandes ideias, ela existe dentro de um quadro político mais amplo. O esforço científico é, em última análise, uma atividade humana e, portanto, o que conta como “ciência” e como a interpretamos é moldado por processos culturais e políticos mais amplos.

As empresas farmacêuticas, para dar um exemplo, foram capazes, através de uma variedade de estratégias, de enviesar a base de provas para os produtos que fabricavam. A própria Medicina Baseada em Evidências foi vítima destas forças políticas de poder de mercado mais vastas, levando a um conluio corruptor entre organizações focadas no lucro e corporações profissionais. O marketing triunfou sobre a ciência.

A Medicina Baseada em Evidências também se tornou susceptível de ser atingida pelo ” cientificismo”. Na cultura ocidental, a ciência tornou-se uma cosmologia – ou seja, uma ideologia/fé que acredita que a ciência tem uma primazia inegável sobre todas as outras formas de ver e compreender a vida e o mundo, tornando-nos vulneráveis a sermos tomados pelo cientificismo. Queremos acreditar que existem explicações fáceis e formas simples de aliviar o sofrimento. A comercialização da promessa de diagnósticos psiquiátricos e tratamentos medicinais acabou por ser relativamente fácil.

Mesmo a Colaboração Cochrane – a instituição mais ligada ao desenvolvimento da Medicina Baseada em Evidências – foi vítima de dar prioridade ao marketing em detrimento da ciência. O Professor Peter Gøtzsche foi expulso da Cochrane em Setembro de 2018. Gøtzsche escreveu um relato convincente sobre o que aconteceu no seu livro sobre o assunto, Morte de um delator e Colapso Moral da Cochrane. É um relato vigoroso de como as organizações se corrompem quando caem nas garras de uma hierarquia mais preocupada com as finanças e o marketing do que com as razões para as quais foi criada.

Gøtzsche foi um dos co-fundadores originais da Colaboração Cochrane e foi a peça-chave para a transformar numa rede de investigação respeitada. Criou muitas das ferramentas metodológicas utilizadas pela Cochrane Review e nunca se afastou de deixar os dados falarem por si, por muito impopulares que os resultados pudessem ser com alguns médicos, investigadores e, em particular, com fabricantes de produtos farmacêuticos e outros dispositivos médicos.

O brilhantismo de Gøtzsche e a sua abordagem destemida valeram-lhe muitos inimigos. Ele é um dos investigadores mais conhecidos da Dinamarca e é respeitado nos círculos de investigação em todo o mundo. Mas há anos que ele tem documentado quantos produtos promovidos pela indústria farmacêutica e fabricantes de dispositivos médicos podem causar mais danos do que benefícios, com uma análise detalhada de como a investigação destas empresas engana, ofusca ou, por vezes, mente de forma inequívoca, a fim de proteger e promover os seus produtos.

O seu trabalho sobre drogas psiquiátricas mostrando como todas são pobres em proporcionar melhores vidas àqueles que as tomam, ao mesmo tempo que causou enormes danos a milhões, valeu-lhe a ira do estabelecimento psiquiátrico em geral e foi talvez a razão mais importante para que a hierarquia de Cochrane decidisse expulsá-lo.

Hoje em dia, o que aconteceu à ideia de Medicina Baseada em Evidências é que ela é citada de forma quase religiosa. Ouve-se frequentemente repetir, como um encantamento, frases como, “seguimos diretrizes baseadas em provas”, “isto é um tratamento baseado em provas”, “somos um serviço baseado em provas”, como uma paródia de tempos anteriores em que se poderia ter dito, “diz-se na Bíblia”, ou “de acordo com a Bíblia”, e depois basta dizer qualquer merda que nos venha à cabeça.

Utilizamos esta linguagem como justificação social para o que praticamos, e os pressupostos e contexto originais em torno de hipóteses nulas importantes desaparecem por detrás do fumo e dos espelhos dos estabelecimentos inchados e dos professores famintos.

O meu primeiro encontro “sério” com o fenómeno do TDAH foi como estagiário em psiquiatria infantil em meados da década de 1990. Nessa altura, o TDAH não estava a ser diagnosticada no Reino Unido; de fato, a psiquiatria infantil era uma profissão amplamente orientada para o sistema que não usava etiquetas de diagnóstico, e os pedopsiquiatras raramente receitavam medicamentos.

Estávamos cientes da crescente medicalização nos EUA, e havia psiquiatras infantis em posições influentes no Reino Unido que se sentiam atraídos por isto. Em meados da década de 1990, a sua influência começava a ser revelada. Assim, um dos meus consultores supervisores manifestou interesse em levar a cabo um “projeto” sobre TDAH e a sua relevância para a população que estávamos a servir numa área etnicamente diversificada e privada do interior de Londres. Ele perguntou-me se eu gostaria de me juntar a ele.

Como estagiário entusiasta, ansioso por aprender, joguei na sorte. O meu consultor ainda não tinha formulado uma pergunta de investigação e, por isso, pediu-me para fazer uma revisão bibliográfica resumindo dados chave sobre TDAH (diagnóstico, prevalência, causas, urbano versus rural, etc.).

Isto provou ser uma experiência esclarecedora – apenas não da forma como o meu supervisor imaginava. Li estudos e revisões, mas senti-me perturbado com a minha incapacidade de compreender o que era este conceito. Quanto mais lia, menos certo ficava. Não consegui responder à questão básica de “o que é o TDAH”?

O que é, continuava a pensar, certamente que não é apenas ” déficit de atenção ” e ” hiperatividade “, – apenas o que lhe chamavam, seguido da palavra ” transtorno “? Achei incrivelmente frustrante que a literatura que eu estava a ler não abordasse esta questão básica. Em vez disso, havia uma suposição de que o TDAH existe como “coisa” e que esta coisa tinha uma realidade concreta que significava que se podia fazer afirmações autorizadas sobre as suas características, implicações, causas, prevalência, tratamento e assim por diante.

Fiquei espantado ao perceber que o TDAH tinha sido convocado para existir pela imaginação de algumas pessoas sem este aspecto crucial de uma base probatória.

Os artigos que li evitavam a metodologia científica e ignoravam a hipótese nula. Isto fez-me sentir inquieto. Como poderia esta construção ser tomada pelo valor de face e tratada como se fosse uma entidade real? Se a construção não reflete uma entidade natural específica, mensurável, identificável (como pressupõe a hipótese nula), então todos os dados construídos utilizando a ideia de que o TDAH é uma “coisa” são suspeitos. Castelos construídos sobre areia.

Esta falta de solidez básica foi-me confirmada nos meus anos subsequentes de exame de várias facetas da literatura sobre TDAH. Como explicarei mais adiante neste capítulo, a investigação em nome de mostrar que o TDAH é uma entidade natural forneceu provas convincentes do contrário. Infelizmente, numa época em que o pensamento psiquiátrico é dominado pelo cientificismo quase religioso, onde apenas se repetem frases de estilo Medicina Baseada em Evidências, esta não é a mensagem que a maioria das pessoas recebe.

Em vez disso, este é o tipo de informação que se obtém dos sítios web quando se pesquisa no Google “O que é TDAH? “

TDAH significa transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. É uma condição médica. Uma pessoa com TDAH tem diferenças no desenvolvimento e atividade cerebral que afetam a atenção, a capacidade de se sentar quieto, e o auto-controle. O TDAH pode afetar uma criança na escola, em casa, e em amizades”. (Saúde Infantil).

Ou “Se tiver um transtorno hiperativo de déficit de atenção (TDAH), você pode ter muita energia e ter dificuldade em concentrar-se. Pode ser difícil controlar a sua fala e as suas ações. O TDAH é o transtorno comportamental mais comum nas crianças. Normalmente começa por volta dos 18 meses de idade, mas os sintomas tornam-se normalmente perceptíveis entre os 3 e os 7 anos de idade. Não sabemos o que causa o TDAH, mas os especialistas pensam que ele corre em famílias. Também pode ser causado por um desequilíbrio nos elementos químicos do cérebro”. (Young Minds).

Ou ” TDAH caracteriza-se por períodos de impulsividade, hiperatividade e desatenção, mas é mais do que ser um devaneio ou um incómodo. O TDAH afeta cerca de 2-5% de nós, e é em grande parte genético – embora fatores ambientais possam agravá-lo”. (Aconselhamento da BBC)

Se pesquisar no Google “O que causa TDAH?” obtém coisas como:

“O TDAH tende a funcionar em famílias e, na maioria dos casos, pensa-se que os genes herdados dos seus pais são um fator significativo no desenvolvimento da condição… A investigação identificou uma série de possíveis diferenças no cérebro das pessoas com TDAH em comparação com aqueles que não têm a condição… Outros estudos sugeriram que as pessoas com TDAH podem ter um desequilíbrio no nível de neurotransmissores no cérebro”. (Escolhas do NHS).

Ou “A investigação científica descobriu que existe uma forte ligação genética no TDAH. Não é uma doença que seja aprendida ou transmitida socialmente… Muitos dos genes que os especialistas identificaram como potencialmente contribuindo para o desenvolvimento da TDAH são genes que controlam certos tipos de neurotransmissores… Estudos científicos demonstraram que em pessoas com TDAH algumas partes importantes do cérebro estão a desenvolver-se mais lentamente e a comunicar menos bem”. (Netdoctor)

Se pesquisar no Google “Tratamento para TDAH” obtém coisas como:

“Os tratamentos variam desde a intervenção comportamental até à medicação prescrita. Em muitos casos, a medicação por si só é um tratamento eficaz para o TDAH”. (Healthline).

Ou “O tratamento da perturbação do défice de atenção e hiperatividade (TDAH) depende de uma combinação de medicamentos e terapia comportamental. O tratamento com medicamentos depende da idade do seu filho. O primeiro passo é um diagnóstico preciso do TDAH e uma compreensão dos pontos fortes e fracos do seu filho. Aprender sobre TDAH irá ajudá-lo a si e aos irmãos do seu filho a compreender melhor como ajudar o seu filho”. (Webmd)

A maior parte destes sítios Web destina-se a ser proveniente de sítios de informação confiáveis, sem preconceitos e sem influência de empresas farmacêuticas. É possível ver que as opiniões que provavelmente encontrará na maioria das pesquisas sobre o assunto incluem muitas coisas com aparência de serem cientificamente válidas que lhe dizem que o  TDAH é algo que existe como uma “coisa” identificável e que esta coisa tem algo a ver com os seus genes e cérebro (químicos e estrutura), e pode ser tratada através de medicação juntamente com alguma terapia comportamental.

O cientificismo transformou o TDAH de um conceito vago e difícil de distinguir em um fato de cultura disfarçado de um fato da natureza.

Como o TDAH não atinge a base de evidência necessária para ser considerada um “diagnóstico”, não é surpreendente que não tenha sido encontrada qualquer anomalia biológica específica e/ou característica, tal como anomalias neuroanatômicas, genéticas, ou neurotransmissoras características. Ao contrário dos mitos que foram difundidos para estimular uma indústria de TDAH, a realidade científica é que temos um armário vazio de provas confirmadoras e cheio em vez de um “lixo” científico.

Na próxima semana, na Parte 2 deste capítulo, exploraremos as provas científicas reais sobre TDAH, incluindo a genética, a imageologia cerebral, e as teorias de “desequilíbrio químico” da causalidade do TDAH.

[trad. Fernando Freitas]

É oficial: os antidepressivos viciam, criam dependência química

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Na Inglaterra, o Royal College of Psychiatry publica um livreto informativo sobre antidepressivos, relatando os riscos associados à descontinuação do medicamento e as diretrizes para sua descontinuação segura.

As informações relatadas contrastam com as comumente fornecidas por muitos psiquiatras, que subestimam o vício gerado pelas drogas e confundem crises de abstinência com recaídas.

James Davies, psicólogo britânico co-fundador do Conselho de Psiquiatria Baseada em Evidências (CEP UK) e secretário do Grupo Parlamentar de Todos os Partidos para Dependência de Drogas Prescritas, anuncia hoje que o Royal College of Psychiatry está publicando seu novo livreto de informações ao paciente, intitulado “Parando Antidepressivos “.

O livreto informativo sobre medicamentos antidepressivos, fruto de anos de trabalho de pesquisadores, ativistas e comunidades de pessoas afetadas por antidepressivos, está em desacordo com as descrições dos efeitos de abstinência dos antidepressivos vistos como uma experiência relativamente positiva para a maioria das pessoas até a data recente.

O novo livreto informativo segue as diretrizes NICE atualizadas, reconhecendo que, embora os sintomas de abstinência, ao parar de fazer uso de antidepressivos, possam ser leves e de vida relativamente curta para alguns, para muitos outros podem ser graves e prolongados, por semanas, meses ou além.

O livreto informativo também reconhece que não é possível, antes do uso, prever quem terá efeitos graves de abstinência, portanto, todos devem ser informados, antes de iniciar o tratamento, que podem ter esses sintomas.

Comunicar esse risco por meio do consentimento informado é muito importante, pois a porcentagem de pessoas que apresentam vários graus de sintomas é alta, afetando de um terço à metade das pessoas que tomam antidepressivos.

O novo livreto informativo também indica que a abstinência da droga pode ser confundida com recaída, especialmente porque as reações de abstinência (como aumento da ansiedade ou depressão) podem refletir as mesmas experiências que levaram muitas pessoas a aceitar a prescrição de antidepressivos para a recaída.

O livreto informativo oferece algumas dicas úteis para distinguir abstinência de recaída, mas mais importante, reconhece que essas não se trata de ciências exatas, o que, Davies argumenta, implica que os médicos devem ouvir e respeitar as opiniões de seus pacientes sobre o significado de sintomas que experimentam durante a abstinência.

No novo livreto informativo, a depressão não é mais descrita como sendo causada por um desequilíbrio químico que os antidepressivos de alguma forma corrigem (modelo organicista ou biomédico).

O livreto reconhece cautelosamente, entretanto, que os antidepressivos causam um aumento nos níveis de certos neurotransmissores, como a serotonina e a noradrenalina, e que o cérebro se adapta lentamente aos novos níveis com o tempo.

A consequência disso é que, se um antidepressivo for retirado rapidamente, o cérebro precisará de tempo para se ajustar à sua ausência. Este período de reajuste, presume-se, é o que determina a reação de retirada.

Portanto, o livreto sugere que a suspensão do medicamento deve ocorrer de forma gradativa e em ritmo de acordo com as necessidades e vivências da pessoa, algo que os ativistas há muito solicitam. Ele também oferece alguns protocolos de suspensão como um guia inicial.

As informações contidas no novo livreto de informações sobre os riscos potenciais associados à interrupção dos antidepressivos contrasta significativamente com as fornecidas por muitos psiquiatras estabelecidos até alguns anos atrás.

Davies acredita que essa importante conquista também é o resultado do compromisso dos membros do CEP, por meio de suas pesquisas e publicações relevantes, o início da revisão recente da Public Health England sobre a dependência e a descontinuação de medicamentos prescritos, e o seu trabalho como consultor especialista na revisão, colaborando com o NICE na obtenção de diretrizes de descontinuação atualizadas e feedback dado ao Royal College com relação às questões espinhosas relacionadas à retirada de antidepressivos em geral.

Finalmente, continua Davies, grande parte do crédito vai acima de tudo para usuários de serviços psiquiátricos, instituições que dão suporte para o abandono das drogas, membros de fóruns de apoio online, membros de comunidades de vítimas de drogas que vem lutando com coragem sobre esta questão e “Nossos maiores agradecimentos a eles e por eles todos devemos continuar a luta por um apoio adequado e nacional para a suspensão dos psicotrópicos”.

Veja o artigo na íntegra ⇒

[Publicado originalmente em Mad in Italy. ]

Psicoterapia Química ou Psicológica?

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Todos os tratamentos de transtornos mentais têm a ver com a mudança de algo no cérebro. O psiquiatra infantil Sami Timimi sugeriu, portanto, que chamemos a todos os tratamentos, incluindo o tratamento químico, psicoterapia. Nós tratamos a psique. Na linguagem quotidiana, porém, são apenas os tratamentos psicológicos, o que chamamos de psicoterapia. Os tratamentos psicológicos visam mudar um cérebro, que não funciona normalmente, de volta ao normal.

A psicoterapia química é aquilo a que normalmente chamamos drogas psiquiátricas. Elas também mudam o cérebro, mas o cérebro não volta ao normal. Criam um terceiro estado artificial que não é nem normal nem o estado de doença de onde o paciente veio. Isto cria muitos problemas. Acima de tudo, é um beco sem saída, porque não se pode recuperar deste estado induzido artificialmente de volta ao normal. Não existem simplesmente drogas psicotrópicas capazes de o fazer. Os seus efeitos são bastante pouco específicos e abrangentes.

A psicoterapia psicológica visa melhorar as funções normais do cérebro, criando assim reações tão normais quanto possível aos desafios que a vida oferece. Muitos transtornos mentais envolvem a resposta inadequada do paciente a traumas e oscilações emocionais, pelo que faz sentido ensinar o paciente a pensar e reagir mais adequadamente. Também pode fazer muito sentido mudar o contexto do paciente, mas isto é muitas vezes ignorado.

A psicoterapia química faz o oposto. Os medicamentos psiquiátricos incapacitam uma série de funções cerebrais importantes e podem levar a uma diminuição do interesse pela vida em geral (apatia), ao abandono das relações sociais, à falta de empatia e de cuidados para consigo próprios e com os outros, e, na pior das hipóteses, ao entorpecimento emocional. A empatia ajuda-nos a reconhecer o sofrimento que infligimos aos outros através de ações impulsivas, e assim a empatia ajuda-nos a conter-nos. [1] A redução da empatia é um dos mecanismos pelos quais os medicamentos psiquiátricos podem causar suicídio e violência, e na pior das hipóteses, homicídio.

As drogas psiquiátricas podem levar à perda de funções humanas importantes que estão associadas à motivação, criatividade e amor. Esses efeitos tóxicos de drogas nas funções cerebrais superiores são frequentemente interpretados como uma “melhora” (o paciente aparentemente está menos perturbado ou incomodando a equipe, a família e os amigos). [2] Mas eles são, na verdade, uma expressão de dano cerebral.

O uso prolongado de drogas psicotrópicas pode causar danos cerebrais permanentes, o que pode impossibilitar o regresso do paciente ao normal, e também causar um regresso ao estado da doença de onde o paciente veio originalmente, de onde a psicoterapia e as mudanças ambientais podem ter tido um bom efeito.

O electrochoque funciona da mesma forma, nomeadamente danificando o cérebro, e os danos são muitas vezes permanentes, especialmente sob a forma de perda de memória. [3]

Não é de admirar que em todos os países onde isto foi estudado, o crescente consumo de drogas psicotrópicas tenha sido acompanhado por um número crescente de pensões de invalidez. [4] Outro exemplo de que o que fazemos de forma errada é o enorme consumo de antidepressivos. Os antidepressivos aumentam o risco de suicídio, não só em crianças e adolescentes, que conhecemos há muitos anos, mas também entre as pessoas mais velhas. [5] A psicoterapia reduz o risco de suicídio. [6] Esta é uma das várias razões pelas quais os pacientes com depressão devem ser tratados com psicoterapia psicológica e não com psicoterapia química. [7]

REFERÊNCIAS:

  1.  Breggin P. How psychiatric drugs really work. 11 Jan 2017. https://www.madinamerica.com/2017/01/how-psychiatric-drugs-really-work/.
  2. Breggin P. How psychiatric drugs really work. 11 Jan 2017. https://www.madinamerica.com/2017/01/how-psychiatric-drugs-really-work/.
  3.  Gøtzsche PC. Deadly psychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.
  4.  Whitaker R. Anatomy of an epidemic. New York: Broadway Paperbacks; 2010. 
  5.  Gøtzsche PC. Antidepressants increase the risk of suicide and violence at all ages. 16 Nov 2016. https://www.madinamerica.com/2016/11/antidepressants-increase-risk-suicide-violence-ages/.
  6.  Hawton K, Witt KG, Taylor Salisbury TL, et al. Psychosocial interventions for self-harm in adults. Cochrane Database Syst Rev 2016;5:CD012189.
  7.  Gøtzsche PC. Antidepressants increase the risk of suicide and violence at all ages. 16 Nov 2016. https://www.madinamerica.com/2016/11/antidepressants-increase-risk-suicide-violence-ages/.

Psicoterapia É Eficaz Onde a Medicação Falha, Estudo Descobre

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Uma meta-análise publicada recentemente na Clinica Psychology Review avalia o efeito do uso da psicoterapia para a não resposta ao tratamento, definida como a falha do tratamento primário em atingir seu objetivo (por exemplo, redução dos sintomas). Pesquisadores da Universidade de Basel, na Suíça, liderados por Andrew Gloster, revisaram ensaios clínicos controlados randomizados publicados a respeito de psicoterapia para pacientes não responsivos diagnosticados com transtornos de humor e ansiedade. Os resultados indicam que a psicoterapia é um tratamento eficaz na redução dos sintomas e na melhora do bem-estar desses pacientes.

Os pesquisadores relatam que “a proporção de não-respondentes varia entre 30% e 40%. . . Além do sofrimento contínuo associado ao próprio transtorno, os pacientes que não respondem diminuem a qualidade de vida e aumentam as taxas de mortalidade e suicídio. Por exemplo, pacientes com ansiedade que não respondem ao tratamento experimentam uma carga desproporcional de doença e têm a maior taxa de tentativas de suicídio do que quaisquer outros transtornos.”

Quando as pessoas se queixam de sintomas depressivos e de ansiedade ou da maior gravidade dos sintomas, as diretrizes de prática clínica muitas vezes encorajam os medicamentos psiquiátricos em detrimento da psicoterapia. Isto apesar da evidência de que os medicamentos não conduzem a melhores resultados com estes grupos do que a psicoterapia.

De fato, enquanto muitos pacientes frequentemente preferem a psicoterapia a tratamentos biomédicos, em muitos casos os pacientes nem sequer têm a opção da psicoterapia e são-lhes prescritos medicamentos, mesmo quando têm um risco mais elevado.

Para além da desvalorização sistemática dos tratamentos psicológicos, a psicoterapia é frequentemente reembolsada a taxas mais baixas do que os tratamentos com medicamentos. Quando se analisa o financiamento da investigação sobre tratamentos psiquiátricos, o viés em favor da indústria favorece significativamente a farmacoterapia em detrimento da psicoterapia quando se compara com os ensaios clínicos não financiados pela indústria.

Num sistema de saúde que utiliza principalmente a farmacoterapia como tratamento de primeira linha para muitas questões de saúde mental, este estudo demonstra a utilidade de intervenções psicológicas para ajudar os pacientes a ver melhorias.

A não-resposta ao tratamento é uma questão importante nos cuidados de saúde mental que muitas vezes é negligenciada. No entanto, os desafios ao estudo da não-resposta ao tratamento incluem a falta de consenso em torno do que significa realmente “resposta” ou “não-resposta”. Além disso, os estudos tendem a concentrar-se principalmente na redução dos sintomas como resultado e raramente incluem medidas de bem-estar e de funcionamento, que são algo distinto da sintomatologia.

As diretrizes disponíveis sobre opções de tratamento secundário tendem a ser farmacológicas – geralmente orientando os clínicos para excluir diagnósticos errados, aumentar a dosagem dos medicamentos atuais, ou mudar para uma classe diferente de medicamentos. Embora a psicoterapia possa ser sugerida como tratamento complementar, os autores alegam que é necessária uma base mais empírica para utilizar a psicoterapia como opção de resposta para a não-resposta ao tratamento.

Os autores deste estudo decidiram “determinar se a psicoterapia é uma opção viável para o tratamento da não-resposta, identificar quaisquer sinais promissores, ao mesmo tempo que identificam outras necessidades de investigação”.

Esta meta-análise foi a primeira a explorar a eficácia da psicoterapia para melhorar os resultados dos que não respondem ao tratamento. Para a principal questão de investigação, foram incluídos dezoito terapia cognitivo-comportamental com pacientes com transtornos primários do humor e/ou ansiedade designados para psicoterapia após a não-resposta ao tratamento inicial (por si só ou combinada com medicação).

Os membros da equipe de investigação extraíram medidas de resultados primários (sintomatologia) e secundários (bem-estar/funcionamento) dos estudos individuais, ao mesmo tempo avaliando a sua qualidade global e o risco de vieses. As análises estatísticas compararam grupos de tratamento com grupos de controle e testaram a influência de moderadores (por exemplo, tipos de terapia) e outros indicadores (por exemplo, duração do tratamento) nos resultados dos estudos.

Dos 401 estudos publicados que examinaram os resultados de tratamentos subsequentes em pessoas que não responderam (seja psicoterapia ou farmacologia), os investigadores descobriram que apenas 20% examinaram a psicoterapia como uma opção. Em contraste, 80% utilizaram exclusivamente intervenções farmacológicas/médicas. Para aqueles que incluíram psicoterapia, estes estudos incluíram uma gama de tipos de terapia (por exemplo, cognitiva-comportamental, psicodinâmica e interpessoal, gestão de cuidados) e alguns que também utilizaram medicamentos em conjunto com psicoterapia.

Os investigadores encontraram o impacto geral, moderado a grande, da psicoterapia na ausência de resposta ao tratamento, tanto na sintomatologia quanto na qualidade de vida/funcionamento. No entanto, esta última foi medida em menos de 50% dos ensaios incluídos neste estudo. As análises sobre a qualidade dos estudos mostraram uma grande variação na perspectiva dos autores e um viés significativo de publicação favorecendo estudos com resultados positivos nos resultados dos sintomas.

Não foram encontradas diferenças significativas nos resultados entre ansiedade ou transtornos de humor, tipos de psicoterapia, ou o tipo de pacientes de tratamento anterior que entraram no ensaio (apenas medicação, psicoterapia, combinados). Os investigadores não encontraram quaisquer indicadores significativos (por exemplo, demográficos, duração do tratamento de estudo) sobre os resultados globais do ensaio para psicoterapia.

No entanto, as publicações de menor qualidade tenderam a se referir a efeitos de maior tamanho em grupos de tratamento. Além disso, quanto mais tempo um paciente estava no seu tratamento original, maior era o efeito do novo tratamento (i.e., psicoterapia).

A psicoterapia afetou positivamente a qualidade de vida/funcionamento dos pacientes, não tendo sido encontrado qualquer viés de publicação para estes resultados. No entanto, o tratamento de pacientes com transtornos de humor primários teve efeitos menores sobre estes resultados de bem-estar do que aqueles com transtornos de ansiedade. Além disso, a duração do tratamento em estudo não parece ter previsto melhores resultados.

Considerando estas conclusões, Glotera e colegas concluem que a psicoterapia é uma intervenção eficaz para casos de ausência de resposta ao tratamento. Contudo, notam a raridade dos ensaios de psicoterapia (em comparação com os ensaios de medicamentos) e sugerem mais investigação de boa qualidade sobre psicoterapia para as não-respostas ao tratamento.

Sugerem que a exiguidade de tal tipo investigação poderia resultar de menos financiamento para ensaios psicoterapêuticos do que as abordagens farmacológicas. Também reflete a prática clínica típica de como os médicos de clínica geral abordam as questões de saúde mental com cada vez mais medicação psicotrópica que não inclui a psicoterapia.

Dado o aumento do risco de incapacidade funcional, os resultados que sugerem o efeito positivo da psicoterapia sobre o funcionamento e a qualidade de vida são particularmente importantes. Os autores também referem que muitas psicoterapias não priorizam a redução dos sintomas, mas centram-se antes na forma como os pacientes se relacionam com os seus sintomas e vivem com mais significado. Para este fim, recomendam que a investigação futura inclua medidas que vão para além da sintomatologia. Para comparar estudos uns com os outros no futuro, os autores gostariam de ver os investigadores relatarem a sua definição de “não-resposta” de uma forma mais homogênea.

Especulam que, como não parecia haver uma qualidade particular sobre os tratamentos ou os pacientes que se destacavam, apenas o ato de mudar de tratamento poderia ter funcionado para voltar a alimentar a esperança. Além disso, a experiência anterior dos pacientes com o tratamento poderia ajudá-los a preparar-se para a mudança na psicoterapia de seguimento. Assim, a investigação dos tratamentos anteriores seria importante para compreender como os diferentes tipos de tratamento interagem. Naturalmente, outros aspectos do tratamento influenciam os resultados dos pacientes não medidos nestes ensaios clínicos que poderiam ser mais explorados, tais como a superioridade do sequenciamento de diferentes tratamentos (por exemplo, cognitivo-comportamental para psicodinâmica), fatores comuns, qualidades terapêuticas, etc.

“Dado que nenhuma terapia funciona para todos os pacientes, é provável que as opções de tratamento tenham de incluir opções de individualização, semelhantes à medicina personalizada. Isto exigirá mais informação sobre o que funciona, como, para quem após a não-resposta ao tratamento inicial”.

Embora seja complicado encontrar recomendações para a personalização de tratamentos, podemos considerar de forma mais crítica o que pensamos ser a melhor prática, tendo ativamente em conta as preferências dos pacientes e integrando tais resultados de investigação com a prática clínica.

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Gloster, A. T., Rinner, M. T. B., Ioannou, M., Villanueva, J., Block, V. J., Ferrari, G., Benoy, C., Bader, K., & Karekla, M. (2020). Treating treatment non-responders: A meta-analysis of randomized controlled psychotherapy trials. Clinical Psychology Review75, 101810. https://doi.org/10.1016/j.cpr.2019.101810 (Link)

Antidepressivos Não São Superiores à Psicoterapia para a Depressão Severa

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Em 23 de setembro de 2015, a JAMA Psychiatry publicou uma meta-análise comparando os resultados da terapia cognitivo-comportamental e medicação antidepressiva em populações gravemente deprimidas.  Atualmente, muitas orientações práticas sugerem que os antidepressivos sejam utilizados ao invés de psicoterapia para grandes transtornos depressivos. A análise, contudo, constatou que “os pacientes com depressão mais grave não eram mais propensos a necessitar de medicamentos para melhorar do que os pacientes com depressão menos grave”.

Nas suas diretrizes para o tratamento da depressão, tanto a Associação Psiquiátrica Americana (APA) como a Associação Britânica de Psicofarmacologia sugerem que enquanto “a psicoterapia é suficiente para tratar a depressão leve, os medicamentos antidepressivos (devem ser utilizados para tratar a depressão grave no contexto de transtorno depressivo grave”.  Estas diretrizes baseiam-se em grande parte nos resultados de um ensaio de controle randomizado conduzido pela NIMH.  No entanto, esta última meta-análise revela que a diferença nos resultados do tratamento observada nos ensaios NIMH “não foram observados em vários outros ensaios clínicos randomizados de tratamento na fase aguda”.

Enquanto as meta-análises anteriores tentaram comparar o uso de antidepressivos e terapia cognitivo-comportamental para depressão, o último estudo é único na medida em que os investigadores foram capazes de obter dados ao nível do paciente, dando ao estudo “mais poder para examinar com precisão moderadores de resultados de tratamento”.  Os investigadores reviram 16 estudos que forneceram dados individuais a nível de pacientes e oito que não o fizeram.  No total, a amostra incluiu dados sobre 1.700 participantes.

Os resultados da análise não mostram diferenças significativas entre os antidepressivos e a terapia cognitivo-comportamental em resposta ao tratamento ou remissão em pacientes com depressão grave.  “No total, 63% dos doentes na condição de usuários de antidepressivos e 58% dos doentes na condição de terapia cognitivo-comportamental responderam ao tratamento, e 51% dos doentes na condição de usuários de antidepressivos e 47% dos doentes na condição de tratamento com terapia cognitivo-comportamental preencheram os critérios para a remissão”.

Os investigadores concluem que “os dados são insuficientes para recomendar o uso de antidepressivo ao invés de terapia cognitivo-comportamental em doentes se tratando em ambulatórios com base apenas na gravidade de base”. Sugerem também que a terapia cognitivo-comportamental pode ser utilizada como tratamento de primeira linha eficaz para pacientes gravemente deprimidos.

 —

Weitz ES, Hollon SD, Twisk J, et al. Baseline Depression Severity as Moderator of Depression Outcomes Between Cognitive Behavioral Therapy vs. Pharmacotherapy: An Individual Patient Data Meta-analysis. JAMA Psychiatry. Published online September 23, 2015. oi:10.1001/jamapsychiatry.2015.1516 (Full Text)

kit de Sobrevivência em Saúde Mental e Retirada dos Medicamentos Psiquiátricos – Cap. 2/1

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Kit de sobrevivência
em saúde mental e retirada
dos medicamentos
psiquiátricos

Peter C. Gøtzsche

Nota do Editor: Por autorização do autor, o Mad in Brasil (MIB) estará publicando quinzenalmente um capítulo do recente livro do Dr. Peter Gotzsche. Os capítulos irão ficar disponíveis em um arquivo aqui

Capítulo 2

A psiquiatria é baseada em evidências?

A psiquiatria estava em estado de crise nos Estados Unidos em meados do século passado, porque os psicólogos eram mais populares do que os psiquiatras.1 A guilda psiquiátrica decidiu, portanto, fazer da psiquiatria uma especialidade médica, o que faria com que os psiquiatras parecessem verdadeiros médicos e os distinguiria de psicólogos que não estavam autorizados a prescrever drogas.

Desde então, a propaganda maciça, a fraude, as manipulações com os dados da pesquisa, a ocultação de suicídios e de outras mortes e a mentira no marketing de drogas abriram o caminho para a ilusão de que a psiquiatria é uma disciplina respeitável que fornece drogas que curam os pacientes.1-4

Como o explicado no primeiro capítulo, os “clientes”, os pacientes e seus parentes, não concordam com os vendedores. Quando este é o caso, os vendedores geralmente são rápidos para mudar seus produtos ou serviços, mas isto não acontece na psiquiatria, que tem o monopólio do tratamento de pacientes com problemas de saúde mental, tendo os médicos de família como a sua complacente equipe de vendas de primeira linha e que não fazem perguntas incômodas sobre o que estão vendendo.

O médico de família é a porta de entrada da maioria das pessoas na psiquiatria. Aqui é onde pessoas tristes, preocupadas, estressadas ou esgotadas abordam os seus sintomas. O médico raramente dispõe do tempo necessário para perguntar sobre os eventos que fizeram com que o paciente acabasse nessa situação. Após alguns minutos a consulta frequentemente termina com um diagnóstico, que pode não ser correto, e uma prescrição para um ou mais medicamentos psiquiátricos, embora a terapia de conversa pudesse ter sido o melhor. Um estudo nos Estados Unidos mostrou que mais da metade dos médicos escreveu prescrições após discutir a depressão com os pacientes por três minutos ou menos.5

Você pode adquirir uma droga psiquiátrica mesmo que não haja uma  boa razão para ela ser receitada a você, por exemplo, uma pílula da depressão insônia, problemas na escola, ansiedade no exame, assédio no trabalho, abuso conjugal, rompimento com um namorado, luto, problemas econômicos ou divórcio. Isto também é comum se você consultar um psiquiatra.

Ao contrário das outras especialidades médicas, a psiquiatria é construída sobre uma série de mitos, que foram rejeitados tão firmemente pela boa pesquisa que o mais apropriado é chamá-los de mentiras. Por isso, advirto-os novamente. Está errado a maior parte do que lhe foi dito ou que alguma vez ouvirá sobre a psiquiatria, as drogas psiquiátricas, o eletrochoque e a internação e tratamento forçados. Isto tem sido documentado em numerosos artigos e livros de pesquisa.1-11

Aqui estão alguns conselhos gerais, que levarão a melhores resultados do que se forem ignorados:

  1. Raramente é uma boa ideia consultar um médico de família se você tiver um problema de saúde mental. Como os médicos são treinados no uso de drogas, o mais provável é que você seja prejudicado. Se não a curto prazo, então a longo.
  2. Se você receber uma receita do seu médico de família para um medicamento psiquiátrico, não vá à farmácia.
  3. Encontre alguém que seja bom em terapia de conversa, por exemplo, um psicólogo. Se você não puder pagar ou se houver uma longa lista de espera, então lembre-se que geralmente é melhor não fazer nada do que consultar o seu médico.

Vamos ver mais de perto o que está errado com a psiquiatria atual. Os psiquiatras afirmam que a sua especialidade é construída sobre o modelo biopsicossocial da doença que leva em conta a biologia, a psicologia e os fatores socioambientais, ao tentarem explicar por que as pessoas adoecem.

A realidade é muito diferente. A psiquiatria biológica tem sido o modelo de doença predominante desde que o presidente da Sociedade Americana de Psiquiatria Biológica, Harold Himwich, em 1955, surgiu com a ideia totalmente absurda de que os neurolépticos trabalham como a insulina para a diabetes.9

Parece até que está ficando pior. Há quinze anos, alguns porta-vozes da psiquiatria estavam mais preocupados do que os líderes de hoje com os perigos de se estar muito perto da indústria farmacêutica. Steven Sharfstein, presidente da Associação Psiquiátrica Americana, escreveu em 2005:

“Ao abordarmos estas questões da Big Pharma, devemos examinar o  fato de que, como profissão, permitimos que o modelo biopsicossocial se tornasse o modelo bio-bio-bio… Representantes das empresas farmacêuticas que trazem presentes são visitantes frequentes de salas e consultórios de psiquiatras. Devemos ter a sabedoria e a distância para chamar esses presentes do que eles são – propinas e subornos … Se formos vistos como meros empurradores de comprimidos e funcionários da indústria farmacêutica, a nossa credibilidade como profissão estará compro- metida”.12

Outras declarações foram menos afortunadas: “As empresas farmacêuticas desenvolveram e introduziram no mercado medicamentos que transformaram a vida de milhões de pacientes psiquiátricos.” Claro, mas não para melhor.

“A eficácia comprovada dos medicamentos antidepressivos, estabilizadores do humor e antipsicóticos ajudou a sensibilizar o público para a realidade da doença mental e ensinou-lhe que o tratamento funciona. Desta forma, a Big Pharma ajudou a reduzir o estigma associado ao tratamento psiquiátrico e aos psiquiatras”.

Os tratamentos não proporcionam efeitos que valham a pena, particularmente quando os seus danos também são considerados, e o estigma tem aumentado.4 Mas é assim como os líderes psiquiátricos enganam as pessoas. Uma revisão sistemática de 33 estudos concluiu que as atribuições causais biogênicas não estavam associadas a atitudes mais tolerantes; elas estavam relacionadas a uma rejeição mais forte na maioria dos estudos que examinaram a esquizofrenia.13 As pseudoexplicações biológicas aumentam a periculosidade percebida, o medo e o desejo de distância dos pacientes com a esquizofrenia porque fazem as pessoas acreditarem que os pacientes são imprevisíveis,13-15 e também levam a reduções na empatia dos clínicos e à exclusão social.17

O modelo biológico gera pessimismo indevido sobre as chances de recuperação e reduz os esforços de mudança, em comparação com uma explicação psicossocial. Muitos pacientes descrevem a discriminação como mais duradoura e incapacitante do que a própria psicose, e como uma grande barreira à recuperação.14,15 Os pacientes e suas famílias sofrem mais estigma e discriminação por parte dos profissionais de saúde mental do que de qualquer outro setor da sociedade, e mais de 80% das pessoas com o rótulo de esquizofrenia pensam que o diagnóstico em si é prejudicial e perigoso. Portanto, alguns psiquiatras agora evitam usar o termo esquizofrenia.15

Sharfstein admitiu que, “há menos psicoterapia fornecida por psiquiatras do que há 10 anos. Isto é verdade apesar da forte base de evidências de que muitas psicoterapias são efetivas quando utilizadas sozinhas ou em combinação com medicamentos. O quanto isso é trágico”. Esse não é o progresso de que tanto ouvimos falar.

Sharfstein não conseguiu resistir à tentação de jogar a carta da “antipsiquiatria”: “respondendo às observações antipsiquiátricas … uma das acusações contra a psiquiatria … é que a muitos pacientes estão sendo prescritos os medicamentos errados ou drogas de que não necessitam. Estas acusações são verdadeiras, mas não é culpa da psiquiatria – é culpa do sistema de saúde quebrado que os Estados Unidos parece estar disposto a dar suporte”.

É claro. Todos os danos que os psiquiatras causam por causa da superdosagem de populações inteiras NUNCA são culpa deles, mas de outras pessoas.

O psiquiatra Niall McLaren escreveu um livro muito instrutivo com muitas histórias de pacientes contando-nos que a ansiedade é um sintoma chave na psiquiatria.11 Se um psiquiatra ou um médico de família não ouve uma história com muito cuidado, eles podem deixar escapar que o atual episódio de angústia, que eles diagnosticam como depressão, começou como ansiedade muitos anos antes quando o paciente era um adolescente. Portanto, eles deveriam ter lidado com a ansiedade com a terapia da fala em vez de distribuir pílulas.

Niall desenvolveu uma maneira padrão com a qual ele se aproxima de todos os novos pacientes, a fim de não negligenciar nada importante. Leva tempo, mas o tempo investido inicialmente recompensa muitas vezes e leva a melhores resultados para os seus pacientes do que a abordagem padrão em psiquiatria.

Neill tem um interesse em filosofia, mas foi recebido com extrema hostilidade quando desafiou os seus colegas perguntando-lhes qual era a base para o seu modelo biológico dos transtornos psiquiátricos. Não há nenhuma. Em suas próprias palavras:11

“Assim sendo, podemos esquecer a psiquiatria biológica. O problema é que muitas pessoas têm muito dinheiro investido em tratamentos biológicos para os transtornos mentais e não irão desistir sem lutar. Pior ainda, há um monte de psiquiatras acadêmicos de alto nível em todo o mundo que investiram toda a sua carreira, e os seus egos (o que é muito pior), afirmando que o transtorno mental é de natureza biológica. Eles lutarão tenazmente para salvar os seus empregos e as suas reputações. Portanto, estamos presos à psiquiatria biológica há muito tempo. Só porque se provou que ela está errada, não significa que ela se desvanecerá da noite para o dia. O valor da psiquiatria biológica é que não é necessário falar com um paciente além de fazer algumas perguntas-padrão para descobrir qual doença ele tem, e isso pode ser facilmente feito por uma enfermeira armada com um questionário. Isto dará um diagnóstico que depois ditará os medicamentos que o paciente deve ter”.

A psiquiatria biológica assume que existem diagnósticos específicos que resultam de mudanças específicas no cérebro, e que existem medicamentos específicos que corrigem essas mudanças, que são, portanto, benéficos. Vamos analisar estas suposições uma a uma.

Os diagnósticos psiquiátricos são específicos e confiáveis?

Os diagnósticos psiquiátricos não são específicos, nem confiáveis.4,6,18,19 Eles são altamente inespecíficos, e os psiquiatras discordam totalmente quando solicitados a diagnosticar os mesmos pacientes independentemente um do outro. Existem poucos estudos deste tipo e seus resultados foram tão embaraçosos para a Associação Americana de Psiquiatria que ela os enterrou tão profundamente que foi necessário um extenso trabalho de detetive para encontrá-los.19 O funeral aconteceu em uma fumaça de retórica positiva em artigos surpreendentemente curtos, dada a importância do assunto. Mesmo o maior estudo, de 592 pessoas, foi decepcionante, embora os investigadores tenham tido muito cuidado no treinamento dos assessores.20

Os diagnósticos psiquiátricos não são construídos com base na ciência, mas são exercícios do tipo consenso onde é decidido, por uma exibição de mãos levantadas, quais os sintomas é que devem ser incluídos em um exame de diagnóstico.18 Esta abordagem de lista de verificação é como o jogo de salão bastante familiar, Descubra os Cinco Erros. Uma pessoa que tem pelo menos cinco sintomas em nove é declarada deprimida.

Se procurarmos o suficiente, encontraremos “erros” em todas as pessoas. Não há nada de objetivo e verificável nesta forma de fazer diagnósticos, que são derivados de uma constelação arbitrária de sintomas. Quantos critérios e em quais votamos que devem estar presentes quando se faz um determinado diagnóstico?

Dou muitas palestras para vários públicos, tanto profissionais como leigos, e muitas vezes exponho as pessoas ao teste recomendado para o TDAH adulto (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade).4,21 Nunca falha. Entre um terço e a metade do público é positivo no teste. Quando eu testei a minha esposa, ela obteve uma casa cheia, o que é seis dos seis critérios. Apenas quatro respostas positivas ao questionário são necessárias para o diagnóstico. Uma vez, quando uma das minhas filhas e o seu namorado nos visitaram para um jantar, discutimos a tolice dos diagnósticos psiquiátricos e, para ilustrar, eu os submeti ao teste. Minha filha teve cinco pontos, como eu tive, e o seu namorado muito descontraído, que eu nunca suspeitaria que fosse positivo, teve quatro. Assim, éramos quatro pessoas apreciando o nosso jantar e a nossa companhia, todas com um diagnóstico psiquiátrico falso.

Meu pequeno exercício faz as pessoas perceberem como os diagnósticos psiquiátricos são tolos e não científicos. Eu sempre digo às pessoas que estou no mesmo barco que elas e que elas não devem se preocupar, mas sim ficar felizes, como diz a canção de Bobby McFerrin, porque algumas das pessoas mais interessantes que já conheci se qualificam para o diagnóstico de TDAH. Elas são dinâmicas e criativas e têm dificuldade em manter-se sentadas em suas cadeiras fingindo que estão escutando quando o conferencista é monótono. No entanto, os psiquiatras têm tido o descaramento de dizer ao mundo inteiro que as pessoas com diagnóstico  de TDAH sofrem de um “transtorno de desenvolvimento neurológico”, por exemplo, o Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais (DSM-5) usado nos EUA, e na Classificação Internacional de Distúrbios (CID-11) usada na Europa, ambos dizem isto.

Postular que bilhões de pessoas têm cérebros errados é o mais ultrajante que pode haver.

Uma das vezes em que dei aulas para “Psiquiatria Melhor”, uma mulher na plateia disse: “Eu tenho TDAH”. Eu respondi: “Não, você não tem. Você pode ter um cachorro, um carro ou um namorado, mas não pode ter TDAH. É um construção social”. Expliquei que é apenas um rótulo, não algo que existe na natureza, como um elefante que todos podem ver. As pessoas tendem a pensar que recebem uma explicação para os seus problemas quando os psiquiatras lhes dão um nome, mas isto é um raciocínio circular. Paul se comporta de certa maneira, e nós daremos um nome a este comportamento, TDAH. Paul se comporta desta maneira porque tem TDAH. Logicamente, é impossível argumentar desta maneira.

Muitas vezes eu brincava durante as minhas palestras que também precisamos de um diagnóstico para aquelas crianças que são muito boas ao ficarem quietas e não se fazerem ver ou ouvir na sala de aula. Isto se tornou verdade, com a invenção do diagnóstico TDA, transtorno de déficit de atenção, sem a hiperatividade. A partir daquele dia, eu brinco sobre quanto tempo vamos esperar até vermos também um diagnóstico para aqueles que estão no meio, porque então haverá um medicamento para todos e a indústria farmacêutica terá atingido o seu objetivo final, que ninguém escapará de ser tratado.

O diagnóstico da depressão não é muito melhor. É muito fácil obter este diagnóstico mesmo que você não esteja realmente deprimido, mas apenas se sentindo um pouco fora do seu Eu habitual.4

Mesmo os diagnósticos mais sérios são altamente incertos. Muitas pessoas – em alguns estudos, e de longe a maioria delas – foram consideradas em revisão da literatura como tendo sido erroneamente diagnosticadas com esquizofrenia.4

Dada esta imensa incerteza, desacordo e arbitrariedade, deveria ser muito fácil se livrar de um diagnóstico errado. No entanto, é impossível, e não existe um tribunal de apelação como há nos casos criminais. É como nos tempos medievais, onde as pessoas eram condenadas sem razão e sem possibilidade de recurso. Como você verá na seção sobre o tratamento forçado no Capítulo 4, a lei está sendo violada rotineiramente, o que não toleraríamos em nenhum outro setor da sociedade.

Não parece importar se um diagnóstico é correto ou errado. Ele segue você pelo resto da sua vida e pode dificultar a educação com que você sonha, um emprego, certas pensões, ser aprovado para adoção ou até mesmo para manter apenas a sua carteira de motorista.22,23 Além disso, os diagnósticos psiquiátricos estão sendo frequentemente abusados em casos da guarda de filhos quando os pais se divorciam.22 Mesmo quando o diagnóstico está obviamente errado e a própria psiquiatra duvidou seriamente quando o fez, você não pode mandar que seja removido.23 Ele fica colado em você para sempre, como se você fosse uma vaca de marca.

A cineasta dinamarquesa Anahi Testa Pedersen fez o filme “Diagnosticando a Psiquiatria”24 sobre as minhas tentativas de criar uma psiquiatria melhor e sobre as suas próprias lutas contra o sistema. Ela recebeu o diagnóstico de transtorno de personalidade esquizotípica, que é um conceito muito vago e altamente duvidoso (ver Capítulo 5), quando foi admitida em uma enfermaria psiquiátrica devido a uma grande angústia por causa de um divórcio. Era óbvio que ela sofria de angústia aguda e nunca deveria ter tido um diagnóstico psiquiátrico ou ter sido tratada com drogas, mas na enfermaria lhe deram quetiapina, um neuroléptico e escitalopram, uma pílula para a depressão. Anahi ficou profundamente chocada ao saber que apesar de ter contatado voluntariamente a enfermaria psiquiátrica, as portas estavam trancadas atrás dela. Quando ela questionou o seu diagnóstico na alta, a informação que ela recebeu foi: “Aqui nós fazemos diagnósticos”.22 Os medicamentos a dopavam e a tornavam apática, e ela se retirou deles.

Outro choque veio oito anos mais tarde quando ela recebeu uma carta da Psiquiatria na Região da Capital. Eles queriam examinar a sua filha. Eles acreditavam que os transtornos psiquiátricos são herdados e que, portanto, é provável que as crianças dos doentes mentais também adoeçam.

Anahi ficou furiosa. A sua filha estava funcionando bem, feliz, saudável e tendo muitos amigos. A convocação veio sem que lhe perguntassem sobre como ela estava após a alta, ou sobre a situação e o bem-estar da sua filha, e a carta estigmatizava tanto ela quanto sua filha. Ela telefonou para um psiquiatra da unidade onde tinha ficado oito anos antes, mas mesmo que o seu médico de família lhe garantisse que ela estava bem e que era estranho que ela tivesse conseguido o diagnóstico de imediato, ela também foi informada, pelo psiquiatra, quando ela pediu um reexame: “O sistema não faz isso”! Ela foi deixada com uma sentença vitalícia, mas errónea. Isto não teria acontecido se ela tivesse sido condenada erroneamente por um crime, mas na psiquiatria, isto é perfeitamente “normal”.

O problema do diagnóstico colante é uma razão muito boa para não
consultar um psiquiatra.

Kit para iniciantes em psiquiatria: pílulas da depressão

Os pacientes e seus familiares comumente se referem às pílulas da depressão como “Kit para iniciantes da psiquiatria”. Isto porque muitas pessoas começam as suas “carreiras” psiquiátricas consultando o seu médico de família com algum problema que muitos de nós temos de tempos em tempos e deixam o consultório médico com uma receita de uma pílula da depressão, o que irá trazer problemas a elas.

Como já observado, as pílulas da depressão são frequentemente prescritas para indicações não aprovadas, o chamado uso fora do rótulo. Quando os problemas se acumulam, o médico de família pode encaminhar o paciente para tratamento psiquiátrico. A maioria desses problemas é de natureza iatrogênica (grego, algo causado por um médico). Se você ler os pacotes das pílulas da depressão, que são fáceis de se encontrar em uma busca no Google, por exemplo, duloxetina fda, você verá que estes medicamentos tornam algumas pessoas hipomaníacas, maníacas ou psicóticas. Quando isto acontecer, o seu médico provavelmente concluirá que você se tornou bipolar ou que sofre de depressão psicótica e lhe dará medicamentos adicionais, por exemplo, um neuroléptico, lítio, uma droga antiepiléptica, ou todos os três, além da pílula da depressão.

Há uma considerável sobreposição entre os danos das drogas psiquiátricas e os sintomas que os psiquiatras usam ao fazer diagnósticos, portanto, pode não demorar muito até que você tenha vários diagnósticos e esteja usando várias drogas.2,4

Em 2015, fui convidado pela organização psiquiátrica daquela região para dar uma palestra em um grande hospital na Dinamarca. Rasmus Licht, professor de psiquiatria, deu uma palestra depois de mim e houve uma discussão geral. Rasmus é especialista em transtorno bipolar, e eu era um dos examinadores quando ele defendeu o seu doutorado sobre a mania, 17 anos antes.

Perguntei-lhe como ele poderia saber, quando fez o diagnóstico bipolar em um paciente, que recebeu um medicamento para TDAH, que não eram apenas os danos do medicamento que ele viu, pois são muito semelhantes aos sintomas que os médicos usam ao diagnosticar bipolar. Eu fiquei atônito quando ele disse que um psiquiatra era capaz de distinguir entre estas duas possibilidades. Decidi não ir mais longe na discussão.

Rasmus disse muitas outras coisas que não estavam corretas, o que ilustrava o que a psiquiatria faz ao seu próprio povo. Quando o conheci, ele era um jovem brilhante que me impressionou. Eu não o via há tantos anos e era chocante ver como ele assimilou todas as ideias erradas da psiquiatria. Fizemos algumas correções depois, de forma muito amigável, mas falharam as minhas tentativas de convencê-lo de que ele estava errado.

Uma das coisas que Rasmus escreveu foi que, “não importa o que você escreva, não foi claramente demonstrado que os antidepressivos podem mudar [sic] o transtorno bipolar. Acredita-se, e é por isso que é mencionado no CID 10 e no DSM IV que, se a mania ocorrer apenas quando o paciente recebe um antidepressivo ao mesmo tempo, isso fala contra o transtorno bipolar, pois é entendido que poderia ser mania induzida por drogas. Entretanto, em contraste, o DSM 5 tomou as consequências de estudos epidemiológicos recentes e escreveu que, embora uma mania ocorra durante o tratamento com um antidepressivo, isto deve ser percebido como sendo verdadeiro, isto é, um transtorno bipolar primário. Portanto, neste caso, você fala contra um melhor conhecimento”.

Eu me perguntava como era possível que Rasmus acreditasse em tais disparates. É um disparate total postular que uma mania que ocorre durante o tratamento com uma pílula da depressão é um novo transtorno quando poderia ser um dano iatrogênico. Nada mais é do que um truque inteligente que os psiquiatras usam para se distanciar dos danos que causam e da sua responsabilidade. A culpa é sempre do paciente, nunca de nós ou de nossas drogas, essa é a mensagem que enviada por eles.

Rasmus deveria ter criticado os psiquiatras que produziram o DSM-5 de tal maneira que estavam além da censura. Pense também na Stine Toft cuja história eu descrevi no primeiro capítulo. Ela nunca foi maníaca, exceto na época em que recebeu uma pílula da depressão.

Tive muitas experiências assim, e é por isso que não vejo absolutamente nenhuma esperança para a psiquiatria. As pessoas com problemas de saúde mental devem consultar os profissionais que não as tratarão com medicamentos psiquiátricos, mas as escutarão e as ajudarão de outras maneiras.25

Descrevi em outros lugares como a cegueira dos psiquiatras auto- infligida em relação à realidade é devastadora para os seus pacientes.4 O mais proeminente psiquiatra infantil americano, Joseph Biederman, é também um dos mais prejudiciais. Ele inventou o diagnóstico da doença bipolar juvenil, e ele e seus colegas de trabalho fizeram um diagnóstico de bipolaridade em 23% das 128 crianças com TDAH.26 Esta condição era praticamente desconhecida antes de Biederman entrar em cena, mas em apenas oito anos, de 1994-95 a 2002-03, o número de visitas médicas nos Estados Unidos para crianças diagnosticadas com transtorno bipolar aumentou 40 vezes (um aumento de 3900%).27

Os pacientes adoecem por causa de um desequilíbrio químico no cérebro? 

Não há mudanças químicas específicas no cérebro que causem transtornos psiquiátricos. Os estudos que têm afirmado que um transtorno mental comum como depressão e psicose começa com um desequilíbrio químico no cérebro são todos não confiáveis.4

Uma diferença nos níveis de dopamina entre os pacientes com um diagnóstico de esquizofrenia e as pessoas saudáveis não pode nos dizer nada sobre o que iniciou a psicose. Se uma casa arde e  encontramos cinzas, isso não significa que foram as cinzas que incendiaram a casa. Da mesma forma, se um leão nos ataca, ficamos terrivelmente assustados e produzimos hormônios do estresse, mas isto não prova que foram os hormônios do estresse que nos deixaram assustados. Pessoas com psicoses muitas vezes sofreram experiências traumáticas no passado, então devemos ver estes traumas como fatores causais e não reduzir o sofrimento a algum desequilíbrio bioquímico que, se existe, é mais provável que seja o resultado da psicose do que a sua causa.28

Um trabalho que analisou os 41 estudos mais rigorosos constatou que as pessoas que tinham sofrido adversidades na infância tinham 2,8 vezes mais probabilidade de desenvolverem psicose do que aquelas que não tinham (p < 0,001, o que significa que a probabilidade de obter tal resultado, ou um número ainda maior do que 2,8, se na realidade não há relação, é menor do que uma em mil).29 Nove dos dez estudos que testaram uma relação dose- resposta o encontraram.29 Outro estudo descobriu que as pessoas que tinham experimentado três tipos de trauma (por exemplo, abuso sexual, abuso físico e bullying) tinham 18 vezes mais probabilidade de serem psicóticas do que as pessoas não abusadas, e se tinham experimentado cinco tipos de trauma, tinham 193 vezes mais probabilidade de serem psicóticas (intervalo de confiança de 95% 51 a 736 vezes, o que significa que o verdadeiro risco tem 95% de probabilidade de estar dentro do intervalo de 51 a 736 vezes o risco de uma pessoa que não tenha sido exposta a trauma).30

Tais dados são muito convincentes, a menos que você seja um psiquiatra. Uma pesquisa com 2813 psiquiatras britânicos mostrou que para cada psiquiatra que pensa que a esquizofrenia é causada principalmente por fatores sociais, há 115 que pensam que é causada principalmente por fatores biológicos.31

O mito sobre um desequilíbrio químico no cérebro ser a causa de transtornos psiquiátricos é uma das maiores mentiras na psiquiatria e também uma das mais prejudiciais. Como foi observado acima, o mito existe há pelo menos 65 anos, desde que Himwich alegou que os neurolépticos trabalham como a insulina para a diabetes.9 Parece impossível fazer desaparecer o mito, pois é muito útil para a guilda psiquiátrica não o manter. Ele dá aos psiquiatras um álibi para tratar os seus pacientes com medicamentos nocivos e os faz parecer verdadeiros médicos aos olhos do público.

Em 2019, Maryanne Demasi e eu coletamos informações sobre a depressão em 39 sites populares em 10 países: Austrália, Canadá, Dinamarca, Irlanda, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul, Suécia, Reino Unido e EUA. Verificamos que 29 websites (74%) atribuíam a depressão a um desequilíbrio químico ou afirmavam que as pílulas da depressão poderiam corrigir ou consertar tal desequilíbrio.32

Tenho boas razões para chamar o meu livro de psiquiatria de 2015 de “Psiquiatria mortal e negação organizada”.4 A negação, não apenas da realidade, mas até mesmo da   própria   postura  da   psiquiatria quando desafiada, é tão imensa que eu a ilustrarei detalhadamente, usando o meu próprio país como exemplo. É a mesma coisa em todos os lugares, portanto não importa se você nunca ouviu falar das pessoas que menciono. Em 2005, o professor de psiquiatria Lars Kessing e colegas publicaram uma pesquisa com 493 pacientes com transtorno depressivo ou bipolar que mostrou que 80% dos pacientes concordavam com a declaração: “Os antidepressivos corrigem as mudanças que ocorreram no meu cérebro devido ao estresse ou a problemas”.33 Direi mais sobre Kessing no Capítulo 5, onde também descreverei o que acontece quando programas críticos de TV tentam dizer a verdade sobre a psiquiatria.34-36

Em 2013, Thomas Middelboe, o presidente da Associação Psiquiátrica Dinamarquesa, descreveu o termo desequilíbrio químico como uma metáfora que a psiquiatria agarrou em uma tentativa de explicar doenças cujas causas são desconhecidas:37 “É um pouco tolo dizer que as pessoas não têm uma substância no cérebro, mas desequilíbrio químico – eu poderia usar esse termo. Estamos lidando com processos neurobiológicos que são perturbados”.

Em 2014, debati com o professor de psiquiatria Poul Videbech em uma reunião pública organizada por estudantes de medicina. Depois de haver explicado e documentado cuidadosamente porque muitas pessoas estão em tratamento com pílulas da depressão e ter sugerido que nós tomássemos as drogas, disse Videbech, diante de 600 pessoas, incluindo pacientes e seus parentes: “Quem tiraria a insulina de um diabético?”

Em 2015, a Psiquiatria na Região da Capital e o Conselho Conjunto  das Sociedades Psiquiátricas realizaram uma reunião com o título, “Verdades ou falsidades sobre as drogas psiquiátricas”. O motivo foi que, um ano antes, eu havia iniciado um debate prolongado sobre as drogas psiquiátricas quando publiquei em um jornal os dez mitos em psiquiatria que são prejudiciais para os pacientes.4 O artigo também existe em  inglês.38 Oficialmente, o objetivo da reunião era fornecer “uma avaliação neutra e sóbria das drogas”, mas o seu verdadeiro objetivo era proteger o status quo. Houve uma longa introdução em que o meu nome não foi mencionado, embora eu fosse a razão direta para a realização da reunião, e não fui convidado a falar. A psicóloga Olga Runciman salientou que a história sobre transtornos mentais causados por um desequilíbrio químico estava morta no exterior e perguntou se ela também não estaria morta na Dinamarca. Nenhum dos professores de psiquiatria quis responder, e o presidente não os excitou a falar, nem mesmo depois de eu haver dito duas vezes que eles não tinham respondido.

Oito meses depois, na véspera da publicação de meu livro de psiquiatria,4 houve uma longa entrevista comigo no jornal onde eu havia descrito os dez mitos.39 Enfatizo que um dos maiores mitos, sobre o qual mais da metade dos pacientes havia sido informada,33 é que eles sofrem de um desequilíbrio químico no cérebro. Eu também disse que muitos pacientes acabaram tomando drogas para o resto de suas vidas porque tinham sido enganados desta maneira ou porque tinham sido informados de que se não tomassem as drogas o cérebro ficaria danificado.

Videbech também foi entrevistado e disse: “Contra um melhor conhecimento, ele atribui ao seu oponente todo tipo de motivos injustos. Por exemplo, sabemos há 20 anos que a teoria do desequilíbrio químico no cérebro para a depressão é demasiadamente simples. Tenho escrito sobre isso em meus livros didáticos já há muitos anos. Portanto, é totalmente fora dos limites quando a mim e a outros são atribuídos tais pontos de vista”.

Bem, nem por isso. O mito sobre o desequilíbrio químico é apenas uma coisa do passado quando ele é desafiado. A professora de psiquiatria Birte Glenthøj também foi entrevistada e confirmou que o mito ainda estava vivo e bem vivo: “Sabemos através de pesquisas que pacientes que sofrem de esquizofrenia têm aumentadas em média a formação e a liberação de dopamina, e que isto está ligado ao desenvolvimento dos sintomas psicóticos. O aumento da atividade da dopamina também é visto antes de os pacientes receberem a medicação antipsicótica pela primeira vez, portanto não tem nada a ver com a medicação”.

Duas semanas depois de publicar o meu livro de psiquiatria, a psiquiatra Marianne Geoffroy escreveu em uma revista descartável apoiada pela indústria que eu havia utilizado fundos públicos para publicar livros privados, não científicos, os quais ela comparou com os livros da Cientologia. Ela afirmou que eu afugentava os cidadãos que sofriam de transtornos psiquiátricos de receberem tratamento relevante.40 Em um comentário eletrônico, o psiquiatra Lars Søndergård (veja mais sobre ele no capítulo 5) disse que não conhecia nenhum psiquiatra que atribuísse a doença mental a um “desequilíbrio químico no cérebro”.

Outro psiquiatra, Julius Nissen, respondeu: “Passei os meus muitos anos em psiquiatria falando com muitas pessoas que receberam exatamente esta explicação e a comparação com a insulina, que é uma substância que eles precisam. Esta convicção faz com que seja muito difícil motivá-los a se retirar da droga. É precisamente porque eles, durante a retirada, experimentam de fato um ‘desequilíbrio químico’, na medida em que o cérebro está acostumado com a substância. Portanto, eles se sentem confirmados que a hipótese é verdadeira porque estão doentes, mesmo que sejam efeitos colaterais que devam ser superados”.

No início de 2017, Videbech postulou novamente que quando as pessoas estão deprimidas, há um desequilíbrio no cérebro.41 Eu reclamei ao editor do Manual para Pacientes disponível publicamente, e que tem status oficial na Dinamarca, que Kessing e Videbech tinham escrito em suas duas contribuições que a depressão é causada por um desequilíbrio químico.42,43 Não cheguei a lugar nenhum, é claro, mas senti que era o meu dever para com os pacientes ao menos tentar. Kessing e Videbech mudaram algumas coisas menores e introduziram novas reivindicações que pioraram os seus artigos. Eu reclamei novamente, e novamente em vão, e a mentira sobre o desequilíbrio químico continuou.

Em sua atualização, Kessing acrescentou que, “é sabido que os antidepressivos estimulam o cérebro a produzir novas células nervosas em certas áreas”. Videbech escreveu o mesmo, mas não havia referências. Se isto pode acontecer, significa apenas que as pílulas da depressão são prejudiciais às células cerebrais, já que o cérebro forma novas células em resposta a um dano cerebral. Isto está bem documentado, por exemplo, para a terapia de eletrochoque e os neurolépticos.7 Os líderes psiquiatras consideram ignorantes os seus pacientes, mas devo dizer que o nível de ignorância entre eles sobre a sua própria especialidade é espantoso.

Como Kessing, Videbech argumentou que o tratamento com pílulas da depressão pode ser vitalício, por exemplo, se a depressão aparecer após 50 anos de idade. Nunca ouvi falar de nenhuma evidência científica confiável em apoio a isto.

Em 2018, um paciente escreveu em um jornal:44 “Quando um psiquiatra mudou a minha medicação … ela ‘funcionou’, colocando cerca de 20 quilos em meu corpo. Quando eu quis sair da droga, ele me contou a mentira habitual: que eu tinha um desequilíbrio químico e que precisava das pílulas. Então, eu continuei… Minha mãe sempre dizia: ‘não vá à padaria para buscar carne’. E ir a um médico, com formação médica, na esperança de obter respostas a problemas mentais é exatamente isso”. Em seguida, o meu aluno de doutorado Anders Sørensen o ajudou a sair de suas drogas.

Por que precisamos escutar os pacientes e não os psiquiatras se queremos saber a verdade sobre as drogas psiquiátricas e o eletro- choque?4,23 Uma paciente não conseguia se lembrar nem das coisas mais comuns, como o nome da capital dinamarquesa, depois de ter sido submetida ao eletrochoque.23 Ela foi permanente e seriamente danificada pelo choque elétrico que nunca deveria ter recebido, mas foi-lhe dito que era a sua “doença”, mesmo não tendo nenhum transtorno psiquiátrico; ela havia sido abusada sexualmente quando criança. Seu livro é um relato assustador de praticamente tudo o que está errado com a psiquiatria,23 assim como o livro sobre uma jovem mulher que os psiquiatras mataram com neurolépticos (ver Capítulo 4).4,45

Antes de passar à questão de saber se os medicamentos psiquiátricos têm efeitos específicos e válidos, de acordo com a doutrina da psiquiatria biológica, vou expor a ideia do desequilíbrio químico usando um pouco da lógica.

Se um déficit da serotonina é a causa da depressão e uma droga que aumenta a serotonina funciona para a depressão, então não esperaríamos que uma droga que diminui a serotonina funcione para a depressão. No entanto, este é o caso, por exemplo, da tianeptina.2,3 De modo mais geral, parece que quase tudo o que causa efeitos colaterais, o que todas as drogas causam, “funciona” para a depressão,8 incluindo as várias drogas que não aumentam a serotonina, como por exemplo a mirtazapina. Esta e outras evidências que discutirei a seguir sugerem que as pílulas da depressão não funcionam para a depressão. Os pacientes pensam que são úteis porque podem sentir que algo está acontecendo em seu corpo, e os psiquiatras se iludem.

Se um déficit da serotonina é a causa da depressão, os ratos geneticamente depauperados de serotonina cerebral deveriam estar seriamente deprimidos, mas eles se comportam como os outros ratos.46

Se um déficit de serotonina é a causa da depressão, as pílulas da depressão deveriam funcionar muito rapidamente, porque os níveis de monoamina no cérebro aumentariam em um a dois dias após o início do tratamento.47 E não aumentam. A melhora vem gradualmente, com muito pouca diferença entre a droga e o placebo, e tanto com droga quanto com placebo geralmente isso leva semanas até que os pacientes possam sentir que a sua depressão tenha sido alterada.4,48

Se as pílulas da depressão funcionassem aumentando o nível de serotonina, não esperaríamos que funcionassem em doenças que nunca se afirmou que têm algo a ver com a falta de serotonina, por exemplo, a fobia social.47 Quando o meu grupo de pesquisa revisou o tipo de diagnóstico que havia sido investigado em ensaios controlados por placebo de pílulas da depressão, contamos 214 diagnósticos únicos, além de depressão e ansiedade.49 Os ensaios foram conduzidos por interesses comerciais, concentrando-se em doenças prevalecentes e em problemas cotidianos de tal forma que ninguém pode viver uma vida plena sem experimentar vários dos problemas para os quais estes medicamentos foram testados. Concluímos que as pílulas da depressão são a versão moderna da pílula soma de Aldous Huxley destinada a manter todos felizes no “Admirável Mundo Novo”.

Em  1996,  Steven  Hyman,  ex-diretor  do  Instituto  Nacional  de Saúde Mental dos Estados Unidos, indicou que as pílulas da depressão não corrigem um desequilíbrio químico no cérebro, mas que, pelo contrário, criam um desequilíbrio químico.50 É por isso que tantas pessoas lutam para sair das drogas psiquiátricas (ver Capítulo 4). O mito sobre o desequilíbrio químico é muito prejudicial por outras razões também. Ele faz as pessoas acreditarem que há algo seriamente errado com elas, e às vezes até lhes é dito  que  é  hereditário.  O  resultado  é  que  os  pacientes  temem  o  que aconteceria se eles parassem, mesmo que façam lentamente o afilamento das drogas que estão a consumir. Da mesma forma, o mito convence os médicos de que eles têm razão quando persuadem os seus pacientes a tomar drogas de que não gostam ou que têm medo.

A indústria farmacêutica e seus aliados pagos na profissão psiquiátrica traíram o mundo inteiro, e a receita é simples. Você toma uma droga e descobre que ela aumenta o X, por exemplo a serotonina, ou diminui o Y, por exemplo a dopamina. Você então inventa a hipótese de que as pessoas que você trata são deficientes em X ou que produzem muito Y. Não há nada de errado em inventar hipóteses. É assim como a ciência funciona. Mas quando a sua hipótese é rejeitada, repetidamente, não importa o que você faça e quão engenhoso você é e o quanto você manipula o seu projeto e os dados, é hora de enterrar a hipótese de vez.

Isto não vai acontecer. O mito do desequilíbrio químico não é uma questão de ciência, mas sim de dinheiro, de prestígio e de interesses da corporação.

Você consegue imaginar uma cardiologista dizendo: “Você tem um desequilíbrio químico no seu coração, então você precisa tomar este medicamento para o resto de sua vida”, quando ela não faz ideia do que está falando?

As drogas psicoativas são específicas e valem a pena?

 Os psiquiatras dizem constantemente que usam drogas com efeitos específicos que são igualmente eficazes como muitas outras drogas, por exemplo, aquelas usadas para dores reumáticas e asma.

Para muitas drogas psiquiátricas, podemos dizer qual o principal receptor no cérebro visado, resultando no bloqueio ou no aumento do efeito de um determinado neurotransmissor, por exemplo, serotonina, dopamina ou ácido gama-aminobutírico (GABA).

Isto parece ser um efeito específico, como a insulina para a diabetes, mas não é. Se o açúcar no sangue estiver muito alto, você pode acabar em coma hiperglicêmico, o que pode levar a lesões cerebrais permanentes e à morte. Entretanto, se você for tratado com insulina, fluidos intravenosos e eletrólitos, normalmente você se recuperará totalmente. O efeito é considerável e rápido.

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Capítulo 2. A psiquiatria é baseada em evidências?

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[trad. e edição Fernando Freitas]

A psiquiatria digital transforma a forma como pensamos sobre saúde mental

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As novas tecnologias estão moldando radicalmente a forma como a psiquiatria está a ser praticada. De comprimidos com dispositivos de rastreio a algoritmos destinados a detectar “transtornos mentais” nas gravações de voz, estas novas ferramentas estão também a mudar a forma como os utilizadores dos serviços estão a dar sentido às suas experiências.

Em um novo artigo publicado em Somatosphere, os antropólogos médicos Dörte Bemme, Natassia Brenman, e Beth Semel exploram como as tentativas de identificar patologias mentais através dos nossos dados de comportamento online, conhecidos como “fenótipos digitais”, podem mudar os fundamentos filosóficos da psiquiatria. Também apontam para a forma como a indústria farmacêutica pode fazer face a estas mudanças:

“Cada vez mais, os sujeitos digitais são caracterizados pelo que pode vir a ser de uma pessoa: o que pode ser experimentado como normal pode ser marcado por sinais subjacentes, ‘silenciosos’ de patologia futura. . . Embora a imagem emergente da psi digital não possa ser capturada por uma simples narrativa de medicalização, vale a pena rastrear a criação e os criadores deste sujeito digital potencialmente doente, em parte rastreando o seu valor emergente nos círculos científicos e farmacêuticos. Uma agregação particular de biomarcadores digitais ‘precoces’ pode carregar um tipo muito diferente de potencialidade – que esteja vinculada ao trabalho especulativo e aos interesses comerciais do desenvolvimento de medicamentos”.

As intervenções digitais de saúde mental assumem muitas formas. No entanto, a variedade de aplicações e rastreadores de dados disponíveis pode estar a ofuscar as mudanças em larga escala em todo o empreendimento do campo emergente da psiquiatria digital. A investigação etnográfica lança luz sobre o novo regime de “fenotipagem digital”, assim como expande grandemente o alcance e o propósito da psiquiatria e se fundamenta numa intimidade paradoxal e distanciada típica das tecnologias digitais.

No vasto panorama da saúde mental digital, aplicativos de meditação, recursos de vídeo concebidos por psiquiatras, e todas as formas de tecnologias “track-and-share” intervêm em diferentes fases das questões de saúde mental. Algumas promovem o bem-estar, a felicidade e a produtividade e são totalmente operadas por usuários que procuram melhorar a sua saúde mental independentemente dos profissionais de saúde. Outros situam-se mais diretamente no panorama psiquiátrico existente, monitorizando os pacientes entre as visitas médicas ou complementando o trabalho dos profissionais de saúde mental ao longo da hospitalização. Isto inclui até medicamentos prescritos com rastreadores no seu interior para garantir que os pacientes não recusem furtivamente os comprimidos.

Estas e outras intervenções partilham objetivos comuns motivadores da psiquiatria digital: alargar a escala dos cuidados psiquiátricos amplamente, em todo o mundo, e mais ainda no interior da própria instituição, expandindo a gama de biomarcadores e sintomas que podem se tornar significativos para os psiquiatras. O rastreio e recolha de dados dos doentes para além dos limites da clínica ou laboratório permite novas práticas de rastreio, diagnóstico e tratamento. Aqueles empenhados na pesquisa digital de fenótipos em todos os comportamentos humanos rastreiam sinais biomédicos relevantes, utilizando a nova linguagem de dados para redesenhar os limites da doença mental e da saúde.

Na sua exploração etnográfica do tema da psiquiatria digital, uma equipe interdisciplinar de investigadores sediados nos EUA e no Reino Unido buscam nas características comuns da “psi digital” o significado das suas novas metodologias, e as relações sociotécnicas que reúnam sujeitos díspares através das quais é agora recolhida passivamente uma imensa quantidade de dados comportamentais.

O envolvimento com estudos empíricos e concepção de software em laboratórios clínicos levou os investigadores a apreciar a complexidade da produção de significado e novas formas de eficácia terapêutica a partir de conjuntos de dados digitais. Observam que onde as unidades centrais de análise nos campos da saúde mental têm sido sempre o indivíduo ou a população, a psiquiatria digital passa a codificá-los produtivamente através de práticas de conhecimento de fenotipagem digital recentemente observadas. A experimentação em fazer sentido a partir de traços digitais desafia as definições do indivíduo e das suas ‘partes’ constituintes.

“Fenotipagem digital denota esforços recentes para aproveitar os traços digitais do comportamento humano como sinais, sintomas e fatores de risco de transtornos mentais. Espera-se que a tonalidade da voz de uma pessoa, padrão de mobilidade, ou velocidade de digitação nos seus smartphones, uma vez tornados legíveis através de análise computacional, prevejam o aparecimento ou recaída de depressão, comportamento maníaco, declínio cognitivo, ou suicídio”.

Uma vez construídos como alvo de intervenções e participantes ativos na produção de dados, as linhas entre aqueles que produzem conhecimentos e aqueles que são o conhecimento produzido deixam de ser distintas. Os temas de psy digital são construídos como “temas objetivos” trazidos à existência pelo acesso a traços de dados. Alguns destes são ativamente produzidos por utilizadores de tecnologias de busca (por exemplo, entrada de texto), e outros são recolhidos passivamente a partir deles (por exemplo, passos dadas, deslocamento e geolocalização). Estes são frequentemente agregados em conjuntos de dados maiores para detectar padrões e tendências que significam risco ou doença. Tais marcadores não podem ser mapeados um por um pelos profissionais ou pela compreensão dos sintomas do paciente.

Porque o fenótipo digital ecoa a procura por biomarcadores não-linguísticos e “hard” da patologia mental, os seus métodos de investigação contribuem para uma visão da psiquiatria na qual as construções linguísticas partilhadas, a recordação de sintomas, a relação interpessoal e a localização definida da clínica podem tornar-se obsoletas. Ironicamente, os dados derivados do particular e do contexto são utilizados para eliminar estes fatores em nome da universalidade.

Esta é uma questão de escala nas práticas de dados digitais, importante porque uma promessa chave da fenotipagem digital é fornecer acesso a assuntos geograficamente remotos ou de difícil acesso. Como prática de conhecimento, envolve deslocamento entre grandes conjuntos de dados, sujeitos individuais e os pequenos vestígios que constituem simultaneamente o sujeito e o conjunto.

“Forjados em trabalho de algoritmos e agregados, sujeitos e assuntos preocupantes emergem agora de pontos de dados dispostos de forma flexível – reunindo estados de humor, sons, contagens de passos, velocidades de digitação, níveis de atividade, por onde se anda, ou a distância entre mãe e filho – enquanto novos objetos epistémicos”.

Mesmo assim, conhecer a saúde e a doença mental por meio de dados digitais não é um truque de mágica; requer projeto, manutenção de infraestrutura técnica e “novas práticas de cuidado e formas de racionalidade girando em torno da interpretação de dados digitais”. Por trás do véu de robôs, gráficos e estatísticas está o trabalho nunca neutro de selecionar marcadores salientes, ouvir e interpretar, com os quais as tecnologias devem aprender e imitar. Neste modelo, o software de sucesso poderia exportar julgamentos clínicos situados para todo o mundo.

No entanto, o software pode nem sempre ter a mesma presença autorizada que um clínico presencial, abrindo espaço para os destinatários pretendidos das intervenções digitais e os sujeitos da pesquisa que povoam os conjuntos de dados para subverter e reapropriar essas práticas tecnológicas.

Os pontos de dados que constituem o novo “humano agregado” são tão abundantes que podemos saber muito para usar categorias e rótulos de diagnóstico padrão. Embora isso possa ser libertador para os estigmatizados por esses rótulos, o que acontece com as comunidades de sobreviventes que se relacionam por meio dessas premissas compartilhadas? Os pesquisadores sugerem que permaneçamos abertos, curiosos e críticos sobre como a psiquiatria digital define seus objetos de estudo e redefine a busca por sinais e sintomas.

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Bemme, D., Brenman, N., Semel, B. (2020). The subjects of digital psychiatry. Somatosphere. Retrieved from: http://somatosphere.net/2020/subjects-of-digital-psychiatry.html/

 

Medicina Insana, Capítulo 2: O Cientificismo da Psiquiatria (Parte 1)

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Nota do editor: Nos próximos meses, Mad in Brasil publicará uma versão seriada do livro de Sami Timimi, Insane Medicine (Medicina Insana). Neste capítulo, ele começa uma visão geral do cientificismo da psiquiatria. Quinzenalmente, uma nova seção do livro será publicada, e todos os capítulos serão arquivados aqui.

Dificilmente passa uma semana sem alguma nova manchete sobre saúde mental, a epidemia de problemas de saúde mental na sociedade, particularmente nos jovens, a importância de falar sobre saúde mental, e a forma como os nossos serviços são exigidos e em um ponto de ruptura devido à falta de recursos.

Qualquer pessoa que ouvisse isto seria perdoada por presumir que os problemas de saúde mental estão enterrando as nossas populações à medida que sucumbimos sob o peso do stress, ansiedade, depressão, autoflagelação e o pior. As doenças mentais podem ser encontradas em todas as salas de aula e em cada esquina. Também seria perdoado por pensar que existem tratamentos reais para estas condições médicas reais e que as pessoas melhoram com tratamentos fornecidos por profissionais com conhecimentos especiais.

É provável que pense que o nosso problema com a saúde mental é que não temos serviços suficientes, que a questão é o subfinanciamento lamentável e as longas listas de espera, que o escândalo é a falta de acesso rápido e de disponibilidade adequada de tratamento e apoio para aqueles que foram atingidos por um transtorno mental.

Mas aqui está o desconfortável enigma. Onde quer que encontre serviços de saúde mental que se tenham expandido com mais pessoas a receber o que é considerado tratamentos de saúde mental (quer sejam psicológicos ou medicamentosos) encontra um aumento paralelo dos números que foram classificados como de incapacitados devido a um transtorno de saúde mental.

É claro que muitas pessoas se beneficiam. Ainda há muito que um serviço de saúde mental esclarecido poderia e deveria fornecer para que possa ser útil a muito mais gente do que hoje em dia. No entanto, na situação atual, os dados que temos sobre os resultados dos serviços de saúde mental na realidade dizem que este não é o caso de fato. Um dos primeiros problemas com o qual nos confrontam é que quando as pessoas (os meios de comunicação social, profissionais, e público em geral) falam sobre saúde mental, na realidade não sabem do que estão a falar – literalmente.

O que é um transtorno mental?

O que é que as pessoas querem dizer quando falam de transtorno mental, saúde mental, ou doença mental? Que tipo de “coisa” é um transtorno mental? Onde estão os seus limites? Quando é que um comportamento se torna anormal ou desordenado ou patológico e quem decide com base em quê?

As questões de onde colocar limites entre o comum e o não comum são algo com que uma boa parte da Medicina se debate. Quando se trata de transtornos mentais, temos um nível totalmente novo de potencial confusão, incerteza e significados a ultrapassar antes de podermos afirmar que algo está fora do comum, anormal ou desordenado. Na psiquiatria, todo o fenómeno requer interpretação, e não apenas os limites.

Tomemos, por exemplo, a situação bastante simples em que existe um mínimo de confusão sobre o tipo de “coisa” com que estamos a lidar. Alguém tem um acidente e sente dores extremas e algum inchaço na perna e não consegue andar sobre ela. No hospital, um raio-X revela que há uma fratura na tíbia (canela). Neste cenário, o modelo médico está a funcionar no seu melhor.

A fratura da tíbia é o que é conhecido como um “tipo natural”, pelo que em termos de classificação o diagnóstico explica uma anormalidade no corpo físico da pessoa que pode ser verificada e medida empiricamente. Como uma espécie natural que pode ser vista, ela existe no mundo para além da nossa hipótese subjetiva. É um fato verificável da natureza e podemos desenvolver bases de conhecimento que se relacionam com esta realidade verificável de um fenômeno natural.

Tal como a cadeira em que estou sentado pode ser pesada, medida e analisada com todos os tipos de meios empíricos, tal como existe lá fora na realidade externa, também nós podemos construir conhecimentos técnicos sobre fraturas da tíbia, comparando muitas pessoas que têm a mesma condição, experimentando diferentes abordagens e combinações de tratamentos, classificando diferentes tipos de severidade, olhando para os vários fatores (na fratura, o corpo da pessoa, o tipo de acidente, etc.) que podem afetar as respostas a diferentes tratamentos.

A medicina é particularmente boa nesses cenários de emergência onde há uma anormalidade identificada e onde o período de tratamento é relativamente curto. Aqui podemos reunir dados sobre a doença, o tratamento, a recuperação, complicações e assim por diante, usando evidências empíricas verificáveis. Nós sabemos que tipo de “coisa” é uma fratura da tíbia. Uma vez visto no raio-X, temos uma explicação (um diagnóstico) para o que está causando a dor, o inchaço e a incapacidade de andar do paciente.

Nem tudo o que se apresenta aos médicos segue esta ideia fácil de entender o tipo de coisa com que estamos a lidar. Tomemos a diabetes como um exemplo. A ligação entre os sintomas e a causa subjacente pode não ser tão imediatamente aparente. Na diabetes um diagnóstico refere-se a uma anormalidade do metabolismo do açúcar e isto pode ser medido principalmente através de testes sanguíneos, mas também de outras formas, tais como através de exames de urina para algo chamado “cetonas”.

Pode existir alguma anormalidade no metabolismo do açúcar no sangue durante um período sem que o paciente apresente quaisquer sintomas óbvios. Podem ter apenas alguns sintomas não específicos, tais como cansaço generalizado ou perda de concentração, particularmente na diabetes tipo II, que tem um início mais tarde na vida quando o corpo se torna resistente à insulina ou quando o pâncreas é incapaz de produzir insulina suficiente.

A diabetes tipo II pode apresentar-se como uma susceptibilidade às infecções e, por isso, pode passar despercebida durante meses ou mesmo anos em algumas. No entanto, há um parâmetro físico que pode ser medido, e há um processo fisiológico presente no corpo físico e que existe no mundo exterior ao diagnosticador e que é verificável com dados independentes.

Assim, neste exemplo, embora as ligações entre os sintomas e a doença não sejam tão claras e possam de fato envolver outros fatores para além do metabolismo do açúcar e possam não ser detectadas nas fases iniciais ou por um médico mal treinado, o diagnóstico é novamente explicativo. Está a apontar para uma anormalidade que pode causar sintomas no paciente e que causará mais se não for tratada.

Mas existem muitas discordâncias no diagnóstico e tratamentos da diabetes; por exemplo, quando considerar que o açúcar no sangue ultrapassou um limiar que justifique um diagnóstico, se se deve utilizar apenas abordagens dietéticas e durante quanto tempo, quando utilizar medicamentos, como lidar com complicações, o impacto psicológico de ter uma doença crônica, a dimensão social dos cuidados a longo prazo, e assim por diante. Mas ainda assim, sabemos que tipo de “coisa” é a diabetes.

Até agora, tudo bem. Agora começamos a entrar em condições médicas que podem ter sintomas reconhecíveis e por vezes sinais físicos e alguns testes objetivos, mas em que existem mistérios quanto à causa ou explicação inicial. Muitos tipos de dores de cabeça, tais como enxaquecas, são bons exemplos desta categoria. Diagnósticos como a enxaqueca baseiam-se principalmente numa descrição dos sintomas. Estamos agora a avançar para um sistema descritivo e não explicativo. No entanto, dado que existem sintomas físicos característicos (na enxaqueca, pode haver desfocagem da visão, dor atrás dos olhos de um lado da face), é provável que haja patologia física.

A apresentação tende a ser característica, tem sintomas físicos, pelo que é razoável supor que envolve um processo fisiológico. Assim, sabemos que tipo de “coisa” é uma enxaqueca, embora estejamos agora a entrar num território mais confuso. Com a dor e o sistema nervoso tão envolvidos, os aspectos psicológicos estão a tornar-se mais proeminentes. Mas a ideia de diagnóstico mantém-se, mesmo que seja para concluir que, embora a enxaqueca seja um diagnóstico (na medida em que explica os sintomas físicos), pode ser provocada ou por vezes até imitada por fatores psicológicos.

Uma vez que falamos de transtornos mentais, começamos a entrar numa série de problemas a fim de apoiar a ideia de que temos uma “coisa” que pode ser considerada como um diagnóstico. O território para aquilo a que temos vindo a chamar “sintomas” de um transtorno mental são agora experiências e comportamentos que têm significados e que podem ser interpretados de forma diferente por culturas diferentes, tempos diferentes, e em cenários diferentes.

Isto significa que estamos a mudar para uma área de prática onde não só existem desacordos e debates sobre onde se encontram os limites, mas também temos que levar em conta o significado e a relevância dos diversos significados que podem estar ligados a estes sintomas, de modo a que sejam interpretados como sintomas num cenário, mas não noutro. Não temos sinais, nem testes, nem correlatos físicos, e por isso estamos inteiramente dependentes de observações e relatos da pessoa e/ou do(s) seu(s) outro(s) atore(s) significativo(s).

As disputas já não são apenas sobre os limites, mas também sobre os parâmetros; de fato, em primeiro lugar, sobre se podem mesmo ser considerados problemas e, se o forem, se podem ser considerados como sendo de natureza médica. Desviámo-nos agora para um campo conceitual diferente.

É aquele paciente à minha frente que relata uma tristeza intensa, dificuldade em adormecer, acordar antes das 5 da manhã todas as noites e não conseguir voltar a adormecer, e tem um apetite fraco, sofrendo de uma “transtorno depressivo” ou sofrendo de um compreensível desgosto e tristeza após o rompimento de uma relação de longa duração há alguns meses atrás? Se argumentar que ambas podem ser verdadeiras, então é certo que, tecnicamente falando, tanto a depressão como o luto podem ser ditos ao paciente como o que ele tem.

Um, contudo, não pode ser um diagnóstico (depressão), pois não explica nada, apenas descreve alguns aspectos das experiências do paciente; o outro (dor) pode ser um diagnóstico, pois tem pretensões explicativas. O luto (ao contrário da depressão) está, neste cenário, a ser utilizado como uma explicação. Mas eu não tenho acesso ao funcionamento mental interno do paciente; nenhum de nós tem.

Com a dor, depressão, ou ambas, ainda não sei com que tipo de “coisa” estou a lidar. É uma doença médica no seu cérebro, é o processo psicológico do luto, é a perda de uma rede social que ela tinha com aquele parceiro, é a sua preocupação sobre como isto está a afetar o seu filho, é o medo de voltar ao trabalho depois de uma longa ausência, é tudo isso?

Na verdade, não sei nada sobre o que causou o que ele está apresentando. Não posso escapar à minha subjetividade, nem à do paciente. Só posso supor um “diagnóstico” (explicação proximal), algo que anexar as palavras “Grande Transtorno Depressivo” (GTD) não pode fornecer.

Quando se trata de nossas experiências emocionais, apenas temos experiência incorporada. Em seguida, usamos palavras conectadas com sistemas de criação de significado cultural para serem vinculadas a essa experiência. O andaime de significados que então usamos pode por si mesmo transformar nossa experiência da experiência. “Você está com o coração partido” cria um andaime diferente de “você está deprimido”, que por si só difere de “você está sobrevivendo e se recuperando de uma experiência dolorosa”.

A saúde mental, a doença e o transtorno não podem ser pensados como se estivessem lá fora no mundo natural, existindo em algum lugar no corpo da pessoa, de uma forma que seja identificável como uma “coisa” concreta. Não é definível de forma causal, da mesma forma que o é uma perna partida ou diabetes ou mesmo uma enxaqueca.

Se você ouvir que um em cada quatro da população está ou será possuído por um transtorno mental, tenha cuidado. É um erro terrível sendo cometido, com consequências terríveis tanto para os doentes como para os profissionais. Um em cada quatro que tem que tipo de “coisa”? Onde se encontra essa “coisa” e como a encontro? Como posso verdadeiramente desenvolver uma forma precisa de “medir” se não a consigo localizar como uma “coisa” empiricamente conhecida?

Não existe tal coisa chamada de diagnóstico psiquiátrico

Na medicina, então, o diagnóstico é o processo de determinar que doença ou condição explica os sintomas e sinais de uma pessoa. O diagnóstico aponta, portanto, para processos causais. Fazer um diagnóstico preciso é uma habilidade técnica que permite uma correspondência eficaz do tratamento para abordar processos patológicos específicos.

Pseudo-diagnósticos, como por exemplo “transtorno bipolar”, não podem explicar comportamentos, uma vez que existem apenas sintomas que são descrições (não explicações) de comportamentos ou experiências. Mesmo a utilização da palavra “sintoma” é problemática, pois, em medicina, a palavra “sintomas” refere-se geralmente ao sofrimento/experiência dos pacientes como resultado de um processo de doença subjacente e está, portanto, associada, nas nossas mentes, a um procedimento médico que conduz a uma explicação dos sintomas.

Somos criaturas à procura do sentido e, por isso, temos utilizado extensivamente sistemas de classificação para classificar todo o tipo de coisas. A própria linguagem é um sistema de categorizações com palavras que simbolizam todo o tipo de fenómenos. Mas as classificações diferentes servem a funções diferentes. Uma classificação de diagnóstico é uma classificação por explicação – por outras palavras, por causa. É por isso que dizemos “O meu médico disse que a causa da minha dor no peito era refluxo ácido, não um ataque cardíaco“. Normalmente vamos ao médico para obter a resposta à pergunta “porquê”, na esperança de que esta nos oriente para o tratamento correto.

Mas os diagnósticos psiquiátricos não explicam os sintomas. Considere o seguinte exemplo: Se eu fizesse a pergunta “o que é a depressão?”, não me seria possível responder a essa pergunta por referência a uma particular anomalia patológica conhecida. Não posso dizer que a depressão é uma doença que ocorre devido ao cérebro ter níveis anormalmente baixos de serotonina. Não posso dizer isto porque ninguém descobriu isto (apesar da extensa pesquisa) e por isso não há testes feitos para confirmar ou refutar isto.

Em vez disso, para responder à pergunta, terei de fornecer uma descrição tal como “a depressão é a presença do mau humor e do pensamento negativo” e assim por diante. Contraste isto com a pergunta “o que é a diabetes“? Se eu respondesse a esta pergunta da mesma maneira apenas descrevendo sintomas, tais como a necessidade de urinar excessivamente, sede e fadiga, poderia estar em grandes dificuldades como médico, pois há muitas outras condições que podem inicialmente apresentar-se com estes sintomas e a própria diabetes pode não se apresentar com estes sintomas de uma forma reconhecível.

A fim de responder à pergunta “o que é a diabetes?” Tenho de me referir à sua patologia envolvendo anormalidades do metabolismo do açúcar, como “A diabetes é uma doença que ocorre quando a glicose no sangue, também chamada açúcar no sangue, é demasiado elevada“. Para passar de uma hipótese para um diagnóstico confirmado, obteria dados empíricos independentes (para a minha opinião subjetiva) para apoiar a minha hipótese sobre o que pode estar a causar as experiências descritas pelo doente (tais como testar a urina à procura de cetonas e/ou o sangue à procura de níveis de glicose em jejum).

Na maior parte do resto da medicina, portanto, o meu diagnóstico explica e tem alguma relação causal com as experiências/sintomas do paciente. Assim, o diagnóstico é assentado num quadro de classificação “técnico” explicativo.

O problema de utilizar uma classificação como “depressão” para explicar uma experiência (ou seja, como um diagnóstico) pode ser ilustrado através de um outro conjunto de perguntas. Se me perguntarem por que é que alguém se sente na fossa e eu responder que isto é porque ele tem depressão, então uma pergunta legítima a se fazer é “como é que sabe que este sentimento de estar na fossa é causado pela depressão“?

A única resposta que posso dar a essa pergunta é que sei que é depressão porque eles se sentem na fossa. Por outras palavras, se tentarmos utilizar uma classificação que só pode ser descrita para explicar, acabamos com o que filosoficamente é conhecido como uma “tautologia”. Uma tautologia é uma armadilha de pensamento circular. Uma descrição não pode explicar-se a si mesma. Humor baixo e depressão são sinônimos; não se pode usar um para explicar o outro.

É preocupante quando os médicos usam uma categoria descritiva como a depressão para explicar e não conseguem ver este problema de circularidade tautológica. Usar a depressão para explicar o baixo humor é como dizer que a dor na minha cabeça é causada por uma dor de cabeça ou que a minha tosse é causada por um distúrbio de tosse. Na psiquiatria, portanto, aquilo a que chamamos diagnóstico apenas irá descrever, mas é incapaz de explicar.

Se o resto da medicina fosse praticada como psiquiatria, então quando se vai ao médico de clínica geral (GP; este é o título britânico para um médico de cuidados primários) porque tem uma tosse recorrente, o GP não o examinaria de todo; apenas lhe fariam perguntas sobre a sua tosse e depois algumas sobre a sua história relevante. Declarariam então que tem um “Transtorno de Tosse Recorrente (TTR)” e dar-lhe-iam um inalador de esteroides para tomar uma vez por dia.

O inalador tem efeitos não específicos e abrirá as vias respiratórias, pelo que, pelo menos a curto prazo, haveria alguma melhoria nos sintomas para muitos com tosse. No entanto, se tiver uma infecção no peito, é provável que acabe por piorar, mesmo que inicialmente possa se sentir melhor. Além disso, os esteroides a longo prazo podem ter todo o tipo de efeitos secundários desagradáveis e perigosos, se tomados em quantidades suficientes.

Se o TTR fizesse parte do que os médicos de clínica geral “diagnosticam”, então haverá sempre alguns pacientes que terão grande fé nele (uma vez que a sua tosse melhorou e por isso querem continuar a tomar os esteroides a longo prazo), enquanto que para outros as consequências teriam sido horríveis, até mesmo potencialmente fatais.

Mas você não esperaria que o seu médico se comportasse dessa forma. No mínimo, esperaria que ouvissem o seu peito com um estetoscópio, que procurassem sinais, e talvez organizassem mais testes (como um raio-X ao tórax) se permanecessem incertos quanto à causa da tosse. No resto da medicina, o diagnóstico é realmente importante. Ele orientará o médico para um tratamento que aborde a causa inicial da tosse.

O fracasso de décadas de investigação científica básica em revelar qualquer marcador biológico ou psicológico específico que identifique um diagnóstico psiquiátrico é bem reconhecido. Ao contrário do resto da medicina, que desenvolveu sistemas de diagnóstico que se baseiam num quadro causal e fisiológico, os manuais de diagnóstico psiquiátrico não conseguiram ligar as categorias de diagnóstico a quaisquer causas ou marcadores físicos. Assim, não existem testes físicos referidos em nenhum manual de diagnóstico de saúde mental que possam ser utilizados para ajudar a estabelecer um diagnóstico real.

Apesar da crença de que as perturbações psiquiátricas têm uma carga genética significativa, a investigação genética molecular não está conseguindo descobrir qualquer perfil genético específico para qualquer perturbação psiquiátrica. Possíveis anomalias genéticas parecem ser responsáveis por uma percentagem insignificante de possíveis fatores causais associados, e qualquer contribuição genética que tenha sido encontrada cruza categorias de diagnóstico em vez de ter um perfil distinto para cada categoria de diagnóstico.

Do mesmo modo, os estudos de imagiologia cerebral estão a surgir de mãos vazias, particularmente quando se controla para possíveis dificuldades de aprendizagem. Mais tarde, vou olhar para alguns exemplos do meu campo da psiquiatria infantil para ilustrar como a retórica que é apregoada pelos meios de comunicação social de “descobertas científicas” está em desacordo com o que essa investigação está realmente a encontrar.

A razão pela qual não existem rastreios genéticos, escaneamentos cerebrais, ou mesmo quaisquer outros testes físicos em psiquiatria, é que ninguém consegue encontrar nada que possa atuar como marcador físico. O armário com as evidências, apesar dos milhares de milhões de fundos atribuídos a uma tal investigação biológica, está vazio. A razão mais provável para não encontrar qualquer evidência é que não existem anomalias genéticas ou outras anomalias cerebrais que causem aquilo a que chamamos diagnósticos psiquiátricos.

O desenvolvimento de manuais de diagnóstico em psiquiatria não seguiu o protocolo científico aceite e, em vez disso, os diagnósticos que neles têm aparecido foram literalmente imaginados por alguns indivíduos influentes (em grande parte homens e brancos).

Não só o conceito de diagnóstico psiquiátrico carece de validade, como também não é confiável. A confiabilidade refere-se ao quanto é provável que se fosse a diferentes psiquiatras e dissesse exatamente a mesma coisa sobre o problema que tinha, eles concordariam sobre o que é o seu “diagnóstico”.

A análise destes estudos de confiabilidade revela que não existe nenhuma categoria de diagnóstico psiquiátrico para a qual a confiabilidade seja uniformemente elevada. Constatou-se que os intervalos de confiabilidade são amplos e, em alguns casos, variam de acordo com todo o espectro, desde o acaso até à perfeita concordância, com os estudos de resumo de casos (nos quais os clínicos recebem histórias de casos escritas detalhadas e são solicitados a fazer diagnósticos – uma abordagem que mais se aproxima do que acontece na prática clínica) produzindo os mais baixos níveis de confiabilidade.

Em 2013, foi publicada a quinta edição do Manual de Diagnóstico Estatístico (DSM-5) pela Associação Psiquiátrica Americana. Para eles, é um enorme fonte de dinheiro. Nos ensaios de campo do DSM-5, as medidas de confiabilidade eram uniformemente pobres, com alguns diagnósticos comuns, tais como Grande Transtorno Depressivo e Transtorno de Ansiedade Generalizada com níveis de concordância entre médicos tão pobres que o diagnóstico foi determinado mais por quem estava a fazer o diagnóstico do que para qual era o problema.

Em resumo, os diagnósticos psiquiátricos não são válidos (não podem explicar), têm baixos níveis de confiabilidade, e nem sequer são “diagnósticos”.

Qual é o “normal” ao qual estamos a comparar o nosso comportamento e experiências?

Como chegamos a um entendimento de “normal”? Esta é uma questão crucial. A nossa classificação de comportamentos e experiências considerados desordenados [transtornados] baseia-se na ideia de que a apresentação da pessoa se situa fora de um normal imaginado. Como é isto definido, por quem, e em que contexto?

Não estamos aqui a falar de condições que possam ser medidas da mesma forma que o funcionamento dos rins. Os rins não têm sonhos, ambições, medos, e dilemas existenciais. A saúde mental envolve todas estas subjetividades que se relacionam com a nossa compreensão do que significa ser humano.

Tomemos a ideia do “eu”, por exemplo. Onde é que ele reside? Existe algo como um “verdadeiro eu”? Se sim, como o encontramos e o que significa isso sobre essas experiências e comportamentos que não consideramos parte desse “eu” verdadeiro? Será que não nos pertencem, não têm nada para nos oferecer, e devem ser algo da qual nós devemos tentar nos livrar?

Filósofos, teólogos, sociólogos, antropólogos e muitos outros têm vindo a debater-se com estas questões há milénios. Estas “tecnologias do eu” têm enfatizado todo o tipo de fenômenos que se pensa moldarem a forma como vivemos e compreendemos o nosso ser no mundo. Desde as mãos invisíveis das forças sobrenaturais dos antepassados e deuses, às estruturas de poder social que dizem ao público o que deve ser o sentido normal/comum, até ao potencial de agência e resistência que os indivíduos têm às crenças dominantes. Não podemos escapar à subjetividade nas nossas tentativas de compreender a subjetividade.

Por isso, as formas como pensamos sobre a natureza do eu não são fixas, mas fluidas e mutáveis, com culturas diferentes e épocas diferentes tendo ideais diferentes através dos quais podemos interpretar e compreender as nossas experiências do eu. Por exemplo, as tendências gerais que moldam o Ocidente em comparação com ideias mais orientais sobre o eu podem ser contrastadas (Tabela 1):

Tabela 1: Contrastando tendências nas tecnologias do Eu

Ocidente Oriente
Racional/Científica Espiritual
Controle das emoções Emoções experimentadas
Diferenciada (classificada) humanidade Humanidade comum
Vulnerável Resiliente
Individualista Coletivista

Estas não são posições absolutas (uma vez que corremos o risco de criar estereótipos quando as transformamos em realidades totalizadas), apenas tendências que são mais prevalecentes e, portanto, susceptíveis de influenciar as ideias com as quais as diferentes populações crescem.

Podemos também ver como as culturas abordam os problemas do Eu e os problemas pessoais, olhando para as palavras que utilizam para descrever os fenômenos. E sou meio iraquiano (o meu pai é do Iraque) e cresci lá até aos 14 anos de idade, tendo por isso alguma familiaridade com o árabe – a principal língua falada.

Não há nenhuma palavra árabe directa que signifique “mental”, e muito menos um conceito de saúde mental. Há várias palavras que poderiam ser usadas para o conceito de mental; talvez a mais próxima seja a palavra “nefseeyah”, que significa aproximadamente “alma-self” (na tradução do árabe para o inglês também não é fácil encontrar uma palavra exata). Esta palavra tem raízes na palavra “tenafos”, que significa “respirar”.

Você já consegue ver que os conceitos de Eu [self] e de mentalização se baseiam em diferentes raízes? A palavra comum para “loucura” em árabe é “majnoon”, cujas raízes se encontram na palavra “jinn”, que se refere a espíritos sobrenaturais e implica em um estado de posse; enquanto a palavra “loucura” em inglês deriva de “madness”, que também significa raiva.

No Ocidente tendemos a pensar no eu em termos mais lógicos e racionais, utilizando frequentemente a linguagem da ciência, e acreditamos que a psicologia é um ramo da ciência (porque utiliza a linguagem da investigação e dos números) que nos ajuda a compreender a condição humana. Os problemas do eu (aquilo a que no Ocidente chamamos “saúde mental”) são depois tratados por especialistas que utilizam esta linguagem da ciência e da lógica. Seria estranho nos meios de comunicação ocidentais recorrer a um padre ou imã para explicar o sofrimento de um paciente em termos religiosos/espirituais.

As crenças científicas ocidentais moldaram o nosso entendimento do eu, a partir do qual a psiquiatria e a psicologia criam definições do anormal. O que vemos sair disso é um foco no indivíduo como uma entidade separada do seu contexto, com a ideia de que o que está dando errado pode ser localizado como pertencente a esse indivíduo (quer psicológica ou biologicamente).

Esse está dando errado é pensado em termos de ciência material – por outras palavras, como algo que pode ser entendido pela aplicação dos mesmos princípios que usamos para as ciências naturais. Esta forma de pensar pressupõe que podemos lançar luz sobre experiências/comportamentos considerados “anormais” por medição e experimentação usadas para compreender as regras que regem a nossa biologia e psicologia individualista. Assim, usamos palavras como “psicopatologia”, “disfuncional”, “desregulagem”, “desordenamento”, e assim por diante, para descrever e classificar fenômenos mentais considerados problemáticos.

Muitas consequências decorrem desta forma de tentar compreender o “normal” e o “anormal”. Por exemplo, resulta numa obsessão pela classificação como um ponto de partida para dar sentido. O processo que utilizamos começa com a análise do indivíduo para sinais de “psicopatologia”, “desregulamentação”, etc., e depois utiliza-os para os encaixar numa “tipologia” (a que, como já referi, chamamos erroneamente de diagnóstico).

Os métodos que utilizamos também valorizam a lógica e o pensamento e veem as emoções como um obstáculo a um modo de vida racional. Assim, grande parte da tecnologia psiquiátrica e psicológica desconfia do que as emoções nos fazem e utiliza intervenções cuja razão de ser é, em última análise, o controle das emoções.

Outra consequência desta forma de construir “o que significa ser humano” é que temos delineado, classificado e anunciado todo o tipo de formas que os humanos podem errar mentalmente. Nos nossos manuais de diagnóstico psiquiátrico, o número de diagnósticos que podemos dar expande-se a cada nova edição, tal como os limites para o diagnóstico desses transtornos. Isto cria uma sensação de vulnerabilidade para todos nós, uma vez que a doença é sentida à espreita em cada esquina.

A ampla cobertura mediática de uma epidemia de saúde mental proposta, citando figuras abstratas como “um em cada quatro”, campanhas anti-estigma, e em especial a defesa das entidades de classe como a minha (o Colégio Real de Psiquiatras) por uma paridade com a saúde física e por mais financiamento e sem apontar as questões de definição e resultado que estou a destacar, tudo isto acrescenta combustível ao fogo do pânico e à crença na nossa fragilidade e vulnerabilidade mental individual.

Como concebemos a condição humana e os seus problemas não podem ser separados das forças poderosas que moldam a nossa subjetividade. Filósofos e sociólogos referem-se a isto como “construção social”. A nossa compreensão de como o mundo funciona, e como trabalhamos dentro dele, é construída pelas histórias a que estamos expostos e como elas interagem com as nossas experiências da vida real.

Nessa forma de compreensão, a nossa psicologia é o ponto de encontro entre a nossa experiência encarnada (afinal somos também seres biológicos com hormônios e instintos) e a experiência e as mensagens que recebemos do nosso mundo social. Não temos acesso a infinitas formas de dar sentido a esta experiência, mas iremos inevitavelmente recorrer aos esforços de dar sentido àqueles com quem crescemos e a outras influências a que estamos expostos (tais como os meios de comunicação social).

Em qualquer sociedade, a qualquer momento, haverá uma variedade de formas disponíveis para dar sentido a qualquer dilema, mas algumas serão mais dominantes do que outras. Aqueles com mais poder para vender a sua versão da realidade terão mais influência sobre o que será essa história dominante.

Tal como construímos socialmente o que consideramos ser um indivíduo normal, saudável e, por implicação, o que parece ser um indivíduo desordenado, também construímos socialmente a infância, o crescimento, e o que consideramos ser uma boa paternidade. Tal como com a forma como construímos o eu, a escolha da construção que usamos tem consequências no que notamos, como notamos, e o que fazemos depois. No Quadro 2 é possível ver algumas das diferentes tendências na criação de crianças que contrastam com as filosofias ocidentais e algumas filosofias orientais.

Tabela 2: Contrastando tendências em como criar as crianças

Ocidente Oriente
Individualista Comunidade
Controle do comportamento Harmonia
Orientação material Orientação espiritual
Consensual Conflituosa
Curta infância Longa infância
Longa infância Cedo início da vida adulta
Ambivalente Bem-vindo

Em termos gerais, as diferenças entre as abordagens orientais e ocidentais às crianças é que em muitas culturas orientais, a infância tende a ser mais prolongada com pouca expectativa de que a criança demonstre independência e faça escolhas, mas com responsabilidades do tipo adulto (por exemplo, cuidar dos irmãos mais novos e executando tarefas para a família) chegando mais cedo.

Assim, nas culturas ocidentais, a procura de provas de independência, auto-suficiência e auto-controle começa mais ou menos assim que se nasce. Nas culturas orientais, é mais provável que encontre uma gratificação mais imediata das necessidades percebidas e um encorajamento para a dependência emocional com a criança. À medida que a criança envelhece na cultura ocidental, o pensamento independente, a comunicação verbal, e a expressão emocional explícita são encorajados.

O trabalho físico e a aceitação de deveres e responsabilidades só ocorrem muito mais tarde no Ocidente, por oposição a muitas culturas não-ocidentais, na medida em que está surgindo uma nova fase no desenvolvimento das crianças, uma fase entre a infância e a vida adulta, a que chamamos adolescência. Em muitas culturas orientais, a adolescência como uma fase clara da vida com a sua própria cultura não é tão aparente, havendo deveres e responsabilidades, bem como uma introdução precoce à vida espiritual, já aparente antes do início da puberdade.

A cultura ocidental concentra-se no controle do comportamento e na expectativa de demonstrar uma tomada de decisão racional muito mais cedo do que na maioria das culturas não ocidentais. Estas são apenas algumas das diferenças que se pode encontrar e cada uma delas tem as suas consequências na forma como compreendemos e respondemos aos comportamentos das crianças.

Psiquiatria, sociedade e Estado

A lógica psiquiátrica tem refletido regularmente a dinâmica social da sociedade de onde provém. À medida que o campo da psiquiatria se desenvolveu na época do colonialismo e da escravatura, não é surpreendente que as crenças e práticas racistas tenham sido infundidas nos seus conceitos.

No final do século XIX, era uma crença aceitada que os membros das raças “africanas” tinham cérebros menores, bem como um instinto mais natural para o trabalho físico, e eram psicologicamente primitivos em comparação com os membros da raça “europeia”. A “Drapetomania” foi o diagnóstico utilizado para o suposto transtorno mental que levava os africanos a fugir do cativeiro de escravos. Os líderes do movimento dos direitos civis e manifestantes nas décadas de 1950 e 1960 foram frequentemente rotulados como mentalmente transtornados devido à sua suposta reação “patológica” enquanto desarmonia emocional, hostilidade e agressão.

A história da psiquiatria revela um papel aterrador na conivência e popularização das tendências eugénicas, racistas, e outras tendências sociais prevalecentes. O psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1858-1926), considerado o pai da psiquiatria biológica, cujo sistema de categorização das apresentações psiquiátricas é ainda hoje a base dos sistemas de diagnóstico utilizados, era um ardente eugenista e racista. Kraepelin lamentava de um aumento constante das perturbações psiquiátricas em pessoas civilizadas, argumentando que as perturbações mentais continuavam a ser comparativamente raras nas raças “primitivas”.

Ele argumentou que o efeito de grande número de “idiotas, epilépticos, psicopatas, criminosos, prostitutas, e vagabundos” que descendem de pais alcoólicos e sifilíticos, e que transferem a sua inferioridade para os seus descendentes, era incalculável. O aluno e sucessor de Kraepelin, Ernst Rüdin (1874-1952), cuja influência também continuou na era pós-guerra, também defendia teorias eugénicas de degeneração, alegando que os maus genes que entravam no pool genético eram o principal fator causal para as alegadas taxas crescentes de prevalência de transtornos mentais. Kraepelin e Rüdin eram ambos defensores da “higiene racial”, e passaram a ver as pessoas com doenças mentais como sendo principalmente um fardo para a sociedade.

Rüdin esteve envolvido na introdução nazi da “Lei para a Prevenção da Descendência com Doenças Hereditárias” de 1933, que permitiu a esterilização forçada de uma série de pessoas, incluindo aquelas com um diagnóstico de esquizofrenia ou maníaco-depressão. Esta lei abriu o caminho para que os psiquiatras acabassem por se envolver no episódio mais vergonhoso da sua história – o extermínio sistemático dos seus pacientes.

Os psiquiatras da era nazi foram defensores instrumentais e frequentemente entusiastas da instituição de um sistema de identificação, notificação, transporte e morte de dezenas, possivelmente centenas, de milhares de doentes mentais e de indivíduos “racialmente” ou “cognitivamente” comprometidos em ambientes que vão desde hospitais psiquiátricos centralizados a prisões e campos de morte. O papel deles foi fundamental para o sucesso da política, planos e princípios nazis.

Muitos dos envolvidos eram professores seniores do meio académico, que se sentavam nos comitês de planejamento para o desenvolvimento dos processos de eutanásia e que forneciam o apoio teórico para o que transpirava. Desenvolveram as primeiras câmaras de gás utilizadas para assassinatos em massa antes do plano de aniquilação dos judeus, ciganos, homossexuais e outros “indesejáveis” ter sido posto em prática. O assassinato de doentes psiquiátricos foi um mediador fundamental no desenvolvimento da lógica e tecnologia eugênica que facilitou o holocausto.

Este legado de racismo institucionalizado e institucional persiste ainda hoje em dia. Por exemplo, as taxas mais elevadas de diagnóstico de um transtorno psicótico, uso legal do poder psiquiátrico , tratamentos forçados e privações de liberdade, entre os doentes negros em países como os EUA e o Reino Unido continuam até hoje, apesar de taxas tão elevadas não serem vistas de forma semelhante em países de maioria negra no Caribe ou na África.

Não só os conceitos utilizados na psiquiatria são institucionalmente racistas, mas também, através do processo de “psicologização”, problemas que são sócio-políticos convertem-se em problemas psicológicos. As consequências devastadoras do racismo e da discriminação, juntamente com as desigualdades persistentes e generalizadas na sociedade, são transformadas em transtornos mentais que necessitam de “cuidados de saúde mental” em vez de ação política.

Durante as últimas quatro décadas, o complexo industrial da saúde mental continuou a oprimir as populações desfavorecidas, ao mesmo tempo que se beneficiando de milhares de milhões em receitas através da individualização e psicologia do sofrimento mental delas.

A homossexualidade foi um transtorno mental até 1973, quando por uma pequena margem de votos foi retirada do Manual de Diagnóstico Estatístico Americano (DSM). Das 17.910 pessoas elegíveis para votar nessa decisão, a votação foi de 32% a favor da retirada do DSM, 21% contra, e 47% sem voto.

A prevalência de transtornos psiquiátricos também mostra uma relação inversa com a classe social. Além disso, quanto maior for o nível de desigualdade em qualquer sociedade, maior será a prevalência de transtornos mentais. Ainda nem sequer comecei a falar do gênero.

Não podemos escapar à natureza socialmente construída do território que as ideologias da saúde mental de adultos e crianças esculpiram para si próprias. As teorias e práticas que se desenvolveram nas profissões dominantes da psiquiatria e da psicologia não surgiram de um esforço científico que tenha lançado uma nova luz sobre o funcionamento do cérebro e/ou da mente. São uma versão encapsulada e jargão da psicologia popular ocidental da época com imenso poder, como profissões socialmente respeitadas, para moldar a forma como entendemos tanto o normal como o problemático, com todas as consequências que decorrem das suas construções sociais preferidas.

Já não utilizo a linguagem enganosa destas pseudociências falsas. “Normal” e “portador de transtorno” são termos subjetivos e problemáticos. Na prática criamos, em vez de descobrir, um transtorno pela forma como escolhemos falar e classificar o que os pacientes nos trazem. Em vez disso, utilizo os dois termos, “normal” e/ou “compreensível”, como as minhas construções preferidas. Quase tudo o que vi durante os meus trinta anos de trabalho como psiquiatra pode ser facilmente sintetizado por estas duas palavras de ponto de partida.

Daqui a quinze dias, nós continuamos essa discussão com Parte 2 do Capítulo 2.

[trad. Fernando Freitas]

Como os Princípios do Black Lives Matter podem transformar a Psicologia da Saúde

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Um novo artigo, publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, apresentou um quadro teórico de psicologia comunitária e saúde pública que integra princípios do movimento Black Lives Matter (BLM). O autor, Kaston D. Anderson-Carpenter da Michigan State University, argumenta que a incorporação da BLM na investigação, intervenções e políticas é necessária para reduzir as disparidades de saúde nos Estados Unidos.

“Apesar de reconhecer que a raça, o género e o status socioeconômico são importantes para a compreensão das desigualdades na saúde, os fundamentos pós-positivistas de muitos modelos de saúde pública podem impedi-los de demonstrar explicitamente como os Black queer e as pessoas trans, os adultos negros mais velhos e as mulheres negras são parceiros críticos – e não apenas participantes – na compreensão da saúde a partir de uma perspectiva centrada na Negritude”, escreve Anderson-Carpenter.

“O movimento BLM difere pela afirmação dessas identidades; especificamente, afirma essas identidades como fundamentais para se compreender a diversidade negra nos EUA. Afirmando as identidades, o BLM valida também essas experiências e realidades. Tal validação pode contribuir para desenvolver, implementar e avaliar intervenções de saúde pública para a saúde negra americana através de uma lente crítica e intersecional”.

Os investigadores têm historicamente encontrado muitas disparidades de saúde física e mental entre negros e brancos americanos devido a determinantes sociais e ambientais influenciados pelo racismo e outras questões estruturais. Os negros americanos têm uma esperança de vida mais curta, as mulheres negras têm maior probabilidade de desenvolver câncer e diabetes, e as mulheres e homens negros transexuais que fazem sexo com homens (HSH) têm maior probabilidade de ter instabilidade habitacional, de serem encarcerados, e de serem diagnosticados com transtornos de uso de substâncias. A experiência de microagressões raciais e outras formas de discriminação têm aumentado a probabilidade de desenvolver problemas de saúde mental e contribuído para as disparidades em termos de saúde mental.

A investigação e a prática psicológica tradicional não conseguiram abordar a forma como a discriminação e os fatores socioambientais influenciam a saúde psicológica. Novos modelos de investigação e abordagens de tratamento estão sendo desenvolvidos para atender à realidade dos Negros americanos.

A abordagem alternativa de Anderson-Carpenter é única e inovadora. Procura compreender a “saúde negra de uma perspectiva afrocêntrica crítica”, fundamentada nos princípios de BLM e informada pela teoria dos sistemas ecológicos, teoria do comportamento planejado, e os determinantes sociais do modelo de saúde.

  • A teoria dos sistemas ecológicos compreende que a saúde está inserida no contexto e que os múltiplos sistemas e estruturas dentro desse contexto influenciam a saúde individual e comunitária.
  • A teoria do comportamento planejado sugere que as atitudes, normas e competências influenciam o nosso envolvimento em comportamentos relacionados com a saúde.
  • Os determinantes sociais do modelo de saúde realçam como uma variedade de fatores ambientais fora do controle dos indivíduos (por exemplo, pobreza, racismo, sexismo, homo-, bi-, e transfobia, etc.) afetam a saúde física e mental das pessoas.

Sob o respeito à diversidade, estão os princípios da afirmação negra, da transafirmação, da afirmação queer, da afirmação da idade, e da mulher negra. Estes princípios implicam que os negros não têm de qualificar a sua posição, que os espaços devem ser seguros para as mulheres negras, transexuais e pessoas queer, rejeitando o centrismo masculino, sexismo, misoginia, e heteronormatividade, e que as pessoas de todas as idades têm a capacidade de liderar e aprender. As identidades cruzadas dos negros

Respeitar a diversidade e a inclusão requer a inclusão dos cidadãos em projetos de investigação e a criação de conhecimento sobre as suas comunidades. Além disso, apela a que se aceite a diversidade de crenças e práticas espirituais. Finalmente, o quadro considera os efeitos da (des)localização geográfica e o papel do capitalismo na fragilização das comunidades negras.

Para melhorar os conhecimentos, atitudes, crenças e comportamentos, a saúde pública e os psicólogos comunitários devem empenhar-se em práticas com empatia, justiça restaurativa e compromisso amoroso – dois princípios do BLM. Estes princípios cruzam-se com o conceito de Ubuntu da filosofia africana, que significa “Eu sou porque nós somos”. Este princípio sublinha a importância da comunidade e do cuidado pelos outros.

Teorias feministas e queer acrescentam às filosofias africanas de cuidado, empatia e amor, desafiando conceitos ocidentais que separam indivíduos da sua comunidade mais ampla, seus recursos e apoio (por exemplo, individualismo, famílias nucleares). A empatia e os compromissos amorosos melhoram as intervenções orientadas para a comunidade ao incluir membros da comunidade no desenvolvimento, implementação, avaliação, e sustentação destas intervenções,

Finalmente, a construção da dinâmica de grupo sustenta os princípios do globalismo, famílias e as povoações negras, e o valor coletivo. A construção de dinâmicas de grupo refere-se às dinâmicas e processos comportamentais e psicológicos que ocorrem dentro e entre grupos sociais. A integração destes princípios do BLM na dinâmica de grupo serve como uma lente para reconhecer diferentes privilégios dentro de diferentes grupos Negros, para apoiar espaços para famílias de todos os tipos, e para compreender que as famílias Negras se estendem para além da família nuclear em comunidades, povoados, e maiores ligações globais. A concentração em grupos e comunidades, a abordagem das questões estruturais que enfrentam, e a sua inclusão nos esforços para mudar as suas circunstâncias conduz ao empoderamento e ao bem-estar.

Esta abordagem desafia o quadro existente para trabalhar e abordar as disparidades de saúde dos negros americanos. Também dignifica os valores culturais ao centrar a prática científica e as intervenções psicológicas utilizando filosofias afrocêntricas. Ao fazê-lo, a práxis psicológica adota uma abordagem coletiva ao bem-estar que atende a questões em múltiplos níveis, tais como o comportamento indutivo à mudança sistêmica

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Anderson-Carpenter, K.D. (2020) Black Lives Matter Principles as an Africentric Approach to Improving Black American Health. Journal of Racial and Ethnic Health Disparities. https://doi.org/10.1007/s40615-020-00845-0 (Link)

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