Antidepressivos Não São Superiores à Psicoterapia para a Depressão Severa

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Em 23 de setembro de 2015, a JAMA Psychiatry publicou uma meta-análise comparando os resultados da terapia cognitivo-comportamental e medicação antidepressiva em populações gravemente deprimidas.  Atualmente, muitas orientações práticas sugerem que os antidepressivos sejam utilizados ao invés de psicoterapia para grandes transtornos depressivos. A análise, contudo, constatou que “os pacientes com depressão mais grave não eram mais propensos a necessitar de medicamentos para melhorar do que os pacientes com depressão menos grave”.

Nas suas diretrizes para o tratamento da depressão, tanto a Associação Psiquiátrica Americana (APA) como a Associação Britânica de Psicofarmacologia sugerem que enquanto “a psicoterapia é suficiente para tratar a depressão leve, os medicamentos antidepressivos (devem ser utilizados para tratar a depressão grave no contexto de transtorno depressivo grave”.  Estas diretrizes baseiam-se em grande parte nos resultados de um ensaio de controle randomizado conduzido pela NIMH.  No entanto, esta última meta-análise revela que a diferença nos resultados do tratamento observada nos ensaios NIMH “não foram observados em vários outros ensaios clínicos randomizados de tratamento na fase aguda”.

Enquanto as meta-análises anteriores tentaram comparar o uso de antidepressivos e terapia cognitivo-comportamental para depressão, o último estudo é único na medida em que os investigadores foram capazes de obter dados ao nível do paciente, dando ao estudo “mais poder para examinar com precisão moderadores de resultados de tratamento”.  Os investigadores reviram 16 estudos que forneceram dados individuais a nível de pacientes e oito que não o fizeram.  No total, a amostra incluiu dados sobre 1.700 participantes.

Os resultados da análise não mostram diferenças significativas entre os antidepressivos e a terapia cognitivo-comportamental em resposta ao tratamento ou remissão em pacientes com depressão grave.  “No total, 63% dos doentes na condição de usuários de antidepressivos e 58% dos doentes na condição de terapia cognitivo-comportamental responderam ao tratamento, e 51% dos doentes na condição de usuários de antidepressivos e 47% dos doentes na condição de tratamento com terapia cognitivo-comportamental preencheram os critérios para a remissão”.

Os investigadores concluem que “os dados são insuficientes para recomendar o uso de antidepressivo ao invés de terapia cognitivo-comportamental em doentes se tratando em ambulatórios com base apenas na gravidade de base”. Sugerem também que a terapia cognitivo-comportamental pode ser utilizada como tratamento de primeira linha eficaz para pacientes gravemente deprimidos.

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Weitz ES, Hollon SD, Twisk J, et al. Baseline Depression Severity as Moderator of Depression Outcomes Between Cognitive Behavioral Therapy vs. Pharmacotherapy: An Individual Patient Data Meta-analysis. JAMA Psychiatry. Published online September 23, 2015. oi:10.1001/jamapsychiatry.2015.1516 (Full Text)

kit de Sobrevivência em Saúde Mental e Retirada dos Medicamentos Psiquiátricos – Cap. 2/1

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Kit de sobrevivência
em saúde mental e retirada
dos medicamentos
psiquiátricos

Peter C. Gøtzsche

Nota do Editor: Por autorização do autor, o Mad in Brasil (MIB) estará publicando quinzenalmente um capítulo do recente livro do Dr. Peter Gotzsche. Os capítulos irão ficar disponíveis em um arquivo aqui

Capítulo 2

A psiquiatria é baseada em evidências?

A psiquiatria estava em estado de crise nos Estados Unidos em meados do século passado, porque os psicólogos eram mais populares do que os psiquiatras.1 A guilda psiquiátrica decidiu, portanto, fazer da psiquiatria uma especialidade médica, o que faria com que os psiquiatras parecessem verdadeiros médicos e os distinguiria de psicólogos que não estavam autorizados a prescrever drogas.

Desde então, a propaganda maciça, a fraude, as manipulações com os dados da pesquisa, a ocultação de suicídios e de outras mortes e a mentira no marketing de drogas abriram o caminho para a ilusão de que a psiquiatria é uma disciplina respeitável que fornece drogas que curam os pacientes.1-4

Como o explicado no primeiro capítulo, os “clientes”, os pacientes e seus parentes, não concordam com os vendedores. Quando este é o caso, os vendedores geralmente são rápidos para mudar seus produtos ou serviços, mas isto não acontece na psiquiatria, que tem o monopólio do tratamento de pacientes com problemas de saúde mental, tendo os médicos de família como a sua complacente equipe de vendas de primeira linha e que não fazem perguntas incômodas sobre o que estão vendendo.

O médico de família é a porta de entrada da maioria das pessoas na psiquiatria. Aqui é onde pessoas tristes, preocupadas, estressadas ou esgotadas abordam os seus sintomas. O médico raramente dispõe do tempo necessário para perguntar sobre os eventos que fizeram com que o paciente acabasse nessa situação. Após alguns minutos a consulta frequentemente termina com um diagnóstico, que pode não ser correto, e uma prescrição para um ou mais medicamentos psiquiátricos, embora a terapia de conversa pudesse ter sido o melhor. Um estudo nos Estados Unidos mostrou que mais da metade dos médicos escreveu prescrições após discutir a depressão com os pacientes por três minutos ou menos.5

Você pode adquirir uma droga psiquiátrica mesmo que não haja uma  boa razão para ela ser receitada a você, por exemplo, uma pílula da depressão insônia, problemas na escola, ansiedade no exame, assédio no trabalho, abuso conjugal, rompimento com um namorado, luto, problemas econômicos ou divórcio. Isto também é comum se você consultar um psiquiatra.

Ao contrário das outras especialidades médicas, a psiquiatria é construída sobre uma série de mitos, que foram rejeitados tão firmemente pela boa pesquisa que o mais apropriado é chamá-los de mentiras. Por isso, advirto-os novamente. Está errado a maior parte do que lhe foi dito ou que alguma vez ouvirá sobre a psiquiatria, as drogas psiquiátricas, o eletrochoque e a internação e tratamento forçados. Isto tem sido documentado em numerosos artigos e livros de pesquisa.1-11

Aqui estão alguns conselhos gerais, que levarão a melhores resultados do que se forem ignorados:

  1. Raramente é uma boa ideia consultar um médico de família se você tiver um problema de saúde mental. Como os médicos são treinados no uso de drogas, o mais provável é que você seja prejudicado. Se não a curto prazo, então a longo.
  2. Se você receber uma receita do seu médico de família para um medicamento psiquiátrico, não vá à farmácia.
  3. Encontre alguém que seja bom em terapia de conversa, por exemplo, um psicólogo. Se você não puder pagar ou se houver uma longa lista de espera, então lembre-se que geralmente é melhor não fazer nada do que consultar o seu médico.

Vamos ver mais de perto o que está errado com a psiquiatria atual. Os psiquiatras afirmam que a sua especialidade é construída sobre o modelo biopsicossocial da doença que leva em conta a biologia, a psicologia e os fatores socioambientais, ao tentarem explicar por que as pessoas adoecem.

A realidade é muito diferente. A psiquiatria biológica tem sido o modelo de doença predominante desde que o presidente da Sociedade Americana de Psiquiatria Biológica, Harold Himwich, em 1955, surgiu com a ideia totalmente absurda de que os neurolépticos trabalham como a insulina para a diabetes.9

Parece até que está ficando pior. Há quinze anos, alguns porta-vozes da psiquiatria estavam mais preocupados do que os líderes de hoje com os perigos de se estar muito perto da indústria farmacêutica. Steven Sharfstein, presidente da Associação Psiquiátrica Americana, escreveu em 2005:

“Ao abordarmos estas questões da Big Pharma, devemos examinar o  fato de que, como profissão, permitimos que o modelo biopsicossocial se tornasse o modelo bio-bio-bio… Representantes das empresas farmacêuticas que trazem presentes são visitantes frequentes de salas e consultórios de psiquiatras. Devemos ter a sabedoria e a distância para chamar esses presentes do que eles são – propinas e subornos … Se formos vistos como meros empurradores de comprimidos e funcionários da indústria farmacêutica, a nossa credibilidade como profissão estará compro- metida”.12

Outras declarações foram menos afortunadas: “As empresas farmacêuticas desenvolveram e introduziram no mercado medicamentos que transformaram a vida de milhões de pacientes psiquiátricos.” Claro, mas não para melhor.

“A eficácia comprovada dos medicamentos antidepressivos, estabilizadores do humor e antipsicóticos ajudou a sensibilizar o público para a realidade da doença mental e ensinou-lhe que o tratamento funciona. Desta forma, a Big Pharma ajudou a reduzir o estigma associado ao tratamento psiquiátrico e aos psiquiatras”.

Os tratamentos não proporcionam efeitos que valham a pena, particularmente quando os seus danos também são considerados, e o estigma tem aumentado.4 Mas é assim como os líderes psiquiátricos enganam as pessoas. Uma revisão sistemática de 33 estudos concluiu que as atribuições causais biogênicas não estavam associadas a atitudes mais tolerantes; elas estavam relacionadas a uma rejeição mais forte na maioria dos estudos que examinaram a esquizofrenia.13 As pseudoexplicações biológicas aumentam a periculosidade percebida, o medo e o desejo de distância dos pacientes com a esquizofrenia porque fazem as pessoas acreditarem que os pacientes são imprevisíveis,13-15 e também levam a reduções na empatia dos clínicos e à exclusão social.17

O modelo biológico gera pessimismo indevido sobre as chances de recuperação e reduz os esforços de mudança, em comparação com uma explicação psicossocial. Muitos pacientes descrevem a discriminação como mais duradoura e incapacitante do que a própria psicose, e como uma grande barreira à recuperação.14,15 Os pacientes e suas famílias sofrem mais estigma e discriminação por parte dos profissionais de saúde mental do que de qualquer outro setor da sociedade, e mais de 80% das pessoas com o rótulo de esquizofrenia pensam que o diagnóstico em si é prejudicial e perigoso. Portanto, alguns psiquiatras agora evitam usar o termo esquizofrenia.15

Sharfstein admitiu que, “há menos psicoterapia fornecida por psiquiatras do que há 10 anos. Isto é verdade apesar da forte base de evidências de que muitas psicoterapias são efetivas quando utilizadas sozinhas ou em combinação com medicamentos. O quanto isso é trágico”. Esse não é o progresso de que tanto ouvimos falar.

Sharfstein não conseguiu resistir à tentação de jogar a carta da “antipsiquiatria”: “respondendo às observações antipsiquiátricas … uma das acusações contra a psiquiatria … é que a muitos pacientes estão sendo prescritos os medicamentos errados ou drogas de que não necessitam. Estas acusações são verdadeiras, mas não é culpa da psiquiatria – é culpa do sistema de saúde quebrado que os Estados Unidos parece estar disposto a dar suporte”.

É claro. Todos os danos que os psiquiatras causam por causa da superdosagem de populações inteiras NUNCA são culpa deles, mas de outras pessoas.

O psiquiatra Niall McLaren escreveu um livro muito instrutivo com muitas histórias de pacientes contando-nos que a ansiedade é um sintoma chave na psiquiatria.11 Se um psiquiatra ou um médico de família não ouve uma história com muito cuidado, eles podem deixar escapar que o atual episódio de angústia, que eles diagnosticam como depressão, começou como ansiedade muitos anos antes quando o paciente era um adolescente. Portanto, eles deveriam ter lidado com a ansiedade com a terapia da fala em vez de distribuir pílulas.

Niall desenvolveu uma maneira padrão com a qual ele se aproxima de todos os novos pacientes, a fim de não negligenciar nada importante. Leva tempo, mas o tempo investido inicialmente recompensa muitas vezes e leva a melhores resultados para os seus pacientes do que a abordagem padrão em psiquiatria.

Neill tem um interesse em filosofia, mas foi recebido com extrema hostilidade quando desafiou os seus colegas perguntando-lhes qual era a base para o seu modelo biológico dos transtornos psiquiátricos. Não há nenhuma. Em suas próprias palavras:11

“Assim sendo, podemos esquecer a psiquiatria biológica. O problema é que muitas pessoas têm muito dinheiro investido em tratamentos biológicos para os transtornos mentais e não irão desistir sem lutar. Pior ainda, há um monte de psiquiatras acadêmicos de alto nível em todo o mundo que investiram toda a sua carreira, e os seus egos (o que é muito pior), afirmando que o transtorno mental é de natureza biológica. Eles lutarão tenazmente para salvar os seus empregos e as suas reputações. Portanto, estamos presos à psiquiatria biológica há muito tempo. Só porque se provou que ela está errada, não significa que ela se desvanecerá da noite para o dia. O valor da psiquiatria biológica é que não é necessário falar com um paciente além de fazer algumas perguntas-padrão para descobrir qual doença ele tem, e isso pode ser facilmente feito por uma enfermeira armada com um questionário. Isto dará um diagnóstico que depois ditará os medicamentos que o paciente deve ter”.

A psiquiatria biológica assume que existem diagnósticos específicos que resultam de mudanças específicas no cérebro, e que existem medicamentos específicos que corrigem essas mudanças, que são, portanto, benéficos. Vamos analisar estas suposições uma a uma.

Os diagnósticos psiquiátricos são específicos e confiáveis?

Os diagnósticos psiquiátricos não são específicos, nem confiáveis.4,6,18,19 Eles são altamente inespecíficos, e os psiquiatras discordam totalmente quando solicitados a diagnosticar os mesmos pacientes independentemente um do outro. Existem poucos estudos deste tipo e seus resultados foram tão embaraçosos para a Associação Americana de Psiquiatria que ela os enterrou tão profundamente que foi necessário um extenso trabalho de detetive para encontrá-los.19 O funeral aconteceu em uma fumaça de retórica positiva em artigos surpreendentemente curtos, dada a importância do assunto. Mesmo o maior estudo, de 592 pessoas, foi decepcionante, embora os investigadores tenham tido muito cuidado no treinamento dos assessores.20

Os diagnósticos psiquiátricos não são construídos com base na ciência, mas são exercícios do tipo consenso onde é decidido, por uma exibição de mãos levantadas, quais os sintomas é que devem ser incluídos em um exame de diagnóstico.18 Esta abordagem de lista de verificação é como o jogo de salão bastante familiar, Descubra os Cinco Erros. Uma pessoa que tem pelo menos cinco sintomas em nove é declarada deprimida.

Se procurarmos o suficiente, encontraremos “erros” em todas as pessoas. Não há nada de objetivo e verificável nesta forma de fazer diagnósticos, que são derivados de uma constelação arbitrária de sintomas. Quantos critérios e em quais votamos que devem estar presentes quando se faz um determinado diagnóstico?

Dou muitas palestras para vários públicos, tanto profissionais como leigos, e muitas vezes exponho as pessoas ao teste recomendado para o TDAH adulto (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade).4,21 Nunca falha. Entre um terço e a metade do público é positivo no teste. Quando eu testei a minha esposa, ela obteve uma casa cheia, o que é seis dos seis critérios. Apenas quatro respostas positivas ao questionário são necessárias para o diagnóstico. Uma vez, quando uma das minhas filhas e o seu namorado nos visitaram para um jantar, discutimos a tolice dos diagnósticos psiquiátricos e, para ilustrar, eu os submeti ao teste. Minha filha teve cinco pontos, como eu tive, e o seu namorado muito descontraído, que eu nunca suspeitaria que fosse positivo, teve quatro. Assim, éramos quatro pessoas apreciando o nosso jantar e a nossa companhia, todas com um diagnóstico psiquiátrico falso.

Meu pequeno exercício faz as pessoas perceberem como os diagnósticos psiquiátricos são tolos e não científicos. Eu sempre digo às pessoas que estou no mesmo barco que elas e que elas não devem se preocupar, mas sim ficar felizes, como diz a canção de Bobby McFerrin, porque algumas das pessoas mais interessantes que já conheci se qualificam para o diagnóstico de TDAH. Elas são dinâmicas e criativas e têm dificuldade em manter-se sentadas em suas cadeiras fingindo que estão escutando quando o conferencista é monótono. No entanto, os psiquiatras têm tido o descaramento de dizer ao mundo inteiro que as pessoas com diagnóstico  de TDAH sofrem de um “transtorno de desenvolvimento neurológico”, por exemplo, o Manual de Diagnóstico e Estatística de Distúrbios Mentais (DSM-5) usado nos EUA, e na Classificação Internacional de Distúrbios (CID-11) usada na Europa, ambos dizem isto.

Postular que bilhões de pessoas têm cérebros errados é o mais ultrajante que pode haver.

Uma das vezes em que dei aulas para “Psiquiatria Melhor”, uma mulher na plateia disse: “Eu tenho TDAH”. Eu respondi: “Não, você não tem. Você pode ter um cachorro, um carro ou um namorado, mas não pode ter TDAH. É um construção social”. Expliquei que é apenas um rótulo, não algo que existe na natureza, como um elefante que todos podem ver. As pessoas tendem a pensar que recebem uma explicação para os seus problemas quando os psiquiatras lhes dão um nome, mas isto é um raciocínio circular. Paul se comporta de certa maneira, e nós daremos um nome a este comportamento, TDAH. Paul se comporta desta maneira porque tem TDAH. Logicamente, é impossível argumentar desta maneira.

Muitas vezes eu brincava durante as minhas palestras que também precisamos de um diagnóstico para aquelas crianças que são muito boas ao ficarem quietas e não se fazerem ver ou ouvir na sala de aula. Isto se tornou verdade, com a invenção do diagnóstico TDA, transtorno de déficit de atenção, sem a hiperatividade. A partir daquele dia, eu brinco sobre quanto tempo vamos esperar até vermos também um diagnóstico para aqueles que estão no meio, porque então haverá um medicamento para todos e a indústria farmacêutica terá atingido o seu objetivo final, que ninguém escapará de ser tratado.

O diagnóstico da depressão não é muito melhor. É muito fácil obter este diagnóstico mesmo que você não esteja realmente deprimido, mas apenas se sentindo um pouco fora do seu Eu habitual.4

Mesmo os diagnósticos mais sérios são altamente incertos. Muitas pessoas – em alguns estudos, e de longe a maioria delas – foram consideradas em revisão da literatura como tendo sido erroneamente diagnosticadas com esquizofrenia.4

Dada esta imensa incerteza, desacordo e arbitrariedade, deveria ser muito fácil se livrar de um diagnóstico errado. No entanto, é impossível, e não existe um tribunal de apelação como há nos casos criminais. É como nos tempos medievais, onde as pessoas eram condenadas sem razão e sem possibilidade de recurso. Como você verá na seção sobre o tratamento forçado no Capítulo 4, a lei está sendo violada rotineiramente, o que não toleraríamos em nenhum outro setor da sociedade.

Não parece importar se um diagnóstico é correto ou errado. Ele segue você pelo resto da sua vida e pode dificultar a educação com que você sonha, um emprego, certas pensões, ser aprovado para adoção ou até mesmo para manter apenas a sua carteira de motorista.22,23 Além disso, os diagnósticos psiquiátricos estão sendo frequentemente abusados em casos da guarda de filhos quando os pais se divorciam.22 Mesmo quando o diagnóstico está obviamente errado e a própria psiquiatra duvidou seriamente quando o fez, você não pode mandar que seja removido.23 Ele fica colado em você para sempre, como se você fosse uma vaca de marca.

A cineasta dinamarquesa Anahi Testa Pedersen fez o filme “Diagnosticando a Psiquiatria”24 sobre as minhas tentativas de criar uma psiquiatria melhor e sobre as suas próprias lutas contra o sistema. Ela recebeu o diagnóstico de transtorno de personalidade esquizotípica, que é um conceito muito vago e altamente duvidoso (ver Capítulo 5), quando foi admitida em uma enfermaria psiquiátrica devido a uma grande angústia por causa de um divórcio. Era óbvio que ela sofria de angústia aguda e nunca deveria ter tido um diagnóstico psiquiátrico ou ter sido tratada com drogas, mas na enfermaria lhe deram quetiapina, um neuroléptico e escitalopram, uma pílula para a depressão. Anahi ficou profundamente chocada ao saber que apesar de ter contatado voluntariamente a enfermaria psiquiátrica, as portas estavam trancadas atrás dela. Quando ela questionou o seu diagnóstico na alta, a informação que ela recebeu foi: “Aqui nós fazemos diagnósticos”.22 Os medicamentos a dopavam e a tornavam apática, e ela se retirou deles.

Outro choque veio oito anos mais tarde quando ela recebeu uma carta da Psiquiatria na Região da Capital. Eles queriam examinar a sua filha. Eles acreditavam que os transtornos psiquiátricos são herdados e que, portanto, é provável que as crianças dos doentes mentais também adoeçam.

Anahi ficou furiosa. A sua filha estava funcionando bem, feliz, saudável e tendo muitos amigos. A convocação veio sem que lhe perguntassem sobre como ela estava após a alta, ou sobre a situação e o bem-estar da sua filha, e a carta estigmatizava tanto ela quanto sua filha. Ela telefonou para um psiquiatra da unidade onde tinha ficado oito anos antes, mas mesmo que o seu médico de família lhe garantisse que ela estava bem e que era estranho que ela tivesse conseguido o diagnóstico de imediato, ela também foi informada, pelo psiquiatra, quando ela pediu um reexame: “O sistema não faz isso”! Ela foi deixada com uma sentença vitalícia, mas errónea. Isto não teria acontecido se ela tivesse sido condenada erroneamente por um crime, mas na psiquiatria, isto é perfeitamente “normal”.

O problema do diagnóstico colante é uma razão muito boa para não
consultar um psiquiatra.

Kit para iniciantes em psiquiatria: pílulas da depressão

Os pacientes e seus familiares comumente se referem às pílulas da depressão como “Kit para iniciantes da psiquiatria”. Isto porque muitas pessoas começam as suas “carreiras” psiquiátricas consultando o seu médico de família com algum problema que muitos de nós temos de tempos em tempos e deixam o consultório médico com uma receita de uma pílula da depressão, o que irá trazer problemas a elas.

Como já observado, as pílulas da depressão são frequentemente prescritas para indicações não aprovadas, o chamado uso fora do rótulo. Quando os problemas se acumulam, o médico de família pode encaminhar o paciente para tratamento psiquiátrico. A maioria desses problemas é de natureza iatrogênica (grego, algo causado por um médico). Se você ler os pacotes das pílulas da depressão, que são fáceis de se encontrar em uma busca no Google, por exemplo, duloxetina fda, você verá que estes medicamentos tornam algumas pessoas hipomaníacas, maníacas ou psicóticas. Quando isto acontecer, o seu médico provavelmente concluirá que você se tornou bipolar ou que sofre de depressão psicótica e lhe dará medicamentos adicionais, por exemplo, um neuroléptico, lítio, uma droga antiepiléptica, ou todos os três, além da pílula da depressão.

Há uma considerável sobreposição entre os danos das drogas psiquiátricas e os sintomas que os psiquiatras usam ao fazer diagnósticos, portanto, pode não demorar muito até que você tenha vários diagnósticos e esteja usando várias drogas.2,4

Em 2015, fui convidado pela organização psiquiátrica daquela região para dar uma palestra em um grande hospital na Dinamarca. Rasmus Licht, professor de psiquiatria, deu uma palestra depois de mim e houve uma discussão geral. Rasmus é especialista em transtorno bipolar, e eu era um dos examinadores quando ele defendeu o seu doutorado sobre a mania, 17 anos antes.

Perguntei-lhe como ele poderia saber, quando fez o diagnóstico bipolar em um paciente, que recebeu um medicamento para TDAH, que não eram apenas os danos do medicamento que ele viu, pois são muito semelhantes aos sintomas que os médicos usam ao diagnosticar bipolar. Eu fiquei atônito quando ele disse que um psiquiatra era capaz de distinguir entre estas duas possibilidades. Decidi não ir mais longe na discussão.

Rasmus disse muitas outras coisas que não estavam corretas, o que ilustrava o que a psiquiatria faz ao seu próprio povo. Quando o conheci, ele era um jovem brilhante que me impressionou. Eu não o via há tantos anos e era chocante ver como ele assimilou todas as ideias erradas da psiquiatria. Fizemos algumas correções depois, de forma muito amigável, mas falharam as minhas tentativas de convencê-lo de que ele estava errado.

Uma das coisas que Rasmus escreveu foi que, “não importa o que você escreva, não foi claramente demonstrado que os antidepressivos podem mudar [sic] o transtorno bipolar. Acredita-se, e é por isso que é mencionado no CID 10 e no DSM IV que, se a mania ocorrer apenas quando o paciente recebe um antidepressivo ao mesmo tempo, isso fala contra o transtorno bipolar, pois é entendido que poderia ser mania induzida por drogas. Entretanto, em contraste, o DSM 5 tomou as consequências de estudos epidemiológicos recentes e escreveu que, embora uma mania ocorra durante o tratamento com um antidepressivo, isto deve ser percebido como sendo verdadeiro, isto é, um transtorno bipolar primário. Portanto, neste caso, você fala contra um melhor conhecimento”.

Eu me perguntava como era possível que Rasmus acreditasse em tais disparates. É um disparate total postular que uma mania que ocorre durante o tratamento com uma pílula da depressão é um novo transtorno quando poderia ser um dano iatrogênico. Nada mais é do que um truque inteligente que os psiquiatras usam para se distanciar dos danos que causam e da sua responsabilidade. A culpa é sempre do paciente, nunca de nós ou de nossas drogas, essa é a mensagem que enviada por eles.

Rasmus deveria ter criticado os psiquiatras que produziram o DSM-5 de tal maneira que estavam além da censura. Pense também na Stine Toft cuja história eu descrevi no primeiro capítulo. Ela nunca foi maníaca, exceto na época em que recebeu uma pílula da depressão.

Tive muitas experiências assim, e é por isso que não vejo absolutamente nenhuma esperança para a psiquiatria. As pessoas com problemas de saúde mental devem consultar os profissionais que não as tratarão com medicamentos psiquiátricos, mas as escutarão e as ajudarão de outras maneiras.25

Descrevi em outros lugares como a cegueira dos psiquiatras auto- infligida em relação à realidade é devastadora para os seus pacientes.4 O mais proeminente psiquiatra infantil americano, Joseph Biederman, é também um dos mais prejudiciais. Ele inventou o diagnóstico da doença bipolar juvenil, e ele e seus colegas de trabalho fizeram um diagnóstico de bipolaridade em 23% das 128 crianças com TDAH.26 Esta condição era praticamente desconhecida antes de Biederman entrar em cena, mas em apenas oito anos, de 1994-95 a 2002-03, o número de visitas médicas nos Estados Unidos para crianças diagnosticadas com transtorno bipolar aumentou 40 vezes (um aumento de 3900%).27

Os pacientes adoecem por causa de um desequilíbrio químico no cérebro? 

Não há mudanças químicas específicas no cérebro que causem transtornos psiquiátricos. Os estudos que têm afirmado que um transtorno mental comum como depressão e psicose começa com um desequilíbrio químico no cérebro são todos não confiáveis.4

Uma diferença nos níveis de dopamina entre os pacientes com um diagnóstico de esquizofrenia e as pessoas saudáveis não pode nos dizer nada sobre o que iniciou a psicose. Se uma casa arde e  encontramos cinzas, isso não significa que foram as cinzas que incendiaram a casa. Da mesma forma, se um leão nos ataca, ficamos terrivelmente assustados e produzimos hormônios do estresse, mas isto não prova que foram os hormônios do estresse que nos deixaram assustados. Pessoas com psicoses muitas vezes sofreram experiências traumáticas no passado, então devemos ver estes traumas como fatores causais e não reduzir o sofrimento a algum desequilíbrio bioquímico que, se existe, é mais provável que seja o resultado da psicose do que a sua causa.28

Um trabalho que analisou os 41 estudos mais rigorosos constatou que as pessoas que tinham sofrido adversidades na infância tinham 2,8 vezes mais probabilidade de desenvolverem psicose do que aquelas que não tinham (p < 0,001, o que significa que a probabilidade de obter tal resultado, ou um número ainda maior do que 2,8, se na realidade não há relação, é menor do que uma em mil).29 Nove dos dez estudos que testaram uma relação dose- resposta o encontraram.29 Outro estudo descobriu que as pessoas que tinham experimentado três tipos de trauma (por exemplo, abuso sexual, abuso físico e bullying) tinham 18 vezes mais probabilidade de serem psicóticas do que as pessoas não abusadas, e se tinham experimentado cinco tipos de trauma, tinham 193 vezes mais probabilidade de serem psicóticas (intervalo de confiança de 95% 51 a 736 vezes, o que significa que o verdadeiro risco tem 95% de probabilidade de estar dentro do intervalo de 51 a 736 vezes o risco de uma pessoa que não tenha sido exposta a trauma).30

Tais dados são muito convincentes, a menos que você seja um psiquiatra. Uma pesquisa com 2813 psiquiatras britânicos mostrou que para cada psiquiatra que pensa que a esquizofrenia é causada principalmente por fatores sociais, há 115 que pensam que é causada principalmente por fatores biológicos.31

O mito sobre um desequilíbrio químico no cérebro ser a causa de transtornos psiquiátricos é uma das maiores mentiras na psiquiatria e também uma das mais prejudiciais. Como foi observado acima, o mito existe há pelo menos 65 anos, desde que Himwich alegou que os neurolépticos trabalham como a insulina para a diabetes.9 Parece impossível fazer desaparecer o mito, pois é muito útil para a guilda psiquiátrica não o manter. Ele dá aos psiquiatras um álibi para tratar os seus pacientes com medicamentos nocivos e os faz parecer verdadeiros médicos aos olhos do público.

Em 2019, Maryanne Demasi e eu coletamos informações sobre a depressão em 39 sites populares em 10 países: Austrália, Canadá, Dinamarca, Irlanda, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul, Suécia, Reino Unido e EUA. Verificamos que 29 websites (74%) atribuíam a depressão a um desequilíbrio químico ou afirmavam que as pílulas da depressão poderiam corrigir ou consertar tal desequilíbrio.32

Tenho boas razões para chamar o meu livro de psiquiatria de 2015 de “Psiquiatria mortal e negação organizada”.4 A negação, não apenas da realidade, mas até mesmo da   própria   postura  da   psiquiatria quando desafiada, é tão imensa que eu a ilustrarei detalhadamente, usando o meu próprio país como exemplo. É a mesma coisa em todos os lugares, portanto não importa se você nunca ouviu falar das pessoas que menciono. Em 2005, o professor de psiquiatria Lars Kessing e colegas publicaram uma pesquisa com 493 pacientes com transtorno depressivo ou bipolar que mostrou que 80% dos pacientes concordavam com a declaração: “Os antidepressivos corrigem as mudanças que ocorreram no meu cérebro devido ao estresse ou a problemas”.33 Direi mais sobre Kessing no Capítulo 5, onde também descreverei o que acontece quando programas críticos de TV tentam dizer a verdade sobre a psiquiatria.34-36

Em 2013, Thomas Middelboe, o presidente da Associação Psiquiátrica Dinamarquesa, descreveu o termo desequilíbrio químico como uma metáfora que a psiquiatria agarrou em uma tentativa de explicar doenças cujas causas são desconhecidas:37 “É um pouco tolo dizer que as pessoas não têm uma substância no cérebro, mas desequilíbrio químico – eu poderia usar esse termo. Estamos lidando com processos neurobiológicos que são perturbados”.

Em 2014, debati com o professor de psiquiatria Poul Videbech em uma reunião pública organizada por estudantes de medicina. Depois de haver explicado e documentado cuidadosamente porque muitas pessoas estão em tratamento com pílulas da depressão e ter sugerido que nós tomássemos as drogas, disse Videbech, diante de 600 pessoas, incluindo pacientes e seus parentes: “Quem tiraria a insulina de um diabético?”

Em 2015, a Psiquiatria na Região da Capital e o Conselho Conjunto  das Sociedades Psiquiátricas realizaram uma reunião com o título, “Verdades ou falsidades sobre as drogas psiquiátricas”. O motivo foi que, um ano antes, eu havia iniciado um debate prolongado sobre as drogas psiquiátricas quando publiquei em um jornal os dez mitos em psiquiatria que são prejudiciais para os pacientes.4 O artigo também existe em  inglês.38 Oficialmente, o objetivo da reunião era fornecer “uma avaliação neutra e sóbria das drogas”, mas o seu verdadeiro objetivo era proteger o status quo. Houve uma longa introdução em que o meu nome não foi mencionado, embora eu fosse a razão direta para a realização da reunião, e não fui convidado a falar. A psicóloga Olga Runciman salientou que a história sobre transtornos mentais causados por um desequilíbrio químico estava morta no exterior e perguntou se ela também não estaria morta na Dinamarca. Nenhum dos professores de psiquiatria quis responder, e o presidente não os excitou a falar, nem mesmo depois de eu haver dito duas vezes que eles não tinham respondido.

Oito meses depois, na véspera da publicação de meu livro de psiquiatria,4 houve uma longa entrevista comigo no jornal onde eu havia descrito os dez mitos.39 Enfatizo que um dos maiores mitos, sobre o qual mais da metade dos pacientes havia sido informada,33 é que eles sofrem de um desequilíbrio químico no cérebro. Eu também disse que muitos pacientes acabaram tomando drogas para o resto de suas vidas porque tinham sido enganados desta maneira ou porque tinham sido informados de que se não tomassem as drogas o cérebro ficaria danificado.

Videbech também foi entrevistado e disse: “Contra um melhor conhecimento, ele atribui ao seu oponente todo tipo de motivos injustos. Por exemplo, sabemos há 20 anos que a teoria do desequilíbrio químico no cérebro para a depressão é demasiadamente simples. Tenho escrito sobre isso em meus livros didáticos já há muitos anos. Portanto, é totalmente fora dos limites quando a mim e a outros são atribuídos tais pontos de vista”.

Bem, nem por isso. O mito sobre o desequilíbrio químico é apenas uma coisa do passado quando ele é desafiado. A professora de psiquiatria Birte Glenthøj também foi entrevistada e confirmou que o mito ainda estava vivo e bem vivo: “Sabemos através de pesquisas que pacientes que sofrem de esquizofrenia têm aumentadas em média a formação e a liberação de dopamina, e que isto está ligado ao desenvolvimento dos sintomas psicóticos. O aumento da atividade da dopamina também é visto antes de os pacientes receberem a medicação antipsicótica pela primeira vez, portanto não tem nada a ver com a medicação”.

Duas semanas depois de publicar o meu livro de psiquiatria, a psiquiatra Marianne Geoffroy escreveu em uma revista descartável apoiada pela indústria que eu havia utilizado fundos públicos para publicar livros privados, não científicos, os quais ela comparou com os livros da Cientologia. Ela afirmou que eu afugentava os cidadãos que sofriam de transtornos psiquiátricos de receberem tratamento relevante.40 Em um comentário eletrônico, o psiquiatra Lars Søndergård (veja mais sobre ele no capítulo 5) disse que não conhecia nenhum psiquiatra que atribuísse a doença mental a um “desequilíbrio químico no cérebro”.

Outro psiquiatra, Julius Nissen, respondeu: “Passei os meus muitos anos em psiquiatria falando com muitas pessoas que receberam exatamente esta explicação e a comparação com a insulina, que é uma substância que eles precisam. Esta convicção faz com que seja muito difícil motivá-los a se retirar da droga. É precisamente porque eles, durante a retirada, experimentam de fato um ‘desequilíbrio químico’, na medida em que o cérebro está acostumado com a substância. Portanto, eles se sentem confirmados que a hipótese é verdadeira porque estão doentes, mesmo que sejam efeitos colaterais que devam ser superados”.

No início de 2017, Videbech postulou novamente que quando as pessoas estão deprimidas, há um desequilíbrio no cérebro.41 Eu reclamei ao editor do Manual para Pacientes disponível publicamente, e que tem status oficial na Dinamarca, que Kessing e Videbech tinham escrito em suas duas contribuições que a depressão é causada por um desequilíbrio químico.42,43 Não cheguei a lugar nenhum, é claro, mas senti que era o meu dever para com os pacientes ao menos tentar. Kessing e Videbech mudaram algumas coisas menores e introduziram novas reivindicações que pioraram os seus artigos. Eu reclamei novamente, e novamente em vão, e a mentira sobre o desequilíbrio químico continuou.

Em sua atualização, Kessing acrescentou que, “é sabido que os antidepressivos estimulam o cérebro a produzir novas células nervosas em certas áreas”. Videbech escreveu o mesmo, mas não havia referências. Se isto pode acontecer, significa apenas que as pílulas da depressão são prejudiciais às células cerebrais, já que o cérebro forma novas células em resposta a um dano cerebral. Isto está bem documentado, por exemplo, para a terapia de eletrochoque e os neurolépticos.7 Os líderes psiquiatras consideram ignorantes os seus pacientes, mas devo dizer que o nível de ignorância entre eles sobre a sua própria especialidade é espantoso.

Como Kessing, Videbech argumentou que o tratamento com pílulas da depressão pode ser vitalício, por exemplo, se a depressão aparecer após 50 anos de idade. Nunca ouvi falar de nenhuma evidência científica confiável em apoio a isto.

Em 2018, um paciente escreveu em um jornal:44 “Quando um psiquiatra mudou a minha medicação … ela ‘funcionou’, colocando cerca de 20 quilos em meu corpo. Quando eu quis sair da droga, ele me contou a mentira habitual: que eu tinha um desequilíbrio químico e que precisava das pílulas. Então, eu continuei… Minha mãe sempre dizia: ‘não vá à padaria para buscar carne’. E ir a um médico, com formação médica, na esperança de obter respostas a problemas mentais é exatamente isso”. Em seguida, o meu aluno de doutorado Anders Sørensen o ajudou a sair de suas drogas.

Por que precisamos escutar os pacientes e não os psiquiatras se queremos saber a verdade sobre as drogas psiquiátricas e o eletro- choque?4,23 Uma paciente não conseguia se lembrar nem das coisas mais comuns, como o nome da capital dinamarquesa, depois de ter sido submetida ao eletrochoque.23 Ela foi permanente e seriamente danificada pelo choque elétrico que nunca deveria ter recebido, mas foi-lhe dito que era a sua “doença”, mesmo não tendo nenhum transtorno psiquiátrico; ela havia sido abusada sexualmente quando criança. Seu livro é um relato assustador de praticamente tudo o que está errado com a psiquiatria,23 assim como o livro sobre uma jovem mulher que os psiquiatras mataram com neurolépticos (ver Capítulo 4).4,45

Antes de passar à questão de saber se os medicamentos psiquiátricos têm efeitos específicos e válidos, de acordo com a doutrina da psiquiatria biológica, vou expor a ideia do desequilíbrio químico usando um pouco da lógica.

Se um déficit da serotonina é a causa da depressão e uma droga que aumenta a serotonina funciona para a depressão, então não esperaríamos que uma droga que diminui a serotonina funcione para a depressão. No entanto, este é o caso, por exemplo, da tianeptina.2,3 De modo mais geral, parece que quase tudo o que causa efeitos colaterais, o que todas as drogas causam, “funciona” para a depressão,8 incluindo as várias drogas que não aumentam a serotonina, como por exemplo a mirtazapina. Esta e outras evidências que discutirei a seguir sugerem que as pílulas da depressão não funcionam para a depressão. Os pacientes pensam que são úteis porque podem sentir que algo está acontecendo em seu corpo, e os psiquiatras se iludem.

Se um déficit da serotonina é a causa da depressão, os ratos geneticamente depauperados de serotonina cerebral deveriam estar seriamente deprimidos, mas eles se comportam como os outros ratos.46

Se um déficit de serotonina é a causa da depressão, as pílulas da depressão deveriam funcionar muito rapidamente, porque os níveis de monoamina no cérebro aumentariam em um a dois dias após o início do tratamento.47 E não aumentam. A melhora vem gradualmente, com muito pouca diferença entre a droga e o placebo, e tanto com droga quanto com placebo geralmente isso leva semanas até que os pacientes possam sentir que a sua depressão tenha sido alterada.4,48

Se as pílulas da depressão funcionassem aumentando o nível de serotonina, não esperaríamos que funcionassem em doenças que nunca se afirmou que têm algo a ver com a falta de serotonina, por exemplo, a fobia social.47 Quando o meu grupo de pesquisa revisou o tipo de diagnóstico que havia sido investigado em ensaios controlados por placebo de pílulas da depressão, contamos 214 diagnósticos únicos, além de depressão e ansiedade.49 Os ensaios foram conduzidos por interesses comerciais, concentrando-se em doenças prevalecentes e em problemas cotidianos de tal forma que ninguém pode viver uma vida plena sem experimentar vários dos problemas para os quais estes medicamentos foram testados. Concluímos que as pílulas da depressão são a versão moderna da pílula soma de Aldous Huxley destinada a manter todos felizes no “Admirável Mundo Novo”.

Em  1996,  Steven  Hyman,  ex-diretor  do  Instituto  Nacional  de Saúde Mental dos Estados Unidos, indicou que as pílulas da depressão não corrigem um desequilíbrio químico no cérebro, mas que, pelo contrário, criam um desequilíbrio químico.50 É por isso que tantas pessoas lutam para sair das drogas psiquiátricas (ver Capítulo 4). O mito sobre o desequilíbrio químico é muito prejudicial por outras razões também. Ele faz as pessoas acreditarem que há algo seriamente errado com elas, e às vezes até lhes é dito  que  é  hereditário.  O  resultado  é  que  os  pacientes  temem  o  que aconteceria se eles parassem, mesmo que façam lentamente o afilamento das drogas que estão a consumir. Da mesma forma, o mito convence os médicos de que eles têm razão quando persuadem os seus pacientes a tomar drogas de que não gostam ou que têm medo.

A indústria farmacêutica e seus aliados pagos na profissão psiquiátrica traíram o mundo inteiro, e a receita é simples. Você toma uma droga e descobre que ela aumenta o X, por exemplo a serotonina, ou diminui o Y, por exemplo a dopamina. Você então inventa a hipótese de que as pessoas que você trata são deficientes em X ou que produzem muito Y. Não há nada de errado em inventar hipóteses. É assim como a ciência funciona. Mas quando a sua hipótese é rejeitada, repetidamente, não importa o que você faça e quão engenhoso você é e o quanto você manipula o seu projeto e os dados, é hora de enterrar a hipótese de vez.

Isto não vai acontecer. O mito do desequilíbrio químico não é uma questão de ciência, mas sim de dinheiro, de prestígio e de interesses da corporação.

Você consegue imaginar uma cardiologista dizendo: “Você tem um desequilíbrio químico no seu coração, então você precisa tomar este medicamento para o resto de sua vida”, quando ela não faz ideia do que está falando?

As drogas psicoativas são específicas e valem a pena?

 Os psiquiatras dizem constantemente que usam drogas com efeitos específicos que são igualmente eficazes como muitas outras drogas, por exemplo, aquelas usadas para dores reumáticas e asma.

Para muitas drogas psiquiátricas, podemos dizer qual o principal receptor no cérebro visado, resultando no bloqueio ou no aumento do efeito de um determinado neurotransmissor, por exemplo, serotonina, dopamina ou ácido gama-aminobutírico (GABA).

Isto parece ser um efeito específico, como a insulina para a diabetes, mas não é. Se o açúcar no sangue estiver muito alto, você pode acabar em coma hiperglicêmico, o que pode levar a lesões cerebrais permanentes e à morte. Entretanto, se você for tratado com insulina, fluidos intravenosos e eletrólitos, normalmente você se recuperará totalmente. O efeito é considerável e rápido.

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Capítulo 2. A psiquiatria é baseada em evidências?

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[trad. e edição Fernando Freitas]

A psiquiatria digital transforma a forma como pensamos sobre saúde mental

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As novas tecnologias estão moldando radicalmente a forma como a psiquiatria está a ser praticada. De comprimidos com dispositivos de rastreio a algoritmos destinados a detectar “transtornos mentais” nas gravações de voz, estas novas ferramentas estão também a mudar a forma como os utilizadores dos serviços estão a dar sentido às suas experiências.

Em um novo artigo publicado em Somatosphere, os antropólogos médicos Dörte Bemme, Natassia Brenman, e Beth Semel exploram como as tentativas de identificar patologias mentais através dos nossos dados de comportamento online, conhecidos como “fenótipos digitais”, podem mudar os fundamentos filosóficos da psiquiatria. Também apontam para a forma como a indústria farmacêutica pode fazer face a estas mudanças:

“Cada vez mais, os sujeitos digitais são caracterizados pelo que pode vir a ser de uma pessoa: o que pode ser experimentado como normal pode ser marcado por sinais subjacentes, ‘silenciosos’ de patologia futura. . . Embora a imagem emergente da psi digital não possa ser capturada por uma simples narrativa de medicalização, vale a pena rastrear a criação e os criadores deste sujeito digital potencialmente doente, em parte rastreando o seu valor emergente nos círculos científicos e farmacêuticos. Uma agregação particular de biomarcadores digitais ‘precoces’ pode carregar um tipo muito diferente de potencialidade – que esteja vinculada ao trabalho especulativo e aos interesses comerciais do desenvolvimento de medicamentos”.

As intervenções digitais de saúde mental assumem muitas formas. No entanto, a variedade de aplicações e rastreadores de dados disponíveis pode estar a ofuscar as mudanças em larga escala em todo o empreendimento do campo emergente da psiquiatria digital. A investigação etnográfica lança luz sobre o novo regime de “fenotipagem digital”, assim como expande grandemente o alcance e o propósito da psiquiatria e se fundamenta numa intimidade paradoxal e distanciada típica das tecnologias digitais.

No vasto panorama da saúde mental digital, aplicativos de meditação, recursos de vídeo concebidos por psiquiatras, e todas as formas de tecnologias “track-and-share” intervêm em diferentes fases das questões de saúde mental. Algumas promovem o bem-estar, a felicidade e a produtividade e são totalmente operadas por usuários que procuram melhorar a sua saúde mental independentemente dos profissionais de saúde. Outros situam-se mais diretamente no panorama psiquiátrico existente, monitorizando os pacientes entre as visitas médicas ou complementando o trabalho dos profissionais de saúde mental ao longo da hospitalização. Isto inclui até medicamentos prescritos com rastreadores no seu interior para garantir que os pacientes não recusem furtivamente os comprimidos.

Estas e outras intervenções partilham objetivos comuns motivadores da psiquiatria digital: alargar a escala dos cuidados psiquiátricos amplamente, em todo o mundo, e mais ainda no interior da própria instituição, expandindo a gama de biomarcadores e sintomas que podem se tornar significativos para os psiquiatras. O rastreio e recolha de dados dos doentes para além dos limites da clínica ou laboratório permite novas práticas de rastreio, diagnóstico e tratamento. Aqueles empenhados na pesquisa digital de fenótipos em todos os comportamentos humanos rastreiam sinais biomédicos relevantes, utilizando a nova linguagem de dados para redesenhar os limites da doença mental e da saúde.

Na sua exploração etnográfica do tema da psiquiatria digital, uma equipe interdisciplinar de investigadores sediados nos EUA e no Reino Unido buscam nas características comuns da “psi digital” o significado das suas novas metodologias, e as relações sociotécnicas que reúnam sujeitos díspares através das quais é agora recolhida passivamente uma imensa quantidade de dados comportamentais.

O envolvimento com estudos empíricos e concepção de software em laboratórios clínicos levou os investigadores a apreciar a complexidade da produção de significado e novas formas de eficácia terapêutica a partir de conjuntos de dados digitais. Observam que onde as unidades centrais de análise nos campos da saúde mental têm sido sempre o indivíduo ou a população, a psiquiatria digital passa a codificá-los produtivamente através de práticas de conhecimento de fenotipagem digital recentemente observadas. A experimentação em fazer sentido a partir de traços digitais desafia as definições do indivíduo e das suas ‘partes’ constituintes.

“Fenotipagem digital denota esforços recentes para aproveitar os traços digitais do comportamento humano como sinais, sintomas e fatores de risco de transtornos mentais. Espera-se que a tonalidade da voz de uma pessoa, padrão de mobilidade, ou velocidade de digitação nos seus smartphones, uma vez tornados legíveis através de análise computacional, prevejam o aparecimento ou recaída de depressão, comportamento maníaco, declínio cognitivo, ou suicídio”.

Uma vez construídos como alvo de intervenções e participantes ativos na produção de dados, as linhas entre aqueles que produzem conhecimentos e aqueles que são o conhecimento produzido deixam de ser distintas. Os temas de psy digital são construídos como “temas objetivos” trazidos à existência pelo acesso a traços de dados. Alguns destes são ativamente produzidos por utilizadores de tecnologias de busca (por exemplo, entrada de texto), e outros são recolhidos passivamente a partir deles (por exemplo, passos dadas, deslocamento e geolocalização). Estes são frequentemente agregados em conjuntos de dados maiores para detectar padrões e tendências que significam risco ou doença. Tais marcadores não podem ser mapeados um por um pelos profissionais ou pela compreensão dos sintomas do paciente.

Porque o fenótipo digital ecoa a procura por biomarcadores não-linguísticos e “hard” da patologia mental, os seus métodos de investigação contribuem para uma visão da psiquiatria na qual as construções linguísticas partilhadas, a recordação de sintomas, a relação interpessoal e a localização definida da clínica podem tornar-se obsoletas. Ironicamente, os dados derivados do particular e do contexto são utilizados para eliminar estes fatores em nome da universalidade.

Esta é uma questão de escala nas práticas de dados digitais, importante porque uma promessa chave da fenotipagem digital é fornecer acesso a assuntos geograficamente remotos ou de difícil acesso. Como prática de conhecimento, envolve deslocamento entre grandes conjuntos de dados, sujeitos individuais e os pequenos vestígios que constituem simultaneamente o sujeito e o conjunto.

“Forjados em trabalho de algoritmos e agregados, sujeitos e assuntos preocupantes emergem agora de pontos de dados dispostos de forma flexível – reunindo estados de humor, sons, contagens de passos, velocidades de digitação, níveis de atividade, por onde se anda, ou a distância entre mãe e filho – enquanto novos objetos epistémicos”.

Mesmo assim, conhecer a saúde e a doença mental por meio de dados digitais não é um truque de mágica; requer projeto, manutenção de infraestrutura técnica e “novas práticas de cuidado e formas de racionalidade girando em torno da interpretação de dados digitais”. Por trás do véu de robôs, gráficos e estatísticas está o trabalho nunca neutro de selecionar marcadores salientes, ouvir e interpretar, com os quais as tecnologias devem aprender e imitar. Neste modelo, o software de sucesso poderia exportar julgamentos clínicos situados para todo o mundo.

No entanto, o software pode nem sempre ter a mesma presença autorizada que um clínico presencial, abrindo espaço para os destinatários pretendidos das intervenções digitais e os sujeitos da pesquisa que povoam os conjuntos de dados para subverter e reapropriar essas práticas tecnológicas.

Os pontos de dados que constituem o novo “humano agregado” são tão abundantes que podemos saber muito para usar categorias e rótulos de diagnóstico padrão. Embora isso possa ser libertador para os estigmatizados por esses rótulos, o que acontece com as comunidades de sobreviventes que se relacionam por meio dessas premissas compartilhadas? Os pesquisadores sugerem que permaneçamos abertos, curiosos e críticos sobre como a psiquiatria digital define seus objetos de estudo e redefine a busca por sinais e sintomas.

****

Bemme, D., Brenman, N., Semel, B. (2020). The subjects of digital psychiatry. Somatosphere. Retrieved from: http://somatosphere.net/2020/subjects-of-digital-psychiatry.html/

 

Medicina Insana, Capítulo 2: O Cientificismo da Psiquiatria (Parte 1)

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Nota do editor: Nos próximos meses, Mad in Brasil publicará uma versão seriada do livro de Sami Timimi, Insane Medicine (Medicina Insana). Neste capítulo, ele começa uma visão geral do cientificismo da psiquiatria. Quinzenalmente, uma nova seção do livro será publicada, e todos os capítulos serão arquivados aqui.

Dificilmente passa uma semana sem alguma nova manchete sobre saúde mental, a epidemia de problemas de saúde mental na sociedade, particularmente nos jovens, a importância de falar sobre saúde mental, e a forma como os nossos serviços são exigidos e em um ponto de ruptura devido à falta de recursos.

Qualquer pessoa que ouvisse isto seria perdoada por presumir que os problemas de saúde mental estão enterrando as nossas populações à medida que sucumbimos sob o peso do stress, ansiedade, depressão, autoflagelação e o pior. As doenças mentais podem ser encontradas em todas as salas de aula e em cada esquina. Também seria perdoado por pensar que existem tratamentos reais para estas condições médicas reais e que as pessoas melhoram com tratamentos fornecidos por profissionais com conhecimentos especiais.

É provável que pense que o nosso problema com a saúde mental é que não temos serviços suficientes, que a questão é o subfinanciamento lamentável e as longas listas de espera, que o escândalo é a falta de acesso rápido e de disponibilidade adequada de tratamento e apoio para aqueles que foram atingidos por um transtorno mental.

Mas aqui está o desconfortável enigma. Onde quer que encontre serviços de saúde mental que se tenham expandido com mais pessoas a receber o que é considerado tratamentos de saúde mental (quer sejam psicológicos ou medicamentosos) encontra um aumento paralelo dos números que foram classificados como de incapacitados devido a um transtorno de saúde mental.

É claro que muitas pessoas se beneficiam. Ainda há muito que um serviço de saúde mental esclarecido poderia e deveria fornecer para que possa ser útil a muito mais gente do que hoje em dia. No entanto, na situação atual, os dados que temos sobre os resultados dos serviços de saúde mental na realidade dizem que este não é o caso de fato. Um dos primeiros problemas com o qual nos confrontam é que quando as pessoas (os meios de comunicação social, profissionais, e público em geral) falam sobre saúde mental, na realidade não sabem do que estão a falar – literalmente.

O que é um transtorno mental?

O que é que as pessoas querem dizer quando falam de transtorno mental, saúde mental, ou doença mental? Que tipo de “coisa” é um transtorno mental? Onde estão os seus limites? Quando é que um comportamento se torna anormal ou desordenado ou patológico e quem decide com base em quê?

As questões de onde colocar limites entre o comum e o não comum são algo com que uma boa parte da Medicina se debate. Quando se trata de transtornos mentais, temos um nível totalmente novo de potencial confusão, incerteza e significados a ultrapassar antes de podermos afirmar que algo está fora do comum, anormal ou desordenado. Na psiquiatria, todo o fenómeno requer interpretação, e não apenas os limites.

Tomemos, por exemplo, a situação bastante simples em que existe um mínimo de confusão sobre o tipo de “coisa” com que estamos a lidar. Alguém tem um acidente e sente dores extremas e algum inchaço na perna e não consegue andar sobre ela. No hospital, um raio-X revela que há uma fratura na tíbia (canela). Neste cenário, o modelo médico está a funcionar no seu melhor.

A fratura da tíbia é o que é conhecido como um “tipo natural”, pelo que em termos de classificação o diagnóstico explica uma anormalidade no corpo físico da pessoa que pode ser verificada e medida empiricamente. Como uma espécie natural que pode ser vista, ela existe no mundo para além da nossa hipótese subjetiva. É um fato verificável da natureza e podemos desenvolver bases de conhecimento que se relacionam com esta realidade verificável de um fenômeno natural.

Tal como a cadeira em que estou sentado pode ser pesada, medida e analisada com todos os tipos de meios empíricos, tal como existe lá fora na realidade externa, também nós podemos construir conhecimentos técnicos sobre fraturas da tíbia, comparando muitas pessoas que têm a mesma condição, experimentando diferentes abordagens e combinações de tratamentos, classificando diferentes tipos de severidade, olhando para os vários fatores (na fratura, o corpo da pessoa, o tipo de acidente, etc.) que podem afetar as respostas a diferentes tratamentos.

A medicina é particularmente boa nesses cenários de emergência onde há uma anormalidade identificada e onde o período de tratamento é relativamente curto. Aqui podemos reunir dados sobre a doença, o tratamento, a recuperação, complicações e assim por diante, usando evidências empíricas verificáveis. Nós sabemos que tipo de “coisa” é uma fratura da tíbia. Uma vez visto no raio-X, temos uma explicação (um diagnóstico) para o que está causando a dor, o inchaço e a incapacidade de andar do paciente.

Nem tudo o que se apresenta aos médicos segue esta ideia fácil de entender o tipo de coisa com que estamos a lidar. Tomemos a diabetes como um exemplo. A ligação entre os sintomas e a causa subjacente pode não ser tão imediatamente aparente. Na diabetes um diagnóstico refere-se a uma anormalidade do metabolismo do açúcar e isto pode ser medido principalmente através de testes sanguíneos, mas também de outras formas, tais como através de exames de urina para algo chamado “cetonas”.

Pode existir alguma anormalidade no metabolismo do açúcar no sangue durante um período sem que o paciente apresente quaisquer sintomas óbvios. Podem ter apenas alguns sintomas não específicos, tais como cansaço generalizado ou perda de concentração, particularmente na diabetes tipo II, que tem um início mais tarde na vida quando o corpo se torna resistente à insulina ou quando o pâncreas é incapaz de produzir insulina suficiente.

A diabetes tipo II pode apresentar-se como uma susceptibilidade às infecções e, por isso, pode passar despercebida durante meses ou mesmo anos em algumas. No entanto, há um parâmetro físico que pode ser medido, e há um processo fisiológico presente no corpo físico e que existe no mundo exterior ao diagnosticador e que é verificável com dados independentes.

Assim, neste exemplo, embora as ligações entre os sintomas e a doença não sejam tão claras e possam de fato envolver outros fatores para além do metabolismo do açúcar e possam não ser detectadas nas fases iniciais ou por um médico mal treinado, o diagnóstico é novamente explicativo. Está a apontar para uma anormalidade que pode causar sintomas no paciente e que causará mais se não for tratada.

Mas existem muitas discordâncias no diagnóstico e tratamentos da diabetes; por exemplo, quando considerar que o açúcar no sangue ultrapassou um limiar que justifique um diagnóstico, se se deve utilizar apenas abordagens dietéticas e durante quanto tempo, quando utilizar medicamentos, como lidar com complicações, o impacto psicológico de ter uma doença crônica, a dimensão social dos cuidados a longo prazo, e assim por diante. Mas ainda assim, sabemos que tipo de “coisa” é a diabetes.

Até agora, tudo bem. Agora começamos a entrar em condições médicas que podem ter sintomas reconhecíveis e por vezes sinais físicos e alguns testes objetivos, mas em que existem mistérios quanto à causa ou explicação inicial. Muitos tipos de dores de cabeça, tais como enxaquecas, são bons exemplos desta categoria. Diagnósticos como a enxaqueca baseiam-se principalmente numa descrição dos sintomas. Estamos agora a avançar para um sistema descritivo e não explicativo. No entanto, dado que existem sintomas físicos característicos (na enxaqueca, pode haver desfocagem da visão, dor atrás dos olhos de um lado da face), é provável que haja patologia física.

A apresentação tende a ser característica, tem sintomas físicos, pelo que é razoável supor que envolve um processo fisiológico. Assim, sabemos que tipo de “coisa” é uma enxaqueca, embora estejamos agora a entrar num território mais confuso. Com a dor e o sistema nervoso tão envolvidos, os aspectos psicológicos estão a tornar-se mais proeminentes. Mas a ideia de diagnóstico mantém-se, mesmo que seja para concluir que, embora a enxaqueca seja um diagnóstico (na medida em que explica os sintomas físicos), pode ser provocada ou por vezes até imitada por fatores psicológicos.

Uma vez que falamos de transtornos mentais, começamos a entrar numa série de problemas a fim de apoiar a ideia de que temos uma “coisa” que pode ser considerada como um diagnóstico. O território para aquilo a que temos vindo a chamar “sintomas” de um transtorno mental são agora experiências e comportamentos que têm significados e que podem ser interpretados de forma diferente por culturas diferentes, tempos diferentes, e em cenários diferentes.

Isto significa que estamos a mudar para uma área de prática onde não só existem desacordos e debates sobre onde se encontram os limites, mas também temos que levar em conta o significado e a relevância dos diversos significados que podem estar ligados a estes sintomas, de modo a que sejam interpretados como sintomas num cenário, mas não noutro. Não temos sinais, nem testes, nem correlatos físicos, e por isso estamos inteiramente dependentes de observações e relatos da pessoa e/ou do(s) seu(s) outro(s) atore(s) significativo(s).

As disputas já não são apenas sobre os limites, mas também sobre os parâmetros; de fato, em primeiro lugar, sobre se podem mesmo ser considerados problemas e, se o forem, se podem ser considerados como sendo de natureza médica. Desviámo-nos agora para um campo conceitual diferente.

É aquele paciente à minha frente que relata uma tristeza intensa, dificuldade em adormecer, acordar antes das 5 da manhã todas as noites e não conseguir voltar a adormecer, e tem um apetite fraco, sofrendo de uma “transtorno depressivo” ou sofrendo de um compreensível desgosto e tristeza após o rompimento de uma relação de longa duração há alguns meses atrás? Se argumentar que ambas podem ser verdadeiras, então é certo que, tecnicamente falando, tanto a depressão como o luto podem ser ditos ao paciente como o que ele tem.

Um, contudo, não pode ser um diagnóstico (depressão), pois não explica nada, apenas descreve alguns aspectos das experiências do paciente; o outro (dor) pode ser um diagnóstico, pois tem pretensões explicativas. O luto (ao contrário da depressão) está, neste cenário, a ser utilizado como uma explicação. Mas eu não tenho acesso ao funcionamento mental interno do paciente; nenhum de nós tem.

Com a dor, depressão, ou ambas, ainda não sei com que tipo de “coisa” estou a lidar. É uma doença médica no seu cérebro, é o processo psicológico do luto, é a perda de uma rede social que ela tinha com aquele parceiro, é a sua preocupação sobre como isto está a afetar o seu filho, é o medo de voltar ao trabalho depois de uma longa ausência, é tudo isso?

Na verdade, não sei nada sobre o que causou o que ele está apresentando. Não posso escapar à minha subjetividade, nem à do paciente. Só posso supor um “diagnóstico” (explicação proximal), algo que anexar as palavras “Grande Transtorno Depressivo” (GTD) não pode fornecer.

Quando se trata de nossas experiências emocionais, apenas temos experiência incorporada. Em seguida, usamos palavras conectadas com sistemas de criação de significado cultural para serem vinculadas a essa experiência. O andaime de significados que então usamos pode por si mesmo transformar nossa experiência da experiência. “Você está com o coração partido” cria um andaime diferente de “você está deprimido”, que por si só difere de “você está sobrevivendo e se recuperando de uma experiência dolorosa”.

A saúde mental, a doença e o transtorno não podem ser pensados como se estivessem lá fora no mundo natural, existindo em algum lugar no corpo da pessoa, de uma forma que seja identificável como uma “coisa” concreta. Não é definível de forma causal, da mesma forma que o é uma perna partida ou diabetes ou mesmo uma enxaqueca.

Se você ouvir que um em cada quatro da população está ou será possuído por um transtorno mental, tenha cuidado. É um erro terrível sendo cometido, com consequências terríveis tanto para os doentes como para os profissionais. Um em cada quatro que tem que tipo de “coisa”? Onde se encontra essa “coisa” e como a encontro? Como posso verdadeiramente desenvolver uma forma precisa de “medir” se não a consigo localizar como uma “coisa” empiricamente conhecida?

Não existe tal coisa chamada de diagnóstico psiquiátrico

Na medicina, então, o diagnóstico é o processo de determinar que doença ou condição explica os sintomas e sinais de uma pessoa. O diagnóstico aponta, portanto, para processos causais. Fazer um diagnóstico preciso é uma habilidade técnica que permite uma correspondência eficaz do tratamento para abordar processos patológicos específicos.

Pseudo-diagnósticos, como por exemplo “transtorno bipolar”, não podem explicar comportamentos, uma vez que existem apenas sintomas que são descrições (não explicações) de comportamentos ou experiências. Mesmo a utilização da palavra “sintoma” é problemática, pois, em medicina, a palavra “sintomas” refere-se geralmente ao sofrimento/experiência dos pacientes como resultado de um processo de doença subjacente e está, portanto, associada, nas nossas mentes, a um procedimento médico que conduz a uma explicação dos sintomas.

Somos criaturas à procura do sentido e, por isso, temos utilizado extensivamente sistemas de classificação para classificar todo o tipo de coisas. A própria linguagem é um sistema de categorizações com palavras que simbolizam todo o tipo de fenómenos. Mas as classificações diferentes servem a funções diferentes. Uma classificação de diagnóstico é uma classificação por explicação – por outras palavras, por causa. É por isso que dizemos “O meu médico disse que a causa da minha dor no peito era refluxo ácido, não um ataque cardíaco“. Normalmente vamos ao médico para obter a resposta à pergunta “porquê”, na esperança de que esta nos oriente para o tratamento correto.

Mas os diagnósticos psiquiátricos não explicam os sintomas. Considere o seguinte exemplo: Se eu fizesse a pergunta “o que é a depressão?”, não me seria possível responder a essa pergunta por referência a uma particular anomalia patológica conhecida. Não posso dizer que a depressão é uma doença que ocorre devido ao cérebro ter níveis anormalmente baixos de serotonina. Não posso dizer isto porque ninguém descobriu isto (apesar da extensa pesquisa) e por isso não há testes feitos para confirmar ou refutar isto.

Em vez disso, para responder à pergunta, terei de fornecer uma descrição tal como “a depressão é a presença do mau humor e do pensamento negativo” e assim por diante. Contraste isto com a pergunta “o que é a diabetes“? Se eu respondesse a esta pergunta da mesma maneira apenas descrevendo sintomas, tais como a necessidade de urinar excessivamente, sede e fadiga, poderia estar em grandes dificuldades como médico, pois há muitas outras condições que podem inicialmente apresentar-se com estes sintomas e a própria diabetes pode não se apresentar com estes sintomas de uma forma reconhecível.

A fim de responder à pergunta “o que é a diabetes?” Tenho de me referir à sua patologia envolvendo anormalidades do metabolismo do açúcar, como “A diabetes é uma doença que ocorre quando a glicose no sangue, também chamada açúcar no sangue, é demasiado elevada“. Para passar de uma hipótese para um diagnóstico confirmado, obteria dados empíricos independentes (para a minha opinião subjetiva) para apoiar a minha hipótese sobre o que pode estar a causar as experiências descritas pelo doente (tais como testar a urina à procura de cetonas e/ou o sangue à procura de níveis de glicose em jejum).

Na maior parte do resto da medicina, portanto, o meu diagnóstico explica e tem alguma relação causal com as experiências/sintomas do paciente. Assim, o diagnóstico é assentado num quadro de classificação “técnico” explicativo.

O problema de utilizar uma classificação como “depressão” para explicar uma experiência (ou seja, como um diagnóstico) pode ser ilustrado através de um outro conjunto de perguntas. Se me perguntarem por que é que alguém se sente na fossa e eu responder que isto é porque ele tem depressão, então uma pergunta legítima a se fazer é “como é que sabe que este sentimento de estar na fossa é causado pela depressão“?

A única resposta que posso dar a essa pergunta é que sei que é depressão porque eles se sentem na fossa. Por outras palavras, se tentarmos utilizar uma classificação que só pode ser descrita para explicar, acabamos com o que filosoficamente é conhecido como uma “tautologia”. Uma tautologia é uma armadilha de pensamento circular. Uma descrição não pode explicar-se a si mesma. Humor baixo e depressão são sinônimos; não se pode usar um para explicar o outro.

É preocupante quando os médicos usam uma categoria descritiva como a depressão para explicar e não conseguem ver este problema de circularidade tautológica. Usar a depressão para explicar o baixo humor é como dizer que a dor na minha cabeça é causada por uma dor de cabeça ou que a minha tosse é causada por um distúrbio de tosse. Na psiquiatria, portanto, aquilo a que chamamos diagnóstico apenas irá descrever, mas é incapaz de explicar.

Se o resto da medicina fosse praticada como psiquiatria, então quando se vai ao médico de clínica geral (GP; este é o título britânico para um médico de cuidados primários) porque tem uma tosse recorrente, o GP não o examinaria de todo; apenas lhe fariam perguntas sobre a sua tosse e depois algumas sobre a sua história relevante. Declarariam então que tem um “Transtorno de Tosse Recorrente (TTR)” e dar-lhe-iam um inalador de esteroides para tomar uma vez por dia.

O inalador tem efeitos não específicos e abrirá as vias respiratórias, pelo que, pelo menos a curto prazo, haveria alguma melhoria nos sintomas para muitos com tosse. No entanto, se tiver uma infecção no peito, é provável que acabe por piorar, mesmo que inicialmente possa se sentir melhor. Além disso, os esteroides a longo prazo podem ter todo o tipo de efeitos secundários desagradáveis e perigosos, se tomados em quantidades suficientes.

Se o TTR fizesse parte do que os médicos de clínica geral “diagnosticam”, então haverá sempre alguns pacientes que terão grande fé nele (uma vez que a sua tosse melhorou e por isso querem continuar a tomar os esteroides a longo prazo), enquanto que para outros as consequências teriam sido horríveis, até mesmo potencialmente fatais.

Mas você não esperaria que o seu médico se comportasse dessa forma. No mínimo, esperaria que ouvissem o seu peito com um estetoscópio, que procurassem sinais, e talvez organizassem mais testes (como um raio-X ao tórax) se permanecessem incertos quanto à causa da tosse. No resto da medicina, o diagnóstico é realmente importante. Ele orientará o médico para um tratamento que aborde a causa inicial da tosse.

O fracasso de décadas de investigação científica básica em revelar qualquer marcador biológico ou psicológico específico que identifique um diagnóstico psiquiátrico é bem reconhecido. Ao contrário do resto da medicina, que desenvolveu sistemas de diagnóstico que se baseiam num quadro causal e fisiológico, os manuais de diagnóstico psiquiátrico não conseguiram ligar as categorias de diagnóstico a quaisquer causas ou marcadores físicos. Assim, não existem testes físicos referidos em nenhum manual de diagnóstico de saúde mental que possam ser utilizados para ajudar a estabelecer um diagnóstico real.

Apesar da crença de que as perturbações psiquiátricas têm uma carga genética significativa, a investigação genética molecular não está conseguindo descobrir qualquer perfil genético específico para qualquer perturbação psiquiátrica. Possíveis anomalias genéticas parecem ser responsáveis por uma percentagem insignificante de possíveis fatores causais associados, e qualquer contribuição genética que tenha sido encontrada cruza categorias de diagnóstico em vez de ter um perfil distinto para cada categoria de diagnóstico.

Do mesmo modo, os estudos de imagiologia cerebral estão a surgir de mãos vazias, particularmente quando se controla para possíveis dificuldades de aprendizagem. Mais tarde, vou olhar para alguns exemplos do meu campo da psiquiatria infantil para ilustrar como a retórica que é apregoada pelos meios de comunicação social de “descobertas científicas” está em desacordo com o que essa investigação está realmente a encontrar.

A razão pela qual não existem rastreios genéticos, escaneamentos cerebrais, ou mesmo quaisquer outros testes físicos em psiquiatria, é que ninguém consegue encontrar nada que possa atuar como marcador físico. O armário com as evidências, apesar dos milhares de milhões de fundos atribuídos a uma tal investigação biológica, está vazio. A razão mais provável para não encontrar qualquer evidência é que não existem anomalias genéticas ou outras anomalias cerebrais que causem aquilo a que chamamos diagnósticos psiquiátricos.

O desenvolvimento de manuais de diagnóstico em psiquiatria não seguiu o protocolo científico aceite e, em vez disso, os diagnósticos que neles têm aparecido foram literalmente imaginados por alguns indivíduos influentes (em grande parte homens e brancos).

Não só o conceito de diagnóstico psiquiátrico carece de validade, como também não é confiável. A confiabilidade refere-se ao quanto é provável que se fosse a diferentes psiquiatras e dissesse exatamente a mesma coisa sobre o problema que tinha, eles concordariam sobre o que é o seu “diagnóstico”.

A análise destes estudos de confiabilidade revela que não existe nenhuma categoria de diagnóstico psiquiátrico para a qual a confiabilidade seja uniformemente elevada. Constatou-se que os intervalos de confiabilidade são amplos e, em alguns casos, variam de acordo com todo o espectro, desde o acaso até à perfeita concordância, com os estudos de resumo de casos (nos quais os clínicos recebem histórias de casos escritas detalhadas e são solicitados a fazer diagnósticos – uma abordagem que mais se aproxima do que acontece na prática clínica) produzindo os mais baixos níveis de confiabilidade.

Em 2013, foi publicada a quinta edição do Manual de Diagnóstico Estatístico (DSM-5) pela Associação Psiquiátrica Americana. Para eles, é um enorme fonte de dinheiro. Nos ensaios de campo do DSM-5, as medidas de confiabilidade eram uniformemente pobres, com alguns diagnósticos comuns, tais como Grande Transtorno Depressivo e Transtorno de Ansiedade Generalizada com níveis de concordância entre médicos tão pobres que o diagnóstico foi determinado mais por quem estava a fazer o diagnóstico do que para qual era o problema.

Em resumo, os diagnósticos psiquiátricos não são válidos (não podem explicar), têm baixos níveis de confiabilidade, e nem sequer são “diagnósticos”.

Qual é o “normal” ao qual estamos a comparar o nosso comportamento e experiências?

Como chegamos a um entendimento de “normal”? Esta é uma questão crucial. A nossa classificação de comportamentos e experiências considerados desordenados [transtornados] baseia-se na ideia de que a apresentação da pessoa se situa fora de um normal imaginado. Como é isto definido, por quem, e em que contexto?

Não estamos aqui a falar de condições que possam ser medidas da mesma forma que o funcionamento dos rins. Os rins não têm sonhos, ambições, medos, e dilemas existenciais. A saúde mental envolve todas estas subjetividades que se relacionam com a nossa compreensão do que significa ser humano.

Tomemos a ideia do “eu”, por exemplo. Onde é que ele reside? Existe algo como um “verdadeiro eu”? Se sim, como o encontramos e o que significa isso sobre essas experiências e comportamentos que não consideramos parte desse “eu” verdadeiro? Será que não nos pertencem, não têm nada para nos oferecer, e devem ser algo da qual nós devemos tentar nos livrar?

Filósofos, teólogos, sociólogos, antropólogos e muitos outros têm vindo a debater-se com estas questões há milénios. Estas “tecnologias do eu” têm enfatizado todo o tipo de fenômenos que se pensa moldarem a forma como vivemos e compreendemos o nosso ser no mundo. Desde as mãos invisíveis das forças sobrenaturais dos antepassados e deuses, às estruturas de poder social que dizem ao público o que deve ser o sentido normal/comum, até ao potencial de agência e resistência que os indivíduos têm às crenças dominantes. Não podemos escapar à subjetividade nas nossas tentativas de compreender a subjetividade.

Por isso, as formas como pensamos sobre a natureza do eu não são fixas, mas fluidas e mutáveis, com culturas diferentes e épocas diferentes tendo ideais diferentes através dos quais podemos interpretar e compreender as nossas experiências do eu. Por exemplo, as tendências gerais que moldam o Ocidente em comparação com ideias mais orientais sobre o eu podem ser contrastadas (Tabela 1):

Tabela 1: Contrastando tendências nas tecnologias do Eu

Ocidente Oriente
Racional/Científica Espiritual
Controle das emoções Emoções experimentadas
Diferenciada (classificada) humanidade Humanidade comum
Vulnerável Resiliente
Individualista Coletivista

Estas não são posições absolutas (uma vez que corremos o risco de criar estereótipos quando as transformamos em realidades totalizadas), apenas tendências que são mais prevalecentes e, portanto, susceptíveis de influenciar as ideias com as quais as diferentes populações crescem.

Podemos também ver como as culturas abordam os problemas do Eu e os problemas pessoais, olhando para as palavras que utilizam para descrever os fenômenos. E sou meio iraquiano (o meu pai é do Iraque) e cresci lá até aos 14 anos de idade, tendo por isso alguma familiaridade com o árabe – a principal língua falada.

Não há nenhuma palavra árabe directa que signifique “mental”, e muito menos um conceito de saúde mental. Há várias palavras que poderiam ser usadas para o conceito de mental; talvez a mais próxima seja a palavra “nefseeyah”, que significa aproximadamente “alma-self” (na tradução do árabe para o inglês também não é fácil encontrar uma palavra exata). Esta palavra tem raízes na palavra “tenafos”, que significa “respirar”.

Você já consegue ver que os conceitos de Eu [self] e de mentalização se baseiam em diferentes raízes? A palavra comum para “loucura” em árabe é “majnoon”, cujas raízes se encontram na palavra “jinn”, que se refere a espíritos sobrenaturais e implica em um estado de posse; enquanto a palavra “loucura” em inglês deriva de “madness”, que também significa raiva.

No Ocidente tendemos a pensar no eu em termos mais lógicos e racionais, utilizando frequentemente a linguagem da ciência, e acreditamos que a psicologia é um ramo da ciência (porque utiliza a linguagem da investigação e dos números) que nos ajuda a compreender a condição humana. Os problemas do eu (aquilo a que no Ocidente chamamos “saúde mental”) são depois tratados por especialistas que utilizam esta linguagem da ciência e da lógica. Seria estranho nos meios de comunicação ocidentais recorrer a um padre ou imã para explicar o sofrimento de um paciente em termos religiosos/espirituais.

As crenças científicas ocidentais moldaram o nosso entendimento do eu, a partir do qual a psiquiatria e a psicologia criam definições do anormal. O que vemos sair disso é um foco no indivíduo como uma entidade separada do seu contexto, com a ideia de que o que está dando errado pode ser localizado como pertencente a esse indivíduo (quer psicológica ou biologicamente).

Esse está dando errado é pensado em termos de ciência material – por outras palavras, como algo que pode ser entendido pela aplicação dos mesmos princípios que usamos para as ciências naturais. Esta forma de pensar pressupõe que podemos lançar luz sobre experiências/comportamentos considerados “anormais” por medição e experimentação usadas para compreender as regras que regem a nossa biologia e psicologia individualista. Assim, usamos palavras como “psicopatologia”, “disfuncional”, “desregulagem”, “desordenamento”, e assim por diante, para descrever e classificar fenômenos mentais considerados problemáticos.

Muitas consequências decorrem desta forma de tentar compreender o “normal” e o “anormal”. Por exemplo, resulta numa obsessão pela classificação como um ponto de partida para dar sentido. O processo que utilizamos começa com a análise do indivíduo para sinais de “psicopatologia”, “desregulamentação”, etc., e depois utiliza-os para os encaixar numa “tipologia” (a que, como já referi, chamamos erroneamente de diagnóstico).

Os métodos que utilizamos também valorizam a lógica e o pensamento e veem as emoções como um obstáculo a um modo de vida racional. Assim, grande parte da tecnologia psiquiátrica e psicológica desconfia do que as emoções nos fazem e utiliza intervenções cuja razão de ser é, em última análise, o controle das emoções.

Outra consequência desta forma de construir “o que significa ser humano” é que temos delineado, classificado e anunciado todo o tipo de formas que os humanos podem errar mentalmente. Nos nossos manuais de diagnóstico psiquiátrico, o número de diagnósticos que podemos dar expande-se a cada nova edição, tal como os limites para o diagnóstico desses transtornos. Isto cria uma sensação de vulnerabilidade para todos nós, uma vez que a doença é sentida à espreita em cada esquina.

A ampla cobertura mediática de uma epidemia de saúde mental proposta, citando figuras abstratas como “um em cada quatro”, campanhas anti-estigma, e em especial a defesa das entidades de classe como a minha (o Colégio Real de Psiquiatras) por uma paridade com a saúde física e por mais financiamento e sem apontar as questões de definição e resultado que estou a destacar, tudo isto acrescenta combustível ao fogo do pânico e à crença na nossa fragilidade e vulnerabilidade mental individual.

Como concebemos a condição humana e os seus problemas não podem ser separados das forças poderosas que moldam a nossa subjetividade. Filósofos e sociólogos referem-se a isto como “construção social”. A nossa compreensão de como o mundo funciona, e como trabalhamos dentro dele, é construída pelas histórias a que estamos expostos e como elas interagem com as nossas experiências da vida real.

Nessa forma de compreensão, a nossa psicologia é o ponto de encontro entre a nossa experiência encarnada (afinal somos também seres biológicos com hormônios e instintos) e a experiência e as mensagens que recebemos do nosso mundo social. Não temos acesso a infinitas formas de dar sentido a esta experiência, mas iremos inevitavelmente recorrer aos esforços de dar sentido àqueles com quem crescemos e a outras influências a que estamos expostos (tais como os meios de comunicação social).

Em qualquer sociedade, a qualquer momento, haverá uma variedade de formas disponíveis para dar sentido a qualquer dilema, mas algumas serão mais dominantes do que outras. Aqueles com mais poder para vender a sua versão da realidade terão mais influência sobre o que será essa história dominante.

Tal como construímos socialmente o que consideramos ser um indivíduo normal, saudável e, por implicação, o que parece ser um indivíduo desordenado, também construímos socialmente a infância, o crescimento, e o que consideramos ser uma boa paternidade. Tal como com a forma como construímos o eu, a escolha da construção que usamos tem consequências no que notamos, como notamos, e o que fazemos depois. No Quadro 2 é possível ver algumas das diferentes tendências na criação de crianças que contrastam com as filosofias ocidentais e algumas filosofias orientais.

Tabela 2: Contrastando tendências em como criar as crianças

Ocidente Oriente
Individualista Comunidade
Controle do comportamento Harmonia
Orientação material Orientação espiritual
Consensual Conflituosa
Curta infância Longa infância
Longa infância Cedo início da vida adulta
Ambivalente Bem-vindo

Em termos gerais, as diferenças entre as abordagens orientais e ocidentais às crianças é que em muitas culturas orientais, a infância tende a ser mais prolongada com pouca expectativa de que a criança demonstre independência e faça escolhas, mas com responsabilidades do tipo adulto (por exemplo, cuidar dos irmãos mais novos e executando tarefas para a família) chegando mais cedo.

Assim, nas culturas ocidentais, a procura de provas de independência, auto-suficiência e auto-controle começa mais ou menos assim que se nasce. Nas culturas orientais, é mais provável que encontre uma gratificação mais imediata das necessidades percebidas e um encorajamento para a dependência emocional com a criança. À medida que a criança envelhece na cultura ocidental, o pensamento independente, a comunicação verbal, e a expressão emocional explícita são encorajados.

O trabalho físico e a aceitação de deveres e responsabilidades só ocorrem muito mais tarde no Ocidente, por oposição a muitas culturas não-ocidentais, na medida em que está surgindo uma nova fase no desenvolvimento das crianças, uma fase entre a infância e a vida adulta, a que chamamos adolescência. Em muitas culturas orientais, a adolescência como uma fase clara da vida com a sua própria cultura não é tão aparente, havendo deveres e responsabilidades, bem como uma introdução precoce à vida espiritual, já aparente antes do início da puberdade.

A cultura ocidental concentra-se no controle do comportamento e na expectativa de demonstrar uma tomada de decisão racional muito mais cedo do que na maioria das culturas não ocidentais. Estas são apenas algumas das diferenças que se pode encontrar e cada uma delas tem as suas consequências na forma como compreendemos e respondemos aos comportamentos das crianças.

Psiquiatria, sociedade e Estado

A lógica psiquiátrica tem refletido regularmente a dinâmica social da sociedade de onde provém. À medida que o campo da psiquiatria se desenvolveu na época do colonialismo e da escravatura, não é surpreendente que as crenças e práticas racistas tenham sido infundidas nos seus conceitos.

No final do século XIX, era uma crença aceitada que os membros das raças “africanas” tinham cérebros menores, bem como um instinto mais natural para o trabalho físico, e eram psicologicamente primitivos em comparação com os membros da raça “europeia”. A “Drapetomania” foi o diagnóstico utilizado para o suposto transtorno mental que levava os africanos a fugir do cativeiro de escravos. Os líderes do movimento dos direitos civis e manifestantes nas décadas de 1950 e 1960 foram frequentemente rotulados como mentalmente transtornados devido à sua suposta reação “patológica” enquanto desarmonia emocional, hostilidade e agressão.

A história da psiquiatria revela um papel aterrador na conivência e popularização das tendências eugénicas, racistas, e outras tendências sociais prevalecentes. O psiquiatra alemão Emil Kraepelin (1858-1926), considerado o pai da psiquiatria biológica, cujo sistema de categorização das apresentações psiquiátricas é ainda hoje a base dos sistemas de diagnóstico utilizados, era um ardente eugenista e racista. Kraepelin lamentava de um aumento constante das perturbações psiquiátricas em pessoas civilizadas, argumentando que as perturbações mentais continuavam a ser comparativamente raras nas raças “primitivas”.

Ele argumentou que o efeito de grande número de “idiotas, epilépticos, psicopatas, criminosos, prostitutas, e vagabundos” que descendem de pais alcoólicos e sifilíticos, e que transferem a sua inferioridade para os seus descendentes, era incalculável. O aluno e sucessor de Kraepelin, Ernst Rüdin (1874-1952), cuja influência também continuou na era pós-guerra, também defendia teorias eugénicas de degeneração, alegando que os maus genes que entravam no pool genético eram o principal fator causal para as alegadas taxas crescentes de prevalência de transtornos mentais. Kraepelin e Rüdin eram ambos defensores da “higiene racial”, e passaram a ver as pessoas com doenças mentais como sendo principalmente um fardo para a sociedade.

Rüdin esteve envolvido na introdução nazi da “Lei para a Prevenção da Descendência com Doenças Hereditárias” de 1933, que permitiu a esterilização forçada de uma série de pessoas, incluindo aquelas com um diagnóstico de esquizofrenia ou maníaco-depressão. Esta lei abriu o caminho para que os psiquiatras acabassem por se envolver no episódio mais vergonhoso da sua história – o extermínio sistemático dos seus pacientes.

Os psiquiatras da era nazi foram defensores instrumentais e frequentemente entusiastas da instituição de um sistema de identificação, notificação, transporte e morte de dezenas, possivelmente centenas, de milhares de doentes mentais e de indivíduos “racialmente” ou “cognitivamente” comprometidos em ambientes que vão desde hospitais psiquiátricos centralizados a prisões e campos de morte. O papel deles foi fundamental para o sucesso da política, planos e princípios nazis.

Muitos dos envolvidos eram professores seniores do meio académico, que se sentavam nos comitês de planejamento para o desenvolvimento dos processos de eutanásia e que forneciam o apoio teórico para o que transpirava. Desenvolveram as primeiras câmaras de gás utilizadas para assassinatos em massa antes do plano de aniquilação dos judeus, ciganos, homossexuais e outros “indesejáveis” ter sido posto em prática. O assassinato de doentes psiquiátricos foi um mediador fundamental no desenvolvimento da lógica e tecnologia eugênica que facilitou o holocausto.

Este legado de racismo institucionalizado e institucional persiste ainda hoje em dia. Por exemplo, as taxas mais elevadas de diagnóstico de um transtorno psicótico, uso legal do poder psiquiátrico , tratamentos forçados e privações de liberdade, entre os doentes negros em países como os EUA e o Reino Unido continuam até hoje, apesar de taxas tão elevadas não serem vistas de forma semelhante em países de maioria negra no Caribe ou na África.

Não só os conceitos utilizados na psiquiatria são institucionalmente racistas, mas também, através do processo de “psicologização”, problemas que são sócio-políticos convertem-se em problemas psicológicos. As consequências devastadoras do racismo e da discriminação, juntamente com as desigualdades persistentes e generalizadas na sociedade, são transformadas em transtornos mentais que necessitam de “cuidados de saúde mental” em vez de ação política.

Durante as últimas quatro décadas, o complexo industrial da saúde mental continuou a oprimir as populações desfavorecidas, ao mesmo tempo que se beneficiando de milhares de milhões em receitas através da individualização e psicologia do sofrimento mental delas.

A homossexualidade foi um transtorno mental até 1973, quando por uma pequena margem de votos foi retirada do Manual de Diagnóstico Estatístico Americano (DSM). Das 17.910 pessoas elegíveis para votar nessa decisão, a votação foi de 32% a favor da retirada do DSM, 21% contra, e 47% sem voto.

A prevalência de transtornos psiquiátricos também mostra uma relação inversa com a classe social. Além disso, quanto maior for o nível de desigualdade em qualquer sociedade, maior será a prevalência de transtornos mentais. Ainda nem sequer comecei a falar do gênero.

Não podemos escapar à natureza socialmente construída do território que as ideologias da saúde mental de adultos e crianças esculpiram para si próprias. As teorias e práticas que se desenvolveram nas profissões dominantes da psiquiatria e da psicologia não surgiram de um esforço científico que tenha lançado uma nova luz sobre o funcionamento do cérebro e/ou da mente. São uma versão encapsulada e jargão da psicologia popular ocidental da época com imenso poder, como profissões socialmente respeitadas, para moldar a forma como entendemos tanto o normal como o problemático, com todas as consequências que decorrem das suas construções sociais preferidas.

Já não utilizo a linguagem enganosa destas pseudociências falsas. “Normal” e “portador de transtorno” são termos subjetivos e problemáticos. Na prática criamos, em vez de descobrir, um transtorno pela forma como escolhemos falar e classificar o que os pacientes nos trazem. Em vez disso, utilizo os dois termos, “normal” e/ou “compreensível”, como as minhas construções preferidas. Quase tudo o que vi durante os meus trinta anos de trabalho como psiquiatra pode ser facilmente sintetizado por estas duas palavras de ponto de partida.

Daqui a quinze dias, nós continuamos essa discussão com Parte 2 do Capítulo 2.

[trad. Fernando Freitas]

Como os Princípios do Black Lives Matter podem transformar a Psicologia da Saúde

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Um novo artigo, publicado no Journal of Racial and Ethnic Health Disparities, apresentou um quadro teórico de psicologia comunitária e saúde pública que integra princípios do movimento Black Lives Matter (BLM). O autor, Kaston D. Anderson-Carpenter da Michigan State University, argumenta que a incorporação da BLM na investigação, intervenções e políticas é necessária para reduzir as disparidades de saúde nos Estados Unidos.

“Apesar de reconhecer que a raça, o género e o status socioeconômico são importantes para a compreensão das desigualdades na saúde, os fundamentos pós-positivistas de muitos modelos de saúde pública podem impedi-los de demonstrar explicitamente como os Black queer e as pessoas trans, os adultos negros mais velhos e as mulheres negras são parceiros críticos – e não apenas participantes – na compreensão da saúde a partir de uma perspectiva centrada na Negritude”, escreve Anderson-Carpenter.

“O movimento BLM difere pela afirmação dessas identidades; especificamente, afirma essas identidades como fundamentais para se compreender a diversidade negra nos EUA. Afirmando as identidades, o BLM valida também essas experiências e realidades. Tal validação pode contribuir para desenvolver, implementar e avaliar intervenções de saúde pública para a saúde negra americana através de uma lente crítica e intersecional”.

Os investigadores têm historicamente encontrado muitas disparidades de saúde física e mental entre negros e brancos americanos devido a determinantes sociais e ambientais influenciados pelo racismo e outras questões estruturais. Os negros americanos têm uma esperança de vida mais curta, as mulheres negras têm maior probabilidade de desenvolver câncer e diabetes, e as mulheres e homens negros transexuais que fazem sexo com homens (HSH) têm maior probabilidade de ter instabilidade habitacional, de serem encarcerados, e de serem diagnosticados com transtornos de uso de substâncias. A experiência de microagressões raciais e outras formas de discriminação têm aumentado a probabilidade de desenvolver problemas de saúde mental e contribuído para as disparidades em termos de saúde mental.

A investigação e a prática psicológica tradicional não conseguiram abordar a forma como a discriminação e os fatores socioambientais influenciam a saúde psicológica. Novos modelos de investigação e abordagens de tratamento estão sendo desenvolvidos para atender à realidade dos Negros americanos.

A abordagem alternativa de Anderson-Carpenter é única e inovadora. Procura compreender a “saúde negra de uma perspectiva afrocêntrica crítica”, fundamentada nos princípios de BLM e informada pela teoria dos sistemas ecológicos, teoria do comportamento planejado, e os determinantes sociais do modelo de saúde.

  • A teoria dos sistemas ecológicos compreende que a saúde está inserida no contexto e que os múltiplos sistemas e estruturas dentro desse contexto influenciam a saúde individual e comunitária.
  • A teoria do comportamento planejado sugere que as atitudes, normas e competências influenciam o nosso envolvimento em comportamentos relacionados com a saúde.
  • Os determinantes sociais do modelo de saúde realçam como uma variedade de fatores ambientais fora do controle dos indivíduos (por exemplo, pobreza, racismo, sexismo, homo-, bi-, e transfobia, etc.) afetam a saúde física e mental das pessoas.

Sob o respeito à diversidade, estão os princípios da afirmação negra, da transafirmação, da afirmação queer, da afirmação da idade, e da mulher negra. Estes princípios implicam que os negros não têm de qualificar a sua posição, que os espaços devem ser seguros para as mulheres negras, transexuais e pessoas queer, rejeitando o centrismo masculino, sexismo, misoginia, e heteronormatividade, e que as pessoas de todas as idades têm a capacidade de liderar e aprender. As identidades cruzadas dos negros

Respeitar a diversidade e a inclusão requer a inclusão dos cidadãos em projetos de investigação e a criação de conhecimento sobre as suas comunidades. Além disso, apela a que se aceite a diversidade de crenças e práticas espirituais. Finalmente, o quadro considera os efeitos da (des)localização geográfica e o papel do capitalismo na fragilização das comunidades negras.

Para melhorar os conhecimentos, atitudes, crenças e comportamentos, a saúde pública e os psicólogos comunitários devem empenhar-se em práticas com empatia, justiça restaurativa e compromisso amoroso – dois princípios do BLM. Estes princípios cruzam-se com o conceito de Ubuntu da filosofia africana, que significa “Eu sou porque nós somos”. Este princípio sublinha a importância da comunidade e do cuidado pelos outros.

Teorias feministas e queer acrescentam às filosofias africanas de cuidado, empatia e amor, desafiando conceitos ocidentais que separam indivíduos da sua comunidade mais ampla, seus recursos e apoio (por exemplo, individualismo, famílias nucleares). A empatia e os compromissos amorosos melhoram as intervenções orientadas para a comunidade ao incluir membros da comunidade no desenvolvimento, implementação, avaliação, e sustentação destas intervenções,

Finalmente, a construção da dinâmica de grupo sustenta os princípios do globalismo, famílias e as povoações negras, e o valor coletivo. A construção de dinâmicas de grupo refere-se às dinâmicas e processos comportamentais e psicológicos que ocorrem dentro e entre grupos sociais. A integração destes princípios do BLM na dinâmica de grupo serve como uma lente para reconhecer diferentes privilégios dentro de diferentes grupos Negros, para apoiar espaços para famílias de todos os tipos, e para compreender que as famílias Negras se estendem para além da família nuclear em comunidades, povoados, e maiores ligações globais. A concentração em grupos e comunidades, a abordagem das questões estruturais que enfrentam, e a sua inclusão nos esforços para mudar as suas circunstâncias conduz ao empoderamento e ao bem-estar.

Esta abordagem desafia o quadro existente para trabalhar e abordar as disparidades de saúde dos negros americanos. Também dignifica os valores culturais ao centrar a prática científica e as intervenções psicológicas utilizando filosofias afrocêntricas. Ao fazê-lo, a práxis psicológica adota uma abordagem coletiva ao bem-estar que atende a questões em múltiplos níveis, tais como o comportamento indutivo à mudança sistêmica

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Anderson-Carpenter, K.D. (2020) Black Lives Matter Principles as an Africentric Approach to Improving Black American Health. Journal of Racial and Ethnic Health Disparities. https://doi.org/10.1007/s40615-020-00845-0 (Link)

Membros da Casa Soteria original falam!

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Soteria House in Santa Clara, California

No domingo, 1º de novembro de 2020, das 14 às 16 horas (horário do Pacífico, hora de verão), Rethinking Psychiatry fará uma palestra online sobre a história da Casa Soteria [Soteria House]. Voyce Hendrix, que trabalhou na Casa Soteria original, será a nossa oradora convidada.

A Casa Soteria foi um modelo inovador que começou em 1971 em San Jose, CA, no condado de Santa Clara. Recebeu o nome da deusa grega ou espírito de segurança, salvação, libertação e proteção contra o mal. A casa era para jovens adultos que atendiam aos critérios do DSM para “esquizofrenia”. [1]

A ideia da Casa Soteria era “estar com” as pessoas enquanto elas passavam por estados extremos. A psiquiatria convencional vê esses estados extremos – frequentemente rotulados como psicose – como algo a ser consertado, erradicado e medicado. Soteria, por outro lado, via os estados extremos como cheios de significado, algo pelo qual as pessoas precisavam ser sustentadas em um ambiente seguro e sem julgamentos. Nenhum comportamento era muito “estranho” – contanto que as pessoas não estivessem fazendo mal a si mesmas ou a outras pessoas, elas poderiam fazer o que fosse necessário para se expressar. O cenário era uma casa e era radicalmente diferente de um ambiente institucional. Restrições químicas e físicas não eram usadas na Soteria. [2]

Muitas pessoas na Casa Soteria não usavam medicamentos psiquiátricos, ou os usavam por pouco tempo, principalmente para conseguir ajuda para dormir, caso ao chegar à Casa estivessem acordadas há vários dias. Soteria não era anti-medicação, mas a medicação não era considerada necessária, e as pessoas tinham a opção de tomar ou não medicação psicotrópica. O modelo era baseado no verdadeiro consentimento informado e autodeterminação. Soteria também proibia o uso de drogas ilícitas. O álcool não era tecnicamente proibido para pessoas em idade legal para beber, mas, de acordo com Voyce, raramente era consumido em casa.

A Casa Soteria foi fundada pelo  Dr. Loren Mosher, MD, que foi o primeiro Chefe do Centro de Estudos da Esquizofrenia do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) de 1969-1980. Dr. Mosher também foi o fundador e editor-chefe da revista científica Schizophrenia Bulletin. Dr. Mosher foi inspirado por Kingsley Hall em Londres, fundado por seu colega R.D. Laing.

Muitos consideram Kingsley Hall um fracasso caótico, e alguns podem considerar o comportamento dos médicos inadequado para os padrões de hoje. Os ex-residentes de Kingsley Hall relembram experiências diversas. Independentemente do que se pensa dos métodos pouco ortodoxos de Kingsley Hall, muitos achavam que as práticas da psiquiatria convencional na época – lobotomias forçadas, tratamento com eletrochoque forçado, “terapia com insulina”, etc. – eram muito mais horríveis e não tinham raízes em nenhum tipo de ciência. Laing ajudou a pavimentar o caminho para algo diferente.

Voyce Hendrix

A Casa Soteria era administrada por Voyce Hendrix, um técnico psiquiátrico licenciado que mais tarde se tornou um LCSW (Assistente Social Clínico Licenciado), e Alma Menn, agora um ACSW (membro da Academia de Assistentes Sociais Certificados). A Casa Soteria também era administrada por um grupo diversificado de não profissionais. Muitos desses não profissionais ganharam experiência ajudando pessoas em “viagens ruins” com LSD e outros psicodélicos. A Casa Soteria enfrentou muitas adversidades desde o início – incluindo oposição dominante, falta de financiamento e recursos adequados, rotatividade de pessoal e situações inesperadas. Eles estavam descobrindo as coisas à medida que avançavam, e isso ficou complicado.

Infelizmente, Loren Mosher morreu em 2004. Ele lutou incansavelmente contra um sistema que parecia mais preocupado em proteger o status quo do que em fornecer ajuda efetiva e compassiva às pessoas.

Falei com Voyce Hendrix, o assistente social que ajudou a fundar a Casa Soteria, e Burt Mooney, que morava lá. Ambos forneceram informações valiosas sobre como era fazer parte deste programa inovador desde o início.

Voyce veio para a Soteria após experiências decepcionantes de trabalho em instituições estatais para pessoas que foram rotuladas de “doentes mentais” ou “retardados mentais” (o que na época era considerado um termo aceitável). Ele descobriu que essas instalações administradas pelo Estado supunham o pior dos pacientes e os tratava como um incômodo. As práticas dessas instalações eram totalmente abusivas e os pacientes não eram tratados como indivíduos. Voyce foi atraído pela Casa Soteria por causa de sua abordagem respeitosa e centrada na pessoa.

Voyce é primo do famoso guitarrista Jimi Hendrix, o que é bastante apropriado. Quando Jimi entrou em cena pela primeira vez, sua forma de tocar eri considerada completamente bizarra. As pessoas não sabiam o que fazer com isso. Agora Jimi Hendrix é considerado uma lenda e um talento incrível e único. Como seu primo, Voyce foi um pioneiro. Como a música de Jimi, a ideia da Casa Soteria foi considerada bizarra e absurda por muitos, mas os resultados foram realmente brilhantes.

Burt Mooney foi um dos residentes originais da Casa Soteria. Sua história é contada sob um pseudônimo no livro Soteria: Through Madness To Deliverance, de Loren, Voyce e Deborah Fort. Burt passou por muitos traumas e instabilidade na infância e o que ele chama de emergência espiritual experimentada no final da adolescência. Desde que deixou a Soteria, Burt abriu seu próprio negócio, se casou e teve filhos, e pôde viver uma vida boa e evitar hospitalização psiquiátrica. Isso é o que Burt diz de seu tempo na Soteria:

“Eu literalmente experimentei o renascimento enquanto estava na Soteria. Meu nascimento real nesta vida, eu era um bebê azul em um nascimento violento. Meu corpo estava realmente azul. Passei pelo menos vários dias me preparando para isso rastejando escada acima, como de volta ao útero. Foi um processo bastante longo, culminando em [sendo um dos funcionários da Soteria] me renascer simbolicamente.

Não sei se todos que estão passando por uma Emergência Espiritual precisam ou têm que passar pelo que passei.

Eu realmente acredito que a maioria dos que estão passando por uma Emergência Espiritual está passando por um ou vários processos como eu passei por sete dias e noites consecutivos. Cada processo pode ser bastante diferente. Eu acho que VOCÊ, ou seja, o TODO, de Você, Mente, Corpo, Espírito, sabe o que fazer uma vez que o FLUXO comece em um ambiente de Lar, Seguro.”

A história de Burt incorpora as ideias de renascimento que são comuns em muitas culturas em todo o mundo e que foram popularizadas pelo psiquiatra Carl Jung. Claro, cada situação e experiência na Soteria era única, e a Soteria apoiou o caminho de cada indivíduo para a cura. Foi fascinante e inspirador ouvir o que a experiência de Burt na Soteria significou para ele.

Um artigo de revisão independente mostrou que a Casa Soteria levou a resultados pelo menos iguais – e muitas vezes superiores – à psiquiatria convencional. Então, quase 50 anos depois, por que há apenas um punhado de casas Soteria no mundo? Por que a Casa Soteria original está extinta? Por que a maioria das pessoas nunca ouviu falar das casas Soteria? Por que Loren Mosher e Voyce Hendrix e seus colegas não são conhecidos por todos como pioneiros, como o é famoso primo de Voyce?

Muitos acreditam que a resposta é porque a psiquiatria convencional foi ameaçada pelo sucesso de Soteria. Quando Eric Clapton, considerado o deus reinante da guitarra na época, cantou os louvores de Jimi Hendrix, ninguém pensou que isso negasse o incrível talento de Clapton. O próprio Clapton parecia confiante e seguro o suficiente para celebrar um recém-chegado promissor, em vez de ser ameaçado por ele. Com a Casa Soteria, era diferente. Claro, em teoria deveria haver espaço para muitas formas diferentes de tratamento, uma vez que diferentes modalidades funcionam para pessoas diferentes. Mas o sucesso de Soteria ameaçou o próprio paradigma sobre o qual a psiquiatria convencional foi construída.

O Dr. Loren Mosher, Voyce Hendrix e as outras pessoas envolvidas na Casa Soteria enfrentaram grande hostilidade da psiquiatria convencional. A reação realmente cresceu com o passar do tempo e a Casa Soteria se tornou mais bem-sucedida. A Casa Soteria original fechou em 1983.

O Dr. Mosher e o restante da equipe da Soteria admitiram abertamente que não tinham todas as respostas. Eles também estavam trabalhando em um sistema que oferecia muito pouco suporte. Muitas pessoas criticam a Casa Soteria sem entender do que se trata. Por exemplo, Voyce Hendrix se lembra de ouvir um debate da NPR entre o respeitado jornalista Robert Whitaker, autor de Mad in America e Anatomia de uma Epidemia, e o Dr. Jeffrey Lieberman, um ex-chefe da APA que sofreu fortes críticas por experimentos que muitos acreditam foram cruéis e antiéticos.

O Dr. Lieberman em um momento descreveu Soteria desta maneira imprecisa, “Soteria foi um experimento radical nos anos 60 que foi provado ser equivocado com suposições falsas.” Quando o Sr. Whitaker pediu evidências, o médico não obteve resposta. Com uma discussão racional, uma acusação como essa pode ser facilmente refutada começando com o período de tempo: a Soteria California esteve em operação de 1971-1983, então “uma experiência radical nos anos 60” está incorreta. Mais importante ainda, é injusto dizer que Soteria foi “mal orientada” e “baseada em falsas suposições” quando seus resultados foram iguais e muitas vezes superiores aos da psiquiatria convencional. Embora ninguém afirme que as pessoas que dirigiam a Soteria eram perfeitas ou tinham todas as respostas, isso permitiu que muitas pessoas vivessem vidas inteiras em vez de se tornarem institucionalizadas, e muitas reivindicações contra a Soteria são infundadas e factualmente incorretas.

Felizmente, o modelo da Casa Soteria não morreu totalmente. A Casa Soteria começou na Suíça em 1984, um ano após o primeiro Soteria fechar suas portas. Existem casas Soteria na Europa, Israel e nos Estados Unidos. Uma Casa Soteria no Alasca esteve em operação de 2008-2015. A Soteria Alaska teve alguns grandes sucessos, mas sua história, descrita eloquentemente por Daniel Mackler e Jim Gottstien, é complicada e comovente.

A história da Soteria House é complexa e fascinante. As Casas Soteria nunca tiveram o apoio de que precisavam, mas ainda assim conseguiram mudar muitas vidas. Esperamos que você se junte a nós online no domingo, 1º de novembro, das 14h às 16h (horário do Pacífico, horário de verão) para ouvir Voyce Hendrix compartilhar a história do começo da Casa Soteria, e falar a respeito do futuro desse modelo. Para mais informação, visite www.rethinkingpsychiatry.org

Notas de pé de página:

  1. O diagnóstico “esquizofrenia” e o próprio termo são controversos. Na época da fundação da Casa Soteria, algumas pessoas, principalmente o Dr. Thomas Szasz, já haviam criticado a ideia da esquizofrenia como uma doença, e muitas pessoas continuam a questionar essa ideia. O site Repensando a Psiquiatria não assume uma posição oficial sobre esta questão e respeitamos o direito das pessoas de nomear sua própria experiência, independentemente de usarem ou não linguagem diagnóstica. Independentemente da posição de alguém sobre isso, para se qualificar para financiamento federal, a Casa Soteria original teve que trabalhar dentro desses limites. Os participantes da Casa Soteria também deveriam ser solteiros e ter entre 18 e 30 anos.
  2. A falta de restrições físicas de Soteria foi um tanto controversa. Às vezes, as pessoas em casa faziam coisas que incomodavam os outros, como gritar, tirar a roupa ou quebrar coisas. Esse foi um dos muitos desafios enfrentados neste ambiente – permitir que as pessoas expressassem as emoções avassaladoras que estavam sentindo, ao mesmo tempo que garantiam que outras pessoas em casa se sentissem seguras. Parte do modelo da Soteria era a ideia de apoio mútuo – que todos na casa eram encorajados a ajudar e apoiar a pessoa que estava passando pela crise, ao mesmo tempo em que buscavam seu próprio apoio se estivessem chateados com o comportamento de alguém. No entanto, o senso de comunidade e a abordagem respeitosa e centrada na pessoa geralmente ajudam as pessoas a lidar com as emoções com segurança. Essa abordagem vive na Soteria Vermont e em outras casas da Soteria em todo o mundo.

Mad in Brasil hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são dos próprios escritores.

Como seriam os cuidados de saúde mental antirracistas?

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Um novo artigo, publicado na Lancet Psychiatry, reivindica uma abordagem antirracista aos cuidados de saúde mental e descreve como clinicar como um clínico antirracista. A autora aponta para a necessidade de uma maior sensibilização, avaliações culturalmente adequadas, abordagens humanistas à medicação e abordagens de tratamento que abordem diretamente o racismo.

A autora, Jude Mary Cénat, professora assistente no Programa de Psicologia Clínica da Escola de Psicologia da Universidade de Ottawa, escreve:

“A realidade é que a discriminação racial, o perfil racial, as microagressões e o racismo existem no seio das instituições e serviços de saúde física e mental nos países ocidentais. Estes fatores generalizados e crónicos estão associados à falta de formação dos profissionais de saúde mental sobre questões e disparidades raciais”. 

O racismo experimentado por indivíduos de cor a nível pessoal e sistémico, incluindo brutalidade policial e assassinato de cidadãos Negros, há muito que foi demonstrado como infligindo danos psicológicos e emocionais, produzindo reações traumáticas de stress, entendido como trauma racial, e outros resultados negativos para a saúde, tais como baixa autoestima, abuso de substâncias, diabetes, doenças cardíacas, stress crónico, entre muitos outros impactos negativos para a saúde psicológica e fisiológica.

Tal como em todos os sistemas nos Estados Unidos, o racismo tem uma presença de longa data no campo da saúde mental. Por exemplo, o preconceito racial tem demonstrado contribuir para o sobrediagnóstico da esquizofrenia nos Negros. Além disso, os indivíduos Negros são também admitidos à força em instituições de saúde mental 2-3 a 2-5 vezes mais frequentemente do que os indivíduos Brancos.

Indivíduos, como o psiquiatra radical Frantz Fanon, têm vindo a apelar a abordagens antirracistas à psiquiatria e psicoterapia desde o seu início. Escritores mais contemporâneos têm apelado a intervenções sistémicas, tais como a compreensão do racismo através de uma lente cultural-psicológica e a examinar o privilégio branco e da psicologia dos americanos brancos, para melhor abordar o racismo e os seus impactos através da psicologia.

No presente artigo, Cénat define os cuidados de saúde mental antirracistas como reconhecendo “… questões relacionadas com a discriminação racial e o racismo e chama a atenção para as suas potenciais consequências e as experiências racializadas dos indivíduos Negros“.

O artigo traça uma série de diretrizes sobre como conduzir eficazmente cuidados de saúde antirracistas, começando pela sensibilização para questões raciais, tais como discriminação racial, microagressões, perfil racial, entre outras questões, e como estas questões afetam a saúde mental das pessoas de cor.

A consciência também inclui a vontade de reconhecer as diferenças, não de adotar uma postura racista de daltonismo, mas de ganhar uma compreensão de como as dinâmicas das diferenças raciais estão presentes no tratamento. Isto inclui compreender as disparidades raciais e étnicas no tratamento da saúde mental, incluindo na prescrição de medicamentos psiquiátricos, e tornar-se culturalmente competente na prescrição de medicamentos. Além disso, a consciência das questões raciais exige que os profissionais da saúde mental se tornem educados sobre a forma como o contexto social, cultural e racial afeta a saúde em geral.

Além disso, Cénat defende avaliações culturalmente adequadas que sejam “adaptadas às reais necessidades dos indivíduos negros”. Ela adverte contra a suposição de homogeneidade cultural ao trabalhar com pessoas negras e insta os médicos a aprender mais sobre as origens étnico-culturais dos clientes negros.

Ela fornece uma série de outras sugestões para permitir avaliações que são culturalmente mais competentes, tais como abordar os impactos intergeracionais do racismo, avaliar fatores relacionados com o racismo (microagressões, perfil racial), e abordar outras questões que estão associadas à raça, tais como encarceramento em massa, violência policial, e baixo estatuto socioeconómico, entre outras questões. Encoraja também os clínicos a avaliar os pontos fortes e os recursos a nível individual e coletivo, incluindo a resiliência, a fé, e o envolvimento da comunidade.

Além disso, Cénat promove uma abordagem humanista com relação à medicação e prescrição, exortando os médicos a só receitarem se não houver alternativas possíveis. Ele chama a atenção para a prescrição excessiva de medicamentos psiquiátricos a indivíduos Negros em tratamento de saúde mental. Sugere que os médicos também dediquem tempo a explicar adequadamente o objetivo da medicação que está a ser prescrita e a razão pela qual está a ser prescrita e potenciais efeitos secundários, para que os indivíduos estejam plenamente informados e conscientes dos potenciais riscos e benefícios.

Finalmente, Cénat pede por “uma abordagem de tratamento que aborde as necessidades reais e as questões relacionadas com o racismo experimentado por indivíduos Negros”. Ele enfatiza a necessidade de uma abordagem individualizada do tratamento, uma abordagem que utilize intervenções culturalmente apropriadas e que aborde as questões raciais e o seu efeito sobre a saúde mental.

Ela sugere que não faz mal que os médicos brancos admitam que não compreendem completamente as experiências dos seus clientes relacionadas com o racismo, ao mesmo tempo que reconhecem que são firmes no seu compromisso de fornecer tratamento antirracista. Também fornece orientação para psicoterapias que tenham sido especificamente demonstradas como sendo eficazes com indivíduos Negros, tais como terapia cognitivo-comportamental culturalmente adaptada.

Cénat destaca como o seguimento destas diretrizes pode melhorar as interações entre os sistemas de cuidados de saúde, o tratamento de profissionais e clientes Negros e a atenuação de receios e desconfiança no tratamento pelos médicos e pelos tratamentos de saúde mental.

Ela conclui:

“Finalmente, estas diretrizes podem ajudar a estabelecer a equidade nos cuidados, reduzindo as disparidades, construindo confiança nos sistemas de cuidados, humanizando os cuidados, e restaurando a esperança às pessoas das comunidades Negras. Os psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros que trabalham na saúde mental devem reconhecer que nunca será suficiente ser não racistas; devem comprometer-se a ser antirracistas em relação aos cuidados que facilitam a justiça social, em vez de apoiar um sistema racista e desumanizado”.

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Cénat, J. M. (2020). How to provide anti-racist mental healthcare. Lancet Psychiatry. https://doi.org/10.1016/ S2215-0366(20)30309-6 (Link)

Kit de Sobrevivência em Saúde Mental e Retirada dos Medicamentos Psiquiátricos. Cap. 1

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Apresentação para a edição em português

Um mito nos é vendido há décadas. Não se trata da origem do universo ou de que se os chineses saltassem ao mesmo tempo eles mudariam o eixo de rotação da Terra. O mito de que estamos falando é uma narrativa que afeta sociedades dos cinco continentes e tem sido capaz de transformar a forma como o homem reconhece e se relaciona consigo mesmo e com os outros. É o mito da cura química criada pela psiquiatria. Com este mito, pensa-se que os comportamentos e experiências das pessoas são causados por desequilíbrios químicos em seus cérebros e que os medicamentos psiquiátricos corrigem esses desequilíbrios. É um mito que transformou nossa civilização, causando danos inestimáveis.

Tenho a honra de apresentar a edição em português, que traduzi a partir do original em inglês. Gøtzsche é provavelmente muito conhecido de um grande público em língua portuguesa, graças a seus muitos livros, aos numerosos artigos publicados nas mais renomadas revistas científicas internacionais, às palestras e eventos internacionais em que participa. Tive o grande prazer de estar com ele pessoalmente em Göteborg (Suécia), em
outubro de 2019, em um evento organizado pelo International Institute for Psychiatric Drug Withdrawal (IIPDW) do qual fazemos parte e ele é um de seus fundadores. Em nossas conversas, vi as expectativas que tinha sobre ele serem confirmadas; seu compromisso com o rigor científico, sem contudo ser arrogante com seus interlocutores; uma crítica radical em relação à psiquiatria e seu modelo biomédico de doença, embora sem perder a ternura e o senso de humor diante do que seria cômico se não fosse trágico; e, em particular, sua esperança de que a realidade dos cuidados mudará, à medida que usuários, ex-usuários e sobreviventes da psiquiatria ganham voz, poder e reconhecimento como os principais atores.

O leitmotiv do livro é “a psiquiatria faz mais mal do que bem”. E com cada página, cada capítulo lido, o que à primeira vista pode parecer estranho, pouco a pouco nos sentimos racionalmente convencidos de que temos que pensar no cuidado da saúde mental em termos de pós-psiquiatria.

A maioria dos psiquiatras não sabe que eles fazem muito mais mal do que bem. Eles se tornam surdos às queixas dos pacientes e dos familiares. E insistem em ignorar as evidências científicas, preferindo ser guiados por sua própria experiência clínica traiçoeira, pela propaganda da indústria farmacêutica e pela educação contínua realizada diretamente nos consultórios através das amostras grátis e dos folhetos.

Faz parte do mito que os medicamentos psiquiátricos têm como alvo as doenças subjacentes. O que é uma fraude, que Gøtzsche denuncia na companhia de vários outros pesquisadores renomados, como Joanna Moncrieff, David Healy, John Read, Peter Breggin, Irving Kirsch e Mark
Horowitz, entre muitos outros; ou por sobreviventes psiquiátricos, como Laura Delano, Olga Runciman, Tina Minkowitz, Peter Groot.

Sendo um pesquisador experiente e um dos fundadores da Colaboração Cochrane, Gøtzsche testemunha suas experiências pessoais para ilustrar como esta fraude é adotada e defendida com unhas e dentes. Não é porque existem algumas evidências sólidas e indiscutíveis para apoiar este pensamento hegemônico, mas porque a fraude científica tem servido aos interesses da profissão psiquiátrica, da indústria farmacêutica e do Estado.
Ao invés de corrigir supostos desequilíbrios químicos no cérebro, as drogas psiquiátricas “funcionam” criando estados mentais alterados, que podem eventualmente suprimir sintomas de distúrbios psiquiátricos, mas junto com outras funções intelectuais e afetivo-sociais. E o que apsiquiatria vem fazendo há décadas? Ela nos vende a ideia de que as
drogas psicoativas prescritas agem contra uma certa “doença mental”, e que consequentemente atingem o alvo responsável por este ou aquele “transtorno psiquiátrico”. As pílulas de depressão são agora chamadas de”antidepressivos”. As drogas para controlar os nervos (inicialmente chamadas “neurolépticos”) são chamadas de “antipsicóticos”. As drogas para acalmar são chamadas de “ansiolíticos”. As drogas para agir sobre os efeitos psicoativos das drogas prescritas, tais como euforia, agitação, falta
de autocontrole, passaram a ser chamadas de “estabilizadores do humor”. E assim por diante.

Um fenômeno muito comum na clínica psiquiátrica é conhecido como “polifarmácia”. O que aparece imediatamente é que, ao usarem medicamentos psiquiátricos, as pessoas não conseguem mais ficar longe de suas drogas novamente. Os diagnósticos psiquiátricos se ajustam mal aos problemas que as pessoas têm e, portanto, muitas pessoas recebem múltiplos diagnósticos, resultando em múltiplos medicamentos. E
finalmente, como os medicamentos são ineficazes, os psiquiatras estão acrescentando cada vez mais medicamentos para lidar com algum tipo de desespero, em vez de perceber que talvez seja melhor não dar nenhum medicamento, mas oferecer psicoterapia e outras intervenções psicológicas ou sociais.

O absurdo é que a psiquiatria não reconhece que as suas drogas virtualmente produzem dependência química, que pode ser tão ou mais grave do que aquela criada com as chamadas drogas ilegais. Gøtzsche nos apresenta um histórico de suas lutas para mostrar e provar cientificamente o quanto as drogas psiquiátricas são capazes de produzir “sintomas de abstinência”. A experiência dos usuários destas drogas é eloquente do que é para muitos deixar de tomar drogas psiquiátricas. Os “sintomas de abstinência” são normalmente chamados pelos psiquiatras de “recorrência da doença”, culpando os próprios pacientes. Isto porque, ao considerar as diretrizes oficiais instituídas pelas agências que são complacentes com os interesses corporativos, as drogas psicotrópicas não são equivalentes às drogas ilegais na criação da dependência química, e a suposição é que um médico sabe como proceder com a prescrição. O que é outra mentira na psiquiatria. Se aqueles que prescrevem esta ou aquela droga psiquiátrica seguem as diretrizes oficiais, os resultados serão na maioria das vezes catastróficos para os pacientes e suas redes sociais.

As dosagens fabricadas não são adequadas para regimes de afilamento lento. Por exemplo, a dose mais baixa do medicamento venlafaxina é uma cápsula de 37,5 mg que não pode ser esmagada ou cortada em doses menores, tornando praticamente impossível reduzir gradualmente a dose e forçando as pessoas a cair abruptamente de 37,5 mg para zero, o que pode não ser bem tolerado.

Não é por acaso que, no campo da saúde mental, existem “sobreviventes da psiquiatria”. Gøtzsche chama a nossa atenção para três palavras que, juntas, dizem muito. Não ser mais um “usuário” da psiquiatria. E muito mais do que isso, o antigo usuário se reconhece como alguém que, apesar de toda a violência da psiquiatria, conseguiu retomar a vida, que retirou da instituição psiquiátrica a responsabilidade por sua vida que vinha sendo deixada nas mãos dos psiquiatras. É verdade que em nenhuma outra especialidade médica os pacientes se autodenominam “sobreviventes”. Em geral, os pacientes são gratos pelo tratamento recebido. Na psiquiatria, isto é raro. Como Gøtzsche aponta muito bem ao longo de seu livro, é graças às vozes dos “antigos usuários”, mas especialmente dos “sobreviventes” da psiquiatria, que o conhecimento relacionado no campo da saúde mental
vem sendo liberado dos mitos criados pela psiquiatria.

O que a psiquiatria faz não se baseia em bases científicas. Sua prática nega os próprios imperativos da medicina da evidência. Para cada nova edição do DSM (ou CID), as categorias de diagnóstico aprovadas não se baseiam em evidências científicas rigorosamente examinadas por pesquisas isentas de interesses particulares. É chocante o que Gøtzsche nos mostra como essa pesquisa é feita de forma deficiente, geralmente com
forte apoio da indústria farmacêutica, e como ela é examinada e aprovada pelos órgãos reguladores. E quanto erro ou fracasso é sistematicamente escondido do público!

Gøtzsche não se abstém de fazer sugestões. Como esta aqui: “Se você tem um problema de saúde mental, não consulte um psiquiatra. É muito perigoso e pode ser o maior erro que você cometeu em toda a sua vida”. Quanto mais a sociedade reclama por mais assistência psiquiátrica, o resultado é: mais diagnósticos psiquiátricos são feitos; mais pessoas começam a receber uma pensão por invalidez, porque são incapazes de funcionar devido ao tratamento psiquiátrico que recebem; há mais suicídios e mais violência.

Viver sem o modelo biomédico de doença criado pela psiquiatria. Esta é a nossa utopia.

– Fernando F. P. de Freitas
Psicólogo, PhD em Psicologia (Université Catholique de Louvain)
Pesquisador Titular – LAPS/ENSP/FIOCRUZ
Rio de Janeiro
Brasil
Coeditor do site www.madinbrasil.org

1. Este livro pode salvar a sua vida

Escrevi este livro para ajudar os pacientes, e quando decidi escrevê-lo um dos meus títulos provisórios foi: “Ouvindo as vozes dos pacientes”. A maioria das pessoas com quem falei sobre questões de saúde mental, seja a minha família, amigos, colegas, parceiros esportivos, cineastas, jardineiros, faxineiros, garçons e recepcionistas de hotel, tiveram experiências ruins com a psiquiatria ou conhecem alguém que tenha tido.

Vindo de um background de especialista em medicina interna, que é completamente diferente, aos poucos fui percebendo o quão prejudicial a psiquiatria é. Leva-se anos de estudo minucioso para descobrir que a psiquiatria faz muito mais mal do que bem [1], e a minha própria pesquisa contribuiu para revelar isso.

As minhas descobertas ressoam intimamente com o que o público em geral concluiu com base em suas próprias experiências. Uma pesquisa com australianos mostrou que as pessoas pensavam que as pílulas da depressão (também chamadas antidepressivos), os neurolépticos (também chamados antipsicóticos), os eletrochoques e a internação em uma enfermaria psiquiátrica eram mais frequentemente prejudiciais do que benéficos.[2] Os psiquiatras sociais que haviam feito a pesquisa ficaram insatisfeitos com as respostas e argumentaram que as pessoas deveriam ser treinadas para chegar à “opinião correta”.

No início de 1992, o Royal College of Psychiatrists, em associação com o Royal College of General Practitioners, lançou no Reino Unido uma “Campanha para Derrotar a Depressão” em cinco anos.[3] O objetivo da campanha era fornecer educação pública sobre a depressão e o seu tratamento, a fim de encorajar a busca por tratamento mais precoce e redução do estigma. As atividades da campanha incluíram artigos em jornais e revistas, entrevistas na televisão e rádio, conferências de imprensa, produção de folhetos, fichas em línguas das minorias étnicas, cassetes de áudio, um vídeo de autoajuda e dois livros.[4] Quando 2.003 leigos foram entrevistados, pouco antes do lançamento da campanha, 91% acharam que as pessoas com depressão deveriam receber aconselhamento; apenas 16% acharam que deveriam receber pílulas da depressão; apenas 46% disseram que elas eram eficazes; e 78% as consideraram como viciantes.[3] A opinião dos psiquiatras sobre estas respostas foi que, “Os médicos têm um papel importante na educação do público sobre a depressão e a lógica do tratamento antidepressivo. Em particular, os pacientes devem saber que a dependência não é um problema com os antidepressivos”. Quando questionado sobre o fato de que as faculdades haviam aceitado doações para a campanha de todos   os   principais    fabricantes    de comprimidos   da   depressão ISRS, o presidente do   Royal College of Psychiatrists, Robert Kendall, reconheceu que “um de seus principais motivos era a esperança de que um maior reconhecimento das doenças depressivas, tanto pelo público em geral quanto pelos médicos de clínica geral, resultaria para eles em um aumento das vendas.” [5] Ele não disse quais eram os outros principais motivos das empresas. Duvido que houvesse algum outro. O dinheiro é o único motivo que as empresas farmacêuticas têm.

Os psiquiatras embarcaram em sua campanha de reeducação. Mas as pessoas não foram facilmente convencidas de que estavam erradas. Um jornal de 1998 relatou que as mudanças foram da ordem de apenas 5-10% e que as pílulas da depressão ainda estavam sendo consideradas como viciantes e menos eficazes do que o aconselhamento.[4] Interessantemente, 81% dos leigos concordaram que, “a depressão é uma condição médica como outras doenças” e 43% atribuíram a depressão a mudanças biológicas no cérebro, mas a maioria das pessoas, no entanto, a atribuiu a causas sociais como luto (83%), desemprego (83%), problemas financeiros (82%), estresse (83%), solidão/isolamento (79%) e divórcio/fim do relacionamento (83%).[4] Algo não deu certo com a campanha.

A minha interpretação é que, apesar de há anos ser afirmado, muito  antes de 1992 [1], que os transtornos psiquiátricos são causados por desequilíbrios químicos no cérebro, o público não está tão disposto a aceitar esta falsidade.

Em 2005, os psiquiatras dinamarqueses relataram o que 493 pacientes lhes haviam dito sobre o tratamento com pílulas da depressão.[6] Cerca da metade dos pacientes concordou que o tratamento poderia alterar a sua personalidade e que eles passaram a ter menos controle sobre os seus pensamentos e sentimentos. Quatro quintos concordaram que, enquanto tomavam as drogas, não sabiam realmente se elas eram necessárias, e 56% concordaram com a afirmação de que, “seu corpo pode ficar viciado em antidepressivos”. Os psiquiatras se recusaram terminantemente a acreditar no que os pacientes lhes haviam dito, o que eles consideravam errado, e os chamaram de ignorantes. Eles também sentiram que os pacientes precisavam de “psicoeducação”. O problema com isso era que os parentes compartilhavam a opinião dos pacientes.

“Educar o público” e “psicoeducação” – para que possam chegar à “opinião correta” – é o que normalmente chamamos de lavagem cerebral. Particularmente quando o que os pacientes e o público relatam é mais do que apenas opiniões; eles tiram conclusões baseadas em sua própria experiência e na dos outros.

Não é somente na pesquisa que os psiquiatras recusam o que seus pacientes lhes dizem, eles também o fazem na prática clínica. Muitas vezes, eles não ouvem ou não fazem as perguntas apropriadas sobre a experiência e a história de seus pacientes e, portanto, não descobrem que os sintomas atuais são muito provavelmente causados por trauma ou estresse severos, e não por um qualquer “transtorno psiquiátrico”.

Por favor note que quando generalizo, isso não se aplica a todos, é claro. Alguns psiquiatras são excelentes, mas eles estão em uma pequena minoria. Não é de se admirar que a pesquisa dessa pré-campanha britânica tenha descoberto que “a palavra psiquiatra carregava conotações de estigma e até mesmo de medo”.[3]

O termo “sobrevivente psiquiátrico” diz tudo isso em apenas duas palavras. Em nenhuma outra especialidade médica os pacientes se chamam sobreviventes no sentido de que sobreviveram apesar de haverem sido expostos a essa ou aquela especialidade. Em psiquiatria, eles lutam para sair de um sistema que raramente é útil e que muitos sobreviventes descrevem enquanto uma prisão psiquiátrica, ou um local onde há uma porta de entrada, mas não há uma porta de saída.

Em outras especialidades médicas, os pacientes são gratos por terem sobrevivido por causa dos tratamentos que seus médicos lhes aplicaram. Nunca ouvimos falar de um sobrevivente da cardiologia ou de um sobrevivente de uma doença infecciosa. Se você sobreviveu a um ataque cardíaco, não se sente tentado a fazer o oposto do que o seu médico recomenda. Na psiquiatria, você pode morrer se fizer o que seu médico lhe disser para fazer.

Muitos sobreviventes psiquiátricos descrevem como a psiquiatria, com o seu uso excessivo de drogas nocivas e ineficazes, roubou 10 ou 15 anos de suas vidas antes que um dia se decidiram a assumir a responsabilidade por suas próprias vidas, resgatando-a de seus psiquiatras, e descobrindo que a vida é muito melhor sem as drogas. Dizem frequentemente que o que os despertou foi haverem lido alguns dos livros sobre psiquiatria dos psiquiatras David Healy, Peter Breggin ou Joanna Moncrieff, ou do jornalista científico Robert Whitaker, ou os meus próprios livros.

Há milhares de histórias pessoais de sobreviventes psiquiátricos na Internet, por exemplo, em sobreviventes de antidepressivos.org. Em muitas delas, as pessoas explicam como se retiraram das drogas psiquiátricas, uma a uma, muitas vezes contra o conselho do seu médico e muitas vezes com grande dificuldade, porque as drogas as haviam tornado dependentes e porque a profissão psiquiátrica havia falhado totalmente em fornecer orientação adequada sobre como assim proceder. Os psiquiatras não só não se interessaram em enfrentar este imenso problema, mas que negaram ativamente a sua existência, como você acabou de ver e verá muito mais sobre isso neste livro.

As questões de saúde mental impedem que você viva uma vida plena e elas permanecem em sua mente. Psicoterapia deve ser oferecida a todos os pacientes, que é também o que 75% deles desejam.[7] Entretanto, isto não é o que eles recebem, o que mostra mais uma vez que a profissão psiquiátrica não dá ouvidos aos seus pacientes. Uma grande pesquisa americana com pessoas com depressão mostrou que 87% receberam pílulas da depressão, 23% psicoterapia, 14% ansiolíticos, 7% neurolépticos e 5% “estabilizadores de humor” (um eufemismo que os psiquiatras nunca definiram, mas que geralmente significam drogas antiepilépticas e lítio, cujo principal efeito é sedar as pessoas).[8]

A maioria das pessoas tem de vez em quando problemas com a sua saúde mental, assim como tem problemas com a sua saúde física. Não há nada de anormal nisso.

Ao longo deste livro darei conselhos baseados nas evidências científicas, tendo boas razões para acreditar que levarão a melhores resultados do que se forem ignorados. Mas note que o que quer que você faça e qualquer que seja o resultado, você não pode me responsabilizar. As informações que forneço não substituem as consultas com profissionais de saúde, mas podem capacitá-lo a participar de discussões significativas e informadas ou a se decidir a tratar das questões você mesmo.

Começarei com um pequeno conselho e darei os antecedentes para ele no resto do livro:

1. ADVERTÊNCIA! As drogas psiquiátricas são viciantes. Nunca as interrompa abruptamente, porque as reações de abstinência podem consistir em sintomas emocionais e físicos graves, ser perigosas e levar ao suicídio, à violência e ao homicídio.[1]

2. Se você tem um problema de saúde mental, não consulte um psiquiatra. É muito perigoso e pode vir a ser o maior erro que você cometeu em toda a sua vida. [9]

3. Não acredite no que lhe é dito sobre os transtornos psiquiátricos ou as drogas psiquiátricas. É muito provável que esteja errado. [1]

4. Acredite em si mesmo. Você provavelmente está certo, e o seu médico é quem está errado. Não ignore os seus palpites ou os seus sentimentos. O seu destino pode ser alterado, se não confiar em si mesmo. [10]

5. Nunca deixe que outros tenham responsabilidade pela sua vida. Mantenha-se no controle e faça perguntas.

6 Seu cônjuge ou o seu pai podem ser o seu melhor amigo ou o seu pior inimigo. Eles podem acreditar no que os médicos lhes dizem e podem até ver que é vantajoso para eles manter você drogado.

Muitas das histórias que tenho recebido de pacientes têm um tema comum. Os pacientes não tinham ideia de como é perigoso tornar-se um paciente psiquiátrico e confiaram em seus médicos, seguindo voluntariamente os seus conselhos, até descobrirem, anos depois, que as suas vidas haviam sido arruinadas.

O que é particularmente diabólico é que a deterioração psicológica e física muitas vezes ocorre gradualmente e, portanto, passa despercebida, como se você se tornasse míope, o que você não descobre até que um dia

um amigo pergunte por que você não consegue ler uma placa de estrada perto de você. Os pacientes podem até ficar gratos pelas drogas que receberam, embora possa ser óbvio para os outros que eles foram prejudicados.

A deterioração gradual e despercebida não é o único problema. Um cérebro sob influência química pode não ser capaz de se avaliar a si mesmo. Quando o cérebro está entorpecido por substâncias psicoativas, os pacientes podem não saber que não podem mais pensar claramente ou avaliar a si próprios. Esta falta de percepção dos sentimentos, pensamentos e comportamentos é chamada de enfeitiçamento medicamentoso.[11,12] Os feitiços dos medicamentos são geralmente ignorados, tanto pelos pacientes quanto pelos seus médicos, o que é surpreendente porque todos nós sabemos que as pessoas que beberam em demasia não podem julgar a sua capacidade para dirigir um veículo.

Aqui está a história de um paciente que ilustra muitas das questões comuns.

A “carreira” psiquiátrica de um paciente

 Em novembro de 2019, recebi um relato excepcional de Stine Toft, uma paciente dinamarquesa que conheci quando dei uma palestra para ” Psiquiatria Melhor”, que é uma organização formada por parentes de pacientes psiquiátricos.[13]

Stine foi seriamente prejudicada por drogas psiquiátricas; a sua vida ficou ameaçada; e ela sofreu um excruciante processo de retirada porque não recebeu a orientação necessária. Mas ela está indo bem hoje, aos 44 anos de idade.

Stine deu à luz a sua segunda filha em 2002, após um período difícil com “todos os tipos de testes e tratamentos hormonais”. Depois disso, ela passou a não estar bem. Ela tinha medo de perder a sua filha e de não ser capaz de protegê-la o suficientemente bem. Seu médico a diagnosticou com depressão, e foi-lhe dito que isso era perfeitamente comum e que apenas ela deveria tomar Effexor (venlafaxina, um comprimido da depressão) para que o seu cérebro funcionasse novamente – possivelmente pelo resto de sua vida, senão por pelo menos cinco anos.

A sua vida mudou acentuadamente. Ela ganhou 50 kg e teve vários episódios estranhos que ela não entendeu. Uma vez ela quis cavar uma caixa de areia para os seus filhos, mas acabou colocando um trampolim inteiro 70 cm no chão, removendo sete metros cúbicos de terra com uma pá. Ela também derrubou uma parede da cozinha sem aviso e sem ser de forma alguma uma artesã, pois sentiu que a família precisava de uma cozinha inteligente para a conversação. Um dia, durante um processo de seleção de emprego, ela disse ao consultor de trabalho que queria se tornar uma advogada, mesmo sendo disléxica e haver nunca sido capaz de conseguir isso.

Stine foi novamente atrás de uma psiquiatra, e 15 minutos depois o caso ficou claro – o problema é que havia se tornado bipolar. Ela foi enviada para a psicoeducação e informada de que a sua condição iria definitivamente durar pelo restante da sua vida. Ela foi treinada para notar até mesmo as pequenas coisas que confirmariam que ela estava de fato doente, e foi tomado um cuidado especial para garantir que não deixasse de tomar os seus remédios.

“Eles conseguiram colocar um medo enorme em mim”, escreveu Stine, e ela se identificou claramente como sendo uma pessoa doente que tinha que enfrentar a vida de uma determinada maneira para sobreviver.

O tempo passou e ela acabou deixando o seu marido de 15 anos. Em 2013, ela conheceu o seu atual marido, e ele lhe perguntou muito rapidamente “qual era a doença”, porque ele não podia ver nada. Após um ano e meio, ela se rendeu e concordou em fazer um pequeno teste com uma pequena retirada do medicamento. Ele ficou feliz com essa decisão, porque já havia visto várias vezes como era desastroso quando ela se esquecia de tomar o medicamento. Uma vez ela arruinou uma viagem de verão a um parque de diversões, porque havia esquecido de levar os remédios com ela. Com o passar do dia, ela foi ficando cada vez pior, com dores de cabeça e vômitos, estava confusa e só queria deitar e dormir, até conseguir os remédios novamente.

A sua lista de medicamentos incluía Effexor, mais tarde mudado para Cymbalta (duloxetina), Lamotrigina e Lyrica (pregabalina), dois antiepilépticos, e Seroquel (quetiapina, um neuroléptico). Além disso, ela recebeu medicação para os efeitos adversos causados pelas drogas e para o seu problema metabólico.

Este é um coquetel perigoso. As pílulas da depressão dobram o risco de suicídio, não apenas em crianças, mas também em adultos [1,14-18], antiepilépticos também dobram o risco de suicídio,19 e tanto as pílulas da depressão quanto os antiepilépticos podem tornar as pessoas maníacas,18,19 o que aconteceu com ela e resultou em um diagnóstico errado de haver se tornado bipolar.

O processo de retirada levou dois anos e meio, com o seu marido ajudando o melhor que pode para tornar o processo o mais suave quanto o possível. Eles não entenderam na época, mas pelo caminho descobriram o que significa a curva de saturação do receptor, ou seja, que se necessita reduzir a dose cada vez em menor quantidade, quanto mais se desce. São poucos os médicos que estão cientes disto,20 e a maioria das recomendações oficiais são totalmente perigosas; por exemplo, eles podem dizer que se deve reduzir a dose em 50% a cada duas semanas, quando se está a afilar as pílulas da depressão.[21] Assim, já após duas reduções, se está com apenas 25% da dose inicial, o que é rápido demais para a maioria dos pacientes.

A vida de Stine ficou em perigo. Ela estava morrendo de medo de que isso acabaria mal e muitas vezes pensava em desistir. Ela introduziu várias pausas no processo. Os pensamentos de suicídio eram extremamente urgentes durante os momentos em que ela afunilava, porque eram absolutamente horríveis.

Inexplicavelmente, Stine havia aceitado que obviamente odiava a vida e que queria pôr um fim a tudo. Ela é uma pessoa enérgica que ama a vida; nunca havia tido pensamentos suicidas antes de começar a tomar as  drogas, nem voltará a tê-los depois que parou de tomá-las. Mas o processo de abstinência foi completamente “louco”, e ela frequentemente considerava se não seria o mais humano tirar a sua própria vida.

Durante a retirada, ela teve algumas “experiências muito estranhas”. No bom sentido, ela as assumiu várias vezes, como foi aquela experiência de começar a ouvir a natureza e as aves. Foi uma experiência muito forte, porque ela não conseguia se lembrar da última vez que tinha vivido isso ao longo dos anos em que esteve “dopada”. Um pouco mais triste foram os outros sintomas que acompanharam a retirada. Os sintomas de abstinência incluíam mergulhos na tristeza que podiam ser facilmente interpretados como depressão, e durante a retirada da Lyrica, ela ficava ansiosa e sentia que a vida era insuportável. Uma manhã, no banho, ela começou a chorar, porque apenas sentir a água em seu corpo era algo que ela não observava há muitos anos.

Neste momento, ela tomou conhecimento de dois de meus livros sobre psiquiatria1,22 e percebeu que tudo o que ela havia vivido era bem conhecido e perfeitamente normal. Foi realmente chocante para ela ler sobre como ser exposta ao inferno pelo qual ela passou é uma experiência comum, mas também uma experiência libertadora descobrir que é normal; que provavelmente não estava doente; e que não havia nada de errado com ela.

Ao final da retirada, ela teve uma experiência estranha, por cerca de meio ano, quando ela se sentia quase que torta em seu corpo. Ela tinha uma sensação constante de inclinar-se para a esquerda e tinha dificuldade para andar em linha reta. Durante vários períodos, outros grupos musculares falharam. Quando uma vez ela estava a jogar um jogo que é um bastão ser atirado depois de blocos de madeira e a sua mão não conseguir soltar o bastão.

Após concluir a retirada, as coisas começaram a melhorar e ela queria voltar a trabalhar, mesmo estando fora do mercado de trabalho há muitos anos e com uma pensão por invalidez. Ela planejava tirar a carteira de motorista e dirigir um táxi, mas “Oh não, oh não! Houve um grande não da polícia”. Eles enviaram uma carta afirmando que a sua carteira de motorista era por tempo limitado e que ela precisaria fornecer documentação a cada dois anos de que não estava doente.

“É algo bastante terrível o fato de terem optado por um diagnóstico extra depois, de alguém ter estado a tomar pílulas da depressão”, escreveu ela. “Hoje em dia, por esse motivo devo renovar a minha carteira de motorista a cada dois anos. Mas você não imagina como foi difícil evitar que eles me a tirassem definitivamente. Quando entrei em contato com a psiquiatria  por causa do meu contato com a polícia, eles primeiro se recusaram a me ver – porque eu estava bem. E assim, eu não consegui a ajuda deles para provar que eu não estava doente e, portanto, que estava apta para dirigir. Após uma intensa pressão minha, o meu próprio médico finalmente os persuadiu a me levar para uma conversa e a fazer uma declaração, que dizia secamente que a minha ‘doença’ não estava ativa. A vontade que tive foi de estrangulá-los, porque isso significa que eu ainda estar doente e, aos olhos da polícia, que sou alguém que precisa ser monitorado no futuro”.

Stine discorda completamente do diagnóstico bipolar. Ela nunca teve episódios maníacos antes de começar a tomar o medicamento, e nunca os teve depois de parar. Mas o diagnóstico está colado a ela para o resto de sua vida, embora seja bem conhecido que as pílulas da depressão podem desencadear mania e, assim, fazer com que os psiquiatras deem um diagnóstico errado, confundindo o dano da droga com uma nova doença.

É negligência médica fazer um novo diagnóstico, como se houvesse algo errado com o paciente, quando a condição poderia ser um dano causado pelo medicamento. Os psiquiatrias fazem isso o tempo todo.

Stine desistiu da ideia de se tornar taxista. Ela se tornou uma professora particular e continuou a estudar para se tornar psicoterapeuta. Ela trabalha com muitas pessoas diferentes e ajuda os pacientes a retirar as suas pílulas da depressão, com grande sucesso. As pessoas estão recuperando a vida, vendo que estão seguindo em frente. Ela sabe que é importante apoiá-los quando se retiram, para que não venham a enfrentar os mesmos problemas que ela enfrentou. Há muitos pensamentos e medos, e muitas pessoas têm dificuldade de definir se não estão mais doentes. A combinação de afilamento da medicação e terapia parece ter um efeito extremamente benéfico. É difícil convencer as pessoas de que parar as suas drogas seja uma boa ideia. Muitos acreditam apaixonadamente nelas, porque lhes foi dito que estão doentes, e muitas vezes há uma grande pressão de seus parentes. Stine experimentou ela mesma o que significa ficar sozinha com a retirada. Hoje, ela não vê mais a sua família. Eles mantiveram a afirmação de que ela estava doente e que só precisava tomar os seus remédios. Esta visão equivocada é alimentada pelo fato de que três quartos dos websites ainda hoje afirmam falsamente que as pessoas adoecem com depressão devido a um desequilíbrio químico em seu cérebro (veja abaixo). [23] Se você acredita nesta falsa crença, você também acredita que não pode passar sem o remédio.

Há alguns anos, Stine comprou o nome de domínio medicin-fri.dk (medicine-free.dk) porque ela quer fornecer informações sobre o consumo de drogas e os seus danos, em cooperação com outros colegas, bem como fornecer ajuda e apoio para o processo de retirada.

Poucas pessoas conhecem os problemas ou já ouviram falar deles. Stine quer mudar isso e quer ter certeza de que não dá conselhos e informações incorretas. Portanto, ela me escreveu e perguntou se eu conhecia outros que gostariam de se juntar a uma rede organizada sobre essas questões.

Além de seu trabalho diário com os clientes, Stine dá palestras, mas tem dificuldade de “ser permitido” que ela faça com que a mensagem seja divulgada. Ela deu uma palestra para a Psiquiatria na Região da Capital sobre ser bipolar, o que foi fácil, pois todos querem ver uma pessoa doente e ouvir a sua história. Mas uma história de sucesso que coloque o sistema em questão não é interessante.

Stine é apaixonada por mudar as coisas e criou, por exemplo, vários grupos de autoajuda; deu palestras para a Associação de Depressão; foi voluntária na Cruz Vermelha; iniciou grupos para pessoas solitárias; e orientou jovens.

Ela sugeriu à Psiquiatria Melhor, em sua cidade natal, que me convidassem para dar uma palestra. Eles não sabiam quem eu era, e a presidenta apresentou a reunião dizendo que se mais dinheiro fosse destinado à psiquiatria, provavelmente seria ok. Comecei a minha palestra dizendo que não tinha certeza de que esta seria uma boa ideia. Se mais dinheiro entrasse, ainda mais diagnósticos seriam feitos, ainda mais drogas seriam usadas, e ainda mais pessoas acabariam recebendo pensão por invalidez porque não podem funcionar quando estão drogadas.[24]

Stine quer dar palestras sobre o tema: “Sobrevivendo à psiquiatria”. Ela acha avassalador viver uma vida que, depois de tantos anos sob  medicação, pensava que estaria completamente fora de alcance. Embora a sua vida passada tenha sido “tolamente tratada por vários psiquiatras e outros médicos bem intencionados”, ela não quer estragar tudo pedindo acesso aos seus arquivos. Ela prefere olhar em frente e informar os outros através de sites e palestras sobre como é prejudicial ficar cegamente medicada – muitas vezes sem nenhuma razão.

Stine está convencida de que praticamente nenhuma de suas estranhas experiências durante os 14 anos em que foi drogada teria acontecido se não lhe tivessem sido dado os medicamentos. A sua memória sofreu um duro golpe, mas está melhorando.

Ela não consegue entender por que seus médicos não interromperam a drogadição. Nada poderia justificar a sua drogadição massiva, e mesmo quando ela ganhou peso de 70 a 120 kg, os médicos não responderam, além de dar-lhe medicamentos para aumentar o metabolismo, o que era “completamente louco … extremamente incapacitante em todos os sentidos, e em si mesmo era quase que algo para o qual eles podiam dar um diagnóstico de depressão, porque era uma coisa triste expor o meu corpo da forma como ele se encontrava”.

Stine considera o sistema sem esperança. O colossal uso excessivo de drogas psicoativas produz pacientes crônicos, muitas vezes tomando como base problemas temporários, [24] como explicarei a seguir.

Referências

Capítulo 1. Este livro pode salvar sua vida

[1] Gøtzsche PC. Deadly psychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.

[2] Jorm AF, Korten AE, Jacomb PA, et al. ”Mental health literacy”: a survey of the public’s ability to recognise mental disorders and their beliefs about the effectiveness of treatment. Med J Aus 1997;166:182-6.

[3] Priest RG, Vize C, Roberts A, et al. Lay people’s attitudes to treatment of depres- sion: results of opinion poll for Defeat Depression Campaign just before its launch. BMJ 1996;313:858-9.

[4] Paykel ES, Hart D, Priest RG. Changes in public attitudes to depression during the Defeat Depression Campaign. Br J Psychiatry 1998;173:519-22.

[5] Read J, Timimi S, Bracken P, Brown M, Gøtzsche P, Gordon P, et al. Why did official accounts of antidepressant withdrawal symptoms differ so much from research findings and patients’ experiences? Ethical Hum Psychol Psychiatry (submitted).

[6] Kessing L, Hansen HV, Demyttenaere K, et al. Depressive and bipolar disorders: patients’ attitudes and beliefs towards depression and antidepressants. Psycho- logical Medicine 2005;35:1205-13.

[7] McHugh RK, Whitton SW, Peckham AD, Welge JA, Otto Patient preference for psychological vs pharmacologic treatment of psychiatric disorders: a meta- ana-lytic review. J Clin Psychiatry 2013;74:595-602.

[8] Olfson M, Blanco C, Marcus SC. Treatment of adult depression in the United States. JAMA Intern Med 2016;176:1482-91.

[9] Breggin P. The most dangerous thing you will ever do. Mad in America 2020; March 2. https://www.madinamerica.com/2020/03/dangerous-thing-psychiatrist/.

[10] Gøtzsche PC. Psychiatry gone astray. 2014; Jan 21. https://davidhealy.org/psychi- atry-gone-astray/.

[11] Breggin PR. Brain-disabling treatments in psychiatry: drugs, electroshock, and the psychopharmaceutical complex. New York: Springer;

[12] Breggin PR. Intoxication anosognosia: the spellbinding effect of psychiatric Ethical Hum Psychol Psychiatry 2006;8:201-15.

[13] Gøtzsche P. Surviving psychiatry: a typical case of serious psychiatric drug Mad in America 2020; Jan 7. https://www.madinamerica.com/2020/01/ surviving-psychiatry-typical-case-serious-psychiatric-drug-harms/.

[14] Bielefeldt AØ, Danborg PB, Gøtzsche PC. Precursors to suicidality and violence on antidepressants: systematic review of trials in adult healthy volunteers. J R Soc Med 2016;109:381-92.

[15] Maund E, Guski LS, Gøtzsche PC. Considering benefits and harms of duloxetine for treatment of stress urinary incontinence: a meta-analysis of clinical study reports. CMAJ 2017;189:E194-203.

[16] Hengartner MP, Plöderl M. Newer-generation antidepressants and suicide risk in randomized controlled trials: a re-analysis of the FDA Psychother Psychosom 2019;88:247-8.

[17] Hengartner MP, Plöderl M. Reply to the Letter to the Editor: “Newer-Generation Antidepressants and Suicide Risk: Thoughts on Hengartner and Plöderl’s Re- ” Psychother Psychosom 2019;88:373-4. FDA package insert for Effexor. Accessed 4 Jan 2020. https://accessdata.fda. gov/drugsatfda_docs/label/2008/020151s051lbl.pdf.

[18] FDA package insert for Neurontin. Accessed 4 Jan 2020. https://www.accessdata. gov/drugsatfda_docs/label/2017/020235s064_020882s047_021129s046lbl.p df

[19] Horowitz MA, Taylor D. Tapering of SSRI treatment to mitigate withdrawal symptoms. Lancet Psychiatry 2019;6:538-46.

[20] Davidsen AS, Jürgens G, Nielsen RE. Farmakologisk behandling af unipolar de- pression hos voksne i almen praksis. Rationel Farmakoterapi 2019;

[21] Gøtzsche PC. Survival in an overmedicated world: look up the evidence Copenhagen: People’s Press; 2019.

[22] Demasi M, Gøtzsche PC. Presentation of benefits and harms of antidepressants on websites: cross sectional study. Int J Risk Saf Med 2020;31:53-65.

[23] Whitaker R. Anatomy of an epidemic, 2nd edition. New York: Broadway Paper- backs; 2015.

Investigadores: É tempo de parar de recomendar antidepressivos para a depressão

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A nível mundial, a depressão continua a ser uma das doenças mais amplamente diagnosticadas, e a primeira linha de tratamento em muitos países é a dos medicamentos antidepressivos. Embora os primeiros relatórios mostrassem ser promissores, as provas emergentes ao longo dos últimos anos têm levantado enormes dúvidas. Estas evidências têm questionado tanto a eficácia destes medicamentos como os efeitos adversos a eles associados.

Uma revisão de 2019 sintetizando as provas sobre antidepressivos foi publicada em BMJ Evidence-Based Medicine. Foi realizada pelos investigadores Janus Jakobsen e Christian Gluud do Hospital Universitário de Copenhague e Irving Kirsch da Harvard Medical School.

Os investigadores afirmam que embora os antidepressivos apresentem diferenças estatisticamente significativas quando comparados com placebo, o efeito em si é tão pequeno que não tem qualquer significado clínico. Dado que os efeitos adversos dos antidepressivos são graves e generalizados, a sua utilização deve ser restringida até se saber mais sobre eles.

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Os antidepressivos, uma vez aclamados como o tratamento definitivo da depressão, sofreram golpes significativos na sua reputação. Recentemente, uma mudança nas diretrizes do NICE (National Institute for Health and Care Excellence) do Reino Unido, seguida do reconhecimento dos seus danos duradouros pela antiga presidente do Royal College of Psychiatrists, trouxe os seus riscos para o centro das atenções.

Novas revisões notaram que os efeitos de retirada dos antidepressivos podem durar mais de um ano. Um estudo recente concluiu que quando os antidepressivos ineficazes são aumentados por antipsicóticos, as taxas de mortalidade precoce aumentam em 45%. Outros investigadores apontaram a corrupção desenfreada da indústria em ensaios clínicos de antidepressivos.

Nesta síntese de evidências, os conhecidos investigadores notam que o uso de antidepressivos tem aumentado exponencialmente em todo o mundo, e mais de 60% das pessoas os tomam há mais de 2 anos.

Os investigadores começam por rever o significado estatístico nos ensaios com antidepressivos. Aqui analisam o uso da popular Escala de Classificação da Depressão Hamilton (HDRS). Num ensaio clínico, se um medicamento é eficaz ou não para a depressão é frequentemente medido pelos pontos médios de queda nesta escala; é suposto representar uma queda na gravidade dos sintomas da depressão.

No entanto, a escala está atolada em numerosas controvérsias. Anteriormente, uma queda de 3 pontos na escala era considerada clinicamente significativa; isto foi exposto no website NICE, mas desde então foi removida devido a numerosas críticas. Apesar disso, muitos estudos continuam a utilizar esta referência para sugerir que uma droga está a funcionar. Alguns estudos mostram que uma mudança tão pequena na escala HDRS não produz qualquer alteração na condição da pessoa e é indetectável na prática clínica. Outros têm argumentado que é necessária uma alteração de 7 pontos para que qualquer melhoria clínica possa ser identificada.

Outro problema é que os ensaios dividem frequentemente a escala de 52 pontos em dois binários: as pessoas que apresentam uma melhoria superior a 50% em relação ao HDRS são chamadas respondentes aos medicamentos e as que se encontram abaixo dessa escala como não respondentes. Esta é uma divisão arbitrária que ofusca realidades complexas. Por exemplo, uma pessoa que mostra uma mudança de 49% é chamada de não-respondente, enquanto 51% é considerada como tendo respondido à droga. A mera diferença de 2% coloca-os em categorias completamente diferentes. Ao mesmo tempo, coloca pessoas com uma pontuação de 0% de mudança e 49% na mesma categoria. Os investigadores escrevem:

“Assim, ao avaliar tais resultados dicotomizados, há um risco considerável de sobrestimar o benefício, mas há também o risco de não se detectar um efeito ‘verdadeiro’. Assim, resultados dicotomizados, tais como ‘resposta’ ou ‘remissão’, não devem ser utilizados para avaliar o significado estatístico ou clínico e devem ser interpretados com cautela”. 

Os investigadores observam que várias revisões recentes de estudos com antidepressivos mostraram que os medicamentos têm pequenos efeitos estatisticamente significativos em comparação com o placebo. Ao mesmo tempo, a maioria destas revisões são não sistemáticas (de acordo com a lista de verificação do PRISMA) e são assim consideradas menos rigorosas do que as análises sistemáticas. Os investigadores avaliaram duas análises recentes.

Primeiro, em 2017, os autores desta síntese realizaram uma revisão sistemática das provas relativas aos antidepressivos. Verificaram que embora a diferença entre antidepressivos e placebo fosse estatisticamente significativa, o tamanho do efeito (1,94 pontos HDRS) era demasiado baixo para significância clínica (3 HDRS que foi o anterior critério NICE) e muito inferior à “melhoria mínima” (7 HDRS).

Por outras palavras, a magnitude da diferença entre antidepressivos e placebo era demasiado pequena para ganhar importância. Para efeitos a longo prazo, o tamanho era ainda menor. Além disso, os efeitos adversos medidos e as probabilidades de enviesamento em muitos destes ensaios eram ambos elevados.

A segunda revisão foi publicada no The Lancet em 2018. Mediu apenas resultados a curto prazo e, de forma semelhante, encontrou resultados estatisticamente significativos para os antidepressivos, mas também um tamanho de efeito realmente baixo. Os investigadores relatam que apenas 18% dos ensaios nessa revisão estavam em baixo risco de enviesamento.

Os investigadores escrevem que um dos maiores problemas com as provas existentes, para além do reduzido tamanho dos efeitos, é a elevada probabilidade de enviesamento nos ensaios. Por exemplo, a revisão do Lancet também incluiu ensaios cabeça a cabeça, que são especialmente vulneráveis ao patrocínio da indústria.

Além disso, sabemos agora que os pacientes podem se dividir às cegas num ensaio, porque os efeitos adversos dos antidepressivos os incitam ao fato de não estarem a receber um placebo. Assim, mesmo o pequeno efeito significativo visto nos rastros pode ser o resultado de um efeito placebo melhorado. Por outras palavras, os participantes quebram a cegueira e começam a sentir-se ótimos por receberem o medicamento real, o que influencia a sua classificação de depressão. Por último, muitos resultados de ensaios não podem ser facilmente generalizados à população em geral, uma vez que incluem apenas um tipo muito específico de paciente.

Por estas razões, mesmo o pequeno efeito estatisticamente significativo pode ser inflado. Por exemplo, um estudo descobriu que se as meta-análises incluíssem um autor a trabalhar para a empresa farmacêutica que fabrica o medicamento, era 22 vezes menos provável “ter declarações negativas sobre o medicamento do que outras meta-análises”. Descobriu também que os ensaios de baixo risco para fins lucrativos não encontraram qualquer efeito estatisticamente significativo para os antidepressivos.

Embora estes resultados levantem dúvidas sobre a eficácia dos ISRSs, os investigadores desta revisão também notam que tanto as reações adversas graves como as não graves têm sido minimizadas. Estas variam desde disfunções sexuais e problemas gastrointestinais a defeitos de nascença para ISRSs, e convulsões, e até a morte em antidepressivos tricíclicos.

Os sintomas de retirada são também graves e duradouros; estes incluem alucinações, sintomas semelhantes a acidentes vasculares cerebrais, distúrbios de pânico, depressão de recaída e ansiedade, entre muitos outros. Alguns têm insistido que isto deveria ser chamado de sintomas de abstinência de antidepressivos em vez da síndrome de descontinuação mais evasiva. Muitas vezes, mesmo quando os doentes querem sair dos antidepressivos, estes sintomas dificultam a sua interrupção. Os autores escrevem:

“Os sintomas de abstinência podem também explicar por que razão alguns estudos têm alegadamente demonstrado que o risco de recaída parece ser reduzido se os antidepressivos continuarem em uso em vez de não continuarem. Os sintomas de abstinência podem ser a razão pela qual os doentes que não continuam com os antidepressivos podem fazer pior em comparação com os doentes que continuam com os antidepressivos”.

Os investigadores insistem que, dadas as provas recentes, os determinantes sociais da saúde como o desemprego e a pobreza devem ser abordados como fatores causais da depressão. Além disso, parece que para muitos pacientes a prioridade não é simplesmente uma redução dos sintomas, mas que podem participar em atividades sociais e regressar ao trabalho. Dada a baixa eficácia (efeito clinicamente insignificante), os riscos de danos, e o preconceito da indústria, os pacientes devem ser informados sobre outras opções de tratamento. Os autores escrevem:

“Os antidepressivos não devem ser utilizados para adultos com desordem depressiva grave antes de provas válidas terem demonstrado que os potenciais efeitos benéficos superam os efeitos nocivos”.

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Jakobsen, J.C., Gluud, C., & Kirsch, I. (2019). Should Antidepressants be used for Major Depressive Disorder? BMJ Evidence-Based Medicine, 25(4), 130-136. http://dx.doi.org/10.1136/bmjebm-2019-111238 (Link)

Contribuições de Bakhtin para a Rede Psicossocial

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Pensar o cuidado na rede pública de atenção psicossocial a partir das contribuições do filósofo Mikhail Bakhtin é a proposta do recente artigo de Ana Paula Pimentel e Paulo Amarante, publicado na revista Bakhtiniana.

A loucura para os autores é vista como uma realidade socialmente construída por intermédio do discurso, ou seja,  através do compartilhamento de uma percepção específica sobre a loucura. O paradigma manicomial é como esse discurso se produz nas práticas concretas.

“Tradicionalmente, o paradigma manicomial se caracteriza por uma organização hospitalocêntrica, na qual a internação é indispensável, ocorre de forma compulsória e o saber psiquiátrico é exclusivo na condução do tratamento.”

Com a Reforma Psiquiátrica surgiram novas propostas para a assistência em saúde mental dando origem ao modelos de atenção psicossocial baseado na promoção de saúde e na percepção social do sofrimento.

No campo da saúde mental, portanto, há um choque entre o paradigma manicomial (modelo assistencial tencionado pela psiquiatria tradicional) e o paradigma psicossocial (novo modelo de cuidado que surge a partir do processo de Reforma Psiquiátrica).

No paradigma manicomial o principal objetivo é o diagnóstico. O profissional apresenta uma escuta seletiva, pesquisando sintomas para a catalogação de algum transtorno. Analisar esses elementos é importante para entender a persistência de um impasse na atenção à saúde mental hoje: a priorização da terapêutica medicamentosa.

“Embora seja notório o fato dos psicofármacos não curarem, eles atraem pelo seu efeito silenciador, normalizador de condutas e comportamentos que geram incômodo social. A ação dessas drogas relativa à inibição de emoções, pensamentos, sensações e motricidade leva o sujeito a ter dificuldades para falar, para compartilhar em diálogo as suas histórias e significações de vida.”

Já no modelo psicossocial, busca-se atender as necessidades do sujeito através de uma rede intersetorial, procurando agregar recursos do território por meio de alianças no âmbito educacional, laboral, familiar, dentre outros possíveis. No entanto, na contramão dos novos padrões técnico-assistenciais, prevalece o problema da medicalização. Paradoxalmente, o sujeito que sofre a dor psíquica não encontra um espaço de diálogo no local que existe para acolhê-lo e trabalhar a partir de sua fala. Psicofármacos, ou outras maneiras de “fazer calar”, são administrados em situações nas quais seria possível e desejável lançar mão de terapêuticas dialógicas.

Muitos estudos vem demonstrando que os principais dilemas e conflitos no campo da atenção psicossocial se dão na dimensão relacional. A principal adversidade parece ser os modos de perceber dos profissionais sincronizados com a lógica manicomial. Os autores veem os processos dialógicos como ferramentas que podem contribuir com a transformação de percepções e práticas no campo da saúde mental.

A filosofia dialógica bakhtiniana nos fornece elementos para discutir mais sensivelmente os impasses do campo, pois aborda amplamente as vicissitudes da relação inter-humana e a importância do desenvolvimento de posicionamentos responsivos/compreensivos. Nessa direção, se considerarmos que a postura ética é sempre relativa ao outro, e se levarmos em conta que o homem é um ser-para-o-diálogo, a noção de compreensão responsiva será elevada a posicionamento ético indispensável em todas as relações, inclusive nas relações de cuidado. Somente em relações dialógicas há empenho para compreensão e produção conjunta de novos significados

A pesquisa foi realizada em um Centro de Atenção Psicossocial do tipo II (CAPS-II11) da Região Metropolitana I do Estado do Rio de Janeiro. O município em que o CAPS se insere foi avaliado com o pior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) entre os 12 municípios que integram a região – e entre os piores IDH do país. Esta pesquisa foi desenhada como um estudo de caso e a estratégia de investigação consistiu em realizar entrevistas semiestruturadas e observação participante no cotidiano da instituição. Foram entrevistados 14 profissionais: nove de nível superior e cinco de nível médio e técnico.

Por meio das entrevistas e da observação participante, foram examinados como os profissionais do CAPS se posicionam sobre os sujeitos em tratamento, sua condição de saúde e o cuidado dispensado a eles no serviço.

Com o estudo, os autores perceberam graves impasses para a efetivação do projeto psicossocial no CAPS e em seu território. As dificuldades encontradas são o funcionamento ambulatorial do dispositivo, a medicalização e a ausência do trabalho em rede. Ao mesmo tempo, os entrevistados reconhecem a equipe do CAPS como diferencial e que a atuação do serviço não depende da infraestrutura, mas do “material humano”.

Foram identificados valores indispensáveis para o acontecimento de um encontro inter-humano, em sua qualidade dialógica. Mas, ainda que a lógica psicossocial apareça de forma clara e sensível nas percepções, ela não prospera. É evidente a existência de uma tensão interparadigmática na dinâmica local.

Os autores perceberam que o exercício de produção de sentido, proporcionado pelo dispositivo de pesquisa, possibilitou um espaço no qual as questões puderam ser verbalizadas, levando à simbolização e reflexões imprescindíveis para a construção de um saber-fazer com o mal-estar da práxis diária, gerando impactos positivos. Nesse sentido,  as metodologias dialógicas, inspiradas nos aportes bakhtinianos, são fecundas para ensejar soluções para os diversos problemas presentes no campo da saúde mental.

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PIMENTEL, Ana Paula; AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho. Paradigms, Perceptions and Practices in Mental Health: A Case Study Based on Bakhtin. Bakhtiniana, Rev. Estud. Discurso,  São Paulo ,  v. 15, n. 3, p. 8-33,  Sept.  2020

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