Explorando respostas dialógicas em tempo de crise

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LIVE TOWN HALL

Explorando respostas dialógicas em um Tempo de Crise

Neste primeiro da série explorando respostas dialógicas na era de COVID, nós convidamos você a participar de um “Town Hall”, na Sexta-Feira, 17 de Abril, às 13:00 horário de Brasília, para uma conversação ao vivo em um debate com duração de 90 minutos; “Estamos vivendo no tempo mais dialógico de todos os tempos?

Debatedores:

Jaakko Seikkula

Richard Armitage

Iseult Twamley

Rai Waddingham

Andrea Zwicknagt

Para se inscrever, clique aqui→

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AVISO IMPORTANTE:

A TV MIB anuncia o próximo programa. Semana que vem teremos o próprio Jaakko Seikkula como nosso convidado especial, com exclusividade. Aguarde que em breve anunciaremos dia e hora, e como se inscrever para participar ativamente da conversação.

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Isolada pelo coronavírus? Sou bem-vinda ao meu mundo.

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Pouco se sabe o que uma vida de pobreza e “doença mental” pode fazer a uma pessoa, com exceção daqueles que a experimentaram.  Depois de enfrentar uma dívida terrível no cartão de crédito e com uma renda insuficiente, após uma tentativa de suicídio comecei a tomar antidepressivos. Depois de oito anos em Zoloft, meu psiquiatra mudou-me para Lexapro, o que me deixou psicótica. A consequência foi haver sido internada em um hospital psiquiátrico, onde fui forçada a tomar drogas psiquiátricas contra a minha vontade e onde comecei a receber uma pensão por doença, que é paga abaixo da linha de pobreza. Tais experiências de “doença mental” e dificuldades financeiras me levaram a formas de vida de isolamento de várias maneiras.

Por causa da minha situação financeira eu não posso sair para jantar há anos com os poucos amigos que tenho. Tudo o que faço é ir ao supermercado e à clínica psiquiátrica e tentar escrever algo que valha a pena ser lido. Isso vem ocorrendo muito antes do aparecimento do coronavírus.

Acredita-se que as drogas psiquiátricas diminuam a vida útil das pessoas em 15 a 25 anos. Os antipsicóticos são considerados especialmente perigosos. Eu tomo antipsicóticos há quase uma década. Sempre me preocupei com a morte de meus pais idosos. Minha irmã mais velha morreu aos nove anos e meio e eu tinha sete anos de idade na época, então sei há muito tempo o quanto a vida é precária. Esses novos medos que as pessoas estão experimentando sobre a perda de entes queridos e sua própria mortalidade não são novos para mim.

A recente ansiedade e depressão das pessoas, que podem resultar do isolamento, são comuns entre os pobres dos Estados Unidos, especialmente aqueles que tiveram o infortúnio de cair nas garras do setor de saúde mental. O recente resgate federal de US $ 2 trilhões de dólares oferece benefícios financeiros apenas para contribuintes e trabalhadores recém-desempregados. Os muito pobres, geralmente aqueles de nós que estão envolvidos no setor de saúde mental, não recebem nada. As grandes corporações estavam se sentindo carentes e queriam ajuda financeira. Elas conseguiram. Em vez disso, por que não levar as corporações a tomar antidepressivos e a fazer terapia, como me disseram que eu fizesse, quando comecei a ter problemas financeiros significativos? Prevê-se que essa pandemia e o pacote de resgate ampliem a já acentuada divisão de riqueza nos Estados Unidos.

Quanto às crises espirituais, os cristãos recém-alienados têm uma comunidade para a qual retornar quando a epidemia acabar. As principais igrejas que experimentei atendem principalmente às classes média e alta. Elas não são uma fonte de conforto e ambiente comunitário para pessoas que não se encaixam nelas.

Uma coisa que sei de minhas experiências com o setor de saúde mental é que ele é o último lugar que as pessoas devem procurar para lidar com essa pandemia. Qualquer pessoa com dificuldades financeiras deve ser ajudada financeiramente. O fato de que isso não esteja acontecendo fala dos valores desordenados vigentes em meu país. Essa pandemia está divulgando verdades boas e feias sobre quem as pessoas realmente são.

Algumas pessoas que estão se familiarizando com a vida on-line e através de seus telefones estão tendo dificuldades para se ajustar. Para os sobreviventes psiquiátricos, esses costumam ser um dos poucos recursos que sempre tivemos às mãos. Nós, que temos acesso à Internet e telefone, somos sortudos. Muitas pessoas pobres “doentes mentais” não têm esses luxos. Os muito pobres, “doentes mentais” ou não, não têm isso.

Os ricos, a classe média e as pessoas que vivem em comunidades dinâmicas – pessoas normais – há muito têm vidas repletas de significado pessoal. Uma das piores coisas que o setor de saúde mental me fez foi roubar da minha vida o significado das coisas. Estou envolvida com a indústria da psiquiatria há quase duas décadas, e essas décadas foram amplamente desperdiçadas. Em vez de significado, a indústria oferece às pessoas drogas psiquiátricas, terapia e o papel de paciente mental. É dentro dessa estrutura que você espera simplesmente existir.

Como tenho sido tão reprimida e oprimida pelas drogas psiquiátricas, com o meu papel social de paciente mental ao longo da minha vida e com as dificuldades financeiras, há muito tempo tenho tentado encontrar significado em pequenas coisas. Um pequeno trabalho voluntário aqui ou ali para os verdadeiramente necessitados. Ajudando meus pais. Através da oração e fé. E agora, com a minha escrita.

Agora que finalmente, lentamente, estou começando a abandonar as drogas psiquiátricas com a esperança de uma vida melhor, enfrento uma tarefa assustadora. Como se começa uma vida quando se é mais velho? Tantas oportunidades perdidas. Décadas que nunca podem ser trazidas de volta à vida. As pessoas que experimentam apenas dificuldades temporárias como resultado do coronavírus são sortudas.

“Ex Usuários” Chilenos que Abandonaram as Drogas Psiquiátricas

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No artigo da antropóloga Tatiana Castillo Parada, publicado na revista Salud Colectiva, da Universidade Nacional de Lanús, a autora trabalha com os significados e narrativas de cinco chilenos com experiência de diagnóstico psiquiátrico, que estiveram em tratamento farmacológico durante oito anos ou mais e descontinuaram o uso de psicofármacos.

O estudo é justificado pelo atual contexto mundial. O artigo aponta que em grande parte do mundo ocidental, os serviços de saúde mental priorizam o tratamento farmacológico em relação as abordagens psicossociais e comunitárias. No Chile, não é diferente, apesar da implementação do modelo comunitário de saúde mental desde a década de 1990.

Como antropóloga, a autora considera que a Antropologia pode ajudar a compreender práticas culturais como o consumo de medicamentos, fenômeno socialmente situado. Para tal, foram realizadas cinco entrevistas individuais semi estruturadas , com duração entre uma e duas horas. As pessoas selecionadas haviam passado pelos serviços de saúde mental, recebido algum diagnóstico e realizado tratamento psicofarmacológico durante oito anos ou mais e, no momento da entrevista, haviam descontinuado os remédios psiquiátricos dos quais faziam uso.

Os entrevistados relataram acontecimentos sociais e familiares como desencadeadores da origem do mal estar subjetivo e consequente inserção no atendimento psiquiátrico. Violência intrafamiliar, separação dos pais, dificuldades em cumprir papéis sociais, foram alguns dos exemplos citados. Já no serviço de saúde mental, relatam que foram diagnosticados com diferentes transtornos simultaneamente, tiveram experiências em hospitais psiquiátricos e seus tratamentos sem consentimento e descreveram a perda de memória e bloqueio mental como efeitos recorrentes do tratamento.

Quanto aos remédios psiquiátricos, é relatado que receberam diferentes tipos de psicofármacos, em quantidades diferentes e em diferentes combinações. Gerando efeitos complexos e distintos.

“O que eu sentia era que andava como “passarinho”, nem para cima nem para baixo. Comparado com a quetiapina que é muito mais forte e você anda como se estivesse atrás de um vidro. Como que se estivesse em uma cabine (…)
Não sei, imagina se te assustam aí, em um estado normal você sentiria algo, se assustaria, mas com a quetiapina não acontece nada. Você não sente nada né. Não sente nada emocionalmente, afetivamente, no sente nada sexualmente, não acontece nada. Você fica igual a um zumbi.” (Claudio)

Além desses efeitos subjetivos, os entrevistados também descrevem sintomas de abstinência ao tentar retirar os medicamentos, além do efeito físico durante o uso dos mesmos, como aumento excessivo de peso e dificuldades na realização de atividades cotidianas, como o simples ato de amarrar os sapatos. Alguns também descreveram dificuldades na interação social e nos processos de pensamento.

Os motivos descritos para dar início a descontinuação dos medicamentos psiquiátricos foram numerosos e diversos, não necessariamente influenciados externamente ou por informação científica, mas principalmente, influenciados pelas experiências adversas com os medicamentos.

Os efeitos de abstinência da descontinuação das drogas podem gerar sintomas distintos, físicos e sensoriais, como o desenvolvimento de ideias suicidas e sentimentos de desesperança, por causa da dependência do medicamento. Por isso, os entrevistados dizem que não é suficiente apenas a vontade de parar com os medicamentos, e sustentam que é conveniente realizar a descontinuação de maneira lenta, reduzindo as doses gradualmente. Além disso, chamam a atenção para a complexidade maior da descontinuação de certos medicamentos em comparação a outros.

Outra questão levantada pelos entrevistados é o fato de que a descontinuação dos medicamentos deixa a pessoa “descoberta”, sem o “apoio” de uma substância que por muito tempo ocultou a origem do mal estar. Eles assinalam que a descontinuação não é apenas deixar os medicamentos, senão que implica um processo íntimo de descobrimento pessoal, que requer um tempo de autoconhecimento e a busca de alternativas de autoajuda para a “substituição” desses medicamentos. A falta de modelos para a descontinuação dos medicamentos e a escassa ajuda da atenção psiquiátrica e dos serviços de saúde mental, também são descritos como dificuldades enfrentadas.

Por outro lado, os entrevistados descreveram estratégias associadas a descontinuação dos remédios psiquiátricos. Citaram mudanças de rotina, hábitos alimentares e atividades físicas, até formas de abordagem alternativas, como jejum e meditação, além de muita vontade e desejo de ter outra vida. Quanto ao apoio social durante o processo, foram citadas três: apoio familiar, médico e comunitário. Mas destacam que nem sempre é possível o apoio familiar ou médico. Já o apoio comunitário foi descrito como ativismo, possibilitando a transmissão da sua experiência, ensinamento e apoio às pessoas que passam pelo mesmo que eles passaram.

“Se você opta pelo ativismo, significa ter uma posição politica a respeito, um convencimento, uma capacidade crítica, desenvolver planos, é como um fortalecimento do teu valor como pessoa […] Ativar o movimento, ativar a consciência. Falando em termos mais comuns, é como uma revolução, porque estão muito enraizados os conceitos, os modelos, as formas de pensamento, são validados academicamente, socialmente. São aceitos e naturalizados os maus tratos , a discriminação e a estigmatização para a loucura que não tem a ver com a enfermidade mental. Está super naturalizado, então, basicamente é una revolução porque é uma mudança de paradigma.” (Claudio)

Por último, a partir do abandono das drogas psiquiátricas, os entrevistados descrevem o encerramento da sua participação nos serviços de saúde mental. A reflexão e ressignificação da experiência vivida gera a construção de uma nova identidade e compreensão de si mesmos. Por isso, se denominam “sobreviventes da psiquiatria” ou “ex usuários”, como uma necessidade de denúncia do difícil processo vivido. E destacam a importância de “fazer comunidade”, reconstruir os laços sociais, desenvolver espaços de participação social e cultivar relações significativas.

O artigo é muito valioso ao trazer à tona a experiência de sujeitos que passaram pela experiência da descontinuação. A partir da experiência dessas pessoas são elaborados saberes preciosos sobre a descontinuação de medicamentos, que deveriam ser levadas em conta pelo mundo científico.

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PARADA, T.C. Subjetividade y autonomia: significados y narrativas sobre la discontinuación de fármacos psiquiátricos. Salud Coletiva, v. 14, n. 3, p. 513 – 529, 2018. (Link)

Grupo de Autogestão Libre-Mente (Link)

Estamos todos juntos nisso

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Por várias semanas, eu tenho acordado durante a noite com sentimentos de intensa ansiedade. Monitoro-me constantemente quanto aos sintomas de uma doença que é possivelmente fatal. Não consigo me concentrar muito bem, e minhas formas habituais de lidar com as coisas não parecem estar funcionando. Eu me sinto um pouco mais segura dentro da minha casa, mas também me sinto presa. Em um minuto me sinto bem, e no outro me sinto aterrorizada. Será que de repente desenvolvi um ‘problema de saúde mental’, infelizmente coincidindo com a pandemia do COVID-19? Não, claro que não. Estou tendo uma resposta inteiramente racional a uma grande ameaça a todo o nosso modo de vida.

Parece apropriado tornar este blog mais pessoal, porque realmente estamos juntos nisso – e não quero dizer apenas enquanto comunidade ou nação, mas como espécie humana. Juntamente com os danos ambientais e as mudanças climáticas – aos quais está relacionada – a pandemia é de longe a maior ameaça que já enfrentamos. Quem pode dizer como deveríamos estar nos sentindo nesse momento? Onde traçamos a linha entre ‘normal’ e ‘anormal’, ‘doente mental’ e ‘mentalmente bem’?

E, no entanto, é exatamente isso que muitos dos chamados especialistas continuam fazendo. É horrível e fascinante ver como a narrativa de ‘doença mental’ está sendo usada para individualizar e patologizar nossas respostas, mesmo quando nossa própria sobrevivência está em risco. Isso está nos apresentando uma ilustração particularmente gritante da loucura do pensamento psiquiátrico.

No Reino Unido e no mundo, as manchetes estão por toda parte. Estamos caminhando para uma “pandemia de graves distúrbios de saúde mental“. Estamos enfrentando “uma epidemia de depressão clínica“. As instituições de caridade estão se alinhando para dar o alarme – a Mental Health Foundation descobriu que seis em cada dez pessoas estavam preocupadas com a crise e corriam o risco de terem “problemas de saúde mental persistentes e graves“. Somos exortados a aprender as lições da China e a nos preparar para “uma crise pública de saúde mental“.

Claro, isso é um absurdo. Uma resposta mais sensata seria perguntar o que há de errado com as quatro em cada dez pessoas que aparentemente não estão muito preocupadas com o que está acontecendo. Deveríamos estar muito mais preocupados com alguém que negue alegremente a extensão do problema – especialmente (sem mencionar nomes, mas existem vários deles no cenário mundial) se forem líderes nacionais encarregados de conduzir seus países durante a crise.

Apenas algumas semanas atrás, alguém que estava com muito medo de sair de casa no caso de contrair uma doença fatal e passava a maior parte do dia lavando as mãos e limpando as maçanetas, seria considerado um caso grave de ‘TOC’.  Agora é a descrição de um cidadão responsável. Nunca houve uma ilustração mais clara do fato de que julgamentos sobre quem é ‘doente mental’ são sociais, não médicos. Nunca foi tão óbvio que o sofrimento faz sentido no contexto. Situações anormais levam a respostas incomuns ou extremas. Se estamos com medo, então deveríamos estar.

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O público que acompanha as nossas publicações em Mad in America, Mad in UK e Mad in Brasil não precisa ser convencido dos danos resultantes da rotulagem através do diagnóstico e, ao contrário do público em geral, nós já estamos familiarizadas com o grande conjunto de evidências que nos dizem que as várias formas de angústia diagnosticadas como ‘psicose’, ‘depressão clínica’, ‘transtorno bipolar’, ‘transtorno de personalidade’ e assim por diante estão fortemente relacionadas a experiências de trauma, abuso, negligência, perda, pobreza, desemprego, discriminação e desigualdade. As vozes hostis que algumas pessoas ouvem muitas vezes ecoam as palavras dos agressores da vida real. Humor e desespero fazem sentido se você está lutando com a solidão e a falta de recursos. Autoagressão e ansiedade são o resultado previsível das pressões que nossas crianças e jovens estão enfrentando. Em outras palavras, quando colocadas em contexto, essas reações são respostas compreensíveis às adversidades.

Mas, infelizmente, traduzir essas reações humanas compreensíveis para a linguagem da ‘saúde mental’ é tanto uma epidemia global quanto o coronavírus e tão difícil de combater quanto. Somos cada vez mais encorajados a reformular todas as formas de angústia em um ‘problema de saúde mental’, sob o novo imperativo de ‘falar sobre saúde mental’ mais ou menos constantemente. Esse discurso penetrou tão profundamente nas mentes dos profissionais, da mídia e do público em geral que eles simplesmente não o veem como problemático, ou nem mesmo compreendem quais podem ser as críticas. Para dar apenas um exemplo, a Public Health England promoveu, louvavelmente, uma mensagem de “É normal sentir-se ansioso em uma crise” e sugeriu uma série de estratégias de senso comum e apoio mútuo. No entanto, a campanha é encabeçada por dois de nossos membros da realeza, o duque e a duquesa de Cambridge, pedindo que “cuidemos de nossa saúde mental“.

‘Saúde mental’ é uma locução sedutora, mas assim que se torna apenas uma outra maneira de dizer ‘como todos nós sentimos’, somos sugados de volta para uma estrutura sutilmente individualizante e medicalizante. Até os escritores de opinião crítica acabam argumentando que deveríamos fazer X (onde X é estratégias comuns de enfrentamento e de apoio mútuo) em vez de Y (onde Y são diagnósticos e prescrições) a fim de preservar nossa ‘saúde mental’ – isso é misterioso, indefinível, porém um estado mental aparentemente frágil – em vez de desafiar primeiramente todo o conceito de ‘saúde mental’.

Mas a ideia de que estamos enfrentando duas pandemias simultâneas – uma de saúde física e, por uma trágica coincidência, uma de saúde mental também – não é apenas uma bobagem. É perigosa. Ao sermos vítimas desse modo de pensar, perdemos conexões com os problemas mais amplos com a mesma certeza – de fato, mais ainda, porque nem percebemos que estamos fazendo isso – como aqueles que estão promovendo abertamente em termos médicos a narrativa de que há uma “pandemia de transtornos crônicos”.

Existem duas razões principais para isso. Em primeiro lugar, quanto mais rotularmos nossas compreensíveis reações humanas como problemas ou transtornos de saúde mental, maior será a tentação de focar em “tratamentos” individuais – seja psiquiátrico ou psicológico / terapêutico. Eu já vi os dois grupos se preparando ansiosamente para receber todos os novos clientes criados pela crise, embora com quase um quarto da população do Reino Unido já com prescrição de um “antidepressivo” faríamos muito mais dando apoio prático e financeiro.

Da mesma forma, sabemos que intervenções psicológicas formais podem realmente ser prejudiciais se implementadas muito cedo. Em vez de nos unirmos em solidariedade, os rótulos de diagnóstico nos isolam e silenciam, e nos transmitem a mensagem de que não estamos lidando da forma como deveríamos. Por outro lado, tem sido demonstrado que o simples apoio humano e o contato de amigos, vizinhos e colegas protegem contra o medo e o desespero em tempos de crise e desastre.

Em segundo lugar, rótulos de diagnóstico e o discurso de “saúde mental” na verdade nos impedem de lidar com as razões mais amplas de nossa angústia, desconectando nossas respostas das ameaças. Em tempos mais “normais”, essas ameaças normalmente incluem coisas como abuso, negligência, violência, discriminação e pobreza. Esses fatores ainda se aplicam, mas, juntamente com as mudanças climáticas, agora estamos diante de um nível adicional de ameaça que vai além de tudo o que já sabemos.

A tarefa imediata é sobreviver à pandemia o melhor que pudermos. Isso por si só está demonstrando as falhas agudas de nossos sistemas públicos de saúde e redes de assistência social, além de advertências muito necessárias de que os membros mais essenciais de nossa sociedade são aqueles que são os menos bem pagos e os menos valorizados – enfermeiras, profissionais de saúde, motoristas de entregas, os empregados dos mercados e assim por diante. Há muita coisa a ser aprendida quando emergirmos em um mundo pós-pandemia.

Mas as lições precisam ir muito além. Existe o risco de “individualizar” uma crise, bem como as reações de uma pessoa a ela, embora todas as evidências sugiram que o COVID-19 não seja apenas um desastre aleatório. Está previsto há anos, com base no impacto conhecido da destruição de habitats de animais, o que aumenta a probabilidade de vírus serem transmitidos aos seres humanos. Essa destruição ambiental é, por sua vez, uma consequência da exploração do mundo natural impulsionada pelas demandas da industrialização. Verdadeiramente, o planeta está revidando. Um dia, a menos que tomemos medidas coletivas drásticas para mudar toda a base econômica e de valores do nosso modo de vida industrializado ocidental, haverá um vírus que não poderemos derrotar.

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Esses são argumentos complicados a serem apresentados e podem ser rapidamente interpretados como negligência insensível ao sofrimento das pessoas. É muito importante não negar o sofrimento real e agudo que muitas pessoas com “doença mental” diagnosticada estão enfrentando, especialmente se de repente descobrirem que seus serviços habituais não estão disponíveis e ficarem presas dentro de suas próprias quatro paredes sem ninguém para chamar. Vi pedidos desesperados de pessoas que foram descartadas por sua equipe psiquiátrica, exatamente quando precisam mais de contato do que nunca. Isso é chocante e injustificável.

Mas igualmente, não queremos assumir que os sobreviventes enquanto grupo não conseguirão lidar com essa situação atual. Isso é falso e até paternalista, e também há relatos de pessoas lidando melhor do que o habitual, à medida que se baseiam em talentos para a sobrevivência dos quais a população oficialmente “normal” carece. Um usuário do serviço twittou: “Para aqueles que como nós já vivem com trauma ou impactos significativos de saúde mental em nossa vida cotidiana, talvez estejamos mais preparados / menos queixosos do autoisolamento, tendo que sobreviver com baixa renda, com restrições de movimento e enfrentando cortes em nossos serviços de saúde / assistência social.“ Outro disse: “Já passamos por essas emoções extremas e conseguimos atravessar para o outro lado.”

Da mesma forma, pessoas com sérios problemas de saúde física têm salientado que o isolamento é o seu modo de vida habitual e pedem para não serem esquecidas novamente quando o bloqueio for suspenso. Sobreviventes psiquiátricos criaram uma lista impressionante de redes e recursos de pares nas últimas semanas, incluindo um conjunto de estratégias de “experiências de vida”, extraídas de “conhecimentos adquiridos com muito esforço que foram aprendidos ao atravessar experiências de vida desafiadoras”.

O jornalista britânico John Crace [1] que tem histórico de sofrimento mental, está enfrentando os dois lados da moeda: “Acordo cedo e, por um breve nanossegundo, tudo está bem com o mundo. Então minha mente se volta para … a realidade da pandemia de coronavírus. A ansiedade me eletrifica. Não é apenas uma sensação de medo existencial, é uma entidade parasitária que domina todo o meu corpo. Meus ombros e braços formigam de medo, há uma bola de pavor em minhas entranhas e passo a ter cãibras em minhas pernas. Fico imobilizado por quase uma hora. Eu sei que deveria estar saindo da cama, mas tenho muito medo de fazê-lo … No momento, não consigo enfrentar estar em meu escritório em casa. Eu me sinto muito sozinho e inseguro”. E aí ele acrescenta: “Parece que a realidade finalmente alcançou meu próprio senso de neurose e ansiedade. O que pode ser profundamente preocupante para a maioria das pessoas comuns, mas de alguma forma é quase reconfortante para mim. Quase.”

Sua ansiedade é claramente muito real e avassaladora, mas quem pode dizer que não é razoável? Talvez todos devêssemos nos sentir mais parecidos com ele há muito tempo. De repente, as barreiras entre eles – usuários / sobreviventes de serviço e nós, os “normais” – estão quebrando. Todos nós podemos oferecer e receber suporte.

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Sobreviver à pandemia, como ocorrerá com a maioria de nós, é apenas o começo. No entanto, não devemos ser tentados a voltar a uma narrativa médica, mesmo que o que vem depois seja provavelmente tão ruim, se não pior. A equipe de saúde pode ficar profundamente abalada com o sofrimento que viu, mas não precisamos chamar isso de um surto de “Transtorno Pós-Estresse”. As pessoas que perderam o emprego provavelmente se sentirão desesperadas, mas não precisamos descrever isso como “depressão clínica” e prescrever medicamentos para isso. A recessão econômica que se seguirá à pandemia pode levar a tantos suicídios quanto as medidas de austeridade, mas não precisamos dizer que “doenças mentais” causaram essas mortes.

O COVID-19 é uma crise nacional e internacional e não há dúvida de que todos ficaremos profundamente assustados. No entanto, podemos sair desta crise em um estado melhor do que antes, mantendo-se conectados com nossos sentimentos e com as ameaças urgentes que nos levaram a eles e realizando ações coletivas para lidar com as causas profundas. Talvez, finalmente, sejamos forçados a estabelecer a ligação entre níveis crescentes de miséria, medo, automutilação, suicídio e desespero e os males sociais da austeridade, emprego inseguro, discriminação e pobreza. Talvez finalmente abandonemos os dois polos da narrativa “saúde mental / doença” e, em vez disso, conversemos muito mais sobre nossas reais e válidas reações humanas à discriminação, insegurança, desigualdade e injustiça em nossas vidas e em nossas comunidades.

Esta é uma chance de desafiar, e não reforçar, a narrativa de Saúde Mental e é por isso que faço parte de um pequeno grupo tentando transmitir uma mensagem diferente na mídia. Tivemos alguns sucessos (confira The Guardian and Nursing Standard). Mais artigos, podcasts e blogs estão por vir e reunimos recursos não médicos e não patológicos que estão no Mad in UK.

“Trauma coletivo” pode ser definido como um evento ou situação que desafia o estilo de vida, os valores e a identidade de toda a sociedade. Judith Herman [2] , uma das pioneiras no trabalho de trauma, reconhece seu profundo impacto em sociedades inteiras, bem como em indivíduos. Ela diz: “A solidariedade de um grupo fornece a proteção mais forte contra o terror e o desespero, e o antídoto mais forte para a experiência traumática“. Ela também diz que a ação social e a revelação da verdade podem trazer cura e mudar as adversidades. O escritor Ben Okri expressou isso lindamente:

As questões levantadas pela pandemia devem se espalhar para todas as outras questões através das quais futuros desastres podem surgir … mudanças climáticas, assistência universal à saúde, justiça e pobreza … Os valores do mercado substituíram os valores da solidariedade humana … Estamos imersos em um novo terreno baldio … Todos os nossos mitos apontam em duas direções. Ou subimos, em direção ao verdadeiro significado da civilização, ou seguimos para um apocalipse.

Eu acredito que já existem sinais de avançar na direção certa. No Reino Unido, as feridas do Brexit estão começando a se curar, à medida que os “defensores da permanência” [na Comunidade Europeia]” se oferecem para fazer as compras de mercado “aos que “defenderam o abandono” e vice-versa, e as pessoas se juntam ao grupo de WhatsApp de suas ruas para ficar de olho nos vulneráveis e idosos. Embora fisicamente separados, estamos de certa forma mais próximos do que nunca. Para mim, há o prazer inesperado de ter meus dois filhos adultos em casa novamente, cozinhando e assistindo filmes de lixo juntos. Outros estão encontrando o lado positivo com nova liberdade frente ao deslocamento e às pressões diárias, além de um ar mais limpo e prazeres mais simples.

Precisamos de uma nova narrativa de angústia compartilhada para substituir a falida dos “transtornos” individuais. Precisamos de conexão humana e apoio mútuo. Podemos aprender a gerenciar nossos sentimentos de uma maneira que nos ajude a atravessar a crise e que nos dê energia para fazer as mudanças sociais e ambientais necessárias depois. As linhas divisórias usuais desaparecem diante dessa emergência a nível global. Nós realmente estamos nisso juntos.

Referências bibliográficas:

[1] [Crace, J. (2020, March). I’m often paralysed by fear but it’s time to appreciate the small stuff. The Guardian.

[2][Herman, J. (2015). Trauma and recovery: The aftermath of violence—from domestic abuse to political terror. Basic Books.

No meio de uma pandemia: a mídia luta para definir o que é normal

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Desde que o vírus COVID-19 atingiu os Estados Unidos, a grande mídia tem regularmente coberto o seu impacto psicológico no público americano. De acordo com essas matérias jornalísticas e comentários, a doença potencialmente mortal está provocando não apenas medos da doença, mas também tristeza, raiva e solidão criados pela tensão do autoisolamento obrigatório. Essa ansiedade e depressão, dizem, são reações esperadas na maioria das pessoas. Mas para aqueles que já lutam com esses sentimentos, suas respostas à pandemia podem ser vistas como um surto de seus ‘sintomas de doenças mentais’. Assim, enquanto a parte ‘normal’ da nossa população está sendo confortada, aqueles com ‘transtornos’ estão sendo instruídos a tomar cuidados! E, ao mesmo tempo, a mídia fala de uma nova epidemia que pode estar a caminho: um surto de doença mental.

O reconhecimento do estresse e da ansiedade

Por exemplo, nós temos visto estórias tais como “7 Razões Porque é Difícil Controlar a sua Ansiedade com o Coronavírus” (STAT News); “Não Caia na Espiral da Ansiedade com o Coronavírus: Aqui o que Você Pode Fazer para Aliviar as Suas Preocupações, ao Mesmo Tempo Mantendo Você e a sua Família Protegidos“ (Wired); “Como se Manter Resiliente e Saudável Mentalmente Durante a Eclosão do Coronavírus” (“On Point,” WBUR, Boston’s NPR station), e “Experts em Psicologia Dão Dicas para Salvaguardar a Sua Saúde Mental Durante a Quarentena” (CNBC), entre outras.

Essas matérias jornalísticas têm fornecido ferramentas úteis para entender nossas emoções e comportamentos e nos garantir que mudanças de humor, energia e hábitos pessoais são reações normais a uma situação perigosa com muitas incertezas.

Como a repórter Nicole Ellis explicou em “5 maneiras de responder à ansiedade induzida por coronavírus”(Washington Post, 20 de março), o aumento de rotinas e notícias assustadoras que são exibidas em nossas telas de TV e feeds de notícias criam “a tempestade perfeita para se sentir impotente e ansioso”. Diz sua convidada, a especialista em saúde mental, Dra. Jennifer Yip: “Quando estamos ansiosos, nossa resposta de luta ou fuga está sendo desencadeada – o que existe para nos proteger. O problema é que alguns de nós se concentram demais nas coisas que não podemos controlar e não naquilo que realmente podemos controlar.

Reações “saudáveis” vs. Reações “não saudáveis”

Ao mesmo tempo, como constatou um estudo feito por Mad in America sobre a cobertura da imprensa entre 8 e 25 de março, estamos vendo avisos de que, para certas pessoas, essas respostas estressantes ao vírus podem não ser normais e que devemos estar em alerta para os sinais de ansiedade ‘não saudável’.  Preste atenção a este vídeo, promovido em um comunicado de imprensa do Centro de OCD, Ansiedade e Transtornos Relacionados da Universidade da Flórida:

Aqui aprendemos que, de acordo com os psiquiatras, você pode ter níveis de ansiedade ‘não saudáveis’ se você ‘for longe demais’ em relação às medidas preventivas ou passar a evitar suas paixões normais. Por exemplo, lavar as mãos constantemente por mais do que os 20 segundos recomendados pode ser um problema. Assim como, pode não querer mais jogar beisebol depois da escola, porque há várias pessoas tocando no mesmo equipamento esportivo. O que não é mencionado: os dois comportamentos fazem sentido no contexto atual.

Como todos os comunicados à imprensa, esse foi projetado para orientar a cobertura de notícias durante a crise. Ao fazer isso, esteve promovendo o tipo de cobertura que patologiza o sofrimento emocional experimentado por aqueles com ‘doença mental’. Em nossa revisão dos relatórios sobre COVID-19 e saúde mental, esse foi o tipo de cobertura que encontramos regularmente Por exemplo, esse artigo de The Hill, intitulado “Os custos de saúde mental para conter o surto de coronavírus: uma pandemia afeta significativamente as pessoas com doenças mentais”, afirma que é normal que a população em geral se sinta ansiosa: “Todo mundo irá sentir algum nível de desconforto e ansiedade exatamente agora.”

No entanto, o artigo também alerta que “para alguns, a ansiedade pode subir a um nível clínico durante um surto”, o que requer ajuda profissional. Em outras palavras, o que é normal para alguns é anormal para outros. De acordo com Krystal Lewis, psicólogo clínico do Instituto Nacional de Saúde Mental (NAMI), os sintomas que podem ser ‘clínicos’ incluem “dificuldade para dormir, mudanças nos padrões alimentares, mudanças rápidas no humor, incapacidade de realizar tarefas requeridas ou necessárias, [e] automedicação usando álcool.” O artigo pede que as pessoas com esses sintomas revisem as recomendações e os recursos fornecidos pela Aliança Nacional sobre Doenças Mentais, uma fonte primária do trecho citado.

O NAMI é conhecido por promover a ideia de que as doenças mentais são subdiagnosticadas e subtratadas, e essa matéria citada acima, em essência está dizendo a muitos leitores que suas reações à pandemia são ‘anormais’ e que podem precisar de ajuda.

A ABC News publicou um relatório que exibiu a mesma confusão. Com o título “Ansiedade e depressão provavelmente aumentarão entre os americanos à medida que a pandemia de coronavírus se espalhar”, seu subtítulo dizendo aos leitores que “estresse, ansiedade e depressão são normais e que devem ocorrer agora”. Mas o artigo cita Yalda Safai, uma residente de psiquiatria, que alerta que “[a] ameaça única e sem precedentes do COVID-19 vem exarcebando a ansiedade, a depressão e o potencial de histeria em nossos mais vulneráveis – os doentes mentais”. Em outras palavras, as reações dos ‘doentes mentais’ estão sendo retratadas como uma forma de ‘histeria’.

Enquanto isso, um programa de uma emissora afiliada da CBS intitulado “Profissionais da área de saúde alertam para o aumento dos sintomas de doenças mentais durante a crise com o COVID-19“, deu um passo além, sugerindo que o vírus poderia deixar pessoas com problemas mentais que anteriormente eram aceitáveis. O programa comparou a pandemia ao 11 de setembro e sugeriu que reações excessivamente fortes a esses eventos perturbadores poderiam ser um sinal de um transtorno mental. Embora a voz do narrador diga às pessoas para não se autodiagnosticarem, essa mensagem é contradita pelo alerta que aparece na parte inferior de nossas telas: “Proteja-se contra as doenças mentais durante uma pandemia”.

Até comportamentos apropriados às circunstâncias podem ser patológicos, como disse um terapeuta ao The Washington Post (14 de março): “Agora todos os americanos estão sendo instruídos a ver seus arredores de uma maneira que parece imitar o TOC”.

Ao todo, o público fica com uma mensagem confusa: ficar mais ansioso em resposta ao COVID 19 seria normal se você é mentalmente saudável e um sinal de doença se não for, embora aparentemente algumas pessoas normais possam sentir tanta ansiedade que elas também agora podiam ser vistos como doentes mentais. E, finalmente, todo mundo agora deve praticar comportamentos que, no passado, seriam um sinal de que tinham TOC, mas agora são considerados razoáveis … a menos que se vá “longe demais”. Talvez aqueles rotulados com TOC tivessem acertado na hora de lavar as mãos?

Desestabilizando os ‘desordenados’

Diante de circunstâncias excepcionais, todos podem sentir níveis de medo, tristeza e irritabilidade bem acima da linha do patamar usual. Isto é especialmente verdade para pessoas que, mesmo em tempos mais comuns, lutam contra a ansiedade e a depressão. Mas, devido à visão convencional da doença mental como um defeito biológico intrínseco dos indivíduos, a imprensa está tratando esses indivíduos como casos separados.

As manchetes soaram, “Alguns com TOC, outros com Transtornos de Ansiedade, estão lutando contra a Epidemia do Coronavírus: muitos tropeçam nesse fio de arame” (Chicago Tribune), “O Tratamento do TOC e dos Transtornos de Ansiedade Podem ser Complicados pelos Medos com o Coronavírus” (Washington Post, March 13), e “Coronavírus é um ‘Pesadelo Pessoal’ para muitos com TOC e Transtorno de Ansiedade” (NBC News), para nomear apenas alguns.

Nesse esquema, se os ‘normais’ entram em pânico, é por causa da pandemia; se as pessoas ‘doentes mentais’ sofrem, é porque o Transtorno de Ansiedade Generalizada, a Mania Bipolar ou o TOC estão aumentando ou recidivando. Isso é mostrado na maneira como os profissionais de saúde mental que aparecem nessas matérias jornalísticas falam sobre as preocupações cada vez maiores que estão vendo em seus clientes – por definição, ‘pacientes’ no tratamento de um transtorno / doença.

Por exemplo, na reportagem da NBC News sobre o TOC, uma ilustração de pessoas lavando as mãos freneticamente está legendada: “A onda de ansiedade que atinge os pacientes de saúde mental é diferente de tudo que os especialistas já viram”. Aqui, a rede de televisão relata que “um dos clientes de TOC do [psicólogo Reid] Wilson quase cancelou uma consulta porque estava preocupado por ter tocado demais o nariz e poder passar o coronavírus a Wilson. . . Outro, com transtorno de ansiedade generalizada, não conseguia parar de se preocupar se a filha que viajava em outro país estaria em risco”.

No entanto, dada a pandemia, ambas preocupações parecem bem fundamentadas. Quem não se preocuparia em transmitir o coronavírus a um outro ou não ficaria agonizado devido a uma filha que está viajando em outro país?

Em um artigo intitulado “O coronavírus responde a ansiedade e angústia por vulneráveis entre os habitantes de Oklahoma”, o Oklahoma Watch descreve as ansiedades vivenciadas por uma mulher de Oklahoma chamada Sarah, que “sofre de depressão causada pelo estresse”:

Seu discurso acelera e seu coração dispara quando Sarah fala sobre a disseminação do COVID-19 e como isso poderia afetar seu irmão, cujo histórico médico o torna mais vulnerável a infecções. . . Segundo seu diário, ela está ansiosa e luta contra a insônia há semanas – sinais de que sua depressão voltou.

A ideia de que a resposta de um indivíduo ‘transtornado” com a pandemia possa ser entendida como evidência de patologia também se pode ver em comentários de líderes da psiquiatria americana. Por exemplo, o diretor do NIMH, Joshua Gordon, disse ao Washington Post  (17 de março): “Todos nós suspeitamos um pouco dos outros no metrô, na rua, se eles estão tossindo ou parecendo doentes. Imagine se você tivesse esquizofrenia – essa preocupação ou suspeita poderia se transformar em franca paranoia”.

Um artigo do Psychiatric Times (“Cuidado com os psiquiatras! O impacto do COVID-19 e da pandemia na saúde mental”) alerta da mesma forma que as preocupações com o vírus podem “desestabilizar ainda mais os pacientes e aumentar o comprometimento funcional” naqueles com “obsessões por contaminação” relacionadas ao TOC e inflam as “teorias da conspiração” médicas entre aqueles com ‘transtornos psicóticos’.

Essa é a estrutura de ‘patologia’ na qual vivem as pessoas diagnosticadas com transtornos mentais: as reações que são vistas como normais em outras pessoas são vistas como patológicas naquelas que vivem com um diagnóstico. Em uma matéria de 16 de março intitulada “Isso vai complicar seus problemas: o coronavírus apresenta novos desafios para muitos com doenças mentais”, conta a CBS News Katherine Ponte, que “em 2006 estava assistindo obsessivamente os horrores da Guerra do Iraque em notícias na tv-a-cabo quando ela deu uma martelada em sua TV. Ela sofre de um grave transtorno bipolar I com psicose e também de um transtorno depressivo maior, e as imagens de um Oriente Médio devastado pela guerra desencadearam um episódio maníaco que a levou a ser hospitalizada. Se Ponte não tomar cuidado, a atual pandemia de coronavírus pode ter um efeito semelhante nela. ”

Da mesma forma, uma história no USA Today (“O isolamento é um grande gatilho”: os sentimentos de suicídio são amplificados em meio a uma pandemia”) cita “Danielle Sinay, 28. . . uma escritora que vive no Brooklyn e que tem uma história de pensamentos suicidas. Ela foi diagnosticada com transtorno do pânico, estresse pós-traumático e depressão. Enquanto ela não está totalmente isolada – ela vive com o marido e quatro animais de estimação – [ela diz] interrupções em sua rotina e a proliferação de incógnitas a deixou vulnerável. ”

Uma epidemia iminente?

Com a pandemia dita a estar causando um aumento na ansiedade e um número crescente de pessoas que procuram terapia, tem havido uma onda de histórias de terapeutas se esforçando para atender à demanda. Esse pico de sofrimento emocional está sendo agora descrito como um ‘sintoma’ de uma ‘epidemia’ crescente em que pessoas ‘normais’ mostram sinais de ‘doença mental’ e pessoas ‘doentes mentais’ recaem ou pioram. Esse é um problema, como costumava ser dito antes, porque os transtornos de ansiedade já afetam dezenas de milhões de pessoas.

Algumas dessas matéria jornalísticas foram diretas. O New York Times, em “À medida que o coronavírus causa prejuízos emocionais, os profissionais de saúde mental se preparam para o aumento das demandas“, concentra-se nos profissionais de saúde mental que lutam para cumprir compromissos com segurança por meio de sessões de telessaúde para os muitos clientes que agora se dedicam à doença. Em “Profissionais de saúde mental estão se preparando para uma epidemia de ansiedade em torno do coronavírus“, a Mother Jones compartilha a opinião anedótica de um terapeuta sobre a enxurrada de ‘sintomas extremos’ que ela está vendo entre os pacientes. A revista então relata um aumento no número de pessoas comuns que fazem o teste on-line de rastreamento de ansiedade da Mental Health America, que considera “novos dados disponíveis”.

Essas histórias foram estruturadas em torno da ideia de que é necessário muito mais tratamento de saúde mental convencional agora, como é exemplificado pela matéria do Mashable “Coronavírus revela tudo o que há de errado com nosso sistema de assistência em saúde mental“.

Outras matérias foram mais sensacionalistas, sintetizadas por um artigo de 24 de março no The Guardian: “Enfrentamos uma pandemia de distúrbios de saúde mental. Aqueles que se encontram mais afetados mais precisam do nosso apoio”.  Aqui, o colunista do The Guardian Paul Daley declara:

Sim, esta é uma pandemia viral assustadora e mortal. Mas outra praga, da qual não estamos ouvindo o suficiente sobre nossos líderes, chegará em uma onda logo atrás.

Essa é a pandemia de depressão grave e ansiedade que varrerá o mundo à medida que a taxa de desemprego se aproxima de dígitos inéditos, famílias que preferem estar socialmente distantes são empurradas para estar juntas e os jovens não têm a certeza e a estrutura da escola. . .

À medida que o desespero em massa, a ansiedade e a depressão aumentam de acordo com o alongamento . . . Nas filas, a sociedade civil dependerá quase tanto da manutenção da saúde mental individual quanto da disponibilidade de kits de teste e de máscaras.

A confusão da mídia podia ser vista em plena exibição: embora se tornar ansioso possa ser visto como uma reação normal das pessoas normais ao COVID-19, a pandemia, no entanto, estaria provocando uma epidemia de ‘doença mental’.

Separado, Não Igual

Enquanto a mídia alerta sobre um sistema de saúde mental sobrecarregado, ela também tenta fornecer conselhos sobre como lidar por conta própria. Aqui, as dicas dadas às pessoas ‘normais’ e às ‘doentes mentais’ têm sido as mesmas: manter conexões sociais, fazer exercícios, meditar, manter uma rotina e praticar técnicas de terapia cognitivo-comportamental, como reformular os pensamentos negativos. Mas tem havido uma diferença fundamental. Enquanto o público em geral vem sendo estimulado a cultivar seus recursos internos e a procurar colegas e entes queridos, os ‘doentes mentais’ (e as pessoas que notam sinais de ansiedade no nível ‘clínico’) são solicitados a procurar um profissional.

Uma das dicas mais populares para aliviar a ansiedade de pessoas ‘saudáveis’ e ‘não saudáveis’ seria adotar uma dieta de mídia – evitando aquelas assustadoras atualizações de notícias 24 horas por dia, 7 dias por semana, que as próprias mídias vão produzindo. De acordo com profissionais de saúde mental entrevistados na Wired (acima), as pessoas devem “limitar a quantidade de informações que se consome sobre o surto de coronavírus. Tentar encontrar um equilíbrio entre ser informado o suficiente para tomar decisões sobre sua vida, mas não tão sobrecarregado com informações que se tornem estressantes.” Isso não está longe de ser o conselho oferecido às pessoas com transtornos mentais. Em “Pandemia de COVID-19 pode afetar a saúde mental“, relata a afiliada da CBS, “Jessica Ryan, da Mental Health America. . . quem diz que talvez seja hora de se fazer uma pausa [de ficar obcecado com notícias on-line]. Ela diz que todas as mudanças que acontecem e notícias constantes, podem ser desencadeadoras para alguém que tenha sido diagnosticado com uma doença mental.” Mesmo conceito, diferente enquadramento.

Às vezes, o mesmo meio de comunicação criou dois segmentos separados no mesmo tópico. Por exemplo, “CBS This Morning” transmitiu um segmento de vídeo “Cuidando da crise: como conter a ansiedade durante a pandemia“, com a psiquiatra Gail Saltz, que ofereceu dicas diárias para aliviar as reações de estresse com a pandemia. Ela tranquilizou os espectadores: “Patologizar ou fazer-se sentir pior sobre ‘por que estou tão assustado’ ‘não ajuda e não é verdadeiro. É normal estar ansioso agora, pois há algumas coisas perigosas acontecendo e temos um sistema evolutivo desenvolvido para nos alertar sobre as coisas que devemos estar cientes. ” Este artigo foi incorporado ao artigo online da CBS News mencionado acima, em flagrante contraste com a cobertura dos riscos e necessidades especiais dos ‘doentes mentais’ durante a crise do coronavírus.

Distinções falsas

Ao traçar distinções exageradas entre a emoção intensificada e os comportamentos contraproducentes que as pessoas ‘normais’ experimentam e aquelas expressas por pessoas com rótulos de doenças mentais pré-existentes, a mídia aqui está carregando água para a empresa psiquiátrica. De fato, tendemos a ouvir esses avisos toda vez que há uma crise, que acaba por levar mais pessoas ao tratamento e, muito provavelmente, às drogas psiquiátricas. Esse é o objetivo não apenas da NAMI (cujas informações de contato estão incluídas em várias histórias que examinamos), mas também de duas outras fontes principais para essas matérias: Mental Health America (Saúde Mental na América) e a Anxiety and Depression Association of America (Associação de Ansiedade e Depressão da América). Esses grupos têm um grande interesse em promover essa narrativa, e a pandemia oferece uma oportunidade para isso.

A psicóloga Lucy Johnstone comenta em seu artigo: “Por que é saudável ter medo de uma crise” (The Guardian, 25 de março):

Não estamos enfrentando ‘uma pandemia de distúrbios graves de saúde mental’. Estamos todos enfrentando medo, ansiedade, desespero e confusão totalmente normais sobre uma situação verdadeiramente aterradora que desafia todo o nosso modo de vida. Nunca ficou mais claro que os chamados ‘transtornos mentais’ fazem sentido no contexto. . .

Quanto mais rotularmos nossas reações humanas compreensíveis como transtornos, maior será a tentação de desconectá-las de sua fonte e focarmos em novos ‘tratamentos’ individuais. As empresas farmacêuticas devem estar esfregando as mãos diante da perspectiva de todos esses novos clientes.

Consequências do mundo real

Embora bem-intencionado, esse tipo de cobertura é inútil, servindo para aumentar a ansiedade existente, aumentando a possibilidade de que as reações de uma pessoa a uma pandemia internacional possam significar que há algo de ‘errado’ com elas. Também é perigoso sugerir que as diretrizes de saúde pública que precisamos seguir agora, como o auto-isolamento, podem nos quebrar – isso serve apenas para fazer as pessoas reconsiderarem a sensatez do distanciamento social.

Os estereótipos daqueles com rótulos de doenças mentais e sua necessidade ou periculosidade percebida já tiveram consequências no mundo real. No Reino Unido, uma lei de saúde mental foi temporariamente alterada para diminuir o nível exigido para a internação involuntária de pessoas consideradas doentes mentais, que passam a exigir a aprovação de um médico em vez de dois. A regra também estenderá ou removerá os prazos para a internação involuntária.

Como relatou um artigo de 19 de março do Disability News Service, a “Rede Nacional de Usuários de Sobreviventes (NSUN) teme que isso possa levar a mais coerção e mais negligência, além de menos salvaguardas”. A história cita Akiko Hart, executivo-chefe da NSUN: “Embora entendamos que são tempos sem precedentes. . . manter indivíduos desnecessariamente detidos fora do seu setor devido às pressões da força de trabalho é uma violação de seus direitos humanos.” Ela acrescentou: “Igualmente, liberar indivíduos por causa de pressões sobre a força de trabalho ou o estado de saúde mental é profundamente irresponsável”.

O mito da fragilidade

Por fim, a cobertura enfatiza a fragilidade e vulnerabilidades das pessoas com ‘doenças mentais’, e não os pontos fortes que elas também possuem. Bob Nikkel, ex-comissário estadual de saúde mental e álcool e drogas do estado de Oregon * observa: “Os jornalistas têm os mesmos estereótipos de todos os outros”. Recentemente contatado por um repórter sobre o impacto do coronavírus nos serviços para ‘os doentes mentais’, ele tentou transmitir que “as pessoas com diagnóstico de doença mental têm mais recursos do que as pessoas imaginam”.

Ele disse à Mad in America: “Não precisamos ter pena, precisamos vê-los como líderes. Precisamos reconhecer que eles fazem alguma versão do suporte entre colegas, o que vem reduzindo o isolamento há décadas.” Nikkel citou o trabalho do Intencional Peer Support e do National Empowerment Center, relatando que “o diagnóstico duplo anônimo começou on-line os programas ’12-passos mais cinco ‘[recentemente] e salvou a vida de alguém que era suicida. Mesmo na era dos coronavírus, esses esforços são especialmente valiosos.”

De fato, pessoas com deficiências psicossociais podem ser mais capazes de lidar com a ansiedade ‘saudável’ ou até ‘não saudável’. Eles tem aprendido muitas lições e táticas ao lidar com esses desafios há anos. Ken Goodman, um terapeuta do conselho da ADAA, disse ao The Washington Post (11 de março) que “dos cerca de 60 pacientes que ele trata a cada mês, apenas um expressou o medo do vírus até agora”.

No final de um artigo tipicamente ameaçador sobre os riscos para a saúde mental do coronavírus publicado em Detroit Free Press, Toni Lupro, estudante de medicina com “Transtorno Obsessivo-Compulsivo”, notou que “a pandemia de coronavírus revelou até que ponto ela chegou a terapia.” A história continua: “Medos de contaminação dominaram sua vida no passado, mas a chegada do COVID-19 em Michigan não a fez ter recaída”.

Lupro ela própria é citada, dizendo: “É bom perceber que todos estão no mesmo barco. Mesmo as pessoas que são médicas há 30 anos, todos nós não sabemos necessariamente o que vai acontecer. . . Eu acho que isso me ajuda a saber [temer germes] não é necessariamente uma coisa irracional. ”

Certamente, muitas pessoas estão atualmente sofrendo imenso sofrimento, e pacientes psiquiátricos e pessoas com problemas de uso de substâncias são mais vulneráveis à contração do vírus porque tendem a ser marginalizadas. Além disso, pesquisas mostram que os ecos desse período traumático provavelmente permanecerão muito tempo depois que o vírus e as quarentenas tiverem passado. O que isso significa é que todos nós precisaremos de níveis variáveis e ampliados de suporte.

Mas esses eventos estressantes também podem ser um grande equalizador. Como Lucy Johnstone escreveu, existe uma alternativa para uma epidemia de fobia e diagnóstico de Transtorno Pós-Traumático: “Podemos sair desta crise em um estado melhor do que antes, permanecendo conectados com nossos sentimentos e com as ameaças urgentes que os motivaram, e tomando ação coletiva para lidar com as causas básicas “.

Embora a imprensa deva reconhecer que a situação é terrível e que a ansiedade é ‘apropriada’ agora, Cohen Silver disse que há uma oportunidade para os jornalistas transmitirem uma mensagem mais construtiva: “Se trabalharmos juntos, podemos salvar vidas. . . Podemos incentivar resultados positivos da comunidade, como comportamento altruísta, coesão social, voluntariado, alcançando aqueles que moram sozinhos ou que são idosos. ”

Enquanto a nossa situação coletiva de emergência continuar, seria útil ver a mídia cobrir mais abordagens de saúde pública baseadas na comunidade e na resiliência, em vez de fornecer uma plataforma para a narrativa patologizante da psiquiatria.

O papel da imprensa

Essa perspectiva mais ampla é algo que os cientistas sociais que estudam o trauma dizem que os jornalistas devem enfatizar se quiserem ser precisos e úteis durante esta crise. Entre eles está a Dra. Roxane Cohen Silver, cuja pesquisa se concentra nos efeitos psicossociais dos desastres em larga escala e no papel da mídia nas suas conseqüências. Durante um recente seminário on-line patrocinado pela SciLine, ela falou sobre “como podemos garantir melhor a resiliência da população”:

Todos nós já passamos por traumas coletivos antes. Resistimos à violência em massa, resistimos a desastres naturais e, de fato, meus colegas e eu estudamos muitos desses eventos, incluindo os ataques terroristas de 11 de setembro. . . [e] furacões Irma e Harvey. E nossa pesquisa nos diz que a maioria superar essas situações.

Embora a imprensa deva reconhecer que a situação é terrível e que a ansiedade é “apropriada” agora, Cohen Silver disse que há uma oportunidade para os jornalistas transmitirem uma mensagem mais construtiva: “Se trabalharmos juntos, podemos salvar vidas. . . Podemos incentivar resultados positivos da comunidade, como comportamento altruísta, coesão social, voluntariado, alcançando aqueles que moram sozinhos ou que são idosos. ”

Enquanto nosso estado coletivo de emergência continuar, seria útil ver a mídia cobrir mais abordagens de saúde pública baseadas na comunidade e na resiliência, em vez de fornecer uma plataforma para a narrativa patologizante da psiquiatria.

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*Nikkel é também Diretor Executivo da Educação Continuada do MIA. 

Como Adolescentes Podem Diminuir o Impacto do Isolamento Social (Covid-19)

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Artigo publicado pelo site da Unicef -Brasil, fala sobre como os adolescentes podem proteger sua saúde mental durante o período de surto de Coronavírus (Covid-19).

O isolamento social se tornou uma medida importante para controlar o surto de coronavírus, mas exige uma atenção redobrada com os adolescentes. Com o fechamentos das escolas e eventos cancelados, os jovens podem perder atividades essências para o seu desenvolvimento e bem-estar.

Por isso, a Unicef conversou com a especialista brasileira Karen Scavacini, psicóloga fundadora do Instituto Vita Alere, que trouxe algumas dicas para os adolescentes:

  1. Reconheça que ter ansiedade é normal;
  2. Tenha uma rotina;
  3. Crie distrações, seja criativo;
  4. Encontre novas maneiras de se conectar com seus amigos;
  5. Use a tecnologia a ser favor;
  6. Concentre-se em você;
  7. Vivencie seus sentimentos;
  8. Seja gentil consigo mesmo e com os outros

Para saber mais, leia o artigo completo → (Link)

Conferência Internacional sobre Retirada das Drogas Psiquiátricas

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O Instituto Internacional para a Retirada de Drogas Psiquiátricas (IIPDW) está organizando a sua primeira conferência internacional, previsto para ocorrer nos dias 16 e 17 de outubro de 2020, na Islândia. Serão três os temas centrais da conferência: a retirada segura de medicamentos psiquiátricos, alternativas a medicamentos psiquiátricos e a necessidade de questionar a predominância dos medicamentos nos cuidados de saúde mental.

Estão confirmados vários nomes internacionais de grande relevância no enfrentamento dessas problemática. Alguns deles o público brasileiro já teve oportunidade de conhecer por ocasião dos Seminários Internacionais organizados pelo LAPS/ENSP/FIOCRUZ e em eventos nacionais da ABRASME. Tais como Robert Whitaker e Laura Delano (Estados Unidos), John Read (Reino Unido), Olga Runciman (Dinamarca).

Com a pandemia do novo coronavírus é possível que as datas tenham que ficar para o próximo ano.  De qualquer forma, as inscrições estão abertas e valerão seja para este ou para o próximo ano. E o número de inscritos é limitado.

Se você quer conhecer melhor o IIPDW, clique aqui para acessar a página do Instituto.

E eis a versão em Português do documento oficial para a divulgação do evento. Ajude a divulgar.

OS IMPACTOS DO ISOLAMENTO SOCIAL COM O COVID-19 PARA A SAÚDE MENTAL

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O segundo programa da TV MIB está no ar.

CLIQUE AQUI →

Os entrevistados foram:

ERNESTO VENTURINI, italiano, psiquiatra atuante no campo dos direitos humanos.

Foi colaborador de Franco Basaglia no processo de desinstituzionalização na Italia desde o principio, em Gorizia e em Trieste, onde assumiu o cargo de médico chefe. Contribuiu ativamente para o êxito da lei da reforma psiquiátrica na Itália. Foi diretor do Departamento de Saúde Mental em Imola e desempenhou papéis de responsabilidade na Saúde Pública na Região Emilia Romagna. É colaborador de Universidades italianas e internacionais e autor de vários livros e artigos sobre direitos humanos, saúde mental e reforma psiquiátrica. Cooperou com a OMS (WHO) e com o Ministério dos Assuntos Estrangeiros da Italia em diversos países da África. Como assessor da Opas para a America Latina, acompanhou a reforma psiquiátrica brasileira desde o 1992.

MARIA STELLA BRANDÃO GOULART. É psicóloga, professora de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É presidente do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco, a APUBH.

HOLMES MARTINS.  Psiquiatra. Na área pública, atuou como médico psiquiatra concursado pela Prefeitura do Rio de Janeiro, 2004-2007, lotado no Hospital Municipal Lourenço Jorge, referência para a emergência psiquiátrica da Barra da Tijuca e demais bairros da Zona Oeste, inclusive da Colônia Juliano Moreira. Também integrou a Unidade Docente-Assistencial de Psiquiatria da UERJ, como médico cedido pelo município, lotado no setor de Psiquiatria da Infância e Adolescência e posteriormente no setor de Psicoterapia e Psicanálise. É psiquiatra de referência de diversos Juizados e Varas Federais Previdenciárias, Cíveis e Criminais.

Camila M. Gomes: formada em psicologia pela UERJ, atualmente aluna de Pós-graduação em Terapia de Família no IPUB/UFRJ. Psicóloga clínica e forma a equipe do Mad in Brasil.

O conteúdo deste Programa:

  • Cada evento traumático causa impactos evidentes. Como a guerra, a carestia, a fome. Assim como o isolamento social.  O homem é um ser social por natureza.
  • O importante é se construir um sentido para o que está ocorrendo.
  • As pessoas tendem a assumir um papel não passivo, mas ativo.
  • Essa situação é ocasião para ajudar as pessoas a descobrir como é importante sair da “bolha” da cotidianidade, que é alienante, e saber usar melhor o seu tempo.
  • As situações difíceis não necessariamente criam problemas mentais.
  • Há o medo da morte, falar da morte é em geral um tabu para nós.
  • O isolamento social é necessário. A gente se isola não apenas para proteger a nós mesmos, mas aos outros.
  • Algo que não é bom é a incerteza frente ao que uma autoridade diz e é desdito por uma outra, como o Presidente da República. Isso gera uma insegurança na população.
  • Depois que o isolamento acaba, a literatura diz haver consequências nos meses seguintes. Durante muitos meses iremos reviver essa experiência traumática. Mas que pode ser muito relevante sob o ponto de vista existencial.
  • A importância de se difundir informações corretas é mais do que nunca indispensável. Estamos recuperando o papel a Ciência. Vivíamos até então em uma era do negacionismo, da pós-verdade. A Ciência e a Ética e a Moral voltam a desempenhar papeis sociais relevantes.
  • Até o SUS está sendo salvo. Há um reinvestimento do SUS. O SUS será uma ferramenta fundamental para superarmos essa crise.
  • Uma preocupação especial é com os profissionais de saúde, que estão adoecendo.
  • Sobre o isolamento, há que se reconhecer haver várias formas de estar em isolamento. Pessoas que vivem em um lugar com 3 metros quadrados, com cinco a seis pessoas, às vezes várias com tuberculose, p.e. Mandar essas pessoas ficar dentro de casa, esse é um isolamento bem diferente.
  • Para os jovens, a ansiedade sobre o futuro, as incertezas, isso está muito forte hoje com essa crise.
  • Esse momento é um desafio para as famílias. Viver 24 horas juntos, dia após dia, pode ser ocasião para a eclosão de muitos conflitos. Como é o caso do aumento da violência doméstica.
  • A experiência clínica está mostrando que a adesão do chamado psicótico para o atendimento à distância está sendo imediata, sem problemas.
  • Na Itália, há experiência de dar de presente um celular para quem não o tem. Até mesmo para se comunicar com os familiares na hora da morte, visto que não pode receber visitas. Isso pode ser pensado para os usuários psiquiátricos no Brasil, para os que não têm um celular. Ou para a população de rua.
  • Iniciativas importantes de solidariedade estão sendo tomadas em Belo Horizonte.

 

 

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Psicólogos e pacientes se adaptam às exigências de confinamento

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Publicado no LE MONDE, uma matéria assinada por Léa Iribarnegaray, mostrando como os profissionais de saúde mental estão fazendo uso de meios alternativos e criativos para oferecer seus cuidados em tempos de isolamento e confinamento social.

“Para recriar o divã, alguns não hesitaram em se instalar em seu carro, no banco do carona levemente inclinado – com o telefone um pouco atrás. Falando ao telefone, o seu psicanalista.”

Frente às medidas oficiais das autoridades francesas regulamentando os deslocamentos no quadro da luta contra a propagação do vírus Covid-19, o Sindicato Nacional dos Psicólogos da França acaba de tomar uma posição recomendando “teleconsulta para todos”, que não se pode considerar “o acompanhamento psicológico como não essencial. Se não são os profissionais de saúde na linha de frente, “os psicólogos participam da malha de cuidados psíquicos e da saúde mental. Em um contexto de epidemia nacional, ele(a)s devem estar lá para escutar e aliviar a ansiedade dos que sofrem”.

Que meios vem sendo empregados?  Conversas telefônicas, trocas de e-mails ou de SMS, videoconferências via Skype, FaceTime, Whatsapp, entre outras plataformas digitais.

Alguns relatos interessantes:

“ ‘No começo, eu tinha medo que não funcionasse’, afirma Claire (os nomes foram modificados), diz um dos pacientes. Como a maioria das pessoas interrogadas, a jovem de 28 anos se diz agradavelmente surpresa após um primeiro teste feito por telefone. Baseada em uma aliança terapêutica forte, a teleconsulta é sempre mais fluida quando feita em terreno conhecido. “

“De repente, o paciente faz emergir as coisas por telefone que ele não teria ousado dizer face-a-face”, explica Frédéric Tordo, psicólogo clínico. “Se chama isso de desinibição digital”.

Para que uma teleconsulta responda ao ‘contrato’ previamente acordado entre as quatro paredes do consultório, há necessidade de que as condições de um quadro ético e deontológico estejam reunidas. Como é bem observado pela jornalista, garantir a estrita confidencialidade de uma sessão pode parecer como um exercício acrobático em período de confinamento.

“É complicado de se isolar e ter uma intimidade total, diz Claire. Eu não quero dizer aos meus colegas com quem compartilho o meu apartamento que eu vou a um psicólogo”.

E com as pessoas menos favorecidas, que não contam com espaços para um mínimo de privacidade?  Jean-Pierre Couteron, psicólogo, diz o que uma de suas pacientes nessa situação faz, “quando a sua mãe sai para fazer compras, ela pega seu telefone para uma sessão de improviso”.

Clicando leia a matéria na íntegra íntegra →

EUA consideram políticas que levarão à morte em massa de pacientes psiquiátricos

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A primeira morte do coronavírus (COVID-19) na Coréia do Sul foi um paciente psiquiátrico em uma enfermaria trancada.

Seis outros pacientes psiquiátricos, também presos, morreram em poucos dias.

Quem a doença mais atinge não está totalmente claro, assim como muita coisa a respeito dessa pandemia. Mas a primeira morte na Coréia do Sul é consistente com o que sabemos sobre o número de mortes em todo o mundo: são os idosos e as pessoas com condições de saúde preexistentes e sistemas imunológicos comprometidos que parecem ser os mais vulneráveis. Para deixar claro, até os jovens saudáveis estão ficando gravemente doentes e morrendo, mas, no geral, o número de mortes é mais alto entre os mais frágeis.

Pacientes psiquiátricos têm taxas muito mais altas de diabetes, tabagismo / cigarro eletrônico, pressão alta, obesidade e outras condições de saúde que aumentam a vulnerabilidade ao vírus. Estresse contínuo, isolamento, vivendo sob estigma e sem relacionamentos e redes sociais contribuem para o enfraquecimento da imunidade. O confinamento em enfermarias psiquiátricas ou residências terapêuticas, em comunidades terapêuticas  casas de repouso para idosos também certamente agravará o risco de adoecer, e as pessoas com diagnóstico psiquiátrico estão super-representadas no sistema prisional, em um orfanato, entre os sem-teto e entre aqueles que vivem na pobreza – onde maiores taxas de doenças e menor expectativa de vida são a norma.

Ser um paciente psiquiátrico provavelmente o coloca em um risco muito maior de adoecer ou morrer de COVID-19.

Enquanto a maior parte da conversa sobre ‘saúde mental no tempo da pandemia’ se concentra na ‘atenção-plena’ (‘mindfulness’), em maneiras de aliviar o estresse e na acessibilidade dos psiquiatras durante o distanciamento social, essa realidade do COVID-19 e da saúde mental está sendo ignorada.

Portanto, devemos ficar claros: quando você ouve as frases “os mais vulneráveis”, “os frágeis”, “os com maior risco” e “os idosos” como sendo quem está morrendo e morrerá do COVID-19, essa linguagem claramente também inclui pacientes psiquiátricos e pessoas com diagnóstico de saúde mental. A política de resposta pandêmica também é, portanto, política de saúde mental: como tratamos as pessoas com diagnóstico psiquiátrico.

Sabemos o que funciona e salva as vidas. Sabemos o que protegerá os vulneráveis, incluindo pacientes psiquiátricos. Respostas bem-sucedidas à pandemia retardaram a doença e protegeram o sistema de saúde da sobrecarga na China, Coréia do Sul, Taiwan, Cingapura e outros lugares. É absolutamente claro que existe um conjunto direto de políticas comprovadas para proteger as pessoas de doenças e defender hospitais e profissionais médicos de ficarem tão sobrecarregados que não podem cuidar das pessoas, como está acontecendo na Itália e na Espanha. Essas políticas incluem distanciamento e bloqueio social, rastreamento de contatos, contenção e testes generalizados. Temos a sorte de ter dados muito bons desses países a mostrar o que funciona para salvar os ‘frágeis e vulneráveis’ – que sabemos que incluem pacientes psiquiátricos que, de outra forma, morreriam.

Nosso imperativo moral está, portanto, bem diante de nós.

É claro que há um custo para a economia dessas medidas disruptivas. Essa é a natureza dessa pandemia, que está afetando fortemente nossas economias. Vai custar nossa economia. Mas não há argumento: economias voltam: pessoas mortas não. Implementada globalmente, uma resposta eficaz à pandemia salvará dezenas ou centenas de milhões de vidas; nos EUA, estima-se que medidas efetivas possam reduzir o número de mortos em um milhão de pessoas ou mais.

No entanto, agora a liderança política dos EUA está abertamente falando em abandonar políticas eficazes e seguir uma direção diferente que poderá matar desnecessariamente muito mais pessoas – talvez milhões – e inclusive matar centenas de milhares ou mais de pacientes de tratamento em saúde mental. No momento, o presidente dos EUA, conselheiros, políticos, líderes estaduais e locais e comentaristas estão discutindo a suspenção do distanciamento social, do bloqueio e da contenção que estão retardando a propagação da doença.

Por quê? A ideia – que está longe de ser correta – é que voltar ao trabalho e voltar aos negócios melhorará os resultados e manterá a economia mais lucrativa, evitando recessão ou depressão que precisariam de uma intervenção governamental mais massiva. Nesta visão, o ‘custo econômico’ – isto é, lucros perdidos e perturbações sociais e o custo das medidas governamentais – é mais importante do que salvar vidas. Mais pessoas ‘idosas’ devem morrer do que precisam, para manter os lucros das empresas na economia.

É isso mesmo, em nome da proteção dos negócios, como de costume, agora existe um cálculo que diz que é permitido deixar o vírus se espalhar mais rapidamente, ajudar o mercado de ações e aumentar o fluxo de receita de empresas privadas. Ao acelerar a propagação do vírus e aumentar a carga em nosso sistema hospitalar, essas políticas sendo consideradas quase certamente levarão à morte em massa de muitas pessoas mais ‘vulneráveis’. (E lembre-se de que o distanciamento social não é apenas para protegê-lo – é para retardar a disseminação para outras pessoas. Pessoas em situações em que não conseguem se distanciar socialmente ou são impedidas de se distanciar socialmente, como instituições ou residências terapêuticas, ainda seriam deixadas correndo maior risco de infecção se mudarmos essas políticas porque o vírus será mais disseminado e infectará mais rapidamente pessoas confinadas e institucionalizadas, além de deixar os hospitais mais propensos a ficar sobrecarregados e impedidos de prestar ajuda na medida que os profissionais fiquem doentes.)

Portanto, devemos esclarecer o que isso significa: nossos líderes, confrontados com as escolhas do que fazer na pandemia, confrontados com os fatos do que salvará vidas, agora, de maneira explícita, intencional e consciente, estão pensando em escolher políticas que quase certamente resultarão na morte em massa de pacientes psiquiátricos que não precisariam morrer. É isso mesmo: os líderes estão considerando seriamente abandonar políticas que salvam vidas em grande escala para economizar dinheiro. Dinheiro. Não vidas. Dinheiro. E vidas que podem chegar a centenas de milhares, um milhão ou mais.

O fato de isso estar sendo discutido – considerado aceitável e pensável – é uma acusação moral da crueldade de nossa sociedade. Precisamos parar de falar eufemisticamente sobre ‘os idosos’ e ‘aqueles com sistema imunológico comprometido’. Precisamos adicionar pacientes psiquiátricos e entender de quem está sendo falado, para que fiquemos totalmente claros sobre quem vai morrer. Precisamos tornar o imperativo moral de forma severa e inequívoca.

Essa ideia de abandonar esse isolamento social eficaz seria impensável se os ricos e poderosos não estivessem mais protegidos de adoecer e morrer do que você e eu. Eles não estão olhando para políticas com a mesma probabilidade de acabar matando a si ou a seus familiares como as que devem matar você e eu. Os ricos, as celebridades e o 1% estão obtendo acesso mais fácil a testes e bons tratamentos por causa de um sistema médico privatizado, onde quanto mais rico se é, melhor é o atendimento. Dada essa desigualdade, são os mais vulneráveis e excluídos, inclusive os psiquiátricos, que são os dispensáveis. Economizar dinheiro é visto como mais importante do que salvar vidas. Mais mortes são consideradas um preço aceitável a pagar – porque são outras pessoas que morrerão.

Não é um sacrifício nacional compartilhado que está sendo proposto. As mortes adicionais não serão para proteger uma economia que beneficie a todos. As pessoas morrerão pelo bem de uma economia que enriqueceu um número cada vez menor de pessoas como parte da maior desigualdade de riqueza e renda da história da humanidade. Uma economia que alimentou a assistência médica privada com lucro que levou diretamente à crise da pandemia se tornar no que é. Uma economia que privatizou os cuidados de saúde e nos deixou completamente despreparados para uma pandemia que sabíamos que estava por vir.

Vivemos em um mundo onde os crimes de guerra do passado são considerados impensáveis hoje. Tragicamente, esses mesmos crimes muitas vezes retornam vestidos em linguagem diferente, uma linguagem mais civilizada e higienizada de eufemismo e jargão. O que é visto como normal, quando olhamos mais de perto acaba sendo imoral e errado. Ao considerar abandonar as medidas de distanciamento social, bloqueio e contenção que sabemos funcionar, os líderes agora estão discutindo políticas que resultariam diretamente na morte de um grande número de pacientes psiquiátricos entre os vulneráveis. Tudo porque nossas vidas são consideradas dispensáveis para manter os preços das ações altos e os negócios como de costume. Tudo em nome da ‘economia’.

As primeiras mortes na Coréia do Sul devem soar um alarme para todos nós. Estamos à beira de um abismo moral.

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