Os antipsicóticos protegem contra a morte prematura? Uma revisão das evidências científicas

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Devido aos seus muitos efeitos adversos na saúde física, há muito tempo que se pensa que os antipsicóticos contribuem para a morte precoce dos “doentes mentais graves”. Em 2006, essa preocupação surgiu nas manchetes graças a um relatório da Associação Nacional dos Diretores de Programas de Saúde Mental do Estado. O relatório constatou que em ambientes de saúde pública, as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos “graves” estavam morrendo, em média, 25 anos antes do normal.

Embora o suicídio e as mortes acidentais representem de 35% a 40% desse excesso de mortalidade, quase dois terços são atribuídos a doenças somáticas: doenças cardiovasculares, diabetes e doenças respiratórias em particular – todas as quais podem ser vistas como riscos elevados devido aos efeitos adversos de drogas psiquiátricas.

No entanto, dois anos depois, Lancet publicou um estudo realizado por pesquisadores finlandeses que concluíram que os antipsicóticos reduzem a mortalidade. Desde então, esse grupo de pesquisadores continuou a publicar trabalhos que tiram essa mesma conclusão; e pelo menos dois estudos nos EUA apoiaram esses achados. Esta pesquisa produziu manchetes que divulgam esse recém-descoberto benefício dos antipsicóticos:

“Antipsychotics appear to halve mortality risk in schizophrenia” —Psychiatry and Behavior Health Learning Network

“Antipsychotics, mood stabilizers, SSRIs REDUCE, not worsen, risk of mortality in adults with mental illness.” Tweet from American Psychiatric Association President Jeffrey Lieberman, August 29, 2013

“Use of antipsychotic drugs improves life expectancy for individuals with schizophrenia” —Science News, Nov. 1, 2012

Essa nova alegação, de fato, passou a ocupar uma posição de frente, a estar no centro da base de evidências citada para justificar o uso a longo prazo de antipsicóticos. Outros argumentos para o uso a longo prazo dessas drogas haviam sido enfraquecidos na última década, ou haviam sido desmoronados por completo, e, portanto, essa nova descoberta surgiu em um momento casual para os que promove essa prática.

A psiquiatria promove há muito tempo o uso a longo prazo de antipsicóticos, afirmando que eles reduzem o risco de recaída. No entanto, logo após os Centros de Controle e Prevenção de Doenças emitirem seu relatório sobre morte precoce entre os “doentes mentais graves”, Martin Harrow publicou seu estudo sobre os resultados a longo prazo de pacientes diagnosticados com esquizofrenia, anunciando que as taxas de recuperação eram oito vezes maiores para os pacientes sem medicação e que o grupo sem medicação apresentava menor probabilidade de apresentar sintomas psicóticos em cada follow-up. Pesquisadores de outros países relataram achados semelhantes desde então, com taxas de recuperação mais altas para aqueles que não tomam antipsicóticos, o que levou a questionar a importância dos estudos de recaída como “evidência” para o uso a longo prazo desses medicamentos.

O campo também foi abalado por pesquisas que mostram que os antipsicóticos causam um encolhimento dos volumes cerebrais, e que esse encolhimento está associado a um declínio na função cognitiva e a uma piora dos sintomas negativos (desengajamento emocional).

Mas se essa afirmação mais recente – que os antipsicóticos reduzem a mortalidade – se baseia em boa ciência ela forneceria um argumento convincente para manter os pacientes com esses medicamentos. Na medicina, um medicamento que reduz as taxas de mortalidade por uma doença é entendido como um tratamento “eficaz”. Esse é um resultado final, e é o próprio resultado usado para avaliar a eficácia de, por exemplo, tratamentos contra o câncer.

Por outro lado, se um medicamento aumenta as taxas de mortalidade, então – pela mesma linha de raciocínio – ele está causando danos. Nesse caso, o objetivo seria usar os medicamentos com cautela e procurar limitar seu uso a longo prazo.

Em seguida, será apresentada uma revisão da literatura sobre os efeitos dos antipsicóticos nas taxas de mortalidade. Após um rápido resumo da “lacuna de mortalidade” entre os “doentes mentais graves” e a população em geral, será apresentada uma revisão das pesquisas que apoiam a conclusão de que os antipsicóticos contribuem para a morte precoce. Em seguida, será apresentada uma revisão dos estudos agora são citados como evidência de que os antipsicóticos são protetores contra a morte precoce.

Os leitores podem decidir qual linha de pesquisa que acham ser a mais convincente.

A lacuna da mortalidade

As métricas que os pesquisadores geralmente usam para avaliar a mortalidade precoce são “taxas de mortalidade padronizadas”. Por exemplo, os pesquisadores podem comparar a mortalidade entre as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia com a mortalidade na população em geral durante um período de 10 anos (com os dois grupos pareados por idade e sexo). Se houver o dobro de mortes no grupo da esquizofrenia em comparação com a população em geral, a taxa de mortalidade padronizada (SMR – sigla para Standard Mortality Rate) é de 2,0. Se houver três vezes mais mortes, o SMR é 3,0, e assim por diante.

Quanto maior a SMR, maior a “diferença de mortalidade” em termos de anos perdidos por uma doença, transtorno ou desordem.

Em 2006, quando a National Health Association of State Mental Health Program Directors publicou seu relatório, a “lacuna da mortalidade” foi entendida como tendo aumentado nos últimos anos. De fato, a taxa de mortalidade padronizada para os doentes mentais graves, em comparação com a população em geral, piorou nos últimos 40 anos.

  • Em 2007, pesquisadores australianos realizaram uma revisão sistemática de relatórios publicados sobre as taxas de mortalidade de pacientes com esquizofrenia em 25 países. Eles descobriram que as SMRs da “mortalidade por todas as causas” aumentaram de 1,84 na década de 1970 para 2,98 na década de 1980 e para 3,20 na década de 1990.
  • Em 2017, os investigadores do Reino Unido relataram que a SMR para pacientes bipolares havia constantemente aumentado de 2000 a 2014, aumentando 0,14 por ano, enquanto a SMR para pacientes com esquizofrenia havia aumentado gradualmente de 2000 a 2010 (0,11 por ano) e depois mais rapidamente de 2010 a 2014 (0,34 por ano.) “A diferença de mortalidade entre indivíduos com transtorno bipolar e esquizofrenia e a população em geral está aumentando”, eles escreveram.

Esses dados de mortalidade por “todas as causas” não fornecem evidências, por si só, de que os antipsicóticos estejam contribuindo para essa lacuna de mortalidade. No entanto, vale ressaltar que as taxas de SMR têm piorado constantemente durante a era antipsicótica, com esse agravamento parecendo continuar na era dos antipsicóticos atípicos. Não é o que se esperaria se os antipsicóticos protegessem da morte precoce.

Há outra descoberta intrigante no relatório de 2007 dos pesquisadores australianos. Eles descobriram que as taxas de mortalidade para pacientes com esquizofrenia ao longo das três décadas foram mais altas nos países desenvolvidos (SMR 2,79) do que nos países menos desenvolvidos (SMR 2,02). Isso é interessante porque um estudo da Organização Mundial da Saúde descobriu que apenas uma pequena porcentagem de pacientes com esquizofrenia nos países em desenvolvimento durante esse período havia sido regularmente mantida em antipsicóticos, enquanto que nos EUA e em outros países desenvolvidos a manutenção contínua de medicamentos era o padrão de atendimento. Há uma correlação aparente nesses dados: a diferença de mortalidade é maior em países que dependem mais de antipsicóticos.

Parte I: Evidência de que os antipsicóticos levam à morte prematura

Os antipsicóticos de primeira geração – clorpromazina, haloperidol e outros – eram conhecidos por causar uma ampla gama de efeitos adversos. Em particular, eles costumavam causar sintomas parkinsonianos (disfunção motora), que a longo prazo frequentemente levavam à discinesia tardia (TD). Os pesquisadores determinaram que a TD estava associada a um risco aumentado de morte (SMR = 1,4).

Além disso, os efeitos adversos conhecidos desses medicamentos incluíam obesidade, coágulos sanguíneos fatais, arritmia, insolação, anormalidades hormonais, convulsões e doenças do sangue. “Eles têm perfis de efeitos colaterais adversos que podem afetar todos os sistemas fisiológicos”, disse George Aranas, psiquiatra da Universidade Médica da Carolina do Sul, em 1999.

Os antipsicóticos de segunda geração que chegaram ao mercado em meados da década de 90, descritos como “atípicos”, também são conhecidos por causar uma ampla gama de efeitos adversos. Esses medicamentos podem ser menos propensos a causar sintomas parkinsonianos e a discinesia tardia, no entanto mais propensos a causar obesidade, intolerância à glicose, dislipidemia e hipertensão que, quando agrupados, são descritos como “síndrome metabólica”.

No entanto, pode ser um pouco enganador agrupar antipsicóticos como medicamentos de primeira ou segunda geração, pois os perfis de eventos adversos de medicamentos individuais variam muito, dependendo de quais sistemas de neurotransmissores eles interrompem e de sua potência. Este gráfico mostra os efeitos adversos associados à interrupção de diferentes neurotransmissores no cérebro.

Esses medicamentos, Christopher Correll e outros escreveram em um artigo de 2015 publicado na World Psychiatry, aumentam o risco de “doenças cardiovasculares, do trato respiratório, sistema gastrointestinal, hematológico, musculoesquelético e renal”.

Assim, antipsicóticos típicos e atípicos causam efeitos adversos que podem aumentar o risco de seus usuários morrerem de doenças somáticas e, em particular, de doenças cardiovasculares, respiratórias e endócrinas. Nesse caso, esse aumento do risco de morte deve aparecer em estudos que calculam as taxas de SMR para essas doenças entre os usuários desses medicamentos.

Existem três tipos de estudos de mortalidade a serem revisados:

  • O primeiro são estudos que utilizam grandes bancos de dados de pacientes para avaliar as taxas de SMR entre os doentes mentais graves devido a doenças somáticas.
  • O segundo são estudos que utilizam grandes bancos de dados de pacientes para avaliar o impacto dos antipsicóticos nas taxas de mortalidade entre pacientes sem diagnóstico psiquiátrico.
  • O terceiro são alguns estudos de coortes menores de pacientes psicóticos que avaliam se as variações no uso de antipsicóticos afetaram o risco de morte.

Excesso de mortes entre os doentes mentais graves devido a doenças somáticas

Em seus estudos, os pesquisadores publicaram taxas variáveis de SMR para pessoas com diagnóstico de esquizofrenia (ou doentes mentais graves) para mortalidade por todas as causas e para doenças específicas. O gráfico abaixo detalha as descobertas SMR a partir do seguinte:

  • O relatório de 2006 da Associação Nacional de Saúde dos Diretores Estaduais de Saúde Mental (Parks).
  • A meta-análise de 2007 realizada por pesquisadores australianos sobre mortalidade entre pacientes com esquizofrenia em 25 países (Saha).
  • Um relatório resumido de 2015 da Organização Mundial da Saúde sobre “excesso de mortalidade” nos doentes mentais graves (OMS). Artigo de 2015 que avaliou as taxas de mortalidade de 1,13 milhão de usuários do Medicaid diagnosticados com esquizofrenia, com idades entre 20 e 64 anos, de 2001 a 2007 (Olfson).

Dois desses estudos (Parks e Olfson) mapearam as taxas de SMR entre aqueles com esquizofrenia e os doentes mentais graves nos Estados Unidos. Dois outros traçaram taxas globais de SMR para esses grupos de diagnóstico. Todos os quatro descobriram que pacientes com doenças mentais graves, uma grande porcentagem dos quais são prescritos antipsicóticos, morrem de doenças somáticas com taxas de duas a cinco vezes a da população em geral.

O excesso de mortalidade devido a doenças somáticas entre os doentes mentais graves é frequentemente atribuído à “doença” ou a seus comportamentos prejudiciais à saúde, em oposição aos efeitos adversos dos antipsicóticos. No entanto, mesmo que os doentes mentais graves – independentemente de quaisquer efeitos do tratamento – sofram frequentemente de problemas de saúde física, os efeitos adversos dos antipsicóticos ainda podem contribuir para esse excesso de mortalidade.

Há um outro estudo que fornece informações sobre o excesso de mortalidade entre os doentes mentais graves devido a doenças somáticas.

Em um relatório de 2007, David Osborn e colegas avaliaram as taxas de SMR para doença cardíaca coronariana e derrame entre os doentes mentais graves no Reino Unido, em comparação com a população em geral. O excesso de mortalidade diminuiu conforme a idade, significando que o excesso de risco era particularmente pronunciado entre pacientes mais jovens.

Excesso de mortes entre todos os usuários de antipsicóticos

Nos estudos citados acima, que relatam morte precoce entre aqueles diagnosticados com esquizofrenia e doentes mentais graves, não houve avaliação do uso de antipsicóticos entre esses grupos. Os estudos simplesmente calcularam taxas de SMR para um grupo de diagnóstico sem levar em consideração o tratamento.

Em 2013, pesquisadores do Reino Unido levaram a cabo um grande estudo desenvolvido para avaliar a “mortalidade entre usuários de antipsicóticos em relação aos não usuários”. Eles utilizaram um banco de dados de registros computadorizados de quase 11 milhões de pacientes atendidos na atenção primária de 1995 a 2010 para identificar três grupos de pacientes:

  • Todos os usuários de antipsicóticos, independentemente de terem um diagnóstico psiquiátrico (N = 183.392)
  • Não usuários de antipsicóticos da população em geral (N = 544.726)
  • Não usuários de antipsicóticos que tiveram diagnóstico psiquiátrico de esquizofrenia, transtorno bipolar ou depressão (N = 193.920)

Primeiro, eles determinaram que as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia ou transtorno bipolar que não usavam antipsicóticos ainda morriam em uma taxa mais alta do que os não usuários na população em geral (SMR para esquizofrenia = 1,99; SMR para bipolar = 1,40.). No entanto, as SMRs para esses pacientes não medicados foram notavelmente mais baixas do que nos estudos de todos os pacientes nessas categorias de diagnóstico (por exemplo, estudos que incluíram aqueles que estavam tomando antipsicóticos).

Segundo, eles relataram que os usuários de antipsicóticos na população em geral tinham quase três vezes mais chances de morrer do que os não usuários na população em geral. Os pesquisadores publicaram SMRs “totalmente ajustadas”, o que significa que procuraram equalizar todos os fatores de risco nos dois grupos, exceto o uso de antipsicóticos.

Mortalidade por todas as causas: SMR = 2,72

Mortalidade cardíaca: SMR = 1,83

Morte cardíaca súbita: SMR = 4,03

Terceiro, os pesquisadores compararam os não usuários de drogas psiquiátricas com diagnóstico psiquiátrico aos usuários da população em geral. Esta é uma comparação entre dois grupos desiguais na linha de base: aqueles com diagnóstico psiquiátrico eram mais propensos a morrer. No entanto, foram os usuários de antipsicóticos na população em geral que apresentaram maiores taxas de mortalidade.

Mortalidade por todas as causas: SMR = 1,75

Mortalidade cardíaca: RMS = 1,72

Morte cardíaca súbita: SMR = 5,76

Como parte dessa terceira comparação, eles também relataram as taxas de mortalidade para os usuários de drogas psiquiátricas na população em geral, em comparação com os não usuários dessas drogas, por idade. Isso revelou que a mortalidade elevada para usuários de antipsicóticos é mais pronunciada entre os menores de 30 anos e diminui depois disso.

O estudo do Reino Unido, com suas várias comparações, fornece evidências de que os antipsicóticos elevam a mortalidade em pacientes psiquiátricos e não psiquiátricos. O risco é tão grande que os usuários do público em geral morrem a taxas mais altas do que os não usuários de drogas psiquiátricas que tenham um diagnóstico psiquiátrico.

Existem inúmeros outros estudos que avaliaram o impacto dos antipsicóticos nas taxas de mortalidade em pacientes não psiquiátricos – idosos; aqueles com demência, Parkinson e DPOC; pacientes do hospital geral, beneficiários do Medicaid, adolescentes e crianças. Com grande regularidade, os pesquisadores relatam que os antipsicóticos elevam as SMRs para mortalidade por todas as causas e doenças cardíacas.

Aqui está um resumo dos achados mais notáveis:

  • De acordo com uma meta-análise de 2018, entre pacientes com demência os antipsicóticos dobram o risco de morrer.
  • Em um estudo de 2016 com 15.000 veteranos tratados para Parkinson, aqueles que foram tratados com antipsicóticos tinham duas vezes mais chances de morrer em seis meses (SMR = 2,35).
  • Um estudo de 2009 com 275.000 inscritos no Medicaid no Tennessee descobriu que usuários de antipsicóticos que não tinham histórico de esquizofrenia ou outro distúrbio psicótico, em comparação com um grupo parecido de não usuários, tinham duas vezes mais chances de morrer de morte cardíaca súbita.
  • Um estudo de 2019 com 190.000 crianças e jovens no Tennessee, com idades entre 5 e 24 anos, determinou que a mortalidade por todas as causas para aqueles tratados com antipsicóticos era quase o dobro de um grupo parecido que não usava antipsicóticos (SMR = 1,80).

Em uma revisão de 2018 da literatura, os investigadores australianos resumiram os resultados. Os antipsicóticos aumentam as taxas de mortalidade em todos os grupos de pacientes. A “mortalidade por todas as causas de pacientes com medicamentos antipsicóticos prescritos é quase duas”, eles escreveram, acrescentando que o “risco elevado de mortalidade é mais alto” nos primeiros 180 dias de uso e está relacionado à dose. Essa descoberta levou os pesquisadores a emitir a seguinte recomendação:

“Esta é a primeira metanálise a incluir evidências de estudos gerais de saúde mental que mostram que os antipsicóticos precipitam a mortalidade excessiva em todo o espectro. A prescrição de medicamentos antipsicóticos para demência ou para outros cuidados de saúde mental deve ser evitada e devem ser buscados meios alternativos para lidar com distúrbios comportamentais desses pacientes. ”

Excesso de mortalidade em coortes de pacientes psicóticos

Os estudos acima se basearam em grandes bancos de dados de prontuários, que poderiam ser utilizados para calcular SMRs em pacientes agrupados de acordo com o diagnóstico ou uso de antipsicóticos. Houve um punhado de estudos de pequenas coortes de pacientes psicóticos que avaliaram se as variações no uso de antipsicóticos afetavam seu risco de morrer.

Em um estudo prospectivo de 88 pacientes com esquizofrenia crônica na Irlanda, com idade média de 62 anos, John Waddington e colegas relataram que 44% morreram nos próximos 10 anos. Dois terços morreram de doenças cardiovasculares ou respiratórias. Os pesquisadores irlandeses concluíram que “quanto maior o número de antipsicóticos administrados simultaneamente, menor a sobrevida do paciente”.

Em 1978, investigadores finlandeses liderados por Matti Joukamaa começaram a seguir um grupo de 99 pacientes com esquizofrenia que tinham, na época, todos, 30 anos ou mais. No começo do estudo, 20 dos 99 não estavam tomando antipsicóticos, 31 estavam tomando um antipsicótico, 34 estavam tomando dois antipsicóticos e 14 estavam tomando três ou mais.

Nos 17 anos seguintes, 39 dos 99 morreram. As taxas de mortalidade para os pacientes aumentavam com cada passo dado na progressão antipsicótica. As SMRs para esses grupos de pacientes, comparadas às taxas de mortalidade na população em geral (pareadas por idade e sexo), foram as seguintes:

Sem antipsicóticos: SMR = 1,29

Um antipsicótico: SMR = 2,97

Dois antipsicóticos: SMR = 3,21

Três ou mais antipsicóticos: SMR = 6,83

Joukamaa escreveu:

“O presente estudo demonstrou uma relação gradual entre o número de medicamentos neurolépticos prescritos e a mortalidade daqueles com esquizofrenia. Essa relação e o excesso de mortalidade entre pessoas com esquizofrenia não puderam ser explicados por doenças somáticas coexistentes ou por outros fatores de risco conhecidos para morte prematura. ”

Um terceiro estudo de coorte fornece uma comparação das taxas de mortalidade para pacientes psicóticos do primeiro episódio tratados com terapia de Diálogo Aberto na Lapônia Ocidental ou com tratamento convencional em outras partes da Finlândia. O Diálogo Aberto limita o uso imediato e a longo prazo de antipsicóticos e, portanto, este estudo fornece uma comparação entre dois paradigmas diferentes de atendimento.

No final de 19 anos, apenas 55% dos 113 do grupo do Open Dialogue já haviam sido expostos a antipsicóticos e apenas 36% usavam antipsicóticos. Por outro lado, 97% dos 1.763 pacientes no grupo de comparação foram expostos a antipsicóticos e 81% usaram os medicamentos no final do período do estudo. Onze da coorte Open Dialogue morreram (10%) durante a extensão do follow-up, enquanto 296 na coorte tratada convencionalmente morreram (17%).

O tamanho da amostra nesta comparação foi muito pequeno para que essas taxas de mortalidade fossem estatisticamente significativas. No entanto, como pode ser visto no gráfico abaixo, as taxas de mortalidade foram menores no grupo com menor exposição a antipsicóticos.

Suicídio na Era Antipsicótica

O suicídio e os acidentes representam até 40% da mortalidade precoce entre os doentes mentais graves (e uma porcentagem maior de todas as mortes no primeiro ano após o diagnóstico inicial). Para os propósitos desta revisão, o primeiro fato a ser observado é o seguinte: as taxas de suicídio entre os doentes mentais graves aumentaram acentuadamente após a chegada de antipsicóticos na medicina de asilo em meados da década de 1950.

Embora seja comum afirmar que a taxa de suicídio ao longo da vida para pacientes com esquizofrenia hoje é de 10%, com algumas fontes afirmando que há muito tempo é assim, o psiquiatra irlandês David Healy, em uma revisão da literatura, chegou a uma conclusão um pouco diferente. A melhor evidência mostra que está perto de 4%, ainda quatro vezes maior do que era antes de 1955. “A melhor estimativa para a taxa de suicídio ao longo da vida de pacientes com esquizofrenia na era pré-comunitária é da ordem de 1 % ou menos”, escreveu ele.

Um relatório australiano de 2002 da SANE concluiu da mesma forma que “a taxa de suicídios aumentou acentuadamente desde o início da desinstitucionalização – hoje é pelo menos quatro vezes maior do que nos estudos do período de 1913 a 1960”.

Um grande estudo de veteranos dos EUA hospitalizados entre 1950 e 1975 descobriu que esse aumento no suicídio aconteceu em conjunto com a introdução dos antipsicóticos. De 1950 a 1955, a taxa de suicídio para aqueles com condições “neuropsiquiátricas” era comparável à taxa para aqueles com condições médicas gerais. No entanto, nas próximas duas décadas, houve “um aumento de 8 vezes no suicídio entre pacientes neuropsiquiátricos em comparação com pacientes clínicos em geral”, escreveu Healy em sua revisão de 2006.

As razões para esse aumento no suicídio são entendidas como multifatoriais (e não apenas devido aos possíveis efeitos diretos dos antipsicóticos). Uma ideia é que o atendimento em asilo era protetor contra o suicídio, e que a maior taxa de suicídio hoje seria uma consequência da desinstitucionalização, com os doentes mentais graves sendo mal atendidos pelos serviços comunitários disponíveis.

No entanto, Healy e outros apontaram os antipsicóticos como um possível fator contribuinte. Seu uso apresenta três tipos de riscos relacionados ao suicídio: efeitos adversos dos medicamentos que podem induzir o comportamento suicida; sintomas de abstinência de medicamentos que surgem quando as pessoas param de tomar um antipsicótico; e, para muitos, o desespero que acompanha esse paradigma de cuidado.

Acatisia induzida por drogas

É sabido que os antipsicóticos podem induzir acatisia, uma intensa agitação interna associada a um risco aumentado de suicídio e violência. A quarta edição do DSM, publicada em 1994, afirmou que a acatisia induzida por drogas era um efeito adverso comum às drogas, que poderia levar ao suicídio:

“O sofrimento subjetivo resultante da acatisia é significativo e pode levar à não adesão ao tratamento neuroléptico. A acatisia pode estar associada à disforia, irritabilidade, agressão ou às tentativas de suicídio. . . A prevalência relatada de acatisia entre indivíduos que recebem medicação neuroléptica tem variado amplamente (20% -75%).”

Mais recentemente, um estudo alemão de 289 pacientes psicóticos do primeiro episódio tratados com haloperidol ou risperidona descobriu que “a ideação suicida estava significativamente associada à acatisia observada na clínica, ao humor deprimido, à idade mais jovem e ao uso de propranolol”, com este último medicamento prescrito para o tratamento da acatisia.

Embora se saiba que os antipsicóticos de primeira geração induzem regulamente a acatisia, a segunda geração, embora considerada menos problemática a esse respeito, ainda induz a acatisia em 15% a 35% dos pacientes.

Riscos de abstinência

Muitos pacientes psicóticos tratados com antipsicóticos no hospital – e isso é particularmente verdade para pacientes em primeiro episódio – param de tomar seus remédios assim que recebem alta. Outros podem permanecer nos remédios por um tempo e parar abruptamente de tomá-los. Após alguns anos após o diagnóstico inicial, a maioria dos pacientes tentou deixar de tomar o antipsicótico prescrito.

Esse padrão de “descontinuação” expõe os pacientes psicóticos aos rigores dos sintomas de abstinência, que é um risco que não é natural à “doença”. A lista de possíveis sintomas de abstinência é longa, incluindo risco de recaída psicótica grave e acatisia recém-emergente e que podem persistir por longos períodos de tempo.

Um ambiente terapêutico deprimente

Os pacientes psicóticos do primeiro episódio entram em um ambiente terapêutico que, para muitos, é profundamente deprimente e isolador. As pessoas são informadas regularmente de que têm doenças crônicas e que talvez precisem tomar um remédio para sempre – um antipsicótico – que acham que as privam de sua capacidade de sentir e interagir emocionalmente com o mundo. No entanto, aqueles que se recusam a tomar um antipsicótico provavelmente se encontrarão em conflito com as demandas da família e da sociedade. Eles são condenados se sentem condenados tanto tomando quando deixando de tomar os antipsicóticos.

Esses são os três riscos relacionados ao suicídio colocados por um paradigma de atendimento baseado em antipsicóticos. E estudos com pacientes do primeiro episódio relatam regularmente que o risco de mortalidade e de morte por suicídio aumenta nos 12 meses após a primeira hospitalização.

Por exemplo, em um estudo dinamarquês de 9.156 pacientes com esquizofrenia hospitalizados para um primeiro episódio de psicose entre 1970 e 1987, a taxa de suicídio entre menores de 30 anos foi 200 vezes maior do que no público em geral.

Da mesma forma, um grande estudo nos EUA com 5.488 pacientes de um plano de saúde, em seu primeiro episódio, descobriu que a mortalidade por todas as causas durante o primeiro ano era 24 vezes a taxa para a população em geral, com quase 2% morrendo durante esse período. Mais de 60% desse grupo do primeiro episódio nunca seguiu a prescrição de uso de um antipsicótico após a alta hospitalar e, portanto, a maioria experimentou os riscos decorrentes da retirada abrupta de um antipsicótico.

É fácil ver que o impacto dos antipsicóticos nas taxas de suicídio em pacientes com psicose no primeiro episódio pode ser interpretado de duas maneiras diferentes.

Um método comum é o seguinte: os pesquisadores podem comparar as taxas de suicídio entre os pacientes do primeiro episódio que mantêm seus antipsicóticos com aqueles que param de tomá-los, e se a taxa de suicídio for maior no último grupo, os pesquisadores poderão concluir que os medicamentos são protetores contra o suicídio.

Um segundo método é analisar a taxa de suicídio para toda a coorte de pacientes do primeiro episódio durante o ano seguinte à alta. Essa abordagem fornece informações sobre o risco de suicídio em um paradigma de atendimento baseado em drogas, e a pesquisa revisada aqui revela dois fatos relevantes:

  1. As taxas de suicídio para aqueles diagnosticados com esquizofrenia e outros transtornos psicóticos são muito mais altas hoje do que na era pré-antipsicótica.
  2. As taxas de suicídio atingem alturas extremas em adultos jovens que sofrem de um primeiro episódio de psicose e que entram neste mundo de tratamento centrado em antipsicóticos.

Resumindo as evidências de que os antipsicóticos contribuem para a morte precoce

Como pode ser visto na pesquisa resumida até este ponto, existem razões convincentes para concluir que esses medicamentos contribuem para a morte precoce. A saber:

  • Tanto os antipsicóticos de primeira quanto os de segunda geração causam efeitos adversos conhecidos por aumentar o risco de morte por doenças cardíacas, respiratórias e endócrinas.
  • Usuários psiquiátricos de antipsicóticos morrem em altas taxas por essas doenças somáticas.
  • Pacientes não psiquiátricos que usam esses medicamentos também morrem a taxas elevadas por essas doenças.
  • Nos pacientes psiquiátricos e não psiquiátricos, o uso de antipsicóticos duplica o risco de morte em comparação com as coortes correspondentes de pacientes que não tomam os medicamentos.
  • Estudos de coortes menores de pacientes com esquizofrenia descobriram que o uso de antipsicóticos está associado a taxas elevadas de morte, com esse risco aumentando com doses mais altas e com a polifarmácia.
  • As taxas de suicídio para pacientes diagnosticados com esquizofrenia são dramaticamente mais altas na era antipsicótica do que na era pré-antipsicótica, e esse risco aumenta durante o primeiro ano após o tratamento inicial com um antipsicótico feito no hospital.

Com essa evidência em mente, agora podemos examinar a pesquisa que está sendo citada hoje como evidência de que esses medicamentos reduzem a mortalidade e prolongam a vida.

Parte II: A evidência de que os antipsicóticos reduzem a mortalidade

A pesquisa mais citada como evidência de que os antipsicóticos reduzem a mortalidade veio de um grupo de pesquisadores finlandeses liderados por Jari Tiihonen. Desde 2006, ele e seus colaboradores publicaram pelo menos sete estudos de várias coortes de pacientes com conclusões para aquele efeito.

Embora essa pesquisa tenha sido financiada por fontes não farmacêuticas, Tiihonen tem vínculos com inúmeras empresas farmacêuticas e fabricantes de antipsicóticos. Em um artigo de 2015, ele revelou que “atuou como consultor, assessor ou palestrante da Astra-Zeneca, Bristol-Myers Squibb, Eli Lilly, GlaxoSmithKline, Hoffman-La Roche, Janssen-Cilag, Lundbeck, Novartis, Organon, Otsuka e Pfizer”.

A pesquisa finlandesa baseia-se na extração de informações de três bancos de dados. O primeiro é um registro nacional de pacientes hospitalizados na Finlândia, datado de 1965, que fornece um diagnóstico dado a todos os pacientes. O segundo é um registro nacional de todas as prescrições ambulatoriais de medicamentos desde 1º de janeiro de 1996, com cada prescrição vinculada a um indivíduo específico por um número de identificação. O terceiro é um registro nacional de óbitos.

Esses três bancos de dados permitem que Tiihonen e colegas identifiquem todos os residentes finlandeses diagnosticados com esquizofrenia ou alguma outra condição psicótica desde 1965, que acompanhem as prescrições antipsicóticas que foram compradas desde 1996 enquanto moravam na comunidade e que avaliem se ainda estão vivos ou não, a data e a causa listada da morte.

Em seus estudos, as prescrições ambulatoriais servem como proxy para o uso de medicamentos. Se um paciente que recebe alta preenche a prescrição de um antipsicótico durante um mês (ou período durante o qual um medicamento deve ser reabastecido), essa pessoa é considerada como “medicada” naquele período. Se um paciente que recebeu alta não aderiu a uma receita por um período de 30 dias, a pessoa é considerada sem medicação nesse período.

Com essas informações, o grupo de Tiihonen é capaz de projetar estudos retrospectivos que calculam os riscos de mortalidade em um grupo selecionado de pacientes relacionados ao seu status de medicação. É mais provável que os pacientes morram durante meses sem medicação ou durante os meses em que aderiu a uma receita (e, portanto, são considerados sob medicação)? Como as taxas de mortalidade variam de acordo com o uso cumulativo de antipsicóticos pelos pacientes por períodos mais longos?

Existem várias questões metodológicas nesta pesquisa que precisam ser entendidas para avaliar seus méritos.

Uso de Medicamentos

A pesquisa finlandesa usa “prescrições ambulatoriais” como proxy para o uso de antipsicóticos. No entanto, como esse banco de dados não existia antes de 1996, não há avaliação do uso de antipsicóticos antes dessa data. Por exemplo, uma pessoa diagnosticada em 1965 poderia haver tomado antipsicóticos por até 30 anos e sofrido muitos efeitos adversos à saúde e, no entanto, se essa pessoa parasse de tomar os remédios antes de 1996, ela seria contada como um “não usuário ”de antipsicóticos nesses estudos. O uso de antipsicóticos durante as internações também não é registrado e, como a maioria das mortes ocorre em tais locais, esse é um segundo buraco negro nesta pesquisa.

Viés de sobrevivência

Em um dos estudos examinados abaixo, Tiihonen acompanhou pessoas diagnosticadas com esquizofrenia por até 11 anos, a partir de 1996. No entanto, a idade média dessa coorte na entrada neste estudo foi de 51 anos. Dada essa idade média, este é um estudo de mortalidade em um grupo que “sobreviveu” ao tratamento por vários anos e que, portanto, não é representativo da população maior de pacientes diagnosticados e tratados antes de 1996.

Por exemplo, imagine que houvesse 100 pessoas nascidas na Finlândia em 1945 que posteriormente foram diagnosticadas com esquizofrenia e que 50 desse grupo haviam morrido antes de 1996. Os 50 ainda vivos são um subgrupo que aparentemente tolerou o tratamento razoavelmente bem. Nos estudos finlandeses que incluem indivíduos diagnosticados antes de 1996, nada dessa mortalidade precoce é contabilizada. Em vez disso, os pesquisadores estão estudando as taxas de mortalidade em um subgrupo de “sobreviventes”, o que poderia influenciar os resultados.

Em suas publicações mais recentes, os investigadores finlandeses afirmam que fizeram ajustes para dar conta desse viés de sobrevivência, embora não descrevam quais informações costumavam fazer.

Taxas de Mortalidade Pessoa-Ano

Em seus trabalhos, Tiihonen e colegas frequentemente relatam taxas de mortalidade com base em “anos-pessoa” do tempo coletivo em que os pacientes passaram com ou sem medicação. Em estudos não randomizados, esse método costuma causar resultados distorcidos, principalmente se se espera que um grupo acumule muito mais “pessoas-ano” do que o outro.

Por exemplo, imagine um indivíduo com diagnóstico de esquizofrenia que, nos primeiros cinco anos de um estudo, esteja em uso de medicamentos antipsicóticos e vivo no final desse período. São cinco “anos-pessoa” de sobrevivência no antipsicótico. Agora essa mesma pessoa sai do remédio e morre um ano depois. Essa é uma morte em “uma pessoa-ano” sem medicação. Assim, essa pessoa fornece cinco “anos-pessoa” de sobrevivência com a droga (para a equação total de “anos-pessoa”) e adiciona uma morte por ano ao grupo que não utiliza antipsicóticos. Agora imagine uma segunda pessoa em uso de antipsicóticos por seis anos e morrendo no final desse sexto ano em uso de antipsicóticos. Quando se calcula as taxas de mortalidade por pessoa / ano dessas duas pessoas, se acaba da seguinte forma:

1 morte por 11 “pessoas-ano” em uso de drogas

1 morte por 1 “pessoa-ano” sem uso de drogas

Assim, nesse cálculo de pessoas-ano, a taxa de mortalidade é 11 vezes maior para o grupo sem uso de drogas, embora, durante o estudo, uma pessoa tenha morrido sem medicação e outra tenha morrido enquanto tomava um antipsicótico.

O uso de pessoas-ano é particularmente inadequado para avaliar as taxas de mortalidade em pacientes com psicose de primeiro episódio. Quase todos os pacientes psicóticos são tratados com antipsicóticos no hospital e, portanto, o medidor de pessoas / ano para o grupo que usa drogas começa a funcionar no instante em que os pacientes recebem alta do hospital. Por outro lado, o medidor de pessoas / ano para o grupo sem drogas começa a correr em um ritmo muito mais lento, pois só começa quando as pessoas param de tomar as drogas. O fato de o paradigma predominante de atendimento enfatizar o uso contínuo dos medicamentos também ajudará o medidor de drogas a continuar funcionando a uma taxa muito mais rápida do que o medidor de drogas não medicamentosas.

Uma taxa de mortalidade é calculada dividindo-se o número de mortes pelo número de pessoas-ano e, portanto, quanto maior o número de pessoas-ano, menor a taxa de mortalidade.

Além disso, os pacientes do primeiro episódio que recebem alta do hospital e param de tomar seus medicamentos são então empurrados para um estado de abstinência, que é conhecido por colocá-los em alto risco de suicídio e acidentes. Provavelmente, isso aumentará o número de mortes no grupo sem medicação e, portanto, produzirá um cálculo da taxa de mortalidade para o grupo sem medicação, que consiste em um número elevado de mortes devido a riscos de abstinência de drogas e um baixo número de pessoas-ano devido a práticas de prescrição. É um método destinado a produzir uma taxa de mortalidade desfavorável para pacientes do primeiro episódio que param de tomar seus medicamentos antipsicóticos durante o primeiro ano.

Relatos dos resultados enquanto “riscos relativos”

Os investigadores finlandeses relatam regularmente “risco relativo” de morte como resultado primário (em vez de número absoluto de mortes). Por exemplo, eles podem relatar que pacientes sem uso de antipsicóticos por um período de tempo morreram 1,5 vezes a taxa daqueles que tomavam continuamente esses medicamentos. No entanto, para que “riscos relativos” sejam significativos, é necessário comparar os resultados em populações semelhantes (idade, gravidade da doença etc.), e, como esses estudos não são randomizados, pode haver diferenças notáveis entre os grupos fora e com medicação.

Em seus artigos publicados, Tiihonen e seus colegas afirmam que fizeram vários ajustes estatísticos para explicar as desigualdades nos grupos que estão sendo comparados, mas que não fornecem informações sobre quais são as desigualdades da linha de base. Assim, os leitores ficam com um resultado “confie em nós”. Não há como saber se os resultados de “risco relativo” estão comparando a mortalidade em “grupos semelhantes”, e muitas vezes Tiihonen e colegas nem sequer fornecem o número real de mortes em cada grupo. Os leitores são simplesmente informados de que um grupo tem maior probabilidade de morrer do que o outro.

Mortalidade dentro de um paradigma de atenção centrado nas drogas

O maior problema com os estudos de banco de dados – uma falha fatal, alguém poderia argumentar – é que todos esses dados são de pacientes tratados dentro de um paradigma de atendimento centrado em drogas.

Para acessar verdadeiramente o impacto dos antipsicóticos nas taxas de mortalidade, seria necessário comparar as taxas de mortalidade dos pacientes psicóticos em primeiro episódio tratados sob diferentes paradigmas de atendimento: um que enfatizasse o uso de antipsicóticos desde o início e outro que evitasse o uso inicial do medicamento e que minimizasse seu uso a longo prazo. O estudo do Diálogo Aberto acima fornece a primeira dica dessa comparação.

No entanto, exceto na região da Lapônia, os psiquiatras finlandeses prescrevem regularmente antipsicóticos a seus pacientes psicóticos. Noventa e sete por cento de todos os pacientes finlandeses com diagnóstico de esquizofrenia são expostos a antipsicóticos, e a prática usual é manter os pacientes diagnosticados com esses medicamentos. Esse paradigma de atendimento apresenta riscos relacionados a antipsicóticos, tanto para quem permanece no medicamento a longo prazo quanto para os que deixam de tomar.

Aqueles que permanecem podem sofrer os muitos efeitos adversos dos antipsicóticos, conforme detalhado na primeira metade deste relatório. Mas aqueles que param de tomar antipsicóticos continuam a sofrer uma infinidade de riscos relacionados a drogas:

  • Eles podem continuar sofrendo de problemas cardiovasculares e de outros problemas de saúde decorrentes da exposição aos medicamentos. Obesidade, diabetes e outras anormalidades metabólicas não desaparecem após a interrupção do medicamento.
  • Eles provavelmente sofrerão sintomas de abstinência – físicos, emocionais e psiquiátricos – que aumentam o risco de suicídio. A acatisia emergente pode persistir por meses e até indefinidamente.
  • Eles podem experimentar a reprovação social – e a falta de apoio social – que costuma ocorrer aos que interrompem os antipsicóticos e tendo sido diagnosticados com esquizofrenia.

No entanto, com a metodologia empregada na pesquisa finlandesa (e em pesquisas similares), todos esses riscos de mortalidade, que surgem dentro de um paradigma de atendimento centrado em drogas, são considerados riscos por estarem “sem medicação”. Todo o exercício repousa sobre uma base do faz de conta, que é o momento em que uma pessoa deixa de seguir o prescrito, quando os riscos devidos à exposição prévia aos medicamentos desaparecem magicamente.

Com essas ressalvas, aqui estão os resumos de seus relatórios mais influentes.

Estudos com a população em geral

  1. “11-year follow-up mortality in patients with schizophrenia: a population-based study” (2009)

Este estudo, mais do que qualquer outro, levou à alegação agora comum de que os antipsicóticos reduzem a mortalidade. Os pesquisadores identificaram 66.881 pessoas que foram internadas em um hospital com diagnóstico de esquizofrenia de 1973 a 2004 e avaliaram o uso de medicamentos – a partir de 1996, com base no registro de prescrição ambulatorial – por até 11 anos. Eles concluíram que “a exposição a longo prazo a qualquer tratamento antipsicótico foi associada a menor mortalidade do que o uso de drogas”.

Suas descobertas foram resumidas neste gráfico, que mostra que aqueles que tomaram antipsicóticos por dois anos ou mais eram menos propensos a morrer do que aqueles que tiveram algum antipsicótico prescrito durante o estudo.

As questões metodológicas discutidas anteriormente estão em exibição aqui. Não há informações sobre o uso de medicamentos antes de 1996 ou no hospital, mesmo com a idade média dos pacientes de 51 anos. Não há informações sobre o uso de medicamentos no hospital, mesmo que 64% de todas as mortes tenham ocorrido no hospital. Com uma população tão velha (em média), há um óbvio viés de sobrevivência.

Os anos-pessoa são usados para calcular as taxas de mortalidade. Os resultados são apresentados como riscos relativos. Há muito poucos dados sobre o número de pacientes em cada um dos grupos de uso e nada sobre como os grupos podem ter diferido. E assim por diante.

Tudo o que os leitores podem realmente saber é que os pesquisadores classificaram as informações em seus três bancos de dados, realizaram vários ajustes estatísticos e, voilà, produziram resultados que informavam como os pacientes que usavam drogas pela maior parte dos 11 anos tinham menos probabilidade de morrem do que aqueles que não usaram as drogas.

Agora, dado que antipsicóticos são prescritos regularmente para pacientes com esquizofrenia, a primeira pergunta que se coloca é a seguinte: Qual é a composição desse grande grupo de pacientes que não usaram antipsicóticos durante os 11 anos de acompanhamento e ainda morreram em altas taxas? Se você ler atentamente o estudo, descobrirá que havia 18.914 indivíduos naquele grupo “sem uso”, dos quais 8.277 morreram nos 11 anos.

Tiihonen e colegas especulam que a coorte de não usuários era composta de dois tipos: os 20% dos pacientes com esquizofrenia se saíram bem sem antipsicóticos, e os pacientes crônicos que recaem com frequência e têm repetidas admissões hospitalares, mas que não tomam medicamentos após a alta.

No entanto, essa especulação não corresponde a uma grande população de “não usuários” que poderiam morrer a taxas elevadas. Os “20%” que se saem bem com antipsicóticos são um grupo com taxas de incapacidade mais baixas do que a norma para pacientes com esquizofrenia, e os estudos encontram regularmente taxas de menor mortalidade entre aqueles que não têm deficiência. Quanto aos pacientes crônicos com hospitalizações frequentes, eles seriam expostos a antipsicóticos no hospital e, portanto, não deveriam ser classificados como “não usuários”.

Há uma pista nos “ajustes” da “taxa de taxa bruta” que produzem os “índices de risco ajustados”. Os ajustes revelam que os não usuários, no início do estudo, estavam em maior risco de morrer do que os outros grupos, o que é quase certamente devido ao fato de essa coorte ser uma população muito mais velha que os outros.

Os autores deste estudo, no interesse da transparência, deveriam ter fornecido aos leitores essas informações sobre diferenças de idade. Mas é o que está faltando.

Há outro aspecto, mais notório, neste estudo. Em sua discussão, Tiihonen escreveu que nossas descobertas “indicam que o uso a longo prazo está associado a menor mortalidade do que o não uso ou o uso a curto prazo”.

Seus próprios dados mostram que isso não é verdade. A menor taxa de mortalidade neste estudo foi, na verdade, entre aqueles que tiveram de zero a seis meses de exposição a antipsicóticos durante um período de 11 anos, ou seja, um grupo que quase não usava os medicamentos. Isso é evidente em seu próprio gráfico de resultados (acima).

De fato, se eles tivessem decidido usar esse grupo de baixa exposição – 0 a 6 meses de uso – como o grupo de referência, em vez da coorte “sem uso”, eles teriam relatado que aqueles com 7 a 11 anos de exposição cumulativa aos antipsicóticos apresentaram uma taxa de mortalidade 65% maior.

A tabela abaixo detalha o risco relativo de morte para todos os grupos com seis meses ou mais de exposição a antipsicóticos, em comparação com o grupo que usou os medicamentos por menos de seis meses.

Com os dados apresentados dessa maneira, não há uma conclusão clara a ser tirada sobre o impacto dos antipsicóticos na mortalidade. As taxas de mortalidade são realmente altas para aqueles com apenas seis meses a dois anos de exposição. Por que? Ao mesmo tempo, por que a exposição de 0 a seis meses – quase nenhuma exposição ao longo de um período de 11 anos – produziria a menor taxa de mortalidade?

Esse é o tipo de perguntas levantadas por este estudo. E dado que o padrão de atendimento é manter os pacientes com esquizofrenia em uso de antipsicóticos, eis a conclusão desafiadora de paradigma que Tiihonen e seus colegas poderiam ter escrito: “Descobrimos que a menor mortalidade ocorreu em pacientes com esquizofrenia que, durante um período de 11 anos, usaram antipsicóticos por um período muito curto – seis meses ou menos “.

  1. “20-year follow-up study of physical morbidity and mortality in relationship to antipsychotic treatment in a nationwide cohort of 62,250 patients with schizophrenia” (2020).

Este estudo, de várias maneiras, é uma atualização para o estudo de 2009. Porém, em vez de relatar taxas de mortalidade com base no uso cumulativo de antipsicóticos por um período mais longo, ele se concentra na mortalidade relacionada ao uso/não-uso de antipsicóticos.

Tiihonen e colegas analisaram o uso de antipsicóticos de 1996 a 2015 para todos os adultos finlandeses diagnosticados com esquizofrenia e tratados em um hospital entre 1972 e 2014 (N = 62.250). Eles relataram que o risco de morte por “todas as causas” mais do que duplicou durante os períodos sem antipsicóticos e que a mortalidade cardiovascular também aumentou quando eles não estavam cumprindo com as suas prescrições antipsicóticas.

Os mesmos problemas metodológicos estão presentes neste estudo e no de 2009. Existe um desconhecimento sobre o uso de antipsicóticos antes de 1996 e no hospital, anos-pessoa são utilizados para calcular as taxas de mortalidade e relatos de riscos relativos. Os pesquisadores afirmam que fizeram ajustes para levar em conta o viés de “sobrevivência”, mas não explicam como o fizeram.

No entanto, se você ler atentamente o relatório, poderá encontrar os números que os pesquisadores usaram para apresentar suas descobertas de “risco relativo”. E então você pode fazer uma segunda rodada de cálculos que revele totalmente o truque estatístico presente neste estudo.

No início do estudo, a idade média dos pacientes era de 46 anos. Durante um acompanhamento médio de 14,1 anos, 13.899 dos 62.250 pacientes morreram (22%). 8.264 morreram com antipsicóticos em uso e 5.635 sem uso de antipsicóticos.

Assim, 59% das mortes ocorreram em pessoas que estavam respeitando suas prescrições. No entanto, os pesquisadores concluíram que o risco  de morrer “de todas as causas” para os pacientes enquanto tomavam medicação era 0,48 – menos da metade – do risco quando os pacientes estavam sem medicação.

Então, de onde veio esse número de 0,48?

Se você faz as contas, descobre que isso foi possível pelo uso de “pessoa / ano” para calcular as taxas de mortalidade para cada grupo.

Em medicação: 577.417 pessoas-ano divididas por 8.264 mortes = 1 morte para cada 70 pessoas-ano.

Sem medicação: 187.773 pessoas-ano divididas por 5.635 mortes = 1 morte para cada 33 pessoas-ano.

O leitor precisa fazer sua própria divisão rápida dos dados brutos de mortalidade para ver essa proporção. Que mostra como, com os cálculos de “pessoa / ano”, os pesquisadores transformaram dados que mostravam mais mortes enquanto as pessoas usavam um antipsicótico em uma descoberta de “risco relativo” do que indicava a proteção dos antipsicóticos contra a morte precoce.

Em seguida, vem o gráfico “bottom line”, que transforma os cálculos de pessoa-ano em um visual que conta poderosamente como os antipsicóticos ajudam os pacientes com esquizofrenia a viver vidas mais longas. O gráfico mostra que os antipsicóticos melhoram as taxas de sobrevivência em um ritmo constante, ano após ano.

O gráfico afirma que descreve a taxa de sobrevivência daqueles que usaram antipsicóticos neste estudo versus aqueles que “não usaram nenhum”. Como tal, era de esperar que os leitores assumissem que havia um grupo neste estudo que nunca usava antipsicóticos nos últimos 20 anos e que 46% desses “não usuários” morreram.

Nada disso aconteceu no estudo.

Aqui está como o grupo de Tiihonen criou este gráfico. Se a taxa de mortalidade durante períodos antipsicóticos fosse de 1 em cada 33 pessoas-ano, teoricamente, se houvesse 100 pacientes na linha de base que não usavam antipsicóticos, haveria 97 desse grupo vivo no final de um ano . Se você continuar aplicando essa taxa de mortalidade anual de 1 em 33 pelos próximos 19 anos, apenas 54 dos 100 estariam vivos no final de 20 anos (e 46 estariam mortos).

Ao mesmo tempo, se a taxa de mortalidade durante os períodos antipsicóticos fosse de uma em cada 70 pessoas-ano, se houvesse 100 pacientes na linha de base que usavam antipsicóticos, haveria 98,5 vivos no final de um ano e com essa taxa de mortalidade anual, 74 dos 100 estariam vivos ao final de 20 anos (e 26 estariam mortos).

Os pesquisadores não descrevem nenhum desses cálculos. E, é claro, não há nenhum grupo no estudo identificado como tendo tomado antipsicóticos continuamente por 20 anos. Também não há nenhum grupo identificado como nunca tendo tomado antipsicóticos durante esse período.

O gráfico é melhor descrito como uma miragem estatística. Mas é poderoso. Você vê o gráfico e vê que os antipsicóticos melhoraram constantemente as taxas de sobrevivência de pacientes com esquizofrenia ao longo de duas décadas de uso. É um gráfico que, aos olhos e à mente, informa imediatamente sobre o tratamento medicamentoso que “funciona” a longo prazo.

Os pesquisadores também relataram que os antipsicóticos reduziram a mortalidade “cardiovascular”, com um risco relativo de 0,62 em comparação aos períodos de “não uso”. Se se acredita neste estudo, os próprios medicamentos que na população em geral dobram o risco de mortalidade cardiovascular são protetores contra esse risco em pessoas diagnosticadas com esquizofrenia.

Estudo do primeiro episódio

  1. “Effectiveness of antipsychotic treatments in a nationwide cohort of patients in community care after first hospitalisation due to schizophrenia and schizoaffective disorder: observational follow-up study” (2006).

Este foi um estudo de 2.230 adultos hospitalizados para um primeiro episódio de esquizofrenia de 1995 a 2001, com o uso de prescrição – de acordo com os investigadores – mapeados desde o momento da alta inicial.

O primeiro problema com este estudo é sutil. Embora o grupo de Tiihonen afirme que traçou o cumprimento das prescrições para todos os pacientes desde o momento da alta, isso não pode ser verdade para os diagnosticados em 1995. Como afirmam em outros estudos, esse banco de dados de prescrição de pacientes ambulatoriais remonta a até 1996 e, portanto, o uso de medicamentos em 1995 – o primeiro ano para aqueles diagnosticados em 1995 – seria desconhecido. Mas esse detalhe, que o banco de dados de prescrição só voltou a 1996, não é revelado nesta publicação.

Neste artigo, Tiihonen e colegas, em vez de se concentrarem nos riscos relativos da morte, relataram o número real de mortes durante os períodos em que as pessoas estavam em “estado sem medicação” e durante os períodos em que estavam preenchendo suas prescrições.

A idade média dos pacientes do primeiro episódio foi de 30,7 anos e foram acompanhados por uma média de 3,6 anos. Como coorte, esses pacientes estavam “sem medicação” 42% do tempo. Setenta e cinco pacientes morreram enquanto no status “sem medicação”, contra nove no status “em medicação”.

Como observado anteriormente, as taxas de suicídio de pessoas diagnosticadas com esquizofrenia aumentaram com a introdução de antipsicóticos. Uma causa possível para isso é que o uso inicial de antipsicóticos no hospital configura um período de alto risco para quem não gosta dos medicamentos e para de tomá-los após a alta. Neste estudo, 36% dos pacientes que receberam alta não fizeram uso da prescrição nos primeiros 30 dias e, como pode ser visto, a morte por suicídio e acidente foi muito alta para aqueles que entraram nesse grupo de risco de abstinência.

Os dados misteriosos deste estudo, é claro, são aqueles que mostram que houve seis vezes mais mortes devido a causas naturais – mortalidade cardiovascular e outras – durante períodos “antipsicóticos” do que em períodos “antipsicóticos”. Por que isso seria? Esta é uma coorte bastante jovem, e por que os pacientes que pararam de tomar antipsicóticos morrem com tanta frequência de doenças que se sabe serem elevadas pelo uso dos medicamentos?

É um mistério que vale a pena investigar, mas parece ser uma descoberta que mostra como os riscos do uso de antipsicóticos, neste design binário de em remédios / sem remédios, são transferidos para a coluna “sem remédios” de uma maneira ou outro.

Embora Tiihonen não tenha calculado a taxa de mortalidade padronizada neste primeiro episódio de estudo, um relatório finlandês subsequente sobre os resultados de cinco anos de pacientes do primeiro episódio, que incluíram essa coorte, calculou uma RMS de 4,5. Assim, a taxa de mortalidade para pacientes do primeiro episódio tratados dentro desse paradigma de atendimento centrado em antipsicóticos foi bastante alta, embora o estudo a atribuísse a pacientes que estavam sem uso de drogas.

Um paradigma de assistência fracassado

Houve um pequeno número de outros estudos que utilizaram bancos de dados constituído por prescrição para relatar riscos de mortalidade relacionados ao uso de antipsicóticos, e seus resultados ecoam principalmente os citados acima. Eles relatam uma menor mortalidade por todas as causas associada ao uso regular de antipsicóticos e, no entanto, ao mesmo tempo, se reportam taxas de SMR para toda a coorte, o que informam é sobre alta mortalidade para toda a coorte.

Em outras palavras, os antipsicóticos são aclamados como salva-vidas, mesmo quando o paradigma da assistência está falhando.

Um desses estudos avaliou prescrições ambulatoriais de 2006 a 2010 em uma população de 21.492 pacientes suecos com diagnóstico de esquizofrenia. Os pesquisadores relataram as seguintes taxas de SMR:

Sem exposição em cinco anos: SMR = 6,3

Baixa exposição: SMR = 4

Exposição moderada: 4,0

Alta exposição: 5,7

Coorte total: 4,8

Total cohort: 4.8

Essa SMR de 4,8, como a 4,5 SMR nos pacientes finlandeses do primeiro episódio, é notavelmente mais alta que as taxas de mortalidade relatadas por Saha e colegas em seu relatório de 2007. Eles haviam alertado nessa publicação que as taxas de mortalidade provavelmente continuariam a aumentar na era dos antipsicóticos de segunda geração por causa de seus efeitos metabólicos adversos e, pelo menos no caso desses dois estudos, esse é o caso.

Os dois estudos nos EUA que avaliaram o impacto dos antipsicóticos nas taxas de mortalidade não acrescentam muita novidade aos estudos realizados na Finlândia e na Suécia.

Em um estudo com 2.132 beneficiários do Medicaid com diagnóstico de esquizofrenia, aqueles que usaram antipsicóticos mais de 90% das vezes apresentaram uma menor taxa de mortalidade do que aqueles que usaram os medicamentos em menos de 10% das vezes. A principal razão para essa diferença foi que o suicídio no grupo de baixo uso foi seis vezes mais comum do que no grupo de alto uso. Não há informações sobre quantos suicídios podem ter ocorrido durante um período de abstinência dos medicamentos.

O segundo estudo dos EUA, de Arif Khan, levou às manchetes anunciando que “os psicotrópicos diminuem, não aumentam a mortalidade em pacientes psiquiátricos“. Ele ilustra como os dados por pessoa / ano podem ser usados para contar uma história falsa.

Khan analisou os dados de todos os antipsicóticos aprovados pela FDA entre 1990 e 2011 e relatou que 9 dos 3.419 voluntários randomizados para placebo mortos  (1 em 379), em comparação com 115 dos 26.648 randomizados para um antipsicótico (1 em 231).

Embora uma porcentagem mais alta daqueles que tomam antipsicóticos tenham morrido, os pacientes randomizados para receber placebo foram um grupo abruptamente retirado dos antipsicóticos, e nesses ensaios de seis semanas eles desistiram regularmente antes de completarem as seis semanas, o que significa que contribuíram com muito pouco tempo para o total de “pessoas-ano” para o grupo placebo. Além disso, mesmo que um paciente placebo permanecesse até o final de um teste de seis semanas, o máximo de “anos-pessoa” que um único paciente poderia responder era de 6/52 de um ano. No total, os 3.419 pacientes com placebo atingiram apenas 313 pessoas / ano, ou pouco mais de um mês por paciente.

Por outro lado, aqueles randomizados para um antipsicótico que permaneceram no estudo até o final de seis semanas foram então submetidos a testes de extensão, e, portanto, o grupo “antipsicótico” agora conta com muito mais pessoas / ano. No total, os 26.648 pacientes na categoria antipsicótica acumularam 9.618 pessoas-ano, ou aproximadamente quatro meses por indivíduo.

Graças a esse diferencial pessoa-ano, a taxa de mortalidade para placebo tornou-se uma por 34 pessoas-ano, em comparação com 1 por 83 pessoas-ano no grupo de medicamentos e, voilà, se tem um cálculo que produz manchetes que, em ensaios clínicos, os antipsicóticos eram comprovadamente eficazes na redução da mortalidade.

Essa é a pesquisa de banco de dados que mostra como os antipsicóticos reduzem a mortalidade. A pesquisa é afetada por falhas metodológicas, ajustes “estatísticos” invisíveis dos dados brutos, relatórios opacos de descobertas, conclusões que não são consistentes com os dados, uso de dados “por pessoa / ano” para produzir descobertas enganosas e, no caso de o estudo finlandês de 20 anos, a publicação de um gráfico que, sinceramente, certamente causaria uma falsa impressão.

E, no entanto, mesmo nesses relatórios, quando os investigadores calcularam SMRs para toda a coorte, eles relatam taxas de mortalidade que permaneceram altas ou até aumentaram desde a década de 1990.

A mais recente ilusão da psiquiatria

A história da psiquiatria está repleta de afirmações sobre a eficácia de tratamentos que não resistiram ao teste do tempo. Hoje, existem mais perguntas do que nunca sobre os méritos dos antipsicóticos.

Vários estudos de longo prazo descobriram taxas de recuperação mais altas para aqueles que não tomam medicamentos. Acrescente nas descobertas da pesquisa que os antipsicóticos encolhem volumes cerebrais, com esse encolhimento associado ao declínio cognitivo e à piora dos sintomas negativos, e a psiquiatria é confrontada com uma crise “baseada em evidências”.

A pesquisa de “antipsicóticos prolongam vidas” deu ao campo uma nova reivindicação para se apegar e promover. Um tratamento para uma doença que aumenta a sobrevida, e o faz na extensão mostrada no gráfico de 20 anos, pode reivindicar sua eficácia. Durante um período de dúvida, essa é uma conclusão que fornece um suspiro de alívio – e conforto – para o campo.

Mas, como pode ser visto nesta revisão, essa crença surge de pesquisas que são falhas de muitas maneiras. Há evidências, repetidas várias vezes, de um processo que foi projetado para justificar o uso a longo prazo de antipsicóticos, em vez de avaliar honestamente seu impacto na mortalidade. Pense no gráfico que mostra melhores taxas de sobrevivência para aqueles que usaram antipsicóticos durante um período de 20 anos em comparação com aqueles que não usaram nenhum, e agora você pode ver claramente a “ciência” que está ajudando a criar essa nova crença.

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Os Relatórios MIA têm , em parte, por uma doação das Open Society Foundations

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Trad. Fernando Freitas

Pandemia da COVID-19 e Saúde Mental

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As pesquisas veem se debruçado, com especial interesse, nas consequências psicológicas da pandemia de COVID-19 e as possibilidades de intervenções nesse contexto. Não é diferente com o artigo de Faro et. al, COVID-19 e saúde mental: A emergência do cuidado

Os autores fizeram uma pesquisa dos impactos de tal crise na saúde mental ao redor mundo e as medidas tomadas para lidar com situações desse tipo, em três momentos distintos: pré-crise, intracrise e pós-crise.

“O combate a situações como esta já vinha sendo motivo de debate na OMS, que, em 2007, publicou um documento ressaltando a necessidade de haver planejamento prévio por parte dos países, para o enfrentamento de crises e desastres inesperados. Cabe ainda dizer que outros estudos sobre crises em saúde pública também haviam ressaltado que os cuidados em saúde mental deveriam ser tão primordiais quanto os cuidados primários de saúde.”

O contexto de pandemia mundial, além do medo de contrair a doença, tem causado uma sensação de insegurança em todos os aspectos da vida, do funcionamento diário da sociedade às modificações nas relações interpessoais. Os profissionais de saúde ficam exaustos, e o método mais efetivo de controle da doença, o distanciamento social, impactam consideravelmente a saúde da população. Tudo isso, aumenta as chances de  vivenciar elevadas experiências e emoções negativas, suscitando a necessidade de apoio psicológico.

Há estudos mostrando que no período de quarentena, há o aumento se casos de ansiedade, depressão e suicídios. Para que o distanciamento social seja o menos danoso possível, algumas medidas podem ser adotadas, como a informação e redes de apoio social. Comunicar o que está acontecendo e os motivos, explicando por quanto tempo isso pode durar, evitando informações ambíguas. As redes de apoio também são necessárias, já que as rupturas de conexões sociais e físicas são facilitadores de impactos psicológicos negativos.

Os autores citam três grandes momentos em uma pandemia: pré-crise, intracrise e pós-crise. Citarei apenas as duas últimas, por considerar as mais importantes no contexto brasileiro, visto que já passamos da fase pré-crise.

A fase intracrise é a fase aguda, o problema de saúde se instala e se constata sua gravidade. Nessa fase, podemos presenciar situações extremas, como o colapso no sistema de saúde e funerário, assim como os familiares e amigos não conseguirem velar ou acompanhar o enterro de pessoas queridas, complexificando as questões emocionais presentes no luto.

“Neste momento da crise percebe-se que as pandemias não são apenas um fenômeno biológico, pois afetam indivíduos e a sociedade em vários níveis, causando diversas perturbações.”

Em vários países, as medidas adotadas para diminuir o impacto social da pandemia, instituições médicas e universidades, abriram plataformas online de aconselhamento psicológico, visando minimizar o pânico e a separação da família. Movimento parecido com o que aconteceu no Brasil, quando o Conselho Federal de Psicologia (CFP) indicou o atendimento online nas políticas públicas de atenção à saúde e em instituições privadas.

No caso da pós-crise, pode ser considerada uma fase se reconstrução social. O surto de contaminação tende a estar sob controle, as medidas de distanciamento social são reduzidas. Até o momento da publicação do artigo, apenas a China estava nessa fase.

“Em pesquisa realizada na crise da COVID-19, verificou-se que, dentre 1.210 participantes, 53% apresentaram sequelas psicológicas moderadas ou severas, incluindo sintomas depressivos (16,5%), ansiosos (28,8%) e estresse moderado a grave (8,1%).”

Outras consequência observada é a discriminação e isolamento vivenciadas por imigrantes chineses, por serem considerados portadores em potencial do coronavírus. Deve -se evitar também termos como “vítima da COVID-19”, “COVID positivo”, “contaminado pela COVID” ou “caso de COVID-19”, pois coisificam e causam maior sofrimento, além de estigmatizar. É preferível o uso de expressões como “pessoa que foi diagnosticada com a COVID-19”, “pessoa que está com a COVID-19” ou similares que não privilegiem a doença em detrimento do indivíduo.

No Brasil, diversos projetos de acolhimento e atendimento psicológico têm sido realizados por psicólogos, assim como  o governo tem convocado profissionais de saúde para prestar trabalho voluntário.

Por fim, os autores reafirmam a necessidade do poder público colocar sua atenção na questão da saúde mental, pois as consequências serão mais nítidas somente após a pandemia. É preciso reafirmar que o contexto social em que vivemos, conjuntamente a instabilidade política, geram sofrimento na população, por tanto, o apoio psicológico não se trata de individualizar questões sociais, mas diminuir o impacto do sofrimento na vida das pessoas.

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FARO, A., et. al. COVID-19 and mental health: The emergence of care. Scielo Preprints, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.146

Respostas apropriadas a uma pandemia: como estão seus sete sistemas emocionais?

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O COVID-19 afeta o sistema respiratório e circulatório. Mas também, inevitavelmente, afeta todas as nossas emoções. Em vez de assumir a posição prejudicial de ficar a categorizar as respostas como sendo um reflexo da saúde mental e as rotular como ‘distúrbios’ que nos desumanizam, uma maneira mais útil de entender essas reações é considerar os ‘sistemas emocionais’ que nos unem e nos conectam a nós mesmos, uns aos outros e a toda a vida em nosso planeta.

Sistemas emocionais – o que são?

Segundo o neurocientista Jaak Panksepp, os sistemas emocionais são antigos mecanismos evolutivos incorporados profundamente em nosso corpo, nossa mente e nossa alma. E você não precisa pensar e saber sobre eles para experimentar o seu sistema emocional – eles são importantes demais para necessitar disso.

É nosso direito de nascença que nosso sistema emocional nos guie e que nos guie bem. Ficar em sintonia e em equilíbrio com nossos guias internos desenvolvidos ao longo da evolução nos levará longe. No entanto, nossas experiências como crianças e adultos frequentemente criam barreiras após barreiras para bloquear a nossa conexão com o nosso mundo emocional. Como resultado, os problemas emocionais ocorrem de várias formas, a mais importante delas é o problema de não se prestar atenção ao sistema emocional de si próprio e o dos outros.

A maioria das pessoas com quem converso, ensino e trabalho – incluindo psicólogos – nunca ouviu falar de sistemas emocionais. Mas você sabe tudo sobre eles; eles o dirigem, esteja você consciente deles ou não.

E por que não chamá-los de ‘emoções’ em vez de ‘sistemas emocionais’? Bem, pela mesma razão que consideraríamos todo o sistema respiratório, em vez de apenas focarmos na respiração. Há muito mais no processo de se obter oxigênio pelo corpo do que a respiração, assim como há muito mais na assertividade do que uma voz forte. Essa ênfase nos sistemas emocionais também nos ajuda a parar de nos concentrar na emoção como uma experiência exclusivamente humana. As emoções – evocam movimentos – tão claramente que não são exclusivamente uma experiência humana: são sistemas desenvolvidos por tudo o que é vida.

Jaak Panksepp optou por terminar abruptamente o seu doutorado em psicologia clínica no final de seu primeiro ano, tal foi o choque que teve com a disparidade entre os problemas que as pessoas experimentam (emocionais) e os ‘tratamentos’ que recebem (não focados nas emoções). Sou eternamente grata por ele não ter suportado esse desafio ético. Querer ajudar pessoas com sofrimento emocional e enfrentar tratamentos físicos muitas vezes desumanos que não respeitam as emoções do ser humano angustiado é um dilema que todos os que trabalham nos serviços de saúde mental já enfrentaram. É um caminho real para a depressão entre os profissionais que cuidam – sentindo-se impotentes e repetindo métodos que não funcionam para tentar trazer a pessoa de volta ao seu pleno potencial. Jaak se afastou dessa situação em particular e dedicou a sua vida à construção de uma base de pesquisa, para que futuros tratamentos pudessem se basear em emoções. Essa decisão não deixou de ter seus próprios problemas – por exemplo, no acesso a bolsas de pesquisa e na falta de reconhecimento de seus colegas acadêmicos – no entanto, ele perseverou.

Sistemas emocionais e a crise do COVID-19

Panksepp trabalhou por muitas décadas para encontrar e entender os sete sistemas emocionais que existem entre as espécies animais. Panksepp e Biven [1] compartilham uma descrição detalhada das evidências da pesquisa – a ciência por trás dos sistemas que compartilho aqui com vocês.

Nosso sistema emocional fundamental é o sistema de busca. Ele monitora e atende às nossas necessidades básicas (comida, abrigo, água, oxigênio, segurança, parceiros), bem como às nossas necessidades mais sofisticadas (aprendizado, desafio, hobbies). Esse sistema é ativado quando nossos recursos internos ou externos encontram-se esgotados, bem como quando os recursos úteis estão acessíveis, e nos move para corresponder à tarefa que se impõe. Os detalhes de nossas buscas pessoais diferem entre pessoas, espécies e formas de vida, mas toda a vida tem sua própria versão de busca para satisfazer as suas necessidades.

Nas semanas anteriores ao nosso atual bloqueio para proteger a nós e aos nossos serviços de saúde do impacto do COVID-19, vimos o sistema de busca nosso a funcionar totalmente. Passamos a estocar comida de uma maneira que eu nunca vi e, pessoalmente, meu interesse em investigar as notícias sobre esse assunto em particular cresceu muito. Essas são respostas naturais a tempos incomuns.

A intensidade das respostas de busca precisa ser temperada com a ativação dos outros sistemas emocionais. A resposta de busca por acumular comida e informação é algo natural. No entanto, a ativação simultânea de todos os sete sistemas emocionais é necessária em uma sociedade complexa, onde os indivíduos têm direitos, liberdades e responsabilidades.

Nosso próprio sistema de busca evoluiu para trabalhar a nosso favor, no entanto, o sistema de busca presente nas outras pessoas pode ser perigoso para nós. O vírus que causa o COVID-19 está entre o ‘vivo’ e o ‘não-vivo’, mas com certeza procura hospedeiros que podem permitir que ele viva. Portanto, o segundo problema que podemos enfrentar é o perigo quando o sistema de busca das outras pessoas é uma ameaça ao nosso; nossa capacidade de distinguir segurança e perigo também é fundamental para nossa sobrevivência. O sistema de segurança é o segundo sistema emocional que começou a se formar há mais de meio bilhão de anos atrás.

A função mais básica dos sistemas emocionais é evocar o movimento, movendo-se para o que precisamos, amamos, e para longe do que nos coloca em perigo. Portanto, é útil considerar o que vai no sentido do liga / desliga ou no sentido oposto de cada sistema. Portanto, apesar de chamá-lo de sistema de segurança porque ele nos leva à segurança, é o mesmo sistema geral do que temos para lidar com o medo que nos afasta do perigo – assim como o mecanismo para receber oxigênio e remover o dióxido de carbono faz parte do mesmo sistema respiratório . Nossos sistemas de segurança têm sido alertados em diferentes níveis desde janeiro de 2020, quando a epidemia de coronavírus veio à tona na China. A adequação dessa resposta ao medo precisa ser destacada, em parte porque ela nos protegerá e em parte porque devemos normalizar essa resposta em vez de vê-la como um “distúrbio”. O nível de ativação dessa resposta ao medo estará relacionado à nossa situação externa, ao nosso nível de controle e ao impacto que o COVID-19 pode ter em nosso mundo. Há um número crescente de vozes exigindo que os fatores sistêmicos destacados tão claramente por essa pandemia sejam respeitados, e que o foco em fatores individuais (fatores biológicos ou genéticos) seja reduzido. Enquanto animais sociais, a segurança que temos é entrelaçada com a nossa situação social, nosso grupo e com a nossa posição social. Não podemos intervir com sucesso em nível individual em relação à segurança, medo ou à ansiedade.

Foi o casal Terry & Beatriz Sheldon que iluminou uma maneira de ativar efetivamente os sistemas em termos psicoterápicas, propondo a ‘integração complexa dos múltiplos sistemas cerebrais’. Eles me ensinaram a importância de enfatizar a abordagem desses sistemas emocionais, uma lição que nunca esqueci.

Portanto, não temos ‘transtornos de ansiedade’, temos sistemas de segurança alertados. Que perigo está presente, ou tem estado presente, a tal ponto que o sistema permanece no modo de sobrevivência? Há muito mais a dizer sobre isso, mas, por enquanto, você percebe a diferença quando se aborda a sua experiência emocional como uma indicação de sistemas emocionais ativados que estão tentando resolver problemas em sua vida, esteja você consciente deles ou não?

Em nosso mundo, nossa necessidade de recursos chega em termos competitivos. O terceiro problema da competição, que é resolvido ‘afirmando’ e, quando necessário, ‘lutando’ pelo que precisamos, é o trabalho do sistema de assertividade. Cada um dos sistemas emocionais possui diferentes níveis de intensidade. Falar com uma voz forte se intensificará tornando-se raiva e ira quando nossa vida estiver ameaçada ou nossos entes queridos, a comunidade ou o modo de vida estiver ameaçado. Vozes furiosas gritando em voz alta sobre a maneira como nossas comunidades são impactadas por decisões e pelo esgotamento crônico do nosso sistema de saúde parecem ser uma resposta saudável de nossos sistemas de assertividade individual. Faz mais sentido trabalharmos juntos. Meu sistema de assertividade me ativou para começar a escrever este artigo às 23h30, apesar do cansaço. Eu tenho algo a dizer, e se não for agora, quando será?

Com o nosso sistema de busca nos ajudando a investigar o que precisamos saber e encontrar, nosso sistema de segurança se mantém alerta contra ameaças para nos manter seguros e nosso sistema de assertividade nos permitindo lutar pelo que é importante, é o nosso sistema para se sentir bem que nos diz sobre nossas prioridades e o que é certo para nós. A comida nunca tem um gosto tão bom quanto quando você está passando fome – nosso sistema de ‘sinta-se bem’ garante que o que mais precisamos pareça incrível quando ele surge.

Minha história pessoal do COVID-19

Para destacar esses sistemas emocionais com minha própria história pessoal do COVID-19, meus sistemas de ‘busca’, ‘assertividade’ e de ‘segurança’ foram entrelaçados, focados em quatro tópicos, desde que fiquei isolada com minha família há 40 dias:

  • Investigando e integrando informações sobre o COVID para que eu possa entender e agir para proteger a mim e à minha família;
  • Criando um ambiente seguro, amoroso e interessante para que possamos viver juntos da melhor maneira possível, mantendo um forte sistema imunológico pelos próximos meses;
  • Considerando formas de proteger meus clientes, estagiários, negócios e funcionários; eu poderia perder algo importante (financiamento, por exemplo) e sair do negócio, exatamente no momento em que o mundo precisa de conexão emocional.
  • Considerando maneiras de conectar-me autenticamente e servir. Ficar em casa é absolutamente a coisa certa a fazer para mim, mas eu trabalhei no NHS por muitos anos e treinei muitos de seus funcionários. Faz parte de quem eu sou, então quero servir enquanto me protejo.

E estou monitorando o que funciona e o que não está relacionado a tudo isso usando o meu sistema para sentir-se bem, monitorando os períodos de descanso e recuperação, bem como minha necessidade de ação e trabalho. Existem outros três sistemas que fazem parte de ser um animal, e especialmente um mamífero.

A vida sobreviveu e prosperou por milhões de anos com os quatro (já mencionados) sistemas emocionais. No entanto, com um ambiente rico em espécies diferentes, evoluíram soluções criativas para o problema de como aumentar as taxas de sobrevivência dos filhos por meio de um sistema de cuidados. Peixes, sapos e lagartos inteligentes começaram a cuidar de seus filhotes de várias maneiras que aumentaram a sua sobrevivência. Portanto, esse sistema começou há 400 milhões de anos. Esse sistema abriu o caminho para nossas cabeças grandes e nosso longo período como criança dependente dos outros.

Equilibrar o apoio aos jovens com o impacto nos pais remonta a centenas de milhões de anos – com maior probabilidade de morte dos pais como o sacrifício último. Essa solução de atendimento parental traz consigo um novo problema: como os pais que cuidam podem se manter seguros? Os sistemas de conexão nos permitem trabalhar juntos para apoiar todos em nosso clã e entre as espécies. Eles permitem que laços estreitos sejam construídos e mantidos, nos ajudam a reparar as conexões quando estão se rompendo e lamentam quando elas se vão. Os sistemas de conexão estão dentro de nós (neuroquímicos como a ocitocina e partes específicas do cérebro) e estão entre nós (como o impacto de estar em uma equipe de apoio ou de ser um gêmeo), indo muito além do nosso entendimento científico atual, mas não além do nosso reconhecimento da conexão quando a sentimos ou a vemos.

E qual é o outro desses sete sistemas? Com tanto para aprender, com tão pouco tempo, a velocidade com que nós e nossos filhos aprendemos é questão de vida e morte. Temos mecanismos inconscientes super-rápidos para nos ajudar a aprender quando enfrentamos um perigo real – nosso sistema de segurança resolve isso. Temos um sistema que nos ajuda a aprender a lidar com os desafios conscientemente também, pois são aqueles que se prepararam para os desafios que a vida os lançará antes que aconteçam pondo em risco a vida. A natureza fez uma coisa linda para ajudar isso, ela se tornou divertida. Para nos ajudar a obter experiência, a solução da natureza é a ferramenta de aprendizado mais poderosa de todas: o sistema de jogar.

Por fim, para destacar todos os sete sistemas emocionais em minha história pessoal com o COVID-19: Meus sistemas de segurança, assertividade e assistência estão trabalhando duro para proteger meu marido do vírus, que tem um distúrbio pulmonar grave. Estou atenta aos perigos e levo meu sistema de segurança a sério, agindo de acordo com o que meu curioso sistema de busca me guiou a aprender e encontrar. Principalmente, eu só preciso comunicar o poder do meu sistema de assistência para ajudar meus filhos a responder efetivamente, mas às vezes ativamos o sistema de segurança deles, alertando-os ativamente sobre os perigos. Às vezes, precisamos usar vozes fortes para nos comunicar usando nossos sistemas de assertividade. Eles testemunham nossos sistemas de cuidado, segurança e assertividade em nossos rituais e respostas.

Temos rituais de sistemas de assistência e conexão com carinho e proximidade pela manhã e principalmente na hora de dormir – dando-lhes as boas-vindas durante o dia e relaxando e ajudando-os a se sentirem seguros à noite. Esse foi um dos desafios mais difíceis nos estágios iniciais; permanecer fisicamente distante causou muita angústia, com nossos sistemas de medo querendo se acalmar com ocitocina e GABA emitindo chamegos. No entanto, a intimidade, quer dizer a proximidade, não se sentiu segura nas duas primeiras semanas de isolamento, tal é a natureza de nossos tempos.

Os sistemas de busca precisam buscar, os sistemas de jogo precisam brincar – enfatizamos a importância de aprender e ser produtivos – apenas para o bem desses sistemas, não para a educação deles, não para este momento que vivemos. A ativação de todos esses sistemas para nos permitir abordar o que é importante ativa o nosso sistema para sentir-se bem uma e outra vez. A mídia social também ativa esse sistema, mas é claro que falta complexidade. São todos os sete sistemas emocionais, ativados simultaneamente, que dão vida e poder aos sistemas emocionais e nos protegem do impacto prejudicial de um ou dois sistemas substituindo os outros. Um sistema de busca assertivo não equilibrado com segurança, cuidado e conexão retira os últimos 100 rolos de papel higiênico da loja ou sobe o Snowdon em meio à atual crise. Em vez disso, visando a ativação simultânea, meu objetivo pessoal é que cada sistema seja considerado e integrado ao lado dos outros seis.

“Viva com curiosidade, admiração e reverência (busca), equilibrando segurança e aprendizado através do jogar, compartilhando o que é importante para você (sentir-se bem) de forma assertiva, ao mesmo tempo em que cuidando e autenticamente se conectando consigo mesmo, com os outros e com o mundo.”

Mesmo nestes tempos, especialmente nos momentos atuais, precisamos almejar isso mais do que nunca.

  1. Panksepp, J., & Biven, L. (2012). The Archaeology of Mind: Neuroevolutionary Origins of Human Emotions. New York, NY W. W. Norton & Company.

Impactos Psicológicos e Intervenções Possíveis na Pandemia de COVID-19

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A pandemia do coronavírus (COVID-19) é a maior emergência de saúde pública, e a mais severa síndrome respiratória, desde a chamada gripe espanhola, em 1918. A saúde física da população preocupa a comunidade internacional, mas também é necessária a atenção com a saúde psicológica, que tendem a ser negligenciadas ou subestimadas nessas ocasiões.

Levando em consideração esse panorama, o artigo de Schmidt at. al., Impactos na Saúde Mental e Intervenções Psicológicas Diante da Pandemia do Novo Coronavírus (COVID-19), realizou uma revisão da literatura técnico-científica, produzida em diferentes países, para sintetizar o que foi relatado até agora sobre o assunto. A importância da discussão se baseia na necessidade de cobrir lacunas no combate ao Coronavírus, principalmente, porque os impactos psicológicos podem ser mais duradouros e prevalentes que o próprio acometimento pela COVID-19.

“Estudos têm sugerido que o medo de ser infectado por um vírus potencialmente fatal, de rápida disseminação, cujas origens, natureza e curso ainda são pouco conhecidos, acaba por afetar o bem-estar psicológico de muitas pessoas (Asmundson & Taylor, 2020; Carvalho et al., 2020).”

Sintomas de depressão, ansiedade e estresse já são identificados diante da pandemia na população em geral, de maneira especial, nos profissionais da saúde. Além disso, em alguns países, como Coreia do Sul e índia, já foram identificados casos de suicídios ligados aos impactos psicológicos da COVID- 19.

No entanto, os impactos psicológicos não estão apenas diretamente relacionados à COVID-19, mas também, se relacionam com as medidas de contenção da pandemia. A literatura vem identificando efeitos negativos, como sintomas de estresse pós-traumático, confusão e raiva. Preocupações com escassez de suprimentos e as perdas financeiras, também são identificados como prejuízos ao bem- estar psicológico. Nesse contexto, ainda há a tendência no aumento de estigmas sociais e descriminação a alguns grupos específicos, como os chineses, grupo primeiramente infectado pelo COVID-19.

Desse modo, fica nítida a necessidade de intervenções psicológicas no contexto de pandemia. Algumas práticas exitosas têm sido descritas em estudos recentes, principalmente no continente asiático. Recomenda-se que as intervenções psicológicas cara a cara sejam restritas ao mínimo possível, para diminuir as chances de propagação do vírus. Portanto, sugere-se intervenções via internet, telefone e até cartas.

Para a população em geral, a literatura apontou algumas iniciativas de psicoeducação, como cartilhas e outros materiais informativos; canais de escuta psicológica, para que as pessoas possam aliviar suas emoções negativas via telefone ou através de plataformas online, 24 horas por dia e sete dias na semana; atendimento psicológico por meio de cartas estruturadas, em que o usuário do serviço se apresenta, descreve suas principais emoções e queixas, e as razões delas; atendimento psicológico online ou, quando comprovadamente necessários, presenciais. Para aqueles que experimentam sofrimentos mais severos, intervenções mais intensivas passam a ser necessárias. Sempre que necessário, as pessoas devem ser encaminhados para outros profissionais de saúde.

“Levantamentos online também têm sido realizados para melhor compreender o estado de saúde mental da população diante da COVID-19, com o objetivo de identificar rapidamente casos com maior risco e ofertar intervenções psicológicas alinhadas às demandas.”

Os profissionais de saúde também merecem atenção especial durante a quarentena, são eles que muitas vezes irão oferecer apoio psicológico, escutando as queixas daqueles que buscam o serviço de saúde e daqueles que estão hospitalizados, além de vivenciarem o medo de se infectarem e o isolamento da família e do seu círculo social, além do estresse pela falta de material nos hospitais. Os psicólogos podem ajudar oferecendo suporte e orientação no manejo de determinadas situações; orientação sobre sintomas psicológicos que eles podem vir a ter nesse contexto (ex.:estresse, ansiedade, insônia); estratégias de enfrentamento e autocuidado (ex.: importância dos momentos de descanso); fortalecimento das redes de apoio desses profissionais (contato frequente com familiares, amigos).

Em alguns lugares foi proposto a classificação das pessoas e grupos afetados pelo coronavírus, para estabelecer prioridade na oferta de intervenção. A Comissão Nacional de Saúde da China propôs uma classificação em quatro níveis: (1) Casos mais vulneráveis a problemas de saúde mental, como pessoas hospitalizadas com infecção confirmada e profissionais da saúde que trabalhem ou não na linha de frente; (2) Pessoas isoladas com sintomas leves, suspeitas de infecção ou em contato próximo com casos confirmados; pessoas com sintomas como febre; (3) Pessoas em contato próximo com casos descritos nos níveis 1 e 2, ou seja, familiares, amigos e colegas; equipes de resgate que participem de ações de resposta à COVID-19; (4) Pessoas afetadas pelas medidas de prevenção e controle, grupos suscetíveis e população geral.

Os autores concluem que a Psicologia pode contribuir de maneira relevante com o enfrentamento das repercussões do COVID-19, tanto durante a pandemia, como posteriormente, quando as pessoas precisarão se readaptar e lidar com perdas e transformações. Além disso, sugerem o levantamento sobre os impactos na saúde mental dos brasileiros diante da pandemia, considerando as diferenças socioeconômicas e culturais do Brasil em relação aos outros países pesquisados, a fim de elaborar intervenções mais efetivas para a população desse país continental e tão desigual.

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SCHMIDT, et al. Impactos na Saúde Mental e Intervenções Psicológicas Diante da Pandemia do Novo Coronavírus (COVID – 19). SciELO Preprints, 2020. (Link)

PRÁTICAS DIALÓGICAS EM DIFERENTES CONTEXTOS SOCIAIS

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TV MIB

PRÁTICAS DIALÓGICAS EM DIFERENTES CONTEXTOS SOCIAIS

Na próxima sexta-feira, 24 de abril de 2020. Às 11:00 (hora Brasília).

Entrar na reunião Zoom
https://zoom.us/j/93064531600?pwd=YzRhNjdQNDlzaUpHRUVyOGh1bThCUT09

O COVID-19 forçou todos nós a novas formas de ser, novas maneiras de nos relacionarmos e novas maneiras de respondermos uns aos outros em tempos de crise. Essas novas maneiras revelam mais claramente do que nunca como o diálogo é essencial para a experiência humana.

O coronavírus tem sido algumas vezes chamado de um equalizador, porque tem adoecido tanto ricos quanto pobres, mas onde ele chega encontra parcelas significativas da nossa sociedade que já vivem em seu cotidiano o isolamento, o distanciamento, a marginalização social.

Que ideias pessoas com experiência de enfrentamento de situações de crise têm para oferecer a um mundo em crise? Dialogar com quem? Para o que? Como?

Debatedores:

Jaakko Seikkula

Finlândia. Ph.D. Professor de Psicoterapia da University of Jyväskylä. Membro da equipe original criadora da abordagem do Open Dialogue (Diálogo Aberto), em Western Lapland,  Finlândia. Com cerca de 190 artigos científicos publicados e dois livros traduzidos em quinze idiomas, um deles em breve será lançado pela Editora Fiocruz.

 

Sofía Calcena

Paraguaia. Psicóloga Clínica. Terapeuta familiar, com experiência de trabalho em consultório particular e em projetos sociais na área da infância com enfoque nos direitos. Especializada em práticas colaborativas e dialógicas. Atualmente realizando a formação de profissionais na abordagem do Diálogo Aberto.

Itamar Silva

RJ/Brasil. Jornalista. Nascido e morador do morro Santa Marta. Foi militante do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN) e do Movimento Negro Unificado (MNU), e da Pastoral de Favelas do Rio de Janeiro.  Criou o histórico jornal ECO, com os objetivos de ecoar as notícias do morro pra fora e de fora pra dentro. Diretor da Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj), na década de 80. Atualmente, coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE

Simone Silva

RJ/Brasil. Moradora da favela Santa Marta (Botafogo/Rio de Janeiro); Técnica de Enfermagem com Especialização Técnica em Saúde Mental – Escola Politécnica Joaquim Venâncio – EPJV/FIOCRUZ; Atuação em Enfermagem no CAPS III (Caps Maria do Socorro Santos – Rocinha) entre Maio 2015/Fev./2020. Agente Comunitário de Saúde/CF Santa Marta entre 2009/2012; Agente Comunitário de Políticas Públicas (Favela-Bairro/Projeto Santa Marta) pela SMH/SEMADUR entre 1999/2006.

Fernando Freitas  (mediador)

Rio de Janeiro. Psicólogo. PhD em Psicologia pela Université Catholique de Louvain. Pesquisador titular do LAPS/ENSP/FIOCRUZ.

Coeditor do site

 

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Inscreva-se. Número limitado na sala de reunião.

https://zoom.us/j/93064531600?pwd=YzRhNjdQNDlzaUpHRUVyOGh1bThCUT09

Psiquiatras temem aumento de casos do Covid-19 em unidades de saúde mental

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Publicado no The Guardian:

“As unidades de saúde mental podem sofrer um surto de casos do Covid-19 porque os funcionários não podem obter o equipamento de proteção ou os testes de que precisam, os psiquiatras vem alertando.

As mortes entre pacientes e profissionais de saúde mental podem potencialmente acabar tão altas quanto as das casas de repouso, afirma o Royal College of Psychiatrists.

‘Sem acesso a kits de teste e o equipamento de proteção certo, temo que possamos ver uma crise no estilo de um lar de idosos ocorrendo nas unidades de saúde mental, com muitos pacientes e funcionários contraindo o vírus’, disse a professora Wendy Burn, presidente da faculdade.”

Leia a matéria na íntegra →

Diálogo aberto e apoio intencional de colegas: experiências dos inscritos no ‘Programa Paraquedas’ de Nova York

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Um novo estudo investiga como uma combinação de Diálogo Aberto e Suporte Intencional dos Pares foi experimentada por clientes e membros da rede que recebem serviços por meio do programa Parachute na cidade de Nova York. O programa Parachute (‘Paraquedas’) foi concebido como uma alternativa ao atendimento psiquiátrico padrão que pudesse responder a crises psiquiátricas por meio de visitas domiciliares e reuniões da rede. Os resultados do novo estudo, publicado no Community Mental Health Journal, mostraram que os participantes valorizam a falta de hierarquia nas equipes, a acessibilidade para receber cuidados em seu ambiente doméstico e haverem tido experiências positivas com especialistas.

“Para a maioria”, escrevem os autores, “as reuniões da rede parecem ter fornecido uma rota pela qual aqueles que sofrem de angústia e suas redes podem ter tempo para refletir, serem ouvidos e entender melhor pelo que os outros estão passando”.

“Sunset with a Tandem Parachute landing-3” by Sheba_Also 45,000 photos is licensed under CC BY-SA 2.0

A abordagem do Diálogo Aberto foi desenvolvida na Finlândia na década de 1980 como uma forma de psicoterapia e uma maneira de organizar os sistemas de saúde mental. A abordagem, originalmente projetada para pessoas que sofrem de psicose pela primeira vez, baseia-se em reuniões da rede em que membros da família e outros apoios naturais são convidados para um fórum conjunto onde a linguagem pode ser criada para lidar com situações difíceis e angustiantes.

As reuniões de rede geralmente acontecem no ambiente doméstico e as equipes são compostas por pelo menos dois terapeutas. Estudos observacionais da abordagem mostram que, em Wester Lapland, Finlândia, cerca de 80% das pessoas que sofrem de um primeiro episódio de psicose se recuperam após receber o Diálogo Aberto.

A pesquisa realizada pela equipe de desenvolvimento da Finlândia atraiu atenção internacional por seus resultados notáveis. Desde então, vários países adaptaram e implementaram a abordagem do Diálogo Aberto de diferentes maneiras.

Parachute NYC foi um programa lançado em 2012 para proporcionar um “pouso suave” para pessoas que enfrentam uma crise psiquiátrica. O programa foi financiado através de uma doação federal dos Centros de serviços Medicaid e Medicare e forneceu serviços através de equipes móveis e centros de repouso. Os profissionais de saúde mental trabalhavam ao lado de especialistas para oferecer reuniões de rede a indivíduos e seus apoios naturais (com 16 anos ou mais), que haviam recebido o diagnóstico de uma doença mental grave e que tinham pelo menos um membro da rede que havia concordado em participar das reuniões.

Todos os funcionários foram treinados tanto no Diálogo Aberto quanto no Suporte Intencional de Pares. O Suporte Intencional de Pares é uma abordagem desenvolvida por e para pares e se concentra em relacionamentos e mutualidade com a finalidade de promover esperança e parcerias em tempos de crise. A combinação do Diálogo Aberto e o apoio de colegas nunca havia sido tentada antes do Parachute. No entanto, agora está sendo testado em um grande ensaio clínico randomizado que está sendo feito no Reino Unido.

As reuniões da rede incluíram profissionais de saúde mental e um especialista da rede. As necessidades das pessoas atendidas determinavam a frequência, o formato e o conteúdo das reuniões. As sessões convidavam várias perspectivas de maneira não hierárquica para que fosse garantido que todas as vozes fossem ouvidas e a dissonância respeitada.

Profissionais envolvidos na técnica de reflexão, onde entre si eram discutidas as preocupações enquanto que a rede ouvia e era convidada a comentar, aumentando assim a transparência nos processos de tomada de decisão. O uso de medicamentos e o tratamento hospitalar eram discutidos abertamente, a hospitalização era vista como último recurso e os centros de repouso eram utilizados quando necessário.

Embora exista um número crescente de programas informados pelo Open Dialogue sendo desenvolvidos nos Estados Unidos e em outros países, ainda falta uma pesquisa sobre como esses programas podem beneficiar indivíduos. Considerada por muitos como uma abordagem alinhada ao paradigma dos direitos humanos na saúde mental, a abordagem do Diálogo Aberto teve grande sucesso na Finlândia na redução de hospitalizações, evitando a medicalização excessiva e promovendo a recuperação.

Este estudo oferece uma visão de como os participantes do Parachute experimentaram o programa e é uma contribuição essencial à literatura para apoiar o desenvolvimento de programas informados do Diálogo Aberto.

Por meio de entrevistas qualitativas, o estudo descreveu a experiência dos inscritos no programa Paraquedas e das suas redes. As entrevistas foram gravadas e transcritas em áudio, e os pesquisadores exploraram os temas que emergiram dos dados. Os pesquisadores procuraram explorar as seguintes perguntas com os participantes:

  • Como os recursos do Paraquedas foram recebidos pelos participantes, como visitas domiciliares e presença de um especialista em pares;
  • Como os cuidados recebidos pelo Paraquedas foram experimentados em comparação com as experiências de tratamento anteriores;
  • Como o Paraquedas facilitou ou não as mudanças nas percepções de si e nos relacionamentos. Dezoito indivíduos foram entrevistados.

Seus resultados mostram que os participantes tiveram experiências positivas com as reuniões da rede e a disponibilidade da equipe do Paraquedas. Comparando a experiência do Paraquedas com a hospitalização, os participantes afirmaram que o atendimento domiciliar era menos intimidador, conforme as palavras de um participante:

“Era importante fazer [realizar reuniões de rede] em um ambiente que era como um lugar seguro para nós, íntimo, você sabe, em casa.”

O estudo relata que os participantes que experimentam a presença de especialistas em reuniões da rede como sendo geralmente positiva. Os participantes observaram que a presença de uma pessoa com experiência vivida ofereceu uma perspectiva única para o tratamento. Além disso, ter mais de um terapeuta na sala foi bem-vindo pelos participantes, como essa citação ilustra:

“Apoio mais forte … dois cérebros pensando ao mesmo tempo.”

Por fim, os participantes reconheceram como as reuniões da rede mudavam a maneira como se viam, contribuindo para novas maneiras de entender as experiências e desenvolver mecanismos de enfrentamento. Incluir os apoios naturais das pessoas no centro das preocupações foi descrito como criando uma onda que beneficiava toda a rede. Alguns participantes sentiram que havia falta de estrutura nas reuniões e houve alguma preocupação relacionada à forma como o medicamento foi tratado pelas equipes.

Os autores concluíram que, em geral, o programa Paraquedas foi bem recebido e visto positivamente pelos participantes com casos de desconforto relacionados à novidade da abordagem em comparação com as modalidades de tratamento mais tradicionais – como reuniões em que ninguém desempenha o papel de especialista e discussões sobre medicamentos não necessariamente tomando o centro do palco.

Este estudo fornece evidências de que a combinação de Diálogo Aberto e Suporte Intencional de Pares foi bem recebida pelos participantes do Paraquedas. Mais importante, mostra que uma crise psiquiátrica pode ser tratada em um ambiente comunitário, mobilizando apoios naturais e criando um ambiente seguro para todos.

Em contraste com as abordagens atuais de crises que envolvem polícia, tratamento involuntário, hospitalizações e dependem principalmente de medicamentos, o programa Parachute ofereceu uma alternativa que pode estar mais alinhada com as necessidades e desejos de pessoas que sofrem estados extremos e suas famílias. A pesquisa atual no campo da saúde mental ainda esteve focada principalmente em ensaios clínicos randomizados (ECRs) como sendo o padrão-ouro para evidências de alta qualidade. No entanto, estudos qualitativos como este mostram que explorações aprofundadas de experiências individuais oferecem uma grande visão sobre o tratamento que vai muito além dos resultados usuais definidos por profissionais e pesquisadores.

Há um debate em andamento no campo sobre a qualidade das evidências para apoiar a implementação e expansão dos programas informados do Open Dialogue. Enquanto um ensaio clínico randomizado está em andamento no Reino Unido, estudos qualitativos como este são adequados para investigar em profundidade como os participantes experimentam diferentes tipos de tratamentos de maneiras que os ECRs não podem capturar. Isso aponta para a necessidade de reexaminar o domínio do modelo médico na pesquisa em saúde mental e contribui para um rico corpo de evidências que valoriza as experiências das pessoas e ajuda a fechar a lacuna entre a pesquisa e a vida real.

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Wusinich, C., Lindy, D. C., Russell, D., Pessin, N., & Friesen, P. (2020). Experiences of Parachute NYC: An Integration of Open Dialogue and Intentional Peer Support. Community mental health journal, 1-11. (Link)

O suporte familiar às medidas sanitárias com o Coronavírus

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A saúde mental não é um tema relevante para a maior parte da sociedade, mas as medidas sanitárias pela pandemia de COVID-19 nos afetam, em três dimensões centrais e interdependentes: infectológica, econômica e saúde mental. Sem perder de vista que as três estão interligadas, tentemos falar da última.

ATENÇÃO, A PRIMEIRA COISA QUE TEMOS QUE CONSIDERAR: As diferenças entre os grupos sociais, entre quem pode parar na quarentena e quem não pode parar. Parar é um privilégio em uma sociedade ultra desigual, tão injusta na distribuição de riqueza e tão precária na concretização dos direitos; hoje sabemos mais do que nunca as enormes limitações do nosso sistema de saúde¹. Na diferença entre estes dois grupos há uma ideia maiúscula, que não se pode perder: NÃO EXISTE SAÚDE MENTAL SE EXISTE FOME.

Dicas da Saúde Mental Comunitária para a convivência familiares em tempos de pandemia:

  1. Exercitar-nos no viver COM – conviver: talvez descubramos que apesar de dormir, ou até comer, com as pessoas com quem compartilhamos o mesmo teto, não temos intimidade com elas. Intimidade aqui entendida como partilhar o mundo interior (afetos, ideias, perguntas, imaginação…).
  2. Validar o direito à solidão: ter espaços separados, onde se possa conectar consigo mesmo e com seus interesses pessoais. A solidão não é uma derrota, porque viver não é uma competição e porque, finalmente, em um sentido último, há uma solidão que não tem escapatória.
  3. Conflitos no contexto de pandemia: Se existem novos conflitos, estejamos prevenidos que há uma sobrecarga emocional por causa da pandemia, e talvez, possamos fazer um acordo de convivência em uma pequena assembléia familiar. Mas se os conflitos são antigos, talvez seja o momento para tomar decisões e pedir ajuda. Não temos que aguentar o que nos vem fazendo mal.
  4. Tempo para nos (re)conhecermos: usar esse tempo como uma oportunidade para que cada um possa se conhecer melhor, quase como um pequeno laboratório de vida, onde observamos e tentamos reconhecer e crescer naquilo que cada um tem pendente.
  5. Valorizar a lentidão: O que podemos descobrir com nossas vidas indo mais devagar?
  6. Potencializar a solidariedade entre vizinhos: o Estado está defasado e o admite. O mercado se interessa, fundamentalmente, pelo lucro. Então, que o comunitário seja, como tantas vezes, o elemento central do cuidado.
  7. O humor, nosso velho aliado: Nada que já não saibamos sobre isso. Memes e o resto de sempre!
  8. Legitimar e trabalhar as perdas: permitamos a dor do que perdemos. É legitimo que sintamos angustia. Encontrar maneiras de expressar o sofrimento, e nos permitir (sem culpa ou vergonha) pedir ajuda, para sermos cuidados quando estamos frágeis. Como viver sem querer perder nada? (Alejandra Kohan)
  9. Sonhem juntos: fazer o exercício familiar de sonhar uma nação mais solidária e igualitária. é um exercício que se pode fazer em família. Uma tarde, uma noite, em uma conversa (com desenhos, com karaokê, contando histórias), que cada família possa imaginar o que necessitamos para alcançar uma sociedade assim e a concretize quando isso acabe. Porque essa quarentena é por um tempo limitado! Vai acabar! Isso nos dá sentido e um sonho em comum.
  10. Finalmente, a rebeldia é um direito que como pessoa nos damos, e em contexto de abuso, é um sinal de saúde mental. O artigo 138 da Constituição Nacional² habilita ” DA VALIDADE DA ORDEM JURÍDICA: fica autorizado aos cidadãos a resistência aos ditos usurpadores, através de todos os meios ao seu alcance. Na hipótese de que essa pessoa ou grupo de pessoas, invocando qualquer princípio ou representação contra esta constituição, detenham o poder público, seus atos se declaram nulos e sem nenhum valor, não vinculante e, pelo mesmo, o povo em exercício do seu direito de resistência à opressão, fica dispensado de seu cumprimento.

Notas de pé de página:

¹Sistema de Saúde do Paraguai

²Constituição Nacional do Paraguai

Explorando respostas dialógicas em tempo de crise

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LIVE TOWN HALL

Explorando respostas dialógicas em um Tempo de Crise

Neste primeiro da série explorando respostas dialógicas na era de COVID, nós convidamos você a participar de um “Town Hall”, na Sexta-Feira, 17 de Abril, às 13:00 horário de Brasília, para uma conversação ao vivo em um debate com duração de 90 minutos; “Estamos vivendo no tempo mais dialógico de todos os tempos?

Debatedores:

Jaakko Seikkula

Richard Armitage

Iseult Twamley

Rai Waddingham

Andrea Zwicknagt

Para se inscrever, clique aqui→

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AVISO IMPORTANTE:

A TV MIB anuncia o próximo programa. Semana que vem teremos o próprio Jaakko Seikkula como nosso convidado especial, com exclusividade. Aguarde que em breve anunciaremos dia e hora, e como se inscrever para participar ativamente da conversação.

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Isolada pelo coronavírus? Sou bem-vinda ao meu mundo.

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Pouco se sabe o que uma vida de pobreza e “doença mental” pode fazer a uma pessoa, com exceção daqueles que a experimentaram.  Depois de enfrentar uma dívida terrível no cartão de crédito e com uma renda insuficiente, após uma tentativa de suicídio comecei a tomar antidepressivos. Depois de oito anos em Zoloft, meu psiquiatra mudou-me para Lexapro, o que me deixou psicótica. A consequência foi haver sido internada em um hospital psiquiátrico, onde fui forçada a tomar drogas psiquiátricas contra a minha vontade e onde comecei a receber uma pensão por doença, que é paga abaixo da linha de pobreza. Tais experiências de “doença mental” e dificuldades financeiras me levaram a formas de vida de isolamento de várias maneiras.

Por causa da minha situação financeira eu não posso sair para jantar há anos com os poucos amigos que tenho. Tudo o que faço é ir ao supermercado e à clínica psiquiátrica e tentar escrever algo que valha a pena ser lido. Isso vem ocorrendo muito antes do aparecimento do coronavírus.

Acredita-se que as drogas psiquiátricas diminuam a vida útil das pessoas em 15 a 25 anos. Os antipsicóticos são considerados especialmente perigosos. Eu tomo antipsicóticos há quase uma década. Sempre me preocupei com a morte de meus pais idosos. Minha irmã mais velha morreu aos nove anos e meio e eu tinha sete anos de idade na época, então sei há muito tempo o quanto a vida é precária. Esses novos medos que as pessoas estão experimentando sobre a perda de entes queridos e sua própria mortalidade não são novos para mim.

A recente ansiedade e depressão das pessoas, que podem resultar do isolamento, são comuns entre os pobres dos Estados Unidos, especialmente aqueles que tiveram o infortúnio de cair nas garras do setor de saúde mental. O recente resgate federal de US $ 2 trilhões de dólares oferece benefícios financeiros apenas para contribuintes e trabalhadores recém-desempregados. Os muito pobres, geralmente aqueles de nós que estão envolvidos no setor de saúde mental, não recebem nada. As grandes corporações estavam se sentindo carentes e queriam ajuda financeira. Elas conseguiram. Em vez disso, por que não levar as corporações a tomar antidepressivos e a fazer terapia, como me disseram que eu fizesse, quando comecei a ter problemas financeiros significativos? Prevê-se que essa pandemia e o pacote de resgate ampliem a já acentuada divisão de riqueza nos Estados Unidos.

Quanto às crises espirituais, os cristãos recém-alienados têm uma comunidade para a qual retornar quando a epidemia acabar. As principais igrejas que experimentei atendem principalmente às classes média e alta. Elas não são uma fonte de conforto e ambiente comunitário para pessoas que não se encaixam nelas.

Uma coisa que sei de minhas experiências com o setor de saúde mental é que ele é o último lugar que as pessoas devem procurar para lidar com essa pandemia. Qualquer pessoa com dificuldades financeiras deve ser ajudada financeiramente. O fato de que isso não esteja acontecendo fala dos valores desordenados vigentes em meu país. Essa pandemia está divulgando verdades boas e feias sobre quem as pessoas realmente são.

Algumas pessoas que estão se familiarizando com a vida on-line e através de seus telefones estão tendo dificuldades para se ajustar. Para os sobreviventes psiquiátricos, esses costumam ser um dos poucos recursos que sempre tivemos às mãos. Nós, que temos acesso à Internet e telefone, somos sortudos. Muitas pessoas pobres “doentes mentais” não têm esses luxos. Os muito pobres, “doentes mentais” ou não, não têm isso.

Os ricos, a classe média e as pessoas que vivem em comunidades dinâmicas – pessoas normais – há muito têm vidas repletas de significado pessoal. Uma das piores coisas que o setor de saúde mental me fez foi roubar da minha vida o significado das coisas. Estou envolvida com a indústria da psiquiatria há quase duas décadas, e essas décadas foram amplamente desperdiçadas. Em vez de significado, a indústria oferece às pessoas drogas psiquiátricas, terapia e o papel de paciente mental. É dentro dessa estrutura que você espera simplesmente existir.

Como tenho sido tão reprimida e oprimida pelas drogas psiquiátricas, com o meu papel social de paciente mental ao longo da minha vida e com as dificuldades financeiras, há muito tempo tenho tentado encontrar significado em pequenas coisas. Um pequeno trabalho voluntário aqui ou ali para os verdadeiramente necessitados. Ajudando meus pais. Através da oração e fé. E agora, com a minha escrita.

Agora que finalmente, lentamente, estou começando a abandonar as drogas psiquiátricas com a esperança de uma vida melhor, enfrento uma tarefa assustadora. Como se começa uma vida quando se é mais velho? Tantas oportunidades perdidas. Décadas que nunca podem ser trazidas de volta à vida. As pessoas que experimentam apenas dificuldades temporárias como resultado do coronavírus são sortudas.

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