Deixando de ser dependente químico das drogas psiquiátricas

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Os usuários das drogas psiquiátricas costumam ter problemas significativos com o seu consumo. Muito em particular, quando buscam parar de tomar tais ditos medicamentos. Os médicos sabem prescrever um antipsicótico, um antidepressivo, um ansiolítico, qualquer droga psiquiátrica. Mas não sabem como ‘desprescrever’.  O resultado é a produção de ‘dependentes’ químicos. Em números alarmantes.

No ano passado, 2019, o 3 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, trouxe ao Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), entre seus convidados, o holandês Peter Groot. Um cientista, com a experiência de haver sido diagnosticado com ‘depressão’ e ter sido prescrito antidepressivos, entre outras drogas psiquiátricas. Ele desenvolveu, junto com o seu colega Jim Van_Os, uma tecnologia de como reduzir as drogas psiquiátricas, de forma segura e eficaz. Trata-se das ‘tiras de redução’. O que é uma alternativa ao fracasso de como o ‘modelo biomédico’ lida com a problemática de redução e/ou interrupção das drogas psiquiátricas.

Traduzi este artigo de Peter Groot e Jim Van_Os. Ainda não foi publicado. Mas temos o direito, garantido pelo periódico aonde o artigo foi submetido e aprovado, de poder colocar o seu conteúdo para o conhecimento público. No final, você encontrará todas as referências necessárias.

Manuscrito em revisão para Therapeutic Advances in Psychofharmacology
Tipo: revisão de perspectiva.

Boa leitura.

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Sair de medicamentos psicotrópicos pode causar sintomas de abstinência física e mental, resultando em tentativas frustradas de descontinuação e uso desnecessário de drogas a longo prazo. Os primeiros relatórios sobre abstinência apareceram na década de 1950, mas, embora os pacientes se queixem de problemas psicotrópicos de abstinência há décadas, o primeiro reconhecimento tardio pela psiquiatria só veio em 1997 com a introdução da “síndrome de descontinuação de antidepressivos”. Somente em 2019 o Royal College of Psychiatrists do Reino Unido, pela primeira vez, reconheceu que a retirada pode ser grave e persistente.

Dada a falta de uma resposta profissional sistemática, ao longo dos anos, os pacientes que estavam passando por abstinência começaram a descobrir maneiras práticas de interromper os medicamentos com segurança. Isso resultou em uma base de conhecimento baseada em experiências sobre abstinência que, em última análise, na Holanda, deu origem ao desenvolvimento de medicamentos afunilados específicos para cada pessoa (as chamadas tiras de redução). A redução gradual da medicação permite que os médicos prescrevam e adaptem com flexibilidade a medicação necessária para a redução gradual responsável e específica da pessoa, com base na tomada de decisão compartilhada e em total concordância com as recomendações das diretrizes existentes.

Olhando para trás, é óbvio que a solução prática simples das tiras poderia ter sido introduzida muito antes, e que a estratégia acadêmica tradicional de comparação de ensaios randomizados não é o primeiro passo lógico para ajudar pacientes individuais cuja extensa heterogeneidade escapa aos algoritmos baseados em grupo. Propomos um roteiro para um caminho mais produtivo, no qual pacientes e psiquiatria acadêmica trabalhem juntos para melhorar o reconhecimento e o gerenciamento específico de pessoas da retirada de drogas psicotrópicas.

Introdução

Nesta revisão de perspectiva, explicamos, do ponto de vista do usuário, como a questão da retirada de drogas psicotrópicas dividia – e até certo ponto continua a dividir – médicos e pacientes; como isso há muito tempo dificulta o desenvolvimento de soluções práticas; e como a colaboração mais próxima entre usuários e profissionais pode remediar essa situação.

Os primeiros relatos de sintomas de abstinência de drogas psicotrópicas – assim como de outras – têm mais de 60 anos [1-3]. Eles demonstraram que a retirada pode causar problemas físicos e mentais. Por sua vez, isso pode levar a fracassos nas tentativas de descontinuação de medicamentos como os antidepressivos e ao seu uso desnecessário, contribuindo para um número crescente de usuários de antidepressivos a longo prazo. Parece que, durante muitos anos, perguntas críticas sobre os efeitos de abstinência raramente eram feitas e, quando feitas, não eram tratadas adequadamente. A pesquisa sobre drogas sempre foi – e principalmente ainda é – focada na eficácia a curto prazo e não em efeitos adversos a longo prazo. As empresas farmacêuticas não eram e, surpreendentemente, ainda não são obrigadas a investigar se e como os pacientes podem interromper com segurança os medicamentos que desejam que sejam aprovados, por exemplo após o uso terapêutico a longo prazo.

Durante muito tempo, os problemas de abstinência não foram considerados uma questão central na psiquiatria acadêmica. Isso permaneceu assim até 2019, quando o Royal College of Psychiatrists, pela primeira vez, admitiu que a realidade para muitos pacientes era bem diferente: os sintomas de abstinência podiam ser mais graves e durar mais do que sempre se supunha. Além disso, não há base de evidências sobre como interromper os medicamentos com segurança [4]. O Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (National Institute for Health and Care Excellence), em um anúncio sobre a futura revisão das diretrizes de antidepressivos, chegou a conclusões semelhantes [5], assim como a American Food and Drug Administration(FDA) [6] e o Center for Disease Control [7] – no contexto de abstinência de opióides. Essas recentes atualizações de fato reconheceram o que muitos pacientes vem relatando há anos [8]: que têm grandes dificuldades quando tentam interromper os medicamentos e que seus médicos não parecem capazes de ajudá-los com isso. Como resultado, os pacientes começaram a encontrar soluções por conta própria e a aconselhar outros pacientes a parar com segurança [8-12].

Em suas respectivas declarações, RCPsych, NICE, FDA e CDC deixaram claro que, a partir de agora, os médicos deveriam deixar seus pacientes diminuir gradualmente, que não existem esquemas de redução padronizada e que a redução deve ser individualizada. No entanto, eles não vem deixando claro como isso pode ou deve ser feito. Mais pesquisas são consideradas como sendo necessárias.

Nesta revisão, discutiremos se é possível melhorar a prática clínica sem primeiro fazer novos estudos, usando os conhecimentos, informações e ferramentas que já possuímos. Para fazer isso, não basta apenas se recorrer ao conhecimento profissional. Em vez disso, reconhecemos que existe um corpo extenso e importante de conhecimento do usuário, baseado no trabalho de usuários que sofreram abstinência [8-13]. Esta área de conhecimento do usuário, no entanto, até o momento não foi apreciada e tem sido amplamente ignorada pela psiquiatria e pela ciência médica.

Na literatura científica médica, o foco tomado nas revisões é principalmente no desenvolvimento e teste de modelos teóricos, com o objetivo de reunir provas ‘baseadas em evidências’ para melhorar a prática clínica diária, estabelecendo diretrizes baseadas em evidências. Essas raramente são claras e geralmente são acompanhadas de declarações como “isso pode levar a” e “mais pesquisas são necessárias”. Os pacientes que procuram soluções, no entanto, geralmente adotam um curso muito mais pragmático, com um forte foco na experimentação prática, resultando em uma rica base de conhecimento fora da psiquiatria convencional [8-13] e em muitas sugestões concretas para estratégias novas e práticas de retirada de medicamentos [14,15].

Nesta revisão, a perspectiva do usuário tem um papel de liderança. Um dos autores (PCG) começou como paciente e escreveu sobre suas experiências [16], antes de se tornar, de fato, por acaso, envolvido no desenvolvimento de medicamentos ‘cônicos’ [14, 17, 18]. Ser paciente e não médico fornece uma perspectiva que facilita fazer perguntas que geralmente não são aquelas feitas por profissionais médicos. Os usuários do serviço desejam desenvolver soluções práticas para os problemas que encontram. As teorias continuam sendo um meio para um fim e se tornam um fim em si. Na literatura médica sobre abstinência, a conclusão usual é que ‘são necessárias mais pesquisas’, antes que a prática clínica possa ser melhorada posteriormente. Pode-se argumentar, no entanto, que, após mais de meio século de prática clínica de baixa qualidade que vem ignorando a retirada, o caso para encaminhar os pacientes para ‘pesquisas adicionais’ que podem nunca fornecer respostas em primeiro lugar e que levarão pelo menos uma década para serem feitas e interpretadas – caso algum financiamento seja encontrado, é ética e logicamente insustentável. Uma década a mais de espera para pacientes e médicos simplesmente não é aceitável.

As discussões sobre abstinência, na literatura científica e em outros lugares, têm sido confusas e polarizadas porque, durante muito tempo, a psiquiatria considerou a abstinência muito menos problemática do que os pacientes. Atualmente, no entanto, é seguro dizer que há consenso sobre o seguinte [4-7]: 1) a retirada pode ser grave e persistente; 2) há uma ampla variação na experiência de abstinência entre as pessoas e mesmo em cada um em termos de sintomas, gravidade, nível de persistência, recorrência e taxa de redução tolerada – tornando improvável que uma abordagem padrão ‘baseada em evidências’ venha a surgir; 3) a descontinuação deve envolver a dosagem sendo reduzida ou diminuída lentamente, o que pode ocorrer por vários meses ou muito mais tempo; 4) isso deve ser feito em uma taxa de redução tolerável para o paciente; 5) o monitoramento contínuo é indispensável; 6) a tomada de decisão compartilhada é essencial.

Nesta revisão em perspectiva, será discutido que não é necessário aguardar os resultados incertos de pesquisas futuras antes que a prática clínica possa ser aprimorada. De fato, demonstraremos que existem soluções válidas, baseadas no conhecimento do usuário e em estudos observacionais pioneiros até o momento.

Um racha entre pacientes e médicos sobre abstinência

Os primeiros sintomas de abstinência foram relatados na década de 1950 [1-3], mas foi apenas em 1997 quando, em uma conferência financiada por Eli Lilly, um ‘Painel sobre Consenso a respeito da Descontinuação’ definiu a chamada Síndrome da Descontinuação de Antidepressivo, ou ADS [19]. Esse nome foi criticado por obscurecer e minimizar a retirada, talvez por razões comerciais [20]. Fato é que, até 2019 [4], a psiquiatria permaneceu relativamente insensível aos sinais dos pacientes sobre abstinência.

Havia e provavelmente ainda existe uma divisão, um racha, entre o que muitos médicos pensavam ou pensam sobre a retirada e o que os pacientes experimentam. O aconselhamento em folhetos distribuídos aos pacientes e as diretrizes oficiais geralmente vão até à recomendação de diminuir gradualmente a dose por um período de várias semanas, de acordo com a necessidade do paciente, sem ser específico sobre o que isso significa com precisão e como isso deve ser tornado praticamente possível (ver Quadro 1: As recomendações dos fabricantes mostram, de fato, que a redução gradual é impossível).

Quando os pacientes começaram a tentar diminuir gradualmente a sua medicação em casa, aplicando a farmacoterapia do faça-você-mesmo (mexendo com medicamentos em casa para obter doses mais baixas) [8-12], deixaram claro que queriam (e precisavam [21]) ter acesso a dosagens mais baixas dos medicamentos que desejavam diminuir do que o que era o disponibilizado no mercado. Para uma empresa farmacêutica, disponibilizar um medicamento com uma dosagem química menos forte não é tecnicamente mais exigente ou mais caro do que qualquer das dosagens já registradas. Surge, portanto, a pergunta: por que as empresas farmacêuticas não disponibilizam as dosagens necessárias para os pacientes poderem fazer a redução? Por que associações médicas e os comitês que formulam as diretrizes para os clínicos não pedem às empresas farmacêuticas que façam isso, quando percebem que os pacientes costumam se voltar para uma farmacoterapia de bricolagem?

Por que mais pessoas não fazem perguntas críticas sobre o atual sistema de dosagem que impõe limites tão fortes às escolhas que médicos e pacientes podem fazer? Um sistema que está muito em desacordo com as escolhas que temos quando usamos produtos do dia a dia (consulte a Caixa 2: Peculiaridades do atual sistema de dosagem).

Experiências e iniciativas dos pacientes

Ao longo dos anos, em resposta à falha real ou percebida que seus médicos não os ajudam a tomar com segurança os medicamentos prescritos, um número crescente de pacientes começou a tentar encontrar soluções por conta própria, o que resultou em uma base de conhecimento fora da psiquiatria e da literatura científica, na forma de vários fóruns bem moderados na internet, com orientações não oficiais e, às vezes, muito elaboradas [9, 10, 13] e com relatos pessoais coletados sistematicamente, em alguns casos de milhares de pacientes [8]. Não é exagero se afirmar que muitos pacientes acham que foram ou que têm sido realmente melhor ajudados por essas iniciativas do que por seus próprios médicos.

Importante para o reconhecimento de problemas de abstinência é o fato de que entre aqueles que sofreram abstinência também tem havido profissionais médicos. Em 2019, dois deles, Mark Horowitz e David Taylor, publicaram talvez o artigo científico mais perspicaz até agora sobre como diminuir os antidepressivos [21].

Eles corretamente inferiram que o que haviam experimentado era muito diferente do que haviam aprendido e do que as diretrizes diziam. Horowitz disse sobre isso em uma entrevista: “Eu acho que se um paciente tivesse me procurado (antes de eu haver experimentado) e se dissesse que eles realmente tinham problemas com um antidepressivo, eu provavelmente estaria inclinado a não acreditar neles…. E acho que essa é uma das razões para os médicos serem céticos quanto a isso” [22]. Da mesma forma, Taylor disse: “Por que os médicos continuam dizendo às pessoas que os sintomas de abstinência são leves e realmente nada com que se preocupar? Talvez seja porque há uma tendência para os clínicos quererem acreditar que novos medicamentos são panacéias inócuas” [23]. O título de seu pequeno texto – “não é exatamente como os textos padrão dizem” – sublinhava claramente a necessidade de adaptar as diretrizes atuais. 20 anos para o reconhecimento oficial da possível gravidade e duração dos sintomas de abstinência pela psiquiatria [4].

Quantos pacientes sofrem com a abstinência?

Quantos pacientes sofrem de abstinência não está claro. Em dezessete estudos diferentes, variando de pequenos estudos sobre medicamentos financiados pela indústria a grandes pesquisas independentes online, foram relatadas taxas de incidência variando de 5 a 97% [24]. De acordo com a pesquisa on-line mais recente entre 867 pessoas de 31 países que tentaram interromper os antidepressivos, 61% relataram efeitos de abstinência, sendo 44% os que descrevem como graves [25]. Essas estimativas aproximadas não nos dizem quais são os números para um medicamento específico. Um dos problemas não é apenas o fato de não termos dados suficientes, mas que a incidência, a gravidade e a duração da retirada e recidiva provavelmente dependerem de como o paciente diminui: a interrupção abrupta causa mais problemas do que a diminuição gradual.

Muito pouco se sabe sobre a distribuição da gravidade da abstinência em grupos de pacientes. Na tentativa de encontrar uma resposta preliminar sobre essa distribuição, usamos dados de prescrição disponíveis para as tiras de redução em um grupo de pacientes que usaram Venlafaxina em tiras de afunilamento com sucesso – de 37,5 mg a zero. Dos 810 pacientes, 299 (36,9%) escolheram diminuir em 28 dias, 169 (20,9%) em 56 dias, 255 (31,5%) em 84 dias, 65 (8,0%) em 112 dias e 22 (2,9%) em 140 dias ou mais, usando 1, 2, 3, 4 ou 5 ou mais tiras de redução, respectivamente (Figura 1).

Esses dados preliminares devem ser interpretados com cautela, pois se baseiam na suposição de que 1) o tempo que os pacientes levaram para diminuir é uma proxy da gravidade da retirada; e 2) que a tomada de decisão compartilhada foi usada quando as tiras de retirada foram prescritas. Além disso, é provável que vários pacientes tivessem demorado mais tempo a diminuir se sua seguradora de saúde reembolsasse seus medicamentos.

A distribuição distorcida reconcilia visões opostas sobre a gravidade da retirada

O que foi observado na Figura 1 é que 90% dos pacientes diminuíram em 3 meses ou menos e cerca de 10% em 4 ou mais meses. Pensamos que este é precisamente o tipo de distribuição distorcida que esperaríamos se desejássemos conciliar visões atualmente opostas sobre a verdadeira gravidade da retirada. Por um lado, um período de redução gradual de 3 meses ou menos para a grande maioria dos pacientes corresponde bem às novas recomendações – mas não muito concretas – estabelecidas na declaração de posição do RCPsych [4]. Isto afirma que a redução gradual tolerável para os pacientes pode ocorrer durante vários meses. Por outro lado, períodos mais longos e talvez muito mais longos correspondem bem à retirada grave relatada por uma minoria de pacientes (auto-selecionados) em fóruns da Internet, bem como em estudos observacionais maiores recentes [24, 25].

Os resultados dos ensaios clínicos randomizados não são válidos para pacientes na cauda de uma distribuição distorcida

Também pode ser esperada uma distribuição distorcida para outros medicamentos que causam sintomas de retirada. Isso tem várias implicações. Para começar, os resultados de estudos randomizados para examinar propriedades muito desigualmente distribuídas em uma população produzirão resultados que podem ter significado para a maioria dos pacientes, mas não serão válidos para o subgrupo de pacientes no final de uma distribuição distorcida [26]. Qualquer tentativa de usar esses resultados para determinar qual será o tratamento adequado para um paciente individual no final da distribuição deve ser considerada uma prática clínica de baixa qualidade que pode ser potencialmente prejudicial para esses pacientes, assim como para os médicos que devem ajudá-los. No entanto, isso é, em nossa opinião, precisamente o que está acontecendo e o que ainda está acontecendo no caso de retirada.

Também podemos inferir que as recomendações sobre a retirada que constam das diretrizes médicas anteriores e atuais não têm sido úteis não apenas para esses pacientes ‘raros’, mas também foram e ainda são prejudiciais para a maioria. Um exemplo concreto de como esse dano é causado foi observado na Holanda, onde várias seguradoras de saúde se recusam a reembolsar remédios em dosagens reduzidas para pacientes para os quais os médicos desejam prescrever agendamentos mais graduais de maior duração, porque eles sofrem de sintomas severos de retirada. O argumento que essas seguradoras de saúde usam é que “não há evidências na literatura” de que o paciente em questão precisaria desse medicamento em dosagens reduzidas. No entanto, a seguradora de saúde não sabe e não pode saber qual é a posição do paciente na distribuição, mesmo que os dados sobre a distribuição fossem disponíveis, o que atualmente não é o caso.

Nessa situação, a única coisa razoável a ser feita seria confiar no julgamento do médico sobre a gravidade da retirada do paciente. Mas, em vez de fazer isso, o argumento de que não haveria ‘evidência’ tem sido considerado como a única declaração válida. Esse também foi o caso do Instituto Nacional de Saúde da Holanda, que aconselhou as seguradoras de saúde em todos os casos em que os pacientes apresentarem uma queixa oficial, mesmo quando seus médicos atestam a gravidade de suas queixas por retirada [27-31]. Ironicamente e infelizmente, o que vemos aqui é que o ‘modelo baseado em evidências’ da ciência médica tem levado a uma cultura de ignorar substancialmente as experiências dos pacientes [32].

Resistência institucional

As seguradoras de saúde holandesas e o Instituto Nacional de Saúde holandês não são as únicas partes que usam o argumento de que há uma falta de ‘evidência’ da necessidade de diminuir gradualmente – de maneira muito mais gradual -e por períodos de tempo muito mais longos do que o padrão da prática clínica. É seguro dizer que muitos dentro da psiquiatria usaram ou ainda estão usando o argumento de que precisamos primeiramente de mais ‘evidências’ de estudos aleatórios. Isso apesar do fato de que esses estudos, conforme explicado acima, não ajudarão a identificar pacientes que estão em maior risco, porque estão na cauda de uma distribuição distorcida.

Uma questão surpreendente com a qual tivemos que lidar na Holanda é o fato de que, nos últimos anos, foi difícil para nós informar ou discutir essas questões com as partes relevantes, como são nossas seguradoras de saúde, a Associação Psiquiátrica Holandesa, a Associação de Médicos Gerais, a organização guarda-chuva dos pacientes MIND, o Instituto Nacional de Saúde da Holanda e até o Ministério da Saúde. Em nossa opinião, experimentamos o que tantos pacientes experimentaram por tantos anos quando tentaram discutir seus problemas de abstinência. Teoria, suposições e uma interpretação restrita da literatura têm sido o que é levado em conta, outras coisas têm sido consideradas menos relevantes ou não relevantes em

Na Holanda, essa atitude não científica tem levado a várias audiências [33-35], processos judiciais [36-38], debates parlamentares [39-42] e até mesmo uma sessão pública parlamentar [43], cujo resultado foi ignorado pelo Ministro da Saúde [44], talvez por ter sido organizado pelos principais partidos da oposição. Uma interpretação errônea da teoria foi considerada como sendo mais importante do que o que os pacientes e seus médicos relataram. Como resultado, os pacientes a quem o reembolso de seus medicamentos foi recusado podem haver optado do seu próprio bolso ou diminuir mais rapidamente do que desejavam ou que os seus médicos consideravam o adequado, correndo o risco dos sintomas de retirada e as consequências indevidas associadas.

Em grande parte, pensamos que o que observamos aqui vem acontecendo, nos últimos 50 anos, para muitos pacientes que vem tendo problemas para interromper a medicação. Considerações teóricas e opinião de especialistas têm sido consideradas mais válidas do que as experiências dos próprios pacientes, talvez também como resultado de outros interesses – financeiros e institucionais – [45].

Para poder interromper essa situação indesejada, pensamos que é crucial ser mais honesto sobre as incertezas e lacunas existentes no conhecimento, muitas das quais provavelmente não desaparecerão tão cedo [46]. As experiências, ideias e iniciativas dos pacientes devem ser levadas muito mais a sério, também quando não são publicadas na literatura científica e mesmo quando são consideradas como contendo mensagens ‘críticas’. Isso exigirá outra atitude e outra maneira de avaliar as informações, mas valerá o esforço.

Como melhorar a prática de deixar de tomar medicamentos – de que estudos precisamos?

A ciência médica aprecia muito mais os estudos randomizados do que outros tipos de estudos. Para melhorar a prática de deixar de tomar medicamentos, isso tem sido altamente problemático, porque 1) poucos estudos randomizados sobre abstinência foram realizados até o momento [47-50]; 2) a maioria dos estudos tem sido pequenos demais, apresentando problemas metodológicos e usando palavras como ‘gradual’ de uma maneira confusa, que por exemplo tem levado à alegação errônea de que não haveria vantagem significativa da redução gradual em comparação à interrupção abrupta [48, 51-56]; 3) os efeitos amplamente desconhecidos na retirada da polifarmácia, que não são incomuns na prática clínica diária, não são levados em consideração; 4) talvez haja mais revisões [54,57-62] do que os estudos randomizados originais sobre abstinência, que levaram ao eco de resultados confiáveis; 5) os resultados não são significativos para os pacientes mais vulneráveis ​​ao final de distribuições distorcidas (veja acima). Não surpreende que a contribuição combinada para melhorar a prática clínica diária de todos esses estudos tenha sido preocupantemente baixa [49-51].

O que é verdade para os estudos de abstinência também é verdadeiro para a maioria dos outros ensaios clínicos randomizados em psiquiatria. O produto de milhares de Estudos de Controle Randomizados que custaram bilhões de dólares tem sido decepcionante. Como John Ioannidis colocou: “Há um enorme investimento em pesquisa básica em neurociência e pesquisas intensivas por biomarcadores informativos de resposta ao tratamento e toxicidade. O rendimento é próximo a zero. . . . Até os otimistas reconhecem que, atualmente, ainda não existe uma maneira clinicamente útil de prever quais pacientes responderão melhor a medicamentos amplamente utilizados, como os antidepressivos” [63]. Não é realista esperar muito dos estudos randomizados para melhorar os modelos de previsão. Parece melhor aceitar as incertezas existentes e trabalhar com elas [46], conforme explicado abaixo.

Lidar com ou prevenir os sintomas de abstinência

É indiscutível que a orientação adequada, feita por um médico ou por outros profissionais de saúde, é importante e deve estar sempre disponível [64] e pode ajudar a suportar e superar os sintomas de abstinência, se eles ocorrerem, mas apenas a redução gradual e lenta ajuda a evitá-los. Portanto, o primeiro trabalho de um médico deve ser tornar possível a redução gradual, prescrevendo a medicação correta (reduzida). Todos os pacientes que tentaram ou ainda estão tentando conseguir isso através da farmacoterapia de bricolagem entenderam isso melhor do que muitos de seus médicos e muitos pesquisadores, que não abordaram a questão de como diminuir gradualmente.

Medicação afunilada (‘tiras de redução’)

A iniciativa de um paciente

 Em 2010, um projeto foi iniciado na Holanda, com base na ideia para o desenvolvimento de uma ‘tira de retirada de medicamentos’ publicada em 2004 [15]. Em 2013, isso levou ao desenvolvimento das primeiras tiras cônicas para paroxetina e venlafaxina [14] (consulte o Quadro 3: Medicação cônica – como funciona).

Nos anos que se seguiram, foi desenvolvido um sistema flexível para a prescrição de medicação cônica para vários outros medicamentos: antidepressivos, antipsicóticos, sedativos como benzodiazepínicos, analgésicos de ação central como analgésicos opioides [65], antiepiléticos e alguns outros medicamentos [66]. A lista ainda está crescendo porque os pedidos de outros medicamentos que acabam causando sintomas de abstinência continuam chegando, tanto dos pacientes quanto dos clínicos. Uma indicação clara de que os problemas de abstinência não se limitam aos antidepressivos e que eles foram, e talvez ainda estejam sendo subestimados pela ciência médica.

Tolerando a incerteza – usando o conhecimento que os pacientes têm

Talvez a tomada de decisão compartilhada possa ser melhor prescrita enquanto uma suposição educada, necessária quando há incerteza [46]. Para a retirada, isso é menos um problema do que muitos pesquisadores que desejam primeiramente desenvolver modelos de previsão possam pensar. Uma das razões pelas quais isso ocorre é que os pacientes geralmente têm uma boa ideia do que querem ou precisam; indiscutivelmente ainda melhor do que seus médicos. Isso é especialmente verdadeiro para pacientes que tentaram diminuir o consumo de drogas no passado e falharam. Muitos desses pacientes sabem quão lenta e gradualmente eles querem diminuir, ou talvez quão rápido eles não querem diminuir. O uso desse conhecimento não está apenas alinhado à crescente ênfase na prática de tomada de decisão compartilhada, mas também faz muito mais sentido do que confiar em conselhos limitados e pouco concretos nos folhetos dos pacientes e nas diretrizes existentes, baseadas na opinião de especialistas e não em evidências. Nesta situação, devemos nos perguntar: quem é o especialista: o médico ou o paciente?

Qual a utilidade dos critérios de risco?

Os critérios de Risco foram definidos para tentar identificar pacientes com maior risco do que outros [67]. Isso pode ser útil, mas um determinado paciente sem nenhum fator de risco ainda pode estar em risco e vice-versa. Atualmente, não é possível prever isso para um paciente individual. Mais estudos em grupo randomizados (ECRs) não mudarão isso (veja antes apresentado). A disponibilidade de medicação ‘cônica’ torna possível lidar com essa incerteza de uma maneira muito prática. Permite que médico e paciente decidam juntos uma trajetória cônica, quer dizer, de redução lenta e gradual, usando todo o conhecimento (paciente) disponível. É nossa opinião que o paciente deve estar na liderança aqui, não o médico. Ambos não sabem – e não podem – saber se a escolha será pelo cronograma ideal de redução, mas sim como é praticamente possível se adaptar quando ocorrem os sintomas de abstinência, esse não é um grande problema. O importante aqui é que o (auto) monitoramento adequado também seja praticamente possível.

Auto-monitoramento simplificado

Anteriormente, testamos com êxito o automonitoramento em um experimento n = 1, usando um dispositivo digital que solicitou ao participante que respondesse às mesmas 40 perguntas 10 vezes por dia (Experience Sampling Methodology ou ESM) durante a redução gradual de um antidepressivo [18]. Esse número elevado de medições tornou possível detectar com sensibilidade os chamados sintomas de alerta precoce para uma transição crítica nas mudanças de humor. Essa experiência de prova de princípio mostrou que é possível capturar objetivamente o efeito de uma dose variável de medicamento por meio de medidas prospectivas de experiências subjetivas de um paciente.

Usamos esse conhecimento para desenvolver um formulário de auto-monitoramento de abstinência para capturar abstinência experimentada subjetivamente em função de uma dose de medicamento alterada ou inalterada ao longo do tempo. O formulário foi feito o mais simples possível, porque queríamos que fosse utilizável e útil para todos os pacientes que usavam medicação cônica e para seus médicos (o método abrangente usado no estudo n = 1 seria muito trabalhoso). A Caixa 3 (Monitoramento prospectivo de reclamações de retirada subjetivamente experientes) mostra os dois primeiros formulários de auto-monitoramento que nos foram devolvidos (apenas recentemente iniciamos um projeto piloto com esses formulários). Um por um paciente que reduziu a clomipramina de 75 a 50 mg em um dia e outro por um paciente que estabilizou o diazepam na dose de 0,3 mg. Instruções breves e simples permitiram que ambos os pacientes preenchessem o formulário sem problemas e tirassem suas próprias conclusões. O paciente que reduziu a clomipramina concluiu que a redução foi boa. O paciente que estabilizou o diazepam na dose baixa de 0,3 mg de diazepam concluiu que o sono havia sido completamente restaurado. Ambos os pacientes decidiram que desejavam diminuir ainda mais. Consideramos que isso é útil, além de capacitar o paciente e ser informativo para o médico, o que deve facilitar a conversa proveitosa sobre como prosseguir.

Experiências com o uso de tiras de redução

Que o uso de tiras de redução (também chamadas de tiras cônicas) funciona bem na prática clínica e que possibilita a tomada de decisões compartilhada praticamente possível, temos, em nossa opinião, demonstrado em nosso primeiro estudo observacional de um grupo de 1.194 pacientes que usaram medicamentos cônicos [17]. Nesse primeiro grupo, havia muitos pacientes que haviam sofrido abstinência e, portanto, procuravam ativamente maneiras melhores e mais seguras de diminuir. Quando descobriram que a medicação diminuía, eles precisavam explicar isso aos médicos, que muitas vezes não sabiam que isso existia. Como esses pacientes sabiam o que queriam, acreditamos que, nesse grupo, o uso de tiras cônicas frequentemente será o resultado de decisões compartilhadas e também que os pacientes estejam instruindo seus médicos sobre a redução gradual, em vez do contrário.

Que os esforços desses pacientes não foram desperdiçados é demonstrado pelo resultado de nosso estudo observacional. Esse primeiro grupo provavelmente conteve um grupo relativamente grande de pacientes auto-selecionados, difíceis de serem ajudados e vulneráveis, localizados no final da distribuição distorcida discutida anteriormente. O uso de medicação cônica permitiu que 70% deles diminuíssem completamente o antidepressivo, uma porcentagem muito maior do que qualquer estudo que conhecemos.

Em nossa opinião, isso mostra que muitos dos problemas atuais de abstinência não são o resultado infeliz da falta de conhecimento, mas o efeito iatrogênico adverso de um sistema que tem permitido a prescrição de novos medicamentos sem fornecer as ferramentas necessárias para sair com segurança deles .

Um roteiro para a redução lenta e gradual

A retirada do medicamento psiquiátrico pode se tornar um problema tão grande porque as empresas farmacêuticas têm – e ainda têm – permissão para trazer medicamentos ao mercado sem ter que investigar se podem ocorrer problemas quando os pacientes param de usá-los após o uso terapêutico e desenvolver soluções, quando isso vem a acontecer. A psiquiatria acadêmica também deve ser responsabilizada. Sempre houve e ainda há muita atenção para o desenvolvimento e (a curto prazo) da eficácia de novos medicamentos e para iniciar o tratamento farmacoterapêutico, mas não o suficiente para interromper o tratamento e causar efeitos adversos a longo prazo. O número muito limitado dos aspectos fortes registrados sobre as drogas tem sido questionado pelos pacientes, não pela psiquiatria. A prática clínica foi adaptada ao que as empresas farmacêuticas vendem e não o contrário. Como resultado, os pacientes que precisam de outras forças tem sido obrigados a recorrer à farmacoterapia de bricolagem, a pagar do próprio bolso ou a arriscar sintomas de abstinência que poderiam ter sido evitados.

A redução gradual da medicação possibilita prescrever e adaptar programas de redução e interrupção dos medicamentos psiquiátricos de maneira flexível, usando a tomada de decisão compartilhada. Mas é claro que isso não resolverá todos os problemas de retirada. Muitas perguntas ainda permanecem. Uma questão muito importante é se a redução gradual, que é gradual o suficiente para evitar os sintomas de abstinência durante e logo após a redução gradual, também é gradual o suficiente para evitar problemas de recaída ou retirada que ocorrem (muito) posteriormente. Saber disso é clinicamente altamente relevante. Após uma redução bem-sucedida (sem apresentar sintomas de abstinência), alguns pacientes começam a apresentar queixas mais tarde e, para alguns, esses sintomas podem ser muito graves e duradouros e talvez não desapareçam. Por que isso é assim não está completamente claro [52, 68]. Um processo de redução lento e gradual pode ajudar esses pacientes? Nós não sabemos. Para descobrir, precisamos de dados, especialmente sobre os pacientes (talvez raros) que são mais vulneráveis. Aqueles que estão localizados no final de uma distribuição distorcida. A disponibilidade do medicamento diminui a possibilidade de obter dados observacionais prospectivos para diferentes drogas da prática clínica diária de grandes grupos de pacientes dentro de alguns anos, se esses pacientes puderem escolher por si próprios (com base na tomada de decisão compartilhada) e se estiverem dispostos a compartilhar dados de auto-monitoramento durante e após a redução gradual. As metanálises podem ajudar a encontrar respostas para perguntas para as quais não há respostas agora.

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  12. Expert-meeting ‘Tapering antidepressants – how?’  Organized by the Dutch Institute for Responsible Medicine Use (IVM) at the request of the Dutch Minister of Health, Drs. B. Bruins, 21 november 2019, Utrecht.
  13. Expert-meeting ‘Tapering antidepressants – how?’ Organized by the Dutch Institute for Responsible Medicine Use (IVM) at the request of the Dutch Minsiter of Health, Drs. B. Bruins, 21 november 2019, Utrecht.
  14. Scoping about tapering of (specific) antidepressants using tapering strips, organized by the Dutch National Healthcare Institute, 24 August 2017, Diemen.
  15. Court Gelderland, Case number NL18.23783, Ruling 19-12-2019, Arnhem;https://uitspraken.rechtspraak.nl/inziendocument?id=ECLI:NL:RBGEL:2019:5935.
  16. Court Midden-Nederland, Case number C/16/468767 / KG ZA 18-644; Ruling 9-01  2019, Utrecht.
  17. Court Gelderland, Case number C/05/345680 / KG ZA 18-505, Ruling 15-02-2019, Arnhem.
  18. Parliamentary Questions to the Dutch Minister of Health, 13-04-2017, Ref. 2017Z04977: ‘Antidepressants and tapering strips’ (Dutch).www.tweedekamer.nl/kamerstukken/kamervragen/detail?id=2017Z04977&did=2017D10390.
  19. Parliamentary Questions to the Dutch Minister of Health, 01-02-2018, Ref. 2018Z01656: ‘The use of compounding pharmacy preparations in tapering strips as a means to taper medication in a www.tweedekamer.nl/kamerstukken/kamervragen/detail?id=2018Z01656&did=2018D03403.
  20.  Parliamentary Questions to the Dutch Minister of Health, ref. 2018Z24807, 28-12-2018: ‘tapering strips and blunder with non-existent research’ (Dutch).www.tweedekamer.nl/kamerstukken/kamervragen/detail?id=2018Z24807&did=2018D61879.
  21. Parliamentary Questions to the Dutch Minister of Health, 24-09-2019, Ref. 2019Z17796: ‘Active opposition againts reimbursement of tapering strips by the Dutch Healthcare Institute, the Dutch Association of Psychiatrists (NVvP) and health insurers. (Dutch).www.tweedekamer.nl/kamerstukken/kamervragen/detail?id=2019Z17796&did=2019D37112.
  22. 43. Parliamentary Hearing/Round Table discussion, 20-06-2019: ‘Tapering Medication’, The Hague (Dutch). www.tweedekamer.nl/debat_en_vergadering/commissievergaderingen/details?id=2019A01954, Video: https://debatgemist.tweedekamer.nl/debatten/afbouwmedicatie.
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Para baixar uma cópia deste artigo em sua íntegra, clique aqui: https://iipdw.org/wp-content/uploads/2020/01/PC-Groot-and-J-van-Os-User-knowledge-of-psychotropic-drug-withdrawal-Jan-2020.pdf

Os antipsicóticos devem ser usados ‘nunca’

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Na opinião do consagrado médico e cientista, Peter Gotzsche, nunca os antipsicóticos devem ser usados. Algo dito textualmente. Impactante.

 

“Há muitas pesquisas com antipsicóticos e os danos produzidos. Já sabemos muito sobre essas drogas psiquiátricas. Na minha opinião, não se deveria jamais usá-las. Não curam ninguém. Mas em muitos casos, os antipsicóticos produzem a psicose como um problema permanente. Quando são tomados por um longo período, é produzida uma ‘super-sensibilidade’ à psicose. Se desenvolve de fato uma psicose, porque se está tomando um antipsicótico. Sendo algo que supostamente estaria agindo na psicose (…) No máximo uma diazipina em crise (…) Quando eu pergunto aos meus pacientes o que preferem, uma diazipina ou um antipsicótico (…) Preferem diazipinas (…) O que é feito é desumano, discriminatório (…) A Psiquiatria é um tratamento forçado com drogas (…).”

Veja o depoimento, curto, de Peter Gotzsche na íntegra, clicando aqui →

Além das sucessivas contribuições de Peter Gotzsche à nossa comunidade do Mad, mais informações você pode ter clicando aqui →

O TDAH é uma doença com base biológica?

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É bem sabido que o número de disgnósticos de TDAH em crianças e adolescentes cresceu no mundo todo de maneira dramática. E como consequência, muitas delas veem sendo medicadas desde muito novas. Nesse sentido, o artigo Por que o diagnóstico biomédico do TDAH tem se tornado tão dominante? de Michael W. Corrigan, Robert Whitaker e Fernando Freitas, traz contribuições importantes.

Publicado na revista Práxis Educacional, o artigo faz uma revisão histórica de como o diagnóstico de TDAH vem sendo construído. O argumento principal utilizados pelos autores é que apesar de chegar ao grande público que o TDAH apresenta origem em fatores genéticos, neurobiológicos, ambientais e múltiplos genes associados, não existem evidências seguras e confiáveis de uma determinação biológica.

Para contribuir com a discussão, os autores analisam um estudo sobre TDAH, considerado um grande avanço científico, o qual conclui que o cérebro de crianças com TDAH seriam menores do que o de crianças que não apresentam o tal transtorno, publicado pelo Lancet Psychiatry. Os autores acharam várias falhas na análise do estudo, o que poem por terra que o estudo trouxe evidências definitivas sobre a base biológica do TDAH.

“O diagnóstico TDAH tem pouca evidência científica para dar suporte à ideia que ele representa um transtorno físico do cérebro e do sistema nervoso. A análise crítica das evidências científicas hoje existentes concluem que esse diagnóstico nos diz muito pouco (se não nada) a respeito da causa, do tratamento e resultados para tais problemas emocionais ou comportamentais.”
Na verdade, o motivo pelo qual foi patologizado alguns comportamentos infantis tem mais a ver com como nós interpretamos esses comportamentos e emoções das crianças/ adolescentes. Ou seja, é fruto de uma nova construção social da infância. Como resultado, teremos crianças/adolescentes potenciais consumidores da psiquiatria e das medicações psiquiátricas por toda a vida.
•••
CORRIGAN, M.W; WHITAKER, R.; FREITAS, F. Por que o diagnóstico biomédico do TDAH tem se tornado tão dominante? Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista – Bahia, v. 16, n. 37, p. 16-33, Edição Especial, 2020. (link)

 

Existe um pequeno grupo para quem os antidepressivos são eficazes?

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hoto by Marco Verch (Flickr)

Em um novo estudo, pesquisadores testaram a teoria de que alguns grupos de pessoas podem melhorar significativamente com os antidepressivos, enquanto outros não conseguem. A análise feita por eles não encontrou suporte para essa variação entre os que usam antidepressivos. Em vez disso, eles descobriram que todos os pacientes experimentam o mesmo efeito – que é mínimo – dos antidepressivos.

“Nenhum ou apenas subgrupos muito pequenos de pacientes respondem particularmente bem aos antidepressivos. Assim, o escopo do tratamento personalizado com antidepressivos parece ser limitado ”, escrevem os pesquisadores.

hoto by Marco Verch (Flickr)

Nos últimos anos, alguns pesquisadores propuseram uma teoria: que o efeito leve (acima do placebo) dos antidepressivos pode ser devido a um grupo de pacientes que se beneficiam muito, enquanto que outras pessoas não se beneficiam, experimentando apenas os efeitos adversos da droga. Assim sendo, os dois grupos se cancelariam, levando à melhoria média mínima que é observada em pesquisas com drogas.

Se isso fosse verdade, e o subgrupo que se beneficiasse com o medicamento pudesse ser identificado, os médicos poderiam assim prescrever o medicamento apenas para aqueles que melhorariam após tomá-lo. Isso reduziria o número de pessoas que tomam o medicamento e que não experimentam melhoras – porque pioram as experiências de depressão e ansiedade e / ou devido aos efeitos nocivos do medicamento.

Infelizmente, esses subgrupos ainda não foram encontrados em pesquisas até hoje realizadas. Os pesquisadores escrevem que “apesar dos esforços substanciais de pesquisa, não foram encontrados preditores de sucesso do tratamento com antidepressivos que sejam robustos e confiáveis o suficiente para o seu uso na prática clínica”.

E agora a própria teoria acaba de ser desmascarada, de acordo com um estudo publicado no BMJ Open.

Os pesquisadores Martin Plöderl e Michael P. Hengartner conduziram o primeiro estudo a testar a teoria subjacente da variação do grupo com antidepressivos. A análise estatística deles incluiu pesquisas com antidepressivos, publicadas e não publicadas, para evitar a armadilha do viés de publicação (o mais provável sendo que resultados positivos sejam os  que são publicados). Eles escrevem que seu conjunto de dados “é um dos maiores até agora analisado, resultando em estimativas precisas dos principais resultados existentes”. O estudo incluiu 169 ensaios clínicos com vários antidepressivos para pessoas com diagnóstico de transtorno depressivo maior.

Plöderl e Hengartner testaram isso comparando a variação no grupo com antidepressivo com a variação no grupo placebo. Eles descobriram que as duas variações eram praticamente as mesmas. Isso significa que o grupo com antidepressivo não teve, de fato, a grande variação prevista pela teoria. A explicação mais simples é novamente a mais provável: os antidepressivos são apenas um pouco melhor do que o placebo, para quase que todas as pessoas.

Os pesquisadores então fizeram uma simulação para testar se variações semelhantes (VRs) poderiam ocorrer, se a teoria fosse verdadeira. Mas a simulação deles descobriu que, se a teoria fosse verdadeira, não há como levar a esses achados. Eles escrevem: “Nossa análise de simulação confirmou que VRs iguais só podem ser obtidas se não houver mais do que apenas alguns pacientes a responderem um pouco acima da média”.

Ainda existem explicações peculiares e improváveis que também podem levar a esse achado. Por exemplo, também pode ser dito haver um pequeno grupo de pacientes ‘super respondentes’ que se sairiam incrivelmente bem. Mas isso deveria levar a uma distribuição fortemente não normal de pontuações, e que não foram detectadas em nenhuma análise estatística, até o momento.

Embora cada classe sucessiva de medicamentos antidepressivos tenha sido apontada inicialmente, em estudos financiados pela Indústria Farmacêutica, como sendo um tratamento poderoso para doenças mentais, pesquisas adicionais descobriram consistentemente que seus efeitos são mínimos quando comparados ao placebo. Quando dados publicados e não publicados são incluídos, os pesquisadores descobriram que cerca de metade (49%) dos ensaios clínicos com antidepressivos na verdade não mostram nenhum benefício do medicamento com relação ao placebo. Mais recentemente, vários artigos revisados por pares, do ano passado, descobriram que o efeito placebo pode ser responsável por quase toda a melhora supostamente causada por antidepressivos.

De acordo com Plöderl e Hengartner, “Com os antidepressivos atualmente disponíveis, a possibilidade de tratamentos personalizados para antidepressivos é provavelmente limitada e é improvável que a psiquiatria consiga encontrar preditores clínicos ou biológicos da resposta ao tratamento diferencial que explicaria um efeito terapêutico além de uma melhora clínica mínima ”.

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Plöderl, M., & Hengartner, M. P. (2019). What are the chances for personalised treatment with antidepressants? Detection of patient-by-treatment interaction with a variance ratio meta-analysis. BMJ Open, 9(e034816). doi:10.1136/bmjopen-2019-034816 (Full text).

Sobrevivendo à psiquiatria: um caso típico dos danos graves causados pelos medicamentos psiquiátricos

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Ao longo dos anos, recebi muitas histórias de pacientes, tantas que pude escrever um livro interessante baseado nelas. Em novembro, recebi um relato espantoso de uma paciente que conheci dando uma palestra. Reproduzo aqui a jornada dessa paciente, como ela me a apresentou, compartilhando-a com vocês a pedido seu. As drogas psiquiátricas causaram sérios danos nela; sua vida ficou em perigo; e ela sofreu um excruciante processo de retirada da medicação, porque não recebeu as orientações necessárias. Mas ela está indo bem hoje.

Em 2002, ela deu à luz sua segunda filha, após um período difícil com ‘todos os tipos de testes e tratamentos hormonais’. Depois de dar à luz, ela não se sentia bem. Ela tinha medo de perder a filha e de não ser capaz de protegê-la bem o suficiente. Os médicos a diagnosticaram com depressão, e lhe disseram que era perfeitamente normal e que ela deveria tomar Velanfaxina (conhecido como ‘antidepressivo’, ou mais precisamente chamada de pílula da depressão) para que seu cérebro funcionasse novamente. Possivelmente pelo resto de sua vida, mas pelo menos por cinco anos.

Sua vida mudou acentuadamente desde então. Ela ganhou 50 kg e teve vários episódios estranhos que não entendia. Uma vez ela quis cavar uma caixa de areia para os filhos, mas acabou colocando um trampolim inteiro de 70 cm no chão, removendo sete metros cúbicos de terra com uma pá. Outra vez, ela derrubou um muro na cozinha sem aviso prévio e sem ser artesão, porque sentiu que a família precisava de uma cozinha inteligente para conversar. Um dia, durante um processo de seleção de emprego, ela disse ao consultor que gostaria de estudar para se tornar uma advogada, mesmo sendo disléxica e que nunca pudesse fazer isso.

Ela voltou a procurar um psiquiatra e, 15 minutos depois, o caso estava claro – ela se tornara bipolar. Ela foi enviada para psicoeducação e foi informada de que sua condição definitivamente duraria pelo resto de sua vida. Ela foi treinada em como perceber até as pequenas coisas que confirmavam que ela estava doente, e foram tomados cuidados especiais para garantir que ela tomasse o remédio.

“Eles conseguiram colocar um medo enorme em mim”, ela disse, e claramente passou a se identificar com uma pessoa doente que tendo que enfrentar a vida dessa maneira lutando para sobreviver.

O tempo passou e ela acabou deixando o marido após os 15 anos de casamento. Em 2013, ela conheceu seu atual marido, e ele perguntou rapidamente ‘sobre o que era a doença’, porque não conseguia vê-la doente. Depois de um ano e meio, ela se rendeu e concordou em fazer um pequeno teste, iniciando a retirada dos medicamentos. Ele ficou feliz com isso, porque tinha visto várias vezes como foi desastroso quando ela havia se esquecido de tomar o medicamento. Por exemplo, uma vez ela arruinou uma viagem a um parque de diversões de verão porque havia esquecido de levar o remédio. À medida que o dia passava, ela piorava cada vez mais com dores de cabeça e vômitos, e estava um pouco confusa e só queria deitar-se e dormir até recuperar a medicação.

Sua lista de medicamentos incluía Effexor, que mais tarde mudou para Cymbalta (duas pílulas para depressão), Lamotrigina e Lyrica (duas drogas antiepilépticas) e Seroquel (um antipsicótico). Além disso, recebeu medicação para os efeitos adversos causados pelos medicamentos e para o seu metabolismo. Este é um cocktail perigoso. As pílulas para depressão dobram o risco de suicídio, não apenas em crianças, mas também em adultos [1, 2, 3, 4 ], antiepiléticos também dobram o risco de suicídio [5]; e as pílulas de depressão e antiepiléticos podem tornar as pessoas maníacas [6], o que aconteceu com ela, dando assim aos pacientes um diagnóstico errôneo de ter se tornado bipolar.

O processo de retirada levou dois anos e meio, com o marido ajudando o melhor que pôde para tornar o processo o mais suave quanto o possível. Eles não entendiam isso na época, mas descobriram ao longo do caminho o que significa a curva de saturação do receptor, a saber, que você precisa reduzir a dose cada vez menos na medida do tempo do processo de redução. Não há muitos médicos que sabem disso [7] e as recomendações oficiais, por exemplo a do Conselho Nacional de Saúde da Dinamarca [8 ] são totalmente perigosas, porque dizem que se deve reduzir a dose em 50% a cada redução dos comprimidos para depressão. Assim, já após duas reduções, você está apenas com 25% da dose inicial. Isso é rápido demais quando você reduz a pequenas doses, e a vida passa a ficar em perigo.

Ela estava morrendo de medo de que tudo terminasse errado e pensava muitas vezes em desistir e, portanto, introduziu várias pausas no processo. Pensamentos de suicídio foram se tornando muito presentes durante os períodos em que ela diminuía a medicação, porque era totalmente horrível. Inexplicavelmente, ela passou a aceitar que obviamente odiava a vida e queria pôr um fim nela. Ante ela era uma garota enérgica que amava a vida e que nunca havia tido pensamentos suicidas até começar a tomar drogas psiquiátricas, assim como quando tentava interrompê-las. O seu processo de retirada foi completamente “louco”, disse ela, e muitas vezes considerava que quitar a sua própria vida seria o mais humano.

Durante a retirada, ela teve algumas “experiências selvagemente estranhas”. No final, ela começou a querer a ficar apenas a ouvir a natureza e os pássaros. Foi uma experiência poderosa, porque ela não conseguia se lembrar da última vez que experimentou isso nos anos em que foi “drogada”. Um pouco mais tristes foram os outros sintomas que surgiram durante a retirada. Os sintomas de abstinência incluíam mergulhos em si própria que poderiam ser facilmente interpretados como depressão, e durante a retirada de Lyrica, ela estava ansiosa e sentia que a vida era insuportável. Uma manhã no banho, ela começou a chorar, porque apenas sentindo a água em seu corpo, algo que ela notara que havia muitos anos não experimentava.

Foi quando ela conheceu dois dos meus livros sobre psiquiatria e descobriu que tudo o que havia experimentado era bem conhecido e perfeitamente normal. Foi realmente chocante para ela ler sobre como é prática normal ser exposta ao inferno pelo qual ela passou, mas também uma leitura libertadora ao descobrir que é normal, que ela provavelmente não estava doente e que não havia nada de errado com ela.

No final da retirada, ela teve uma experiência estranha em que, por quase meio ano, ela quase ficou torta em seu corpo. Ela constantemente sentia uma inclinação para a esquerda e tinha dificuldade em andar em linha reta. Durante vários períodos, outros grupos musculares falharam. Quando ela jogou um jogo em que um bastão é lançado depois de alguns blocos de madeira, sua mão não o soltava quando ela tentava lançá-lo.

Após a retirada concluída, as coisas começaram a melhorar cada vez mais, e ela queria trabalhar novamente, apesar de estar fora do mercado de trabalho há muitos anos e estar com pensão por invalidez. Com grande apoio do marido, ela planejava tirar uma carteira de motorista e dirigir um táxi, mas “Oh não, oh não! Houve um grande não da polícia. ”Eles enviaram uma carta informando que a minha carteira de motorista era de tempo limitado e que eu precisaria fornecer documentação a cada dois anos declarando que não estava doente”.

“O fato de eles optarem por fazer um diagnóstico extra após alguém haver tomado pílulas para depressão tem sido bastante terrível”, ela me disse. “Hoje, preciso renovar minha carteira de motorista a cada dois anos por esse motivo. Mas você não imaginaria o quão difícil era evitar que eles o tirassem completamente. Quando entrei em contato com a psiquiatria por causa do meu contato com a polícia, eles primeiro se recusaram a me ver – porque eu estava bem. Portanto, não consegui a ajuda deles para provar que não estava doente e, portanto, apta para dirigir. Depois de intensa pressão minha, meu próprio médico finalmente os convenceu a me levar para uma conversa e fazer uma declaração. Observou secamente que minha ‘doença’ não estava ativa. Eu poderia tê-los estrangulado, porque isso significava que ainda estava doente e, aos olhos da polícia, alguém que precisa ser monitorado sempre. ”

Ela discorda completamente do diagnóstico bipolar. Ela nunca teve episódios maníacos antes de iniciar a medicação, e nunca os teve depois que saiu. Mas o diagnóstico está colado a ela pelo resto da vida, embora seja sabido que as pílulas para depressão podem desencadear mania e, assim, fazer com que os psiquiatras façam um diagnóstico errado, embora seja ‘apenas’ um dano provocado pelas drogas e não uma nova doença. É um erro médico fazer um novo diagnóstico como se houvesse algo fundamentalmente errado com o paciente, quando a condição poderia ser facilmente causada por um efeito adverso da medicação.

Ela desistiu da ideia de se tornar motorista de táxi. Ela se tornou treinadora de profissionais de saúde mental e continuou estudando para se tornar uma psicoterapeuta. Ela trabalha com muitas pessoas diferentes e também ajuda os pacientes a reduzir suas pílulas para depressão, com grande sucesso. Eles estão recuperando a vida e vendo-a avançar. Ela sabe que é importante apoiá-los quando eles se retirarem, para que não enfrentem a mesma situação que ela enfrentou. Existem muitos pensamentos e medos, e muitas pessoas têm dificuldade em se definir se não estão mais doentes. Portanto, a combinação de redução gradual e terapia parece ter um efeito extremamente benéfico.
É difícil convencer as pessoas de que interromper o medicamento é uma boa ideia. Eles acreditam firmemente nisso, porque lhes dizem que estão doentes; mas ainda pior, há uma grande pressão dos parentes. Ela sentiu em seu próprio corpo o que significa ficar sozinho no processo de retirada. Hoje, ela não vê mais sua família. Eles mantiveram a alegação de que ela estava doente e só precisava tomar a medicação. Essa visão equivocada é nutrida pelo fato de a maioria dos sites ainda afirmar falsamente que as pessoas adoecem com depressão por causa de um desequilíbrio químico [9]. Se você acredita nisso, também acredita que não pode prescindir do medicamento.

Há alguns anos, ela comprou o nome de domínio medicin-fri.dk (medicinefree.dk) para, em cooperação com outras pessoas, um dia poder fornecer informações sobre como tomar remédios e danos, além de fornecer ajuda e suporte. para retirada. Existe uma enorme necessidade de divulgação de informações. Poucas pessoas sabem dos problemas ou já ouviram falar deles. Ela quer mudar isso e quer ter certeza de que não está a dar conselhos e informações incorretas. Ela, portanto, escreveu para mim e perguntou se eu sabia de outras pessoas que gostariam de participar de uma rede organizada sobre esses problemas. Eu certamente faço. Co-fundei o Conselho de Psiquiatria Baseada em Evidências na Inglaterra em 2014 e o Instituto Internacional de Abstinência de Medicamentos Psiquiátricos na Suécia em 2016 e sou membro do conselho de ambas as organizações. Também tenho uma lista de pessoas que gostariam de ajuda para a retirada e publiquei dicas e truques práticos no meu site, deadlymedicines.dk

Além de seu trabalho diário com os clientes, ela hoje dá palestras, mas acha difícil ‘ter permissão’ para transmitir a mensagem. Ela lecionou para psiquiatria na região da capital sobre ser bipolar, o que foi fácil. Todo mundo obviamente quer ver uma pessoa doente e ouvir a história dela. Mas uma história de sucesso que questiona o sistema não é considerada interessante.

Ela é apaixonada por mudar as coisas e, por exemplo, estabeleceu vários grupos de auto-ajuda e lecionou para a Depression Association; foi voluntária na Cruz Vermelha e iniciou grupos para pessoas solitárias; e orientou jovens na Casa das Famílias em Esbjerg. Hoje, ela atua em Better Psychiatry em Esbjerg e sugeriu que me convidassem para dar uma palestra. Eles não sabiam quem eu era, e o presidente apresentou a reunião dizendo que, se mais dinheiro fosse destinado à psiquiatria, provavelmente estaria tudo bem. Comecei a minha palestra dizendo que não tinha certeza de que era uma boa ideia. Se houvesse mais dinheiro, ainda mais diagnósticos seriam feitos, mais drogas seriam usadas e ainda mais pessoas acabariam na pensão por invalidez, porque não podem funcionar quando estão drogadas [10].

Ela vendo dando palestras com o título “Sobrevivendo à psiquiatria“, inspirada em meus livros, Survival in an Overmedicated World: Look Up the Evidence Yourself and Deadly Psychiatry and Organised Denial. Hoje, ela considera ser desafiador viver uma vida que, após 11 anos de medicação, achava que estava completamente fora de seu alcance. Embora sua vida passada tenha sido ‘tolamente manipulada por vários psiquiatras e outros médicos bem-intencionados’, ela não quer estragar tudo e pedir acesso aos seus arquivos de paciente. Ela prefere olhar para o futuro e informar outras pessoas através de sites e palestras sobre como é prejudicial tornar-se cegamente medicado – geralmente sem motivo algum.

Ela está convencida de que praticamente nenhuma de suas experiências estranhas durante os 14 anos em que esteve drogada teria acontecido se ela não tivesse recebido medicação. Sua memória sofreu um duro golpe por causa das drogas, mas está melhorando.
Ela não consegue entender por que os médicos não pararam com isso. Não havia nada que pudesse justificar seu uso massivo de drogas, e quando ela ganhou peso de 70 a 120 kg, os médicos também não responderam, além de dar-lhe remédios para aumentar o metabolismo, que era “completamente louco”.

Ela considera o sistema sem esperança. Não se pode culpá-la por isso. O uso colossal de drogas psicoativas produz pacientes crônicos, geralmente baseados em problemas inerentemente temporários.

Talvez você queira saber quem é essa mulher notável. Ela me deu permissão para revelá-lo: ela é Sandra Toft.

Referências bibliográficas:

1. Gøtzsche PC. Deadly psasychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.
2. Bielefeldt AØ, Danborg PB, Gøtzsche PC. Precursors to suicidality and violence on antidepressants: systematic review of trials in adult healthy volunteers. J R Soc Med2016;109:381-92.
3. Maund E, Guski LS, Gøtzsche PC. Considering benefits and harms of duloxetine for treatment of stress urinary incontinence: a meta-analysis of clinical study reports. CMAJ2017;189:E194-203.
4. Hengartner MP, Plöderl M. Newer-generation antidepressants and suicide risk in randomized controlled trials: a re-analysis of the FDA database. Psychother Psychosom 2019;88:247-8.
5. FDA package insert for Neurontin. Accessed 4 Jan 2020. https://www.accessdata.fda.gov/drugsatfda_docs/label/2017/020235s064_020882s047_021129s046lbl.pdf.
6. FDA package insert for Effexor. Accessed 4 Jan 2020. https://www.accessdata.fda.gov/drugsatfda_docs/label/2008/020151s051lbl.pdf.
7. Horowitz MA, Taylor D. Tapering of SSRI treatment to mitigate withdrawal symptoms. Lancet Psychiatry 2019;6:538-46.
8. Davidsen AS, Jürgens G, Nielsen RE. Farmakologisk behandling af unipolar depression hos voksne i almen praksis. Rationel Farmakoterapi 2019;Nov.
9. Demasi M, Gøtzsche PC. Presentation of benefits and harms of antidepressants on websites: cross sectional study (to be published).
10. Whitaker R. Anatomy of an epidemic. New York: Broadway Books, 2015.

Desmedicalizando os Olhares na Educação

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O recente artigo publicado pela Revista Educação em Foco, da Universidade Federal de Juíz de Fora, se propõe a refletir sobre a infância nos tempos atuais, em que a medicalização/patologização impera como prática comum. Os autores Cláudia C.G. Santana e Lucas Rocha Gonçalves têm por objetivo questionar as lógicas que sustentam a ideia de que as crianças possuem uma normalidade a ser seguida, identificados por nós adultos.

O artigo intitulado Educação, patologização e medicalização: é possível  quebrar essa corrente? busca mostrar como os padrões de normalidade foram artificialmente desenvolvidos através de condicionantes históricos, transformando questões da vida social em questões de caráter puramente biológico. As atitudes humanas passam então a ser parte do discurso médico, o qual atribui características patológicas àqueles comportamentos considerados socialmente indesejados. Dessa forma, o menino agitado passa a ser identificado como hiperativo, e assim por diante.

Essa captura de questões cotidianas pela medicina, é o que se chama como processo de medicalização. Processo que transforma experiências considerada indesejáveis ou perturbadoras em objetos da saúde, quando anteriormente eram questões da ordem do social, moral ou político.

Os autores questionam porque as estatísticas mostram a hiperatividade mais relacionada a meninos do que meninas, ou da sua incidência ser detectada, na maioria das vezes, no ingresso da criança na escola, além da queda nas vendas de metilfenidato (medicação mais comum para hiperatividade) no período das férias escolares. Existe uma associação entre o  fenômeno dos diagnósticos infantis e fatores sociais mais amplos, como o processo de escolarização, dinâmicas familiares, precarização do trabalho do professor…

“Para nós, isso representa um deslocamento do discurso educativo sobre a criança no contexto escolar para um campo de intervenção médico-psiquiátrico que passa a interpretar as vicissitudes do processo educacional. Ou seja, diz respeito à forma com que os comportamentos e dificuldades no aprendizado escolar são reescritos a luz do discurso médico/biologizante.”

A escola é um lugar em que se replica a medicalização da vida. Para muitos educadores é difícil não associar as dificuldades de aprendizagem a algum trastorno psíquico, ou seja, a um problema individual do aluno. No entanto, as atividades escolares não exigem o envolvimento de diversos atores? professores, direção, coordenação, alunos, familiares, entre outros? Sem embargo, os problemas de aprendizagem são alocados apenas no aluno, como uma manifestação singular sua, separada do contexto familiar e escolar. É quando os especialistas em saúde são convocados a darem uma resposta sobre comportamentos de alguns alunos, considerados inadequados pela escola.

Podemos notar, portanto, onde o artigo pretende chegar: a medicalização da vida de crianças/adolescentes passa pela medicalização da educação. As escolas hoje usam termos como hiperatividade, déficit de atenção, transtorno opositor, autismo, dislexia, etc. etc. Isto é, a instituição escola foi capturada pelo discurso médico e o replica indiscriminadamente.

“Assim a medicalização assume a condição de tratamento sobre os desvios das condutas humanas, mas o grande paradoxo dessa situação é que medicalizamos para humanizar o humano por via não humana.”

Ao se considerar o comportamento das crianças como resultado de disfunção cerebral, é retirado delas a responsabilidade delas pelos seus atos, ao mesmo tempo que a culpabilizamos pelo seu problema de aprendizagem. Bem como o papel do educador é esvaziado, estratégia para torná-lo um sujeito-objeto, e assim continuar perpetuando práticas medicalizantes na escola.

O artigo traz algumas possibilidades para a desmedicalização dos olhares dos profissionais da educação. Primeiro, é necessário entender que o discurso médico sobre a infância e suas experiências de escolarização são uma construção discursiva historicamente construída, e deseja se tornar hegemônica na educação. Segundo, desmedicalizar o olhar significa tornar evidente que a educação é uma atitude criativa, no qual o ato educativo é um processo co-construído por alunos, famílias e profissionais da educação.

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Confira →: https://periodicos.ufjf.br/index.php/edufoco/article/view/29162?fbclid=IwAR17BDeuoyDg5GEWm7tsWtG2Q5vFRxKgikIRlcNT0JgwzsAPIwRjm9EZarI

Resenha do livro ‘ O não ao manicômio: fronteiras, estratégias e perigos’

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A experiência acolhe, desestabiliza, abre brechas, desanuvia as trilhas, solta os laços, desata alguns nós, joga alguns baldes de água fria, trança cordas, pula abismos, cava silêncios, atravessa desertos.

(FINGERMAN, D.A (de)formação do psicanalista.2016)

O livro O não ao manicômio, escrito por André Nader, problematiza a Reforma Psiquiátrica no Brasil e faz uma análise de diferentes táticas usadas na tentativa de negar o manicômio.

A luta antimanicomial é um movimento político que ganha força em território nacional sobretudo a partir dos anos 80, com o surgimento do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. André retoma acontecimentos importantes dessa época, como o Congresso de Bauru, em 1987, onde foi escrito um manifesto cujas ideias, proposições e denúncias serviriam de norte na busca por uma sociedade livre dos manicômios.

Afirmando a relevância das conquistas da militância, mas sem idealizar as posições daqueles que lutavam e lutam por uma sociedade mais inclusiva, o autor discute as tensões e polarizações políticas intrínsecas à luta antimanicomial.

Amparado por conceitos de Agamben e Foucault, André faz uma análise discursiva das macropolíticas, que utilizam expressões como “para todos”, “comum”, “comunidade”. Tais noções, presentes na Constituição Federal e em leis que regulamentam a Saúde Pública, promovem avanços na implementação de políticas públicas; mas, na busca de um universal, são pouco sensíveis às particularidades das populações sobre as quais incidem.

No que se refere à micropolítica, além de discutir o filme Bicho de Sete Cabeças e as estratégias usadas neste para abordar a questão da violência das práticas manicomiais, André faz um recorte de uma situação vivida por ele, em 2014, durante uma reunião do Coletivos em Prol da Saúde Mental. Estes encontros, criados por trabalhadores de diferentes serviços da saúde mental, eram abertos e buscavam debater questões relacionadas à implementação do Plano da Rede de Atenção Psicossocial no município de São Paulo (RAPS [i]-SP).

Na reunião em questão, estavam presentes, além dos trabalhadores dos serviços, profissionais responsáveis pela Área Técnica de Saúde Mental do município. Era, assim, uma ocasião oportuna para os trabalhadores, além de discutirem os eixos da RAPS, posicionarem-se em relação a retrocessos que vinham ocorrendo, como a diminuição do número de trabalhadores dos CAPS (Centro de Assistência Psicossocial).

Durante a rodada de apresentação, o microfone passava entre os presentes, que diziam o nome, a formação, o serviço de onde vinham. Até que o microfone chegou às mãos de uma senhora negra que segurava uma faixa e pastas cheias de folhas. Disse apenas o próprio nome e passou a falar do filho, do direito de tê-lo por perto. Em tom acusatório e de reivindicação, falava cada vez mais alto, como se acusasse os demais por um malfeito a ela.

Em dado momento, soltou o microfone em cima da cadeira para desenrolar a faixa que carregava, isso enquanto continuava falando, agora já aos gritos. O mal-estar tomava conta do ambiente quando a pessoa sentada ao lado pegou o microfone deixado na cadeira vazia e começou a se apresentar. A senhora foi, assim, silenciada, impedida de participar do debate.

Formou-se ali um impasse. Ninguém conseguiu escutar a voz destoante, a senhora também não estava disposta a escutar os demais presentes. Posteriormente, em conversas individualizadas, ela conseguiria contar de sua posição a favor da internação psiquiátrica para seu filho; o que vai na direção contrária daquela assumida pelos trabalhadores dos serviços, que lutavam justamente pelo cuidado em rede, nos diferentes serviços, nos CAPS, sem que fosse necessária a internação.

Este recorte escolhido por André demonstra um processo por meio do qual emerge uma polarização política. Um lado contra e outro a favor da internação psiquiátrica, um lado contra e outro a favor de práticas manicomiais de exclusão; sendo que cada um deles tem a certeza de que a sua posição é a correta.

Partindo da noção do qualquer de Agamben, André chama esse recorte de exemplo qualquer, que seria um exemplo que não é generalizável, que não é lido como um caso particular que aponta para um universal ou para uma saída bem delimitada para o problema que se apresenta. Diferentemente disso, trata-se de um exemplo por meio do qual algo de singular é mantido, preservando também a potencialidade que a cena em questão tem de ser tomada por diferentes pontos de vista. Em vez de transformar o recorte escolhido em algo redondo, sem brechas, André sustenta os vazios e as ambiguidades, deixando um terreno aberto para que mais leituras e diferenças possam ser produzidas.

Por vezes o texto alerta para o risco de reproduzir práticas que vão justamente na direção daquilo que se quer negar. A derrubada dos muros dos manicômios e a priorização de intervenções que aconteçam fora dos hospitais psiquiátricos e das longas internações não garantem que práticas manicomiais de silenciamento e exclusão daqueles considerados diferentes não vão continuar a ocorrer.

A convicção de que se está do lado certo – apesar de importante para a organização da luta, para fortalecer a coesão de um grupo em defesa de uma causa ou mesmo para a escolha de aderir a um movimento – traz consigo o constante risco de engessamento das ações e de tornar a luta mais vulnerável à reprodução daquilo que tenta combater.

Além da polarização entre aqueles que são contra e os que são a favor de práticas manicomiais, outro importante tensionamento do campo da luta antimanicomial abordado no livro se dá entre os próprios trabalhadores da saúde mental. Este consiste, de um lado, na ênfase da inclusão do dito louco via transformação social, e do outro, na ênfase do tratamento dos diferentes tipos de sofrimento, tendo como direção não um ideal político, mas a singularidade do sujeito.

Isto coloca os técnicos da equipe de um CAPS, por exemplo, em polos opostos, na medida em que um defende a priorização da clínica e o outro a necessidade da transformação política; um toma os profissionais da saúde mental sobretudo como militantes políticos, o outro como terapeutas, clínicos que vão cuidar do sofrimento dos pacientes e auxiliá-los em suas tentativas de fazer laço social.

Mesmo sendo psicanalista e estudioso de Lacan, André aqui não se posiciona do lado da clínica em detrimento da militância. A análise que faz dos processos grupais e dos fechamentos imaginários faz furo nos dois lados, sem apontar diretamente uma saída para os impasses que se formam.

A escolha teórica do livro, neste sentido, é estratégica, pois poupa a análise feita de ser enquadrada em apenas um polo da luta. Caso André tivesse feito uma pesquisa análoga partindo da Psicanálise, por exemplo, abordando os discursos e os significantes que compõem as tensões políticas, ele se colocaria no polo clínico da luta, tornando seus argumentos e ideias inaudíveis para o lado supostamente oposto.

Diferentemente disso, o autor tece críticas a certos usos que se faz da Psicanálise. Retoma a noção de técnico do desejoforjada por Foucault, alerta para o risco de a Psicanálise ignorar implicações histórico-políticas da experiência humana e fazer uma leitura normativa da direção dos tratamentos, tornando-se um exercício de poder redutor, organizador de sentidos apriorísticos.

Em vez de defender quais seriam as melhores formas de negar o manicômio, o texto consegue furar diferentes polos, balançando consensos vigentes e produzindo novas perguntas, novas formas de formular os problemas.

Paradoxalmente, ao sustentar a indeterminação, o que é transmitido não é imobilismo, impossibilidade, mas sim uma inquietação que instiga a criar novas formas de lutar. Em tempos de polarização política, que obviamente não se restringe ao campo da luta antimanicomial, o livro O não ao manicômio é um importante remédio contra as ilusões de completude presentes nos mais diversos posicionamentos.

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[i]                 A RAPS havia sido criada em 2011, por uma portaria do Ministério da Saúde, visando melhorar a articulação entre os serviços de saúde. Trata-se de uma importante medida para diminuir a fragmentação entre os dispositivos e promover uma atuação em rede, favorecendo, assim, um cuidado mais comunitário e menos especializado.

Superando a loucura em todos nós

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Parafraseando Shakespeare, “Um toque de loucura torna o mundo todo familiar.” A loucura é uma questão inteiramente relativa: alguns de nós têm um ‘toque’ e outros já estiveram lá e voltaram, mais de uma ou duas vezes. Entender a loucura de uma pessoa é, até certo ponto, entender a de todos, porque essas experiências têm muito em comum.

Acredito que tudo o que chamamos de loucura, doideira, psicose, sérios problemas pessoais, problemas de vida – todo o espectro de sofrimento emocional e fracasso pessoal – geralmente têm duas lutas entrelaçadas subjacentes acontecendo dentro do indivíduo. Como a própria loucura pode ser difícil de definir ou chegar a um acordo, ela pode ajudar os indivíduos a se perguntar se estão lutando com esses dois problemas.

Uma luta tem a ver com a superação de sentimentos de desamparo. A outra tem a ver com a superação de sentimentos de indignidade ou falta de amor. Coloquemos as duas juntas e temos o desamparo diante de nos sentirmos sem valor ou indignos de amor. Entender isso é entender muito do que leva os seres humanos emocionalmente para ‘além do limite’ e para o fracasso pessoal em nossas vidas.

Minha experiência pessoal, meu trabalho clínico e todas as outras coisas que lido para ajudar a compreender a vida me levaram nos últimos tempos a focar cada vez mais nessas duas expressões de vulnerabilidade psicológica – o sentimento de desamparo e o sentimento de se sentir sem valor ou  indigno de amor.

Sentimentos de desamparo podem ser experimentados de várias maneiras. A ansiedade é a sua experiência mais crua e primitiva, e provavelmente se aproxima do que uma criança agitada e chateada está passando. Com a idade, pode se transformar em vergonha e culpa, além de raiva e entorpecimento emocional. Viver uma vida boa é profundamente auxiliado pela superação dessas emoções. Isso envolve identificar essas emoções negativas herdadas, rejeitá-las enquanto sentimentos a serem obedecidos ou a agir sobre elas, se determinando a viver pela razão e pelo amor.

Às vezes, sentimos isso como uma culpa desmoralizante, outras vezes como uma abrasadora vergonha ou ansiedade aterrorizante e, às vezes, as três ao mesmo tempo. Podemos escapar para a frustração, raiva e fúria, mas por baixo sempre está o medo e o desamparo. Podemos ouvir vozes ou ver coisas que os outros não experimentam, ou mais comumente nos amarrarmos com laços de obsessões e compulsões. Na raiz, há a experiência humana central de níveis infantis de ansiedade e desamparo, além de sentir-se indigno de cuidados, atenção e amor humano.

Da mesma forma, embora existam muitas maneiras de superar as crises e a loucura pessoais, todas elas têm algo em comum – a superação de sentimentos de desamparo, frequentemente associados a sentimentos de não ser digno de amor.

Loucura como crescimento humano

O que quero dizer com loucura é uma experiência avassaladora de angústia emocional que nos deixa isolados, abandonados, amedrontados, desamparados e sem amor, ou pior,  indignos de amor. Como enfatizado no início deste post, a experiência da loucura é inteiramente relativa. Para algumas pessoas, isso pode significar sentimentos vagos de incapacidade de lidar ou gerenciar a vida ou a sensação de que algo ‘estranho’ ou ‘irreal’ está acontecendo. Na maioria dos estados extremos, o indivíduo pode se enredar em um horror de pesadelo cercado por alucinações. A psiquiatria tenta analisar as manifestações mais extremas da angústia humana, fazendo diagnósticos artificiais simplistas para justificar a prescrição de drogas, de choque elétrico, isolamento e / ou ‘tratamento involuntário’ para o indivíduo.

Com trauma suficiente – como as várias formas de lavagem cerebral, tortura e abuso implacável – a loucura extrema provavelmente pode ser trazida à tona em quase todas as pessoas. Quando admiramos mártires como Sócrates, Joana D’Arc e o abolicionista John Brown, isso ocorre em parte porque, por uma boa causa, eles encontraram forças para não desmoronar e não abrir mão dos seus valores. No entanto, além dos estressores atuais, na maioria das vezes existem vulnerabilidades profundas da infância ardendo sob a loucura e surgindo na juventude ou na idade adulta.

A loucura severa tem sido chamada de ‘estado extremo’, ‘realidade alternativa’, ‘opressão emocional’ ou ‘crise psicoespiritual’. Normalmente, parece o fim de nossas vidas ou o fim do mundo, ou ambos. No entanto, essas experiências horríveis podem nos motivar a refazer nosso tecido pessoal e social em uma nova perspectiva para as nossas vidas, em uma abordagem artística, espiritual ou até política.

De Moisés, Jesus e Buda a Lincoln, Gandhi e Churchill, a vida de pessoas que valorizamos muito raramente era ‘normal’ para os padrões psiquiátricos. Os psiquiatras diagnosticariam cada um deles com rótulos degradantes, como esquizofrenia, transtorno depressivo maior e transtorno bipolar. Talvez não possamos nos tornar completamente humanos sem passar por nossa própria experiência de loucura ou opressão psíquica aterrorizante, que pode se manifestar como angústia adolescente, uma crise na meia-idade ou uma ‘crise psicótica’.

Origens da loucura na infância

As evidências científicas que vêm evoluindo há anos confirmam que os traumas na infância, incluindo a negligência, preparam o cenário para a loucura do adulto. Do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento e da teoria do apego (‘attachment theory’), o que chamamos de loucura geralmente resulta dos buracos ou rasgos no tecido social que nos foram tecidos desde a infância.

Quando bebês, nascemos em total dependência, com a consequência de episódios inevitáveis de medo e desamparo. Totalmente incapazes de sobreviver por conta própria, fomos repetidamente resgatados e transformados por aqueles que nos nutriram. Quem nos cria constroi o tecido social em que nos desenvolvemos, tornando nossas personalidades e identidades de muitas maneiras inseparáveis de nossas experiências com as pessoas que nos criaram. Extremos de loucura ou sobrecarga emocional geralmente resultam da falta ou do rompimento desse tecido social interno e externo intimamente tecido em nossas primeiras vidas. Lutas emocionais menos severas também serão alimentadas por momentos menores, mas inevitáveis, de dificuldade emocional na infância.

Portanto, faz sentido que as ‘soluções’ para a loucura sempre envolvam a cura do tecido social interno e externo através do desenvolvimento de novas e melhores abordagens da vida, geralmente juntamente com novos e melhores relacionamentos.

Minha experiência pessoal e clínica

Não separo minha experiência de mim mesmo – meu próprio sofrimento e minhas próprias tentativas de crescer – da minha experiência clínica. Na terapia, muitas vezes compartilho minhas experiências pessoais para deixar claro que somos todos muito parecidos, tanto na miséria quanto na recuperação, e para oferecer esperança para a capacidade de uma pessoa se transformar para melhor, pelo menos no nível que pareço ter alcançado. Encontro pouco ou nada em mim que não vi nos outros e o que vejo nos outros também vejo em mim. Esse ponto de vista ou atitude me ajuda a manter a humildade necessária para ajudar outras pessoas.

Em uma apresentação intitulada “O que nos faz sofrer e finalmente se recuperar – ou não”, recentemente abri meu próprio coração na minha série de rádio / TV para descrever a importância de me sentir ‘indigno de amor’. É uma experiência, eu acredito, que muitas pessoas compartilham entre seus medos, ansiedades e fontes de angústia mais devastadores.

Em uma apresentação em 1º de janeiro de 2020, chamada “As melhores coisas que aprendi da vida”, descrevi minha experiência de uma ‘presença amorosa  em minha vida e no mundo. É algo que posso experimentar quantas vezes quiser para alento espiritual. Sei em primeira mão como sentir ou experimentar a presença amorosa pode reafirmar nossa dignidade humana básica de amar e ser amado. Também pode nos ajudar a lembrar o potencial do amor em todas as pessoas.

Com base na minha experiência pessoal e clínica, acredito que o maior desafio ou ameaça à nossa identidade e solidez mental advém do medo de ser indigno de amor. Não podemos melhorar completamente esse medo por conta própria, mas devemos confiar em parte em recursos externos que convidam, incentivam, exemplificam ou extraem nossa própria capacidade de sentir e dar amor.

Esta é a soma prática da minha sabedoria: existe amor e depois há todo o resto, todas as coisas terríveis e desmoralizantes, incluindo a quebra do nosso senso de si e do nosso relacionamento com os outros, terminando em opressão e loucura. Amar os outros, a natureza, a arte, os animais de estimação – amar qualquer aspecto da vida – é incompatível com a loucura e fornece o caminho da loucura para uma vida melhor. E existe uma presença amorosa no universo, sobre a qual podemos buscar alento e inspiração.

Tornar-se um ser humano amoroso apresenta à maioria de nós um desafio significativo. Para cumprir nossa promessa, devemos, novamente nas palavras de Shakespeare, superar “os estilingues e flechas da sorte (‘fortune’) ultrajante”. Devemos superar nossa própria natureza humana com todas as suas falhas e contradições internas e nossa história do desenvolvimento com suas deficiências e conflitos adquiridos. Esta é a nossa tarefa e a nossa aventura; e nunca acaba enquanto estamos vivos; e, quem sabe, pode continuar além da vida.

Psiquiatria e Loucura

Nossa tarefa e aventura ao longo da vida de levar a vida com razão e amor podem ser frustradas pela exposição a drogas psiquiátricas ou outras substâncias psicoativas. Isso porque qualquer coisa que interfira amplamente com a função de nossos cérebros prejudicará a função do nosso lobo frontal, o que torna mais difícil para nós amar, nos relacionar com os outros e afirmar valores mais altos.

Diagnósticos de loucura, como psicose breve, transtorno bipolar, esquizofrenia, transtorno depressivo maior e transtorno do pânico, são criados e aplicados às pessoas a fim de justificar o poder da psiquiatria e seus tratamentos físicos, os quais causam mais danos do que benefícios. No último meio século, essa autoridade psiquiátrica se tornou nada mais do que o covarde e avarento departamento de vendas do Império Farmacêutico.

Somos muito mais que nossos cérebros; mas a disfunção cerebral induzida por drogas prejudica nossa capacidade de conhecer e nos expressar como almas, seres ou pessoas. A psicoterapia pode ajudar, desde que seja protegida por restrições éticas e atenda à nossa natureza e necessidades pessoais; mas nenhuma ajuda, conselho ou encorajamento ajudará sem encontrarmos a determinação e a coragem de superar nossos sentimentos de desamparo na infância e nossas emoções negativas, incluindo nossa convicção de que somos indignos para o amor.

Como podemos melhorar a loucura?

Muitos terapeutas experientes estão encontrando um ponto em comum na ênfase em descartar o modelo médico e os medicamentos psiquiátricos – e substituí-los por relacionamentos de cuidado. O psicólogo Michael Cornwall resume sua experiência e atitudes em “Reflexões sobre 25.000 horas de estar com pessoas em estados extremos“. Em um ensaio autobiográfico, ele enfatiza a importância do ‘amor misericordioso’. O próprio Michael sofreu um estado tão extremo que o arrasou quando jovem: “A estranha experiência do próprio tempo durante meus estados extremos poderia ser medida em períodos agonizantes de ser atacado por vozes tortuosas e sem corpo, enquanto imagens aterrorizantes e inescapáveis enchiam minha mente”.

Da mesma forma que Michael, em um livro antigo, Toxic Psychiatry, eu comecei a me referir aos chamados transtornos psiquiátricos como experiências de “opressão emocional” e também como “crises psicoespirituais”; e a frase de Michael “estados extremos” também serve. Minha própria ênfase no amor e na empatia também é consistente com a ideia dele de amor misericordioso.

Aqui estão as três primeiras das minhas 15 diretrizes para terapia empática®:

  • Valorizamos aqueles que buscam nossa ajuda e encaramos a terapia como uma confiança sagrada e inviolável. Com humildade e gratidão, honramos o privilégio de ser terapeutas.
  • Contamos com relacionamentos construídos com confiança, honestidade, carinho, compromisso genuíno e respeito mútuo.
  • Trazemos o melhor de nós mesmos para trazer o melhor dos outros.

Essas três diretrizes, se aplicadas a todos os nossos relacionamentos, construirão uma vida boa para nós e para os próximos e queridos. Eles também nos permitirão ajudar outras pessoas com quem nos relacionamos, profissionalmente ou não.

A definitiva fonte de amor?

Para serem mais felizes e realizadas, as pessoas precisam pensar e agir com amor genuíno. Mas como isso pode ser feito, considerando como as pessoas podem ser  não confiáveis, não verdadeiras, são erráticas e malvadas, na maneira como se tratam mutuamente? Como podemos viver imbuídos de amor, mesmo que o relacionamento humano mais amoroso possa ser destruído pelo fim, pela morte? Todo mundo que pensou nisso sabe que não podemos viver com o lema “Em outras pessoas nós confiamos”.

Todos os humanos são profundamente falhos, com muitos de nós deixando de agir de acordo com nossos próprios padrões, pelo menos por períodos em nossas vidas. Pior ainda, algumas pessoas lidam com seu próprio senso de indignidade, aproveitando a oportunidade para fazer com que outras pessoas se sintam inúteis.

Dadas as falhas em todos nós, não é de admirar que muitas pessoas encontrem cura pela fé em um Deus amoroso. Aqui, a espiritualidade ou a religião podem se unir à psicologia com uma compreensão da necessidade universal de sentir-se digno de amor e, finalmente, de dar e receber amor. Da mesma forma, não é de admirar que tantas pessoas se voltem para um poder superior para encontrar força, que é a força para superar os sentimentos de desamparo que nos afligem desde a infância.

Um bom lugar para a cura, o que costumava ser chamado de comunidade terapêutica ou um local de culto ou Igreja, deve ter em comum a criação de um espaço amoroso no qual as pessoas se sintam capacitadas para enfrentar e superar seu desamparo emocional. O mesmo vale para o cenário da psicoterapia, que pode ser visto como uma miniutopia, na qual razão e amor são o padrão para o relacionamento. Por fim, é disso que trata todo bom relacionamento íntimo – superação de sentimentos de desamparo e sentimentos relacionados de não ser digno de amor.

Como sabemos e reconhecemos o amor ou um relacionamento amoroso? Pela maneira como nos leva a ter alegria pela existência de outros seres humanos e pela maneira como leva todos os envolvidos a se preocuparem, respeitarem, protegerem e nutrirem.

Tudo de bom entre e com os seres humanos começa e se baseia em relacionamentos empoderadores e amorosos. Amor e auto-capacitação são os ingredientes mais essenciais em todas as atividades que chamamos de terapia, cura, recuperação, reabilitação, crescimento pessoal ou iluminação. Superar nossos sentimentos de desamparo e nos tornar uma fonte de amor são as coisas mais maravilhosas que podemos fazer por nós mesmos e pelos outros. A vida oferece muitos caminhos para a recuperação e a autotransformação, da terapia e educação à amizade, família, trabalho, natureza e espiritualidade. No centro de todo crescimento pessoal está a experiência de sentir-se capacitado para amar e ser amado, o que nos eleva além de nós mesmos, para uma consciência alegre e preciosa de tudo o que é bom em nós mesmos, nos outros e na vida.

O que significa ‘Recaída’? Definições usadas em pesquisas com antipsicóticos não são claras

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Dizem-nos que o tratamento antipsicótico a longo prazo reduz o risco de alguém ter uma ‘recaída’ de esquizofrenia ou psicose. O que ‘recaída’ realmente se refere nos estudos que supostamente estabeleceriam isso é algo que ainda não foi examinado. Nosso recente estudo de definições de recaída, publicado na Schizophrenia Research, mostra que não há uma definição consistente ou objeto de consenso sobre o que é recaída em estudos de tratamento com antipsicótico a longo prazo, e que poucas das definições usadas podem ser consideradas com confiança para refletir um significado clinicamente significativo do episódio psicótico.

Drogas antipsicóticas são prescritas para pessoas diagnosticadas com esquizofrenia e outros distúrbios psicóticos com base em estudos que demonstram uma maior taxa de ‘recaída’ em pessoas que são retiradas dessas drogas em comparação àquelas que continuam a tomá-las (Leucht et al., 2012 [1]). No entanto, incrivelmente, não há consenso sobre o que ‘recaída’ significa nessa situação. Se você perguntar aos médicos, eles geralmente concordam que uma recaída indica a recorrência de um episódio clinicamente significativo, caracterizado por sintomas psicóticos e um declínio substancial no funcionamento ou um aumento de comportamentos de risco (Burns et al, 20002[2]).

No entanto, eu sei, trabalhando nos serviços de saúde mental, que o termo ‘recaída’ pode ser usado de várias maneiras diferentes e, às vezes, é aplicado livremente a situações nas quais alguém mostrou pequenas alterações nos sintomas ou no funcionamento, sem evidência de que esteja experimentando um episódio completo de psicose. Isso geralmente acontece porque as pessoas – o próprio indivíduo, por exemplo, ou seus familiares ou profissionais – estão preocupadas com a possibilidade de recaída e, portanto, altamente vigilantes a pequenas mudanças no comportamento ou no modo do indivíduo estar. Pequenas mudanças de humor ou comportamento podem, em alguns casos, ser o precursor de uma deterioração mais significativa, mas isso não é necessariamente verdade, e podem ser apenas os altos e baixos regulares da experiência dessa pessoa.

Portanto, ‘recaída’ pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes no mundo real, mas se poderia pensar que haveria uma definição consistente de recaída em estudos de pesquisa ou pelo menos um pequeno número de definições com critérios semelhantes. Mas acontece que não é esse o caso. Como parte do estudo RADAR (Pesquisa sobre descontinuação e redução de antipsicóticos), a equipe de pesquisa e eu analisamos as definições de recaída que são usadas em ensaios clínicos de tratamento com antipsicótico a longo prazo. Queríamos saber como tem sido definido em outras pesquisas para assim nos ajudar a decidir como defini-lo no estudo RADAR (um estudo randomizado comparando um programa de suporte à redução e descontinuação antipsicótica com o emprego de antipsicótico de manutenção em pessoas diagnosticadas com distúrbios psicóticos). Descobrimos que dezenas de definições diferentes foram criadas. Nas últimas três décadas, existem quase tantas definições de recaída quanto os estudos!

Estudos anteriores realizados antes de 1990 costumavam usar apenas o ‘julgamento clínico’ do investigador ou psiquiatra para identificar recaídas, a necessidade de aumentar ou reiniciar a medicação antipsicótica ou a necessidade de outro tratamento ou hospitalização. Desde a década de 1990, os estudos passaram a usar combinações cada vez mais complexas de critérios alternativos, geralmente incluindo critérios baseados em alterações nas escalas de classificação, como a Brief Psychiatric Rating Scale (BPRS)e a Positive And Negative Syndrome Scale (PANSS), juntamente com outros critérios que envolvem um aumento do tratamento ou a presença de ideação suicida, por exemplo. Não houve consistência na maneira como as escalas de classificação foram usadas para definir a recaída. Dezoito critérios diferentes baseados no PANSS foram usados ​​nos 23 estudos que incluíram uma definição derivada do PANSS. O limite especificado para recaída variou entre um aumento de 10 e 30 pontos ou 30% na pontuação total, por exemplo, e nas definições que especificaram aumentos nas pontuações de itens individuais (como as que diziam respeito a alucinações ou irritabilidade), com escores variando de 3 (leve) a 6 (grave).

Quando avaliamos se as definições representavam uma recaída clinicamente significativa – ou seja, uma envolvendo a presença de sintomas psicóticos positivos e uma deterioração da condição global, funcionamento ou comportamento de pelo menos um grau ‘moderado’ ou envolvendo hospitalização – descobrimos que apenas sete pesquisas preencheram esses critérios. É possível que alguns dos estudos mais antigos também estivessem olhando para uma mudança clinicamente significativa, mas era impossível dizer porque havia tão poucos detalhes ou a recaída era simplesmente definida pelo julgamento clínico do investigador ou psiquiatra.

Encontramos outras evidências de que estudos recentes, pelo menos, geralmente se concentram em pequenas deteriorações no estado mental ou no comportamento das pessoas, e não no que normalmente seria considerado uma ‘recaída’ total. Nos ensaios em que as definições incluíram alterações nos escores da escala de classificação, a maioria daqueles que foram classificados como recaídos assim o foram porque cumpriram os critérios baseados na escala de classificação. Essas escalas foram medidas durante as consultas de rotina, mas se se pensar em termos pragmáticos, como é possível fazer uma escala de classificação com alguém que está passando por um episódio significativo de psicose? As pessoas precisam ter capacidade para participar de avaliações de pesquisa e precisam ter atenção para preencher questionários. O fato de que recaídas foram detectadas durante as avaliações de rotina na maioria das vezes sugere que elas não eram o que geralmente seria considerado uma recaída total. De fato, alguns dos estudos reconhecem isso, e o texto se refere a ‘recaída iminente’ ou sinais precoces de recaída, mas, no entanto, são apresentados como estudos de ‘prevenção de recaída’.

No que consiste a recaída nesses estudos de tratamento com antipsicótico a longo prazo é importante por várias razões. Primeiro, se não soubermos o que ‘recaída’ se refere em estudos de tratamento com antipsicótico a longo prazo, isso pode mudar a forma como avaliamos esse tratamento. O tratamento a longo prazo é promovido porque a recaída é considerada algo que deve ser evitado a todo custo. Isso ocorre porque um episódio psicótico completo pode causar perturbações consideráveis na vida de alguém e levar a hospitalização e outras consequências indesejadas. Porém, flutuações mais leves nos sintomas podem não ser tão problemáticas, e os benefícios de preveni-las podem não compensar os efeitos negativos do uso de antipsicóticos a longo prazo.

Em segundo lugar, se recaída é definida como um aumento de sintomas inespecíficos, isso pode ser um reflexo da retirada do antipsicótico, em vez da recorrência do(s) problema(s) subjacente(s) (Moncrieff, 2013[3]). Os sintomas de abstinência do antipsicótico incluem ansiedade e irritabilidade, por exemplo (Dilsaver 1988[4]), incluídas em escalas de classificação como o PANSS, e são particularmente prováveis de ocorrer após a descontinuação rápida que ocorre na maioria dos estudos de manutenção do antipsicótico. A retirada do antipsicótico também pode precipitar sintomas psicóticos (Moncrieff, 2006 [5]; Whitaker, 2010 [6]), caso em que ‘recaída’ a uma condição anterior pode ser difícil de distinguir de um episódio induzido pela retirada.

Este estudo de definições de recaída não mostra necessariamente que a interrupção de antipsicóticos a longo prazo apenas leva a um aumento leve dos sintomas, mas mostra que precisamos de mais evidências sobre o que a interrupção faz exatamente. Não podemos dar como certo o significado de ‘recaída’ nesses estudos.

Na pesquisa clínica RADAR, decidimos usar a reinternação como marcador de uma recaída séria, mas também estamos usando um painel de especialistas (incluindo pessoas com experiência vivida) para identificar episódios de recaída de resumos cegos dos prontuários clínicos. Eles identificarão a recaída com base nos critérios acordados, que incluem uma recorrência ou aumento significativo dos sintomas psicóticos e uma mudança substancial no comportamento ou funcionamento que é mantido por pelo menos sete dias.

Notas de pé de página:

[1]Leucht S, Tardy M, Komossa K, et al. Antipsychotic drugs versus placebo for relapse prevention in schizophrenia: A systematic review and meta-analysis. Lancet. 2012;379(9831):2063-2071. doi:10.1016/S0140-6736(12)60239-6.

[2]Burns T, Fiander M, Audini B. A delphi approach to characterising “relapse” as used in UK clinical practice. Int J Soc Psychiatry. 2000;46(3):220-230. doi:10.1177/002076400004600308.

[3] Moncrieff J (2013) the Bitterest Pills: the troubling story of antipsychotic drugs. Palgrave Macmillan, Basingtoke, UK.

[4] Dilsaver SC & Alessi NE. Antipsychotic withdrawal symptoms: phenomenology and pathophysiology. Acta Psychiatr Scand. 1988 Mar;77(3):241-6

[5] Moncrieff J (2006) Does antipsychotic withdrawal provoke psychosis? Revoew of the literature on rapid-onset psychosis (super-sensitivity psychosis) and withdrawal-induced relapse. Acta Psychiatr Scand 114, 3-13

[6] Whitaker R (2010) Anatomy of an epidemic. Crown Publishing, New York.

O uso do Facebook melhora as conexões sociais ou diminui a atenção?

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Um estudo recente conduzido por um grupo de psicólogos na Bélgica busca desafiar estereótipos comuns sobre o uso de mídias sociais e problemas com atenção. A maioria das premissas sobre esse relacionamento começa com o pressuposto de que o uso excessivo de qualquer coisa é o resultado de problemas com o controle da atenção. No entanto, aplicar isso de maneira muito ampla a todas as instâncias de uso de mídia social leva ao enquadramento dos usuários e das plataformas que nos sugerem simplificações exageradas, ignorando os diversos propósitos para os quais as redes de mídia social podem ser usadas.

Este estudo, liderado por Lien Faelenes, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Departamento de Psicologia Clínica e da Saúde Experimental, usou uma abordagem de análise de rede para construir uma imagem mais complexa do uso do Facebook. As análises de rede são métodos usados para criar modelos gráficos de várias variáveis, com cada variável representada por um nó e os relacionamentos entre os nós mapeados como arestas. Mais especificamente:

“O presente estudo buscou modelar as associações únicas entre indicadores centrais do uso do Facebook e a vulnerabilidade para transtornos afetivos. Uma força importante deste estudo é que ele examina o papel do capital social e da comparação social na relação entre o uso do Facebook e os indicadores de bem-estar. ”

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Não há falta de estudos recentes associando as mídias sociais à depressão. Muitos desses estudos destacam uma série de riscos psicossociais relacionados ao tempo excessivo frente à tela, incluindo problemas com a atenção.

E, no entanto, outros estudos têm desafiado essas abordagens puramente pessimistas sobre o relacionamento entre as mídias sociais e a psicologia. Eles argumentam, em vez disso, que o uso de redes de mídia social pode aumentar o senso de propósito e os sentimentos de conectividade de uma pessoa, de maneiras que podem potencialmente neutralizar os efeitos negativos do seu uso excessivo. Em outras palavras, talvez não sejam essas ferramentas que causam problemas para as pessoas, mas como essas ferramentas são usadas para se relacionar com outras pessoas.

O estudo de Faelens et al. baseia-se em pesquisas anteriores conduzidas pelo autor principal, e que também usaram uma abordagem de análise de rede para ilustrar “associações complexas entre uso de mídia social, comparação social, autoestima e indicadores de risco para transtornos afetivos”.

O modelo desta pesquisa anterior sugeria que, quando a mídia social é usada principalmente para se comparar a outras pessoas, há uma probabilidade maior de baixa autoestima e sintomas de depressão. O estudo mais recente, no entanto, concentrou-se especificamente no uso do Facebook e procurou integrar fatores relacionados ao capital social e o controle da atenção nesse modelo gráfico.

O conceito de capital social– entendido como os benefícios mensuráveis que cada pessoa recebe das relações sociais – foi emprestado das pesquisas em sociologia e da teoria política. Indo além, os autores do estudo fazem uma distinção mais sutil, proposta por Putnam (2000), entre dois tipos de capital social: ‘capital social de ligação’ e ‘capital social de ponte’.

O capital social de ligação refere-se a benefícios de relacionamentos íntimos com a família e amigos, enquanto que o capital social de ponte refere-se aos benefícios dos laços ‘relativamente fracos’, mas que, não obstante, fornecem novas informações e têm o potencial de ampliar a visão de mundo do indivíduo.

Foram os benefícios relacionados ao capital social de ponte aqueles que os autores estiveram mais interessados em conectar ao uso regular do Facebook. Como eles explicam:

“As redes sociais na internet oferecem aos usuários a oportunidade de ativar vínculos latentes em vínculos fracos ou de ponte. Isso dá aos usuários a chance de manter conexões que de outra forma desapareceriam, permitindo que usuários (intensivos) mantenham redes maiores e mais heterogêneas. ”

Para estudar essas correlações, os autores desenvolveram uma pesquisa composta por escalas já existentes e a administraram a 469 usuários do Facebook. Eles então usaram estatísticas descritivas coletadas da pesquisa para criar um ‘Modelo Gráfico Gaussiano’ dos seguintes fatores: “Facebook (intensidade do Facebook (FBI), público ativo, uso privado passivo e ativo do Facebook (MSFU-PU / MSFU-PA / MSFU) -PR), capital social de ligação (BOSC) e capital social de ponte (BRSC)) e vulnerabilidade emocional (ruminação (RRS), depressão (DEPR), estresse (STRESS), ansiedade (ANX), controle da atenção (ATC)). ”

No geral, o estudo mostra um quadro mais complicado das variáveis que vinculam o uso das mídias sociais à saúde mental do que a maioria dos estudos anteriores sobre o assunto. Especificamente, o estudo não encontrou uma correlação direta entre a capacidade de controlar a atenção e o uso do Facebook.

E, no entanto, o construto de ‘capital social de ponte’, descrito acima, “emergiu como uma variável-chave na rede, a unir indicadores de (intensidade de) uso do Facebook com indicadores de risco para distúrbios afetivos pela via da comparação social e autoestima”.

Isso implica que não é simplesmente o uso da mídia social em geral o que causa problemas psicológicos notáveis, abrangendo diminuição da atenção, depressão, estresse e ansiedade. Em vez disso, à medida que os usuários expandem suas redes sociais para aumentar o ‘capital social de ponte’, sugerem esses autores, há uma tendência maior a se avaliar negativamente em relação aos outros que são observados on-line.

Como tal, as tendências para se avaliar negativamente em relação aos outros, e não os problemas relacionados à própria atenção, parecem estar mais fortemente associados aos sintomas de depressão ou ansiedade. E, no entanto, os sintomas de depressão ou ansiedade ainda podem estar ligados indiretamente à capacidade de controlar a atenção por meio de relações bidirecionais formadas entre afeto negativo e controle sobre o foco.

Isso é notavelmente diferente de pesquisas anteriores, que sugeriam que o uso excessivo das mídias sociais pode causar problemas no controle da atenção. Por outro lado, Faelens et al. não descobriram nenhum benefício positivo relacionado ao uso do Facebook para qualquer forma de capital social.

Existem várias limitações potenciais desta pesquisa a serem consideradas.

Como os próprios pesquisadores observaram, todos os participantes tinham entre 18 e 35 anos e os dados foram baseados em uma abordagem de amostragem de conveniência – o que significa que os dados coletados provavelmente não são representativos de todos os usuários do Facebook. O gráfico produzido também foi baseado quase exclusivamente em dados de autorrelato, tornando quase impossível saber até que ponto os dados correspondem à realidade da vida cotidiana dos participantes.

Para abordar essas preocupações, os autores sugerem que estudos futuros associem medidas objetivas do uso do Facebook a indicadores fisiológicos de humor. Isso certamente faz sentido em termos de verificação de possíveis relações causais entre variáveis. E, no entanto, também o estudo destaca os dilemas éticos em jogo a qualquer momento em que são realizadas pesquisas sobre o uso da internet por indivíduos.

As plataformas de mídia social são organizadas por meio de algoritmos programados pelos cientistas de dados para maximizar a interatividade do usuário. O objetivo principal das empresas que controlam esses processos é coletar dados sobre o comportamento do usuário para otimizar a ‘experiência do usuário’. Apesar de usar (e propor) os mesmos métodos que as empresas de dados usam para aumentar o envolvimento do usuário com seus sites, Faelens et al. não abordam tópicos tão importantes como esses em seu artigo.

Ao mesmo tempo, usuários individuais também desempenham papéis críticos na reinvenção de tais plataformas quando são usados para fins coletivos, além daqueles que atendem às empresas de tecnologia. À medida que a tecnologia digital se torna cada vez mais integrada às atividades cotidianas, o controle da atenção, por sua vez, se torna mais amplamente distribuído por uma rede crescente (a Internet) de coisas. Aqui, quaisquer fronteiras entre espaços virtuais e reais estão destinadas a se tornarem ainda mais porosas do que já são.

Esse mercado crescente da atenção, juntamente com uma coleta de dados mais concertada, foi nomeado pelos ex-programadores do Google, muito apropriadamente, como a ‘economia da atenção’. Já começamos a testemunhar como os dados coletados por softwares de saúde mental podem ser usados de maneiras que cruzam fronteiras éticas sem o consentimento dos usuários. Uma questão essencial para os psicólogos nesta conjuntura, portanto, é se eles refletirão criticamente sobre as maneiras pelas quais contribuem para a economia da atenção, em vez de apenas participarem dela de forma não reflexiva.

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Faelens, L., Van de Putte, E., Hoorelbeke, K., de Raedt, R., & Koster, E. H. W. (2019). A Network Analysis of Facebook Use and Well-being in Relation to Key Psychological Variables: Replication and Extension. https://doi.org/10.31234/osf.io/y9u4a (Link)

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