Existe um pequeno grupo para quem os antidepressivos são eficazes?

0
hoto by Marco Verch (Flickr)

Em um novo estudo, pesquisadores testaram a teoria de que alguns grupos de pessoas podem melhorar significativamente com os antidepressivos, enquanto outros não conseguem. A análise feita por eles não encontrou suporte para essa variação entre os que usam antidepressivos. Em vez disso, eles descobriram que todos os pacientes experimentam o mesmo efeito – que é mínimo – dos antidepressivos.

“Nenhum ou apenas subgrupos muito pequenos de pacientes respondem particularmente bem aos antidepressivos. Assim, o escopo do tratamento personalizado com antidepressivos parece ser limitado ”, escrevem os pesquisadores.

hoto by Marco Verch (Flickr)

Nos últimos anos, alguns pesquisadores propuseram uma teoria: que o efeito leve (acima do placebo) dos antidepressivos pode ser devido a um grupo de pacientes que se beneficiam muito, enquanto que outras pessoas não se beneficiam, experimentando apenas os efeitos adversos da droga. Assim sendo, os dois grupos se cancelariam, levando à melhoria média mínima que é observada em pesquisas com drogas.

Se isso fosse verdade, e o subgrupo que se beneficiasse com o medicamento pudesse ser identificado, os médicos poderiam assim prescrever o medicamento apenas para aqueles que melhorariam após tomá-lo. Isso reduziria o número de pessoas que tomam o medicamento e que não experimentam melhoras – porque pioram as experiências de depressão e ansiedade e / ou devido aos efeitos nocivos do medicamento.

Infelizmente, esses subgrupos ainda não foram encontrados em pesquisas até hoje realizadas. Os pesquisadores escrevem que “apesar dos esforços substanciais de pesquisa, não foram encontrados preditores de sucesso do tratamento com antidepressivos que sejam robustos e confiáveis o suficiente para o seu uso na prática clínica”.

E agora a própria teoria acaba de ser desmascarada, de acordo com um estudo publicado no BMJ Open.

Os pesquisadores Martin Plöderl e Michael P. Hengartner conduziram o primeiro estudo a testar a teoria subjacente da variação do grupo com antidepressivos. A análise estatística deles incluiu pesquisas com antidepressivos, publicadas e não publicadas, para evitar a armadilha do viés de publicação (o mais provável sendo que resultados positivos sejam os  que são publicados). Eles escrevem que seu conjunto de dados “é um dos maiores até agora analisado, resultando em estimativas precisas dos principais resultados existentes”. O estudo incluiu 169 ensaios clínicos com vários antidepressivos para pessoas com diagnóstico de transtorno depressivo maior.

Plöderl e Hengartner testaram isso comparando a variação no grupo com antidepressivo com a variação no grupo placebo. Eles descobriram que as duas variações eram praticamente as mesmas. Isso significa que o grupo com antidepressivo não teve, de fato, a grande variação prevista pela teoria. A explicação mais simples é novamente a mais provável: os antidepressivos são apenas um pouco melhor do que o placebo, para quase que todas as pessoas.

Os pesquisadores então fizeram uma simulação para testar se variações semelhantes (VRs) poderiam ocorrer, se a teoria fosse verdadeira. Mas a simulação deles descobriu que, se a teoria fosse verdadeira, não há como levar a esses achados. Eles escrevem: “Nossa análise de simulação confirmou que VRs iguais só podem ser obtidas se não houver mais do que apenas alguns pacientes a responderem um pouco acima da média”.

Ainda existem explicações peculiares e improváveis que também podem levar a esse achado. Por exemplo, também pode ser dito haver um pequeno grupo de pacientes ‘super respondentes’ que se sairiam incrivelmente bem. Mas isso deveria levar a uma distribuição fortemente não normal de pontuações, e que não foram detectadas em nenhuma análise estatística, até o momento.

Embora cada classe sucessiva de medicamentos antidepressivos tenha sido apontada inicialmente, em estudos financiados pela Indústria Farmacêutica, como sendo um tratamento poderoso para doenças mentais, pesquisas adicionais descobriram consistentemente que seus efeitos são mínimos quando comparados ao placebo. Quando dados publicados e não publicados são incluídos, os pesquisadores descobriram que cerca de metade (49%) dos ensaios clínicos com antidepressivos na verdade não mostram nenhum benefício do medicamento com relação ao placebo. Mais recentemente, vários artigos revisados por pares, do ano passado, descobriram que o efeito placebo pode ser responsável por quase toda a melhora supostamente causada por antidepressivos.

De acordo com Plöderl e Hengartner, “Com os antidepressivos atualmente disponíveis, a possibilidade de tratamentos personalizados para antidepressivos é provavelmente limitada e é improvável que a psiquiatria consiga encontrar preditores clínicos ou biológicos da resposta ao tratamento diferencial que explicaria um efeito terapêutico além de uma melhora clínica mínima ”.

****

Plöderl, M., & Hengartner, M. P. (2019). What are the chances for personalised treatment with antidepressants? Detection of patient-by-treatment interaction with a variance ratio meta-analysis. BMJ Open, 9(e034816). doi:10.1136/bmjopen-2019-034816 (Full text).

Sobrevivendo à psiquiatria: um caso típico dos danos graves causados pelos medicamentos psiquiátricos

0

Ao longo dos anos, recebi muitas histórias de pacientes, tantas que pude escrever um livro interessante baseado nelas. Em novembro, recebi um relato espantoso de uma paciente que conheci dando uma palestra. Reproduzo aqui a jornada dessa paciente, como ela me a apresentou, compartilhando-a com vocês a pedido seu. As drogas psiquiátricas causaram sérios danos nela; sua vida ficou em perigo; e ela sofreu um excruciante processo de retirada da medicação, porque não recebeu as orientações necessárias. Mas ela está indo bem hoje.

Em 2002, ela deu à luz sua segunda filha, após um período difícil com ‘todos os tipos de testes e tratamentos hormonais’. Depois de dar à luz, ela não se sentia bem. Ela tinha medo de perder a filha e de não ser capaz de protegê-la bem o suficiente. Os médicos a diagnosticaram com depressão, e lhe disseram que era perfeitamente normal e que ela deveria tomar Velanfaxina (conhecido como ‘antidepressivo’, ou mais precisamente chamada de pílula da depressão) para que seu cérebro funcionasse novamente. Possivelmente pelo resto de sua vida, mas pelo menos por cinco anos.

Sua vida mudou acentuadamente desde então. Ela ganhou 50 kg e teve vários episódios estranhos que não entendia. Uma vez ela quis cavar uma caixa de areia para os filhos, mas acabou colocando um trampolim inteiro de 70 cm no chão, removendo sete metros cúbicos de terra com uma pá. Outra vez, ela derrubou um muro na cozinha sem aviso prévio e sem ser artesão, porque sentiu que a família precisava de uma cozinha inteligente para conversar. Um dia, durante um processo de seleção de emprego, ela disse ao consultor que gostaria de estudar para se tornar uma advogada, mesmo sendo disléxica e que nunca pudesse fazer isso.

Ela voltou a procurar um psiquiatra e, 15 minutos depois, o caso estava claro – ela se tornara bipolar. Ela foi enviada para psicoeducação e foi informada de que sua condição definitivamente duraria pelo resto de sua vida. Ela foi treinada em como perceber até as pequenas coisas que confirmavam que ela estava doente, e foram tomados cuidados especiais para garantir que ela tomasse o remédio.

“Eles conseguiram colocar um medo enorme em mim”, ela disse, e claramente passou a se identificar com uma pessoa doente que tendo que enfrentar a vida dessa maneira lutando para sobreviver.

O tempo passou e ela acabou deixando o marido após os 15 anos de casamento. Em 2013, ela conheceu seu atual marido, e ele perguntou rapidamente ‘sobre o que era a doença’, porque não conseguia vê-la doente. Depois de um ano e meio, ela se rendeu e concordou em fazer um pequeno teste, iniciando a retirada dos medicamentos. Ele ficou feliz com isso, porque tinha visto várias vezes como foi desastroso quando ela havia se esquecido de tomar o medicamento. Por exemplo, uma vez ela arruinou uma viagem a um parque de diversões de verão porque havia esquecido de levar o remédio. À medida que o dia passava, ela piorava cada vez mais com dores de cabeça e vômitos, e estava um pouco confusa e só queria deitar-se e dormir até recuperar a medicação.

Sua lista de medicamentos incluía Effexor, que mais tarde mudou para Cymbalta (duas pílulas para depressão), Lamotrigina e Lyrica (duas drogas antiepilépticas) e Seroquel (um antipsicótico). Além disso, recebeu medicação para os efeitos adversos causados pelos medicamentos e para o seu metabolismo. Este é um cocktail perigoso. As pílulas para depressão dobram o risco de suicídio, não apenas em crianças, mas também em adultos [1, 2, 3, 4 ], antiepiléticos também dobram o risco de suicídio [5]; e as pílulas de depressão e antiepiléticos podem tornar as pessoas maníacas [6], o que aconteceu com ela, dando assim aos pacientes um diagnóstico errôneo de ter se tornado bipolar.

O processo de retirada levou dois anos e meio, com o marido ajudando o melhor que pôde para tornar o processo o mais suave quanto o possível. Eles não entendiam isso na época, mas descobriram ao longo do caminho o que significa a curva de saturação do receptor, a saber, que você precisa reduzir a dose cada vez menos na medida do tempo do processo de redução. Não há muitos médicos que sabem disso [7] e as recomendações oficiais, por exemplo a do Conselho Nacional de Saúde da Dinamarca [8 ] são totalmente perigosas, porque dizem que se deve reduzir a dose em 50% a cada redução dos comprimidos para depressão. Assim, já após duas reduções, você está apenas com 25% da dose inicial. Isso é rápido demais quando você reduz a pequenas doses, e a vida passa a ficar em perigo.

Ela estava morrendo de medo de que tudo terminasse errado e pensava muitas vezes em desistir e, portanto, introduziu várias pausas no processo. Pensamentos de suicídio foram se tornando muito presentes durante os períodos em que ela diminuía a medicação, porque era totalmente horrível. Inexplicavelmente, ela passou a aceitar que obviamente odiava a vida e queria pôr um fim nela. Ante ela era uma garota enérgica que amava a vida e que nunca havia tido pensamentos suicidas até começar a tomar drogas psiquiátricas, assim como quando tentava interrompê-las. O seu processo de retirada foi completamente “louco”, disse ela, e muitas vezes considerava que quitar a sua própria vida seria o mais humano.

Durante a retirada, ela teve algumas “experiências selvagemente estranhas”. No final, ela começou a querer a ficar apenas a ouvir a natureza e os pássaros. Foi uma experiência poderosa, porque ela não conseguia se lembrar da última vez que experimentou isso nos anos em que foi “drogada”. Um pouco mais tristes foram os outros sintomas que surgiram durante a retirada. Os sintomas de abstinência incluíam mergulhos em si própria que poderiam ser facilmente interpretados como depressão, e durante a retirada de Lyrica, ela estava ansiosa e sentia que a vida era insuportável. Uma manhã no banho, ela começou a chorar, porque apenas sentindo a água em seu corpo, algo que ela notara que havia muitos anos não experimentava.

Foi quando ela conheceu dois dos meus livros sobre psiquiatria e descobriu que tudo o que havia experimentado era bem conhecido e perfeitamente normal. Foi realmente chocante para ela ler sobre como é prática normal ser exposta ao inferno pelo qual ela passou, mas também uma leitura libertadora ao descobrir que é normal, que ela provavelmente não estava doente e que não havia nada de errado com ela.

No final da retirada, ela teve uma experiência estranha em que, por quase meio ano, ela quase ficou torta em seu corpo. Ela constantemente sentia uma inclinação para a esquerda e tinha dificuldade em andar em linha reta. Durante vários períodos, outros grupos musculares falharam. Quando ela jogou um jogo em que um bastão é lançado depois de alguns blocos de madeira, sua mão não o soltava quando ela tentava lançá-lo.

Após a retirada concluída, as coisas começaram a melhorar cada vez mais, e ela queria trabalhar novamente, apesar de estar fora do mercado de trabalho há muitos anos e estar com pensão por invalidez. Com grande apoio do marido, ela planejava tirar uma carteira de motorista e dirigir um táxi, mas “Oh não, oh não! Houve um grande não da polícia. ”Eles enviaram uma carta informando que a minha carteira de motorista era de tempo limitado e que eu precisaria fornecer documentação a cada dois anos declarando que não estava doente”.

“O fato de eles optarem por fazer um diagnóstico extra após alguém haver tomado pílulas para depressão tem sido bastante terrível”, ela me disse. “Hoje, preciso renovar minha carteira de motorista a cada dois anos por esse motivo. Mas você não imaginaria o quão difícil era evitar que eles o tirassem completamente. Quando entrei em contato com a psiquiatria por causa do meu contato com a polícia, eles primeiro se recusaram a me ver – porque eu estava bem. Portanto, não consegui a ajuda deles para provar que não estava doente e, portanto, apta para dirigir. Depois de intensa pressão minha, meu próprio médico finalmente os convenceu a me levar para uma conversa e fazer uma declaração. Observou secamente que minha ‘doença’ não estava ativa. Eu poderia tê-los estrangulado, porque isso significava que ainda estava doente e, aos olhos da polícia, alguém que precisa ser monitorado sempre. ”

Ela discorda completamente do diagnóstico bipolar. Ela nunca teve episódios maníacos antes de iniciar a medicação, e nunca os teve depois que saiu. Mas o diagnóstico está colado a ela pelo resto da vida, embora seja sabido que as pílulas para depressão podem desencadear mania e, assim, fazer com que os psiquiatras façam um diagnóstico errado, embora seja ‘apenas’ um dano provocado pelas drogas e não uma nova doença. É um erro médico fazer um novo diagnóstico como se houvesse algo fundamentalmente errado com o paciente, quando a condição poderia ser facilmente causada por um efeito adverso da medicação.

Ela desistiu da ideia de se tornar motorista de táxi. Ela se tornou treinadora de profissionais de saúde mental e continuou estudando para se tornar uma psicoterapeuta. Ela trabalha com muitas pessoas diferentes e também ajuda os pacientes a reduzir suas pílulas para depressão, com grande sucesso. Eles estão recuperando a vida e vendo-a avançar. Ela sabe que é importante apoiá-los quando eles se retirarem, para que não enfrentem a mesma situação que ela enfrentou. Existem muitos pensamentos e medos, e muitas pessoas têm dificuldade em se definir se não estão mais doentes. Portanto, a combinação de redução gradual e terapia parece ter um efeito extremamente benéfico.
É difícil convencer as pessoas de que interromper o medicamento é uma boa ideia. Eles acreditam firmemente nisso, porque lhes dizem que estão doentes; mas ainda pior, há uma grande pressão dos parentes. Ela sentiu em seu próprio corpo o que significa ficar sozinho no processo de retirada. Hoje, ela não vê mais sua família. Eles mantiveram a alegação de que ela estava doente e só precisava tomar a medicação. Essa visão equivocada é nutrida pelo fato de a maioria dos sites ainda afirmar falsamente que as pessoas adoecem com depressão por causa de um desequilíbrio químico [9]. Se você acredita nisso, também acredita que não pode prescindir do medicamento.

Há alguns anos, ela comprou o nome de domínio medicin-fri.dk (medicinefree.dk) para, em cooperação com outras pessoas, um dia poder fornecer informações sobre como tomar remédios e danos, além de fornecer ajuda e suporte. para retirada. Existe uma enorme necessidade de divulgação de informações. Poucas pessoas sabem dos problemas ou já ouviram falar deles. Ela quer mudar isso e quer ter certeza de que não está a dar conselhos e informações incorretas. Ela, portanto, escreveu para mim e perguntou se eu sabia de outras pessoas que gostariam de participar de uma rede organizada sobre esses problemas. Eu certamente faço. Co-fundei o Conselho de Psiquiatria Baseada em Evidências na Inglaterra em 2014 e o Instituto Internacional de Abstinência de Medicamentos Psiquiátricos na Suécia em 2016 e sou membro do conselho de ambas as organizações. Também tenho uma lista de pessoas que gostariam de ajuda para a retirada e publiquei dicas e truques práticos no meu site, deadlymedicines.dk

Além de seu trabalho diário com os clientes, ela hoje dá palestras, mas acha difícil ‘ter permissão’ para transmitir a mensagem. Ela lecionou para psiquiatria na região da capital sobre ser bipolar, o que foi fácil. Todo mundo obviamente quer ver uma pessoa doente e ouvir a história dela. Mas uma história de sucesso que questiona o sistema não é considerada interessante.

Ela é apaixonada por mudar as coisas e, por exemplo, estabeleceu vários grupos de auto-ajuda e lecionou para a Depression Association; foi voluntária na Cruz Vermelha e iniciou grupos para pessoas solitárias; e orientou jovens na Casa das Famílias em Esbjerg. Hoje, ela atua em Better Psychiatry em Esbjerg e sugeriu que me convidassem para dar uma palestra. Eles não sabiam quem eu era, e o presidente apresentou a reunião dizendo que, se mais dinheiro fosse destinado à psiquiatria, provavelmente estaria tudo bem. Comecei a minha palestra dizendo que não tinha certeza de que era uma boa ideia. Se houvesse mais dinheiro, ainda mais diagnósticos seriam feitos, mais drogas seriam usadas e ainda mais pessoas acabariam na pensão por invalidez, porque não podem funcionar quando estão drogadas [10].

Ela vendo dando palestras com o título “Sobrevivendo à psiquiatria“, inspirada em meus livros, Survival in an Overmedicated World: Look Up the Evidence Yourself and Deadly Psychiatry and Organised Denial. Hoje, ela considera ser desafiador viver uma vida que, após 11 anos de medicação, achava que estava completamente fora de seu alcance. Embora sua vida passada tenha sido ‘tolamente manipulada por vários psiquiatras e outros médicos bem-intencionados’, ela não quer estragar tudo e pedir acesso aos seus arquivos de paciente. Ela prefere olhar para o futuro e informar outras pessoas através de sites e palestras sobre como é prejudicial tornar-se cegamente medicado – geralmente sem motivo algum.

Ela está convencida de que praticamente nenhuma de suas experiências estranhas durante os 14 anos em que esteve drogada teria acontecido se ela não tivesse recebido medicação. Sua memória sofreu um duro golpe por causa das drogas, mas está melhorando.
Ela não consegue entender por que os médicos não pararam com isso. Não havia nada que pudesse justificar seu uso massivo de drogas, e quando ela ganhou peso de 70 a 120 kg, os médicos também não responderam, além de dar-lhe remédios para aumentar o metabolismo, que era “completamente louco”.

Ela considera o sistema sem esperança. Não se pode culpá-la por isso. O uso colossal de drogas psicoativas produz pacientes crônicos, geralmente baseados em problemas inerentemente temporários.

Talvez você queira saber quem é essa mulher notável. Ela me deu permissão para revelá-lo: ela é Sandra Toft.

Referências bibliográficas:

1. Gøtzsche PC. Deadly psasychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.
2. Bielefeldt AØ, Danborg PB, Gøtzsche PC. Precursors to suicidality and violence on antidepressants: systematic review of trials in adult healthy volunteers. J R Soc Med2016;109:381-92.
3. Maund E, Guski LS, Gøtzsche PC. Considering benefits and harms of duloxetine for treatment of stress urinary incontinence: a meta-analysis of clinical study reports. CMAJ2017;189:E194-203.
4. Hengartner MP, Plöderl M. Newer-generation antidepressants and suicide risk in randomized controlled trials: a re-analysis of the FDA database. Psychother Psychosom 2019;88:247-8.
5. FDA package insert for Neurontin. Accessed 4 Jan 2020. https://www.accessdata.fda.gov/drugsatfda_docs/label/2017/020235s064_020882s047_021129s046lbl.pdf.
6. FDA package insert for Effexor. Accessed 4 Jan 2020. https://www.accessdata.fda.gov/drugsatfda_docs/label/2008/020151s051lbl.pdf.
7. Horowitz MA, Taylor D. Tapering of SSRI treatment to mitigate withdrawal symptoms. Lancet Psychiatry 2019;6:538-46.
8. Davidsen AS, Jürgens G, Nielsen RE. Farmakologisk behandling af unipolar depression hos voksne i almen praksis. Rationel Farmakoterapi 2019;Nov.
9. Demasi M, Gøtzsche PC. Presentation of benefits and harms of antidepressants on websites: cross sectional study (to be published).
10. Whitaker R. Anatomy of an epidemic. New York: Broadway Books, 2015.

Desmedicalizando os Olhares na Educação

0

O recente artigo publicado pela Revista Educação em Foco, da Universidade Federal de Juíz de Fora, se propõe a refletir sobre a infância nos tempos atuais, em que a medicalização/patologização impera como prática comum. Os autores Cláudia C.G. Santana e Lucas Rocha Gonçalves têm por objetivo questionar as lógicas que sustentam a ideia de que as crianças possuem uma normalidade a ser seguida, identificados por nós adultos.

O artigo intitulado Educação, patologização e medicalização: é possível  quebrar essa corrente? busca mostrar como os padrões de normalidade foram artificialmente desenvolvidos através de condicionantes históricos, transformando questões da vida social em questões de caráter puramente biológico. As atitudes humanas passam então a ser parte do discurso médico, o qual atribui características patológicas àqueles comportamentos considerados socialmente indesejados. Dessa forma, o menino agitado passa a ser identificado como hiperativo, e assim por diante.

Essa captura de questões cotidianas pela medicina, é o que se chama como processo de medicalização. Processo que transforma experiências considerada indesejáveis ou perturbadoras em objetos da saúde, quando anteriormente eram questões da ordem do social, moral ou político.

Os autores questionam porque as estatísticas mostram a hiperatividade mais relacionada a meninos do que meninas, ou da sua incidência ser detectada, na maioria das vezes, no ingresso da criança na escola, além da queda nas vendas de metilfenidato (medicação mais comum para hiperatividade) no período das férias escolares. Existe uma associação entre o  fenômeno dos diagnósticos infantis e fatores sociais mais amplos, como o processo de escolarização, dinâmicas familiares, precarização do trabalho do professor…

“Para nós, isso representa um deslocamento do discurso educativo sobre a criança no contexto escolar para um campo de intervenção médico-psiquiátrico que passa a interpretar as vicissitudes do processo educacional. Ou seja, diz respeito à forma com que os comportamentos e dificuldades no aprendizado escolar são reescritos a luz do discurso médico/biologizante.”

A escola é um lugar em que se replica a medicalização da vida. Para muitos educadores é difícil não associar as dificuldades de aprendizagem a algum trastorno psíquico, ou seja, a um problema individual do aluno. No entanto, as atividades escolares não exigem o envolvimento de diversos atores? professores, direção, coordenação, alunos, familiares, entre outros? Sem embargo, os problemas de aprendizagem são alocados apenas no aluno, como uma manifestação singular sua, separada do contexto familiar e escolar. É quando os especialistas em saúde são convocados a darem uma resposta sobre comportamentos de alguns alunos, considerados inadequados pela escola.

Podemos notar, portanto, onde o artigo pretende chegar: a medicalização da vida de crianças/adolescentes passa pela medicalização da educação. As escolas hoje usam termos como hiperatividade, déficit de atenção, transtorno opositor, autismo, dislexia, etc. etc. Isto é, a instituição escola foi capturada pelo discurso médico e o replica indiscriminadamente.

“Assim a medicalização assume a condição de tratamento sobre os desvios das condutas humanas, mas o grande paradoxo dessa situação é que medicalizamos para humanizar o humano por via não humana.”

Ao se considerar o comportamento das crianças como resultado de disfunção cerebral, é retirado delas a responsabilidade delas pelos seus atos, ao mesmo tempo que a culpabilizamos pelo seu problema de aprendizagem. Bem como o papel do educador é esvaziado, estratégia para torná-lo um sujeito-objeto, e assim continuar perpetuando práticas medicalizantes na escola.

O artigo traz algumas possibilidades para a desmedicalização dos olhares dos profissionais da educação. Primeiro, é necessário entender que o discurso médico sobre a infância e suas experiências de escolarização são uma construção discursiva historicamente construída, e deseja se tornar hegemônica na educação. Segundo, desmedicalizar o olhar significa tornar evidente que a educação é uma atitude criativa, no qual o ato educativo é um processo co-construído por alunos, famílias e profissionais da educação.

—-

Confira →: https://periodicos.ufjf.br/index.php/edufoco/article/view/29162?fbclid=IwAR17BDeuoyDg5GEWm7tsWtG2Q5vFRxKgikIRlcNT0JgwzsAPIwRjm9EZarI

Resenha do livro ‘ O não ao manicômio: fronteiras, estratégias e perigos’

0

A experiência acolhe, desestabiliza, abre brechas, desanuvia as trilhas, solta os laços, desata alguns nós, joga alguns baldes de água fria, trança cordas, pula abismos, cava silêncios, atravessa desertos.

(FINGERMAN, D.A (de)formação do psicanalista.2016)

O livro O não ao manicômio, escrito por André Nader, problematiza a Reforma Psiquiátrica no Brasil e faz uma análise de diferentes táticas usadas na tentativa de negar o manicômio.

A luta antimanicomial é um movimento político que ganha força em território nacional sobretudo a partir dos anos 80, com o surgimento do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental. André retoma acontecimentos importantes dessa época, como o Congresso de Bauru, em 1987, onde foi escrito um manifesto cujas ideias, proposições e denúncias serviriam de norte na busca por uma sociedade livre dos manicômios.

Afirmando a relevância das conquistas da militância, mas sem idealizar as posições daqueles que lutavam e lutam por uma sociedade mais inclusiva, o autor discute as tensões e polarizações políticas intrínsecas à luta antimanicomial.

Amparado por conceitos de Agamben e Foucault, André faz uma análise discursiva das macropolíticas, que utilizam expressões como “para todos”, “comum”, “comunidade”. Tais noções, presentes na Constituição Federal e em leis que regulamentam a Saúde Pública, promovem avanços na implementação de políticas públicas; mas, na busca de um universal, são pouco sensíveis às particularidades das populações sobre as quais incidem.

No que se refere à micropolítica, além de discutir o filme Bicho de Sete Cabeças e as estratégias usadas neste para abordar a questão da violência das práticas manicomiais, André faz um recorte de uma situação vivida por ele, em 2014, durante uma reunião do Coletivos em Prol da Saúde Mental. Estes encontros, criados por trabalhadores de diferentes serviços da saúde mental, eram abertos e buscavam debater questões relacionadas à implementação do Plano da Rede de Atenção Psicossocial no município de São Paulo (RAPS [i]-SP).

Na reunião em questão, estavam presentes, além dos trabalhadores dos serviços, profissionais responsáveis pela Área Técnica de Saúde Mental do município. Era, assim, uma ocasião oportuna para os trabalhadores, além de discutirem os eixos da RAPS, posicionarem-se em relação a retrocessos que vinham ocorrendo, como a diminuição do número de trabalhadores dos CAPS (Centro de Assistência Psicossocial).

Durante a rodada de apresentação, o microfone passava entre os presentes, que diziam o nome, a formação, o serviço de onde vinham. Até que o microfone chegou às mãos de uma senhora negra que segurava uma faixa e pastas cheias de folhas. Disse apenas o próprio nome e passou a falar do filho, do direito de tê-lo por perto. Em tom acusatório e de reivindicação, falava cada vez mais alto, como se acusasse os demais por um malfeito a ela.

Em dado momento, soltou o microfone em cima da cadeira para desenrolar a faixa que carregava, isso enquanto continuava falando, agora já aos gritos. O mal-estar tomava conta do ambiente quando a pessoa sentada ao lado pegou o microfone deixado na cadeira vazia e começou a se apresentar. A senhora foi, assim, silenciada, impedida de participar do debate.

Formou-se ali um impasse. Ninguém conseguiu escutar a voz destoante, a senhora também não estava disposta a escutar os demais presentes. Posteriormente, em conversas individualizadas, ela conseguiria contar de sua posição a favor da internação psiquiátrica para seu filho; o que vai na direção contrária daquela assumida pelos trabalhadores dos serviços, que lutavam justamente pelo cuidado em rede, nos diferentes serviços, nos CAPS, sem que fosse necessária a internação.

Este recorte escolhido por André demonstra um processo por meio do qual emerge uma polarização política. Um lado contra e outro a favor da internação psiquiátrica, um lado contra e outro a favor de práticas manicomiais de exclusão; sendo que cada um deles tem a certeza de que a sua posição é a correta.

Partindo da noção do qualquer de Agamben, André chama esse recorte de exemplo qualquer, que seria um exemplo que não é generalizável, que não é lido como um caso particular que aponta para um universal ou para uma saída bem delimitada para o problema que se apresenta. Diferentemente disso, trata-se de um exemplo por meio do qual algo de singular é mantido, preservando também a potencialidade que a cena em questão tem de ser tomada por diferentes pontos de vista. Em vez de transformar o recorte escolhido em algo redondo, sem brechas, André sustenta os vazios e as ambiguidades, deixando um terreno aberto para que mais leituras e diferenças possam ser produzidas.

Por vezes o texto alerta para o risco de reproduzir práticas que vão justamente na direção daquilo que se quer negar. A derrubada dos muros dos manicômios e a priorização de intervenções que aconteçam fora dos hospitais psiquiátricos e das longas internações não garantem que práticas manicomiais de silenciamento e exclusão daqueles considerados diferentes não vão continuar a ocorrer.

A convicção de que se está do lado certo – apesar de importante para a organização da luta, para fortalecer a coesão de um grupo em defesa de uma causa ou mesmo para a escolha de aderir a um movimento – traz consigo o constante risco de engessamento das ações e de tornar a luta mais vulnerável à reprodução daquilo que tenta combater.

Além da polarização entre aqueles que são contra e os que são a favor de práticas manicomiais, outro importante tensionamento do campo da luta antimanicomial abordado no livro se dá entre os próprios trabalhadores da saúde mental. Este consiste, de um lado, na ênfase da inclusão do dito louco via transformação social, e do outro, na ênfase do tratamento dos diferentes tipos de sofrimento, tendo como direção não um ideal político, mas a singularidade do sujeito.

Isto coloca os técnicos da equipe de um CAPS, por exemplo, em polos opostos, na medida em que um defende a priorização da clínica e o outro a necessidade da transformação política; um toma os profissionais da saúde mental sobretudo como militantes políticos, o outro como terapeutas, clínicos que vão cuidar do sofrimento dos pacientes e auxiliá-los em suas tentativas de fazer laço social.

Mesmo sendo psicanalista e estudioso de Lacan, André aqui não se posiciona do lado da clínica em detrimento da militância. A análise que faz dos processos grupais e dos fechamentos imaginários faz furo nos dois lados, sem apontar diretamente uma saída para os impasses que se formam.

A escolha teórica do livro, neste sentido, é estratégica, pois poupa a análise feita de ser enquadrada em apenas um polo da luta. Caso André tivesse feito uma pesquisa análoga partindo da Psicanálise, por exemplo, abordando os discursos e os significantes que compõem as tensões políticas, ele se colocaria no polo clínico da luta, tornando seus argumentos e ideias inaudíveis para o lado supostamente oposto.

Diferentemente disso, o autor tece críticas a certos usos que se faz da Psicanálise. Retoma a noção de técnico do desejoforjada por Foucault, alerta para o risco de a Psicanálise ignorar implicações histórico-políticas da experiência humana e fazer uma leitura normativa da direção dos tratamentos, tornando-se um exercício de poder redutor, organizador de sentidos apriorísticos.

Em vez de defender quais seriam as melhores formas de negar o manicômio, o texto consegue furar diferentes polos, balançando consensos vigentes e produzindo novas perguntas, novas formas de formular os problemas.

Paradoxalmente, ao sustentar a indeterminação, o que é transmitido não é imobilismo, impossibilidade, mas sim uma inquietação que instiga a criar novas formas de lutar. Em tempos de polarização política, que obviamente não se restringe ao campo da luta antimanicomial, o livro O não ao manicômio é um importante remédio contra as ilusões de completude presentes nos mais diversos posicionamentos.

•••

[i]                 A RAPS havia sido criada em 2011, por uma portaria do Ministério da Saúde, visando melhorar a articulação entre os serviços de saúde. Trata-se de uma importante medida para diminuir a fragmentação entre os dispositivos e promover uma atuação em rede, favorecendo, assim, um cuidado mais comunitário e menos especializado.

Superando a loucura em todos nós

0

Parafraseando Shakespeare, “Um toque de loucura torna o mundo todo familiar.” A loucura é uma questão inteiramente relativa: alguns de nós têm um ‘toque’ e outros já estiveram lá e voltaram, mais de uma ou duas vezes. Entender a loucura de uma pessoa é, até certo ponto, entender a de todos, porque essas experiências têm muito em comum.

Acredito que tudo o que chamamos de loucura, doideira, psicose, sérios problemas pessoais, problemas de vida – todo o espectro de sofrimento emocional e fracasso pessoal – geralmente têm duas lutas entrelaçadas subjacentes acontecendo dentro do indivíduo. Como a própria loucura pode ser difícil de definir ou chegar a um acordo, ela pode ajudar os indivíduos a se perguntar se estão lutando com esses dois problemas.

Uma luta tem a ver com a superação de sentimentos de desamparo. A outra tem a ver com a superação de sentimentos de indignidade ou falta de amor. Coloquemos as duas juntas e temos o desamparo diante de nos sentirmos sem valor ou indignos de amor. Entender isso é entender muito do que leva os seres humanos emocionalmente para ‘além do limite’ e para o fracasso pessoal em nossas vidas.

Minha experiência pessoal, meu trabalho clínico e todas as outras coisas que lido para ajudar a compreender a vida me levaram nos últimos tempos a focar cada vez mais nessas duas expressões de vulnerabilidade psicológica – o sentimento de desamparo e o sentimento de se sentir sem valor ou  indigno de amor.

Sentimentos de desamparo podem ser experimentados de várias maneiras. A ansiedade é a sua experiência mais crua e primitiva, e provavelmente se aproxima do que uma criança agitada e chateada está passando. Com a idade, pode se transformar em vergonha e culpa, além de raiva e entorpecimento emocional. Viver uma vida boa é profundamente auxiliado pela superação dessas emoções. Isso envolve identificar essas emoções negativas herdadas, rejeitá-las enquanto sentimentos a serem obedecidos ou a agir sobre elas, se determinando a viver pela razão e pelo amor.

Às vezes, sentimos isso como uma culpa desmoralizante, outras vezes como uma abrasadora vergonha ou ansiedade aterrorizante e, às vezes, as três ao mesmo tempo. Podemos escapar para a frustração, raiva e fúria, mas por baixo sempre está o medo e o desamparo. Podemos ouvir vozes ou ver coisas que os outros não experimentam, ou mais comumente nos amarrarmos com laços de obsessões e compulsões. Na raiz, há a experiência humana central de níveis infantis de ansiedade e desamparo, além de sentir-se indigno de cuidados, atenção e amor humano.

Da mesma forma, embora existam muitas maneiras de superar as crises e a loucura pessoais, todas elas têm algo em comum – a superação de sentimentos de desamparo, frequentemente associados a sentimentos de não ser digno de amor.

Loucura como crescimento humano

O que quero dizer com loucura é uma experiência avassaladora de angústia emocional que nos deixa isolados, abandonados, amedrontados, desamparados e sem amor, ou pior,  indignos de amor. Como enfatizado no início deste post, a experiência da loucura é inteiramente relativa. Para algumas pessoas, isso pode significar sentimentos vagos de incapacidade de lidar ou gerenciar a vida ou a sensação de que algo ‘estranho’ ou ‘irreal’ está acontecendo. Na maioria dos estados extremos, o indivíduo pode se enredar em um horror de pesadelo cercado por alucinações. A psiquiatria tenta analisar as manifestações mais extremas da angústia humana, fazendo diagnósticos artificiais simplistas para justificar a prescrição de drogas, de choque elétrico, isolamento e / ou ‘tratamento involuntário’ para o indivíduo.

Com trauma suficiente – como as várias formas de lavagem cerebral, tortura e abuso implacável – a loucura extrema provavelmente pode ser trazida à tona em quase todas as pessoas. Quando admiramos mártires como Sócrates, Joana D’Arc e o abolicionista John Brown, isso ocorre em parte porque, por uma boa causa, eles encontraram forças para não desmoronar e não abrir mão dos seus valores. No entanto, além dos estressores atuais, na maioria das vezes existem vulnerabilidades profundas da infância ardendo sob a loucura e surgindo na juventude ou na idade adulta.

A loucura severa tem sido chamada de ‘estado extremo’, ‘realidade alternativa’, ‘opressão emocional’ ou ‘crise psicoespiritual’. Normalmente, parece o fim de nossas vidas ou o fim do mundo, ou ambos. No entanto, essas experiências horríveis podem nos motivar a refazer nosso tecido pessoal e social em uma nova perspectiva para as nossas vidas, em uma abordagem artística, espiritual ou até política.

De Moisés, Jesus e Buda a Lincoln, Gandhi e Churchill, a vida de pessoas que valorizamos muito raramente era ‘normal’ para os padrões psiquiátricos. Os psiquiatras diagnosticariam cada um deles com rótulos degradantes, como esquizofrenia, transtorno depressivo maior e transtorno bipolar. Talvez não possamos nos tornar completamente humanos sem passar por nossa própria experiência de loucura ou opressão psíquica aterrorizante, que pode se manifestar como angústia adolescente, uma crise na meia-idade ou uma ‘crise psicótica’.

Origens da loucura na infância

As evidências científicas que vêm evoluindo há anos confirmam que os traumas na infância, incluindo a negligência, preparam o cenário para a loucura do adulto. Do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento e da teoria do apego (‘attachment theory’), o que chamamos de loucura geralmente resulta dos buracos ou rasgos no tecido social que nos foram tecidos desde a infância.

Quando bebês, nascemos em total dependência, com a consequência de episódios inevitáveis de medo e desamparo. Totalmente incapazes de sobreviver por conta própria, fomos repetidamente resgatados e transformados por aqueles que nos nutriram. Quem nos cria constroi o tecido social em que nos desenvolvemos, tornando nossas personalidades e identidades de muitas maneiras inseparáveis de nossas experiências com as pessoas que nos criaram. Extremos de loucura ou sobrecarga emocional geralmente resultam da falta ou do rompimento desse tecido social interno e externo intimamente tecido em nossas primeiras vidas. Lutas emocionais menos severas também serão alimentadas por momentos menores, mas inevitáveis, de dificuldade emocional na infância.

Portanto, faz sentido que as ‘soluções’ para a loucura sempre envolvam a cura do tecido social interno e externo através do desenvolvimento de novas e melhores abordagens da vida, geralmente juntamente com novos e melhores relacionamentos.

Minha experiência pessoal e clínica

Não separo minha experiência de mim mesmo – meu próprio sofrimento e minhas próprias tentativas de crescer – da minha experiência clínica. Na terapia, muitas vezes compartilho minhas experiências pessoais para deixar claro que somos todos muito parecidos, tanto na miséria quanto na recuperação, e para oferecer esperança para a capacidade de uma pessoa se transformar para melhor, pelo menos no nível que pareço ter alcançado. Encontro pouco ou nada em mim que não vi nos outros e o que vejo nos outros também vejo em mim. Esse ponto de vista ou atitude me ajuda a manter a humildade necessária para ajudar outras pessoas.

Em uma apresentação intitulada “O que nos faz sofrer e finalmente se recuperar – ou não”, recentemente abri meu próprio coração na minha série de rádio / TV para descrever a importância de me sentir ‘indigno de amor’. É uma experiência, eu acredito, que muitas pessoas compartilham entre seus medos, ansiedades e fontes de angústia mais devastadores.

Em uma apresentação em 1º de janeiro de 2020, chamada “As melhores coisas que aprendi da vida”, descrevi minha experiência de uma ‘presença amorosa  em minha vida e no mundo. É algo que posso experimentar quantas vezes quiser para alento espiritual. Sei em primeira mão como sentir ou experimentar a presença amorosa pode reafirmar nossa dignidade humana básica de amar e ser amado. Também pode nos ajudar a lembrar o potencial do amor em todas as pessoas.

Com base na minha experiência pessoal e clínica, acredito que o maior desafio ou ameaça à nossa identidade e solidez mental advém do medo de ser indigno de amor. Não podemos melhorar completamente esse medo por conta própria, mas devemos confiar em parte em recursos externos que convidam, incentivam, exemplificam ou extraem nossa própria capacidade de sentir e dar amor.

Esta é a soma prática da minha sabedoria: existe amor e depois há todo o resto, todas as coisas terríveis e desmoralizantes, incluindo a quebra do nosso senso de si e do nosso relacionamento com os outros, terminando em opressão e loucura. Amar os outros, a natureza, a arte, os animais de estimação – amar qualquer aspecto da vida – é incompatível com a loucura e fornece o caminho da loucura para uma vida melhor. E existe uma presença amorosa no universo, sobre a qual podemos buscar alento e inspiração.

Tornar-se um ser humano amoroso apresenta à maioria de nós um desafio significativo. Para cumprir nossa promessa, devemos, novamente nas palavras de Shakespeare, superar “os estilingues e flechas da sorte (‘fortune’) ultrajante”. Devemos superar nossa própria natureza humana com todas as suas falhas e contradições internas e nossa história do desenvolvimento com suas deficiências e conflitos adquiridos. Esta é a nossa tarefa e a nossa aventura; e nunca acaba enquanto estamos vivos; e, quem sabe, pode continuar além da vida.

Psiquiatria e Loucura

Nossa tarefa e aventura ao longo da vida de levar a vida com razão e amor podem ser frustradas pela exposição a drogas psiquiátricas ou outras substâncias psicoativas. Isso porque qualquer coisa que interfira amplamente com a função de nossos cérebros prejudicará a função do nosso lobo frontal, o que torna mais difícil para nós amar, nos relacionar com os outros e afirmar valores mais altos.

Diagnósticos de loucura, como psicose breve, transtorno bipolar, esquizofrenia, transtorno depressivo maior e transtorno do pânico, são criados e aplicados às pessoas a fim de justificar o poder da psiquiatria e seus tratamentos físicos, os quais causam mais danos do que benefícios. No último meio século, essa autoridade psiquiátrica se tornou nada mais do que o covarde e avarento departamento de vendas do Império Farmacêutico.

Somos muito mais que nossos cérebros; mas a disfunção cerebral induzida por drogas prejudica nossa capacidade de conhecer e nos expressar como almas, seres ou pessoas. A psicoterapia pode ajudar, desde que seja protegida por restrições éticas e atenda à nossa natureza e necessidades pessoais; mas nenhuma ajuda, conselho ou encorajamento ajudará sem encontrarmos a determinação e a coragem de superar nossos sentimentos de desamparo na infância e nossas emoções negativas, incluindo nossa convicção de que somos indignos para o amor.

Como podemos melhorar a loucura?

Muitos terapeutas experientes estão encontrando um ponto em comum na ênfase em descartar o modelo médico e os medicamentos psiquiátricos – e substituí-los por relacionamentos de cuidado. O psicólogo Michael Cornwall resume sua experiência e atitudes em “Reflexões sobre 25.000 horas de estar com pessoas em estados extremos“. Em um ensaio autobiográfico, ele enfatiza a importância do ‘amor misericordioso’. O próprio Michael sofreu um estado tão extremo que o arrasou quando jovem: “A estranha experiência do próprio tempo durante meus estados extremos poderia ser medida em períodos agonizantes de ser atacado por vozes tortuosas e sem corpo, enquanto imagens aterrorizantes e inescapáveis enchiam minha mente”.

Da mesma forma que Michael, em um livro antigo, Toxic Psychiatry, eu comecei a me referir aos chamados transtornos psiquiátricos como experiências de “opressão emocional” e também como “crises psicoespirituais”; e a frase de Michael “estados extremos” também serve. Minha própria ênfase no amor e na empatia também é consistente com a ideia dele de amor misericordioso.

Aqui estão as três primeiras das minhas 15 diretrizes para terapia empática®:

  • Valorizamos aqueles que buscam nossa ajuda e encaramos a terapia como uma confiança sagrada e inviolável. Com humildade e gratidão, honramos o privilégio de ser terapeutas.
  • Contamos com relacionamentos construídos com confiança, honestidade, carinho, compromisso genuíno e respeito mútuo.
  • Trazemos o melhor de nós mesmos para trazer o melhor dos outros.

Essas três diretrizes, se aplicadas a todos os nossos relacionamentos, construirão uma vida boa para nós e para os próximos e queridos. Eles também nos permitirão ajudar outras pessoas com quem nos relacionamos, profissionalmente ou não.

A definitiva fonte de amor?

Para serem mais felizes e realizadas, as pessoas precisam pensar e agir com amor genuíno. Mas como isso pode ser feito, considerando como as pessoas podem ser  não confiáveis, não verdadeiras, são erráticas e malvadas, na maneira como se tratam mutuamente? Como podemos viver imbuídos de amor, mesmo que o relacionamento humano mais amoroso possa ser destruído pelo fim, pela morte? Todo mundo que pensou nisso sabe que não podemos viver com o lema “Em outras pessoas nós confiamos”.

Todos os humanos são profundamente falhos, com muitos de nós deixando de agir de acordo com nossos próprios padrões, pelo menos por períodos em nossas vidas. Pior ainda, algumas pessoas lidam com seu próprio senso de indignidade, aproveitando a oportunidade para fazer com que outras pessoas se sintam inúteis.

Dadas as falhas em todos nós, não é de admirar que muitas pessoas encontrem cura pela fé em um Deus amoroso. Aqui, a espiritualidade ou a religião podem se unir à psicologia com uma compreensão da necessidade universal de sentir-se digno de amor e, finalmente, de dar e receber amor. Da mesma forma, não é de admirar que tantas pessoas se voltem para um poder superior para encontrar força, que é a força para superar os sentimentos de desamparo que nos afligem desde a infância.

Um bom lugar para a cura, o que costumava ser chamado de comunidade terapêutica ou um local de culto ou Igreja, deve ter em comum a criação de um espaço amoroso no qual as pessoas se sintam capacitadas para enfrentar e superar seu desamparo emocional. O mesmo vale para o cenário da psicoterapia, que pode ser visto como uma miniutopia, na qual razão e amor são o padrão para o relacionamento. Por fim, é disso que trata todo bom relacionamento íntimo – superação de sentimentos de desamparo e sentimentos relacionados de não ser digno de amor.

Como sabemos e reconhecemos o amor ou um relacionamento amoroso? Pela maneira como nos leva a ter alegria pela existência de outros seres humanos e pela maneira como leva todos os envolvidos a se preocuparem, respeitarem, protegerem e nutrirem.

Tudo de bom entre e com os seres humanos começa e se baseia em relacionamentos empoderadores e amorosos. Amor e auto-capacitação são os ingredientes mais essenciais em todas as atividades que chamamos de terapia, cura, recuperação, reabilitação, crescimento pessoal ou iluminação. Superar nossos sentimentos de desamparo e nos tornar uma fonte de amor são as coisas mais maravilhosas que podemos fazer por nós mesmos e pelos outros. A vida oferece muitos caminhos para a recuperação e a autotransformação, da terapia e educação à amizade, família, trabalho, natureza e espiritualidade. No centro de todo crescimento pessoal está a experiência de sentir-se capacitado para amar e ser amado, o que nos eleva além de nós mesmos, para uma consciência alegre e preciosa de tudo o que é bom em nós mesmos, nos outros e na vida.

O que significa ‘Recaída’? Definições usadas em pesquisas com antipsicóticos não são claras

0

Dizem-nos que o tratamento antipsicótico a longo prazo reduz o risco de alguém ter uma ‘recaída’ de esquizofrenia ou psicose. O que ‘recaída’ realmente se refere nos estudos que supostamente estabeleceriam isso é algo que ainda não foi examinado. Nosso recente estudo de definições de recaída, publicado na Schizophrenia Research, mostra que não há uma definição consistente ou objeto de consenso sobre o que é recaída em estudos de tratamento com antipsicótico a longo prazo, e que poucas das definições usadas podem ser consideradas com confiança para refletir um significado clinicamente significativo do episódio psicótico.

Drogas antipsicóticas são prescritas para pessoas diagnosticadas com esquizofrenia e outros distúrbios psicóticos com base em estudos que demonstram uma maior taxa de ‘recaída’ em pessoas que são retiradas dessas drogas em comparação àquelas que continuam a tomá-las (Leucht et al., 2012 [1]). No entanto, incrivelmente, não há consenso sobre o que ‘recaída’ significa nessa situação. Se você perguntar aos médicos, eles geralmente concordam que uma recaída indica a recorrência de um episódio clinicamente significativo, caracterizado por sintomas psicóticos e um declínio substancial no funcionamento ou um aumento de comportamentos de risco (Burns et al, 20002[2]).

No entanto, eu sei, trabalhando nos serviços de saúde mental, que o termo ‘recaída’ pode ser usado de várias maneiras diferentes e, às vezes, é aplicado livremente a situações nas quais alguém mostrou pequenas alterações nos sintomas ou no funcionamento, sem evidência de que esteja experimentando um episódio completo de psicose. Isso geralmente acontece porque as pessoas – o próprio indivíduo, por exemplo, ou seus familiares ou profissionais – estão preocupadas com a possibilidade de recaída e, portanto, altamente vigilantes a pequenas mudanças no comportamento ou no modo do indivíduo estar. Pequenas mudanças de humor ou comportamento podem, em alguns casos, ser o precursor de uma deterioração mais significativa, mas isso não é necessariamente verdade, e podem ser apenas os altos e baixos regulares da experiência dessa pessoa.

Portanto, ‘recaída’ pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes no mundo real, mas se poderia pensar que haveria uma definição consistente de recaída em estudos de pesquisa ou pelo menos um pequeno número de definições com critérios semelhantes. Mas acontece que não é esse o caso. Como parte do estudo RADAR (Pesquisa sobre descontinuação e redução de antipsicóticos), a equipe de pesquisa e eu analisamos as definições de recaída que são usadas em ensaios clínicos de tratamento com antipsicótico a longo prazo. Queríamos saber como tem sido definido em outras pesquisas para assim nos ajudar a decidir como defini-lo no estudo RADAR (um estudo randomizado comparando um programa de suporte à redução e descontinuação antipsicótica com o emprego de antipsicótico de manutenção em pessoas diagnosticadas com distúrbios psicóticos). Descobrimos que dezenas de definições diferentes foram criadas. Nas últimas três décadas, existem quase tantas definições de recaída quanto os estudos!

Estudos anteriores realizados antes de 1990 costumavam usar apenas o ‘julgamento clínico’ do investigador ou psiquiatra para identificar recaídas, a necessidade de aumentar ou reiniciar a medicação antipsicótica ou a necessidade de outro tratamento ou hospitalização. Desde a década de 1990, os estudos passaram a usar combinações cada vez mais complexas de critérios alternativos, geralmente incluindo critérios baseados em alterações nas escalas de classificação, como a Brief Psychiatric Rating Scale (BPRS)e a Positive And Negative Syndrome Scale (PANSS), juntamente com outros critérios que envolvem um aumento do tratamento ou a presença de ideação suicida, por exemplo. Não houve consistência na maneira como as escalas de classificação foram usadas para definir a recaída. Dezoito critérios diferentes baseados no PANSS foram usados ​​nos 23 estudos que incluíram uma definição derivada do PANSS. O limite especificado para recaída variou entre um aumento de 10 e 30 pontos ou 30% na pontuação total, por exemplo, e nas definições que especificaram aumentos nas pontuações de itens individuais (como as que diziam respeito a alucinações ou irritabilidade), com escores variando de 3 (leve) a 6 (grave).

Quando avaliamos se as definições representavam uma recaída clinicamente significativa – ou seja, uma envolvendo a presença de sintomas psicóticos positivos e uma deterioração da condição global, funcionamento ou comportamento de pelo menos um grau ‘moderado’ ou envolvendo hospitalização – descobrimos que apenas sete pesquisas preencheram esses critérios. É possível que alguns dos estudos mais antigos também estivessem olhando para uma mudança clinicamente significativa, mas era impossível dizer porque havia tão poucos detalhes ou a recaída era simplesmente definida pelo julgamento clínico do investigador ou psiquiatra.

Encontramos outras evidências de que estudos recentes, pelo menos, geralmente se concentram em pequenas deteriorações no estado mental ou no comportamento das pessoas, e não no que normalmente seria considerado uma ‘recaída’ total. Nos ensaios em que as definições incluíram alterações nos escores da escala de classificação, a maioria daqueles que foram classificados como recaídos assim o foram porque cumpriram os critérios baseados na escala de classificação. Essas escalas foram medidas durante as consultas de rotina, mas se se pensar em termos pragmáticos, como é possível fazer uma escala de classificação com alguém que está passando por um episódio significativo de psicose? As pessoas precisam ter capacidade para participar de avaliações de pesquisa e precisam ter atenção para preencher questionários. O fato de que recaídas foram detectadas durante as avaliações de rotina na maioria das vezes sugere que elas não eram o que geralmente seria considerado uma recaída total. De fato, alguns dos estudos reconhecem isso, e o texto se refere a ‘recaída iminente’ ou sinais precoces de recaída, mas, no entanto, são apresentados como estudos de ‘prevenção de recaída’.

No que consiste a recaída nesses estudos de tratamento com antipsicótico a longo prazo é importante por várias razões. Primeiro, se não soubermos o que ‘recaída’ se refere em estudos de tratamento com antipsicótico a longo prazo, isso pode mudar a forma como avaliamos esse tratamento. O tratamento a longo prazo é promovido porque a recaída é considerada algo que deve ser evitado a todo custo. Isso ocorre porque um episódio psicótico completo pode causar perturbações consideráveis na vida de alguém e levar a hospitalização e outras consequências indesejadas. Porém, flutuações mais leves nos sintomas podem não ser tão problemáticas, e os benefícios de preveni-las podem não compensar os efeitos negativos do uso de antipsicóticos a longo prazo.

Em segundo lugar, se recaída é definida como um aumento de sintomas inespecíficos, isso pode ser um reflexo da retirada do antipsicótico, em vez da recorrência do(s) problema(s) subjacente(s) (Moncrieff, 2013[3]). Os sintomas de abstinência do antipsicótico incluem ansiedade e irritabilidade, por exemplo (Dilsaver 1988[4]), incluídas em escalas de classificação como o PANSS, e são particularmente prováveis de ocorrer após a descontinuação rápida que ocorre na maioria dos estudos de manutenção do antipsicótico. A retirada do antipsicótico também pode precipitar sintomas psicóticos (Moncrieff, 2006 [5]; Whitaker, 2010 [6]), caso em que ‘recaída’ a uma condição anterior pode ser difícil de distinguir de um episódio induzido pela retirada.

Este estudo de definições de recaída não mostra necessariamente que a interrupção de antipsicóticos a longo prazo apenas leva a um aumento leve dos sintomas, mas mostra que precisamos de mais evidências sobre o que a interrupção faz exatamente. Não podemos dar como certo o significado de ‘recaída’ nesses estudos.

Na pesquisa clínica RADAR, decidimos usar a reinternação como marcador de uma recaída séria, mas também estamos usando um painel de especialistas (incluindo pessoas com experiência vivida) para identificar episódios de recaída de resumos cegos dos prontuários clínicos. Eles identificarão a recaída com base nos critérios acordados, que incluem uma recorrência ou aumento significativo dos sintomas psicóticos e uma mudança substancial no comportamento ou funcionamento que é mantido por pelo menos sete dias.

Notas de pé de página:

[1]Leucht S, Tardy M, Komossa K, et al. Antipsychotic drugs versus placebo for relapse prevention in schizophrenia: A systematic review and meta-analysis. Lancet. 2012;379(9831):2063-2071. doi:10.1016/S0140-6736(12)60239-6.

[2]Burns T, Fiander M, Audini B. A delphi approach to characterising “relapse” as used in UK clinical practice. Int J Soc Psychiatry. 2000;46(3):220-230. doi:10.1177/002076400004600308.

[3] Moncrieff J (2013) the Bitterest Pills: the troubling story of antipsychotic drugs. Palgrave Macmillan, Basingtoke, UK.

[4] Dilsaver SC & Alessi NE. Antipsychotic withdrawal symptoms: phenomenology and pathophysiology. Acta Psychiatr Scand. 1988 Mar;77(3):241-6

[5] Moncrieff J (2006) Does antipsychotic withdrawal provoke psychosis? Revoew of the literature on rapid-onset psychosis (super-sensitivity psychosis) and withdrawal-induced relapse. Acta Psychiatr Scand 114, 3-13

[6] Whitaker R (2010) Anatomy of an epidemic. Crown Publishing, New York.

O uso do Facebook melhora as conexões sociais ou diminui a atenção?

0
Public Domain

Um estudo recente conduzido por um grupo de psicólogos na Bélgica busca desafiar estereótipos comuns sobre o uso de mídias sociais e problemas com atenção. A maioria das premissas sobre esse relacionamento começa com o pressuposto de que o uso excessivo de qualquer coisa é o resultado de problemas com o controle da atenção. No entanto, aplicar isso de maneira muito ampla a todas as instâncias de uso de mídia social leva ao enquadramento dos usuários e das plataformas que nos sugerem simplificações exageradas, ignorando os diversos propósitos para os quais as redes de mídia social podem ser usadas.

Este estudo, liderado por Lien Faelenes, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação do Departamento de Psicologia Clínica e da Saúde Experimental, usou uma abordagem de análise de rede para construir uma imagem mais complexa do uso do Facebook. As análises de rede são métodos usados para criar modelos gráficos de várias variáveis, com cada variável representada por um nó e os relacionamentos entre os nós mapeados como arestas. Mais especificamente:

“O presente estudo buscou modelar as associações únicas entre indicadores centrais do uso do Facebook e a vulnerabilidade para transtornos afetivos. Uma força importante deste estudo é que ele examina o papel do capital social e da comparação social na relação entre o uso do Facebook e os indicadores de bem-estar. ”

Public Domain

 

Não há falta de estudos recentes associando as mídias sociais à depressão. Muitos desses estudos destacam uma série de riscos psicossociais relacionados ao tempo excessivo frente à tela, incluindo problemas com a atenção.

E, no entanto, outros estudos têm desafiado essas abordagens puramente pessimistas sobre o relacionamento entre as mídias sociais e a psicologia. Eles argumentam, em vez disso, que o uso de redes de mídia social pode aumentar o senso de propósito e os sentimentos de conectividade de uma pessoa, de maneiras que podem potencialmente neutralizar os efeitos negativos do seu uso excessivo. Em outras palavras, talvez não sejam essas ferramentas que causam problemas para as pessoas, mas como essas ferramentas são usadas para se relacionar com outras pessoas.

O estudo de Faelens et al. baseia-se em pesquisas anteriores conduzidas pelo autor principal, e que também usaram uma abordagem de análise de rede para ilustrar “associações complexas entre uso de mídia social, comparação social, autoestima e indicadores de risco para transtornos afetivos”.

O modelo desta pesquisa anterior sugeria que, quando a mídia social é usada principalmente para se comparar a outras pessoas, há uma probabilidade maior de baixa autoestima e sintomas de depressão. O estudo mais recente, no entanto, concentrou-se especificamente no uso do Facebook e procurou integrar fatores relacionados ao capital social e o controle da atenção nesse modelo gráfico.

O conceito de capital social– entendido como os benefícios mensuráveis que cada pessoa recebe das relações sociais – foi emprestado das pesquisas em sociologia e da teoria política. Indo além, os autores do estudo fazem uma distinção mais sutil, proposta por Putnam (2000), entre dois tipos de capital social: ‘capital social de ligação’ e ‘capital social de ponte’.

O capital social de ligação refere-se a benefícios de relacionamentos íntimos com a família e amigos, enquanto que o capital social de ponte refere-se aos benefícios dos laços ‘relativamente fracos’, mas que, não obstante, fornecem novas informações e têm o potencial de ampliar a visão de mundo do indivíduo.

Foram os benefícios relacionados ao capital social de ponte aqueles que os autores estiveram mais interessados em conectar ao uso regular do Facebook. Como eles explicam:

“As redes sociais na internet oferecem aos usuários a oportunidade de ativar vínculos latentes em vínculos fracos ou de ponte. Isso dá aos usuários a chance de manter conexões que de outra forma desapareceriam, permitindo que usuários (intensivos) mantenham redes maiores e mais heterogêneas. ”

Para estudar essas correlações, os autores desenvolveram uma pesquisa composta por escalas já existentes e a administraram a 469 usuários do Facebook. Eles então usaram estatísticas descritivas coletadas da pesquisa para criar um ‘Modelo Gráfico Gaussiano’ dos seguintes fatores: “Facebook (intensidade do Facebook (FBI), público ativo, uso privado passivo e ativo do Facebook (MSFU-PU / MSFU-PA / MSFU) -PR), capital social de ligação (BOSC) e capital social de ponte (BRSC)) e vulnerabilidade emocional (ruminação (RRS), depressão (DEPR), estresse (STRESS), ansiedade (ANX), controle da atenção (ATC)). ”

No geral, o estudo mostra um quadro mais complicado das variáveis que vinculam o uso das mídias sociais à saúde mental do que a maioria dos estudos anteriores sobre o assunto. Especificamente, o estudo não encontrou uma correlação direta entre a capacidade de controlar a atenção e o uso do Facebook.

E, no entanto, o construto de ‘capital social de ponte’, descrito acima, “emergiu como uma variável-chave na rede, a unir indicadores de (intensidade de) uso do Facebook com indicadores de risco para distúrbios afetivos pela via da comparação social e autoestima”.

Isso implica que não é simplesmente o uso da mídia social em geral o que causa problemas psicológicos notáveis, abrangendo diminuição da atenção, depressão, estresse e ansiedade. Em vez disso, à medida que os usuários expandem suas redes sociais para aumentar o ‘capital social de ponte’, sugerem esses autores, há uma tendência maior a se avaliar negativamente em relação aos outros que são observados on-line.

Como tal, as tendências para se avaliar negativamente em relação aos outros, e não os problemas relacionados à própria atenção, parecem estar mais fortemente associados aos sintomas de depressão ou ansiedade. E, no entanto, os sintomas de depressão ou ansiedade ainda podem estar ligados indiretamente à capacidade de controlar a atenção por meio de relações bidirecionais formadas entre afeto negativo e controle sobre o foco.

Isso é notavelmente diferente de pesquisas anteriores, que sugeriam que o uso excessivo das mídias sociais pode causar problemas no controle da atenção. Por outro lado, Faelens et al. não descobriram nenhum benefício positivo relacionado ao uso do Facebook para qualquer forma de capital social.

Existem várias limitações potenciais desta pesquisa a serem consideradas.

Como os próprios pesquisadores observaram, todos os participantes tinham entre 18 e 35 anos e os dados foram baseados em uma abordagem de amostragem de conveniência – o que significa que os dados coletados provavelmente não são representativos de todos os usuários do Facebook. O gráfico produzido também foi baseado quase exclusivamente em dados de autorrelato, tornando quase impossível saber até que ponto os dados correspondem à realidade da vida cotidiana dos participantes.

Para abordar essas preocupações, os autores sugerem que estudos futuros associem medidas objetivas do uso do Facebook a indicadores fisiológicos de humor. Isso certamente faz sentido em termos de verificação de possíveis relações causais entre variáveis. E, no entanto, também o estudo destaca os dilemas éticos em jogo a qualquer momento em que são realizadas pesquisas sobre o uso da internet por indivíduos.

As plataformas de mídia social são organizadas por meio de algoritmos programados pelos cientistas de dados para maximizar a interatividade do usuário. O objetivo principal das empresas que controlam esses processos é coletar dados sobre o comportamento do usuário para otimizar a ‘experiência do usuário’. Apesar de usar (e propor) os mesmos métodos que as empresas de dados usam para aumentar o envolvimento do usuário com seus sites, Faelens et al. não abordam tópicos tão importantes como esses em seu artigo.

Ao mesmo tempo, usuários individuais também desempenham papéis críticos na reinvenção de tais plataformas quando são usados para fins coletivos, além daqueles que atendem às empresas de tecnologia. À medida que a tecnologia digital se torna cada vez mais integrada às atividades cotidianas, o controle da atenção, por sua vez, se torna mais amplamente distribuído por uma rede crescente (a Internet) de coisas. Aqui, quaisquer fronteiras entre espaços virtuais e reais estão destinadas a se tornarem ainda mais porosas do que já são.

Esse mercado crescente da atenção, juntamente com uma coleta de dados mais concertada, foi nomeado pelos ex-programadores do Google, muito apropriadamente, como a ‘economia da atenção’. Já começamos a testemunhar como os dados coletados por softwares de saúde mental podem ser usados de maneiras que cruzam fronteiras éticas sem o consentimento dos usuários. Uma questão essencial para os psicólogos nesta conjuntura, portanto, é se eles refletirão criticamente sobre as maneiras pelas quais contribuem para a economia da atenção, em vez de apenas participarem dela de forma não reflexiva.

****

Faelens, L., Van de Putte, E., Hoorelbeke, K., de Raedt, R., & Koster, E. H. W. (2019). A Network Analysis of Facebook Use and Well-being in Relation to Key Psychological Variables: Replication and Extension. https://doi.org/10.31234/osf.io/y9u4a (Link)

Pesquisa do uso de Ayahuasca para depressão mostra resultados promissores

0
Ayahuasca Inspired Painting. Flickr.

O primeiro estudo randomizado, controlado com placebo, para investigar o potencial terapêutico da droga psicodélica ayahuasca foi realizado no Brasil e recentemente publicado na Psychological Medicine. O estudo examinou os efeitos psicodélicos em pessoas que sofrem de depressão moderada a grave e que não responderam positivamente ao medicamento psicotrópico. A grande equipe de pesquisa composta principalmente por cientistas brasileiros administrou a ayahuasca, uma bebida psicodélica feita a partir de plantas da Amazônia, assim como um placebo que produziu efeitos colaterais semelhantes, conhecidos por estarem associados à ayahuasca. Os resultados indicam efeitos antidepressivos para aqueles que receberam ayahuasca em comparação com aqueles que receberam o placebo.

“A gravidade da depressão mudou significativamente, mas diferentemente, para os grupos ayahuasca e placebo. As melhorias nas escalas psiquiátricas no grupo ayahuasca foram significativamente maiores do que as do grupo placebo em todos os momentos após a administração, com o aumento do tamanho do efeito entre os grupos do dia um ao dia sete ”, escrevem eles.

Ayahuasca Inspired Painting. Flickr.

Embora as pesquisas sobre os efeitos psicológicos de cura dos psicodélicos, como a ayahuasca e a psilocibina encontradas nos cogumelos, sejam escassas devido ao seu status ilegal na maioria dos países. A pesquisa que existe sugere que os medicamentos podem ser promissores para o tratamento de sofrimento mental grave. Os autores deste estudo se baseiam em pesquisas anteriores que exploram como os psicodélicos podem afetar o cérebro e aliviar o sofrimento. Em 2015, um estudo aberto mostrou uma redução significativa na gravidade da depressão nas primeiras horas após a administração e permaneceu significativo 21 dias depois da reavaliação. Outro estudo identificou uma possível explicação para o efeito de alívio, observando “uma dose única de ayahuasca melhorou as capacidades relacionadas à atenção plena”, e que as práticas de meditação foram previamente associadas ao alívio dos sintomas depressivos.

No entanto, estudos anteriores não controlaram o efeito placebo, um fenômeno particularmente alto em estudos clínicos para depressão. Este artigo é o primeiro a explorar os efeitos antidepressivos da ayahuasca em comparação com o placebo em indivíduos com depressão de moderada à grave.

O Hospital Universitário Onofre Lopes, no Brasil, sediou o estudo. Tudo começou com uma busca por pessoas entre 18 e 60 anos que preenchiam os critérios para transtorno depressivo maior e não haviam respondido anteriormente a pelo menos dois medicamentos antidepressivos de classes diferentes. Aquelas que estavam grávidas, aquelas pessoas que tinham histórico de distúrbio neurológico, que estavam atualmente abusando de substâncias, que apresentavam risco de suicídio ou que tinham histórico ou histórico familiar de esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar ou mania / hipomania (que a ayahuasca pode agravar) foram excluídas do estudo. Dos 218 indivíduos avaliados, 29 preencheram os critérios para o julgamento. Todos os participantes eram brasileiros, 72% eram do sexo feminino, com baixo nível socioeconômico. Os participantes foram acompanhados em seu processo de diminuição da medicação antidepressiva atual e receberam benzodiazepínicos somente quando isso mostrou ser necessário.

As sessões de dosagem, que duravam aproximadamente 8 horas, foram realizadas no hospital em quartos montados para oferecer um ambiente silencioso e confortável, incluindo cama, poltrona reclinável, luz natural e ofuscada, além de opções para uma lista predefinida de reprodução de música. As pessoas eram rotineiramente examinadas por dois investigadores que estavam sempre disponíveis, caso fosse necessário.

Os participantes foram designados aleatoriamente para ayahuasca ou placebo, enquanto os pesquisadores eram cegos para a atribuição de intervenção, de acordo com os padrões de ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo. As avaliações do MADRS e HAM-D foram usadas para avaliar a gravidade da depressão na linha de base (um dia antes da administração) e em um dia, dois dias e sete dias após a administração. Veja as figuras no estudo que ilustram as pontuações dos participantes no MADRS e HAM-D, abrangendo os quatro pontos de avaliação.

Os resultados indicam evidência de um “efeito antidepressivo rápido após uma única sessão de dosagem de ayahuasca quando comparado ao placebo”.

Os autores observam uma alta taxa de placebo em seu estudo – 46% no dia 1 e 26% no dia 7. Eles levantam a hipótese de que essa alta resposta poderia estar relacionada ao ‘efeito de cuidado’ que pode ser experimentado por populações socioeconômicas baixas que vivem em áreas significativamente submetidas a estressores psicossociais. O ambiente confortável e de suporte fornecido pelo estudo pode explicar os efeitos mais altos do placebo. A maioria dos participantes se identificou com um transtorno de personalidade comórbido, outra população que pode se  apresentar com respostas mais altas ao placebo.

Os autores prosseguem o seu artigo ilustrando os efeitos dos psicodélicos no cérebro e discutindo os efeitos do tipo místico relatados pelos participantes. Pesquisas qualitativas futuras são necessárias para explorar o que acontece com indivíduos que experimentam os efeitos dos psicodélicos para reconhecer melhor quem, o que e como esses medicamentos podem ajudar.

Embora o estudo ofereça perspectivas promissoras, limitações e espaço para pesquisas futuras são dignas de nota. O estudo inclui um pequeno número de participantes com dados demográficos semelhantes, por exemplo, vivendo na cultura brasileira, com baixo status socioeconômico e experimentando depressão moderada a grave ‘resistente ao tratamento’. Essa falta de generalização impede qualquer compreensão do potencial terapêutico de outras pessoas com experiências e apresentações díspares. Além disso, o estudo avaliou até sete dias após a experiência. Pesquisas futuras que avaliam benefícios terapêuticos a longo prazo são essenciais para avaliar o impacto dos psicodélicos no tratamento da depressão.

Além disso, a ayahuasca geralmente causa náusea e vômito. Embora a purga seja descrita como necessária para o processo terapêutico, as pessoas podem não ser receptivas à experiência com efeitos colaterais desconfortáveis.

Antes da proibição dos psicodélicos na década de 1960, essas drogas estavam no estágio inicial de testes para muitas condições psiquiátricas. Atualmente, estão sendo feitos mais estudos e necessários para continuar a entender o potencial dos psicodélicos, como a cerveja amazônica ayahuasca, para aliviar o sofrimento humano.

Palhano-Fontes e colegas concluem:

“Até onde sabemos, este é o primeiro estudo randomizado controlado por placebo a investigar o potencial antidepressivo de um psicodélico em uma população de pacientes com depressão resistente ao tratamento. Em termos gerais, este estudo traz novas evidências que apoiam o valor terapêutico e de segurança dos psicodélicos, administrados em um ambiente apropriado, para ajudar a tratar a depressão. ”

****

Palhano-Fontes, F. et al. (2019). Rapid antidepressant effects of the psychedelic ayahuasca in treatment-resistant depression: a randomized placebo-controlled trial. Psychological Medicine, 49, 655-663. https://doi.org/10.1017/S0033291718001356 (Link)

Cada vez mais a pesquisa científica conecta nutrição e saúde mental

0
Creative Commons

Um novo artigo, publicado em European Neuropsychopharmacology, reúne evidências crescentes que vinculam os alimentos que ingerimos, nosso humor e a saúde mental. O artigo explora o campo emergente da psiquiatria nutricional que está cada vez mais encontrando evidências de uma forte associação entre uma dieta pobre e problemas de saúde mental, como transtornos de humor e depressão. Embora esse campo de pesquisa ainda esteja surgindo, os resultados iniciais são promissores e sugerem que a nutrição pode ser uma parte essencial de qualquer abordagem para a saúde mental preventiva.

“A composição, estrutura e função do cérebro dependem da disponibilidade de nutrientes apropriados, incluindo lipídios, aminoácidos, vitaminas e minerais. Portanto, é lógico que a ingestão e a qualidade dos alimentos tenham um impacto na função cerebral, o que torna a dieta uma variável modificável para atingir a saúde mental, o humor e o desempenho cognitivo. Além disso, hormônios intestinais endógenos, os neuropeptídeos, os neurotransmissores e a microbiota intestinal são afetados diretamente pela composição da dieta ”, escrevem os pesquisadores, liderados por Roger Adan, médico e pesquisadores do University Medical Center Utrecht, na Holanda.”

Creative Commons

Embora o vínculo entre saúde física e nutrição seja aceito há muito tempo, alguns agora estão sugerindo que abordar a nutrição pode ser uma abordagem útil para o tratamento e prevenção de desafios à saúde mental. Mesmo que a maioria das pesquisas sobre a associação ainda esteja surgindo, dados iniciais sobre a influência da nutrição na depressão apontam haver um forte vínculo. Os pesquisadores sugerem que abordar a nutrição não seja um tratamento independente das demais condições de saúde mental. Ainda assim, essas abordagens nutricionais devem ser uma parte importante de uma abordagem holística de tratamento.

O presente artigo destaca várias revisões sistemáticas e metanálises que demonstram uma probabilidade reduzida de depressão com a adesão a dietas ricas em frutas, vegetais, peixes e grãos integrais. Estudos posteriores mostraram reduções semelhantes na depressão e melhoria do bem-estar com a adesão à dieta mediterrânea, e outros vincularam dietas ricas em açúcar refinado e gorduras saturadas ao aumento da hiperatividade.

Os autores destacam o campo emergente da psiquiatria nutricional, que nasceu dessas descobertas promissoras. O campo examina dietas para específicos problemas de saúde mental, bem como para o bem-estar geral. Por exemplo, o artigo discute estudos que encontraram indivíduos com distúrbios como Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade(TDAH) e Transtorno do Espectro do Autismo(TEA), que podem se beneficiar de uma rigorosa eliminação de determinadas dietas. Tais estudos demonstraram uma redução de até um terço dos sintomas em crianças com TDAH.

O campo da psiquiatria nutricional também examina o papel dos suplementos vitamínicos e minerais e a importância do microbioma. “Estudos têm mostrado que deficiências de vários nutrientes, principalmente vitaminas, prejudicam a cognição. O vínculo é mais forte com a vitamina B12 (sua deficiência causa fadiga, letargia, depressão, falta de memória e está associada a mania e psicose), tiamina (vitamina B1; sua deficiência causa beribéri com dormência como sintoma do SNC e encefalopatia de Wernicke), ácido fólico ( vitamina B9; sua deficiência tem efeitos prejudiciais no neurodesenvolvimento no útero e na infância; e os déficits estão associados a um maior risco de depressão durante a vida adulta) e niacina (vitamina B3; sua deficiência causa pelagra com demência como resultado). ”

Enquanto o campo continua buscando a entender o papel da nutrição na saúde mental, são necessárias mais pesquisas para compreender todo o efeito. “Os dados epidemiológicos atuais sobre nutrição e saúde mental não fornecem informações sobre causalidade ou mecanismos subjacentes … No entanto, vários estudos relataram fortes correlações entre uma dieta saudável e bem-estar mental, o que pode ajudar a informar futuras recomendações sobre dieta”, escreve Adan e a equipe.

O objetivo do presente artigo é destacar descobertas promissoras e incentivar mais pesquisas para continuar a entender os benefícios que a nutrição pode ter na saúde mental. “Associações claras entre dieta e saúde cognitiva e mental na idade adulta foram estabelecidas, mas, atualmente, nos falta uma compreensão detalhada dos mecanismos metabólicos e celulares que sustentam essas associações”.

Este artigo, além de abordar pesquisas em andamento sobre os efeitos da nutrição na saúde mental, chama a atenção para o potencial de cuidados preventivos de saúde mental em termos propriamente políticos. Os autores também fornecem uma ferramenta que pode ser usada para capacitar as pessoas a saberem mais sobre as conexões entre sua saúde mental e o que elas consomem. Os autores concluem:

“A compreensão aprimorada dos mecanismos de como a nutrição afeta a saúde mental e a cognição guiará o desenvolvimento de novas intervenções nutricionais e conselhos baseados em evidências que promoverão e manterão a aptidão cerebral ao longo da vida. A promoção de hábitos alimentares que levam a uma melhor saúde mental e a identificação e validação de componentes nutricionais individuais críticos melhorarão a sustentabilidade em nossos sistemas de saúde e reduzirão os custos econômicos associados à má saúde mental e ao declínio cognitivo. ”

****

Adan, R. A., van der Beek, E. M., Buitelaar, J. K., Cryan, J. F., Hebebrand, J., Higgs, S., … & Dickson, S. L. (2019). Nutritional psychiatry: Towards improving mental health by what you eat. European Neuropsychopharmacology.

‘Tiras de medicamentos’ na redução gradual de drogas psiquiátricas: o relato de Peter Groot

0

Publicado na FrontPage do Centro de Estudos Estratégicos (CEE-FIOCRUZ), a entrevista que Peter Groot deu aos colegas do CEE.  É a respeito das ‘tiras de retirada’, tema que ele trouxe ao 3 Seminário Internacional a Epidemia das Drogas Psiquiátricas, ocorrido na última semana de outubro, um evento que foi promovido pelo LAPS/ENSP/FIOCRUZ.

“A depressão é um tabu. Falar sobre isso me fez perceber que algumas pessoas têm problemas com antidepressivos, principalmente quando querem parar. Levei alguns anos para saber o que causava isso. Se me sentia péssimo, mal, pensava que talvez minha depressão estivesse voltando, mas isso nada tem a ver com depressão. Estava sofrendo com os sintomas da própria droga, um efeito causado por não tomar a medicação”, diz Peter Groot.

Confira a matéria completa, clicando aqui.

Noticias

Blogues