O trabalho em horário noturno e seus efeitos na saúde do trabalhador

0

O trabalho é uma condição básica da sociedade. No que se refere ao trabalho realizado no horário noturno, este tem se desenvolvido desde a Revolução Industrial e fez parte do processo de urbanização. Na atualidade, as relações de produção acontecem no contexto da sociedade de 24 horas com o oferecimento de serviços em horários diferentes do horário comercial (Moreno, Fischer & Rotenberg, 2003) e necessita dos serviços de muitos trabalhadores, que por sua vez estão vulneráveis aos fatores psicossociais constituintes do processo de adoecimento. Para a Legislação Brasileira, o trabalho noturno é aquele que acontece no horário das 22 horas de um dado dia até às 05 horas do dia subsequente (Lei número 5.452/1943: Consolidação das Leis do Trabalho, Capítulo II – “Da duração no Trabalho”, Seção IV, Artigo 73, § 2º; BRASIL, 1943).

 

A fim de compreender os processos de trabalho em uma perspectiva psicossociológica é fundamental mencionar o quanto a vida de um trabalhador – em relação à saúde física, à saúde psíquica e também às relações interpessoais – pode ser afetada pelo exercício no horário noturno. De acordo com Izu, Cortez, Valente e Silvino (2011) no âmbito biológico os seres humanos possuem funções orgânicas regidas relógio biológico com seu modo de funcionar controlado pelo ritmo circadiano e sincronizado com os fatores ambientais e os fatores sociais. O ritmo circadiano se repete a cada vinte e quatro horas, rege o ciclo sono-vigília e está relacionado à duração do período de luz (Gomes, Quinhones & Engelbardt, 2010), sua desestruturação pode ter efeitos nos horários de alimentação, sono e lazer; pode ocasionar prejuízos orgânicos e psíquicos, impactos nas relações interpessoais em decorrência da dificuldade ou impossibilidade da interação social (Simões, Marques & Rocha, 2010). Portanto, os trabalhadores do horário noturno têm um desgaste psicofisiológico maior do que aqueles que trabalham durante o dia, pois trabalham no momento em que as funções orgânicas encontram-se diminuídas.

A partir destas considerações, foi realizada uma pesquisa que objetivou conhecer os efeitos do trabalho no horário noturno na saúde dos trabalhadores de diferentes ramos de atuação – Hotelaria, Saúde, Segurança e Serviços Gerais. Foi elaborado um roteiro de entrevista semiestruturada que abordava questões referentes à escolha profissional, à conciliação do horário de trabalho e relações familiares, às mudanças ocasionadas em função da atuação no horário noturno, à possibilidade de realização das atividades de lazer, aos aspectos positivos e negativos em trabalhar no horário noturno. Participaram 19 Auxiliares de Serviços Gerais – ASG (Nascimento, Belo, Pereira Neta, Sales & Sales, 2017), 25 profissionais da área da Saúde (Costa, Belo, Sales, Sales & Rodrigues, 2018), 19 profissionais do ramo Hoteleiro (Pereira Neta & Belo, 2017) e 20 profissionais da área de Segurança (França & Belo, 2017). Para a análise dos discursos elaborados foi realizada Análise de Conteúdo (Bardin, 2011) e posteriormente utilizado o software IRAMUTEQ – Interface de R pour analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionneires, versão 0.7 (Camargo & Justo, 2013).

De forma geral os dados indicaram vivências de fragilidade na saúde em decorrência das perdas ocasionadas pelo horário de trabalho. Em relação aos ASG`s (Nascimento, Belo, Pereira Neta, Sales & Sales, 2017), trabalhar no horário noturno demonstrou ocasionar alterações e privação no sono; presença de cansaço e estresse – “A gente que trabalha à noite exige muita energia, a nutricionista me falou que à noite o corpo pede descanso e como não dá, o corpo sofre as consequências”; inversão dos padrões de sono-vigília – “A gente fica mais cansada e estressada, o sono que se perde é o melhor”. Outro aspecto mencionado diz respeito às relações sociais afetadas – “Minha família reclama porque quando estou em casa estou deitada, nunca quero sair”, a respeito disto, Spector (2006) comenta que os prejuízos sociais relacionados à jornada noturna faz com que muitos destes trabalhadores adotem a estratégia de sono diurno, o que tem reflexo no âmbito da vida social à medida que provoca o isolamento do trabalhador com a família e com o círculo de amigos. Os ASG`s que participaram da pesquisa, em sua maioria, prestavam serviços em hospitais do setor público em regime de plantão por 24 horas, desta maneira muitos destacaram os riscos dos acidentes envolvendo materiais perfuro cortantes, o que ocasiona tensão no grupo.

No caso dos profissionais da área de Saúde (Costa, Belo, Sales, Sales & Rodrigues, 2018), também foram comentadas vivências referente à alteração do ciclo circadiano em relação ao sono e o quanto isto contribui para o cansaço mental – “A falta da qualidade do sono compromete os meus três dias seguintes porque é tenso, o ambiente não favorece”; além disto, em relação à qualidade do sono, a maioria dos respondentes disse ter dificuldades para dormir ou acordam várias vezes durante a noite, o sono, por isto, não é relaxante, não alcança a fase Rapid Eye Moviments– REM. Somado a isto, a maioria dos entrevistados mantêm mais de um vínculo empregatício, fator que compromete a recuperação das horas de sono não dormidas nas noites de trabalho – “Noite é feita para você dormir e é um sono que você não recupera e às vezes eu amanheço com dor de cabeça porque eu tenho que ir para outro local de trabalho. Tudo isto dificulta a possibilidade também de ficar mais tempo em casa para descansar e aproveitar o convívio com a família – “Eu estou pagando ultimamente para justamente ficar em casa, aí às vezes eu tenho que trocar para ficar mais tempo em casa porque eu acho melhor”. Por meio das respostas foi comentado que, trabalhar à noite, na maioria dos casos, não foi uma escolha, mas uma imposição da organização ao elaborar a escala de trabalho – “Se eu pudesse escolher eu não dava plantão noturno não, dorme mal, tem o problema de no outro dia você estar cansado”. Os entrevistados julgam como consequência do trabalho em horário noturno os sintomas de labirintite, o aumento do peso, o estresse, a fraqueza no corpo e as dores na coluna; também foi informado o uso de analgésico e relaxante muscular.

Em relação aos profissionais do setor Hoteleiro (Pereira Neta & Belo, 2017), estes optaram pelo trabalho em horário noturno devido à menor demanda de atividades, o que faz com que o horário noturno seja mais tranquilo quando comparado ao turno diurno – “Antes de vir para cá eu trabalhava em outro hotel, então eu escolhi à noite porque é mais tranquilo”. No que concerne aos efeitos do trabalho noturno na saúde dos trabalhadores, foi mencionado o impacto do trabalho noturno nas esferas biológica, psicológica e social, em função da dificuldade em conciliar o trabalho com as relações sociais, da dificuldade do contato com os amigos e ainda a existência do constante cansaço físico e mental – “Passei a sentir muito mais sono, muito estresse, devido ao cansaço passei a me irritar por qualquer coisa”; “O mais negativo é perda de sono, e em alguns casos, perda de concentração”. Foi também comentada a mudança na rotina, agravada por um fator inerente ao setor hoteleiro: a alta estação, que em função do aumento da demanda de trabalho tem reflexo não apenas no sono, mas também nos horários da alimentação – “Em altas temporadas é muito corrido e acontece às vezes de chegar em casa me sentar e dormi no sofá e perder a hora de me alimentar”. Ademais, os trabalhadores do setor hoteleiro se submetem às longas e intensas jornadas de trabalho, visto que este setor oferece serviços ininterruptos que se estendem aos fins de semanas e feriados – “A gente não aproveita os feriados, nem fim de semana, carnaval, porque são os hotéis que hospedam os turistas, aqui é sempre lotado, aqui é igual a um hospital, não fecha nunca. Com esse trabalho me sinto apenas máquina, porque não tenho vida social, se eu for atrás do meu cansaço e só dormir, aí mesmo é que me isolo”. Como estratégia para enfrentar tal situação, muitos dos respondentes usam as redes sociais para manter o contato com os amigos e familiares – “Só nas folgas que são três dias seguidos no mês, aí dá para eu ver a família e os amigos. Eu uso internet, telefone, WhatsApp. Passei a perder os aniversários, me afastou dos amigos. Outra dificuldade enfrentada por parte dos trabalhadores noturnos do setor hoteleiro se refere aos problemas em relação ao lazer, os entrevistados declararam que no tempo livre preferem ficar em casa – “Lazer nem tenho, é raro”.

No contexto de trabalho dos profissionais de Segurança (França & Belo, 2017), algumas das falas a respeito das atividades extras trabalho demonstram que os momentos de folga são organizados em função de atividades esportivas e contato com familiares e amigos – “Apenas faço atividade física, encontro os amigos de forma esporádica”; “Futebol, academia, na hora que eu chego eu levo logo minha filha para a escola, aí durmo e acordo para buscar”; deste modo as atividades físicas, são consideradas lazer, entretanto, a maioria desta prática acontece em função do trabalho, o que sugere que os horários de folga acabam sendo uma extensão do trabalho. Especificamente, neste grupo de entrevistados existe uma constante preocupação, mesmo nos momentos em que se está fora do trabalho – “Você não pode levar o trabalho para dentro de casa, mas quando a roda de amigos é do trabalho, o assunto é ocorrência”. Neste grupo foi mencionado como aspecto positivo o ganho salarial por conta dos adicionais noturnos e de periculosidade e/ou insalubridade, obtidos em função do serviço prestado durante a noite. Por outro lado, foi também mencionado ser necessário ficar acordado todo o tempo, o que é entendido como algo ruim – “O estresse é maior à noite, é mais fácil pela manhã. Questão da visibilidade, a criminalidade prefere agir mais à noite, é mais complicado”; a alteração na saúde – “Primeiro pela questão do sono, problemas no estômago que eu tinha antes que piorou porque tomo muito café, refrigerante e salgados, é o que a gente encontra à noite pra comer. Agora tenho problemas de concentração, porque o trabalho te deixa alerta e pela perda de sono não consigo mais me concentrar facilmente, então qualquer barulho distrai”; o constante estado de alerta, mesmo quando está de folga – “Quando a gente está fora do serviço continua alerta. Qualquer coisa a gente está em alerta”.

Diante dos resultados, que em função da categoria laboral apresentaram algumas especificidades, foi possível concluir que o trabalho realizado no horário noturno repercute na saúde dos trabalhadores. As queixas circundaram fazendo referência tanto à dimensão física quanto psíquica, sendo citado o estresse, a desregulação do ciclo do sono-vigília, os impactos gerados nos relacionamentos sociais e a falta de energia para aproveitar as folgas em momentos de lazer: foi possível perceber uma visão negativa do trabalho no horário noturno em decorrência da inversão dos padrões de sono-vigília, o que ocasiona o cansaço físico e mental. Além disto, os discursos elaborados por parte dos trabalhadores demonstram que o trabalho figura, para a maioria dos profissionais, como fundamental, como algo pelo qual têm paixão e dedicam-se com afinco, ficando clara a centralidade ocupada pelo trabalho na dinâmica de suas vidas (França & Belo, 2017). Sabe-se que o trabalho, em função das condições de trabalho existentes, pode ser gerador de sofrimentos e de adoecimentos, mas pode também ser espaço de satisfação. Neste aspecto, é fundamental ação da Psicologia nos contextos organizacionais, pois tem muito a contribuir no planejamento e desenvolvimento de intervenções voltadas à prevenção de fatores de risco à saúde psíquica dos trabalhadores.

Referências

Bardin, L. (2011). Análise de Conteúdo. São Paulo: Edições 70

Brasil. Presidência da República. Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943. Brasília, 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm.

Camargo, B. V., Justo, A. M. (2013). IRAMUTEQ: Um Software Gratuito para Análise de Dados Textuais. Temas em Psicologia, 21 (02), 513-518.

Costa, W. R.; Belo,R. P.; Sales, M. S.; Sales, I. C.; Rodrigues, P. N. V. (2018). Trabalho noturno: seus efeitos na saúde dos trabalhadores da área de saúde. Perspectivas online: humanas e sociais aplicadas, 08, 37-50.

França, R. S. de e Belo, R. P. (2017).Trabalho noturno: seus efeitos na saúde dos trabalhadores da área de Segurança na cidade de Parnaíba-PI. Relatório Final do Programa Iniciação Científica Voluntária – ICV, Universidade Federal do Piauí.

Gomes, M. M.; Quinhones, M. S. e Engelhardt, E. (2010). Neurofisiologia do sono e aspectos farmacoterapêuticos dos seus transtornos. Revista Brasileira de Neurologia, 46 (01).

Izu, M.; Cortez, E. A.; Valente, G. C. e Silvino, Z. R. (2011). Trabalho noturno como fator de risco na carcinogênese. Ciencia y Enfermería, 17 (03), 83-95.

Moreno, C. R.; Fischer, F. M. e Rotenberg, L. (2003). A saúde do trabalhador na sociedade 24 horas. São Paulo em Perspectiva, 17 (01), 34-46.

Nascimento, F. H. M.; Belo, R. P.; Pereira Neta, A. S.; Sales, M. S. e Sales, I. C. (2017). Trabalho Noturno: Seus efeitos na saúde dos trabalhadores de Serviços Gerais. Rede de Estudos do Trabalho – RET, 21, 1-25.

Pereira Neta, A. S. e Belo, R. P. (2017). Trabalho Noturno: seus efeitos na saúde dos trabalhadores do ramo Hoteleiro na cidade de Parnaíba-PI. Relatório Final do Programa Iniciação Científica Voluntária – ICV, Universidade Federal do Piauí.

Simões, M. R. L.; Marques, F. C. e Rocha, A. M. (2010). O trabalho em turnos alternados e seus efeitos no cotidiano do trabalhador no beneficiamento de grãos. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 18 (6), 01-07.

Spector, P. (2006). Psicologia nas organizações. São Paulo: Editora Saraiva.

O uso de antidepressivos não impede o suicídio, constata estudo

0
Photo Credit: Flickr

Um novo estudo descobriu que os antidepressivos são ineficazes para reduzir as tentativas de suicídio. Os pesquisadores descobriram que cerca de 20% dos participantes tentaram o suicídio após serem hospitalizados por depressão, tomando ou não antidepressivos.

Os pesquisadores descobriram um grande aumento no número de suicídios logo após o início do uso de antidepressivos: até 4 vezes maior no mês imediatamente após tomar o antidepressivo pela primeira vez do que nos meses seguintes.

No entanto, como também houve um aumento pouco antes de tomar um antidepressivo, os pesquisadores argumentam que esse aumento de suicídios se deve mais à “gravidade da doença” do que ao uso de antidepressivos. Os pesquisadores concluem que os antidepressivos nãoreduzemo suicídio.

Merete Osler liderou o estudo nos hospitais Bispebjerg e Frederiksberg, na Dinamarca. Foi publicado na Acta Psychiatrica Scandinavica.

Photo Credit: Flickr

Esta pesquisa vem logo após um estudo recente que descobriu que aqueles que tomavam antidepressivos eram 2,5 vezes mais propensos a tentar suicídio do que aqueles que tomavam um placebo, mesmo depois de controlar a gravidade da doença.

Estudos constataram consistentemente haver aumento das taxas de suicídio daqueles que tomam antidepressivos. Isso é especialmente preocupante quando os dados envolvem crianças e adolescentes. Os pesquisadores também descobriram dados ausentes sobre efeitos adversos, incluindo tentativas de suicídio, em estudos feitos pela indústria farmacêutica, o que mostra ser muito menos seguros do que é dito ao público.

Segundo Osler e os outros pesquisadores, tentativas de suicídio e comportamentos violentos estavamrelacionados ao uso de medicamentos psicotrópicos, entre outros fatores.

“O comportamento suicida e o crime violento foram mais frequentes entre os menos instruídos, aqueles com comorbidade psiquiátrica ou medicação psicotrópica”, eles escrevem.

O estudo, realizado na Dinamarca, usou registros nacionais dinamarqueses para identificar os participantes. Incluiu 95.794 dinamarqueses que foram tratados em um hospital pelo primeiro episódio de um ‘distúrbio afetivo’, como a depressão. Os registros dinamarqueses também identificaram todos aqueles a quem foram prescritos antidepressivos.

Os pesquisadores descobriram que as tentativas de suicídio eram mais prováveis no mês anterior e no mês seguinte ao uso de antidepressivo. Eles usam esses dados para argumentar contra a noção de que os antidepressivos aumentam a tendência ao suicídio. Em vez disso, é provável que os antidepressivos não ajudem a prevenir a suicídio.

No entanto, os pesquisadores observam que não havia dados sobre se as pessoas receberam antidepressivos enquanto estavam no hospital por depressão. Pode ser provável que aqueles que recebem tratamento no hospital recebam antidepressivos, pois normalmente são o tratamento de primeira linha para depressão grave – o suficiente para exigir hospitalização.

Se eles receberam antidepressivos enquanto estavam no hospital, e tentaram o suicídio, e receberam a prescrição de um antidepressivo, os pesquisadores considerariam que eles tentaram o suicídio antesde tomar o antidepressivo – mesmo depois de começarem a tomar o medicamento.

Por esse motivo, a descoberta de que tentativas de suicídio também eram mais prováveis imediatamente antesda primeira prescrição de um antidepressivo pode ser causada pelo recebimento de antidepressivos no hospital.

No entanto, os pesquisadores concluíram que “a incidência semelhante de tentativas de suicídio e violência antes e depois do início dos antidepressivos argumenta contra uma relação causal entre o comportamento suicida e agressivo e o início dos antidepressivos”.

****

Osler, M., Wium‐Andersen, M. K., Wium‐Andersen, I. K., Gronemann, F. H., Jørgensen, M. B., Rozing, M. P. (2019).Incidence of suicidal behavior and violent crime following antidepressant medication. A Danish cohort study. Acta Psychiatrica Scandinavica. DOI:10.1111/acps.13097 (Link)

Reunião em Gotemburgo debate Retirada de Drogas Psiquiátricas

0

Publicado em Mad in UK: A retirada das drogas psiquiátricas é uma questão que está rapidamente ganhando atenção em muitas partes do mundo, mas os círculos médicos profissionais com frequência podem estar afastados da discussão. O Instituto Internacional para Abstinência de Medicamentos Psiquiátricos (IIPDW) foi criado em 2017 para responder à necessidade de ampliar o debate e desenvolver maneiras de ajudar as pessoas a se retirarem com segurança de medicamentos psiquiátricos.

Para ajudar a progredir nesse objetivo, o IPPDW está organizando uma reunião da rede entre 27 e 29 de setembro de 2019, a ser realizada em Gotemburgo, na Suécia. O encontro tem como objetivo compartilhar o melhor conhecimento, experiência e expertise disponíveis, e os participantes são de diversas origens; apoio de pares, psiquiatria clínica e psicologia e até empreendedores de tecnologia.

Um aspecto importante da reunião da rede será examinar as evidências recentes e compartilhar as habilidades adquiridas ao apoiar as pessoas que desejam interromper seus medicamentos psiquiátricos. Serão incluídas discussões sobre estudos científicos que sustentam a necessidade de retirada gradual e exemplos de iniciativas vitais de apoio de pares.

Mais de 40 participantes representarão muitas partes do mundo e, juntos, incorporarão muitos anos de exame e resposta às questões levantadas pela nossa crescente dependência aos medicamentos psiquiátricos.

Ao reunir esse conhecimento, o IIPDW visa promover práticas que ajudem famílias, amigos e profissionais a apoiar a redução e a retirada de medicamentos psiquiátricos em formas seguras e eficazes. O IIPDW acredita que a escolha informada e consentida em relação aos medicamentos psiquiátricos é um direito humano frequentemente ignorado.

Nesta reunião da rede, esperamos poder contribuir significativamente na discussão sobre abstinência de medicamentos psiquiátricos e ter certeza de que as vozes de profissionais e de experiências de vida com as drogas psiquiátricas desempenharão seu papel.

Entre os participantes estão:

Auður Axelsdóttir – Occupational Therapist from Reykjavík, Iceland and director of Hugarafl (e. Mindpower)

Mette Ellingsdalen – Human Rights activist, prior Chair of We Shall Overcome (WSO) Norway

Adele Framer – Under the pseudonym Altostrata, in 2011 founded Web site survivingantidepressants.org providing peer support for tapering off psychiatric drugs and PAWS

Fernando Freitas – Professor and Researcher at the National School of Public Health (ENSP/FIOCRUZ/RIO DE JANEIRO)

Peter Gøtzsche – IIPDW Board member, Director – Institute for Scientific Freedom

Peter Groot – Researcher and experiential expert connected with the User Research Center of Maastricht/Utrecht UMC

Carina Håkansson – IIPDW co-founder and Board member, founder of The Extended Therapy Room Foundation, PhD and psychotherapist

Shimon Katz – Clinical social worker (PhD) founder of the Israeli initiative for coming off medication

Marcello Macario – Psychiatrist, Chair of the Italian Hearing Voices Network

Fanny Marell – Social worker, licenced psychotherapist, teacher and supervisor in psychotherapy

Lasse Mattila – Social worker, publisher of Mad in Sweden and chairman of Föreningen Alternativ till Psykofarmaka (The Association of Alternatives to Psychotropics)

Anders Sørensen – PhD researcher at the Nordic Cochrane Centre

Sandra Steingard – Chief Medical Officer of Howard Center, Vermont, USA

Sami Timimi – Consultant child and adolescent psychiatrist and director of medical education

Birgit Valla – Clinical psychologist, Director of mental health service, lecturer, writer

Scott Waterman – Professor of Psychiatry Emeritus at the University of Vermont College of Medicine

Robert Whitaker – Journalist, co-founder of IIPDW, founder of Mad in America

Kleonike Yannakopoulou – Clinical Psychologist, Founder and Manager of ANIMA nonprofit NGO for mental health and psychosocial support

Andrea Zwicknagl – Expert by experience and working as peer specialist with Open Dialogue. Founder of the trialoge on the withdrawal of neuroleptics in Switzerland

O Uso de Antidepressivos Associado com Suicídio mais Violento

0
Photo Credit: Flickr

Um novo estudo descobriu que tomar um medicamento antidepressivo estava associado a um risco aumentado de suicídio usando meios violentos. A pesquisa foi liderada por Jonas Forsman, no Departamento de Neurociência Clínica do Instituto Karolinska da Suécia. Foi publicado no European Journal of Clinical Pharmacology.

Segundo os pesquisadores, “o tratamento com ISRSs não superior a 28 dias conferiu um risco quase quatro vezes maior de suicídio violento”. Isso indica que o maior risco ocorre dentro de um mês após o início de um antidepressivo inibidor seletivo da recaptação de serotonina (ISRS).

Photo Credit: Flickr

Neste estudo, os pesquisadores compararam a morte por suicídio ‘violento’ (por exemplo, enforcamento, arma) a suicídio ‘não violento’ (por exemplo, envenenamento, overdose). Seus resultados indicaram que o uso de ISRS estava associado a uma maior probabilidade de usar meios violentos para acabar com a própria vida. Essa comparação é importante porque o uso de meios violentos tem muito mais probabilidade de resultar em suicídio completo.

Estudos têm consistentemente constatado o aumento das taxas de suicídio associadas ao uso de antidepressivos, especialmente em crianças e adolescentes. Um argumento comum é que o aumento nas taxas de suicídio logo após o início dos antidepressivos pode ser devido à gravidade subjacente da depressão. No entanto, outros estudos recentes controlaram a gravidade dos sintomas e ainda descobriram que aqueles que tomavam antidepressivos tinham até 2,5 vezes mais chances de tentar suicídio do que aqueles que tomavam placebo.

O estudo atual analisou apenas pessoas que haviam morrido por suicídio, portanto elas não podiam dizer se o uso de ISRS poderia causar ou proteger contra a suicídio em geral. O estudo analisou os meios de suicídio violentos versus não violentos, o que pode indicar quem tem mais chances de morrer de suicídio ou quem pode sobreviver a ele.

O estudo analisou relatórios de autópsia forense na Suécia entre 2005 e 2012. Os pesquisadores compararam aqueles que morreram por suicídio violento com aqueles que morreram por suicídio não violento (por exemplo, overdose). Os relatórios forenses incluíam dados sobre se a pessoa tinha níveis de ISRS no corpo no momento da morte. Esses dados foram então vinculados ao Registro Nacional de Prescrição Sueco para determinar quanto tempo a pessoa tomava o antidepressivo. Como os registros suecos são muito completos, os pesquisadores foram capazes de incluir em seu estudo quase todas as pessoas no país que morreram de suicídio durante esse período.

Os pesquisadores também foram capazes de controlar a presença de outras substâncias (outros medicamentos e drogas ilegais) no momento da morte. Seus resultados demonstraram que o uso dessas substâncias estava associado ao uso de ISRSs e a mortes por suicídio não violento.

Os pesquisadores concluem que, se não tivessem controlado essas outras substâncias, sua presença poderia ocultaro grande efeito do uso de ISRS, fazendo parecer que os ISRSs eram protetores contra a morte por suicídio violento.

Os pesquisadores escrevem que o uso do ISRS pode levar ao aumento da impulsividade e agressividade, o que pode resultar na escolha de meios mais violentos (e, portanto, em uma maior probabilidade de suicídio completo). No entanto, o uso de outras substâncias (como os opiáceos) pode levar à reduçãode impulsividade e agressividade e à escolha de meios não violentos, como overdose em vez de meios violentos. O uso dessas substâncias pode às vezes anular o aumento do risco de uso de meios violentos pelo uso do ISRS.

De acodo com os autores:

“ Com base em nossas descobertas, não se pode excluir que os ISRSs, especialmente entre os usuários que tentam suicídio nos primeiros meses de tratamento, possam aumentar o risco de escolher um método violento, resultando em um risco maior de resultado fatal do que a escolha de um método não-violento. ”

 Os pesquisadores escrevem que existem ‘algumas’implicações clínicas no estudo. Embora tenham encontrado um aumento de quatro vezes na morte por suicídio violento, os pesquisadores concluem que, no geral, “os riscos do tratamento insuficiente superam os riscos da terapia”.

****

Forsman, J., Masterman, T., Ahlner, J., Isacsson, G., & Hedström, A. K. (2019). Selective serotonin re-uptake inhibitors and the risk of violent suicide: a nationwide postmortem study. European Journal of Clinical Pharmacology, 75, 393–400. https://doi.org/10.1007/s00228-018-2586-2 (Link)

Psiquiatra Descreve seu Papel no Modelo de Atendimento do Diálogo Aberto

0

Em um novo artigo, o psiquiatra finlandês Kari Valtanen, do Distrito Hospitalar da Lapônia Ocidental e da Universidade de Jyväskylä, discutiu seu papel como psiquiatra em uma abordagem de Diálogo Aberto. Valtanen possui extenso treinamento em Diálogo Aberto e trabalha no Distrito de Assistência Médica da Lapônia Ocidental, onde está imerso em todo um sistema psiquiátrico baseado nos princípios e aplicações do Diálogo Aberto. No artigo, ele descreve como o psiquiatra está posicionado dentro dos sete princípios do Open Dialogue e explica por que esse posicionamento é vital ao trabalhar com clientes e famílias que sofrem estresse ou crises na saúde mental.

“Os psiquiatras devem estar cientes de seu papel como parte de uma equipe e evitar estabelecer uma posição hierárquica que possa silenciar a cultura dialógica e polifônica da equipe”, escreve Valtanen. “Para trabalhar dialogicamente e compartilhar a responsabilidade sobre os processos de tratamento, uma cultura democrática no local de trabalho é um pré-requisito. O psiquiatra tem um papel fundamental para estabelecer e nutrir esse ambiente democrático. ”

Kari Valtanen, Child and Adolescent Psychiatric Services, Western Lapland Hospital District, Finland; University of Jyväskylä, Jyväskylä, Finland

A abordagem do Diálogo Aberto é um modelo de intervenção precoce orientado para a família, desenvolvido na década de 1980 na Lapônia Ocidental da Finlândia. Ela se diferencia de outros métodos na maneira como “considera o cliente e sua família como participantes ativos, e não como objetos de tratamento em seu planejamento e implementação, com foco psicoterapêutico”. O processo envolve uma equipe para trabalho de cada caso específico em que cada membro é orientada para a prática dialógica.

Valtanen escreve que o diálogo promove “novas palavras, entendimentos e oportunidades” e cria espaço para “ouvir as diferentes vozes de todos e responder a elas e aprender contextos únicos para as manifestações de cada cliente”.

No Diálogo Aberto, Valtanen explica, “que apoiar o indivíduo e a agência da família desde o início do trabalho é priorizado acima da avaliação profissional da situação ou do diagnóstico do indivíduo.” Quando os profissionais são rápidos demais para tirar conclusões ou interpretações de uma situação ou decisões do cliente, pode levar a uma redução no envolvimento com o cliente, a família e a rede. ”

Os sete princípios que orientam a abordagem do Diálogo Aberto, derivados de programas de pesquisa e treinamento em psicoterapia, incluem atendimento imediato, orientação para a família e a sua redesocial, responsabilidade, flexibilidade e mobilidade, continuidade psicológica, tolerância à incerteza e diálogo. Abaixo, o autor oferece suas observações sobre a relação entre esses valores e o papel do psiquiatra como membro da equipe.

  1. Não deve haver necessidade de encaminhamento de um psiquiatra para que haja acesso ao tratamento psiquiátrico, embora o psiquiatra não esteja frequentemente disponível para a consulta inicial devido ao pequeno número de psiquiatras. O atendimento imediato é garantido em crises graves. Quer dizer, os outros membros da equipe podem ouvir e responder às preocupações da família e às diferentes perspectivas.
  2. Os psiquiatras devem receber treinamento adicional no trabalho com famílias e redes, em oposição à formação típica, permitindo que eles colaborem com a equipe e contribuam para conversas dialógicas. A assistência estar orientada para a família e para a sua rede social é considerado como sendo um “recurso essencial para entender e apoiar indivíduos em crises”.
  3. A responsabilidadeestá na capacidade da equipe de “levar em consideração várias questões importantes durante o processo …” A disponibilidade do psiquiatra para consultas é apoiar a colaboração e gerar um senso de segurança.
  4. Flexibilidadeé um recurso crítico em uma abordagem-adaptada-às necessidades do tratamento. Os psiquiatras deste modelo participam de visitas domiciliares e se esforçam para fazer reuniões de equipe.
  5. A continuidade envolve cuidar da relação terapêutica entre família e equipe. Embora o psiquiatra não tenha tempo para trabalhar tão próximo quanto os outros membros da equipe em relação a essa parte do processo de tratamento, seu papel pode ser o de respeitar o processo da equipe e trabalhar para não atrapalhá-lo.
  6. “Para restaurar a agência do indivíduo e da rede, é importante que um psiquiatra, juntamente com os outros membros da equipe, não se apresse em encontrar soluções de tratamento ou entender os outros com muita prontidão.” É encorajada a tolerância à incerteza para ajudar os psiquiatras e outros membros da equipe para que diminuam a velocidade para obter as soluções e assim arriscarem a negligenciar o conhecimento do cliente para aliviar a sua situação.
  7. O principal objetivo do Diálogo Aberto é criar dialogismo ou diálogo entre todos os membros da equipe envolvidos no tratamento. Os psiquiatras podem contribuir para ouvir todas as perspectivas e oferecer seu próprio entendimento.

Devido à posição de poder dos psiquiatras como profissionais médicos, Valtanen sugere um senso de consciência da sua influência potencial ao avaliar indivíduos com esses diferenciais de poder. “Poder substancial é usado quando as experiências de vida das pessoas são interpretadas e definidas por profissionais”, explica ele. Em vez disso, os profissionais podem se comprometer com a colaboração e o compartilhamento de entendimentos diferenciados, ou ‘vozes’, abertos para revisão contínua de suas percepções, opiniões, decisões.

“O que é crucial no tratamento é manter no centro os clientes e familiares e seu senso de agência. A agência ou as definições dos profissionais, incluindo o psiquiatra, não são tão essenciais. ”

Por fim, Valtanen ressalta a esperança de que as preocupações do cliente e da família sejam priorizadas.

“As experiências de vida, contextos sociais, questões de saúde, e assim por diante de cada ser humano, são únicas, multidimensionais e complexas. É importante que as pessoas sejam ouvidas em suas situações únicas de vida e que os médicos não tentem entender muito rapidamente. A compreensão gradual e contínua avança o processo de tratamento-adaptado-às necessidades, adaptada especificamente às necessidades do cliente e sua rede, e não ao diagnóstico. ”

****

Valtanen, K. (2019). The psychiatrist’s role in implementing open dialogue model of care. Australian and New Zealand Journal of Family Therapy. DOI: 10.1002/anzf.1382 (Link)

 

Entrevista com o Dr. Edmar Oliveira

0

Em: MEMÓRIAS DA SAÚDE MENTAL. PROGRAMA DE VOLTA PARA CASA. Núcleo da Saúde Mental Álcool e Drogas, da FIOCRUZ/Brasília, em parceria com a UNIFESP, UNB, UNIVERSIDADE FEDERAL DO SUL DA BAÍA, UFRJ e INSTITUTO PINEL.

O entrevistado é o Dr. Edmar Oliveira, um dos ícones da reforma psiquiátrica brasileira.

O Dr. Edmar conta a sua trajetória, desde o interior do Piauí onde nasceu, até ir para o atual Hospital Nise da Silveira (RJ), nos anos 80. Ele conta o por quê da sua preferência clínica pelo tratamento dos ‘psicóticos’, bem com as suas diversas experiências enquanto gestor de serviços de assistência psiquiátrica que foram da maior importância no processo de reforma psiquiátrica em nosso país. É exemplar o seu compromisso de vida com a clínica, mesmo sendo gestor.

A respeito das residências para os pacientes egressos dos manicômio, merece destaque para o que ele diz ser uma “clínica do morar”:

“Ou bem essa coisa [moradia] é terapêutica ou é residência. Não pode é haver essa ambiguidade (…) O que eu quero fazer é uma ‘clínica do morar’ não uma ‘clínica do CAPS’. A ‘clínica do CAPS’ é a clínica do transtorno. Enquanto que o que eu estou fazendo é uma ‘clínica do morar’.  Essa ‘clínica’ é diferente. Porque a ‘clínica do morar’ não é da Psiquiatria, é a clínica da sociabilidade, é de um outro campo.”

A entrevista de Edmar de Oliveira é eloquente das diferenças entre uma reforma psiquiátrica baseada no ‘modelo biomédico’, comprometida com a hegemonia da Psiquiatria, e uma reforma que visa garantir aos seus usuários uma clínica baseada em um outro paradigma.

Em tempos contemporâneos, o que vem sendo explicitamente defendido é que a assistência em saúde mental esteja integralmente baseada no ‘modelo biomédico’. Quer dizer, que a assistência não apenas seja mantida com o diagnóstico psiquiátrico e o tratamento psicofarmacológico, como tem sido os pilares da Psiquiatra ‘reformada’ nestas últimas décadas. Mas que haja o retorno ao clássico ‘hospitalocentrismo’.

O testemunho de vida dado por Edmar Oliveira certamente nos ajuda a melhor entender os dilemas e as perspectivas que a reforma psiquiátrica brasileira hoje enfrenta.

Confira a entrevista na íntegra →

Suicídio Entre os Povos Indígenas Guarani e Kaiowá

0

O Suicídio entre o povo Guarani e Kaiowá é tema do artigo Onde e Como se Suicidam os Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul: Confinamento, Jejuvy e Tekoha, de autoria de Pamela Stalino, Marcos L. Mondardo e Roberto C. Lopes, todos da Universidade Federal da Grande Dourados (MS).

O objetivo do trabalho foi analisar onde e como ocorrem os suicídios destes dois povos indígenas na contemporaneidade. Para tal, os autores realizaram uma pesquisa qualitativa de análise documental, com reportagens publicados nos principais jornais do estado do Mato Grosso do Sul. A partir da combinação dos descritores: suicídio, Guarani, Kaiowá, índio e indígena, a busca foi realizada em 23 jornais, mas apenas 12 deles apresentaram as combinações exigidas. A amostra selecionada foram de 100 reportagens que informaram 105 ocorrências de suicídio  no período de 2002 a 2018.

O artigo inicia com uma retrospectiva histórica sobre a luta pelo direito à saúde dos povos indígenas brasileiros, desde a criação da Funai em 1967 até a criação do Sesai em 2010 (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Depois, o artigo apresenta dados do Ministério da Saúde sobre a mortalidade por suicídio dos povos indígenas, quase três vezes maior que os da população em geral, e até mesmo maior que as taxas mundiais apresentadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Dentre os suicídios de indígenas, os casos entre Guarani e Kaiowá das reservas indígenas da região sul de MS são os maiores do estado.

A saúde para os Guarani e Kaiowá está estreitamente ligada à questão da luta pela terra. Portanto, os autores decidiram analisar a situação da saúde indígena por meio do debate de território e territorialidade, na luta pela terra. Apesar das concepções e modalidades de territórios e territorialidades entre os povos indígenas variarem, é comum entre os diferentes povos que o território seja fundamental para a produção de saúde.

“O território para os povos originários é fundamental para a produção de saúde  e reelaboração cultural de seus modos de ser por meio da relação entre natureza, cultura e relações de poder/resistência.”

A pesquisa detectou que os municípios de Dourados e Amambai são aqueles que apresentam os maiores números de ocorrência, 40% e 21% respectivamente, o que coincide os Relatórios de violência contra os povos indígenas do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) do período de 2003 a 2013.

Após uma análise dos autores sobre os conflitos por terra nesta localidade, sobre a explicação que os indígenas dão para os suicídios e a importância da terra para esses povos, os autores concluem que o suicídio entre os povos Guarani e Kaiowá é um fenômeno grave e complexo, influenciado por questões históricas, cosmológicas e territoriais, próprias da luta pela territorialidade (teko). As questões histórias perpassam pela desterritorialização promovida pelo confinamento em reservas, a vivencia forçosa em pequenas áreas demarcadas pelo Estado, gerando falta de perspectiva de vida e produtiva nas reservas, a luta pela terra e os conflitos territoriais com os fazendeiros.

“Em que medida pode-se pensar que a prática por enforcamento se relaciona simbolicamente ao ato de calar-se, por não ter voz, não ser ouvido, ser marginalizado e invisibilizado?”

Dessa forma, ressalta-se a necessidade de políticas públicas afirmativas com equipes multidisciplinares, com diversos segmentos da sociedade, indígenas e não indígenas, e pesquisadores de diferentes áreas. Além disso, sugere-se a criação e implementação do CAPS indígena, com a participação de atores institucionais, como o Sesai e lideranças religiosas indígenas, valorizando assim o conhecimento tradicional, dos rituais respeitando a cosmologia de cada povo.

•••

STALIANO, Pamela; MONDARDO, Marcos Leandro; LOPES, Roberto Chaparro. Onde e Como se Suicidam os Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul: Confinamento, Jejuvy e Tekoha. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 39, n. spe,  e221674,    2019 . (Link)

Como a Casa Soteria Cura?

0
Image by Denise Husted from Pixabay

Um artigo recente publicado na Psychopathology explora os fatores de cura associados à abordagem alternativa de Soteria para o tratamento da psicose. O modelo Soteria baseia-se em relacionamentos pessoais, atividades interativas e no uso mínimo de medicamentos psiquiátricos em uma confortável ‘comunidade viva’, em oposição a um ambiente psiquiátrico convencional. Os autores explicam como esses fatores promovem a cura de indivíduos que sofrem da síndrome da esquizofrenia.

“Soteria representa uma abordagem alternativa ao tratamento da psicose aguda, proporcionando um ambiente social baseado na comunidade, relacionamentos pessoais (‘estar com’) e atividades compartilhadas significativas (‘fazendo com’) com uso mínimo de medicamentos neurolépticos”, escrevem o Dr. Daniel Nischk e Dr. Johannes Rusch. 

Image by Denise Husted from Pixabay

A história de Soteria enquanto abordagem em saúde mental remonta a 1971, quando o Dr. Loren Mosher, do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH), abriu a primeira ‘Casa Soteria’ em Santa Clara, Califórnia. Embora as ideias radicais de Mosher tenham levado à sua renúncia do NIMH, seu trabalho se expandiu em todo o mundo, com casas na Hungria,Vermont e Israel, para citar algumas.

Soteria é bem conhecida por sua abordagem não médica, proporcionando aos que têm experiências de psicose aguda um ‘porto seguro’ durante esses estados extremos difíceis. Essa abordagem não médica inclui uma residência confortável e familiar, equipe assistencial formada por leigos e envolvimento em atividades e relacionamentos da vida cotidiana, em oposição à situação artificial de uma enfermaria psiquiátrica ou de serviços assistenciais no chamado ‘território’.

Pesquisas da Soteria House original apontaram resultados positivos, como benefícios relacionados à psicopatologia, trabalho, funcionamento social e a interrupção de medicamentos psiquiátricos.

Os princípios centrais de Soteria foram desenvolvidos por Loren Mosher e Luc Ciompi há mais de 30 anos e incluem:

  1. “A provisão de um pequeno ambiente terapêutico comunitário (semelhante a uma comunidade viva);
  2. Uma proporção significativa de funcionários leigos;
  3. A preservação do poder pessoal, das redes sociais e das responsabilidades comunitárias;
  4. Um estilo relacional ‘fenomenológico’, que visa dar sentido à experiência subjetiva de psicose de uma pessoa, desenvolvendo uma compreensão dela por ‘estar-com’ e ‘fazer-com’ os clientes; e
  5. Nenhum ou senão um antipsicótico em baixa dose, com todos os medicamentos psicotrópicos sendo tomados por opção e sem coerção.”

O artigo atual utiliza a fenomenologia e uma análise do ambiente social da casa da Soteria para descobrir os mecanismos de cura do modelo de tratamento. Muitas das idéias dos autores são derivadas da experiência com a Soteria House Reichenau na Alemanha, bem como de relatos publicados anteriormente sobre o modelo da Soteria. Os autores descrevem um entendimento fenomenológico da esquizofrenia, seguido de uma análise de como o ambiente de Soteria oferece uma oportunidade para os indivíduos recomporem um sentimento desordenado de si com segurança.

O Dr. Nischk e o Dr. Rusch começam explicando que alguns profissionais veem a esquizofrenia como um “distúrbio do eu mínimo ou essencial”. Em outras palavras, o sentimento subjacente de ser um “eu” capaz de pensar, sentir e agir por si próprio é perturbado. Isso leva a uma organização caótica da realidade, da flutuação da autoconsciência à dificuldade de navegar em um mundo social compartilhado com os outros. Experiências psicóticas anômalas, como delírio e paranoia, são descritas como uma tentativa de dar sentido a essa relação eu-mundo que se encontra desordenada.

“A partir desses distúrbios básicos, uma série de alterações experimentais consequenciais e compensatórias pode se desenvolver, incluindo um senso anormal de consciência e presença, experiências corporais alteradas e uma distinção frágil entre si e o outro”.

Os autores também vinculam esse núcleo perturbado à vida social, afirmando que a confusão da psicose coincide com a incapacidade de julgar os limites entre o eu e o outro. O eu central não é meramente ‘interno’, mas está relacionado às dificuldades em estabelecer um relacionamento de ‘eu-Outro’ que permitiria entender a si mesmo como um ‘eu’ em primeiro lugar.

“O desafio terapêutico pode, portanto, consistir em fornecer um ambiente social que considere as frágeis fronteiras interpessoais, oferecendo oportunidades de engajamento.”

Um dos efeitos desse distúrbio básico é a dificuldade de navegar em ambientes complexos. Os autores explicam que as enfermarias psiquiátricas convencionais costumam ter listas estranhas e alienantes de regras e demandas sociais, o que pode confundir as pessoas que sofrem de psicose. A casa Soteria, por outro lado, estabelece um ambiente ‘normal’. Isso pode ser tão simples quanto uma máquina de café, uma mesa com cadeiras e um baralho de cartas, todos situados em um ambiente pequeno e ‘aconchegante’ com carpete para atenuar o excesso de ruído.

Os papéis sociais também são bem definidos, como ‘hóspede” e ‘hospedeiro’, em vez da complexa hierarquia de um hospital psiquiátrico. Os autores argumentam que esse tipo de ambiente ‘normal’ é menos confuso e pode permitir um mundo mais relaxado e familiar para os indivíduos navegarem, reduzindo em última análise a tensão emocional.

Um dos pilares do modelo de Soteria é o que os autores chamam de ‘estar-com’. É descrito como semelhante à relação original entre cuidador e criança, a partir da qual o eu principal é estabelecido no desenvolvimento. Como a psicose é marcada por dificuldades com o relacionamento Eu-Outro, acredita-se que compartilhar espaço com indivíduos que sofrem de psicose pode ajudá-los a começar a desenvolver um Eu central mais robusto. Isso é alcançado através de uma forma atenciosa e atenta de se relacionar, correspondendo ao que os autores chamam de ‘sincronia’ ou ‘intercorporalidade’, explicada como o ritmo natural de ‘olhares, gestos e respostas afetivas’.

Indivíduos com um Eu central perturbado podem começar a sondar e testar com segurança os limites das pessoas que passam tempo com eles, levando a uma capacidade mais forte de refletir sobre si próprio e se ver como um indivíduo. Pode parecer o natural compromisso de sentar e conversar, passear juntos ou realizar tarefas mútuas.

“Isso pode preparar o terreno para outros atos de formação da individualidade, como trocar relatos em primeira e segunda pessoa, distinguir fantasias das percepções, verbalizar auto-perturbações difusas ou contextualizar experiências com relação ao tempo e ao local, aproximando novamente o processo ao que ocorre durante a infância e adolescência. Eventualmente, uma perspectiva de terceira pessoa pode ressurgir, a partir da qual o indivíduo pode refletir sobre suas suposições e experiências.”

Um segundo pilar é chamado de ‘fazer-com’. É descrito como uma extensão de ‘estar com’ no contexto do ambiente social de Soteria. Cozinhar, limpar e outras tarefas mútuas oferecem uma oportunidade para um maior envolvimento social e consolidação de um eu central mais forte, além de desenvolver habilidades essenciais para a vida, muitas vezes prejudicadas em indivíduos com diagnóstico de esquizofrenia.

Os efeitos de ‘fazer-com’ abrangem tudo, desde o fortalecimento dessas habilidades sociais e da vida necessárias até a construção de um ‘esquema motor’ mais coerente, à medida que os indivíduos que sofrem de psicose frequentemente enfrentam uma sensação de corpo e mente fragmentados. A repetição corporal e a solução de problemas, fundamentadas em um ambiente social seguro, podem fornecer um espaço de cura para essa fragmentação. Essas tarefas podem ajudar a treinar as habilidades de concentração e memória, reconstruindo a base social, cognitiva, emocional e corporal do eu central.

“Portanto, estar-fazendo-com enquanto uma maneira holística de responsabilidades comunitárias designadas mutuamente oferece vários caminhos para promover a restituição de uma vasta gama de aspectos da individualidade subjacentes a muitas habilidades mais elevadas, motoras e sociais”, escrevem os autores. “Em um contexto mais amplo, essa prática coletiva diária pode ajudar as pessoas com a síndrome da esquizofrenia a restabelecer maneiras de senso comum de interagir e, assim, reabitar seu mundo social …”

****

Nischk, D., & Rusch, J. (2019). What makes Soteria work? On the effect of a therapeutic milieu on self-disturbances in the schizophrenia syndrome. Psychopathology, 1-8. (Link)

Carta de William James para sua filha deprimida

0

Se você descobrir que seu filho está sofrendo de depressão, que palavras sábias você pode compartilhar? Sabemos, é claro, o que a indústria farmacêutica gostaria que você dissesse: “Você está passando por uma doença mental e temos que levá-lo a um psiquiatra o mais rápido possível, para que possamos obter uma receita para um antidepressivo”.

A principal maneira pela qual essa indústria de milhões de dólares e seus psiquiatras aliados buscam motivar os pais é explicar que ‘a depressão não tratada está associada a um aumento do risco de suicídio’. Isso parece funcionar, porque os pais tendem a saltar dessa declaração para o pensamento de que o tratamento com os chamados antidepressivos elimina esse risco ou o reduz significativamente. Mas as evidências disponíveis sugerem exatamente o oposto: que o uso de antidepressivos não reduz o risco de suicídio e parece aumentá-lo, de acordo com alguns estudos. Ao mesmo tempo, esses medicamentos estão associados a vários efeitos colaterais preocupantes, e muitos acham que, uma vez que eles começam a usá-los, pará-los pode levar a reações horríveis de abstinência.

Muito antes de esses medicamentos se tornarem disponíveis, William James, indiscutivelmente o psicólogo americano mais brilhante de todos os tempos, foi forçado a resolver esse problema quando sua filha de 13 anos, Peg, começou a lutar com a melancolia. Isso foi em maio de 1900, enquanto James estava sofrendo de problemas cardíacos. Depois de não conseguir um atendimento satisfatório dos médicos nos Estados Unidos, ele e sua esposa foram à Europa para ver se ele poderia encontrar um médico mais útil. Peg ficou com amigos da família, Sr. e Sra. Clarke, e seus filhos. Ao receber várias cartas de Peg expressando as dificuldades pelas quais estava passando, James escreveu uma resposta longa e atenciosa, que apresento para a consideração de vocês.

A carta

Querida Peg,

Sua carta chegou ontem à noite e explicou suficientemente a causa do seu longo silêncio. Evidentemente, você voltou a estar em mau estado de espírito e insatisfeita com o seu ambiente; e julgo que você ficou ainda mais insatisfeita com o estado interno de tentar consumir sua própria fumaça, sorrir e suportar, de modo a cumprir as ordens autoritárias de sua mãe feitas depois de você nos haver assustado com seus clamores trágicos e inexplicáveis em suas cartas anteriores. Bem! Acredito que você está tentando fazer o que um homem faz em circunstâncias difíceis, mas a pessoa aprende apenas gradualmente a fazer a melhor coisa; e o melhor para você seria escrever pelo menos semanalmente, mesmo que seja um cartão postal, e dizer como as coisas estão indo. Se você estiver de mau humor, não há mal algum em comunicar esse fato e definir o caráter dele ou descrevê-lo exatamente como você gosta. O ruim é derramar o conteúdo dos nossos demônios sobre os outros e deixá-los com eles, por assim dizer, nas mãos deles, como se fosse para eles fazerem algo a respeito. Foi isso que você fez em sua outra carta que tanto nos assustou, porque seus gritos de angústia eram tão excessivos e inexplicáveis ​​diante de qualquer coisa que você nos tenha de fato dito, e que nós não sabemos, mas é como que de repente você havia ficado louca. Esse é o pior tipo de coisa que você pode fazer. O tipo de coisa do meio é o que você faz dessa vez – a saber, ficar em silêncio por um período de duas semanas e, quando você escrever, ainda escreva misteriosamente sobre suas mágoas, não suficientemente esclarecidas.

Agora, minha querida garotinha, você chegou a uma época em que a vida interior se desenvolve e quando algumas pessoas (e no geral as que têm mais destino) descobrem que nem tudo é um canteiro de rosas. Entre outras coisas, haverá ondas de tristeza terrível, que duram algumas vezes por dias; e insatisfação consigo mesma, irritação com os outros e raiva com as circunstâncias e a pedregosa insensibilidade etc., etc., que juntos formam uma melancolia. Agora, por mais doloroso que seja, isso nos é enviado para uma iluminação. Sempre passa, e aprendemos sobre a vida com ela, e devemos aprender muitas coisas boas se reagirmos corretamente.

Da margem] (Por exemplo, você aprende o quão boa é sua casa, seu país e seus irmãos, e você pode aprender a ser mais atencioso com outras pessoas que, agora você aprende, podem ter suas fraquezas internas e sofrimentos também.)

Muitas pessoas sentem um prazer doentio em abraçá-lo; e alguns sentimentais podem até se orgulhar disso, como mostrando um bom tipo de sensibilidade dolorosa. Essas pessoas habitam regularmente a luxúria da angústia. Essa é a pior reação possível. Geralmente é um tipo de doença, quando a fortalecemos, decorrente do organismo ter gerado algum veneno no sangue; e não devemos nos submeter a ela uma hora a mais do que podemos evitar, mas aproveitar todas as chances de assistir a algo alegre ou cômico ou de participar de algo ativo que nos desvie desse medíocre sentimento interior. Como eu disse, quando passa sabemos mais do que sabíamos antes. E devemos tentar fazê-lo durar o mais curto tempo possível. O pior de tudo é que, enquanto estamos nele, não queremos sair disso. Nós odiamos isso e, no entanto, preferimos permanecer nele – isso faz parte da doença. Se nos encontrarmos desse modo, devemos nos obrigar a fazer algo diferente, encontrar pessoas, falar alegremente, nos dedicar a algum trabalho duro, nos tornar doce, etc .; e essa boa maneira de reagir é o que faz de nós um personagem valioso. A doença faz você pensar em si mesmo o tempo todo; e a saída é manter-se o mais ocupado possível, pensando nas coisas e nas outras pessoas – não importa qual seja o problema conosco.

Não tenho dúvida de que você está indo tão bem quanto sabe, minha queridinha Peg; mas temos que aprender tudo, e também não tenho dúvidas de que você saberá lidar melhor com tudo isso se voltar a experimentar, e logo desaparecerá, simplesmente deixando-a com mais experiência. O melhor para você agora, suponho, seria entrar o mais amigável possível no interesse das crianças Clarke. Se você gosta deles, ou agir como se gostasse deles, não precisa se preocupar se eles gostam de você ou não. Eles provavelmente irão, rápido o suficiente; e se não o fizerem, será o funeral deles, não o seu. Mas essa é uma ótima palestra, então vou parar. O melhor de tudo é que tudo isso é verdade….

Neste ponto da carta, James muda de assunto, explicando como está o tratamento para o problema cardíaco, o que ele tem feito para lidar com as coisas em casa, mesmo estando a milhares de quilômetros de distância, e expressando frustração com o frio, clima sem sol. Ele então conclui:

Sua mãe está dormindo e, sem dúvida, acrescentará uma palavra a isso quando acordar. Mantenha um coração alegre – “o tempo e a hora atravessam os dias mais difíceis” – e acredite em mim sempre como sendo o seu mais amoroso.

W.J.

Interpretação

A carta começa como resposta a uma carta que Peg escreveu aos pais depois de um longo silêncio. Aparentemente, ela foi levada a ficar em silêncio por causa de sua mãe, pedindo que, quando estivesse com um mau humor, tentasse “consumir sua própria fumaça”, sorrir e suportar.

Para aqueles que não estão familiarizados com a frase, significa aceitar agravos em silêncio e reagir com um esforço extra de trabalho duro, para que aqueles a seu redor não fiquem aborrecidos com a fumaça, a poeira e a fuligem de suas queixas. Claramente, James não estava satisfeito com essa abordagem. Assim, ele explica a Peg que a melhor coisa a fazer é se comunicar com os pais pelo menos semanalmente falando sobre como ela está, incluindo que compartilhe com eles se estiver de mau humor e descrevendo exatamente como ela gostaria que fosse.

As próximas palavras de James parecem contraditórias. Ele diz a Peg que a pior coisa para ela fazer é despejar os conteúdosde seu mau humor nos outros. E então ele escreve que, porque ela se refere à sua tristeza em sua carta mais recente de uma maneira muito misteriosa, ele deseja que ela seja mais aberta sobre isso.

Não tenho muita certeza de que distinção James estava tentando fazer aqui. Meu palpite é que ele estava tentando esclarecer o significado da carta anterior de sua esposa, o que levou Peg a interromper a comunicação por muito tempo.

James, no final, opta pot incentivar Peg a expressar o que ela está passando no modo como desejar. Gosto disso, principalmente se o que ela expressa é para ser recebido com empatia e amor. Observe que James assina sua carta com as palavras: “… acredite em mim sempre o seu W.J mais amoroso”. Acho que isso soa exatamente no tom certo.

Em outras partes da carta, James começa a considerar a experiência de Peg útil para produzir “uma iluminação”, se “reagirmos corretamente”. O caminho errado, segundo James, é adquirir o hábito de aceitar a aflição sem fazer nada construtivo sobre isso. O caminho certo é “aproveitar todas as chances de assistir a qualquer coisa alegre ou cômica ou participar de qualquer coisa ativa que nos desvie do nosso estado de sentimento interior mesquinho e insignificante”.

É interessante que James sugira que, quando agimos de maneira errada, “geralmente é uma espécie de doença, quando a fortalecemos, decorrente do organismo ter gerado algum veneno no sangue”. Dois anos depois, em seu livro clássico The Varieties of Religious Experience, ele se refere a esse tipo de teoria biológica como “simplória” e “conversa médica superficial”. Para explicar sua posição, ele escreveu que muitos indivíduos chamados de “saudáveis mentalmente” acreditam que aqueles que se preocupam têm uma ‘mente mórbida’ e ‘doente”, mas pode muito bem ser verdade que ‘o significado do mundo chegue ao nosso lar quando o colocamos mais no coração”. Como James, vejo que enquadrar essas experiências desafiadoras como um tipo de doença é falsificar a realidade. É muito mais útil ver essas experiências como ferramentas úteis que, se bem administradas, podem potencialmente nos fornecer alguma iluminação.

Também concordo que existe uma maneira certa e uma maneira errada de lidar construtivamente com nossos sentimentos de aflição, mas talvez sejamos diferentes em alguns aspectos específicos do que deva ser visto como errado. James afirmou na carta que devemos tentar fazer com que nossos sentimentos tristes durem o mais breve possível e não uma hora a mais do que podemos evitar.

Acredito que, em vez de lutar contra esses sentimentos deprimidos, devemos nos dar um tempo para estarcom eles, como faríamos se um velho amigo viesse nos visitar. Podemos passar esse tempo observando, de maneira não julgadora, as emoções que flutuam através de nós de maneira semelhante a um cientista observando um bando de pássaros voando no céu distante. Quando se trata de luto, não precisamos definir um prazo artificial para o qual “deveríamos” terminar o processo.

No entanto, assim como quando um amigo nos visita, depois de um tempo reconhecemos que é melhor seguir para outras atividades valiosas, exatamente como James recomenda. Porém mais tarde, porém, podemos voltar a nos deixar levar algum tempo para ficar com nossos sentimentos tristes mais uma vez, indo e voltando assim até que as partes mais difíceis dessas experiências tenham passado. Para mim, reservar um tempo para ficar com meus sentimentos como esse e também reservar um tempo para responder como sugere James, funciona muito bem. Da mesma forma, se pudermos ensinar nossos filhos a aceitar e lidar com esses fluxos e refluxos, é provável que beneficie a nós e a eles.

Não estou sugerindo que James discordaria de mim sobre esse assunto. Ele escreveu sua carta para Peg quando ele não estava se sentindo bem e, em um ou dois dias, com mais tempo para refletir, sem dúvida teria acrescentado muito mais nuances a esse tópico, algumas das quais poderiam estar de acordo com as minhas próprias visões.

Embora a carta não deva ser vista como um relato completo da posição de James sobre o que dizer a uma criança em circunstâncias semelhantes, ofereço-a porque fornece algumas ideias relevantes para os pais do século XXI que devem ser consideradas ao decidir qual a melhor forma de responder aos dilemas de seus filhos.

Diretrizes belgas recomendam que “as categorias do DSM não estejam no planejamento da Assistência em Saúde Mental”

0
Photo Credit: Wikipedia Commons

Um relatório do Conselho Superior de Saúde da Bélgica (CSS) aconselha o governo sobre os problemas que afetam o atual modelo de diagnóstico do tratamento em saúde mental e faz recomendação para o não uso de categorias do DSM e CID para tratamento individual.

“O CSS observa que as ferramentas mais usadas para diagnosticar problemas de saúde mental (o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM – ou a Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde – CID – apresentam vários problemas e recomenda que sejam usado com cautela e que as categorias do DSM não estejam no centro do planejamento do atendimento”.

Photo Credit: Wikipedia Commons

O grupo de trabalho que compôs esse relatório incluiu pessoas com ‘formação em psiquiatria, expertise de experiências vividas, psicologia, sociologia e filosofia’.

O CCS identifica várias falhas na lógica e nos métodos dos manuais usados para diagnosticar pessoas com problemas de saúde mental.

  • O DSM e o CID baseiam-se na ideia de transtornos distintos categoricamente diferentes do funcionamento ‘normal’, tornando-os ‘doenças’. No entanto, todas as pesquisas sugerem que há uma sobreposição significativa entre os diagnósticos, muitos dos quais compartilham os mesmos critérios de diagnóstico.
  • Além disso, a diferença entre alguém com um diagnóstico e alguém supostamente ‘saudável’ é uma questão de grau – todos têm esses pensamentos e comportamentos, mas são diagnosticados como transtornos tomando como base no impacto que causam na vida cotidiana.
  • O DSM e o CID reforçam a noção de transtornos (distúrbios) biomédicos, apesar de a falta de evidências de problemas de saúde mental serem neurobiológicos. De acordo com o relatório, o ” ‘pensamento único’ (onde a suposição é de que a causa está puramente no cérebro ou nos genes) não tem base científica ”.
  • O modelo biomédico é promovido como capaz de diminuir o estigma – mas os pesquisadores mostraram repetidamente que as explicações biomédicas para problemas de saúde mental aumentam consistentemente o estigma de leigos e até de profissionais de saúde médica e mental.
  • As categorias de diagnóstico são inúteis para os indivíduos, uma vez que “não fornecem uma imagem dos sintomas, necessidades de manejo e prognóstico porque não têm validade, confiabilidade e poder preditivo”. Por exemplo, uma pessoa com diagnóstico de depressão pode estar dormindo totalmente durante o dia, sem comer e sentindo-se suicida, mas ainda capaz de experimentar atividades agradáveis. Outra pessoa pode ter insônia, comer demais, não se sentir suicida, mas não sente prazer nas coisas de que gostava – o mesmo diagnóstico, com duas experiências completamente diferentes.
  • Devido a essas preocupações, o CCS recomenda que “é mais útil entender a combinação de fatores que causam e manter os sintomas do que identificar uma categoria”.

O CCS argumenta ainda que o DSM é tão fundamentalmente defeituoso que não pode ser corrigido sem uma mudança completa de paradigma na maneira como documenta a saúde mental.

“O instrumento apresenta uma série de problemas fundamentais em termos de epistemologia, validade e confiabilidade. Estimamos que a qualidade do instrumento em sua configuração e forma atual não possam ser substancialmente melhoradas. ”

O  CCS pede uma reversão completa na maneira como o tratamento de saúde mental é buscado, obtido e reembolsado. Eles recomendam que um diagnóstico de saúde mental não seja necessário para que uma pessoa receba ajuda.

Eles recomendam que os problemas de saúde mental sejam tratados da seguinte maneira: uma narrativa dos problemas da pessoa, contextualizada com informações sobre as experiências de vida da pessoa, fornece a base para uma conversa sobre como será o “continuum que vai da crise para a recuperação”. Individual. A relação terapêutica é considerada a parte mais vital do processo de tratamento.

“Recomendamos considerar os transtornos psiquiátricos como interativos. Eles testemunham a luta entre pessoa e contexto, e as dificuldades vivenciadas na vida. Por um lado, eles testemunham a individualidade do estado mental de uma pessoa. Por outro lado, eles refletem os desafios que um indivíduo enfrenta em seu ambiente diário (como relacionamentos, circunstâncias sociais e costumes culturais). Além disso, queixas e transtornos psicológicos geralmente refletem uma luta com as incertezas existenciais humanas típicas. Esses componentes formam um todo sistêmico entrelaçado.”

****

Superior Health Council. DSM (5): The use and status of diagnosis and classification of mental health problems. Brussels: SHC; 2019. Report 9360. (Link)

Noticias

Blogues