A sobrevivência da reforma psiquiátrica

0

Nunca é demais lembrar que a proposta da Reforma Psiquiátrica, entre nós, parte de (1) uma decisão no campo dos Direitos Humanos para enfrentar o “tratamento” manicomial; (2) de uma proposta inclusiva da loucura pela sociedade; e de (3) construir serviços substitutivos ao manicômio para que ela acontecesse. Qualquer ferimento a estes princípios pode ser mortal a sua continuidade. Portanto, não há como melhorar o manicômio; o tratamento em liberdade e na comunidade é necessário; e, um serviço substitutivo não aceita a existência do hospital especializado. Essa é sua radicalidade.

Nunca é demais lembrar que falhamos na firmeza dessa radicalidade. Primeiro, aceitamos alguns serviços comunitários não como substitutivos, mas alternativos ao manicômio. No Rio é fácil verificar a convivência das CAPS com os antigos manicômios federais que deveriam ser substituídos. Segundo, a função gestora local ao terceirizar mão-de-obra pelas Organizações Sociais (OSs) quebrou a espinha dorsal da formação de servidores comprometidos com a reforma (pela precariedade do vínculo e/ou pela rotatividade). Além do que ao entregar a gestão dos serviços para as OSs privatizou-se o que seria necessariamente público e isso tem  implicações na proposta. Desconfigura os serviços que necessariamente são públicos.

Nunca é demais lembrar a discordância de alguns médicos – formados nas certezas da neurobiologia americana – com a proposta da Reforma. São os que nunca aceitaram a reforma DA psiquiatria, mas uma reforma NA psiquiatria, nos seus métodos. E a tentativa de subordinar saberes transdisciplinares necessários à proposta reformista tenta anular conhecimento de outros campos científicos e saberes que possa substituir conhecimentos médicos. Esse um grande campo de discórdia, que devemos enfrentar para consolidar uma proposta transdisciplinar onde todos os envolvidos têm seu núcleo de saber, mas atuam conjuntamente no campo do conhecimento que envolve os vários núcleos. Na reforma não há hierarquia de conhecimentos, mas complementaridade. O psicanalista tem que poder explicar à equipe o efeito produzido por seus conhecimentos, assim também o médico tem que discutir com a equipe métodos biológicos ou neuroestimulativo que usará. É na discussão do núcleo de saber de cada membro da equipe que deverá ser feita as ações no campo comum do conhecimento.

Nunca é demais lembrar que enquanto lutávamos contra os manicômios permitimos a entrada em cena das Comunidades Terapêuticas ligadas a entidades religiosas e ávidas por financiamentos públicos. O que parecia uma nova parceria era o velho manicômio, disfarçado, sem controle e comandados pela fé. Essa estranha mistura de fé e ciência resultou em torturas e castigos, disfarçados de penitência com sedação química. E hoje essas comunidades religiosas são candidatas a exercer o papel manicomial e o retorno do que queríamos superar.

Nunca é demais lembrar que a constituição de uma fraca rede de atenção psicossocial (a chamada RAPS) tirou o protagonismo dos CAPS de uma “teia” de cobertura psicossocial para a introdução de dispositivos frágeis e permitir a reintrodução de antigos serviços antirreformistas na rede, como ambulatório de especialidades e emergência psiquiátrica.

Nunca é demais lembrar que a tibiez na radicalidade reformista permitiu seu enfraquecimento e os ataques disfarçados atuais que tentam retomar a tal RAPS, sem que os CAPS sejam serviços substitutivos, e reintroduzindo sem desfaçatez o hospital psiquiátrico especializado – precursor inconteste do velho manicômio. Isso faz parecer que não houve uma ruptura, mas o canto da sereia esconde uma contrarreforma e a anulação dos princípios que chamo atenção de não pudermos abrir mão. É isso.

E é muito importante que, agora, no momento de enfrentamento anunciado, que discutamos os nossos equívocos para não sermos capturados numa alteração de nossa prática que inviabilize uma retomada do processo de consolidação permanente da Reforma Psiquiátrica brasileira. Porque ela é uma construção permanente, nunca terminada.

O clareamento dos princípios reformistas ajudará na nossa prática diária – lugar de resistência por excelência – o soerguimento de uma trincheira construída por trabalhadores, usuários, familiares e sociedade. O hospital psiquiátrico especializado é o precursor do manicômio, pois, segundo Basaglia, não é manicômio que deformou o hospital psiquiátrico, mas o saber psiquiátrico que produziu o manicômio. Por isso a reforma DA psiquiatria é necessária e não uma reforma nos métodos da psiquiatria. Tratar em liberdade é terapêutico, por isso a proposta ética de inclusão da loucura na sociedade. Os CAPS são substitutivos da internação hospitalar e devem ser comunitários, nunca apêndices hospitalares.

A favor de nossa prática temos que desaprendemos a trabalhar no modo antigo e nem os usuários aceitam mais voltar ao manicômio. Para isso precisamos esclarecer que não aceitamos o disfarce do hospital para não sermos capturados pelo manicômio no futuro. Muito necessário o trabalho dos profissionais junto à sociedade para que ela não aceite ser seduzida pelo canto da sereia do hospital modernizado. Os CAPS como locus da resistência poderão recuperar o protagonismo que o caracterizou na reforma: espaço comunitário terapêutico com a possibilidade de contraposição à internação hospitalar. Serviço substitutivo.

Portanto, acredito que a sobrevivência da Reforma Psiquiátrica precisa de uma afirmação dos seus princípios, entre nós, para o enfrentamento que apenas se anuncia. E nesse enfrentamento vamos ter que lidar com a asfixia financeira dos serviços pelas instâncias de transferências de recursos que a aprovação da “PEC do fim do mundo” já nos impôs. Se aprovada a PEC de desvinculação das despesas (em saúde, educação, segurança, por exemplo) os estados e municípios estarão dispensados de fornecer os recursos – que hoje são forçados por lei e já insuficientes – o caos pode se instalar ainda pior do que já se encontra hoje em dia.

A nossa luta deverá se aliar à defesa do SUS e da democracia. Sem um e sem outro não existe saúde mental. Portanto a sobrevivência da Reforma Psiquiátrica está atrelada a lutas políticas de hoje.

Os perigos dos antidepressivos: minha luta pessoal com a medicina convencional

1

Eu nunca precisei tomar aquela pílula, é tudo o que conseguia dizer a mim mesma, sentindo-me fraca e envergonhada. Existem muitos outros mecanismos de defesa que eu poderia ter usado para minha ansiedade. Por que eu não fiz a minha própria pesquisa? O que eu estava pensando?! Por que eu confiei nos médicos? Esses pensamentos se repetiram na minha cabeça depois que eu finalmente decifrei o código e descobri o que estava causando meus sintomas horríveis e bizarros. Por que os médicos não admitem isso? Por que o psiquiatra apenas quer que eu tome mais drogas e não acredita em uma palavra do que eu digo? Está tudo na internet e muitos têm contado suas histórias de horror em inúmeros fóruns. Eu pensei que ia morrer ou enlouquecer. Por um tempo, até pensei que poderia estar sob ataque espiritual.

Eu sabia que, se sobrevivesse, contaria a minha história. Eu tentaria ajudar os outros a passar por isto, aqueles cujas vozes são ignoradas pela psiquiatria e a medicina convencional. Eu sabia que queria ser uma defensora da vida holística e espalhar avisos para os outros sobre os perigos dessas drogas psiquiátricas e de algumas das grandes empresas farmacêuticas que as apoiam.

Tudo começou depois que meu médico gastro me colocou em uma droga chamada amitriptilina. Este é um antidepressivo muito antigo da classe dos tricíclicos. Eu tinha lido na internet através de várias fontes que esta classe de drogas geralmente não era a escolha preferida de medicamentos antidepressivos nos dias de hoje, pois há novos e mais seguros no mercado atual. Claro, eu não tinha ideia sobre nada disso no dia em que o médico a prescreveu para mim. Eu apenas confiei nele. Eu descobri tudo sobre seus perigos por conta própria, mais tarde.

Eu acreditava que meu médico sabia melhor sobre minha saúde do que eu mesma. Eu confiava que ele sabia que seria seguro me trocar de uma droga ansiolítica que eu estava tomando por vários anos consecutivos e me colocar nessa nova droga. Foi só durante o horror pelo qual passei depois é que por conta própria descobri tudo sobre essa maldita droga.

Muitos diziam que poderia ser ruim continuar lendo na internet. No meu caso, porém, serviu como um farol de verdade e apoio – verdade e apoio que não recebi da comunidade médica ou psiquiátrica.

Todos os sintomas começaram no meu sono. De repente o sono se transformou de algo confortável e relaxante em o maior medo e ansiedade da minha vida. A primeira coisa foram os ruídos – não eram sons externos, mas um estranho conjunto de sons bizarros na minha cabeça. No começo, eu os ignorei, mas eles só pioraram em frequência e intensidade. Sendo que tudo isso começou logo depois que meu médico aumentou a dose da amitriptilina.  Meu instinto me disse que a droga era a culpada de tudo isso. Liguei para o consultório imediatamente e disse-lhes que gostaria de parar de tomar o remédio e perguntei se poderiam, por favor, dizer-me a melhor maneira de sair desse remédio. Eles me disseram apenas: pare de tomá-lo completamente!

Minha intuição me disse que não isso parecia certo, mas eu confiei neles e fiz o que eles disseram. Mais uma vez, acreditei no meu médico e no pessoal da saúde. Eu estava esperando algum alívio. Mas eu estava errada. Este foi apenas o começo do horror.

Pouco depois de tomar a minha última dose de amitriptilina, as coisas pioraram muito. Um bizarro grupo de sintomas começou. Muitos eram estranhos para mim, algo eu nunca havia experimentado antes em minha vida. Os sintomas estavam principalmente em meu sono, embora tenham ocorrido alguns em meu estado de vigília também. Adicionado aos sons na minha cabeça enquanto eu estava dormindo, eu sentia uma sensação de choque na minha cabeça. Isso me assustava como se eu estivesse à morte. Fiquei perplexa com o que estava se passando. Algumas dessas sensações de choque elétrico eram mais intensas do que outras. Essas sensações só ocorriam quando eu estava adormecendo. Elas me acordavam a cada vez, às vezes a noite toda, roubando-me do sono precioso. Logo logo mais sintomas foram sendo adicionados, como os movimentos involuntários que me acordavam do sono profundo,

Ataques de pânico eram frequentes. Eu me sentia desligada de mim mesma. Eu sentia uma sensação de desgraça iminente e um intenso medo, um medo do que poderia acontecer comigo em seguida. Eu estava com medo de morrer indo a dormir. Eu estava em um estado de zumbi tentando lutar contra o sono. Parecia os filmes de Freddie Krueger onde as vítimas tinham medo de dormir porque era quando todas as coisas assustadoras aconteciam. Eu tinha crises choro. Algumas noites eu dormia por apenas uma hora ou nem isso. O que me levou a perceber o quanto eu tinha tomado o sono como algo tão natural antes. Comecei a pensar em muitas coisas sobre as quais nunca havia pensado antes, como o sono é vital para nossas vidas e como ele proporciona equilíbrio. Meu equilíbrio estava fora de sintonia, e eu senti como se estivesse em um pesadelo da vida real. Apenas escrever sobre isso me dá os mesmos sentimentos de medo que senti quando tudo isso estava acontecendo.

Eu não conseguia descobrir o que havia de errado comigo. Eu já tinha estado fora da amitriptilina por várias semanas e ela estaria fora do meu sistema por ter uma meia-vida de duração no meu corpo, e os médicos me disseram isso. É claro, verifiquei outras fontes, como na internet, e a maioria das fontes mencionou a meia-vida de 20 horas. Mais tarde, descobri por outras fontes da internet que, só porque a amitriptilina pode ter sido eliminada do meu plasma, isso não significaria que seus metabólitos também tenham sido eliminados. Meus médicos me disseram que não havia como a amitriptilina estar a causar os meus sintomas. Comecei a adivinhar o que poderia estar errado comigo e fiquei muito paranoica. Aos meus provedores de saúde, comecei a solicitar todos os exames médicos que eu poderia imaginar. Eles olhavam para mim como se eu fosse louca e alguns me disseram que era a minha ansiedade.

Meu médico da atenção primária me pediu uma ressonância magnética cerebral. Eu estava com medo de que talvez eu tivesse um tumor no cérebro. Eu estava tendo convulsões? Esses choques elétricos eram horripilantes. Eu de repente desenvolvi uma doença neurológica? Comecei a aprofundar a minha pesquisa e a pesquisar palavras-chave mais precisas na Internet. Foi quando comecei a descobrir todas as informações surpreendentes que a medicina convencional e psiquiátrica ignora. Incontáveis ​​pessoas em diferentes fóruns contavam suas histórias de horror sobre sintomas de abstinência de antidepressivos. Havia muitas subcategorias dentro desses fóruns com informações sintéticas ainda mais precisas. Havia uma categoria inteira de amitriptilina com pessoas contando suas experiências que eram como as minhas. Foi aí que finalmente encontrei o termo apropriado para um dos meus sintomas mais assustadores: ‘zaps cerebrais’. Esses eram os choques elétricos que eu sentia na minha cabeça. Finalmente, eu tinha um termo para nomear isso. Eu abri uma pasta com as impressões de todas as coisas que encontrava e comecei a colecioná-las. Eu passava o dia inteiro pesquisando, tentando desesperadamente encontrar alguém que pudesse me ajudar. Era sempre um beco sem saída com os profissionais da medicina convencional e os psiquiatras a quem eu havia me voltado. Como eles poderiam não saber o termo ‘cérebro zaps’ quando eles estavam prescrevendo essas drogas ?! Eu então me voltei para um grupo de reabilitação que disse que eles poderiam me ajudar por US $ 60.000 em seu local de internação distante.

Seria uma farsa? Eu estava tão desesperada por ajuda que tentei descobrir como chegar a ter US $ 60.000 até que percebi que não podia fazer isso; como eu mesmo saberia se as alegações deles eram verdadeiras? O único apoio verdadeiro que eu tinha era que as outras pessoas que frequentavam os fóruns conversassem comigo e / ou respondessem às minhas perguntas. Na comunidade online foi-me apresentada uma opção: restabelecer o mesmo medicamento ou um antidepressivo diferente para tentar ajudar nos sintomas graves de abstinência. Eu estava com medo de restabelecer a amitriptilina e colocar essa droga maligna de volta no meu corpo. No entanto, eu estava tão desesperada para tentar diminuir esses sintomas horríveis que me impediam de dormir. Eu perguntei ao meu médico de cuidados primários sobre essa opção. Ela disse que faria se isso fosse o que eu queria. Parecia que ela não tinha ideia se funcionaria ou não. Ou eu restabelecia a amitriptilina ou voltava ao Zoloft, a droga que eu vinha usando há anos sem problemas antes da amitriptilina. Eu escolhi o Zoloft, rezando para que ajudasse meus sintomas de abstinência.

Eu estive dentro e fora da sala de emergência em quatro vezes diferentes e em locais diferentes. Todos os médicos do pronto-socorro me falaram informações semelhantes. Eles olhavam para mim como se eu fosse louca, dizendo-me novamente que a amitriptilina estaria fora do meu sistema naquele momento, então isso não poderia ser a causa dos meus sintomas. Nenhum deles sabia o que eram ‘zaps de cérebro’. O primeiro médico me disse para que eu fosse ver meu psiquiatra, pois ele era apenas um médico de emergência e não via necessidade de eu me tratar com ele. O outro médico da emergência me disse que eu deveria fazer o teste para apneia do sono. Ainda outro médico do pronto socorro apenas olhou confusamente para mim e nunca me deu uma resposta exata. Toda vez que eu tentava explicar a eles sobre a síndrome de descontinuação, eles olhavam para mim como se eu estivesse falando uma língua estrangeira.

Depois de ver todos esses médicos dizerem coisas semelhantes e não mostrarem nenhum reconhecimento da síndrome de descontinuação, percebi que eu nunca conseguiria chegar a lugar algum, muito menos receber ajuda de alguém na medicina convencional. Percebi que ou eles não reconhecem a síndrome de descontinuação devido à sua educação limitada das empresas farmacêuticas que lhes fornecem os medicamentos de que eles lucram, ou não querem admitir que os antidepressivos sejam viciantes para a neuroquímica do seu corpo. Ao longo da minha pesquisa, vi repetidamente a mesma mensagem: que uma das piores coisas que você pode fazer para aumentar o risco de efeitos colaterais mais sérios é parar com antidepressivos de repente. Fiquei indignada ao pensar que o meu médico que me prescreveu essa droga não só nunca me avisou dos potenciais efeitos colaterais,mas também nem sequer me informou sobre o modo apropriado de fazer o desmame dessa droga.

Eu fiz tantas viagens e telefonemas para os meus médicos de cuidados primários. Parecia que minhas interações com eles eram de uma inversão de papéis – eu era o único que lhes fornecia informações, e eles basicamente tomavam nota disso. Parecia que eles apenas espelhavam de volta para mim o que eu estava dizendo a eles. Parecia que, independentemente da quantidade de evidências que eu lhes apresentasse, eles ainda não queriam reconhecer a síndrome de descontinuação. Como outros profissionais de saúde que eu já frequentei, minha médica de atendimento primário me disse que ela achava que era ansiedade. Ela até chegou a sugerir que talvez eu estivesse sofrendo algum tipo de ataque espiritual! Comecei a perder toda a esperança nos médicos.

Eu também não tinha muita esperança no mundo psiquiátrico, como foi o que se passou com primeiro psiquiatra que procurei e que praticava o modelo médico convencional da psiquiatria. Eu não senti nenhum reconhecimento dele sobre o que eu estava ali dizendo e o que fez foi me rotular. Ele apressadamente disse que o que eu tinha era ansiedade, e que algum evento estressante tinha acabado de ‘disparar’ esses choques elétricos na minha cabeça! Fiquei chocada com sua falta de reconhecimento pelo que eu tinha a dizer e por sua maneira ignorante de encarar a realidade. Ele disse que não havia como a amitriptilina causar meus sintomas. Eu conhecia meu corpo, e sabia que não havia nenhum evento estressante em minha vida que causasse esses sintomas físicos bizarros – tinha que ser uma substância química! Sua solução foi me prescrever mais duas drogas antidepressivas e me levar até a porta.

Eu tentei outro consultório psiquiátrico. Lá eu vi uma enfermeira. Ela disse que às vezes havia visto médicos prescrevendo antidepressivos quando não deveriam, pois não era a área de especialização deles. Ela concordou comigo que eu nunca deveria ter sido instruída a parar com a droga assim de supetão, e que deveria ter sido submetida a um processo gradual (uma redução gradual da droga) que levaria meses. Ela me disse que não havia garantia de que meus sintomas iriam embora! No entanto, ela disse que já havia visto os sintomas desaparecerem em várias pessoas e que todos somos diferentes uns dos outros. Eu tive que continuar fazendo perguntas e sondando para conseguir que ela respondesse. Ela me receitou outra droga do sistema nervoso (gabapentina) para tentar ajudar a acalmar meus ‘zaps do cérebro’. Ela disse que, se a droga não funcionasse, talvez ela tentasse algum outro tipo de droga com composição semelhante à amitriptilina. No entanto, parecia que ela estava basicamente adivinhando como tratar meus sintomas. Não havia remédio exato, devido aos danos que já haviam sido causados por não diminuir a droga da maneira correta! Fiquei indignada que isso estivesse acontecendo comigo.

Cheguei à conclusão de que eu estava experimentando um conjunto de sintomas que foram todos mencionados pelo Dr. Flavio Guzman, MD, em um artigo e apresentação em PowerPoint para o Instituto de Psicofarmacologia. Esses sintomas são distúrbios do sono, desequilíbrio, sintomas sensoriais, sintomas afetivos, sintomas gastrointestinais e sintomas somáticos gerais. Sua pesquisa também mencionava como a síndrome de descontinuação é frequentemente diagnosticada erroneamente pelos médicos e tratada como outras doenças ou sintomas em desenvolvimento dentro do paciente.

Quanto mais eu lia na internet, mais horrorizada ficava. Os médicos me disseram para não ler tanto na internet senão eu apenas me assustaria. Os médicos também insinuaram que as pessoas na internet não estavam contando histórias válidas ou estavam deixando de fora informações vitais. No entanto, no meu caso, a internet foi uma das únicas fontes de verdade que me deparei. Ouvir histórias de recuperação de outros e saber que havia luz no fim do túnel ajudou-me a sobreviver quando quase me senti pronta para desistir.

Até hoje, ainda tenho zaps cerebrais às vezes em meu sono. Eu ainda sinto esses ‘tempos sombrios’ onde me sinto com medo e sem esperança de que os sintomas nunca desapareçam. Minha esperança é que meu sistema nervoso esteja se curando lentamente todos os dias. Eu decidi começar meu próprio blog e fórum chamado zappingantidepressants.com, como sendo a minha contribuição para ajudar a apoiar outras pessoas que estejam passando por tempos difíceis em suas vidas de drogas antidepressivas. Eu convido os leitores a se juntarem ao meu fórum, participarem da comunidade e contar sobre suas experiências com drogas antidepressivas e / ou medicina convencional e psiquiátrica.

Muito lenta redução, é o melhor para a retirada dos antidepressivos

0
Photo Credit: Flickr

Um novo artigo na revista Lancet Psychiatry descobriu que a redução mais lenta dos SSRIs é melhor para prevenir os efeitos de abstinência de antidepressivos.

Não é nenhum segredo que as pessoas têm dificuldade em sair de seus medicamentos antidepressivos. Os efeitos de abstinência de antidepressivos, conhecidos como síndrome de descontinuação, podem ser debilitantes o suficiente para que as pessoas sintam que não têm escolha a não ser continuar tomando antidepressivos, mesmo que as drogas não estejam funcionando ou as pessoas já tenham melhorado.

Agora, uma nova pesquisa publicada este mês na revista Lancet Psychiatry descobriu que a diminuição gradual dos ISRSs  (inibidores seletivos da recaptação de serotonina, como Prozac e Zoloft) é o modo mais provável de prevenir os sintomas de abstinência de antidepressivos. Os autores também descrevem os processos biológicos que tornam mais lenta a redução como sendo a opção melhor. O artigo foi escrito por Mark Horowitz do Hospital Prince of Wales, em Sydney, na Austrália, e por David Taylor, do King’s College London.

Os pesquisadores sugerem que a diminuição gradual dos ISRSs ao longo de vários meses tem maior probabilidade de prevenir os sintomas de abstinência, em vez do cronograma de 2-4 semanas que a maioria das diretrizes recomenda.

Photo Credit: Flickr

ISRSs agem para manter a serotonina nas lacunas entre as sinapses, o que, em geral, eleva os níveis de serotonina. No entanto, o corpo humano tende a compensar mudanças químicas como essa para criar homeostase. Essa adaptação compensatória pode reduzir a quantidade de serotonina produzida nessas áreas.

Devido aos efeitos neurobiológicos dos ISRSs, é necessária uma redução da dose ‘hiperbólica’ para evitar sintomas de abstinência. Ou seja, a dose precisa ser reduzida por incrementos menores e menores. Uma redução de dose hiperbólica é quase exponencial. A dose é reduzida pela metade, depois novamente pela metade e assim por diante. Os autores dão o exemplo desta redução de dose para o citalopram (Celexa):

“Um regime de redução gradual que produziria reduções de aproximadamente 10% na ocupação dos receptores de serotonina com cada redução de dose de citalopram seria: 20 mg, 9 mg, 5, 4 mg, 3,4 mg, 2,3 mg, 1,5 mg , 0 · 8 mg, 0 · 4 mg e 0,00 mg. ”

As diretrizes de tratamento reconhecem o potencial para sintomas de abstinência e recomendam a redução gradual ao se interromper os antidepressivos. No entanto, eles recomendam redução de até 4 semanas, diminuindo a dose em grandes quantidades. Eles também geralmente sugerem que os sintomas de abstinência durarão apenas por um curto período de tempo e que muitas pessoas não experimentam nenhum sintoma de abstinência.

Infelizmente, as evidências da pesquisa sugerem o contrário. Um estudo randomizado de práticas de descontinuação descobriu que uma redução de 2 semanas não era melhor em prevenir sintomas de abstinência do que uma redução de três dias – nem a prática era longa o suficiente para prevenir a abstinência.

Uma pesquisa com pessoas que tentaram parar de usar um antidepressivo no Reino Unido no ano passado descobriu que 84,6% apresentavam sintomas de abstinência. Os sintomas comuns de abstinência incluem ansiedade, choro, dor, dormência, zaps cerebrais – que são descritos como “choques elétricos”-, sintomas semelhantes aos da gripe, náusea, vômito e diarreia, tontura, fadiga, insônia, pesadelos, problemas sexuais, confusão e amnésia.

De acordo com Horowitz e Taylor, os sintomas de abstinência logo após a interrupção de um antidepressivo também estão associados a um aumento de 60% nas tentativas de suicídio.

Na pesquisa do Reino Unido, os sintomas não passaram rapidamente. Dos que tomavam antidepressivos, 38,6% tinham sintomas de abstinência que duravam mais de um ano. Daqueles que tomavam múltiplas drogas (geralmente incluindo antidepressivos e benzodiazepínicos), mais da metade (56,6%) apresentava sintomas de abstinência que duravam mais de um ano. Quando solicitada a avaliar a gravidade desses sintomas, a classificação média foi nove em dez.

Outro estudo do ano passado (veja o relatório MIB  aqui ), descobriu que ‘tiras de afunilamento’ personalizadas podem ser usadas para interromper lentamente os medicamentos antidepressivos. Cerca de três quartos dos participantes do estudo conseguiram parar de usar os medicamentos com sucesso, o que foi especialmente notável porque mais de 60% já haviam sido testados no passado, mas não puderam ser interrompidos devido a sintomas graves de abstinência. As tiras permitem pequenas alterações na dose, o que possibilita que as pessoas descontinuem lentamente ao longo de meses, em vez de diminuir pela metade a dose e, em seguida, interrompê-la abruptamente.

Nesse estudo, o tempo necessário para descontinuar esteve relacionado ao período de tempo que uma pessoa tomava o medicamento – quanto mais tempo a pessoa o tomava, mais tempo demorava para ser suspenso. Em média, as pessoas levaram cerca de dois meses para interromperem o uso das drogas.

****

Horowitz, MA e Taylor, D. (2019). Afunilamento do tratamento com ISRS para atenuar os sintomas de abstinência. Lancet Psychiatry. Publicado online em 5 de março de 2019. http://dx.doi.org/10.1016/ S2215-0366 (19) 30032-X (Link)

A Ameaça “técnica” da Indústria da Loucura

0

Publicado na Radis.  Paulo Amarante, Psiquiatra, Pesquisador da Fiocruz e Presidente de Honra da Associação Brasileira de Saúde Mental, escreveu um artigo a respeito da Nota Técnica emitida em fevereiro pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde.

“As resoluções propostas abrem totalmente as portas para os interesses da ‘indústria da loucura’, empresas proprietárias de hospitais psiquiátricos e de ‘comunidades terapêuticas’ — onde se incluem as instituições religiosas —, para a indústria de medicamentos e de equipamentos médicos. Aspectos considerados muito delicados, como a liberação para a internação de crianças e adolescentes, a suspensão da política de redução de danos (e consequentemente da eleição exclusiva da internação integral e compulsória das pessoas que fazem uso abusivo de substâncias), a adoção da eletroconvulsoterapia (ECT) como política pública, inclusive com financiamento pelo SUS, dentre outras medidas, respondem aos anseios dos empresários que atuam no setor.”

Paulo Amarante entende que a chamada nova política de saúde mental do governo Bolsonaro faz parte da estratégia de desmonte do SUS.

“A nota é parte de uma estratégia consciente e bem determinada de desmonte do SUS e da reforma psiquiátrica e de restauração e ampliação dos interesses privados que atuam na saúde pública. Vai ser preciso continuar insistindo nas políticas de bases comunitárias, participativas, inclusivas e efetivamente voltadas para as pessoas com sofrimento mental e não para aquelas que as exploram.”

Leia o artigo na íntegra →

Corrupção Institucional na Colaboração Cochrane

0

A Colaboração Cochrane é uma das instituições sem fins lucrativos mais importantes do mundo que visa ajudar as pessoas a tomar decisões informadas sobre intervenções de saúde. Uma boa decisão pode significar a diferença entre a vida e a morte, ou, na psiquiatria, a diferença entre ser permanentemente incapacitado pelas drogas e viver uma vida normal. Portanto, é de suma importância que as avaliações dos métodos de diagnóstico e de tratamento sejam tão imparciais quanto possível, tanto quanto analisar como a pesquisa original foi feita e é resumida em revisões sistemáticas – como são as revisões feitas da Cochrane.

A ciência prospera quando as pessoas têm tanta liberdade quanto possível. Ao longo de meus 25 anos na Cochrane, lutei para manter nossa liberdade e ideais, e para manter a estrutura da Cochrane como uma organização de base de luta por ideais, livre de conflitos comerciais de interesse.

No entanto, o idealismo tende a murchar com o tempo. Um colega escreveu-me que, com base em observações pessoais de mais de 35 anos, todas as ONGs, ao atingir um determinado tamanho, começam a operar de maneira diametralmente oposta à sua carta original de princípios.

O declínio moral na Cochrane começou em 2011 e foi acelerado quando um novo CEO, Mark Wilson, foi contratado em 2012, quem parece não entender o que é ciência, mas se concentra em ‘marca’ e ‘negócios’, ao em vez de tomar como foco uma ciência correta e a promoção do livre debate científico. Ele é favorável à censura científica e, infelizmente, foi apoiado por uma maioria do Conselho Diretor da Cochrane quando fui expulso pela Diretoria em setembro de 2017 e, posteriormente, demitido de meu trabalho como chefe do Centro Nórdico Cochrane em Copenhague. Nosso acesso a documentos na Dinamarca por meio da Lei de Liberdade de Informação revelou que o CEO exigira minha demissão, embora ele não tivesse mandato para fazer tal exigência.

Em meio a toda a turbulência após a minha expulsão, Bob Whitaker publicou um artigo em que esboçou que a principal razão para minha expulsão ter sido as minhas críticas à psiquiatria e às drogas psiquiátricas. Ele falou de um caso em que eu queria saber mais sobre as mortes em um estudo de longo prazo sobre pacientes psicóticos, e “o CEO da colaboração, ao em vez de achar que a busca valeria a pena de ser feita, encontrou razões para julgar que isso poderia ser motivo para a minha expulsão”.

Como membro do conselho eleito democraticamente, com o maior número de votos dos 11 candidatos, embora eu fosse o único que criticava a liderança da Cochrane, era meu dever apontar para o restante do conselho a má administração do CEO e do co-presidente da colaboração que eu havia notado e documentado.

No entanto, isso definiu entrarem em movimento ‘processos’ ímpares. Uma série de pequenas queixas levantadas contra mim pelo CEO da Cochrane, Mark Wilson, acabaram se transformando em um ataque em grande escala contra mim. Cochrane contratou um escritório de advocacia que realizou a chamada investigação independente, mas a revisão do advogado não foi de forma alguma independente. Ele sabia que o CEO – e, portanto, também o conselho, que é controlado pelo CEO, embora não devesse ser assim – tinha a intenção de me expulsar. Ele, portanto, com muita dificuldade conseguiu uma folha de parreira para esconder o que se passava, e assim se distanciou completamente do que planejava fazer. Está claro que ele não queria participar de nenhuma ação disciplinar.

O advogado me exonerou totalmente das acusações contra mim. Isso não significou nada, no entanto. Os copresidentes do conselho foram inescrupulosos e invocaram uma desculpa espúria para me expulsar. O melhor que conseguiram foi me acusar de “mau comportamento”, que eles não definiram, nem mesmo quando perguntados. Sem justificativa, meu destino foi selado e eu fui expulso de Cochrane. Outros 4 dos 13 membros do conselho de administração renunciaram em protesto.

Cochrane entrou em controle de danos. Passou as semanas seguintes justificando suas ações, emitindo declarações mentirosas e difamatórias contra mim durante eventos públicos cuidadosamente encenados. Isso desencadeou uma reação em cadeia de protestos de cientistas e membros do público. Mais de 10.000 pessoas assinaram uma petição lançada por um dos membros demitido do conselho ao Ministro da Saúde de que eu não deveria ser demitido; mas sem sucesso.

Cochrane reagiu da maneira como qualquer business como uma liderança desonesta reagiria. Escondeu-se atrás de cláusulas de confidencialidade e continuou a difamar-me, enganando milhões de pessoas, incluindo os seus próprios membros, sobre o que realmente aconteceu naquele dia em Edimburgo.

Eu escrevi um livro Death of a whistleblower and Cochrane’s moral collapse, que documenta a verdade, apoiado por gravações de salas de diretoria que foram vazadas, bem  como e-mails privados e depoimentos de cidadãos preocupados.

Sou amplamente conhecido por meu trabalho e integridade, talvez até mesmo a pessoa mais conhecida na Colaboração Cochrane, e ninguém jamais foi expulso desde que ela começou, em 1993. Minha história é, portanto, muito maior do que eu. Não se trata apenas dos custos pessoais de falar a verdade ao poder, defender a liberdade científica, que está constantemente sob ataque em um sistema de saúde dominado pela indústria farmacêutica e outros interesses econômicos, e cheia de falsas crenças, não menos importante na psiquiatria.

Esta é uma história sobre corrupção institucional e uma das piores investigações demonstradas na academia que vocês possam imaginar. Um líder errado pode destruir rapidamente o que milhares (na ciência) ou milhões (na política) de pessoas construíram pacientemente ao longo de muitos anos. Por conseguinte, essa história deve ser contada.

Eu deixei tudo para trás e vou lançar um Instituto para a Liberdade Científica , hoje, no dia 9 de março em Copenhague, que tem essas seguintes visões:

  • Toda ciência deve se esforçar para estar livre de conflitos financeiros de interesse.
  • Toda a ciência deve ser publicada o quanto antes e tornar-se livremente acessível.
  • Todos os dados científicos, incluindo protocolos de estudo, devem ser livremente acessíveis, permitindo que outros façam suas próprias análises.

Há um enorme interesse nesta iniciativa, o que é um bom sinal. O Instituto contribuirá para o desenvolvimento de melhores cuidados de saúde, onde mais pessoas serão beneficiadas e menos serão prejudicadas pelas intervenções que receberem. Nosso objetivo é dar uma contribuição substancial à evidência médica confiável de tal modo a que a nossa sociedade valorize e atenda às suas necessidades, e defendemos o debate científico aberto e pluralista, o acesso aberto aos dados e à publicação aberta.

Como se livrar dos Antidepressivos: muito lentamente, os médicos dizem

0
Os pacientes que gradualmente reduziram sua dose diária de antidepressivos ao longo do tempo, após anos de uso, tiveram menor probabilidade de apresentar sintomas de abstinência.CreditCreditJoe Raedle / Getty Images

Publicado no The New York Times, em 6/3/19matéria do jornalista Benedict Carey. Reunindo evidências sólidas, dois psiquiatras acabam de publicar um artigo em The Lancet denunciando as diretrizes padrão empregadas pela Psiquiatria para ‘desmamar’ os pacientes dos medicamentos para a depressão (os chamados antidepressivos).

“Milhares, talvez milhões, de pessoas que tentam abandonar drogas antidepressivas experimentam sintomas pungentes de abstinência que duram meses a anos: insônia, surtos de ansiedade, até mesmo os chamados zaps cerebrais, sensações de choque elétrico no cérebro.

 Mas os médicos têm descartado ou minimizado tais sintomas, frequentemente atribuindo-os à recorrência de subjacentes problemas de humor. “

Os pacientes que gradualmente reduziram sua dose diária de antidepressivos ao longo do tempo, após anos de uso, tiveram menor probabilidade de apresentar sintomas de abstinência.CreditCreditJoe Raedle / Getty Images

O procedimento padrão empregado pelos médicos é o de considerar que os sintomas apresentados pelos usuários de antidepressivos não sejam ‘sintomas de abstinência’, mas que sejam sintomas do próprio “transtorno psiquiátrico” para ao qual a droga foi prescrita.

“O impressionante contraste entre a experiência dos pacientes e o julgamento de seus médicos tem provocado um debate acalorado na Grã-Bretanha, onde no ano passado o presidente do Royal College of Psychiatrists negou publicamente as alegações de duradouros problemas de abstinência para a ‘grande maioria dos pacientes’.

Grupos de defesa dos pacientes exigiram uma retratação pública; psiquiatras, nos Estados Unidos e no exterior, vieram em defesa do Royal College. Agora, uma dupla de proeminentes psiquiatras britânicos quebrou as barreiras de defesa, chamando a posição defendida pelo establishment como sendo muito equivocada e o conselho padrão sobre o ‘desmame’ como totalmente inadequado.”

Os autores argumentam em seu artigo que qualquer regime de abstinência que seja responsável deve fazer com que o paciente reduza a medicação ao longo de meses ou até de anos, dependendo do indivíduo, e não em quatro semanas, conforme é o conselho padrão.

Um fato importante: Dr. Horowitz e seu co-autor, Dr. David Taylor, professor de psicofarmacologia no King’s College e membro do South London e Maudsley N.H.S. Foundation Trust, decidiram abordar o tópico em parte por causa de suas próprias experiências com medicamentos.  Eles experimentaram na pele os ‘sintomas de abstinência’ ao fazerem uso das diretrizes oficiais para o ‘desmame’. Horowitz disse que ele teve sintomas graves de abstinência depois de 15 anos de uso de antidepressivos. O Dr. Taylor já havia escrito anteriormente sobre suas próprias lutas tentando diminuir a medicação.

A matéria do NYT é concluída fazendo referência a Laura Delano, já conhecida por nós, tendo estado conosco no I e II Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, realizados na ENSP/FIOCRUZ.

“Laura Delano, diretora executiva da Inner Compass Initiative, uma organização sem fins lucrativos que administra o The Withdrawal Project e se concentra em ajudar as pessoas a aprender sobre o uso de drogas psiquiátricas de formas mais seguras, disse: ‘Eu não sabia sobre os benefícios da redução lenta quando saí de cinco remédios em cinco meses, e tive um momento muito difícil nesse processo de retirada’.

O novo artigo, ela acrescentou, ‘fala sobre o quão difícil é levar essa informação ao mundo clínico. Nós, leigos, temos dito isso há muito tempo, e está dizendo que os psiquiatras precisaram eles próprios experimentar o processo de desmame para que essa informação fosse finalmente ouvida’”.

– – –

Para ler o artigo na íntegra, clique aqui →

A Prevalência do Uso de Benzodiazepínicos no Brasil

0

O estudo Prevalence of and pathways to benzodiazepine use in Brazil: the role of depression, sleep, and sedentary lifestyle (Prevalência e caminhos para o uso de benzodiazepínicos no Brasil: o papel da depressão, sono e estilo de vida sedentário) realizado pelos pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas de Álcool e Outras Drogas (INPAD), do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e do Prevention Research Center – Oakland, CA, USA e publicado pela Revista Brasileira de Psiquiatria, determina a prevalência do uso de benzodiazepínicos (BZD) e investiga os efeitos diretos e indiretos do consumo de álcool, estilo de vida sedentário (SL), sintomas depressivos (DS) e insatisfação com o sono (SD) no uso de BZD.

O II LENAD – Levantamento Nacional de Álcool e Drogas foi utilizado para selecionar 4.607 indivíduos de 14 anos ou mais, incluindo uma amostra de 1.157 adolescentes (entre 14 e 18 anos). A metodologia para a seleção amostral foi a de amostra probabilística estratificada em 3 estágios: seleção de 149 municípios usando o método probabilidade proporcional ao tamanho (PPT); seleção de dois setores censitários para cada município, totalizando 375 setores, também usando PPT; e dentro de setor censitário, oito domicílios foram selecionados por amostragem aleatória simples, seguido pela seleção de uma pessoa dentro de cada domicílio para ser entrevistado, usando um questionário estruturado.

Os resultados mostram que aproximadamente um em cada dez brasileiros fizeram uso de BZDs em algum momento da vida, ademais o consumo depois dos 60 anos foi menor do que pessoas entre 49-59 anos, sendo um fato surpresa para os pesquisadores. Também foi constatado um menor uso entre adolescentes (2,7%) do que o previamente relatado em outro estudo brasileiro (5%) e um estudo europeu (5,6%). Já a prevalência do uso de BZD quando considerado o gênero, é maior entre as mulheres.

O artigo alerta que os BZDs são amplamente usados no tratamento de desordens do sono. Quando tratamentos não farmacológicos não são providenciados, o risco do uso indevido é uma preocupação comum. Os autores do artigo afirmam que os profissionais de saúde deveriam encorajar abordagens não farmacológicas para desordens do sono, tais como atividade física.

Por último, os pesquisadores estimam que existam mais de 13 milhões de usuários de BDZs no Brasil. E concluem  que a combinação da falta de políticas efetivas para combater o excesso de prescrição, o mercado ilegal de BDZs e os insuficientes esforços para educar a população sobre os riscos associados ao BDZs poderiam ter um importante papel nesse cenário.

•••

MADRUGA, Clarice S. et al . Prevalence of and pathways to benzodiazepine use in Brazil: the role of depression, sleep, and sedentary lifestyle. Braz. J. Psychiatry,  São Paulo ,  v. 41, n. 1, p. 44-50, Feb. 2019. (Link)

O Cemitério dos Vivos

2

Cemitério dos Vivos é um romance inacabado de Lima Barreto, baseado nas anotações feitas num Diário quando o escritor esteve internado no Hospício da Praia Vermelha. As “Anotações para o Cemitério dos Vivos” [1] foram sugeridas por meu editor, e aceitas imediatamente, como complemento do meu livro “Ouvindo Vozes” por dois motivos: compartilhar os escritos de Lima Barreto para os jovens estudantes de hoje; e – o que encantou meu editor – mostrar as semelhanças de um hospício no século XXI e àquele de quase cem anos atrás.

Uma das características do hospício é anular o tempo e o espaço. Quando começava minha jornada, ainda na Colônia Juliano Moreira, aplicando um censo aos internos, no início dos anos oitenta do século passado, observamos que os pacientes respondiam com uma idade discrepante à observação de seus rostos. Diziam ter a idade muito pouca para rostos marcados. Foi fácil perceber que a idade dada correspondia ou estava muito perto da data da internação naquele cemitério de vivos. Como se o tempo tivesse ali parado para sempre. As “anotações” de Lima Barreto, feitas em 1919, mostravam enfermarias e pacientes semelhantes às minhas próprias descrições de um hospício que minha equipe tentava mudar. Quase cem anos depois a impressão é que estamos no mesmo momento temporal.

Quanto ao espaço, basta viajarmos para outros lugares e países. São muito iguais. Disposição panóptica, celas, grades, banheiros sem privacidade, refeitório sem talheres. Roupas iguais de cores semelhantes. Eu mesmo as nominei de “azul hospício” ou “cinza manicômio”, aquelas roupas de brim impessoal. Em comum as grades de ferro que aferrolham o tempo e o espaço no manicômio.

Mas desde o final da década de 1980, um movimento se opôs ao velho, longevo e perverso manicômio. O movimento da Reforma Psiquiátrica brasileira, que aprendeu com o movimento da Reforma italiana de Basaglia. Seu lema: “por uma sociedade sem manicômio”. O movimento visava a ultrapassagem do hospital psiquiátrico.

Foram criados dispositivos substitutos do manicômio na intenção de sua superação. Um passo cuidadoso para não provocar desassistência. E em trinta anos de teorias, práticas, acertos, desacertos, temos a certeza de que o manicômio pode ser substituído por dispositivos comunitários que mostraram sua eficácia e eficiência. Podemos afirmar que foram criadas novas formas de tratamento e de assunção ao tratamento pelos usuários e familiares, que transformou a prática hospitalar obsoleta. Digo hospitalar porque os CAPSs, as RTs [2],  as Unidades de Acolhimento, Leitos no Hospital Geral e outros dispositivos de trabalho e lazer deram provas de substituir com vantagens o hospital psiquiátrico especializado.

Aqui se encontra o nó. O calcanhar de Aquiles da Reforma Psiquiátrica. Na radicalidade da Reforma o hospital psiquiátrico deve ser dispensado. Primeiro por que os dispositivos reformistas devem ser substitutivos e não alternativos ao hospital especializado. Segundo por que o hospital psiquiátrico especializado com facilidade se transforma em manicômio. Terceiro por que a Reforma é dA Psiquiatria e seu locus fundador – o hospital . E não uma Reforma dos métodos usados nA Psiquiatria.

Basaglia mostra que não é o manicômio que deforma a psiquiatria, mas a psiquiatria que produz o manicômio. A partir do hospital psiquiátrico especializado de “boas intenções”. Ele cataloga, segrega, separa da comunidade e da família, aplica o saber sobre a doença sem considerar o sujeito que adoeceu. E o hospital psiquiátrico subordina qualquer outro saber sobre a loucura ao saber médico hegemônico.

O fenômeno da loucura é por demais complexo para que seja explicado apenas pela medicina. Não pode ser reduzido a uma doença catalogada nos manuais diagnósticos em que sintomas são agrupados pela subjetividade do examinador. Há algo muito além disso. Outros saberes são chamados ao campo da loucura para, minimamente, chegar perto da compreensão possível. A transdisciplinaridade é uma abordagem científica que visa a unidade do conhecimento. Ela procura estimular uma nova compreensão da realidade articulando elementos que passam entre, além e através das disciplinas, numa busca de compreensão da complexidade. A Reforma se faz assim. É pré-requisito.

Mas voltando ao nosso calcanhar de Aquiles, a medicina nunca foi totalmente convencida disso, apesar de ter acolhido a reforma e dela ter se apropriado, sempre tentando a hegemonia do seu saber e mantendo o hospital psiquiátrico ao qual alternava os dispositivos da reforma. Nunca aceitou o fim do hospital psiquiátrico. Poucos centros de formação médica escapam a essa crítica, apesar da existência de muitos médicos reformistas radicais, dentre os quais me incluo, sem que nada dessa visão transdisciplinar diminua nossa atuação. Pelo contrário. Sentimo-nos mais seguros de usar nossos conhecimentos e aprendemos muito mais sobre o sujeito, antes apenas um doente portador de uma enfermidade.

Essa sedição psiquiátrica, já existente dentro do movimento da reforma, criou uma fissura, por onde se alimentou a reacionária Associação Brasileira de Psiquiatria e o atual governo proto-fascista para ressuscitar o hospital psiquiátrico e seus métodos antigos, às vezes travestidos de modernidade, negando que os dispositivos da reforma sejam substitutivos. Essa simples negativa destrói a construção da Reforma Psiquiátrica. A medicina volta a colocar o hospital no centro da atenção e aceita tratar os casos mais leves nos dispositivos comunitários. Isso é a morte da Reforma e a volta ao modelo que ela tentou superar.

Daí ao retorno do manicômio é apenas uma questão de tempo, como sempre aconteceu na história. Além de que os manicômios religiosos – que tentam juntar ciência e fé – para o tratamento de usuários de drogas serão o absurdo piorado do manicômio: a mistura de drogas psiquiátricas e penitências involuntárias (que são apenas métodos de tortura) funcionarão como corretivos perversos em nome da fé. Verdadeiros campos de concentração.

Não duvidamos que um pouco mais no futuro – se essa tendência não for detida – o romance de Lima Barreto poderá ser terminado. O “Cemitério dos Vivos” ressurgirá como a vitória do proto-fascismo em nossa sociedade.

Referências bibliográficas: 

[1] Ouvindo Vozes, Vieira & Lent, RJ, 2009.

[2] CAPS – Centro de Atenção Psicossocial (um turno, dois turnos ou 24 horas, para transtornos mentais e uso abusivo de drogas em adultos e crianças). RT – Residência Terapêutica para pacientes moradores de hospitais psiquiátricos.

Tratamento com Choque Elétrico é controverso para depressão grave

0

Publicado em Daily Mail: a violência do eletrochoque.

Entre as medidas tomadas pelo Ministério da Saúde do governo Bolsanaro, há o retorno da terapia eletroconvulsiva (ECT) como prática oficial no sistema de saúde pública. Afinal de contas, como os atuais gestores das políticas de saúde mental no país dizem: hoje, com o Governo Bolsonaro, não há mais lugar para “formas terapêuticas substitutivas”. Portanto, assim como os “hospitais psiquiátricos”, o eletrochoque passa a fazer parte da saúde pública.

E há muitos os que defendem a ECT.  Mad in Brasil já publicou várias matérias demonstrando que muito pouco de científico há na ECT. O que as inúmeras evidências científicas acumuladas têm mostrado é que a ECT causa danos cerebrais, frequentemente irreversíveis, sem levar em consideração os danos psicológicos e sociais.

Mais uma matéria (internacional) a respeito.

Clique aqui → 

Novo livro desconstrói a ideologia da terapia cognitiva-comportamental (TCC)

0
Farhad Dalal trabalha como psicoterapeuta e analista de grupo em consultório particular, e faz isso há cerca de vinte e cinco anos. Agora vivendo e trabalhando em Devon, ele é um analista de grupo de treinamento para o Institute of Group Analysis, em Londres. Ele também trabalha com equipes e organizações como facilitador e consultor. Até recentemente, ele era um membro associado na Escola de Negócios da Universidade de Hertfordshire. Ele publicou numerosos artigos sobre os temas da psicanálise, análise de grupo, política, organizações e racismo.

Autor e psicoterapeuta, Dr. Farhad Dalal, publicou recentemente um livro que critica as bases filosóficas e científicas da Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC). Frequentemente defendida como uma alternativa às drogas psiquiátricas, a TCC, segundo a investigação de Dalal, é derivada dos mesmos entendimentos científicos e filosóficos falhos, menos preocupada com as origens do sofrimento e mais propensa a reduzir o sofrimento a explicações medicalizadas e a tratamentos institucionais.

O livro, intitulado CBT: The Cognitive Behavioural Tsunami (‘CBT: O Tsunami Cognitivo-Comportamental’), examina as influências da ideologia do gerenciamento (managerialism) dos problemas em saúde mental, da política e da ciência corruptas que endossam pontos de vista e respostas particulares ao sofrimento humano. A introdução do livro apresenta a seguinte declaração:

Farhad Dalal trabalha como psicoterapeuta e analista de grupo em consultório particular, e faz isso há cerca de vinte e cinco anos. Agora vivendo e trabalhando em Devon, ele é um analista de grupo de treinamento para o Institute of Group Analysis, em Londres. Ele também trabalha com equipes e organizações como facilitador e consultor. Até recentemente, ele era um membro associado na Escola de Negócios da Universidade de Hertfordshire. Ele publicou numerosos artigos sobre os temas da psicanálise, análise de grupo, política, organizações e racismo.

“A ascensão da TCC foi fomentada pelo neoliberalismo e pelo fenômeno da Nova Gestão Pública. O livro não apenas critica a ciência, a psicologia e a filosofia da TCC, mas também desafia a mentalidade gerencialista e sua compreensão hiper-racional de ‘eficiência’, ambos as quais são comuns na vida organizacional hoje em dia. “

“O livro sugere que essas são formas perversas de pensamento, que foram institucionalizadas pelo Instituto Nacional de Excelência Clínica e de Saúde (NICE) e pelo IAPT, e usadas por essas instituições para gerar narrativas das proezas da TCC. Ele afirma que a TCC é um exercício de redução de sintomas, que exagera enormemente o grau de redução dos sintomas, a durabilidade da melhora e o número de pessoas que ajuda.”

Farhad Dalal trabalha como psicoterapeuta e analista de grupo em consultório particular, e faz isso há cerca de vinte e cinco anos. Agora vivendo e trabalhando em Devon, ele é um analista de grupo do Institute of Group Analysis, em Londres. Ele também trabalha com equipes e organizações enquanto facilitador e consultor. Até recentemente ele era um membro associado na Escola de Negócios da Universidade de Hertfordshire. Ele publicou numerosos artigos sobre os temas da psicanálise, análise de grupo, política, organizações e racismo.

A questão central abordada por Dalal é: “A TCC é tudo o que afirma ser?” Em resposta a isso, Dalal descreve vários argumentos que ilustram as falsidades subjacentes ao apoio à TCC. Primeiro, ele argumenta que a TCC surgiu de um encantamento com a hiper-racionalidade e com uma noção muito restrita do que está incluído sob o guarda-chuva da ‘ciência’. A tentativa da TCC de entender o sofrimento humano é modelada a partir da noção de que tudo deve ser mensurável com precisão, para contabilizar, e, além disso, que tudo deve ser documentado para ser legítimo.

“A atividade da ciência é supostamente a produção de conhecimento objetivo por meios racionais”, escreve ele. “Os ‘meios’ em si são uma mistura de observação (evidência empírica) e argumento lógico. A TCC afirma produzir conhecimento científico dessa maneira e, com base nisso, afirma que suas reivindicações são racionais, objetivas e livres de valor. Em suma, que falam a verdade.

Desta forma, a TCC é apresentada de uma forma que nega a inserção cultural. No entanto, Dalal transmite a conexão entre essa abordagem e uma cultura de eficiência promovida pelo capitalismo neoliberal. Instituições e estruturas neoliberais promovem eficiência, por meio de formas tais como medidas de austeridade, e que na prática resultarão efetivamente em maiores níveis de sofrimento. Por conseguinte, o sofrimento humano passa assim a ser conceituado enquanto doença, por meio de uma estrutura de TCC e, como tal, as mesmas políticas culturais que contribuem para o sofrimento são aquelas que passam a oferecer a TCC enquanto uma solução.

Dalal expande seu enquadramento da TCC entendendo-a como uma terapêutica baseada na hiper-racionalidade:

“A palavra de ordem da hiper-racionalidade é ‘comando e controle’; sua expectativa é que devemos ser capazes de controlar tudo: não apenas o mundo, não apenas o funcionamento das organizações, mas nossas próprias formas de ser ”.

O embasamento da TCC em um quadro científico positivista dita as condições pelas quais a TCC é estudada e promovida, argumenta Dalal. Ele afirma que a narrativa da TCC é aquela que aceita sem crítica a existência de ‘transtornos mentais’ no DSM. A TCC, como tratamento, é estudada e promovida juntamente com a reificação dos transtornos mentais. Ele afirma:

“Com base nisso, os tratamentos para transtornos mentais são testados em condições controladas pelos cientistas. Isso produz evidências científicas sobre se o tratamento realmente funciona ou não (a base de evidências) ”.

Uma vez que essas evidências sejam estabelecidas e interpretadas como convincentes, os órgãos institucionais que regulam as recomendações de tratamento, como o NICE, desenvolvem diretrizes para a disseminação de tratamentos semelhantes.

Contudo, Dalal diz ser muito preocupante a explícita ausência de uma visão crítica e o baixo nível das evidências usadas para a promoção da TCC. Seu principal argumento envolve examinar e questionar os fundamentos ideológicos desse processo. Ele escreve:

“Leituras ideológicas eliminam as reviravoltas, assim como as complexidades, contradições e lutas de poder para fazer parecer que eles nunca estiveram lá em primeiro lugar. O fato é que a narrativa da TCC sobre si mesma é uma narrativa política que se disfarça como sendo científica ”.

O livro de Dalal se concentra em desconstruir essa leitura ideológica. Ele discute a influência da filosofia utilitarista na popularização da TCC, ou o que ele chama de “tsunami da TCC”. Isso envolve a necessidade de uma exploração mais cuidadosa das compreensões convencionais do que é felicidade.

Além disso, ele desconstrói a política de formação de identidade. Isso se refere às maneiras pelas quais as psicodisciplinas (psicologia, psiquiatria e psicoterapia) exercem o positivismo para medicalizar e individualizar o sofrimento. Ao fazer isso, o que fazem é aceitar os quadros diagnósticos de sofrimento enquanto transtornos individuais.

Dalal prossegue explicando a gênese do cognitivismo e sua conexão com a economia neoliberal. Ele relata um exemplo disso, descrevendo a conceituação de angústia (enquadrada como depressão) como a incapacidade para trabalhar. Os órgãos governamentais não conseguem ver as maneiras pelas quais esse ‘fardo’ é resultado de medidas de austeridade. A solução lógica para este problema, quando enquadrado dessa maneira, é, de acordo com Dalal:

“Trate a doença e as pessoas voltarão ao trabalho.”

“Por trás disso, novas categorias de diagnóstico aparecem em discursos e artigos emanados do Departamento do Trabalho e Pensões (DWP), por exemplo, a ‘resistência psicológica ao trabalho’. O DWP está hoje oferecendo contratos lucrativos para os que fornecem tratamentos para ‘doenças mentais’ desse tipo.”

A ligação entre o cognitivismo e a economia neoliberal é representada também no ‘vamos fornecer à população’ a TCC , afirma ele. Nesse processo, a tarefa de examinar as evidências e a base científica dos tratamentos é repleta de corrupção e ilusão, na medida em que um enquadramento terapêutico particular é incentivado, sem o reconhecimento de sua inserção cultural, nem tampouco o seu plano de fundo de natureza ideológica.

Dalal assume a postura de que o apoio à TCC é amplificado por generalizações, distorções, e mentiras (‘fake news’), tudo isso enraizado na objetivação da subjetividade. A pesquisa é restrita e os resultados são impulsionados pelo desejo dos pesquisadores, e não pela realidade clínica propriamente dita:

“Quando despojado do jargão”, escreve ele, “o tratamento com TCC é pouco mais do que a injunção: pense diferente, e você se sentirá diferente”.

Ele continua:

“Essas práticas não apenas terminam atendendo a pacientes que mudam rapidamente na sua forma de pensar, diluindo significativamente a intensidade e a duração dos tratamentos aos quais têm direito, mas também colocam os praticantes sob níveis insuportáveis ​​de estresse. Mas a arte do gerencialismo é a de fazer parecer que nenhuma dessas coisas está acontecendo e que a instituição está cumprindo todos os seus objetivos e metas ”.

Em sua conclusão, Dalal adverte contra a terceira onda da TCC, que inclui a promoção da Terapia Cognitiva Baseada na Atenção Plena (MBCBT). Embora a evidência dessa abordagem enquanto um remédio eficaz para a depressão tenha sido adotada pelo NICE e pelo IAPT, o autor aponta que não é essa história de sucesso real da TCC que à primeira vista pode parecer.

Em vez disso, ele analisa esses estudos para demonstrar as maneiras pelas quais as manobras estatísticas e a ofuscação linguística criam uma história que combina com uma narrativa da TCC. Dalal conclui que a TCC em si é uma ilusão, reforçada e sustentada por crenças, sistemas e estruturas gerencialistas circundantes:

“A ilusão cognitivista é exatamente isso: a ilusão de que os seres humanos modernos são essencialmente seres cognitivos, de tomada de decisão racional. A ilusão continua: os pensamentos precedem as emoções e são separáveis ​​delas … Uma vez corrigida, uma vez que a cognição combina com a realidade, então a vida emocional se alinha e a pessoa está em recuperação. Isso é prontamente possível com qualquer coisa que cause sofrimento, e bastam entre seis a vinte sessões.”

***

Vídeo de Dalal apresentando como é a venda ao público da base de evidências da TCC: https://www.youtube.com/watch?v=T2OsehrTKTA

***

Dalal, F. (2018). CBT: The Cognitive Behavioural Tsunami: Managerialism, Politics and the Corruptions of Science.

Noticias

Blogues