The New Yorker espia o abismo psiquiátrico … e perde sua coragem

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Já se passaram algumas semanas desde que The New Yorker publicou um longo artigo sobre Laura Delano e as dificuldades de abandonar as drogas psiquiátricas e, desde então, tenho tentado avaliar se o artigo marcou, em minha opinião, um passo adiante em termos de cobertura da mídia sobre psiquiatria e seus tratamentos, ou, estranhamente, é um lembrete de como, quando a pressão chega, a mídia reforçará as crenças convencionais.

Nas semanas anteriores a 1º de abril, quando o artigo on-line foi publicado, eu tinha dúvidas sobre se a revista, possivelmente a revista de maior prestígio dos Estados Unidos, contaria a história de Laura na íntegra. Eu sabia que a escritora, Rachel Aviv, vinha trabalhando na história há quase um ano, e que a história de Laura – de como ela foi prejudicada pela psiquiatria e suas drogas, e como foi sua jornada de volta a uma vida robusta ao passar estar centrada em rejeitar a psiquiatria convencional e suas crenças – era algo que a grande mídia sempre evitou.

Aviv certamente conhecia bem a história completa de Laura, e havia conseguido a aprovação editorial para investir meses de trabalho relatando isso; e por isso me atrevi a pensar: seria este o momento em que o tabu estaria sendo quebrado? E se assim fosse, não estaria a represa então sendo rompida, com artigos agora aparecendo na imprensa convencional a questionar a narrativa convencional do ‘modelo de doença’ que a psiquiatria – enquanto instituição – tem contado ao público nos últimos 35 anos? Isso produziria uma reviravolta surpreendente na narrativa pública que vem governando o pensamento da nossa sociedade sobre a psiquiatria e seus tratamentos.

De fato, a exemplo de como outro escritor do New Yorker, Malcolm Gladwell, quem otimamente escreveu sobre como mudanças sociais dramáticas ocorrem, este artigo poderia se tornar um ‘ponto de inflexão’ e talvez, em breve, a discussão pública passaria a estar focando em como o ‘modelo de doença’ psiquiátrica tem sido um desastre de saúde pública, e como a psiquiatria – enquanto instituição – nos tem vendido uma narrativa fora de sincronia com a sua própria ciência.

Parecia que a discussão futura da nossa sociedade sobre esse tópico estaria em jogo neste artigo, e é por isso que, algumas semanas depois de sua publicação, eu acho que vale a pena dar uma olhada mais ‘desconstrucionista’.

Laura em suas próprias palavras

A história pessoal de Laura é bem conhecida da maioria dos leitores da nossa comunidade do Mad. Na verdade, foi o desejo e disposição de Laura contar a sua história que foi uma semente para a criação do site do Mad In America como um “webzine”, com a missão declarada de servir enquanto um fórum público para se ‘repensar a psiquiatria’.

Laura escreveu para mim em 2010 logo após a publicação do meu livro Anatomia de uma Epidemia, e depois que nos encontramos em um café em Cambridge eu a convidei para escrever um blog como convidada em meu site pessoal, o madinamerica.com. Eu tinha esse site desde 2002, quando publiquei meu primeiro livro sobre psiquiatria e sua história, o Mad in America. Laura fez isso, e logo um médico que lera Anatomia de uma Epidemia, Mark Foster, também estava escrevendo um blog para convidados, e a partir daí foi um pequeno passo para transformar meu site pessoal em um webzine.

Laura foi a primeira pessoa a publicar sua história pessoal em nosso novo webzine e, além de escrever regularmente em Mad in America, trabalhou para o MIA por vários anos e organizou nosso festival internacional de filmes em 2014.

Como muitos jovens de hoje, Laura tropeçou no mundo da psiquiatria quando ainda era adolescente, quando vivenciava parte da angústia existencial “Quem sou eu?” – comum àquela idade na vida. No início, ela resistiu a se ver através de uma lente de ‘doença mental’, mas depois de vários anos tomando drogas psiquiátricas ela aceitou que ela era “bipolar”. Ela escreveu: 

Quando a psiquiatria tentou me doutrinar quando adolescente, eu ainda não estava vulnerável ou sem esperança. Quando finalmente cheguei a tal situação, entreguei-me imediatamente a um psiquiatra da mais prestigiada instituição psiquiátrica privada da América, e me tornei uma paciente de sangue puro, passiva, dependente e convencida de sua fragilidade, isso em questão de semanas. Eu acreditei nele quando ele me disse que eu estaria com ‘pílulas’ para o resto da minha vida, e que teria que aprender a ‘gerenciar meus sintomas’ e ‘definir expectativas realistas’ para mim. Eu tinha certeza de que o diagnóstico ‘bipolar’ era a explicação para todos os meus problemas, e que o ‘tratamento’ prescrito seria a minha solução. Eu precisava ser ‘bipolar’, e eu precisava das prescrições de antipsicóticos, antidepressivos e pílulas para dormir que foram prescritas para mim no final da primeira sessão, porque me davam esperança de que algo poderia e iria mudaria.

Tudo dito, Laura passou 13 anos vagando perdida neste mundo psiquiátrico de diagnóstico e tratamento, e isso finalmente levou-a quase a morrer por suicídio, e a um número cada vez maior de prescrições psiquiátricas. Então, em 2010, ela tropeçou em Anatomia de uma Epidemia, e de repente ela se viu – e seu passado – sob uma nova luz.

E como, como eu acordei? Como eu despertei para e dessa poderosa doutrinação [o ‘culto da psiquiatria’]? Passei a tomar como foco o Momento. Ou seja, o momento em que comecei a acordar de 13 anos de sono drogado, anestesiado, desconectado e rotulado psiquiatricamente. O momento em que comecei a reconhecer e perceber que tudo que me foi dito para acreditar em mim mesma via a psiquiatria não era necessariamente verdade. . . Você vê, naquele momento crítico em maio de 2010, a faísca que anos atrás tinha sido ígnea e brilhante em mim estava sendo mais uma vez reacendida; o combustível: Anatomia de uma Epidemia, de Robert Whitaker. Ao ver seu rosto da capa dura do livro olhando para mim de uma prateleira de New Release em uma livraria de Vermont, eu não poderia ter previsto em minha imaginação que o resultado seria um despertar; de fato, eu estava tão anestesiada pelo feitiço da Psiquiatria que nem sabia que estava dormindo. Mas algo nas partes mais profundas de mim – minha força vital, meu élan vital – estava agitado e desesperado por mudanças. Eu estava em um modo de sobrevivência existencial, embora eu não soubesse disso conscientemente, e estava pronta para algo ser o catalisador. O momento era justo para ler Anatomia, e apesar de quão incrivelmente desconectada e sedada minha mente estava com cinco drogas psicotrópicas, meu espírito humano, ainda em mim depois de todos aqueles anos sob os cuidados da Psiquiatria, começou a se agitar.

Nos anos seguintes, Laura escreveu em diversos blogs sobre sua transformação e como isso começou quando rejeitou a psiquiatria – suas concepções e seus tratamentos. Em seus escritos para Mad in America, ela falou sobre redescobrir “uma conexão autêntica com o seu eu e o mundo”. Ela escreveu sobre “escapar” dos rótulos dos diagnósticos, acordar de uma “adolescência patologizada”, sua busca pela “liberdade” deixando a psiquiatria. De fato, ela se tornou uma das principais vozes do movimento de sobreviventes psiquiátricos, falando poderosamente sobre esses temas fundamentais, todos os quais contavam sobre um paradigma de cuidado que estava causando um grande dano, particularmente aos adolescentes que a acompanhavam nas redes sociais.

A história dela é poderosa, e quando Rachel Aviv me ligou, tudo que ela realmente queria falar era sobre o momento em que Laura e eu nos conhecemos no café. Será que eu me lembrava do que conversarmos lá? E de que maneira eu via a história de Laura como emblemática, ou comum a outros adolescentes que foram diagnosticados e tratados com drogas psiquiátricas?

Laura e eu conversamos várias vezes nas semanas anteriores à publicação da matéria. Nós dois nos perguntávamos a mesma coisa: seria realmente possível que o The New Yorker contasse essa história? Se assim fosse, certamente enviaria ondas de choque no meio da psiquiatria e abalaria a opinião pública, pois este seria o momento em que uma publicação norte-americana do mainstream estaria finalmente dando crédito a uma narrativa que, no passado, sempre havia sido banida da mídia tradicional.

Do meu ponto de vista, esse era o meu próprio ‘momento’ que eu estava esperando. Este poderia ser o momento em que nosso pensamento social sobre psiquiatria e seus tratamentos estaria mudando.

Desconstruindo o ‘momento’ no The New Yorker

Da perspectiva de um jornalista (ou escritor), a história de Laura segue um arco clássico: no começo alguém com boa sorte , depois uma queda em um mundo sombrio e, depois de uma reviravolta dramática em sua vida, ela ressurge para a luz. E é fácil ver que o artigo de Rachel Aviv que ao longo das mais ou menos 4500 palavras segue esse roteiro. Ela escreve sobre como Laura nasceu em uma família rica, depois vem a crise existencial de Laura ‘quem sou eu?’ quando adolescente, o que a leva a diagnósticos, drogas e anos perdidos vagando no deserto da psiquiatria. E então – surge o rufar dos tambores -, vem o que Aviv diz ser o ‘Momento’.

Em maio de 2010, alguns meses depois de haver ingressado em uma clínica para ‘borderline’, [Laura] entrou em uma livraria, embora já não lesse mais. Na prateleira com os novos lançamentos estava Anatomia de uma Epidemia, de Robert Whitaker, cuja capa tinha um desenho da cabeça de uma pessoa rotulada com os nomes de vários medicamentos que ela tomara. O livro tenta dar sentido ao fato de que, à medida que a psicofarmacologia se tornou mais sofisticada e acessível, o número de americanos incapacitados pela doença mental havia aumentado. Whitaker argumenta que os medicamentos psiquiátricos, tomados em grandes doses ao longo de toda a vida, podem estar transformando alguns transtornos episódicos em incapacidades crônicas. (O livro foi elogiado por apresentar uma hipótese potencialmente muito importante e criticado por exagerar as evidências e adotar um tom de cruzada.)

Laura escreveu para Whitaker um e-mail com o seguinte assunto “Psicofármacos e a Individualidade” e listou as muitas drogas que havia tomado. “Eu cresci em uma cidade que enfatizava a crença de que a felicidade vem de se parecer perfeita para os outros”, escreveu ela. Whitaker morava em Boston e eles se encontraram para tomar um café. Whitaker me contou a Laura que se lembrava dos muitos jovens que o haviam contatado depois de ler o livro. Ele disse: “Eles receberam um remédio, depois um segundo e um terceiro, e eles são colocados nessa outra trajetória em que sua identidade própria muda de normal para anormal – eles são informados de que, basicamente, existe algo de errado com seu cérebro, e isso não é temporário – muda seu senso de resiliência e a forma como eles se apresentam aos outros ”.

Em suas consultas com seu farmacologista, Laura começou a pensar na possibilidade de abandonar suas drogas.

A primeira coisa que se notará a ler essa passagem é que não há comentários ou explicações de Laura sobre por que ela achou a leitura do livro ser tão transformadora. De fato, como está escrito no The New Yorker, parece que Anatomia simplesmente forneceu a Laura razões para ela considerar a possibilidade de diminuir seus medicamentos. Mas por que? Nós não sabemos realmente. Não há menção de que Anatomia lhe permitiu ver a si mesma sob uma nova luz, e que agora se via como havendo se tornado uma doente mental pela psiquiatria. Sua recuperação começaria quando ela rejeitou tudo o que a psiquiatria havia dito a ela sobre si mesma; e, não obstante, é o que está faltando nesse relato.

Depois, há o tratamento dado por Aviv ao Anatomia. Como esse é um artigo sobre Laura Delano e como a leitura do livro foi transformadora para ela, a única necessidade jornalística aqui seria fazer com que Laura explicasse por que isso aconteceu. Mas, em vez de escrever sobre isso, Aviv se desvia em uma breve discussão sobre Anatomia, e o faz de uma maneira que poderia ser esperada como que trazendo conforto àqueles que defenderiam a narrativa convencional.

Anatomia de uma Epidemia coloca a narrativa convencional sob um microscópio, e o faz confiando em pesquisas da própria psiquiatria que são publicadas. Anatomia conta como os pesquisadores, datando do final dos anos 70 e início dos 80, não estavam conseguindo descobrir que simples ‘desequilíbrios químicos’ seriam a causa de grandes transtornos psiquiátricos, e o que na verdade eles estavam sim descobrindo nada mais era que as drogas, com o tempo, induzem as anormalidades químicas muito propensas a causar os transtornos que supostamente estavam na origem do tratamento psicofarmacológico. Anatomia, em seguida, concentra-se em pesquisas sobre os efeitos a longo prazo de drogas psiquiátricas e argumenta como é que esses medicamentos, a longo prazo, aumentam a cronicidade dos transtornos psiquiátricos. O livro também conta como o diagnóstico de TDAH, da depressão adolescente e bipolar juvenil decolou nos anos 90, ajudando a expandir o mercado de drogas psiquiátricas, e como essa ‘patologização’ da infância estava transformando adolescentes em pacientes mentais ao longo da vida.

Mas esse livro não é o que é encontrado na matéria de Aviv. Em seu lugar está um livro que é muito menos ameaçador para a narrativa convencional. Na descrição de Aviv, Anatomia de uma Epidemia “tenta fazer sentido” de um paradoxo, e faz isso apresentando uma “hipótese potencial”, que é que drogas psiquiátricas, quando tomadas em “doses pesadas ao longo da vida”, podem transformar algumas transtornos episódicos em condições crônicas. Em outras palavras, o foco do livro é sobre a ‘supermedicação’ de alguns pacientes (em oposição a um livro que fala de um paradigma de cuidado que vem causando grandes danos), e que provavelmente não deve ser levado muito a sério, na medida em que os críticos dizem que eu exagerei na evidência e que escrevo com um tom de ‘cruzada’.

Naquele momento, os defensores da psiquiatria – enervados pela história de Laura narrada nesses dois parágrafos – puderam respirar aliviados. A história de Laura agora estava sendo montada sobre as dificuldades de sair das drogas, com psiquiatras e outros comentando sobre como isso era uma preocupação que a profissão precisava atender, e não uma outra, se a história de Laura houvesse sido totalmente contada, que é sobre como sua recuperação havia se iniciado quando ela rejeitou a narrativa convencional, considerando-a falsa e prejudicial.

Dessa forma, a bala Tipping Point foi cuidadosamente esquivada.

Parte Dois do Artigo da The New Yorker

Com o artigo agora tendo mudado para um novo assunto, ele não conta nada sobre os ferozes escritos sobre sobreviventes psiquiátricos produzidos por Laura, ou sobre o trabalho dela para MIA. Em vez disso, o artigo se torna, como o título da matéria on-line indicava, uma história sobre “O desafio de sair das drogas psiquiátricas”, com as dificuldades de Laura detalhadas a esse respeito.

Isso serve para dar a atenção necessária a um problema que, na maioria das vezes, tem sido ignorado pela mídia e subestimado pela profissão psiquiátrica. O New York Times escreveu sobre isso há um ano em um artigo intitulado “Muitas pessoas tomando antidepressivos descobrem que não podem desistir, e recentemente tornou-se um assunto de muita discussão na mídia do Reino Unido. Este artigo da New Yorker ajudará a impulsionar o reconhecimento público desse problema e, como tal, serve como uma fenda na narrativa convencional e, portanto, pode abrir as portas para futuras investigações dos problemas com nosso atual paradigma de cuidado baseado no ‘modelo de doença’.

Ao mesmo tempo, o artigo da The New Yorker, mesmo relatando as dificuldades de Laura em abandonar as drogas, faz lembrar o bem que medicamentos psiquiátricos podem fazer e como a experiência de Laura pode ser vista como uma exceção à regra. Em outras palavras, coloca a história de Laura dentro de um contexto que preserva o núcleo da narrativa convencional.

Aqui estão alguns dos ‘fatos’ incluídos na peça que vem da narrativa convencional:

  • Cerca de um terço dos pacientes que tomam antidepressivos não respondem a eles (o que equivale dizer que dois terços conseguem).
  • As drogas fornecem um “alívio do sofrimento (que) é de uma ordem diferente de magnitude do que os sintomas quando você para de tomá-los”.
  • “A maioria das pessoas que interrompe os antidepressivos não sofre de sintomas de abstinência que duram não mais do que alguns dias. Alguns não experimentam nada.”
  • As revistas podem hesitar em publicar artigos sobre a retirada “porque ninguém quer impedir as pessoas de usar drogas que possam salvar sua vida ou tirá-las da incapacidade”.

O esperado seria que o processo de checagem de fatos da New Yorker investigasse essas alegações. Aqui está o que eles teriam encontrado se assim tivessem feito:

A noção de que 67% dos pacientes do ‘mundo real’ “respondem positivamente” aos antidepressivos é aquela que foi promovida antes, por meio do ensaio STAR * D citado como evidência para isso. Embora seja verdade que os investigadores do STAR * D realmente relataram que 67% dos resumos dos seus artigos publicados assim relataram, sabemos agora que nada disso realmente aconteceu no estudo. Este foi o maior estudo com antidepressivos já realizado até hoje, com os pacientes do ‘mundo real’ tendo quatro chances de responder ao tratamento e, como uma reanálise dos dados encontrados recentemente mostrou, apenas 33% ‘responderam positivamente’ ao tratamento. Um estudo menor de antidepressivos em pacientes do mundo real relatou que apenas 19% responderam a um antidepressivo. Ensaios financiados pela indústria relatam taxas de resposta muito mais altas (60%), mas esses ensaios inscrevem um grupo seleto de pacientes com maior probabilidade de responder à droga e, é claro, o que o público gostaria de saber é a taxa de resposta no ‘mundo real’.

A magnitude do ‘alívio’ fornecido pelos antidepressivos é, como tem sido visto nos Ensaios com Controle Randomizados (ECRs) das drogas, muito pequena. Em estudos financiados pela indústria, o ‘alívio’ proporcionado pelos antidepressivos é de uma magnitude tão pequena – uma diferença de três pontos na escala de avaliação de Hamilton (HAM-D) entre os grupos medicamentoso e placebo – que é muito pequena para ser clinicamente perceptível, já que leva uma diferença de sete pontos nesta escala antes que os médicos possam reconhecer que um paciente melhorou marginalmente.

Quanto à afirmação de que “a maioria das pessoas que descontinuam os antidepressivos não sofre sintomas de abstinência”, em 2018, os pesquisadores que analisaram 17 estudos de abstinência “concluíram que 56% dos usuários de antidepressivos apresentam sintomas de abstinência, metade dos quais descreveu os sintomas como moderados ou graves”. Quarenta por cento daqueles que experimentaram efeitos de retirada sofreram por pelo menos seis semanas. Isso também sugeriria que a “magnitude” do sofrimento dos sintomas de abstinência é, de fato, muito maior do que o alívio do sofrimento proporcionado pelos antidepressivos.

Finalmente, há amplos dados de que os antidepressivos, em vez de ‘levantar’ muitas pessoas de sua incapacidade, aumentam drasticamente o risco de uma pessoa com depressão ficar incapacitada. Um estudo canadense descobriu que o uso de antidepressivos dobrou a probabilidade de uma pessoa sofrer de uma incapacitação de longo prazo. Na mesma linha, um estudo financiado pelo NIMH de pacientes deprimidos descobriu que o grupo ‘tratado’ tinha sete vezes mais probabilidade de ficar ‘incapacitado’ do que aqueles que não receberam tratamento. E em país após país a adotar o uso generalizado de antidepressivos, o número de pessoas com incapacidade devido a transtornos do humor aumentou dramaticamente também.

Essa rápida revisão dessas quatro afirmações feitas no artigo da The New Yorker é um exemplo do tipo de análise que sustenta a contra-argumentação e pode ser encontrada em Anatomia de uma Epidemia, que forneceu a Laura uma maneira de se ver sob uma nova luz. Mas o artigo da New Yorker não se atreveu a ir lá.

Um copo meio cheio ou meio vazio …

Então, o que devemos fazer do artigo da New Yorker? Por um lado, ele fornece um relato de uma jovem brilhante que caiu no mundo da psiquiatria, com seus diagnósticos e drogas, e que se saiu mal ali, quase morrendo de uma tentativa de suicídio. E conta como uma vez que ela se retirou de seus medicamentos, ela recuperou uma vida plena e significativa. Nesse sentido, o artigo abre novos caminhos e portas para outros exames mais críticos do nosso atual paradigma de cuidado.

No entanto, The New Yorker não se atreveu a contar a história de Laura na íntegra, que é a sua recuperação resultante de se ver dentro de uma contra-narrativa que fala do mal que a psiquiatria pode fazer com seus diagnósticos e drogas, e como a narrativa convencional é construída a partir de alegações que são desmentidas por um exame atento de sua própria ciência. Em vez disso, no final do artigo, localizou a história de Laura dentro de uma narrativa convencional, um mundo em que os antidepressivos ajudam dois terços de todos os usuários e que a maioria das pessoas não sofre sintomas de abstinência, com psiquiatras tendendo agora a se voltar para esse problema que atinge uma minoria.

Dada a natureza dual do artigo, eu gostaria de saber mais sobre o processo editorial que governou sua publicação. Meu palpite – e isso é de fato um palpite – é que a escritora, Rachel Aviv, pode ter planejado contar a história completa de Laura, ou pelo menos fazer um relato que estivesse mais próxima dela. Mas jornais e revistas têm seus limites institucionais e, por isso, não ficaria surpreso se o repentino pivô do artigo – de um artigo pessoal sobre Laura a respeito da possibilidade de sair de drogas psiquiátricas – tenha surgido durante o processo de edição, com as pequenas escavações em Anatomia para compor a matéria.

Eu ouvi de muitas pessoas opiniões sobre o artigo, e suas reações foram bastante variadas. Alguns se concentraram no fato de que ele abriu novos caminhos, com seu relato sobre como, no caso de Laura, o diagnóstico e o tratamento a levaram a um ponto tão desesperador. Um casal de amigos jornalistas notou a mudança bizarra que tomou parte do processo, de um artigo que narrou a vida de Laura como sendo das dificuldades com a retirada das drogas psiquiátricas. Vários observaram a astuta menção a mim e ao Anatomia, com um texto da minha filha a favorita : “Eu estava em um momento lendo sobre os dinossauros e no próximo sobre como meu pai estava em uma cruzada!”

Tudo isso quer dizer que o artigo mostra que os limites da ‘mídia geral’ em relação ao que é permitido escrever sobre psiquiatria estão se expandindo, e isso é uma coisa muito boa. No entanto, isso não significa que você estará lendo em breve em qualquer revista ou jornal de interesse geral uma história que rompa inteiramente com a narrativa convencional de que a psiquiatria e suas drogas, em geral, proporcionam alívio para muitas pessoas que sofrem de ‘doenças’ do cérebro. O pensamento de que o ‘modelo de doença’ da psiquiatria produziu um desastre de saúde pública permanece além do limite.