Por que o atual modelo de saúde mental deve evoluir

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O atual e dominante modelo biomédico de assistência à saúde mental coloca demasiado em foco os medicamentos psiquiátricos para tratar os sintomas comportamentais. Este modelo não se baseia em causas científicas para “doenças”. Com muita freqüência, a pesquisa baseada em evidências que promove a recuperação [recovery] é ignorada. Felizmente, outros modelos reconhecem os papéis contribuidores do trauma e fatores sociais e que se concentram na capacidade da pessoa de se recuperar e curar de crises de saúde mental. Devemos abraçar modelos abrangentes que resultem em melhores taxas de recuperação do que o que é alcançado atualmente com o foco restrito do modelo biomédico.

  1. O que é o modelo biomédico?

O modelo biomédico é o modelo dominante de assistência psiquiátrica nos Estados Unidos. A principal afirmação tem sido que os problemas de saúde mental são doenças causadas por desequilíbrios químicos no cérebro. O foco do tratamento, portanto, é modificar a química no cérebro usando tratamentos medicamentosos que se acredita corrijam esses desequilíbrios.

No entanto, existem problemas significativos com este modelo:

  • Nenhum marcador claro ou desequilíbrio bioquímico para doenças foi jamais identificado
  • Os tratamentos surgiram da modificação dos sintomas sem foco nas causas subjacentes.
  • As condições temporárias foram definidas como “desordens” crônicas.
  • A analogia com o diabetes reforça muito amplamente o foco na doença a longo prazo.
  • O Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM) é baseado na colaboração com o mínimo de dados científicos.
  • O DSM concentra-se em grupos de comportamento sem considerar a história ou as experiências pessoais.
  1. Como o atual modelo biomédico baseado em medicamentos falhou em nossa sociedade?

Aumento das taxas de deficiência: A era psiquiátrica moderna dos cuidados baseados no modelo biomédico começou com a introdução da Torazina [Clorpromazina] em 1954 e do Prozac em 1988. Se estes tratamentos medicamentosos fossem realmente eficazes, o número e as taxas de pessoas deficientes por estas condições de saúde mental deveriam ter diminuído significativamente desde 1954. No entanto, este não é o caso.

  • As taxas de deficiência mais do que duplicaram sob o modelo biomédico desde 1987.
  • As taxas de deficiência para ” transtornos ” afetivos como bipolar e depressão excedem 1,4 milhões em 2010.
  • As taxas de deficiência em crianças e adolescentes menores de 18 anos aumentaram 30 vezes.

Os custos financeiros são insustentáveis tanto para planos de saúde públicos como privados.

  • O custo dos medicamentos psiquiátricos nos EUA passou de US$ 3 bilhões em 1986 para US$ 50 bilhões em 2014.
  • Uma pessoa de 20 anos de idade, que continua com deficiência, receberá mais de US$ 1 milhão em benefícios ao longo de 40 anos.

O impacto social da “doença” de longo prazo sem uma recuperação bem sucedida é imensurável

  • A teoria do desequilíbrio químico subestima o poderoso potencial de cura da mente.
  • As pessoas que procuram ajuda são frequentemente despersonalizadas e até traumatizadas pelo sistema de saúde mental.
  • A falta de recuperação em cascata na família, amigos, escolas, comunidade e local de trabalho dessa pessoa.
  • Crianças de até dois anos de idade podem ser diagnosticadas com condições de vida, tais como “transtorno” bipolar.
  1. Dados e pesquisas questionam a eficácia das abordagens biomédicas

  1. Quem está pedindo mudanças?

Devido ao modelo biomédico excessivamente restritivo que não tem atendido adequadamente às necessidades daqueles que sofrem crises mentais, um coro crescente de indivíduos insatisfeitos está exigindo mudanças, inclusive:

  • Pessoas que se recuperaram e que prosperam sem o uso de medicamentos a longo prazo.
  • Familiares e amigos que perderam entes queridos e testemunham o sofrimento de entes queridos.
  • Profissionais da saúde mental incluindo psiquiatras, psicólogos e conselheiros.
  • Pesquisadores com financiamento independente em universidades e escolas médicas.
  1. Que tipos de mudanças são necessárias?

  • Adotar modelos que incluam fatores de desenvolvimento, sociais, históricos pessoais, raciais e de estresse.
  • Eliminar rótulos e linguagem patologizantes e estigmatizantes.
  • Abandonar o foco no Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM).
  • Menos foco e confiança nas drogas psicotrópicas.
  • Melhor educação aos clientes e famílias de que a recuperação é possível.
  • Mais pesquisas para entender os fatores e metodologias de recuperação.
  • Expandir a disponibilidade e o financiamento de apoio e recursos de crise fornecidos pelos pares.

Para resumir: O foco estreito do modelo biomédico, que se concentra muito na teoria da doença e do desequilíbrio químico, ignora outros fatores importantes que contribuem, incluindo traumas e fatores sociais relacionados ao bem-estar de uma pessoa. Devemos ir além do modelo biomédico e seu foco na química do cérebro e na doença para fornecer uma base mais ampla de assistência a indivíduos que experimentam desafios e crises mentais. Devemos aprender a ouvir as pessoas que conseguiram e até triunfaram através de tais experiências. Elas podem fazer contribuições importantes para melhorar os modelos de assistência.

Referências:

Anatomia de uma Epidemia, de Robert Whitaker, Editora Fiocruz, 2017. Preocupado com as pesquisas que indicavam taxas pobres de recuperação para a esquizofrenia, o Whitaker procurou encontrar respostas sobre o porquê das taxas de “doença” mental nos Estados Unidos terem disparado desde a introdução de drogas psiquiátricas nos anos 50.

Cracked: The Unhappy Truth About Psychiatry, do Dr. James Davies, Pegasus Books, 2013. Psicoterapeuta e antropólogo social, Dr. James Davies aborda como a ‘medicalização’ do sofrimento humano levou a um aumento dramático dos níveis de prescrições de medicamentos psiquiátricos.

Recursos:

Os programas e iniciativas listados abaixo fornecem algumas pistas para os esforços de mudança nos modelos psiquiátricos de atendimento. Este é um pequeno subconjunto de recursos e não tem a intenção de ser abrangente.

O Quadro de Referência Os Significados de Ameaças do Poder [Power Threat Meaning Framework] Durante cinco anos, autores principais, Dra. Lucy Johnstone e Professora Mary Boyle, lideraram uma equipe de pessoas com experiências vividas, profissionais e pesquisadores para desenvolver uma abordagem alternativa para os modelos de cuidado mais tradicionais baseados no diagnóstico psiquiátrico.

Drop the Disorder! de Jo Watson e o site associado, Um Transtorno Para Cada Um, desafia a cultura do diagnóstico psiquiátrico e a medicalização da angústia emocional.

O CENTRO THEN, O Centro de Estudo Colaborativo de Trauma, Equidade da Saúde e Neurobiologia procura criar melhores modelos de como as experiências traumáticas adversas afetam a relação mente-corpo e permitem que todos tenham acesso semelhante a ambientes saudáveis.

Abordagem Terapêutica do Diálogo Aberto: Fundada na Finlândia, as equipes de Diálogo Aberto ajudam indivíduos e membros da família a trabalhar através de crises emocionais extremas por meio do diálogo compartilhado que muitas vezes leva a um maior significado compartilhado da experiência e cura para o indivíduo.

[Originalmente em Mad UK, trad. e edição Fernando Freitas]