Fatores socioeconômicos são os principais contribuintes para o aumento das mortes por suicídio, aponta estudo

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Um novo estudo destaca a conexão entre fatores socioeconômicos e taxas de suicídio. De acordo com o estudo, o desemprego, a desigualdade educacional e o acesso inadequado a cuidados médicos estavam entre os correlatos identificados do aumento de mortes por suicídio. 

O estudo, conduzido por Shannon Lange do Institute for Mental Health Policy Research (Instituto de Pesquisas Políticas de Saúde Mental) em Ontário, Canadá, foi publicado no The Lancet Regional Health: Americas. 

A equipe de pesquisa examinou duas décadas de dados e identificou vários fatores sociais e econômicos que desempenharam um papel nas taxas de mortalidade por suicídio da região. Eles escrevem:

“Especificamente, usando 20 anos de dados, identificamos os seguintes fatores contextuais como tendo contribuído para as taxas de mortalidade por suicídio na região, a saber: uso de álcool, desigualdade educacional, gastos com saúde, taxas de homicídios, uso de drogas intravenosas, número de médicos empregados, densidade populacional e taxa de desemprego”. 

 

Taxa de mortalidade por suicídio padronizada por idade entre homens e mulheres e a tendência ao longo do tempo na Região das Américas, 2000–2019. Os diamantes indicam pontos de inflexão identificados. AAPC: Variação percentual média anual; APC: Variação percentual anual.

 

Os pesquisadores queriam determinar por que as Américas (Norte, Sul e Central) viram um aumento nas mortes por suicídio nas últimas décadas, enquanto outras partes do mundo experimentaram um declínio nas taxas de mortalidade por suicídio. 

Para realizar o estudo, eles reuniram as taxas de mortalidade por suicídio, por idade e sexo, para 33 países das Américas de 2000 a 2019. Uma ampla variedade de fatores contextuais foi incluída na análise, retirada de organizações como o Banco Mundial e pesquisas como o Estudo da Carga Global de Doenças (GBD). Isso permitiu que os pesquisadores comparassem as mudanças ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que observavam como diferentes fatores se aplicavam em outros países. 

A baixa densidade populacional, a taxa de desemprego e o acesso precário a cuidados médicos foram associados ao aumento das taxas de suicídio tanto para homens quanto para mulheres. No entanto, os pesquisadores observaram que o suicídio envolve fatores socioculturais que são afetados por sexo e gênero, portanto, eles também determinaram fatores específicos exclusivos de homens e mulheres(1).

Somente para os homens, o suicídio aumentava se houvesse mais homicídios e se o abuso de álcool e drogas fosse mais prevalente. Apenas para as mulheres, o suicídio foi aumentado por taxas mais altas de desigualdade educacional.

“Embora a maioria dos fatores contextuais identificados pareçam relativamente intuitivos e sejam apoiados pela literatura atual”, escrevem os autores, “a proporção do país com uma densidade populacional moderada é menor à primeira vista”.

“No entanto, recentemente, Steelsmith et al. descobriram que, entre 1999 e 2016, as taxas de suicídio foram mais altas e aumentaram mais rapidamente nas áreas rurais do que nas grandes cidades metropolitanas dos EUA; sugerindo que as áreas rurais podem ser mais sensíveis ao impacto da privação social do que os condados metropolitanos. Embora aumentar a densidade populacional de um país não seja uma estratégia realista de saúde pública para reduzir a taxa de mortalidade por suicídio, pode valer a pena explorar a conexão social a as oportunidades cívicas como potenciais estratégias de prevenção do suicídio”. 

Os esforços atuais de “prevenção do suicídio” concentram-se principalmente no indivíduo e envolvem principalmente o fornecimento de tratamento psiquiátrico aqueles considerados em riscos. No entanto, não está claro o quão eficaz essa estratégia tem sido, uma vez que as taxas de suicídio continuam a aumentar, apesar do aumento significativo das taxas de tratamento de saúde mental nos Estados Unidos. 

Em alguns casos, os próprios tratamentos administrados para a prevenção do suicídio podem estar causando mais mal do que bem. Por exemplo, descobriu-se que os antidepressivos – muitas vezes prescritos para problemas emocionais leves nos Estados Unidos – mais do que dobram o risco de suicídio. Estudos também descobriram que a hospitalização involuntária (forçada) – comum para aqueles que expressam pensamentos suicidas – leva ao aumento do suicídio e também impede os jovens de pedir ajuda no futuro. E rastrear adolescentes para depressão também não melhora os resultados. 

Embora o suicídio seja frequentemente visto como parte de uma  doença neurobiológica teórica(como a depressão), os preditores mais consistentes de suicídio são sentimentos intensos de dor, desesperança e solidão, que são os efeitos de muitos dos correlatos encontrados neste estudo – desigualdade, falta de assistência médica, baixa densidade populacional, desemprego, etc. 

Assim, os pesquisadores escrevem que, em vez de focar no individuo, o meio mais eficaz de prevenção do suicídio é a mudança social:

“Medidas multissetoriais voltadas para a saúde e o bem-estar sócia na sociedade, que são informadas e desenvolvidas com base em evidências sobre fatores contextuais locais, devem ser enfatizadas nas iniciativas de prevenção do suicídio”. 

(1) O estudo estratificou os participantes em categorias “masculinas” e “femininas”. Usei os termos “homens e mulheres” ao longo do artigo para facilitar a leitura, mas também deve ser observado que o estudo não forneceu nenhuma informação sobre experiências trans ou não binárias.

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Lange, S., Cayetano, C., Jiang, H., Tausch, A., & Oliveira e Souza, R. (2023). Contextual factors associated with country-level suicide mortality in the Americas, 2000–2019: a cross-sectional ecological study. The Lancet Regional Health: Americas, 20(100450). https://doi.org/10.1016/j.lana.2023.100450 (Link) 

 


Tradução de Marco Guedes: Psicólogo, aluno de pós-graduação em Saúde Mental e Atenção psicossocial (ENSP/FIOCRUZ).

 

 


 

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 4: Os distúrbios psiquiátricos são causados por um desequilíbrio químico?

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Nota do editor: Nos próximos meses, o Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele discute a forma como os manuais didáticos se referem ao desequilíbrio de vários neurotransmissores como causa de transtornos psiquiátricos e se há alguma evidência para apoiar essa noção. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

Quando dou palestras para pacientes psiquiátricos, metade ou mais dizem que seus médicos disseram que eles estão doentes porque têm um desequilíbrio químico no cérebro.

Meus colegas que trabalham com pacientes a nível terapêutico têm a mesma experiência. Mas, quando confrontados com isso, os principais psiquiatras são rápidos em negar que algum psiquiatra tenha dito isso a alguém, ou dizem que abandonaram a ideia décadas atrás. Isso não está correto.

Ainda hoje, em uma das cinco regiões da Dinamarca, a psiquiatria de base hospitalar menciona em sua página inicial:[81]

“A esquizofrenia é um distúrbio no cérebro… As pessoas com esquizofrenia apresentam distúrbios em certas áreas do cérebro onde o neurotransmissor dopamina está ativo. Outros distúrbios no cérebro também são vistos.”

“A medicação antidepressiva atua em alguns dos processos químicos que estão desequilibrados no cérebro na depressão. A medicação normaliza, entre outras coisas, o nível do hormônio do estresse cortisol e os neurotransmissores cerebrais serotonina e norepinefrina”.

“Os distúrbios afetivos são doenças mentais relacionadas a um desequilíbrio químico no cérebro. Isso leva a problemas de saúde mental como depressão, mania ou uma combinação de ambos”.

“Os exames de imagem mostraram que as pessoas com TDAH apresentam alterações em vários locais do cérebro na área responsável pelo planejamento, controle dos impulsos e atenção. As células do cérebro usam diferentes neurotransmissores para se comunicarem umas com as outras. Se você tem TDAH, verá distúrbios nessas substâncias… os níveis dos neurotransmissores dopamina e norepinefrina são baixos. O tratamento médico do TDAH aumenta a quantidade dos dois neurotransmissores no cérebro, melhorando a função cerebral.”

“O medicamento atua em alguns dos processos químicos no cérebro relacionados ao transtorno de ansiedade … a medicação antidepressiva normaliza a quantidade do neurotransmissor serotonina no cérebro”.

O texto sobre TDAH foi particularmente enganoso. Ele indicou que sabemos exatamente onde estão os problemas no cérebro e que eles podem ser corrigidos como uma chave que se encaixa em uma fechadura.

A indústria farmacêutica também propaga essa falsa narrativa. Uma pesquisa feita em 2007 com estudantes universitários dos Estados Unidos descobriu que 92% tinham visto ou ouvido falar que a depressão é causada por um desequilíbrio químico no cérebro e 89% deles tinham visto isso na TV. [82] Canais de TV nos EUA estão cheios de anúncios de medicamentos controlados e essa doutrinação é muito eficaz.

Esquizofrenia e transtornos relacionados

As informações nos manuais didáticos eram muitas vezes bem detalhadas: as anormalidades na psicose incluem alterações na neurotransmissão e nos sinais hormonais; [18:27] eles incluem migração de neurônios e formação de sinapses, que por sua vez levam a mudanças estruturais e funcionais no cérebro, incluindo aumento dos ventrículos ventrais, como expressão de atrofia; [18:94] PET scans encontraram disfunção no córtex pré-frontal e no hipocampo; [18:94] As varreduras de PET e SPECT mostraram aumento da síntese e liberação de dopamina em muitos pacientes psicóticos, localizados principalmente no corpo estriado associativo (a cabeça do núcleo caudado); [16:562] e os complexos de sintomas estão bem correlacionados com a disfunção de certas áreas cerebrais em exames de PET. [18:90]

Também somos informados de que há patologia das sinapses,[19:228] e que os achados são robustos de que há aumento da síntese e liberação de dopamina no corpo estriado associativo.[16:215]

No entanto, um manual observou que nem todos os pacientes apresentam alterações no sistema de dopamina.[16:221] Isso contradiz a hipótese de que as pessoas se tornam psicóticas porque têm muita dopamina em seus cérebros e a verdade é que nunca foi documentado que qualquer uma das grandes doenças psiquiátricas seja causada por um defeito bioquímico no cérebro. Além disso, não há nenhum teste biológico que possa nos dizer se alguém tem um determinado transtorno mental.

A hipótese da dopamina tem sido aceita como base para o uso de drogas para psicose,[18:17] mas é o contrário. As drogas para psicose diminuem a dopamina e, portanto, os psiquiatras alegaram, fortemente pressionados pela indústria farmacêutica, que a doença é causada por muita dopamina. Eles publicaram uma enorme variedade de estudos ruins que supostamente mostram isso. Mas o fato é que os estudos que afirmam que um transtorno mental comum, como psicose ou depressão, começa com um desequilíbrio químico no cérebro, não são confiáveis.[7:247]

Em 2003, o enorme engano tornou-se demais para seis sobreviventes psiquiátricos. Eles ficaram tão zangados com as histórias contadas por seus psiquiatras que enviaram uma carta à Associação Psiquiátrica Americana (APA) e outras organizações afirmando que iniciariam uma greve de fome a menos que evidências cientificamente válidas fossem fornecidas de que as histórias contadas ao público sobre transtornos mentais fossem verdadeiras.[5:331]

Eles pediram evidências de que as principais doenças mentais são doenças cerebrais de base biológica e que qualquer droga psiquiátrica pode corrigir um desequilíbrio químico. Eles também exigiram que as organizações admitissem publicamente se não pudessem fornecer tais evidências.

O diretor médico da  APA tentou escapar dizendo que “as respostas às suas perguntas estão amplamente disponíveis na literatura científica”. Em seu livro, A arte de ter razão, o filósofo Arthur Schopenhauer chama esse truque deplorável de “Postular o que precisa ser provado”.[83]

A greve de fome acabou quando as pessoas começaram a ter problemas de saúde, mas a APA blefou. Ele declarou em um comunicado à imprensa que não “seria distraído por aqueles que negam que transtornos mentais graves são condições médicas reais que podem ser diagnosticadas com precisão e tratadas com eficácia”.

Schopenhauer diz sobre este truque: “Se você está sendo derrotado, você pode fazer uma manobra de distração – isto é, você pode de repente começar a falar de outra coisa, como se isso tivesse relação com o assunto em disputa e fornecesse um argumento contra seu oponente. … é um atrevimento se não tem nada a ver com o caso e só é introduzido para atacar seu oponente.”

Este é um dos muitos exemplos de que a psiquiatria é mais uma religião do que uma ciência. Os líderes religiosos não poderiam ter inventado um blefe melhor, se as pessoas exigissem provas de que Deus existe: “Nós, padres e cardeais, não seremos distraídos por aqueles que negam que Deus existe e conhece os problemas das pessoas e pode tratá-los com eficácia”.

É importante perceber que uma diferença nos níveis de dopamina entre pacientes com diagnóstico de esquizofrenia e pessoas saudáveis – mesmo que existisse – não pode nos dizer nada sobre o que iniciou a psicose.

Se uma casa pega fogo e encontramos cinzas, isso não significa que foram as cinzas que incendiaram a casa. Da mesma forma, se um leão nos ataca, ficamos terrivelmente assustados e produzimos hormônios do estresse, mas isso não prova que foram os hormônios do estresse que nos assustaram. Era o leão.

As pessoas com psicose muitas vezes sofreram experiências traumáticas no passado, então devemos ver esses traumas como fatores causais contribuintes e não reduzir o sofrimento a algum desequilíbrio bioquímico que, se existir, é mais provável que seja o resultado da psicose do que sua causa.

Um manual didático [16:238] listou um estudo mostrando que nove pessoas com risco ultra-alto de psicose que mais tarde desenvolveram psicose, tinham maior capacidade de síntese de dopamina no corpo estriado, com um enorme tamanho de efeito de 1,18, do que 29 voluntários saudáveis.[84] Houve uma correlação positiva entre a capacidade de síntese de dopamina e a gravidade dos sintomas, mas esses estudos não podem nos dizer o que inicia uma psicose. Essas pessoas já estavam doentes (já tinham visto o leão) quando foram recrutadas para o estudo, embora ainda não preenchessem formalmente os critérios para o que constitui uma psicose.

Distúrbios afetivos

De acordo com os manuais didáticos, os quadros depressivos estão associados a uma influência no eixo do córtex hipotálamo-hipófise-adrenal (eixo HPA);[19:210] prováveis distúrbios no sistema nervoso central e neurotransmissores;[17:357] e cortisol elevado.[17:357,18:122]

No entanto, também encontrei visões alternativas. Três psicólogos levantaram a hipótese de que a depressão deveria ser devida a um desequilíbrio químico – transmissão monoaminérgica insuficiente – e que a melhora se devia ao restabelecimento dos níveis sinápticos normais de serotonina e norepinefrina.[20:430] Eles observaram, com referências, que isso não concorda com a observação de que o efeito ocorre após semanas de tratamento e que há outras razões para considerar a hipótese insuficiente.

A hipótese de que os pacientes deprimidos carecem de serotonina foi rejeitada de forma convincente.[2,85,86] Algumas drogas que diminuem a serotonina (ex. tianeptina ) ou não aumentam a serotonina (ex. mirtazapina) também parecem funcionar para a depressão [2,5,87] e os ratos geneticamente privados de serotonina no cérebro não estão deprimidos mas comportam-se como os outros ratos.[88] Além disso, seria difícil explicar por que essas drogas parecem funcionar na fobia social, que não é considerada uma doença de falta de serotonina. [86]

Quando disse em palestras para psiquiatras e outros médicos que muitos pacientes haviam sido informados de que tinham um desequilíbrio químico, recebi respostas raivosas exigindo que eu documentasse minhas supostas alegações. Meus colegas obviamente não gostam de admitir que informam mal seus pacientes. Referi-me ao que os pacientes, profissionais de saúde e outros me contaram, e a sites onde os pacientes compartilham suas experiências, mas isso é interpretado como se eu não soubesse do que estou falando, como se não tivesse valor para ouvir os testemunhos dos pacientes.

Quando argumentei que a documentação na internet é muito convincente porque os pacientes tiveram consistentemente as mesmas experiências, disseram-me que eram apenas anedotas que, além disso, não haviam sido publicadas em um periódico revisado por pares. Como se isso fizesse alguma diferença.

Essa negação organizada é perturbadora. Em um estudo dinamarquês de 493 pacientes deprimidos ou bipolares de 2005, 80% concordaram com a frase: “Os antidepressivos corrigem as mudanças que ocorreram em meu cérebro devido ao estresse ou problemas”.[89]

O mito de que um desequilíbrio químico no cérebro é a causa da depressão e de outros transtornos psiquiátricos não vai desaparecer. Em 2018, minha vice-diretora do Institute for Scientific Freedom, Maryanne Demasi, e eu coletamos informações sobre depressão em 39 sites populares em 10 países (Austrália, Canadá, Dinamarca, Irlanda, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul, Suécia, Reino Unido, e EUA). Descobrimos que 29 sites (74%) atribuíram a depressão a um desequilíbrio químico ou alegaram que as pílulas para depressão poderiam consertar ou corrigir tal desequilíbrio.[90]

Os psiquiatras usam esse mito para convencer seus pacientes de que devem continuar tomando drogas que prefeririam evitar por causa de seus efeitos nocivos. Em 2013, o presidente da Associação Psiquiátrica Dinamarquesa, Thomas Middelboe, descreveu o termo desequilíbrio químico como uma metáfora que a psiquiatria aprendeu para explicar doenças cujas causas são desconhecidas.[91]

Como ilustrado acima, a dissonância cognitiva também desempenha um papel. Em 2014, debati com Poul Videbech – editor do manual didático sem referências [18] – em uma reunião pública organizada por estudantes de medicina. Depois de documentar que muitas pessoas estão em tratamento com pílulas para depressão e sugerir que diminuíssem os medicamentos, Videbech disse, na frente de 600 pessoas, incluindo pacientes e seus parentes: “Quem tomaria insulina de um diabético?” [7:249]

Um ano depois, quando publiquei meu primeiro livro sobre psiquiatria [7] e fui entrevistado em um jornal,[92] Videbech disse na mesma página que sabia há 20 anos que a teoria do desequilíbrio químico era simples demais e que era ultrajante que eu havia dito que ele e seus colegas ainda acreditavam nisso.

Bem, o mito sobre o desequilíbrio químico é apenas uma coisa do passado quando questionado. O professor de psiquiatria Birte Glenthøj também foi entrevistado e confirmou que o mito estava vivo: “Sabemos por pesquisas que pacientes que sofrem de esquizofrenia têm, em média, aumento da formação e liberação de dopamina, e que isso está ligado ao desenvolvimento dos sintomas psicóticos. O aumento da atividade da dopamina também é observado antes que os pacientes recebam medicamentos antipsicóticos pela primeira vez, portanto, não tem nada a ver com a medicação”.

Em 2017, Videbech postulou novamente que, quando as pessoas estão deprimidas, há um desequilíbrio no cérebro.[93] Além disso, ele e outro professor de psiquiatria, Lars Kessing, escreveram em suas duas contribuições para o Manual para Pacientes, que tem status oficial na Dinamarca e está disponível na Internet, que a depressão é causada por um desequilíbrio químico.[94,95]

Reclamei com o editor, mas não cheguei a lugar nenhum. Kessing e Videbech mudaram algumas coisas menores e introduziram novas afirmações que tornaram seus artigos ainda piores. Reclamei de novo, e de novo sem sucesso, e a desinformação sobre o desequilíbrio químico continuou. Em sua atualização, Kessing acrescentou: “Sabe-se que as drogas antidepressivas estimulam o cérebro a produzir novas células nervosas em certas áreas”. Videbech escreveu o mesmo, mas não havia referências. Se isso estiver correto, significa que as pílulas para depressão são prejudiciais às células cerebrais, pois o cérebro forma novas células em resposta a uma lesão cerebral. Isso está bem documentado, por exemplo, para terapia de eletrochoque e pílulas para psicose.[11]

Alguns psiquiatras importantes, incluindo Kessing,[89] consideram seus pacientes ignorantes, mas devo dizer que o nível de ignorância entre eles sobre sua própria especialidade é espantoso. Quando uma hipótese é rejeitada repetidamente, não importa o quanto as pessoas tenham manipulado o projeto de pesquisa e os dados, é hora de enterrá-la para sempre.

Isso não vai acontecer. O mito do desequilíbrio químico não é uma questão de ciência, mas de dinheiro, prestígio e interesses corporativos. Você pode imaginar um cardiologista dizendo: “Você tem um desequilíbrio químico em seu coração, então você precisa tomar este medicamento pelo resto de sua vida”, quando ela não tem a menor ideia do que está falando?

Os manuais didáticos não usavam o termo desequilíbrio químico diretamente, mas muitas declarações foram feitas sobre drogas que corrigem o que se dizia ser super ou subprodução de mensageiros químicos no cérebro.

O mito sobre o desequilíbrio químico pode ser o mais prejudicial dos muitos mitos da psiquiatria. Ele tende a manter os pacientes presos no papel de receptores passivos de drogas nocivas por anos ou talvez por toda a vida. Obviamente, é mais difícil para os pacientes desistir da terapia medicamentosa se acreditarem que recebem um medicamento que corrige algo que está errado com eles. Os pacientes costumam dizer que têm medo de adoecer novamente se pararem de tomar o medicamento por causa desse mito.

Em 2014, a APA escreveu em seu site: “Antidepressivos podem ser prescritos para corrigir desequilíbrios nos níveis de substâncias químicas no cérebro. Esses medicamentos não são sedativos, estimulantes ou tranqüilizantes. Nem são formadores de hábito. Geralmente, os medicamentos antidepressivos não têm efeito estimulante naqueles que não sofrem de depressão”. [7:276]

Este é um ato incrível de mentir para o público. Tudo isso está errado, e pessoas saudáveis podem desenvolver dormência e mania e podem se tornar suicidas com pílulas para depressão. [2:179] Até janeiro de 2021, o site da APA ainda afirmava que medicamentos psiquiátricos podem ajudar a corrigir desequilíbrios na química do cérebro.[96]

Um artigo de 2022 demonstrou até que ponto os psiquiatras ainda propagam o mito dos desequilíbrios químicos.[97] Todos os seis manuais didáticos influentes dos EUA e do Reino Unido publicados de 1990 a 2010 que foram examinados pelos autores, apoiam a teoria, pelo menos em algumas seções, e dedicam uma cobertura substancial a ela. A maioria das 30 revisões altamente citadas da etiologia da depressão a apoiaram, como fez a maioria dos 30 trabalhos de pesquisa sobre o sistema da serotonina.

TDAH

Os livros didáticos observaram que o desenvolvimento psicopatológico no TDAH envolve mudanças epigenéticas e desregulação bioquímica e hormonal adquirida precocemente;[19:52] que uma desregulação de dopamina e noradrenalina no cérebro é provavelmente muito importante para a mudança na função cerebral;[19:113] e que distúrbios de certas áreas do córtex e gânglios da base estão em áreas principalmente controladas pela dopamina. [18:229] Nada disso pode ser fundamentado.

Transtornos de ansiedade

Um livro didático mencionou que a serotonina é importante para a patogênese do TOC. [19:162] Não havia referências, mas isso nunca foi comprovado como correto.

Inflamação, uma das últimas modas em psiquiatria

A inflamação é um dos últimos modismos da psiquiatria.[7:289] Um manual didático observou o papel da inflamação no desenvolvimento da depressão, mas não explicou qual era o significado disso.[17:911]

Dois dos editores de um dos manuais [16] foram coautores de uma revisão sistemática de 2014 sobre 14 ensaios de celecoxibe, um chamado anti-inflamatório não esteroidal (AINE), que mostrou um efeito sobre a depressão, com um tamanho de efeito de 0,34.[98]

No entanto, muitos dos pacientes tinham artrite.[98] Não surpreende que os analgésicos pareçam reduzir a depressão. Mesmo se ignorarmos isso e presumirmos provisoriamente que os AINEs têm efeito sobre a depressão, o tamanho do efeito de 0,34 é tão pequeno que não é clinicamente relevante (ver Capítulo 8).

Há outra razão pouco conhecida pela qual a meta-análise não pode documentar que a inflamação desempenha um papel na depressão. É que, apesar do nome, os anti-inflamatórios não esteróides não têm efeitos anti-inflamatórios.

Quando a recém-sintetizada cortisona foi dada pela primeira vez a 14 pacientes com artrite reumatóide em 1948 na Clínica Mayo em Rochester, Minnesota, o efeito foi milagroso.[99] Os resultados foram tão impressionantes que algumas pessoas acreditaram que a cura para a artrite reumatóide havia sido descoberta, mas os sérios danos dos corticosteróides rapidamente amorteceram o entusiasmo.

Ao chamar os novos analgésicos de anti-inflamatórios não esteróides, as empresas criaram a ilusão de que seu efeito era semelhante ao dos esteróides, mas sem seus sérios danos. Esse truque de marketing foi altamente eficaz e os AINEs são tão usados que são uma das razões mais importantes pelas quais nossos medicamentos controlados são a terceira principal causa de morte, depois de doenças cardíacas e câncer.[46:8]

Perguntei a muitos reumatologistas sobre a documentação de que as drogas são anti-inflamatórias, mas não recebi respostas úteis. Portanto, eu mesmo estudei o assunto.

Com cirurgiões ortopédicos, fiz um ensaio controlado por placebo em 173 pacientes com distorções agudas do tornozelo, onde medimos o edema por volumetria, usando o pé saudável como controle da quantidade de água deslocada.[100] Usando um desenho fatorial, nós randomizamos os pacientes duas vezes: para um grupo que foi instruído a imobilizar o pé e recebeu muletas e para um grupo que foi instruído a andar o mais normalmente possível, apesar da dor; e para naproxeno e placebo.

A mobilização reduziu rapidamente o edema. Após 2-4 dias, a diferença de volume foi de 42 mL quando os pacientes foram omobilizados em comparação com o uso de muletas (P = 0,01). Em contraste, não houve efeito significativo de naproxeno (P = 0,42; diferença de 11 mL em comparação com placebo). Assim, a mobilização era anti-inflamatória, o que o naproxeno não era, e também levava a uma recuperação muito mais rápida.

O efeito menor e não significativo do naproxeno pode ser real e simplesmente uma consequência do efeito do medicamento sobre a dor, o que aumentaria a mobilização. A empresa que vende naproxeno, Astra-Syntex, forneceu o medicamento de teste cego, mas não gostou de nossos resultados, que eram ruins para o marketing. Seu estatístico garantiu que os resultados mais importantes não fossem publicados e que o relatório do estudo fosse um jargão ininteligível para o médico comum. Mas guardei uma cópia do relatório estatístico, e é por isso que posso contar a história verdadeira.

Também fiz uma meta-análise dos ensaios controlados por placebo de AINEs. As drogas não reduziram o inchaço das articulações dos dedos medido por anéis de joalheiro em pacientes com artrite reumatóide.[101]

Não devemos tratar a depressão com AINEs, algumas das drogas mais letais que temos. [6:155]

 

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Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.

 


Tradução de Letícia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

Uso de Psicofármacos por Populações Acometidas por Desastre

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O artigo O uso de psicofármacos por populações acometidas por desastres: uma revisão integrativa aborda como os desastres naturais e não naturais, além de ceifarem vidas, podem expor sobreviventes ao risco de desenvolvimento de múltiplos desfechos negativos, destacando a ocorrência de problemas de saúde mental. Nesse contexto, o objetivo foi reunir estudos que abordem o uso de psicofármacos, antidepressivos e/ou benzodiazepínicos entre populações afetadas de forma direta ou indireta por desastres naturais e não naturais.

Dados sobre o artigo:

  • A coleta e análise dos dados foram realizadas por duas revisoras independentes e as divergências resolvidas por uma terceira revisora.
  • Foram incluídos 13 artigos nesta revisão, incluindo artigos que abordavam a utilização de medicamentos psicofármacos (antidepressivos e/ou benzodiazepínicos) por indivíduos pertencentes a populações afetadas, de forma direta ou indireta, por desastres naturais ou não.
  • Foram excluídos estudos conforme os seguintes critérios: 1) estudos de revisão, cartas, editoriais ou estudos em animais; 2) que avaliaram indivíduos hospitalizados; 3) que avaliaram indivíduos com menos de 18 anos; 4) que avaliavam o uso de medicamentos não psicofármacos, ou psicofármacos diferentes de antidepressivos ou benzodiazepínicos.
  • Foram recuperadas as seguintes informações nos artigos incluídos: data e local do estudo; tipo de desastre; população ou amostra estudada; fonte de dados; período analisado; medicamentos avaliados no estudo (conforme classe terapêutica – antidepressivos e/ou benzodiazepínicos). Os resultados foram sintetizados de forma narrativa e foi conduzida uma análise descritiva.

Os desastres podem ser definidos como eventos adversos, sendo classificados como: desastres humanos, que são gerados pelas ações ou omissões humanas (acidentes de trânsitos, incêndio industriais), e os desastres naturais, causados pelo impacto de um fenômeno natural de grande intensidade sobre uma área, podendo ou não ser agravado pelas atividades humanas. Impactos ambientais só são tidos como desastres ambientais quando os seus danos e prejuízos são incalculáveis e de difícil restituição. Caso contrário, é apenas um evento natural.

Seguindo essa perspectiva, tem-se que os danos humanos oriundos dos desastres podem exceder a capacidade de respostas dos serviços de saúde, comprometer seu funcionamento adequado e desencadear consequências a curto, médio e longo prazo. Neste sentido, cabe destacar que, por sua complexidade, o enfrentamento dos desastres representa um grande desafio para a saúde pública, uma vez que afeta a saúde pública de diversas formas. É comum observar-se o aumento no diagnóstico de transtornos mentais em grande parte da população acometida pelos desastres.

Há um aumento no diagnóstico de transtornos de saúde mental  em pessoas que foram expostas a desastres, eles incluem: o transtorno de estresse agudo, o transtorno de estresse pós-traumático, depressão, ansiedade, pânico, luto complicado, raiva e sofrimento psicológico em geral. Nestes casos, se adotam abordagens não farmacológicas e farmacológicas. Destacam-se como tratamento farmacológico nesses casos, os antidepressivos e benzodiazepínicos.   

Considerando que o uso desses dois fármacos deve ser devidamente avaliado de forma individualizada e completa, emerge a necessidade de identificar o que há na literatura sobre o manejo farmacológico dos transtornos de saúde mental oriundos à exposição a desastres. Dessa forma, o artigo se insere neste contexto com o objetivo de reunir estudos que abordem o uso de psicofármacos, antidepressivos e/ou benzodiazepínicos, entre populações afetadas de forma direta ou indireta por desastres naturais e não naturais. Com um total de 596 artigos retornaram da estratégia de busca, após análise e exclusão de acordo com critérios previamente definidos, foram incluídas 13 publicações, sendo avaliado diferentes tipos de desastres.

Exemplos dessas avaliações diferentes:

Mediante um naufrágio que ocorreu no Reino Unido, sobreviventes alegaram um aumento no consumo de antidepressivos. Também foi mais pronunciada a utilização dessa classe terapêutica por mulheres e por pessoas de ambos os sexos que moravam próximas a uma indústria na França em que houve uma explosão de nitrato de amônio. Após o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, 3% dos sobreviventes atendidos por psiquiatras voluntários obtiveram uma prescrição de antidepressivos.

O uso dessa classe de medicamentos também foi avaliado para desastres não naturais.

Após uma explosão de uma fábrica de fogos de artifícios na Holanda, foi observado que a incidência do uso de qualquer benzodiazepínico por sobreviventes do desastre foi aproximadamente duas vezes maior, quando comparada à incidência de uso por pacientes pertencentes ao grupo de referência. Mediante a ocorrência do ataque terrorista, nos Estados Unidos, 23% dos pacientes que foram atendidos por psiquiatras voluntários tiveram benzodiazepínicos prescritos.

É perceptível pelo artigo o aumento na utilização dos psicofármacos em diferentes períodos e independentemente da causa do desastre, assim como os indivíduos expostos a essas situações podem ser mais diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático e outras comorbidades como ansiedade, depressão, mania e distimia.

Os antidepressivos configuram o tratamento farmacológico de primeira escolha nos casos de transtorno de estresse pós-traumático, com destaque para os inibidores seletivos da recaptação da serotonina. Entretanto, na prática clínica, os benzodiazepínicos são comumente utilizados como adjuvantes, apesar de seu uso não ser recomendado, sobretudo entre pessoas que apresentarem pouco controle de impulsos.  Além da necessidade de se fazer um tratamento efetivo, de curto prazo, é necessário que seja realizado acompanhamento ao longo prazo dessas populações acometidas por desastre. Esse acompanhamento deve ser feito não só no contexto da saúde, mas também no contexto social, já que o bem-estar da população dependem de múltiplos fatores.

Como conclusão, o artigo aponta as consequências interdisciplinares e intersetoriais que os desastres causam, bem como o aumento no consumo de ambas as classes de medicamentos após o desastre, e reafirma a necessidade de gestores e profissionais que atuam na saúde pública terem uma visão ampla a respeito dos desastres e suas consequências e, a partir disso, formularem políticas e ações que atuem diretamente sobre as populações acometidas.

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LUZ, M.M. et al. Uso de psicofármacos por populações acometidas por desastres: uma revisão integrativa. Revista Amazônia: Science & Healthv. 11 n. 1 (2023) (link)

 

 

Lançamento do E-book do 6º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas

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Saiu o e-book do 6º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, realizado de modo virtual em 2022. O e-book “O modelo biomédico fracassou? Quais as perspectivas?” contém todas as mesas do seminário transcritas e editadas. Encontra-se disponível para baixar, gratuitamente, aqui → (link)

 

CEE Fiocruz divulga entrevista com Paulo Amarante

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No dia 20 de junho de 2023 foi publicado no site do Centro de Estudos Estratégicos (CEE) – Fiocruz: www.cee.fiocruz.br, a entrevista com Paulo Amarante, um dos pioneiros da luta antimanicomial no Brasil e presidente de honra da Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), pesquisador sênior do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz) e do Centro de Estudos Estratégicos Antônio Ivo de Carvalho (CEE-Fiocruz).

Amarante destaca a importância da forma como o termo saúde mental vem sendo generalizado e se naturalizando, de forma perigosa:

“… essa minha crítica ao termo saúde mental sendo utilizado como sinônimo, no cotidiano, de determinado bem-estar psicológico, um estado psíquico, espiritual, de falta de sofrimento. Temos que pensar o quanto dessas questões, relacionadas ao bem-estar, à condição de uma experiência de vida que não seja de sofrimento, estão associadas, também, a outras condições sociais, culturais e de vida.”

O individualismo exacerbado e a busca exagerada por reconhecimento, também, são questões que o preocupam: “Vivemos uma grande falta social que é esse lugar inalcançável de uma felicidade que ninguém está encontrando”, constata, ao refletir a respeito da construção da subjetividade e da concepção ocidental sobre saúde mental.

Crítico da forma como a psiquiatria vem patologizando experiências de vida e medicalizando sofrimentos psíquicos, muitas vezes causados pelo “apagamento e a invisibilidade social” no contexto de hiperliberalismo, Amarante vê nas experiências coletivas de práticas culturais e esportivas uma alternativa para estimular o bem-estar social. A promoção à saúde, em sua avaliação, não pode se resumir às idas do paciente ao centro de saúde.

Por fim, ele aborda o debate relacionado à edição, em 2023, da Resolução 487, pelo Conselho Nacional de Justiça, instituindo a Política Antimanicomial do Poder Judiciário.  Após mais de vinte anos da criação da Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216), a Resolução busca sua aplicação quanto ao procedimento judicial ou investigatório de pessoas com transtorno mental, que implicará no fechamento dos antigos manicômios judiciais e na substituição do tratamento realizado nesses locais por outros não asilares.

“Quando começamos o processo da Reforma Psiquiátrica, os psiquiatras questionavam como tratar alguém psicótico, que não fosse por internação integral compulsória, em que a pessoa fique totalmente à mercê do tratamento médico. Mas nós mostramos na prática como se faz tratamento territorial com cuidado e liberdade.”

Para ler a entrevista completa acesse: https://cee.fiocruz.br/?q=Entrevista-Paulo-Amarante

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 3: Os distúrbios psiquiátricos são detectáveis em uma varredura cerebral?

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Brain imaging. Appealing glad happy boy holding and studying brain imaging while wearing huge glasses

Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele discute como os manuais didáticos retratam os dados de imagens cerebrais para diagnósticos psiquiátricos e as falhas desse tipo de pesquisa. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

De acordo com a narrativa psiquiátrica, a psiquiatria é construída sobre o modelo biopsicossocial da doença que leva em conta a biologia, a psicologia e os fatores socioambientais ao explicar por que as pessoas adoecem. [8]

A realidade é muito diferente. Desde que o presidente da Sociedade Americana de Psiquiatria Biológica, Harold Himwich, em 1955, surgiu com a ideia absurda de que pílulas para psicose funcionam como insulina para diabetes,[4:46] a psiquiatria biológica tem sido o modelo de doença predominante.

Apesar de 15 anos de intenso estudo, não consegui encontrar nenhuma contribuição importante da psiquiatria biológica para nossa compreensão das causas dos transtornos psiquiátricos e como eles devem ser tratados.

A forte crença na psiquiatria biológica também é dominante nos manuais didáticos. Há muito sobre estudos de varredura cerebral e química cerebral e, comparativamente, pouco sobre traumas, outros fatores psicossociais, pobreza, discriminação e outras condições de vida precárias, embora sejam determinantes importantes para transtornos psiquiátricos. [35,36,61]

Um manual didático foi particularmente enganoso ao observar que fatores causais sociais, como pobreza, solidão e falta de moradia, são de natureza mais indireta e contribuem para a manutenção de doenças já estabelecidas. [18:27]

Um pouco de luz aparecia aqui e ali. Em outro momento, no mesmo manual, outros psiquiatras contradizem isso. Eles escreveram que melhorias gerais nos padrões de moradia, oportunidades de trabalho e apoio familiar têm grande importância para a prevenção primária, e que traumas, como perdas e abuso físico e emocional, são fatores importantes para o desenvolvimento de psicopatologia. [18:293]

Em outro manual, observou-se, com referência,[62] que os traumas da infância estão associados à metilação elevada no DNA do fator neurotrófico derivado do cérebro em pacientes com transtorno de personalidade limítrofe e que aqueles que respondem à psicoterapia têm uma diminuição na metilação do DNA.[17:41] No entanto, o artigo citado mostrou que, para todos os pacientes, a psicoterapia aumentou significativamente a metilação. Assim, as informações do manual didático eram enganosas, pois obviamente não se pode separar os que responderão antecipadamente dos que não responderão. Os autores do artigo até culparam os pacientes pela calamidade: “Os respondedores fracos foram os principais responsáveis [minha ênfase] pelo aumento”.

Os autores dos manuais didáticos fizeram um grande esforço para convencer seus leitores de que a origem dos problemas psiquiátricos não deveria ser buscada nas condições de vida das pessoas, mas no cérebro. Assim, eles propagaram a ideia de que os transtornos psiquiátricos são percalços individuais e não algo que vem principalmente de fora do indivíduo e afeta secundariamente o cérebro.

Dizem-nos que a psiquiatria biológica criou resultados importantes em genética, psicofarmacologia e técnicas de imagem,[17:919] e que estudos de imagem na depressão levaram a um maior conhecimento do papel do hipocampo, o que produziu resultados clinicamente relevantes.[17:910] Muito convenientemente, os autores “esqueceram” de nos dizer de que maneira os estudos de imagem foram úteis para os médicos.

Um dos manuais didáticos explicava que a neuropsiquiatria é um desenvolvimento adicional do que antes era chamado de psiquiatria biológica.[17:207] Mas uma ideia errônea não se torna baseada em evidências ou útil, dando-lhe um novo nome. E postular que bilhões de pessoas têm cérebros errados, que essencialmente é o que a psiquiatria biológica faz, é o pior possível.

Esquizofrenia e distúrbios relacionados

Os manuais didáticos afirmavam ser indiscutível que a esquizofrenia tem um fundo neurobiológico;[20:401] que a esquizofrenia[16:207,18:39,18:79] e os distúrbios afetivos têm uma base orgânica;[18:39] e que ressonância magnética e a Tomografia por emissão de pósitrons (PET scan) mostraram atrofia cerebral e metabolismo cerebral perturbado em pacientes com esquizofrenia e depressão.[18:27]

Ao declarar a esquizofrenia uma doença orgânica, os psiquiatras se concentraram em estudos de imagens cerebrais e na química do cérebro, e as informações nos manuais didáticos costumavam ser muito detalhadas. Por exemplo, um deles observou que pacientes com esquizofrenia têm ventrículos aumentados, lobos temporais menores (giro temporal superior), estruturas temporais mediais menores (hipocampo, amígdala e para-hipocampo) e lobos frontais menores.[19:227] Em particular, a massa cinzenta parecia ter sido afetada. Foi alegado que, como várias dessas alterações ocorrem já no início da doença, elas provavelmente não são resultado de medicação de longo prazo.[19:227]

Essas alegações são contraditas por estudos que descobriram que as pílulas para psicose encolhem o cérebro de acordo com a dose e que a doença não poderia explicar essas mudanças,[63,64] mas os autores dos manuais didáticos evitaram comentar esses estudos bem conhecidos.

Um dos manuais admitiu que parte da redução na massa cinzenta observada com PET scans ou RMF (ressonância magnética funcional, que mede as pequenas mudanças no fluxo sanguíneo que ocorrem com a atividade cerebral) pode ser causada pelo uso de pílulas para psicose, mas acrescentou que várias alterações ocorrem já no início da doença e que também ocorrem alterações cerebrais naqueles que posteriormente desenvolvem psicose. [17:309] Outro mencionou que, embora as alterações cerebrais fossem pequenas, elas também foram observadas em pessoas que não receberam pílulas para psicose antes.[16:221]

O problema com tais declarações é que os estudos de varredura do cérebro são altamente pouco confiáveis, como explicarei em detalhes abaixo. Se algum estudo confiável tivesse mostrado isso, teria sido um grande triunfo para a psiquiatria biológica e teríamos ouvido falar deles incessantemente, mas não o fazemos e, em ambos os casos, os autores não deram nenhuma referência às suas notáveis reivindicações.

Outro manual afirmava estar bem fundamentado que havia alterações neuroanatômicas; que pacientes psicóticos têm ventrículos aumentados e 4% menos massa cinzenta do que pessoas saudáveis; e que os pacientes do primeiro episódio também apresentaram isso, embora em menor grau do que em pacientes crônicos.[20:405] Por outro lado, os autores também observaram que os achados eram contraditórios, com referência a uma meta-análise de mais de 18.000 indivíduos com esquizofrenia,[65] e observaram que, embora haja uma perda progressiva de tecido cerebral ao longo do tempo, é muito difícil separar fatores causais, por exemplo, drogas e abuso de drogas. 20:406

Essa honestidade não durou muito. Os mesmos autores afirmaram que a psicose não tratada aumenta a perda de volume cerebral e que é provável que as pílulas para psicose possam oferecer alguma proteção. Isso nunca foi mostrado e é extremamente improvável. Pílulas para psicose não protegem o cérebro; eles prejudicam o cérebro de várias maneiras (veja o Capítulo 7). Muitos estudos mostraram que as pílulas para psicose matam as células nervosas,[4:176,5:63] e encolhem o cérebro também.[63,64]

Distúrbios afetivos

Para distúrbios afetivos, as opiniões dos autores dos manuais didáticos foram mais divididas do que para psicoses. Alguns estavam muito confiantes de que as doenças são biológicas, enquanto outros tinham reservas.

Dizem-nos que os quadros depressivos estão associados a alterações neurobiológicas; que há alteração inespecífica da substância branca;[17:357] que as dificuldades cognitivas nos distúrbios afetivos podem estar relacionadas à neurodegeneração;[17:358] que RM e PET sugerem um componente biológico significativo;[18:113,18:122] que a depressão prolongada não tratada pode explicar a atrofia cerebral que pode ser medida;[18:124] e que crianças bipolares têm diminuição do volume da amígdala e uma conexão alterada entre o córtex pré-frontal, os gânglios da base e o sistema límbico.[19:216]

Um manual observou que a depressão recorrente ou prolongada causa atrofia do hipocampo.[16:267,16:557] No mesmo livro, no entanto, outros autores escreveram que não estava claro se as hiperintensidades da substância branca no bipolar eram causadas pela doença ou pelo tratamento ou estavam presentes antes de qualquer um deles.[16:295]

Essa foi uma das raras admissões nos manuais de que as mudanças observadas nas varreduras cerebrais podem ser causadas pelas drogas. Normalmente, essa possibilidade era totalmente ignorada, como também ocorre em artigos científicos. O editor de um dos manuais didáticos[18] , o professor Poul Videbech, publicou em 2004 uma meta-análise de estudos de imagem[66] onde relatou que a depressão causa uma redução de 9% no tamanho do hipocampo, citado por um dos manuais didáticos.[20:433] Discutindo as limitações de seu estudo, Videbech observou que estudos transversais, como os que ele incluiu na meta-análise, não podem concluir sobre a causalidade. Ele perguntou: “A depressão causa encolhimento do hipocampo ou os indivíduos com hipocampos pequenos são suscetíveis à depressão?”

Não ocorreu a Videbech que as pessoas com depressão são tratadas com pílulas para depressão e que poderiam ser as pílulas que causavam a atrofia cerebral. Ele não mencionou essa possibilidade, nem mesmo ao discutir os fatores de confusão, incluindo estresse e abuso de álcool. Ele observou que, em três estudos, um volume menor no hipocampo direito ou densidade reduzida no esquerdo “estava associado à má resposta à medicação antidepressiva” e que, se esse resultado for confirmado, “é clinicamente muito interessante como potencial preditor de resposta ao tratamento”.

Não consigo entender esta frase. Parece-me que Videbech sugeriu que, talvez no futuro, todas as pessoas deprimidas deveriam fazer uma tomografia cerebral. Isso não vai acontecer.

TDAH

Estranhamente, o TDAH – um dos diagnósticos mais controversos em toda a medicina – foi considerado um dos transtornos psiquiátricos com as evidências mais fortes de uma etiologia neurobiológica.[17:612] Foi chamado de distúrbio do desenvolvimento neurológico,[16:462] ou distúrbio do desenvolvimento neuropsiquiátrico,[17:610] caracterizado principalmente por fatores de risco biológicos, e não principalmente pela exposição a fatores de risco psicossociais e eventos estressantes na infância.[19:51] Alegou-se que o TDAH representa uma disfunção de órgão cerebral e que estudos clínicos e neurorradiológicos mostraram atividade disfuncional nos lobos frontais.[19:112]

Historicamente, o TDAH era chamado de “disfunção cerebral mínima” e o foco estava em um dano cerebral estrutural que ninguém jamais havia visto. [17:610]

O fato é que o TDAH é uma construção social e que nenhum estudo confiável mostrou qualquer origem biológica para essa construção, ou que os cérebros das pessoas com esse diagnóstico são diferentes dos cérebros de outras pessoas.[7,10] Um livro que observou que as varreduras de TC e RM mostraram menos tecido cerebral e menos substância branca reconheceu que existem muitos problemas metodológicos com estudos de imagem.[17:612]

Em contraste, um capítulo sobre TDAH escrito por dois psicólogos não tinha reservas.[20:469] Alegou, com referências, que os pacientes diagnosticados com TDAH têm tamanho menor especialmente do núcleo caudado direito, cerebelo e volume total do cérebro;[67] que possuem menos substância cinzenta no núcleo caudado direito, córtex pré-frontal ventromedial e giro cingular rostral, que não estão relacionados ao uso de medicamentos para TDAH;[68] e que as varreduras de RMF também mostraram diferenças para pessoas saudáveis.[69]

Seria uma perda de tempo ler esses artigos porque toda a literatura sobre digitalização é altamente não confiável (veja abaixo nesta página). Mas brevemente, o primeiro estudo foi uma meta-análise de estudos de ressonância magnética que incluiu todas as regiões em todos os estudos e encontrou reduções globais para indivíduos com TDAH em comparação com indivíduos de controle, com um tamanho de efeito de 0,41.[67] Um tamanho de efeito tão grande é uma medida da quantidade de viés nos estudos revisados e não de diferenças verdadeiras. Em outras palavras: lixo entra, lixo sai.

O segundo estudo também foi uma meta-análise, predominantemente de estudos muito pequenos, que sabemos serem pouco confiáveis.[68] Incluiu dois conjuntos de dados, e um tinha apenas 34 pacientes com TDAH nos estudos, em média, o outro apenas 16 pacientes.

O terceiro estudo incluiu 20 pacientes com TDAH.[69]

Todos os três artigos e outros semelhantes devem ser ignorados. Os psicólogos se vestiram de cientistas sérios e depois citaram puro lixo.

Transtornos de ansiedade

Um manual didático observou que estudos de imagem cerebral mostraram alterações na amígdala em crianças com transtornos de ansiedade, mas mencionou que não se sabia se essa era a causa do distúrbio ou uma consequência dele.[19:146]

Os outros não tinham tais reservas. Dois psicólogos escreveram que os pacientes com TOC têm uma disfunção no circuito frontostriatal do cérebro, que é a conexão entre os lobos frontais e os gânglios da base e o tálamo, e que o metabolismo no núcleo caudado direito era reduzido se os pacientes tivessem tomado pílulas para depressão ou receberam terapia cognitivo-comportamental.[20:479]

Outros autores escreveram que os pacientes com TOC tinham atrofia cerebral e aumento da massa cinzenta, mas não ofereceram referências para apoiar essa afirmação surpreendente.[17:418]

Dizem-nos que os gânglios da base, o tálamo e a parte orbitofrontal do córtex estão envolvidos;[19:162] que alguns estudos mostraram normalização da hiperatividade dopaminérgica no corpo estriado após tratamento com pílulas para depressão ou terapia cognitivo-comportamental;[17:419] que estudos de imagem mostraram hiperatividade do córtex orbitofrontal e do núcleo caudado em pacientes com TOC que desapareceram com tratamento bem-sucedido com drogas ou psicoterapia;[16:364] e que drogas eficazes ou terapia comportamental podem normalizar as áreas cerebrais afetadas.[19:162]

As duas últimas sentenças são tautologias. Eles contêm informações vazias como na frase: Vai chover amanhã ou não vai chover. Se for utilizado um tratamento “eficaz” ou “bem-sucedido”, as alterações cerebrais são normalizadas. Se não estiverem normalizados, o tratamento não foi eficaz ou o paciente resistiu ao tratamento. Esta é uma situação ganha-ganha que parece confirmar algo que não está correto, ou seja, que existem alterações cerebrais em primeiro lugar.

Estudos de varredura cerebral são altamente não confiáveis

Devemos ser altamente céticos em relação aos resultados dos estudos de imagem. Os manuais didáticos não demonstravam muitas dúvidas, mas aquele em que todos os três editores eram psicólogos observou que eles estavam cientes das limitações dos métodos usados nos estudos de imagem e questionaram as descobertas feitas.[20:10]

Outro observou que as descobertas obtidas com varreduras estruturais e funcionais eram inconsistentes e variadas, especialmente aquelas obtidas com varreduras de RM funcionais que medem pequenas mudanças no fluxo sanguíneo para várias áreas do cérebro enquanto o paciente realiza várias tarefas.[17:329]

Toda essa área é uma confusão de pesquisas altamente duvidosas.[7:233]

Uma meta-análise de 2009 descobriu que a taxa de falsos positivos em estudos de neuroimagem está entre 10% e 40%.[70] E um relatório de 2012 escrito para a Associação Psiquiátrica Americana sobre biomarcadores de neuroimagem concluiu que “nenhum estudo foi publicado em revistas indexadas pela Biblioteca Nacional de Medicina examinando a capacidade preditiva da neuroimagem para distúrbios psiquiátricos para adultos ou crianças”.[71]

Um bom trabalho de pesquisa às vezes pode tornar redundantes centenas de estudos ruins. Este é o caso de uma revisão sistemática de 2012 por Joshua Carp que pesquisou o estado metodológico da arte em uma amostra aleatória de 241 estudos RMF.[72]

Carp descobriu que muitos dos estudos não relatavam detalhes metodológicos críticos sobre o desenho experimental, aquisição de dados ou análise, e muitos estudos eram insuficientes. Os métodos de coleta e análise de dados foram altamente flexíveis. Os pesquisadores usaram 32 pacotes de software exclusivos e havia quase tantos canais de análise exclusivos quanto estudos. Carp concluiu que, como a taxa de resultados falsos positivos aumenta com a flexibilidade do projeto, o campo da neuroimagem funcional pode ser particularmente vulnerável a falsos positivos. Menos da metade dos estudos relatou o número de pessoas rejeitadas na análise e os motivos da rejeição, e o tamanho médio da amostra por grupo foi de apenas 15, o que gera um enorme risco de publicação seletiva daqueles resultados com os quais os pesquisadores já concordam. A ordem dos procedimentos de processamento também permite flexibilidade substancial nas análises.

A replicação é essencial para a confiabilidade da ciência, e os artigos científicos devem relatar procedimentos experimentais com detalhes suficientes para permitir que investigadores independentes reproduzam os experimentos. Isso está longe de ser o caso em estudos de imagem.[72]

Carp publicou outro estudo importante em 2012.[73] Ele procurou estimar a flexibilidade da análise de neuroimagem submetendo um único experimento de RMF aos vários procedimentos de análise exclusivos descritos na literatura. Considerando todas as combinações possíveis dessas estratégias, ele criou 1 canais de análise exclusivos.

“Quase todos os voxels no cérebro mostraram ativação significativa em pelo menos um canal de análise. Em outras palavras, um pesquisador suficientemente persistente determinado a encontrar ativação significativa em praticamente qualquer região do cérebro tem grande probabilidade de sucesso. Da mesma forma, nenhum voxel foi significativamente ativado em todos os canais. Assim, um pesquisador que espera não encontrar nenhuma ativação em uma determinada região (por exemplo, para refutar uma hipótese concorrente) pode certamente encontrar uma estratégia metodológica que produzirá o resultado nulo desejado … O relatório de análise seletiva pode ocorrer sem a intenção ou mesmo a consciência do investigador. Por exemplo, se os resultados de um novo experimento não concordam com estudos anteriores, os pesquisadores podem ajustar os parâmetros de análise até que os resultados ‘corretos’ sejam observados.”

Em um estudo de múltiplos observadores publicado em 2020, os pesquisadores pediram a 70 equipes independentes que analisassem o mesmo conjunto de dados, testando as mesmas 9 hipóteses ex-ante.[74] O conjunto de dados incluiu dados de RMF de 108 indivíduos, cada um executando uma das duas versões de uma tarefa que foi usada anteriormente para estudar a tomada de decisões sob risco. As equipes foram questionadas se cada hipótese era suportada com base em uma análise corrigida de todo o cérebro (sim ou não). Em média, nas 9 hipóteses, 20% das equipes relataram um resultado diferente da maioria das equipes, que estava a meio caminho entre a consistência completa entre as equipes e os resultados completamente aleatórios. Este estudo demonstrou que as escolhas analíticas têm um efeito importante nos resultados relatados.

Em 2021, os pesquisadores relataram que, depois de alertarem em 2016 que existem tantas fontes ou erros nos estudos de imagem que os achados não devem ser considerados definitivos, mas apenas sugestivos, 24 estudos de ressonância magnética apareceram no JAMA Psychiatry e 22 no American Journal of Psychiatry descrevendo diferenças em tais varreduras em amostras de pacientes psiquiátricos.[75] Todos os 46 estudos concluíram que suas descobertas são evidências de mudanças na estrutura do cérebro.

Em 2022, outros pesquisadores usaram três dos maiores conjuntos de dados de neuroimagem disponíveis, incluindo um total de cerca de 50.000 indivíduos para quantificar os tamanhos de efeito e a reprodutibilidade dos estudos de associação em nível cerebral (BWAS – brain-wide association studies) em função do tamanho da amostra.[76] O tamanho médio da amostra foi de apenas 23 pessoas. Os pesquisadores descobriram que a reprodutibilidade do BWAS requer amostras com milhares de pessoas.

Como escreveu um comentarista, o estudo mostrou que quase todas as pessoas diagnosticadas com depressão terão a mesma conectividade cerebral de alguém sem o diagnóstico, e quase todas as pessoas diagnosticadas com TDAH terão o mesmo volume cerebral de alguém sem TDAH.[77] No entanto, nos pequenos estudos, as correlações eram quase sempre maiores que 0,2 e às vezes muito maiores, o que, como escreveram os pesquisadores, não deve ser acreditado.

O método convencional para lidar com esse problema é aumentar o limiar de significância estatística. No entanto, isso vai sair pela culatra nesses pequenos estudos de ressonância magnética porque, inadvertidamente, garante que apenas as maiores – e, portanto, as menos prováveis de serem verdadeiras – diferenças cerebrais acabem passando no teste de significância e sendo publicadas.

A experiência do editor-chefe da Molecular Brain também é relevante a ser considerada ao avaliar os méritos dos estudos de varredura cerebral em psiquiatria. Em 2020, ele descreveu o que aconteceu quando pediu para ver os dados brutos em 41 dos 180 manuscritos que manuseou.[78] A pedido dele, 21 dos 41 manuscritos foram retirados pelos autores, e ele rejeitou outros 19 “por causa de dados brutos insuficientes”, o que sugeria que os dados brutos poderiam não existir, pelo menos em alguns dos casos. Assim, apenas 1 dos 41 artigos (2%) passou no teste de razoabilidade.

Infelizmente, os estudos de varredura do cérebro têm um componente psicológico. As pessoas são mais propensas a acreditar no que não entendem, o que significa que quanto mais o resultado estiver embutido em estatísticas ininteligíveis, mas aparentemente avançadas, mais provável será que os leitores acreditem.

Os pesquisadores cunharam o termo “fascínio sedutor das explicações da neurociência” (SANE-seductive allure of neuroscience explanations), que é um fenômeno real. Vários estudos mostraram que as pessoas confiam mais em estudos com linguagem e gráficos da neurociência, especialmente se houver imagens cerebrais.[79,80]

Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.

 


Tradução de Letícia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

 

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Relembrando a Oficina “Nada Sobre Nós Sem Nós”

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REGISTRO HISTÓRICO

Há exatamente 15 anos aconteceu a Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para Inclusão de Pessoas com Deficiências, que ocorreu em 2008. A oficina foi realizada com artistas com deficiência físicas que, por suas especificidades, não conseguiam exercer suas atividades artísticas, tais como acesso ao palco do teatro ou um camarim adequado, dentre outras situações que eram impeditivas por falta de estratégias de acessibilidade.

A política proposta se dirigia tanto parra artistas quanto o público espectador em geral, pois suas singularidades não eram previstas nas políticas de inclusão.  Desta forma, os artistas com deficiência e  o público PCD (Pessoa Com Deficiência) foram beneficiados por essa oficina, a qual proporcionou acesso a peças, exposições, shows, dentre outros eventos artísticos, que até então, não tinham audiodescrição, libras, legendas e etc.

A concepção da oficina foi iniciada na gestão do então Ministro da Cultura, Gilberto Gil, e continuadas pelo Ministro Juca Oliveira, e com o ator Sergio Mamberti, que respondia pela Secretaria Nacional da Identidade e da Diversidade Cultural (SID), seguido por Ricardo Lima e Américo Córdula.

 

Trata-se de um marco, porque, pela primeira vez, o lema “Nada sobre Nós sem Nós”, sugerido pelos próprios artistas com deficiência, foi utilizado no país.  O lema explicita numa denúncia e numa injustiça: as políticas públicas eram feitas para eles e não com eles, e por eles. As pessoas com deficiência se sentiam objetos de propostas, e não sujeitos, protagonistas delas.

A oficina foi realizada pelo LAPS (Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial) de Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP) da Fiocruz, em conjunto com a Secretaria Nacional da Identidade e da Diversidade Cultural, do Ministério da Cultura.

A iniciativa foi um espaço importantíssimo para artistas com deficiência de todos os cantos, de todas as partes do Brasil. Artistas que vieram expor as suas dificuldades, as suas ideias, as suas propostas, que foram incorporadas em dois grandes desdobramentos práticos: um foi a criação do edital “Nada sobre Nós sem Nós”, que premiou dezenas de projetos realizados, no Brasil inteiro, na medida em que as premiações eram distribuídas levando em conta critérios de regionalização. O segundo desdobramento foi a elaboração de uma nota técnica do Ministério da Cultura (NT 01/2009), que foi adotada como política de estado com orientações de medidas inclusivas para teatros, cinemas, museus e demais casas de arte e cultura e inclusive para rádios e emissoras de TV, assim como uma orientação para editais, inclusive a Lei Rouanet.

A oficina representou um enorme avanço, porque o Brasil, como signatário da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural foi um dos primeiros países a adotar medidas práticas de inclusão de pessoas com deficiência na arte e na cultura.

O relatório final e os vídeos (pioneiros na utilização de audiodescrição e libra simultaneamente) estão disponíveis na página do LAPS → https://laps.ensp.fiocruz.br/

Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 2: Os Distúrbios Psiquiátricos são Essencialmente Genético ou Ambiental? (Parte dois)

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Huge human brain and many little businesspeople around

Por Peter C. Gøtzsche, MD


Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, ele discute os problemas com estudos observacionais e outras falhas em pesquisas sobre TDAH. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui

 

Distúrbios afetivos

Para distúrbios afetivos, alguns autores expressaram menos certeza do que para esquizofrenia. Em um dos manuais didáticos de psiquiatria, os autores afirmaram que o risco de desenvolver distúrbio afetivo aumenta de 3 a 4 vezes se um dos pais estiver deprimido19:210 e o risco de desenvolver bipolaridade aumenta de 4 a 6 vezes se um parente de primeiro grau for bipolar,19:216 mas também admitiram que é muito difícil separar o que é hereditário e o que é ambiental e investigar se as mudanças são causa ou consequência do quadro depressivo.19:210

Um importante fator de risco para se tornar deprimido não tem nada a ver com a psiquiatria biológica, mas simplesmente viver uma vida deprimente da qual você sente que não pode escapar. Havia muito pouca informação nos livros sobre isso. Um deles dizia que o estresse, as condições de vida e o trauma podem desempenhar um papel nos distúrbios afetivos, mas não o quanto, em contraste com suas afirmações sobre o papel dos genes, que era de 50%.17:353 Outro mencionou o trauma, especialmente em relação ao primeiro episódio maníaco,18:113 e um terceiro mencionou abuso emocional, negligência e abuso físico na proporção de 9 a 12.16:263 Também observou que esteróides, pílulas anticoncepcionais e drogas bloqueadoras de estrogênio aumentam o risco de depressão, mas não houve menção de que drogas psiquiátricas, por exemplo, os benzodiazepínicos, pílulas para depressão e drogas para TDAH também podem causar depressão,7,8,11,34,44,45 embora isso seja altamente relevante, dado seu uso generalizado.

Este foi um problema geral encontrado nos manuais didáticos de psiquiatria. Eu dei outro exemplo logo acima dos psiquiatras protegendo seus interesses corporativos ao não mencionarem que as drogas que eles usam podem causar os mesmos distúrbios que eles tentam tratar. Isso é desonesto e não ajuda em nada.

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TDAH e a possibilidade de erro dos estudos observacionais

Para o diagnóstico de TDAH, os fatores de risco incluíram consumo de tabaco, álcool ou cocaína pela mãe ao longo da gravidez; diminuição do crescimento intrauterino; exposição fetal a inseticidas, chumbo ou mercúrio; pré-eclâmpsia; nascimento prematuro; partos complicados com hipóxia; baixo peso no nascimento; infecções pós-natais; exposição a metais pesados; e possivelmente neuroinfecções.17:612,18:229

Foi alegado que, embora os fatores ambientais possam contribuir, eles desempenham um papel menor.18:229

Deve-se sempre lembrar que tais afirmações sobre causalidade vêm de estudos observacionais. Eles podem, portanto, não estar corretos, mas não notei nenhuma ressalva nos livros quanto a isso.

Em contraste, os principais pesquisadores em epidemiologia têm fortes reservas sobre o que seus colegas publicam. Os estudos observacionais são repletos de dificuldades, o que é fácil de perceber se olharmos para a pesquisa nutricional.46 Pessoas que comem pouca fruta e vegetais ou bebem mais do que outras, não podem ser comparadas a vegetarianos e abstêmios. Eles diferem em diferentes pontos que podem influenciar sua longevidade. Portanto, se devemos acreditar no aconselhamento nutricional, ele deve vir de estudos randomizados e cuidadosamente conduzidos.

Se quisermos confiar em evidências observacionais, serão necessárias pesquisas de alta qualidade e a demonstração deve ser substancial porque há muito viés nesses estudos. Os principais epidemiologistas afirmaram que, por ser tão fácil ser enganado, resultados menos impressionantes são quase impossíveis de acreditar.47 Alguns disseram que mesmo um aumento de três vezes no risco não é persuasivo e que eles só podem ser persuadidos se o limite inferior do intervalo de confiança de 95% caia acima de um risco três vezes maior.

Quando examino as alegações feitas por psiquiatras consultando as suas fontes de estudo, quase sempre descubro que as alegações não podem ser comprovadas. Para mostrar como isso funciona, examinei um dos fatores de risco apontados para TDAH, o de baixo peso ao nascer. Encontrei imediatamente um artigo relevante pesquisando no Google TDAH baixo peso ao nascer que mencionava que “vários estudos relataram que crianças com peso baixo ou extremamente baixo peso ao nascer têm 3,8 vezes mais chances de atender aos critérios diagnósticos de TDAH”. Isso é uma má ciência. Se descrevemos vários estudos, não devemos escolher aquele com o resultado mais extremo, mas devemos dizer o que eles mostram em média, ou qual foi o resultado mediano.

Os autores citaram quatro estudos e eu procurei o primeiro. Ele incluiu 137 crianças com muito baixo peso ao nascer (MBPN) que foram comparadas aos 12 anos com uma amostra de pares combinados para vários sintomas psiquiátricos.49 O principal risco era o TDAH, diagnosticado em 31/136 (23%) das crianças MBPN, em comparação com 9/148 (6%) dos pares.

A razão de risco era 3,75, mas calculei que o intervalo de confiança de 95% passou de 1,85 para 7,58. Isso significa que o risco real de obter um diagnóstico de TDAH é provavelmente entre 2 e 8 vezes maior para crianças MBPN do que para crianças normais.

Supondo que o resultado esteja correto, o que não podemos saber, já que os resultados positivos são publicados com mais frequência do que os negativos (e por acaso selecionei o mais positivo), podemos calcular o tamanho que o estudo deveria ter se o limite inferior do intervalo de confiança excedesse 3. O limite inferior torna-se 3, se eu multiplicar todos os números por 10. Assim, o estudo deveria ter sido 10 vezes maior para despertar o interesse dos principais epidemiologistas.

Este é um problema geral com estudos observacionais. Eles geralmente são muito pequenos e considerando seus vieses inerentes com o risco adicional de publicação seletiva de resultados que por acaso são positivos, pode-se considerar que a maioria dos resultados de estudos observacionais seja enganosa. Mesmo que os estudos sejam muito grandes, eles geralmente são enganosos, pois não podemos eliminar os vieses, não importa o quanto tentemos ajustá-los estatisticamente.

O estudo MBPN foi tendencioso. Uma tabela mostrou que os pais de crianças com muito baixo peso eram socioeconomicamente desfavorecidos em comparação com o grupo controle. Além disso, os autores notaram que pais com distúrbios psiquiátricos eram mais propensos a ter filhos que também eram vulneráveis ​​a problemas psicológicos; que as mães de crianças com muito baixo peso eram mais deprimidas do que as mães de outros bebês; e que a maioria das crianças MBPN teve acesso limitado às mães durante os primeiros seis meses de vida. Os autores consideraram esse fato particularmente interessante. Eu também, pois essa poderia ser a explicação para suas descobertas e não o baixo peso ao nascer.

Não é possível ajustar de forma confiável essas diferenças com métodos estatísticos. Um estudo engenhoso, no qual um estatístico usou dados brutos de dois ensaios multicêntricos randomizados como base para estudos observacionais que poderiam ter sido realizados, mostrou que quanto mais variáveis ​​forem incluídas em uma regressão logística mais longe provavelmente chegaremos da verdade.50 O estatístico também descobriu que as comparações às vezes podem ser mais tendenciosas quando os grupos parecem passíveis de comparação ​​do que quando não o são; que os métodos de ajuste raramente conformam adequadamente a diferença no case-mix; e que todos os métodos de ajuste podem ocasionalmente aumentar o viés sistemático. Ele alertou que nenhum estudo empírico jamais mostrou que o ajuste, em média, reduz o viés.

Seu estudo pode ser o mais importante que encontrei em toda a minha carreira. Mas eu não encontrei um único pesquisador que não o conhecesse pessoalmente e que estivesse ciente de seus resultados altamente importantes.

Isso não quer dizer que os estudos observacionais não possam ser úteis. Muitas coisas não podem ser estudadas em ensaios randomizados e, portanto, não temos outra opção senão fazer pesquisa observacional. Mas é inaceitável que os manuais didáticos de psiquiatria quase sempre descrevam os resultados de tais estudos como se representassem a verdade, sem ressalvas.

Outras falhas na pesquisa de TDAH

Um do manuais didáticos forneceu a informação preocupante de que o TDAH é definido arbitrariamente como uma extremidade de uma curva de distribuição normal e que o desenvolvimento do cérebro é atrasado, mas não qualitativamente diferente daquele em crianças saudáveis.18:229

Se isso estiver correto, esperaríamos que mais crianças da mesma classe escolar nascidas em dezembro tivessem um diagnóstico de TDAH e estivessem em tratamento medicamentoso do que aquelas nascidas em janeiro, pois tiveram 11 meses a menos para desenvolver seus cérebros. Este é exatamente o caso. Um estudo canadense com um milhão de crianças em idade escolar mostrou que a prevalência de crianças em tratamento medicamentoso aumenta de forma bastante linear nos meses de janeiro a dezembro51 e que 50% a mais dos nascidos em dezembro estavam em tratamento.

Existem outros estudos que mostram o mesmo. Isso significa que, se tratarmos as crianças com um pouco de paciência que lhes permita crescer e amadurecer, menos crianças obteriam um diagnóstico de TDAH.

O diagnóstico surge principalmente a partir de queixas de professores e os pais costumam ouvir que seus filhos não podem voltar à escola a menos que estejam tomando um medicamento para TDAH. Um clínico geral me disse que uma professora havia enviado a maioria de seus alunos para exame por suspeita de TDAH.7:138 Claramente ela é quem era o problema, não as crianças, mas assim que as crianças são definidas com TDAH, isso alivia todos de qualquer responsabilidade ou incentivo para consertar a bagunça que criaram, seja na escola ou em casa.

Decidimos como sociedade que é muito trabalhoso ou caro modificar o ambiente das crianças, então, ao invés disso, modificamos o cérebro das crianças. Isso é cruel, como explicarei no Capítulo 9. Os Estados Unidos gastam mais de 20 bilhões de dólares por ano drogando crianças para o TDAH, o que é suficiente para pagar os salários de mais 365.000 professores em meio de carreira.52 E isso aumenta cada vez mais. O número de crianças com diagnóstico de TDAH aumentou 41% em apenas 8 anos, de 2003 a 2011.53

Apenas um dos livros didáticos mencionou algum dos estudos importantes sobre a prevalência do diagnóstico de TDAH em classes escolares de acordo com a idade.17:51 A crença na falsa história de que o TDAH é uma doença cerebral é tão forte que é quase impossível corrigir a narrativa prejudicial.

A doutrinação é muito eficaz. Em 2022, um dos meus colegas deu uma palestra sobre pensamento crítico para residentes de psiquiatria. Ele pediu que revisassem três estudos.

Um estudo mostrou que 16% daqueles com diagnóstico de TDAH tinham anormalidades genéticas (variantes do número de cópias) em comparação com 7% no grupo controle.54 Os pesquisadores concluíram que o TDAH era uma doença genética. Os residentes foram questionados se essa pequena diferença era significativa e poderia ser aplicada ao TDAH como categoria diagnóstica.

O segundo estudo procurou uma anormalidade genética nos distúrbios neuropsiquiátricos, esse mesmo estudo é frequentemente citado por fornecer evidências disso.55 Os pesquisadores relataram que havia um componente genético comum envolvido na patogênese de cinco distúrbios neuropsiquiátricos. Um dos distúrbios era o TDAH. Eles descobriram que aqueles com TDAH eram três vezes mais propensos a ter essa anormalidade. Mas se você combinar os dados das duas tabelas, descobrirá que apenas 0,3% tinham a anormalidade genética, portanto 99,7% não a tinham. Mas como apenas 0,1% dos participantes do grupo controle o tinham, a razão de chances se tornou três.

O terceiro estudo descobriu que crianças com diagnóstico de TDAH têm cérebros menores do que outras crianças.56 O tamanho do efeito foi de 0,1, o que significa que os pacientes com o diagnóstico têm 47% de chance de ter um cérebro maior que o normal.57 O tamanho do efeito também é chamado de tamanho de efeito padronizado. É o efeito dividido pelo desvio padrão das medições. Isso permite comparações de medições em escalas diferentes, mas semelhantes. Se, por exemplo, uma escala tiver um alcance 10 vezes maior do que outra escala, o desvio padrão também será 10 vezes maior e os tamanhos de efeito podem, portanto, ser combinados em meta-análises.

Os residentes enfatizaram que as diferenças genéticas eram altamente significativas e disseram que o estudo do volume cerebral sugeria que o TDAH era uma doença do neurodesenvolvimento.

Meu colega ficou pasmo. Ele disse aos residentes que os dados mostravam que quase todas as crianças diagnosticadas com TDAH não tinham anormalidades genéticas; que a razão de chances para o estudo de cinco distúrbios não tinha sentido; e que o estudo do volume cerebral mostrou que houve uma sobreposição de 96% entre crianças com diagnóstico e crianças sem.57

Os residentes então ficaram hostis. O palestrante não entendeu que o TDAH e os outros distúrbios eram distúrbios biológicos, que eram doenças como diabetes ou câncer?

Meu colega tinha visto muita insanidade na psiquiatria, mas ele me disse que essa era a coisa mais desesperadora que ele já havia experimentado. É assustador que essas pessoas devam cuidar de pacientes psiquiátricos de maneira baseada em evidências. Eles claramente não são capazes de fazer isso, pois exige que se tenha um conhecimento mínimo de ciência.

O estudo que afirmava que crianças com diagnóstico de TDAH têm cérebros pequenos foi amplamente condenado. Lancet Psychiatry dedicou uma edição inteira às críticas ao estudo. Allen Frances, presidente da força-tarefa do DSM-IV (DSM é o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicado pela Associação Psiquiátrica Americana), e Keith Conners, um dos primeiros e mais famosos pesquisadores do TDAH, reanalisaram os dados e não encontraram diferenças cerebrais.58

Os pesquisadores do artigo original escreveram na discussão que “nossos resultados provenientes de análises altamente avançadas confirmam que os pacientes com TDAH realmente têm cérebros alterados, ou seja, que o TDAH é um distúrbio do cérebro. Esta é uma mensagem clara para os médicos transmitirem aos pais e pacientes, o que pode ajudar a reduzir o estigma de que o TDAH é apenas um rótulo para crianças difíceis e causado por pais incompetentes.”56

A estupidez nesta mensagem é de partir o coração. Um dos críticos do artigo escreveu no Lancet Psychiatry que “não faz sentido informar que uma criança com TDAH tem um distúrbio cerebral”.59 Claro que não. Não é verdade, e não reduz o estigma, contar essas bobagens para médicos, pais e filhos; aumenta o estigma.

A Academia Americana de Psiquiatria Infantil e Adolescente escreve em sua página inicial:60 “O TDAH é um distúrbio cerebral. Os cientistas mostraram que existem diferenças nos cérebros de crianças com TDAH… algumas estruturas no cérebro de crianças com TDAH podem ser menores do que as áreas do cérebro em crianças sem TDAH.”

Em setembro de 2021, a Declaração de Consenso Internacional da Federação Mundial (The World Federation of ADHD International Consensus Statement) de TDAH foi publicada. 61 Ela apresentava o que os autores chamam de “208 conclusões baseadas em evidências sobre o distúrbio”, mas várias delas estavam incorretas, por exemplo “Quando feito por um clínico licenciado, o diagnóstico de TDAH é bem definido e válido” e o tratamento com medicamentos para TDAH reduz o abuso de substâncias, o baixo desempenho educacional e a atividade criminosa (ver Capítulo 9).

Havia 80 autores, então a maioria deles não pode ter contribuído muito para o artigo. Eles não especificaram quais contribuições cada um fez, mas muitos deles tinham vários conflitos de interesse em relação à indústria farmacêutica. O artigo afirmou que existe uma “causa poligênica para a maioria dos casos de TDAH, o que significa que muitas variantes genéticas, cada uma com um efeito muito pequeno, combinam-se para aumentar o risco do distúrbio. O risco poligênico de TDAH está associado à psicopatologia geral … e a vários distúrbios psiquiátricos”.

A grande decepção dos médicos e do público ocorre, entre outros motivos, porque diferenças muito pequenas de grupos em relação ao grupo controle são representadas como anormalidades encontradas em indivíduos diagnosticados com TDAH, embora os dados do estudo, quando devidamente analisados, mostrem que isso não é verdade. 57 Depois que os dados são revisados, fica claro que décadas de pesquisa sobre possíveis anormalidades em genes, volume cerebral e substâncias químicas cerebrais resultaram negativas.

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Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

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Mad in Brasil (Texto original do site Mad in America ) hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.


 

Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

História e loucura: relação entre museus e luta antimanicomial é tema de debate

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No dia 22 de maio de 2023 foi divulgado a reportagem “História e Loucura: memórias e construção da cidadania e dos direitos humanos”, reportagem esta que aborda a relação entre museus e a luta contra o paradigma manicomial, assim como a importância da arte e cultura na mudança do modelo assistencial em psiquiatria, assuntos que foram pautados na aula inaugural do curso de Especialização em Saúde Mental e Atenção Psicossocial coordenado pelo Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP). A atividade aconteceu no dia 18 de maio, no Museu da República, dia que muito importante já que é comemorado o Dia Nacional da Luta Antimanicomial e o Dia Internacional dos Museus.

A mesa foi composta por Hermano Castro, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz,  a vice-diretora de Ambulatórios e Laboratórios da ENSP, Fátima Rocha, representando o diretor da ENSP, Marco Menezes, a Presidente da ABRASME e Coordenadora do LAPS – ENSP/Fiocruz, Ana Paula Guljor, a Diretora do Museu Bispo do Rosário e ex-aluna do curso, Maria Raquel Fernandes, a coordenadora da Museologia do Museu de Imagens do Inconsciente, Priscilla Moret, o Pesquisador Sênior do LAPS/ENSP/Fiocruz e Presidente de Honra da Associação Brasileira de Saúde Mental/ABRASME, Paulo Amarante e o museólogo e diretor do Museu da República, Mario Chagas. A atividade foi moderada pela educadora do Museu da República, Christine Azzi.

Foram mencionados assuntos de extrema importância, relembrando a memória da psiquiatra que revolucionou o tratamento psiquiátrico no Brasil, Nise da Silveira, e da ativista e vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, a forma como a área da Saúde Mental foi atingida pelas políticas de desmonte implantadas nos últimos anos. A importância para a realização da aula inaugural no Museu da República, por ser um espaço popular, democrático e histórico:

“Se trata de olhar um país tão desigual e violento historicamente, com tantos desafios no campo. Estar aqui traz esse simbolismo da marca da mudança na área da Saúde Mental e da Reforma Psiquiátrica. É importante olharmos para esse passado para não esquecermos. É o momento de refletirmos sobre a necessidade de memória, liberdade, justiça, reparação e democracia. Temos que buscar isso permanentemente, em vários campos, não somente no da luta antimanicomial”. Fátima Rocha

Foi mencionado por Ana Paula Guljor a importância do curso que se insere nos processos da Reforma Psiquiátrica, e integram atividades e experiências de arte e cultura e inserção de temáticas como sustentabilidade e inclusão, visando não somente a formação profissional, mas também a ampliação de um pensamento crítico e a observação da importância de uma atuação política.

Foi abordado também o processo de construção e constituição do museu ao longo de seus mais de 40 anos, A instituição está localizada na Colônia Juliano Moreira, onde, antes, abrigava um manicômio. Narrando a mudança e os avanços no conceito de cuidado em Saúde Mental, Maria Raquel contou como, ao longo do tempo, se deu o processo de ressignificação do território, desde quando era manicômio até se tornar museu.

Paulo Amarante, destacou a realização da aula inaugural no Museu da República como uma oportunidade importante de estreitar o diálogo entre dois campos de luta pela memória, reparação e história. Ele também chamou a atenção para o papel fundamental do Museu da República na história e como espaço de liberdade, democracia, resistência e sonhos.

“Nossa luta não é somente pela mudança de modelo assistencial em psiquiatria. Não é só superar os manicômios. Não basta mudar o modelo assistencial, precisamos falar com a sociedade, dialogar com ela. Nesse sentido, a memória, a história e os museus têm papel fundamental, assim como a arte e a cultura. Nós temos que transformar a forma como a sociedade pensa a ideia de loucura” Paulo Amarante.

Para ler a reportagem completa acesse:

https://informe.ensp.fiocruz.br/noticias/54131

E para assistir a aula inaugural completa acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=PT3ssij76Zw

Alguém sobrevoou o ninho do consenso científico¹ – a história do Dr. Ophir e do TDAH

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Por Yaffa Shir-Raz, PhD

Quando criança, Jacob fazia tudo certo. Ele estudou nas melhores escolas, teve as melhores notas e chegou às melhores universidades. Logo Jacob se tornou o Dr. Yaakov Ophir – um psicólogo clínico licenciado e um jovem e promissor acadêmico do Technion – Instituto de Tecnologia de Israel. Com mais de 20 artigos científicos publicados (em inglês) e dezenas de entrevistas na mídia (em hebraico), Dr. Ophir voou com segurança rumo à terra promissora da academia. Tudo isso era verdade até que ele acidentalmente pisou em uma mina terrestre. Após o diagnóstico de seu filho primogênito com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), há sete anos, ele começou a investigar as origens e a validade científica desse diagnóstico comum na infância, e o que descobriu mudou sua vida. Literalmente.

Dr. Ophir descobriu muitos furos na narrativa médica dominante, conflitos flagrantes de interesses e práticas de encobrimento realmente estranhas que não se alinhavam com o que ele pensava que era a ciência. Para ele, a palavra ‘ciência’ costumava ter uma conotação sagrada. A academia era um templo para a verdade e integridade. Então ele decidiu compartilhar suas revelações com o mundo. Mal sabia ele que estava acordando um monstro brutal.

Sendo transparente, Dr. Ophir é um amigo próximo meu. Ainda assim, prometo contar sua história como aconteceu. Lembro-me vividamente das difamações pessoais e ataques cruéis que ele sofreu três anos atrás, quando nos conhecemos. Ophir ousou se afastar do ninho caloroso do consenso e expressar sua crítica instigante sobre o TDAH e seus medicamentos (Ritalina, Adderall e similares) e foi imediatamente acusado de ser um pseudocientista e um perigo para o público.

“Parecia que alguém tinha arrancado de mim meus títulos profissionais e acadêmicos e me dado um soco direto no estômago”, ele me lembrou quando o entrevistei recentemente sobre seu livro recém-publicado sobre o assunto. Verdade seja dita, eu realmente não precisava desse lembrete. Eu estava lá quando o Dr. Ophir levou ‘um soco no estômago’, muito antes de se tornar o autor reconhecido da “refutação abrangente do consenso científico sobre o TDAH“. Mas quando ele me contou essa história novamente, eu me encolhi de constrangimento como na primeira vez que a ouvi.

“Na verdade, eles foram atrás da minha licença”, disse ele com um suspiro sobrecarregado. “Eu era um jovem psicólogo e de repente recebi uma carta formal de advertência do Ministério da Saúde de Israel. Esta carta dizia que uma notável especialista na área apresentou uma queixa na qual ela me acusa de distorcer a ciência e enganar o público. Foi realmente assustador. Naquela época, eu não sabia que essa prática de bullying era comum. Eu estava preocupado em perder minha licença junto com minhas outras credenciais acadêmicas. Você provavelmente se lembra que eu previ algum embate com o sistema, mas não estava preparado para tamanha batalha de vida ou morte profissional”.

“Mas quais eram os argumentos deles”? perguntei ao Dr. Ophir. “Com que base eles foram atrás de sua licença”? “Você mesma deveria ler a carta”, ele respondeu. “Sua linguagem é absurda. Eu não podia acreditar que uma cientista respeitado a escreveu. Era superficial, hostil e cheia de erros factuais, como se tivesse sido escrita por uma criança zangada que teve seu jogo favorito tirado dela. A especialista reclamante não forneceu nenhuma resposta substantiva às lacunas científicas que levantei em meus artigos. Em vez disso, distorceu o conteúdo de meus escritos e colocou palavras em minha boca, que eu nunca disse. Foi realmente inacreditável. A carta de reclamação apresentava citações do Dr. Ophir usando aspas formais, mas essas citações nunca foram escritas por mim em nenhum dos meus artigos! Eu disse ao Ministério da Saúde: ‘Isso é muito fácil. Basta copiar essas citações e procurá-las em meus artigos. Você vai ver que elas não existem’”.

“Mas se deixarmos de lado o estilo violento dessa reclamação”, insisti, “você já parou para pensar se suas opiniões são realmente perigosas? Pode ser que tantos especialistas em TDAH estejam errados?” “Eu não tive escolha a não ser me fazer essas perguntas críticas”, Dr. Ophir admite com pesar. “A carta intimidadora do Ministério da Saúde me obrigou a sentar e ler toneladas de literatura. Eu tinha que responder a essas acusações infundadas e tinha que ter certeza de que estava dando aos meus leitores informações científicas tão precisas e confiáveis ​​quanto possível. De uma forma estranha, devo agradecer a especialista que apresentou a denúncia. Sua carta impulsionou meus esforços científicos neste campo. Após sua denúncia, desloquei meus esforços da esfera pública para as esferas profissional e científica. Eu iniciei minha própria pesquisa e revisões críticas sobre este assunto e reuni uma quantidade enorme de conhecimento, que eventualmente levou à publicação deste livro científico completo.”

the psychologist is recording data obtained from patient interviews and prepare medical steps.

 

 

O livro sobre o qual o Dr. Ophir fala é bastante notável. O título do livro diz tudo. O TDAH não é uma doença e a Ritalina não é uma cura: uma refutação abrangente do (suposto) consenso científico. “O consenso é uma ilusão”, explica. “É por isso que eu tive que adicionar a palavra ‘suposto’ no título. Há um longo e intenso debate sobre esse assunto. Os especialistas em TDAH estão bem cientes desse simples fato histórico, mas se você ousar contestar a validade do distúrbio ou a legitimidade de seu tratamento farmacológico de primeira linha, eles negarão a própria existência da controvérsia. Esta é uma forma sofisticada de gaslighting. Não é de admirar que os críticos do TDAH sejam rotulados como loucos. Mas temos que nos libertar disso. Não podemos permitir-nos render-nos à tirania científica.

“Você está bem ciente do fato de que a cada segundo, ou três, famílias nos Estados Unidos tem uma criança que pode receber esse diagnóstico inventado de TDAH. Você sabe muito bem que muitos pais sentem intuitivamente que algo está errado – ou que seus filhos são perfeitamente saudáveis ​​ou que não deveriam ser medicados com drogas tão poderosas. Esses pais enfrentam extrema pressão para obedecer aos sistemas médico e educacional e são submetidos aos mesmos métodos de gaslighting. Eles estão sendo levados a acreditar que seus filhos têm um desequilíbrio bioquímico no cérebro, que deve ser tratado com medicamentos todos os dias, como usar óculos. Estou ciente de que o que estou prestes a dizer pode soar um pouco ingênuo, mas sinto que se esses pais apenas lessem meu livro, eles poderiam usá-lo como uma espada científica em sua batalha contra o sistema; em sua batalha pelo bem-estar de seus filhos.”

“Mas seu livro é essencialmente científico. Os pais leigos podem entender um livro tão acadêmico? perguntei ao Dr. Ophir. “Você está certa”, ele respondeu, “mas meu público imaginário enquanto escrevia este livro sempre foram meus colegas pais que ficaram surpresos ao descobrir, como eu fiquei seis anos atrás, que seus filhos normais têm um ‘distúrbio vitalício do cérebro’. Claro, eu tinha que aderir às normas acadêmicas e ao rigor científico, mas fiz tudo ao meu alcance para tornar a ciência disponível para a maioria dos leitores usando uma linguagem simples e histórias da vida real”.

Eu sei. Minha amizade com o Dr. Ophir não me permite julgar com neutralidade o seu livro. No entanto, devo compartilhar que minha leitura dele voou sem esforço como um pardal. Fui capturada pelo ritmo e autenticidade do livro desde o primeiro conto de abertura e fiquei fascinada por sua estrutura brilhante e sabedoria nítida, mas simples. Seu livro, claro, não visa substituir uma consulta particular com um profissional de saúde mental, mas abre a porta para informações que estão sendo deliberadamente escondidas de nós. O livro revela, por exemplo, que a ciência nunca forneceu evidências convincentes de que os medicamentos para TDAH são eficazes a longo prazo. Pelo contrário, o uso prolongado desses medicamentos populares é bastante perigoso.

Essencialmente, o que o Dr. Ophir faz neste livro é expor os numerosos buracos científicos que existem na teoria dogmática sobre o TDAH e descobrir as pobres ‘ataduras’ que foram coladas descuidadamente para esconder esses buracos. “Quando você tira as demandas escolares da equação”, diz ele, “você vê que o TDAH não é uma doença. Na grande maioria dos casos, é um traço completamente normativo que tem, como todos os outros traços humanos, prós e contras”.

Portanto, não fiquei nem um pouco surpresa ao ler as resenhas acadêmicas que o livro recebeu. O neurocientista cognitivo e Professor Emérito Richard Silberstein, da Swinburne University, considerou-o “um dos livros mais importantes sobre o tema do TDAH publicado nos últimos 30 anos”. Thom Hartman, intelectual americano, viu este livro como “uma obra-prima absoluta, um trabalho que deveria estar nas mãos de todos os médicos da América”. Finalmente, o professor Sami Timimi, o influente psiquiatra britânico, roubou meus próprios pensamentos: “Dr. Ophir mostra as habilidades forenses de um cientista e as habilidades de escrita de um contador de histórias… Ele escreve com sagacidade, perspicácia e uma profunda humanidade e compaixão pela vida dos jovens… É uma leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada neste tópico… Quer seja um pai, uma pessoa com o diagnóstico, um professor ou um profissional da área de saúde mental, todos obterão algo valioso ao reservar um tempo para ler este livro maravilhoso”.

E aqui estão meus pensamentos com base em minha própria experiência com o discurso científico e médico: quando forças imensas são direcionadas para silenciar cientistas, muitas vezes é um sinal de que esses cientistas que deveriam ser silenciados têm algo terrivelmente importante a nos dizer. E se alguns cientistas estão dispostos a arriscar seu nome e sobrevoar o ninho do consenso, isso não significa que enlouqueceram. Provavelmente significa que a liberdade de pensamento está em perigo e que é nosso dever sagrado restaurá-la e preservá-la.

A resposta do Dr. Ophir à carta de reclamação:https://drive.google.com/file/d/1Tk4_IMDIkhrL5unI82OYc6yEQ8pu6A8d/view?usp=sharing  

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Tradução de Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).


 

¹ No título original One Flew Over the Scientific Consensus’ Nest faz referência ao livro e ao filme One flew over the cuckoo’s nest, que em português foram traduzidos como Um estranho no ninho. One flew over the cuckoo’s nest é uma expressão que em inglês significa estar próximo da loucura ou mesmo louco.

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