Quando médicos e pacientes tomam decisões sobre drogas, pode ser útil para eles saber quantos pacientes necessitam ser tratados para beneficiar um deles. Se você for um paciente e seu médico recomendar uma estatina para prevenir ataques cardíacos, você poderá ser informado de que ela previne um ataque cardíaco se 200 pessoas com um risco semelhante ao seu tomarem por cinco anos.
Isto significa que o número necessário para tratamento para beneficiar um paciente é 200. Ao receber esta informação, você pode se recusar a tomar a estatina. Talvez você já tenha experimentado uma estatina e desenvolvido fraqueza muscular e dores musculares que o impediram de caminhar 18 buracos de golfe, como um golfista me disse uma vez. Ou talvez você seja tão velho que pense que esta precaução extra é desnecessária.
Na psiquiatria, o número necessário para tratar com um medicamento psiquiátrico para beneficiar um paciente é em grande parte uma ilusão. Há várias razões para isto, mas a mais importante é que, para praticamente todos os medicamentos psiquiátricos e situações clínicas, mais pacientes são prejudicados do que aqueles que se beneficiam.
Os danos e benefícios raramente são medidos na mesma escala, mas quando os pacientes em um ensaio controlado por placebo decidem se vale a pena continuar no ensaio, eles fazem um julgamento sobre se os benefícios que percebem excedem os danos. Meu grupo de pesquisa fez tal análise com base em relatórios de estudos clínicos que obtivemos dos reguladores de medicamentos. Descobrimos que 12% mais pacientes abandonaram o estudo com um comprimido de depressão do que com placebo (P < 0,00001).
Isto significa que não pode haver um NNT para comprimidos para depressão, apenas um número necessário para causar danos (NNH). Nossa meta-análise mostrou que este número é cerca de 25.
Os psiquiatras dizem constantemente ao mundo o quanto suas drogas são eficazes, referindo-se aos NNTs. Tecnicamente, o NNT é calculado como o inverso da diferença de benefício. Se, por exemplo, 60% melhoraram com drogas e 50% com placebo, NNT = 1/(0,6-0,5) = 10. Mas isso é apenas a matemática. Os dados dos quais tais NNTs derivam são altamente falhos.
Aqui estão os principais problemas:
1) O NNT é virtualmente sempre derivado de ensaios onde os pacientes já estavam em tratamento antes de serem randomizados para o medicamento ou placebo. Isto significa que muitos dos que mudaram de um medicamento anterior para placebo experimentarão sintomas de abstinência, que os psiquiatras interpretam erroneamente como sintomas de doença. Portanto, a receita infalível na indústria de medicamentos é que se você prejudicar os pacientes do grupo placebo, você pode concluir que seu medicamento funciona.
Quando os principais psiquiatras do Reino Unido em 2014 tentaram convencer seus leitores de que os comprimidos para depressão são altamente eficazes, eles alegaram que eles têm um efeito impressionante na recorrência, com um NNT de cerca de três para evitar uma recorrência. Mas não foi a recorrência que estes testes avaliaram, mas sim os sintomas de abstinência no grupo placebo. Como apenas dois pacientes são necessários para obter um com sintomas de abstinência quando um medicamento é parado, não pode existir um NNT para prevenir a recorrência, apenas um NNH, que é dois.
2) Como os medicamentos psiquiátricos têm efeitos adversos evidentes, a cegueira nos ensaios controlados por placebo é inadequada, o que tende a exagerar o benefício medido, uma vez que este julgamento é altamente subjetivo.
3) De longe a maioria dos experimentos são patrocinados pela indústria e as fraudes e outras manipulações com os dados são muito comuns. Portanto, não podemos confiar nos relatórios publicados dos ensaios clínicos. Isto ficou muito claro depois que um de meus alunos de doutorado e eu em 2010 abrimos os arquivos na Agência Européia de Medicamentos depois de termos reclamado junto ao Ombudsman europeu. Com base nos relatórios de estudos clínicos dos reguladores, mostramos recentemente que a fluoxetina em menores de idade é insegura e ineficaz, em contraste marcante com as alegações contidas nos relatórios de estudos publicados.
4) O NNT leva em conta apenas os pacientes que melhoraram em certa quantidade. Se um número semelhante de pacientes se deteriorou, não pode haver NNT, pois não há benefício. Assim, um medicamento totalmente inútil, que só torna a condição após o tratamento mais variável, de modo que mais pacientes melhoram e mais pacientes se deterioram do que no grupo placebo, parecerá eficaz com base no NNT.
5) O NNT abre a porta para um viés adicional. Se o corte escolhido para melhoria não produzir o resultado desejado, outros cortes podem ser experimentados até que os dados confessem sob tortura. Tais manipulações com os dados durante a análise estatística, onde os resultados pré-especificados e os métodos estatísticos são alterados após os funcionários da empresa terem visto os dados, são muito comuns.
Na psiquiatria, a NNT é tão enganosa que deveria ser totalmente abandonada. Em vez disso, podemos usar a NNH. Como os comprimidos para depressão prejudicam a vida sexual de cerca de metade dos pacientes, a NNH é apenas dois. Assim, ao não usar os comprimidos para depressão, preservaremos a vida sexual normal em um de cada dois pacientes que não tratamos.
Isto leva à conclusão de que NNT em psiquiatria – se usado de todo – não deveria significar número necessário para tratar, mas número para não tratar, a fim de preservar o bem-estar de um paciente.
O raciocínio que descrevi acima se aplica a todas as drogas psiquiátricas.
Quem recentemente teve a oportunidade de ler o artigo de Jair Mari e Naomar de Almeida publicado na Folha de São Paulo foi informado da enorme e crescente prevalência dos transtornos mentais na população brasileira. O quadro que nos é apresentado é assustador. A informação passada para o público é a de que o Brasil tem uma das mais altas prevalências de ansiedade, alcoolismo e transtornos depressivos. No contexto da pandemia do COVID, com o aumento da insegurança, da orfandade, dos lutos complexos, do estresse com as medidas de isolamento e proteção social, o desemprego etc., o que se argumenta é haver uma correlação imediata com o aumento dos problemas ditos psiquiátricos.
Frente a um quadro assustador como esse que nos é mostrado, a reação esperada é que a sociedade venha a demandar por mais serviços psiquiátricos para dar conta de necessidades que não param de crescer. Se há um aumento do número de pessoas com problemas psiquiátricos, como argumentam os autores, o que se espera é que mais profissionais sejam incorporados ao sistema de assistência. Que se qualifique mais profissionais, preparando-os para diagnosticar melhor e para prescrever mais psicofármacos e, por conseguinte, ampliar o acesso das pessoas ao diagnóstico e aos psicofármacos.
Para quem está minimamente familiarizado com a literatura crítica da pesquisa em psiquiatria essa narrativa não surpreende. O que não é dito é que vem se tornando cada vez mais difícil ser “normal” para a psiquiatria, como foi dito pelo próprio Allen Frances, o coordenador da força-tarefa que elaborou o DSM-IV A cada nova versão do DSM é aumentado o número de categorias de diagnóstico. Mas, é preciso que se diga (como demonstraram, dentre muitos outros, José Jackson Coelho Sampaio e Evandro Coutinho), o diagnóstico psiquiátrico tem muito pouca confiabilidade científica para os critérios de diagnóstico propostos.
O que não é dito pelos autores desta narrativa oficial da psiquiatria é que a prescrição de drogas psiquiátricas vem aumentando o número de pessoas com incapacidades psiquiátricas e dependência química às mesmas. Quem leu o livro A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, do premiado jornalista estadunidense Robert Whitaker, não pode mais fingir o quanto a psiquiatria é responsável pelo aumento do número de pessoas psiquiatrizadas, nos Estados Unidos e no mundo inteiro. São abundantes as evidências científicas a demonstrar as razões para que o próprio tratamento psicofarmacológico aumente os problemas psiquiátricos na população.
Estudos revelam que os antidepressivos aumentam o risco que a depressão se torne uma doença crônica; que um paciente unipolar se torne bipolar ao longo de tempo de uso; que um paciente em antidepressivo se torne incapacitado pelo seu uso e passe a depender da previdência social.
Tratamento da ansiedade? Estudos têm demonstrado que as benzodiazepinas causam danos no funcionamento em múltiplos domínios, quando tomadas por um longo prazo.
E o mesmo pode ser dito com relação aos antipsicóticos.
A experiência brasileira com a reforma psiquiátrica tem demonstrado algo que no passado parecia impossível. (1) Que se pode tratar pessoas com graves problemas psiquiátricos sem a necessidade da sua manutenção em asilos psiquiátricos. (2) Que é possível se prescindir da internação involuntária para garantir a segurança pessoal e de terceiros. (3) Que a atenção psicossocial é capaz de prestar a assistência para a grande maioria dos casos psiquiátricos. (4) Que quanto menos se converte as condições socioeconômicas e culturais em problemas de doença mental mais se garante a autonomia e o desenvolvimento das capacidades dos sujeitos. (5) Que a assistência em saúde mental deve estar subordinada aos imperativos dos direitos humanos.
Finalmente, é preciso ainda dizer que o processo de reforma psiquiátrica, minimizado pelos autores, conseguiu extinguir com mais de 60 mil lugares de violência em instituições asilares psiquiátricas no Brasil, retirando milhares de pessoas dos verdadeiros campos de concentração que são os hospitais psiquiátricos (vide Em nome da razão de Helvécio Ratton dentre outros), impedindo que outras milhares ingressassem nestas instituições e restituiu vida e dignidade a muitos outras milhares de pessoas, que passaram a ser cuidadas em serviços de saúde mental e atenção psicossocial em liberdade, participando de projetos de geração de renda, economia solidárias e projetos culturais. Milhares de pessoas que passaram a viver sem serem um simples diagnóstico!
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Fernando Freitas e Paulo Amarante são Pesquisadores Titular e Sênior do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS) da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz, são autores do livro “Medicalização em Psiquiatria” (Editora Fiocruz), editores da página www.madinbrasil.org membros do International Institute For Psychiatric Drug Withdrawal (IIPDW).
Difícil de acreditar, mas é verdade. Em livro publicado em 2011, o psiquiatra americano Lyle H Rossiter afirma que “ser de esquerda é doença mental”.É bem verdade que esse “transtorno mental” não faz parte do DSM. Mas não será surpresa que ainda venha a fazer parte desse Manual de Diagnóstico mais influente no mundo. Veja a resenha publicada em Aliados Brasil.
“Em ‘A Mente Esquerdista: As Causas Psicológicas da Loucura Política’, o psiquiatra americano afirma, em outras palavras, que as pessoas que precisam que o Estado regule suas vidas têm problemas psicológicos.”
É a ideologia neoliberal na veia. A tese desenvolvida neste livro é exempar de como o fenômeno da “medicalização em psiquiatria” está a serviço da reprodução dos imperativos funcionais das estruturas capitalistas.
“Naturalmente, o que se espera de pessoas adultas e com o psicológico equilibrado é que elas acreditem em suas próprias capacidades produtivas e tenham desejo por independência e controle das proprias vidas. Ou seja, desejem que o governo não seja invasivo.”
Eis aí a suposta etiologia do que seria esse “transtorno mental”:
“De acordo com o psiquiatra americano Lyle H. Rossiter, pessoas infantilizadas, que se sentem incapazes, não querem construir sozinhas seu próprio destino porque tem medo. Buscam por um “herói” que as ajude caso elas falhem, e vêem no Estado esse personagem. Em outras palavras, pessoas com baixa auto-estima ou complexo de impacacidade, na falta de um pai ou mãe que as ampare, querem que o governo seja um verdadeiro provedor.”
“Segundo ele, os típicos esquerdistas radicais poderiam ser curados com terapia. ‘A agenda esquerdista despersonaliza, e até mesmo desumaniza, os cidadãos quando exalta a bondade de um ‘todo’ abstrato sobre a soberania do indivíduo, que deve assim estar subordinado aos fins coletivos do estado’”.
Uma coleção resumida e uma avaliação crítica da pesquisa em andamento que expõe os efeitos doentios do capitalismo sobre a saúde mental foi publicada recentemente como um capítulo no Oxford Textbook of Social Psychiatry pelos epidemiologistas Jerzy Eisenberg-Guyot e Seth Prins.
O foco da psiquiatria e das ciências sociais nos fatores individuais falhou em explicar o papel das estruturas e sistemas – por exemplo, o capitalismo – no desenvolvimento de doenças mentais e as disparidades nas formas psicológicas de sofrimento.
Os autores escrevem:
“O que explica essas tendências e iniqüidades? Embora esta pergunta tenha sido uma preocupação primária da ciência social quantitativa, as respostas resultantes nem sempre abordaram diretamente o capitalismo – um sistema sócio-econômico que não só estrutura as distribuições sociais de recursos e poder que afetam a saúde, mas também modula a nossas experiências da realidade e a produção de conhecimento dentro dela. Em vez disso, os pesquisadores de saúde mental têm se concentrado nos papéis de fatores de nível individual como “comportamentos de risco” ou status socioeconômico. Além disso, a ubiqüidade do capitalismo torna difícil isolar os caminhos pelos quais ele afeta qualquer resultado isolado como a saúde mental”.
Para se afastar desta tendência individualizadora, os autores revisaram neste capítulo a literatura mais recente e histórica e as pesquisas empíricas que têm ilustrado a influência do capitalismo sobre a saúde mental.
Por exemplo, estudos têm demonstrado que as pessoas que endossam os valores capitalistas são mais propensas a experimentar a solidão e a diminuição do bem-estar psicológico. O capitalismo também foi previamente conceituado como um determinante social da saúde.
Eisenberg-Guyot e Prins concordam, pois “reconhecem que todas as pesquisas sobre os determinantes sociais da doença mental envolvem o capitalismo”. Além disso, porém, eles traçam uma conexão explícita entre capitalismo e racismo, colonialismo e o patriarcado, fazendo uma conexão visível entre capitalismo e o sofrimento das mulheres, das pessoas de cor, dos colonizados e de outros grupos minoritários.
Estudos Pioneiros sobre a Relação entre Capitalismo e Saúde Mental
Usando dados e observações oficiais, Friedrich Engels desenvolveu um dos primeiros estudos epidemiológicos e incluiu informações sobre saúde física e mental na Grã-Bretanha na Era Industrial. Ele encontrou uma conexão entre as más condições de trabalho da industrialização e a doença e morte prematura dos trabalhadores. Engels também descobriu que a promoção capitalista da competição levava ao aumento da solidão, indiferenças e isolamento. Além disso, tarefas repetitivas levavam a uma falta de criatividade e autonomia e a um tédio cada vez maior. Finalmente, ele descreveu como as doenças físicas desenvolvidas no trabalho provocavam irritabilidade, desesperança e depressão.
Através de métodos similares, Karl Marx identificou como as condições materiais e dinâmicas industriais influenciavam a vida mental e emocional da classe trabalhadora. Ao minimizar as tarefas dos trabalhadores, o capitalista “aumenta a eficiência e a produtividade (e, portanto, o lucro), mas degrada e trabalha com menor qualificação”. Isto reduz a capacidade criativa do trabalhador e gera isolamento, impotência, aborrecimento, ansiedade e falta de propósito. O tempo gasto no trabalho também priva do trabalhador o tempo e a energia necessários para que ele se engaje em sua vida social e em suas atividades mais gratificantes.
Marx e Engels também identificaram como mulheres e crianças trabalhavam em condições piores do que os homens adultos, eram menos remuneradas e tinham responsabilidades adicionais, como o trabalho doméstico, levando a uma disparidade na “exaustão, doença pulmonar, lesões, envenenamentos” e menor expectativa de vida (ou infanticídio).
Embora a diferença de classe fosse o foco principal das análises epidemiológicas de Marx e Engels, Marx reconheceu de forma breve o papel do colonialismo e da escravidão na criação e perpetuação do capitalismo e como eles geravam morte e sofrimento em massa entre os grupos colonizados.
Marx não gerou uma teoria em torno do sexismo e do racismo, mas os autores explicam que “as teóricas feministas e negras radicais preencheram essas lacunas, argumentando que o capitalismo depende do racismo e do sexismo para maximizar os lucros através da hiperexploração, do colonialismo, do imperialismo e do patriarcado”.
“Eles argumentam que o capitalismo tem sido racializado e com enfoque no gênero desde seu início e que tem usado tais hierarquias para se expandir – apropriando-se de recursos e mão-de-obra da África, das Américas, de outras partes do Sul Global, e de outros lugares, e criando e explorando divisões de gênero de trabalho”.
Alienação e ambiente de trabalho
Muitos pesquisadores foram influenciados pela teoria da alienação de Marx que afirma que sob o capitalismo, os trabalhadores são alienados – ou separados – do fruto de seu trabalho (já que o capitalista toma tanto o que os trabalhadores criam quanto a maior parte do lucro que é feito de seu trabalho), de si mesmos (suas necessidades e desejos) e de outros (como outros trabalhadores, amigos, família e comunidade).
O psicólogo social, Seeman, expandiu o conceito de trabalho de Marx e identificou várias dimensões de alienação, tais como impotência (crença na incapacidade de alcançar seus objetivos), perda de sentido (falta de confiança na previsão dos resultados de suas ações), anomia (ter que se envolver em comportamentos socialmente inaceitáveis para alcançar seus objetivos), e isolamento (falta de conexão com outros). Além disso, ele e outros pesquisadores descobriram que a alienação estava associada à depressão, ansiedade, baixa auto-estima, desesperança e saúde física auto-percebida.
Os autores encontraram semelhanças entre estas descobertas e outras teorias. Por exemplo, eles mencionam como os teóricos psicanalistas também acreditam que a desumanização dos trabalhadores sob o capitalismo dificulta sua criatividade, seus laços sociais e a capacidade de satisfazer as suas necessidades e desejos. Eisenberg-Guyot e Prins também vêem a compatibilidade entre estas idéias e o modelo de estresse-diático (que argumenta que a interação entre as experiências socialmente padronizadas e as experiências de vida estressantes, juntamente com a própria história, contribuem para o desenvolvimento de doenças mentais) como a vida estruturada da classe trabalhadora, juntamente com sua alienação e histórias pessoais, influenciam o desenvolvimento de doenças mentais.
A pesquisa ocupacional também encontrou uma relação entre a alienação e a saúde mental. Karasek desenvolveu o modelo de demanda/controle ou tensão de trabalho, que estuda dois aspectos do trabalho. O primeiro é a demanda de trabalho ou a fadiga necessária para realizar o trabalho e o estresse que surge de outras tarefas e conflitos interpessoais no trabalho). O segundo é o controle do trabalho, a capacidade do funcionário de mudar o ambiente de trabalho ou como ele realiza suas tarefas.
De acordo com esta linha de pesquisa, as pessoas cujos empregos tinham maior demanda e menor controle eram mais propensas a relatar mais ansiedade, depressão, exaustão, angústia e problemas de saúde física relacionados ao estresse. No entanto, Karasek não reconhece a dinâmica de poder que se joga devido às relações de classe e à estrutura capitalista. A tensão no trabalho em si não seria a causa das disparidades de saúde entre as classes, mas o resultado da desigualdade.
Devido às mudanças nas estruturas e dinâmicas sociais, sociólogos e psicólogos deixaram para trás a dicotomia capitalista X trabalhador e começaram a usar um modelo que se encaixava nas novas hierarquias emergentes dentro do local de trabalho. Isto incluiu o capitalista, o gerente, o supervisor e o trabalhador. Gerentes e supervisores são caracterizados pela contradição de sua localização de classe, pois não possuem os meios de produção, mas ignoram o trabalho do próprio trabalhador. Usando a teoria da luta de classe, os pesquisadores verificaram que os supervisores de baixo nível tinham menos controle sobre as políticas do local de trabalho, o ambiente e os processos de tomada de decisão. Sendo “dominados e explorados pelos capitalistas e antagonizados pelos subordinados (a hipótese da contradição de classe)”, esses supervisores de baixo nível costumam estar sob maior risco de desenvolver doenças mentais, relatando níveis mais altos de depressão, ansiedade e transtorno de uso de álcool quando comparados tanto aos gerentes de alto nível quanto aos trabalhadores.
Outros estudos têm mostrado que capitalistas e gerentes relatam melhor bem-estar psicológico do que os trabalhadores e supervisores. Ainda assim, a relação entre classe e saúde tem sido mais forte entre os homens do que entre as mulheres. Eles supõem que esta diferença pode ser atribuída às disparidades na divisão do trabalho doméstico entre casais heterossexuais, entre outras razões. Além disso, pesquisas recentes descobriram que a pequena burguesia (ou empresários, proprietários de pequenas empresas, profissionais, etc.) estava em maior risco de doença mental do que as classes mencionadas anteriormente, pois muitas vezes competem com os capitalistas sem ter o mesmo número de recursos e muitas vezes acabam se tornando parte da classe trabalhadora.
Enquanto a maioria das pesquisas nessas áreas utiliza auto-relatos, que medem a percepção da tensão do trabalho da pessoa, outros pesquisadores utilizam diferentes tipos de dados para estudar as relações sociais no local de trabalho e sua influência sobre a saúde mental. Por exemplo, em 2015, Muntaner e colegas mediram a exploração a nível organizacional usando o status de empregadores com ou sem fins lucrativos e mediram o domínio gerencial na freqüência das violações das relações de trabalho. Eles descobriram que os assistentes de enfermagem dos EUA expostos a mais exploração a nível organizacional e domínio gerencial estavam em maior risco de sofrer depressão.
Estudos utilizando medidas similares e mais objetivas constataram que a porcentagem de trabalhadores que não eram pagos de acordo com seu trabalho aumentou as chances dos trabalhadores de desenvolverem doenças mentais. Além disso, os funcionários cujo trabalho havia se tornado mais automatizado tinham mais chances de se envolverem em bebedeiras do que os trabalhadores com mais autoridade e autonomia sobre seu trabalho.
Embora o status da classe tenha muitas vezes previsto resultados de saúde mental, pesquisas mostram que as pessoas de cor experimentam piores resultados de saúde na maioria das classes. Desde o início do século 20, os pesquisadores têm ligado o capitalismo, o colonialismo, o racismo e o patriarcado às disparidades na saúde mental. Estudos mais recentes descobriram como a saúde mental dos trabalhadores racializados é afetada por estresse crônico, distanciamento, turnos duplos, segregação residencial e ocupacional e várias formas de violência estatal; as mulheres racializadas são afetadas pela desproporcionalidade.
A epidemiologia psiquiátrica tem freqüentemente falhado em estudar os fatores estruturais e sistêmicos interligados (por exemplo, colonialismo, racismo, colonialismo, sexismo, misoginia e patriarcado, LGBTQphobias, etc.) que influenciam a saúde mental. Estudos futuros devem procurar preencher as lacunas nas pesquisas sobre a conexão entre o capitalismo e as condições objetivas vividas por pessoas de cor e pessoas do Sul Global.
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Eisenberg-Guyot, J. & Prins, S. J. (2022). The Impact of Capitalism on Mental Health: An Epidemiological Perspective. In D. Bhugra, D. Moussaoui & T. J. Craig (Eds.) Oxford Textbook of Social Psychiatry (pp.195-222) https://doi.org/10.1093/med/9780198861478.003.0022 (Link)
A síndrome de descontinuação de antidepressivos (ADS) é melhor evitada com medicamentos antidepressivos gradualmente afilados. A abordagem gradual, ao contrário de uma descontinuação mais abrupta, é reiterada mais uma vez.
Este novo estudo, publicado na revista European Neuropsychopharmacology, procurou avaliar a literatura mais recente sobre a ADS e a abstinência de antidepressivos. Descobriram que o “down-titrating” ou afilamento é quase sempre justificado no cenário clínico, especialmente para antidepressivos como o citalopram.
“Muitos pacientes interrompem abruptamente seus medicamentos antidepressivos precocemente sem o conhecimento do médico que os prescreve por várias razões”, explicam os autores. “A descontinuação dos antidepressivos pode levar a sintomas sistêmicos e neuropsicológicos de gravidade e duração variáveis, levando em conta a chamada ‘síndrome de descontinuação dos antidepressivos'”.
A interrupção abrupta dos ISRSs (inibidores seletivos de recaptação de serotonina) como Zoloft, Citalopram e Escitalopram pode ser perturbadora e prejudicial ao seu dia-a-dia – às vezes causando sintomas semelhantes aos da gripe, insônia, náusea e ou ansiedade. No entanto, deixar de usar seu antidepressivo de forma abrupta também pode causar confusão entre você e seu médico, pois pode ser difícil distinguir entre uma reincidência de sintomas de depressão e sintomas de abstinência e ADS.
A revisão da literatura primeiramente destaca que a mais nova versão do Manual Estatístico de Diagnóstico de Transtornos Mentais, o DSM-TR, observa que a ADS “pode ocorrer após tratamento com todos os tipos de antidepressivos” e que “a incidência depende da dosagem e da meia-vida do medicamento que está sendo tomado e da taxa em que o medicamento é afilado”. Em particular, os autores descobriram que o mais provável culpado da ADS são os medicamentos com altas ocupações de SERT e os medicamentos com meia-vida curta.
O Citalopram, mais conhecido por sua marca Celexa, tem uma “alta ocupação de SERT”. Pensa-se que os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (SSRIs) impedem que a serotonina seja removida das sinapses neuronais. Ao ligar-se ao transportador de serotonina ou “SERT”, os ISRSs bloqueiam o transporte de serotonina e assim aumentam a presença de serotonina no cérebro. Pesquisadores e médicos podem medir a ocupação do SERT (ou seja, como “ocupado” ou “ligado” aos transportadores de serotonina) de um ISRS através de imagens como os scans PET. Os autores explicam:
“Especificamente, a ocupação SERT dos ISRSs variaria através de diferentes doses. Por exemplo, o citalopram administrado constantemente a 60 mg/dia resultaria em 87,8% de ocupação SERT, 40 mg/dia resultaria em 85,9%, 20 mg/dia em 80,5%, 9,1 mg/dia em 70%, 5,4 mg/dia em 60%, 2. 3 mg/dia em 40%, 1,5 mg/dia em 30%, 0,8 mg/dia em 20%, e 0,37 mg/dia em 10%… Isto significa que o afilamento deve ser particularmente gradual, especialmente ao atingir baixas doses de ISRS”.
Da mesma forma, a paroxetina, comumente conhecida por sua marca Paxil, tem uma meia-vida curta. Meia-vida curta aumenta a probabilidade de retração e sintomas de descontinuação em todos os tipos de medicamentos, enquanto que meia-vida longa diminui significativamente os sintomas de retração. A meia-vida de um medicamento é a quantidade de tempo que leva para reduzir a metade de seu valor original ou potência em seu corpo. Quanto mais rápido o medicamento perder potência em seu corpo, pior será a abstinência. Ou, no caso de antidepressivos, quanto mais curta a meia-vida, maior a probabilidade de ADS.
Além disso, os indivíduos que já estão “vulneráveis” aos sintomas de descontinuação dos antidepressivos, tais como pessoas que experimentam ataques de pânico freqüentes, têm maior probabilidade de experimentar a ADS se os antidepressivos não forem afilados corretamente.
Como em todos os estudos, há limitações a esta revisão da literatura. É importante ressaltar que a revisão da literatura foi realizada utilizando um único banco de dados. E, seja porque os estudos revisados não continham dados demográficos ou porque os próprios autores não anotaram dados demográficos, não há menção de raça, etnia, gênero ou status socioeconômico na revisão.
Na medida em que o público fica mais informado sobre a depressão, a eficácia questionável dos antidepressivos e as opções de tratamento não-farmacêutico, os indivíduos que decidem descontinuar seus antidepressivos podem ter dificuldade em fazê-lo. É recomendável discutir a descontinuação com seu médico para evitar a ADS e os sintomas de abstinência.
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Fornaro, M., Cattaneo, C. I., De Berardis, D., Ressico, F. V., Martinotti, G., & Vieta, E. (2023). Antidepressant discontinuation syndrome: A state-of-the-art clinical review. European Neuropsychopharmacology, 66, 1-10. (Link)
“A expansão do uso de antagonistas de receptores NMDA de ação rápida para transtornos psiquiátricos é um risco significativo para o público”.
Esta é a conclusão tirada pelos pesquisadores em uma nova revisão multidisciplinar na revista Pharmacotherapy. Eles avaliaram 60 anos de estudos sobre a cetamina (e sua nova variedade, a esketamina) para o tratamento da depressão, e escrevem que suas evidências servem para “levantar questões substanciais sobre a segurança e a eficácia da cetamina e da esketamina para distúrbios psiquiátricos”.
O estudo foi conduzido por Thomas J. Moore no Center for Drug Safety and Effectiveness, Bloomberg School of Public Health, Johns Hopkins University, e no Department of Epidemiology, Milken Institute School of Public Health, George Washington University.
Dois dos desafios da pesquisa com cetamina são a) assegurar que os ensaios clínicos sejam adequadamente cegados, e b) diferenciar o suposto efeito antidepressivo rápido e a euforia que os usuários de drogas recreativas experimentam. A tabela abaixo, compilada a partir de dados de um estudo realizado em 2020 pelos autores do estudo atual, demonstra os efeitos da cetamina na alteração da consciência comum que os pacientes relatam ter experimentado durante o tratamento para depressão:
A idéia de que 78% dos pacientes poderiam experimentar “sentir-se estranhos, estranhos ou bizarros” e não supor que eles estão no grupo da cetamina – ao invés de no grupo placebo – é improvável.
Além disso, os pesquisadores relatam que mais de um quarto (27%) dos pacientes experimentam “euforia” -que é o que impulsiona o uso recreativo. Será que a droga tem um efeito antidepressivo rápido em pessoas com depressão, ou os seus usuários estão experimentando a breve euforia que os usuários recreativos sentem?
Eficácia da cetamina
De acordo com os pesquisadores, o status da cetamina como tratamento potencialmente revolucionário para depressão veio em 2000, quando um pequeno estudo da Yale descobriu que as infusões de cetamina levavam a um grande declínio médio na depressão dentro de 72 horas. Entretanto, este estudo foi incrivelmente pequeno – incluindo apenas sete pacientes.
Quatro revisões sistemáticas da pesquisa da eficácia da cetamina foram publicadas em 2014-2015. Os pesquisadores observam que embora estas revisões tenham encontrado efeitos antidepressivos grandes e rápidos para a cetamina, os estudos incluídos eram todos com alto risco de viés, não utilizavam um verdadeiro grupo comparativo cegado, utilizavam amostras de tamanho muito pequeno (variando de 4 a 47 pacientes), e incluíam apenas dados de curto prazo.
“Com uma única exceção, os ensaios clínicos foram feitos com uma única infusão de cetamina, e nenhum mediu o efeito depois de 14 dias, deixando incerta a duração do benefício, embora abertamente questionada nos textos do relatório. Com uma exceção que será discutida abaixo, nenhum dos ensaios apresentou um desenho com controles cegps de drogas ativas. Isto foi especialmente relevante considerando um medicamento que dentro de 40 minutos da administração induz um estado de consciência alterado que é imediatamente evidente para o paciente e provavelmente para o investigador. O estado de consciência alterado comprometeria a cegueira nos quatro ensaios clínicos com um desenho cruzado”.
Então, o que dizer do único ensaio que foi uma exceção a esta regra?
Este estudo foi o maior e incluiu um placebo ativo – uma benzodiazepina, destinada a imitar alguns dos efeitos de alteração da consciência provocado pela cetamina. Este estudo encontrou um grande efeito antidepressivo rápido para a cetamina em depressão resistente ao tratamento (pessoas que não tinham respondido a pelo menos três medicamentos antidepressivos anteriores).
Entretanto, embora tenha sido o maior estudo sobre a cetamina, o ensaio incluiu apenas 47 pessoas – um número pequena para a maioria dos padrões. Além disso, foi conduzido por autores com conflitos de interesse significativos; dois dos autores – e um dos dois centros médicos utilizados para o estudo – detinham patentes sobre cetamina (o que só seria lucrativo se a FDA aprovasse o medicamento com base em seu estudo). Quatro autores prestavam consultoria para empresas farmacêuticas.
Eficácia da Esketamina
Os pesquisadores escrevem que aqueles estudos pequenos e tendenciosos de infusões de cetamina tendem a encontrar um efeito antidepressivo grande e rápido – mas os estudos rigorosos e bem conduzidos da esketamina (versão de Janssen, também conhecida como Spravato) não reproduzem esta descoberta. Em vez disso, com estudos maiores, mais supervisão governamental e métodos mais rigorosos, a esketamina geralmente não induz qualquer efeito antidepressivo sobre o placebo.
“Os resultados promissores observados nos pequenos ensaios de cetamina, monocêntricos, com uma única infusão, geralmente não foram replicados em ensaios maiores e multicêntricos, com spray nasal de esketamina”, escrevem os pesquisadores. “Os ensaios de esketamina também foram submetidos a inspeções da FDA, com verificações da integridade de dados e outras formas de exame independente”.
A esquetamina foi aprovada pela FDA para uso em depressão resistente ao tratamento em uma decisão controversa, de acordo com os pesquisadores. De fato, Erick Turner, membro do conselho consultivo que recomendou a aprovação do medicamento, escreveu um editorial de análise sobre a decisão na Lancet Psychiatry, chamando-a de “uma ruptura histórica face aos estudos precedentes“. Outros pesquisadores chamaram-na de “prova frágil“.
De fato, de acordo com Moore e seus co-autores, embora a FDA tenha concedido “status de avanço” à esketamina devido a seus rápidos efeitos antidepressivos em um ensaio de fase 2, nenhum dos ensaios de fase 3 maiores e mais rigorosos preenchia os critérios da FDA para tal efeito.
A eficácia da Esketemina para reduzir o risco de suicídio também foi testada em três ensaios clínicos. Ela não reduziu a ideação suicida em nenhum deles:
Os pesquisadores escrevem: “Os ensaios para documentar os benefícios esperados de uma rápida redução do risco de suicídio foram um fracasso inequívoco”.
Apesar disso, a FDA concedeu a Janssen uma indicação ampliada, permitindo que a esketamina seja utilizada para o tratamento de suicídio – em parte com base nesses ensaios fracassados, de acordo com Moore e seus co-autores.
“Embora uma indicação aprovada pela FDA normalmente signifique ‘evidência substanciada’ de benefício”, os pesquisadores escrevem, “a indicação contem o qualificador incomum, ‘A eficácia do SPRAVATO na prevenção do suicídio ou na redução da ideação ou comportamento suicida não foi demonstrada'”.
Segurança
Nem a cetamina e tampouco a esketamina são seguras quanto é anunciado. Os pesquisadores escrevem que estudos em animais desde 1989 encontraram consistentemente efeitos neurotóxicos das drogas, e estudos em usuários recreativos humanos encontraram espessura cortical reduzida e desempenho cognitivo danificado. A FDA aceitou três estudos de toxicologia supostamente provando a segurança da droga, mas todos os três envolveram apenas uma única dose entregue a ratos.
Há muito poucos dados oficiais sobre o uso das drogas a longo prazo, uma vez que a maioria dos ensaios são limitados a resultados de curtíssmo prazo (duas semanas ou menos). A FDA aceitou um rótulo aberto (não cegado), estudo de 1 ano de 100 pacientes que já haviam respondido bem à cetamina como prova de sua segurança.
De acordo com os pesquisadores, “Quase todas as intervenções medicamentosas podem parecer seguras ou benéficas quando não são cegadas e ficam limitadas a um pequeno grupo de pacientes que, desde o início, já haviam respondido bem”.
Embora a cetamina seja suposta para reduzir o suicídio, ela parece, ao invés disso, causá-lo de forma consistente: Em um estudo recente, ela falhou em superar o placebo para a redução de tentativas de suicídio, e uma pessoa morreu por suicídio depois de tomar a droga. Em um estudo realizado em 2016 com 12 pessoas, uma pessoa morreu por suicídio depois de tomar a droga e outra foi hospitalizada depois de expressar intenção suicida. E um estudo de 2013 demonstrou uma ideação suicida retardada, disforia e ansiedade em 2 em cada 10 pessoas que tomavam infusões de cetamina – que tinham sintomas depressivos mínimos quando o estudo começou.
Em um estudo dos quatro primeiros pacientes a receber tratamento com esketamina em um Centro, um acabou tomando drogas anti-hipertensivas para toda a vida, a fim de administrar o efeito prejudicial da esketamina sobre a pressão arterial, enquanto outro tentou suicídio uma hora depois de tomar a droga. Nenhum dos pacientes foi capaz de descontinuar a esketamina com segurança, sendo comuns pensamentos de suicídio depois de começar a retirar a droga.
Além disso, um estudo de caso no American Journal of Psychiatry demonstrou as conseqüências assustadoras da tolerância à cetamina e da abstinência – como faz outro estudo de caso envolvendo um paciente que receitou cetamina que, depois de se tornar dependente da droga, voltou-se para o abuso do álcool e morreu por suicídio.
Em resumo, os pesquisadores escrevem:
“Considerando os estudos científicos revisados nesta avaliação, descobrimos que nem a cetamina nem a esketamina demonstraram ser seguras para uso clínico prolongado no tratamento da depressão. Em doses subanestésicas, a cetamina é uma droga bem documentada de dependência e abuso”.
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Moore, T. J., Alami, A., Alexander, G. C., & Mattison, D. R. (2022). Safety and effectiveness of NMDA receptor antagonists for depression: A multidisciplinary review. Pharmacotherapy, 42, 567–579. DOI: 10.1002/phar.2707 (Full text)
Em um novo artigo no Frontiers in Psychiatry, o psicólogo teórico Stephan Schleim compartilha sua perspectiva sobre a busca contínua das bases biológicas dos transtornos de saúde mental. Usando o TDAH como exemplo, ele sugere que é improvável que causas biológicas individuais para sintomas psicopatológicos sejam encontradas, devido à variedade na forma como os sintomas se manifestam e à complexidade inerente de suas causas.
Este ponto de vista, parte de um debate acadêmico contínuo, tem implicações para a precisão e utilidade de sistemas de taxonomia diagnóstica como o DSM e o Research Domain Criteria (RDoC).
Schleim escreve que “as categorias de transtornos mentais são entidades tão complexas e heterogêneas que é improvável a descoberta de biomarcadores de diagnóstico confiáveis, o que também é apoiado por cerca de 180 anos de história da psiquiatria”. Ele acrescenta que “doenças como epilepsia ou Parkinson, que foram originalmente entendidas como transtornos psiquiátricos passaram para a neurologia após a descoberta de fortes marcadores neurais”.
Schleim descreve a história e a progressão da pesquisa buscando encontrar biomarcadores que permitissem a identificação e o tratamento consistentes de transtornos mentais. Ele argumenta:
1) transtornos mentais específicos têm sintomas muito vastos, variados e que se manifestam individualmente, tornando possível encontrar um mecanismo biológico singular por transtorno, e
2) a pesquisa não conseguiu encontrar marcadores biológicos de processos cognitivos ou emocionais comuns.
O desejo de mostrar fortes explicações biológicas para as dificuldades de saúde mental remonta pelo menos até 1845. Estudiosos sugeriram que o primeiro passo no conhecimento dos sintomas relacionados à saúde mental seria entender “a que órgão pertencem as indicações da doença”. Enquanto a busca por órgãos desordenados lembra um pouco a frenologia (uma prática agora rejeitada de atribuir características psicológicas à forma e tamanho da cabeça), a busca científica por biomarcadores se deslocou principalmente para genes e para a ativação neurológica.
Schleim explica que o desenvolvimento da fMRI deu aos pesquisadores a esperança de que seria possíve a ligação de fenômenos cognitivos e emocionais a estruturas ou processos específicos do cérebro. No entanto, se alguma coisa isto apresentou, foi um quadro ainda mais complicado de como as emoções e a cognição se relacionam com o cérebro. Em segundo lugar, foram encontradas com freqüência correlações entre genes e transtornos mentais, mas são muito fracas para servir como a explicação principal para os transtornos mentais.
Dando como exemplo o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), Schleim explica a história da classificação do transtorno e a improbabilidade de os transtornos de saúde mental demonstrarem “biologismo forte”.
“Exemplos de biologismo forte seriam um certo genótipo, uma certa função ou estrutura cerebral fortemente correlacionada com um determinado processo ou comportamento psicológico”.
Os distúrbios com biologismo forte podem envolver uma explicação biológica individual para seu desenvolvimento e mecanismos de tratamento (por exemplo, uma estrutura cerebral específica lesionada ou subdesenvolvida, um gene consistentemente explicativo, etc.). Por outro lado, Schleim argumenta que os transtornos psicológicos têm “biologismo fraco” ou múltiplos biomarcadores que estão vagamente associados ou não explicam completamente as ocorrências do transtorno.
O TDAH era anteriormente considerado um mau comportamento moral entre as crianças, seguido por uma combinação de categorias como Transtorno Hipercinético, Disfunção Cerebral Mínima, e Dano Cerebral Mínimo. Esta categorização foi substituída pelo Transtorno de Déficit de Atenção/Desordem de Hiperactividade no DSM-III, a ser sucedido pela consideração como um distúrbio de desenvolvimento neurológico no DSM-5-TR. Atualmente, há algum debate sobre a validade dos biomarcadores para TDAH, incluindo afirmações duvidosas de que as pessoas com TDAH têm cérebros menores.
Os três tipos de TDAH identificados no DSM-5 são 1) desatento, 2) hiperativo/impulsivo, e 3) e combinado. Como um exemplo da variedade de apresentações de distúrbios isolados, Schleim escreve:
“Semelhante ao Transtorno Depressivo Maior, do qual existem 227 variantes, podemos distinguir 130 formas puras de TDAH para cada tipo maior. Combinando cada tipo puro de 1) com cada tipo puro de 2) já acrescenta 16.900 tipos mistos adicionais; incluindo as combinações de sintomas restantes rende um total de 116.2202… tornam improvável a redução da heterogeneidade de uma categoria como o TDAH para um ou alguns biomarcadores confiáveis”.
Schleim apresenta três categorias de abordagens pelas quais terapeutas e pesquisadores se engajam na classificação dos transtornos mentais como a seguir:
Essencialismo: a idéia de que existem biomarcadores confiáveis para transtornos mentais que facilitam a classificação e o tratamento igualmente confiável dos transtornos
Construcionismo social: que as definições e entendimentos sociais de transtornos mentais são construídos por instituições (por exemplo, quando a homossexualidade foi considerada patológica por organizações psicológicas)
Pragmatismo: um foco no que é mais útil para os clínicos e clientes
Entretanto, estas categorias estão longe de ser exaustivas e são apresentadas como desnecessariamente exclusivas uma da outra. Schleim sugere que é difícil encontrar ligações claras entre biologia e fenômenos psicológicos, em parte devido a desafios na operacionalização de fenômenos como “atenção” que não são físicos.
Além disso, ele diz que a taxonomia de base biológica trata erroneamente os transtornos psicológicos como “coisas” quando eles são construções principalmente pragmáticas para ajudar na tarefa de tratar os clientes. Entretanto, o fato de não terem marcadores biológicos um a um não os torna menos reais nem apenas pragmáticos. Este suposto enigma se baseia na idéia de que se os fenômenos psicológicos não são físicos, eles são vagos, difusos ou não-prováveis, uma questão que tem sido bem abordada por várias décadas de desenvolvimento de métodos de pesquisa psicológica.
Embora Schleim reconheça que os distúrbios mentais não são “apenas construções”, ele critica o excesso de ligação com aquilo que é concreto e tangível, ao mesmo tempo em que ele mesmo comete a mesma falácia lógica.
Isto pode refletir uma questão mais profunda dentro do campo da pesquisa psicoterapêutica – não acreditamos na existência real dos fenômenos psicológicos se não pudermos fixá-los a algo físico, biológico ou visível. Mas, por outro lado, se abertos à possibilidade de que os fenômenos psicológicos tenham causas psicológicas ou sociais que apresentem etiologias e mecanismos consistentes de tratamento, podemos ser capazes de desistir da luta até agora infrutífera para reduzir suas causas à biologia.
Schleim critica as abordagens biológicas da classificação utilizada tanto no DSM quanto no RDoC, concluindo:
“A continuação da busca por biomarcadores ou “circuitos cerebrais “danificados” traz o risco de negligenciar a perspectiva dos pacientes e atrasar a tradução clínica para um futuro incerto e distante. A biologização/medicalização dos transtornos mentais não resolveu o problema da estigmatização e pode, ao contrário, aumentar a distância social entre pacientes e não-pacientes”.
Este trabalho é uma valiosa continuação dos debates sobre a utilidade e relevância da categorização biológica para os fenômenos psicológicos. Ele destaca que as iterações do DSM e do RDoC diferem muito pouco uma da outra em sua tendência de hiper-medicalizar e sobreconcretizar fenômenos psicológicos e abstratos (embora conceitualmente discretos). A conversa seria aprofundada por um reconhecimento de que as coisas não precisam ser biológicas para serem importantes.
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Schleim, S. (2022). Why mental disorders are brain disorders. And why they are not: ADHD and the challenges of heterogeneity and reification. Frontiers in Psychiatry, 13. https://doi.org/10.3389/fpsyt.2022.943049 (Link)
Large group of people forming Denmark map and national flag in social media and communication concept on white background. 3d sign symbol of crowd illustration from above gathered together
Entre 2010 e 2020, o consumo de comprimidos para a depressão aumentou em 37% em 24 países europeus. A Dinamarca foi o único país onde o consumo caiu (uma queda de 4%):
Para as crianças, a queda no uso de antidepressivos na Dinamarca foi muito maior, uma queda de 41% em apenas seis anos, entre 2010 e 2016. Na Noruega e na Suécia, o uso aumentou 40% e 82%, respectivamente, no mesmo período de tempo:
Um gráfico que mostra o número de crianças em comprimidos para depressão na Dinamarca, Suécia e Noruega. A Dinamarca mostra um declínio acentuado a partir de 2010. A Noruega e a Suécia mostram aumentos constantes.
Então, o que aconteceu na Dinamarca? Devido à preocupação com o risco de suicídio, o Conselho Nacional de Saúde dinamarquês lembrou aos médicos de família, no verão de 2011, que eles não deveriam prescrever de pílulas para depressão para crianças, o que era tarefa dos psiquiatras.
Ao mesmo tempo, comecei a advertir fortemente contra o risco de suicídio provocado pelas pílulas. Nos anos seguintes, repeti minhas advertências inúmeras vezes no rádio e na TV, e em artigos, livros e palestras. Começou com uma entrevista com o diretor geral da Lundbeck que, em 2011, alegou que os comprimidos para depressão protegem as crianças contra o suicídio. A entrevista aconteceu enquanto o parceiro americano de Lundbeck, Forest Laboratories, negociava indenizações a 54 famílias cujos filhos tinham cometido ou tentado suicídio sob a influência das pílulas para depressão de Lundbeck. Eu descrevi o comportamento irresponsável de Lundbeck em meu livro de psiquiatria de 2015.
A enorme queda no uso entre as crianças ocorreu contra todas as probabilidades. Embora as pílulas para depressão causem suicídio, de fato em todas as idades, os principais professores de psiquiatria na Dinamarca continuavam a propagar suas falsas alegações de que as pílulas para depressão protegem as crianças contra o suicídio, o que eles continuaram alegando também após 2016.
O Conselho Nacional de Saúde da Dinamarca emitiu vários avisos contra o uso de pílulas para depressão em crianças antes de 2011. Além disso, as advertências oficiais das autoridades têm muito pouco impacto sobre a prescrição. A redução média na prescrição é de 6%, e entrevistas com médicos sugerem consciência limitada, aceitação e, às vezes, crença nessas advertências. Este é exatamente o caso das pílulas para depressão e crianças. Os principais líderes de opinião entre os médicos geralmente não acreditam nas advertências; eles acreditam que os comprimidos para depressão protegem contra o suicídio, uma crença que eles propagam em todos os lugares, em artigos científicos, na mídia e em palestras. Esta crença equivocada é letal.
Estou, portanto, convencido de que é principalmente devido à minha tenacidade que o uso foi reduzido na Dinamarca. Digo isto para encorajar as pessoas a lutar por uma boa causa, que é que os comprimidos para depressão não devem ser usados por ninguém. Como expliquei em meu Livro Didático de Psiquiatria Crítica, que em breve será publicado em série no Mad in America, é indiscutível que as pílulas para depressão fazem muito mais mal do que bem. Como os médicos não podem lidar com eles, eles devem ser retirados do mercado.
Juntando-se a nós hoje está o renomado psicofarmacologista Dr. David Healy.
David é psiquiatra, cientista e autor. Antes de tornar-se professor de psiquiatria no País de Gales, e mais recentemente no Departamento de Medicina da Família da Universidade McMaster no Canadá, ele estudou medicina em Dublin e na Universidade de Cambridge.
Ele esteve envolvido como testemunha especializada em ensaios clínicos de homicídios e suicídios envolvendo drogas psicotrópicas, e em trazer problemas com essas drogas à atenção dos reguladores americanos e europeus, bem como em aumentar a conscientização de como as empresas farmacêuticas vendem drogas comercializando doenças e cooptando líderes de opinião acadêmicos, como escritores-fantasmas de seus artigos.
David é fundador e CEO da Data Based Medicine Limited, que opera através de seu website RxISK.org, dedicado a tornar os medicamentos mais seguros através de relatórios online sobre efeitos colaterais de medicamentos.
Nesta entrevista, discutimos o recente Dia Mundial do Afilamento das Drogas Psiquiátricas * [“World Tapering Day], as possíveis relação entre tratamento antidepressivo e neuropatia sensorial e as dificuldades que podem ser encontradas quando se tenta reduzir a dose do medicamento psiquiátrico.
A transcrição abaixo foi editada para maior extensão e clareza. A entrevista de David Healy foi dada ao companheiro James Moore, do Mad in UK. Ouça aqui o áudio da entrevista.
James Moore: David, bem-vindo. Muito obrigado por ter tido tempo de se juntar a mim novamente para o podcast Mad in America. É bom pôr a conversa em dia e explorar com várias questões por onde está andando o seu pensamento.
David Healy: É bom estar aqui e nossas conversas que sempre foram ótimas. As questões são provavelmente pertinentes a algumas das coisas que eu recentemente venho analisando e que estão ligadas ao Dia Mundial do Afilamento das Drogas Psiquiátricas. Portanto, sim, muitas coisas para retomar.
Moore: Como você diz, o Dia Mundial do Afilamento foi realizado nos dias 4, 5 e 6 de novembro e foi conduzido por pessoas da Holanda que, elas mesmas, têm experiências com a retirada de opiáceos e antidepressivos e experiências de apoio a pessoas que tentam sair das drogas. Eu apenas gostaria de saber qual foi sua reflexão sobre o Dia Mundial do Afilamento e se é uma coisa boa reunir as pessoas em torno de uma bandeira como esta.
Healy: Acho que foi uma grande coisa, a partir de alguns diferentes pontos de vista. Antes de mais nada, acho que colocar no mapa a ideia do afilamento e haver tiras afiladas dá, tanto aos pacientes, que podem querer sair das drogas, quanto aos médicos que são confrontados com a pergunta dos pacientes, “como eu saio dessas drogas?”, a idéia de que existe uma maneira de se fazer isso; o que torna mais fácil para as pessoas reconhecerem o problema.
Eu acho que muitos dos problemas tanto na saúde mental quanto na saúde geral se tornam problemas porque alguém chega ao médico que não tem respostas e por não ter respostas não quer nem ouvir ou ver o problema. Isso acrescenta ao problema, o fato de o paciente não estar sendo visto, não estar sendo ouvido e não acreditar nele. Mesmo que o médico não tenha uma resposta, é muito bom ser acreditado.
Agora, se o médico e o paciente tiverem a idéia de que tiras afiladas são uma maneira de se avançar nisto, isso irá encorajá-los a ambos a se arriscarem. Muitas pessoas têm problemas com o afilamento, embora eu tenha certeza de que as tiras ajudam, embora algumas pessoas tenham problemas muito graves que podem não ser tão simples quanto usar uma tira.
É muito impressiontante quando se olha para as apresentações do Dia Mundial do Afilamento e os vídeos que estão agora disponíveis, em particular Peter Groot, que é a pessoa que conseguiu criar as tiras afiladas. Ela não está lá na forma de um especialista, quem está lá em cima e diz: “Este é o caminho, a verdade e a luz”; é muito mais ele ser apenas dolorosamente honesto e decente. Ele meio que fala sobre as questões e de alguma forma tem uma maneira de colocar as coisas que precisam estar no radar.
Logo no final de sua conversa, ele disse coisas que são verdadeiras demais, que é que como as empresas farmacêuticas trouxeram esses medicamentos para o mercado e que todos esses medicamentos são de tamanho único e não têm doses para com as quais possamos baixar e facilitar a saída. Ele não utilizou de fato a palavra mal, mas chegou muito próximo a ela, ao dizer que isto é um escândalo completo. Isso significa que para as pessoas ricas não há problema, elas podem ir aos farmacêuticos e pagar o dobro ou o triplo dos custos habituais ou podem comprar líquidos que são muito mais caros para ajudá-las a sair. Mas a maioria das pessoas que estão viciadas em antidepressivos não tem estas opções. Se os médicos de família se recusarem a prescrever um líquido porque vai custar-lhes mais, ou se eles forem a uma farmácia de manipulação e ouvirem: “Sim, podemos fazer isso para você, mas irá custar muito mais”, isso realmente deixa as pessoas em maus lençóis.
Este é um problema terrível que afeta milhões de pessoas e atrapalha a vida de centenas de milhares de pessoas. Não há apoio para as pessoas que estão presas a este vínculo. Peter, como eu disse, deu uma conversa terrivelmente simples, mas bastante profunda e ele é um homem notável, eu acho.
Moore: Em minhas relações com Peter, sempre me impressionou o que o motivou a fazer isto, a simples motivação de identificar um problema para o qual ele poderia ver uma solução prática e tentar ajudar as pessoas. No entanto, nunca se falou em dinheiro ou em reconhecimento. Ele está simplesmente tentando consertar um problema que ele vinha vendo que o afetava e que afetava outros.
Embora eu não sugira que as tiras sejam a ferramenta certa para todas as pessoas, elas são mais uma ferramenta na caixa e quanto mais ferramentas houver na caixa mais provas há de que este é um problema urgente que precisa de respostas. Isso dá aos médicos uma maneira de responder a este problema, como você disse, se acreditarem nas pessoas. Isso é um grande problema em si, não é?
Há uma série de coisas, retração, talvez fadiga crônica ou até mesmo a longa pandemia do COVID agora onde, assim que o médico ouve certas frases, ele deixa de acreditar naquela pessoa. É um grande desafio enfrentar o seu médico para dizer: “Eu sei mais do que isso sobre você. Eu tenho vivido com isto”.
Eu me pergunto qual seria a sua experiência com isso. Há algo que possa ser feito para que seu médico entre a bordo?
Healy: Sim e tenho pensado muito sobre isso, mas só para voltar rapidamente antes de embarcarmos com o médico. Uma das outras coisas que as tiras afiladas fazem é que mesmo que não sejam adequadas para todas as pessoas, mesmo que – como eu acho – haja este grupo de pessoas que tem uma neuropatia sensorial causada pelas drogas e embora a afilação ajude com isso, essa não é a resposta completa. Haverá algumas pessoas para quem temos que tentar encontrar uma maneira de fazer com que as pequenas terminações nervosas que realmente parecem estar danificadas voltem a crescer.
Até hoje os médicos, provavelmente a maioria mesmo deles dizem às pessoas que querem sair das drogas: “Você não pode. Você tem que ficar com elas para o resto de sua vida”. É um grupo enorme, mas há também um grupo que diz à pessoa, seja uma droga ISRS ou uma benzodiazepina ou o que quer que seja: “É fácil o suficiente, basta mudar de um comprimido por dia para um a cada dois dias e depois de algumas semanas, mudar um a cada três dias”. Isto é desastroso. Este é um conselho muito ruim.
Uma das coisas que as tiras afiladas podem fazer, o que é bom para todas as pessoas, é impedir que os médicos digam coisas malucas como esta. Quer dizer, pode parecer razoável para eles, mas sabemos que isso não está certo e na verdade está piorando as coisas.
Tenho a sensação até mesmo de que as pessoas muitas vezes não podem falar sobre essas coisas, porque o médico – mesmo que eles pensem que ele ou ela é uma pessoa legal – pode se tornar desagradável e pode jogar a cartada do especialista. “Aqui quem é o especialista sou eu. Quando você tiver 10 anos de treinamento em medicina, então poderemos ter uma conversa”, ou algo parecido. Para mim, aprendi mais com as pessoas que me trouxeram problemas do que qualquer um de meus colegas médicos. Como uma senhora que me ensinou que os ISRSs podem fazer com que a pessoa se torne alcoólatra e me falou mais sobre o sistema de serotonina do que eu sabia.
As pessoas que têm disfunção sexual pós-ISRS (PSSD) são as que apresentam todas as idéias de pesquisa, não sou eu, mas igualmente, há uma outra coisa que as pessoas podem fazer por si mesmas em grupos.
Eu tive um paciente que na verdade se parece um pouco com você, mais ou menos da mesma altura, da mesma constituição e da mesma maneira encantadora, que tinha um horrível TOC. Isto foi há quatro ou cinco anos. Um homem bom, eletricista e que tinha TOC. Ele tinha que ir consertar o aquecimento. Se tem que desfazer um monte de fios e depois colocá-los de volta no lugar certo, o que é um pesadelo se seu TOC estiver forte. Então ele tirava fotos o tempo todo de como era antes de nós mudarmos a fiação e depois uma foto de como as coisas estavam depois que as mudamos. Se você for para casa e não tiver certeza de haver feito bem o serviço, você pode olhar para a foto e tentar se tranqüilizar. Sempre que eu tive pessoas entrando na casa para consertar a fiação desde então e eu as vejo sacando fotos, quando posso eu pergunto se elas têm TOC e elas freqüentemente dizem: “Sim, eu tenho”.
De qualquer forma, este homem diz que seu TOC já tinha agido e que já tinha estado em SSRIs antes e nós o colocamos em um SSRI e tentamos a clomipramina, que é um pouco mais forte. Por tudo isto, este é apenas um bom homem que está claramente sofrendo e o TOC poderia causar um sofrimento terrível e minha prioridade era que eu tinha que ajudá-lo. Eu estava fazendo tudo o que podia, mas as coisas não pareciam estar dando certo.
Um dia, ele volta para a clínica e sabe que eu gostava dele e achava que se sentia livre para me dizer qualquer coisa; mas não o disse. Ele tem de sondar as coisas e decidir sim, vou tentar isso, vou dizer a Healy o que fiz. Ele diz: “Olha, o TOC piorou quando parei de fumar e então voltei a fumar. O que sei é que está muito melhor”. Eu fiquei a pensar que isto seria muito interessante. Ele diz: “Olhe, eu pesquisei isto no Google e, na verdade, há ensaios clínicos de adesivos de fumo e nicotina e o medicamento para Alzheimer chamado Donepezil, que age um pouco da mesma forma para o TOC e há evidências de que estas coisas têm sobre o TOC”. Portanto, há muita pesquisa por aí de pessoas que podem ser eletricistas ou o que quer que seja que façam, e elas conseguem as respostas corretas.
Na verdade, chamei por telefone a British-American Tobacco e disse: Olha, sou médico em um centro de saúde mental e estou tratando pacientes. Vou fazer algumas pesquisas sobre fumo e adesivos e coisas assim e parece que fumar pode ser bom para o TOC. Você sabe algo sobre isso e há algo que possa me dizer sobre isso? Houve silêncio na outra ponta do telefone. Eles não estão acostumados a que as pessoas lhes digam que talvez haja um bom uso para o fumar. Portanto, eles nunca mais deram um retorno. Eles não querem chegar perto disso.
A outra coisa é que a maioria das pessoas acha que os ISRSs são boas drogas, seguras. Elas são prescritas por médicos. Os médicos não lhe diriam para fumar, mas nicotina e álcool estão disponíveis no balcão e os ISRSs estão sob prescrição porque achamos que são mais perigosos do que a nicotina ou o álcool. A outra coisa, que precisa entrar um pouco no quadro é que a maioria das pessoas imagina que se você fumar consistentemente nos próximos 20-30 anos, isso vai encurtar sua vida. Se você bebe todos os dias durante os próximos 20-30 anos, isso vai encurtar sua vida. Tenho certeza que se você tomar ISRSs e antipsicóticos e combiná-los todos os dias durante os próximos 10 ou 20 anos, isso vai encurtar a sua vida e fazer com que você envelheça visivelmente. É uma das coisas que as pessoas precisam levar em conta e os médicos precisam levar em conta quando colocam as pessoas sob o efeito desses medicamentos, não simplesmente colocando-os nessas drogas; porque precisamos estar pensando desde o início quando e como tirá-los, o que não está acontecendo.
Moore: Essa é uma história fascinante e me faz pensar a engenhosidade do povo para tentar encontrar qualquer forma de superar as suas dificuldades. Muitas vezes, as pessoas são bem sucedidas em fazer mudanças que estão muito além daquilo com que estão lidando, mas que na verdade têm algum efeito secundário benéfico.
Tenho certeza de que você mesmo já viu isso, se você for a fóruns de ISRS ou de retirada antipsicótica, há conversas perenes sobre a dose para tentar amortecer os sintomas ou retomar a um pouco do que você estava fazendo na esperança de que isso possa ajudar.
Algumas pessoas fazem isso e são ajudadas, mas há uma tremenda vergonha e um estigma associados às pessoas que dizem: “Eu sinto que ainda não completei a minha jornada. Sinto vergonha de ter que retomar a medicação”, mas se é uma resposta para as pessoas, é uma resposta. Não é?
Healy: Sim. Peter Groot levantou isto, que é esse trabalho de tiras afiladas, maravilhoso, mas há algumas pessoas que não estão muito certas quando devem sair e parece ser o caso para algumas pessoas que ficam apenas com a dose de um miligrama, isso pode ajudar. Agora há algumas curiosidades sobre isto.
Uma das coisas a se ter em mente é que, além do fato de não termos formulações líquidas, o que é criminoso, quando as empresas trouxeram os ISRSs para o mercado, elas ficaram com medo de não poder mostrar que funcionavam. Para passar pela FDA, elas realmente achavam que precisavam dar às pessoas uma dose muito alta. Quando se toma um ISRS, é como dirigir um carro esportivo pelo centro de uma cidade. Você está em algo que não é construído para o ambiente em que se encontra. Ele pode ir de zero a 100 Km em dois ou três segundos, mas você não vai fazer isso no centro da cidade.
Desse ponto de vista, o Prozac em uma dose de cinco miligramas ou mesmo uma dose de um miligrama é quase tão eficaz em testes clínicos quanto as doses de 20 miligramas, mas eles acharam em simplificar as coisas para os médicos. Eles não estavam tratando os médicos como especialistas, estavam apenas tratando os médicos como consumidores adolescentes que precisam que as coisas sejam mantidas como simples. É por isso que eles trouxeram a dose única para todos, que era demasiadamente muito alta.
Os antidepressivos mais antigos vinham em uma dose de 100 miligramas, uma dose de 50 miligramas, uma dose de 25 miligramas, uma dose de 10 miligramas e em líquido, mas tudo isso saiu pela janela. Portanto, é provavelmente o caso de voltarmos a uma dose muito, muito baixa, não sabemos exatamente quão baixa, e isso pode ser eficaz e há bons motivos para pensar que será benéfica. Não é que você estará em uma dose terrivelmente baixa, você estará em uma dose que em muitos aspectos é uma dose razoável. A outra dose não era razoável.
Ligado a isso há outra possibilidade, que é a de que para um grupo de pessoas a vida simplesmente não está bem e elas precisam voltar em uma dose baixa. Não tenho certeza de que esteja funcionando como um antidepressivo nesse ponto. Um dos meus palpites é que esteja funcionando para administrar a neuropatia sensorial.
Em todos nós, nós temos os grandes nervos que movem um corpo de um lugar para outro e assim por diante. Também temos um monte de pequenos nervos que estão em nossa pele e tripas e estes têm o que se chama pequenos nervos de fibra e estão desprotegidos. Os nervos grandes têm uma grande bainha ao redor deles e se isso der errado você pode ter problemas terríveis, mas os nervos pequenos não têm nada. Eles são expostos e uma das coisas que sabemos é que muitas das drogas psicotrópicas que usamos, particularmente para a dor, como os antidepressivos e os anticonvulsivos, na verdade ajudam a aliviar a dor, matando as terminações nervosas. Acho que isso dá origem ao que me interessa, que é a disfunção sexual pós-ISRS, onde os genitais ficam dormentes porque as terminações nervosas neles se fraturou. Não é um problema cerebral, é um problema periférico.
Isto é o que eu acho que dá origem a coisas como confusão cerebral de que as pessoas se queixam. Não é apenas a entrada sensorial da área genital, mas é de todo o corpo, de seu intestino e assim por diante. Seu cérebro está muito mais sintonizado com seu intestino, bexiga e genitais do que com as coisas que acontecem fora de você. Portanto, quando não há input, isto dá origem à despersonalização, desrealização, confusão cerebral e coisas do gênero. Quando você tem esse tipo de coisa acontecendo, acho que o que temos não é apenas um problema de abstinência, mas que revela um problema de neuropatia sensorial, que existe em algumas pessoas, mas não em todas.
Tenho um colega que é médico e relatou recentemente que esteve em ISRSs por alguns anos, ele não sabia que poderia ficar viciado neles e teve um tempo terrível tentando se retirar, mas estava determinado. Ele os afilou e disse: “Estou me sentindo melhor”. Há coisas que eu podia fazer agora que não podia fazer com os comprimidos e estava ansioso para ser capaz de fazer; mas dou-me conta de que não sou tão bom assim. Eles me causaram algum prejuízo, vários danos”. E então ele entrou em contato comigo um dia, cerca de quatro anos depois e disse: “Ei, de repente, há apenas algumas semanas, tudo mudou em um período de tempo muito curto e eu voltei ao normal. Foi como se as luzes se acendessem. Eu estava me sentindo de volta”. Agora isso é consistente com finais nervosos crescendo e se conectando e o cérebro recebendo muito mais estímulo.
Então isso é um pouco do que me interessa, mas há outro ângulo e isto volta um pouco à história da nicotina e do fumo. Um dos grandes mitos que temos é que você quer evitar muitas drogas que têm um efeito anticolinérgico. Esta idéia remonta a meados dos anos 60, quando surgiu uma coisa chamada hipótese da catecolamina para depressão. Dizíamos que nas pessoas deprimidas, os níveis de noradrenalina baixavam ou a noradrenalina baixava, como se costuma dizer, nos Estados Unidos. Ninguém sequer mencionava nada sobre a serotonina, mas a idéia era que se você tivesse uma droga que fosse um inibidor puro de recaptação da noradrenalina e não fizesse mais nada, ela funcionaria muito bem e se estaria livre de efeitos colaterais. A maioria destes medicamentos tem um efeito anticolinérgico também e isso faz com que você tenha retenção urinária. Isso faz com que você fique constipado. Dá a você uma sensação de boca seca e a visão embaçada.
Todos engoliram isso, mas não é verdade. Muitos pacientes chamados para os hospitais dizem que ficarão felizes o suficiente se você interromper o medicamento antipsicótico deles ou baixar a dose, mas que não toquem no seu anticolinérgico. Isso é o que está lhe ajudando. Agora, está lhe ajudando de duas ou três maneiras. Uma é uma pílula para sentir bem. Tanto quanto sei, o paciente não se viciou, mas se sente bem com elas; e as pessoas no passado costumavam fabricar ervas que eram anticolinérgicas para se sentirem bem e eufóricas. Mas aqui está o problema, há 10 anos atrás houve relatos de que drogas anticolinérgicas em dose baixa podem causar o recrescimento de pequenas terminações de fibras nervosas.
Foi-nos dito para tirar as pessoas das drogas anticolinérgicas ou reduzir sua carga anticolinérgica, mas na verdade, isso pode fazer muito mal. Há uma quantidade crescente de evidências de que pode ser possível não apenas deixar essas pequenas fibras nervosas crescerem novamente, o que pode levar meses ou anos, mas realmente promover o recrescimento, então talvez pudéssemos fazer o trabalho muito mais rapidamente.
Moore: Devo dizer que há alguns posts fascinantes no Rxisk.org sobre isso e a resposta dos leitores e seus comentários de volta também são interessantes. Você falou anteriormente sobre biópsias de pele para ver se este tipo de dano pode ser verificado. Deveríamos ir em massa aos neurologistas para pedir ajuda com problemas de abstinência ou disfunção sexual ao em vez de ir a um médico de clínica geral que parece em grande parte sem pistas?
Healy: Os médicos generalistas são muito bons; sendo todas as coisas iguais se tem mais chances com um clínico generalista do que com um especialista, seja em saúde mental, neurologia ou qualquer outra coisa. Eles conseguem encaixotar tudo e se o problema que você está tendo não está total e diretamente na área deles, eles o negam. Enquanto um médico de família tem mais probabilidade de ter uma visão um pouco mais ampla e se, como você diz, pudermos fazê-los mudar de comportamento e que passem a se interessar em ouvi-los e que reconheçam que não têm todas as respostas, mas talvez torná-los mais conscientes de que o paciente que lhes traz o problema pode ele próprio também ter uma idéia de qual pode ser a resposta.
Se você entrar numa de sair de seus antidepressivos, embora eu não ache que o afilamento seja a resposta completa, uma aposta muito mais segura é se tornar um especialista em tiras afiladas. Vá e veja os vídeos do Dia Mundial do Afilamento e depois leve a resposta ao seu médico que estava lá dizendo: “Eu não sei como fazer isso. Eu não sei como fazer a passagem desta droga para aquela droga ou a que ritmo fazer você sair dela”. Se você puder fazer o trabalho por ele ou por ela, é mais provável que dê certo.
Como as pessoas que vão aos blogs da Rxisk verão, há pessoas com PSSD e tenho certeza de que isto também é verdade para a retirada, muitos deles parecem ter anticorpos para os receptores colinérgicos que parecem estar ligados a tudo isto. Mais uma vez, isto tem sido impulsionado pelas pessoas que têm o problema e que têm a pele no jogo. O médico comum não tem a pele no jogo. Portanto, o truque é como fazer com que ele pense que a idéia foi dele, embora tenha sido você quem lhe deu a idéia.
Moore: Você também mencionava naquele blog e eu não me lembro da formulação exata, mas você falava sobre a afilação como a estar revelando um problema em vez de causá-lo. Assim, mais uma vez, muitas pessoas nos fóruns dirão: “Eu não comecei a sofrer até que eu passei a afilar a medicação. Então, isso deve significar que eu afilei da maneira errada”, e eles se autoculpabilizam. Então a questão é: a maneira como eles afilaram causou seu problema ou esse problema teria surgido não importa como eles afilaram? O afilamento está revelando um problema iatrogênico no corpo ou está causando isso?
Healy: Na verdade, deveríamos voltar aos neurologistas porque você me perguntou sobre isso, deveríamos ir até eles? Quando eu estava me formando em medicina, eu tinha grandes livros de medicina e costumava gostar porque o papel era bonito e algumas das imagens que eles tinham eram ótimas. Eles tinham um ou dois diagramas que me chamavam a atenção naquela época. Mostravam o sistema nervoso periférico e as fibras sensoriais e explicava que havia um problema que então era chamado de causalgia e que significava, essencialmente, pés ardentes. Explicavam que as mulheres tinham isto muito mais do que os homens. Também estava ligado ao álcool e isto estava numa fase em que, pelo menos para mim, as mulheres bebiam menos do que os homens. Portanto, a idéia de que elas estavam ficando mais com causalgia foi talvez o que me chamou a atenção.
Portanto, este problema dos pés ardentes era uma neuropatia periférica, mas ninguém realmente entendia o que estava acontecendo. Acontece que não só o álcool, o fumo e as drogas de quimioterapia e câncer podem provavelmente causar isso também, mas há um grande silêncio sobre qualquer outra coisa, as drogas “boas” que causam isso.
É o que eu acho que temos com muitos dos antipsicóticos, os antidepressivos, os anticonvulsivos, as benzodiazepinas e coisas como a pregabalina, eles são comercializados abertamente para controlar a dor de queimaçãp. Agora, a queimação não é causada apenas por drogas, os produtos químicos a causam.
O extraordinário sobre os neurologistas é que eles são muito bons nos grandes nervos que fazem um corpo se mover pelo local, mas quando se trata dessas pequenas fibras e das coisas sensoriais, as coisas em que o neurologista pode lhe perguntar: “Isso aqui está doloroso agora”, e você diz que sim, é, está terrivelmente doloroso e você retorna alguns minutos depois e diz que não, não é tão doloroso agora como estava há apenas alguns minutos atrás. Isto é o que muitas vezes os faz se sentir desconfortáveis, que é esta subjetividade, que são os sintomas sensoriais que podem mudar demais.
É como se você tivesse uma grade flutuante e as coisas deixarem de ser idênticas em cada parada da grade toda vez que você a testa. Seria ótimo seduzi-los e se pudermos mostrar que drogas terrivelmente comuns como antidepressivos podem causar este tipo de problema e que há uma forma de recrescimento das fibras nervosas, esse é o tipo de coisa que pode realmente deixá-los interessados e felizes em ajudar. No momento, se você for a um neurologista, eles não vão se interessar.
Parece então haver boas evidências de que pelo menos algumas pessoas são afetadas. Certamente não ocorre com todas as pessoas que tomam antidepressivos. Provavelmente nem mesmo todas as pessoas que tomam antidepressivos parecem ter uma neuropatia sensorial. As biópsias de pele que fazemos podem não mostrar um resultado positivo em todos esses casos e os testes de anticorpos que também entraram em vigor ultimamente. Esta idéia de que quando você faz o teste de auto-anticorpos, você tem anticorpos para os receptores que provavelmente sejam outros que controlam se suas fibras nervosas vão ou não voltar a crescer.
Portanto, vai ser preciso muito ensaio e erro. As pessoas estão chegando junto e fazendo os testes, mas os testes parecem dizer não, você não tem isso. O que precisamos pensar são outros anticorpos. Podemos testar ou devemos apenas ficar fazendo uma biópsia da pele ao redor do tornozelo, ou devemos tentar em outro lugar também?
Moore: Tudo isso me parece extremamente importante e uma valiosa direção diferente para buscar respostas. Isto faz com que a conversa passe de apenas um problema do cérebro para um possível problema no corpo mais amplo.
Healy: É realmente interessante. Enviamos questionários às pessoas com o PSSD, perguntando-lhes qual é a gama de sintomas que elas têm. As pessoas que têm o PSSD nos dizem: “Olhe, você entendeu tudo errado. Você está se concentrando demais apenas nos genitais”, e elas estão certos. Mas só nos concentramos nisso porque se conseguirmos resolver este problema sobre como esse pedaço de pele fica dormente, teremos a resposta para muitas coisas, mas quando elas relatam, nós lhes damos a opção de relatar muitos sintomas diferentes como o caso do entorpecimento emocional e coisas assim; mas igualmente, há muitas coisas de pele como coceira e alergias e assim por diante, o que as pessoas precisam se lembrar é que a maioria dos ISRSs vem de anti-histamínicos. Portanto, não é apenas o sistema de serotonina que foi realmente afetado.
Se você pensa em histamina, você não pensa no cérebro. Você pensa na pele e nas entranhas, que é onde muitos dos problemas acontecem quando você realmente tenta se retirar destas drogas.
Moore: Alguns antipsicóticos também não são anti-histamínicos? Não foi daí que eles se originaram?
Healy: É de lá que todos eles vêm. Seria bom resolver o problema com antidepressivos, antes de tudo, porque eles podem causar problemas terríveis, mas parece que os antipsicóticos podem ser mais difíceis de serem removidos, eles são simplesmente mais pesados.
Moore: Obrigado, David. Podemos tocar nos ônus dos medicamentos afilados?
Healy: Claro e tenho uma ou duas histórias interessantes para lhes contar sobre isso. Eu estou envolvido com um grupo que criou a TaperMD e são realmente as outras pessoas em Rxisk. Há Dee Mangin, Peter Wood, James Wood e um ou dois outros que têm trabalhado dia sim e dia não nestes cinco anos, pelo menos, e isso se encaixa em algo que as pessoas falam chamando de desprescrição, o que de todo soa bem.
Agora, a coisa é que se fala muito sobre isso, mas na prática, não estamos realmente desprescrevendo. As pessoas estão acabando por consumir cada vez mais drogas. Estamos em um mundo de polifarmácia, onde há alguns anos você tomava uma ou duas drogas. Agora você está tomando quatro ou cinco e parece que as crianças que estão passando a tomar quatro ou cinco para começar. Quando elas chegarem a ser tão velhas quanto eu, só Deus sabe quantos elas estarão tomando.
Uma receita que você precisa para salvar uma vida, tudo bem. Todos acham que talvez seja uma troca razoável, mas se você estiver vivendo com um monte delas e a maioria não estiver salvando vidas, você irá morrer mais cedo. Na verdade, os dados que saem apontam nesse sentido, mas não é suficiente ser apenas a favor da desprescrição. Daqui a pouco explicarei o por quê, porque é um problema de sistema.
Isto também é típico da saúde mental, hoje em dia vejo jovens em clínicas com freqüência que estão tomando oito drogas psicotrópicas. É um sistema de crenças ilusórias. Os psiquiatras compram uma idéia que vem das empresas farmacêuticas, ou seja, se você tem uma reação ruim a um antidepressivo, isto significa que você é bipolar. Eles podem dizer que não deveríamos ter colocado o antidepressivo no início do tratamento, ou então eles dirão que irão adicionar um anticonvulsivo ao antidepressivo. Uma vez que eles adicionarem o anticonvulsivo, se não se estiver totalmente seguro, um antipsicótico também será bom para o transtorno bipolar, e é adicionado. Você pode dizer que eu não tem um foco tão bom como tinha antes, eles irão dizer que você tem TDAH, pegam esta escala de classificação e isso mostrará que você não está tão concentrado quanto você quer e eles dizem que irão lhe dar um estimulante, impulsionando o caminho oposto ao antipsicótico.
Eles estão construindo um monte de drogas em vez de achar que o antidepressivo que lhes estamos prescrevendo em primeira instância não está certo. Os médicos têm um preconceito terrível de pensar que qualquer coisa que esteja dando errado está ligada à condição, seja a pressão arterial, problemas mentais, isto está ligado à condição.
Se você ficar pior, se as coisas derem errado, significa que você tem uma condição pior, o que significa que precisamos lhe dar mais drogas e você pode ver isso. O extraordinário para mim é que quando as pessoas começaram a falar sobre isto por volta de 2004-2005, elas estavam tentando vender drogas para o transtorno bipolar. Mas também estavam vendendo a oportunidade, quando o ISRS e o suicídio surgiram, eles diziam: “Você deveria estar tomando anticonvulsivos”, mas se você lhes dissesse que se eu desse ISRS a voluntários saudáveis, pessoas totalmente saudáveis e normais, elas poderiam se tornar suicidas, você não acha que é a droga que estaria causando isto? Eles replicavam: “Não, essas pessoas devem ter um transtorno bipolar latente”. Eles estavam dizendo que as pessoas normais não eram reais, apenas nós não sabíamos até que darmos esta droga.
Deixe-me dar-lhe uma idéia de onde isto pode ir. Quando cheguei pela primeira vez no Canadá, eu passei a trabalhar em um lugar chamado Guelph. Eu estava clinicando lá e fazia parte de uma equipe de saúde mental de família que aceitava referências que vinham de 70 médicos de família da área.
Os pacientes que eles encaminhavam eram exemplares, eram pessoas que vinham tomando antidepressivos e talvez não estivessem trabalhando tão bem há cerca de 10 anos. O médico pode haver tentado acrescentar uma ou duas outras drogas e as coisas passaram a correr mal. Então a pergunta para mim era o que fazer agora? São pessoas que eles achavam que poderiam ter TDAH e o encaminhamento foi talvez porque o médico achasse que eles não tinham certeza absoluta e queriam portanto alguma informação especializada, que eu dissesse sim, eles têm TDAH, ou o que quer que seja.
De qualquer forma, as coisas estavam indo bem e era no meio da pandemia e para mim, estar na clínica era ótimo, estar com os canadenses de verdade, porque você não estava encontrando-os em nenhum outro lugar. Eu estava fazendo algumas coisas que não eram nada ortodoxas e que eu vinha fazendo no Reino Unido há muito tempo, que era quando eu escrevia uma carta sobre a pessoa ao médico que o havia encaminhado, eu escrevia o que o paciente dizia. Eu verificava com eles e dizia: olhe, isto é o que vai entrar no seu prontuário, você quer ler e se houver coisas erradas, você pode apontar isso na próxima vez que nos encontrarmos. A outra coisa era quando eu enviava as coisas por e-mail às pessoas, elas tinham meu e-mail e se tivessem problemas poderiam entrar em contato comigo durante o fim de semana. Algumas pessoas estavam tentando se retirar das drogas e coisas desse tipo.
Eu não estava tentando tirar todos de suas drogas. Quando as pessoas tomavam oito ou nove drogas, eu tentava tirar uma ou duas drogas, sendo tudo igual, lentamente, sem tentar empurrá-la. Eu também estava dizendo coisas como nós precisamos reconhecer que você está neste ISRS há 10 anos. Alguns dos problemas de que você está falando são que você está se retirando da droga mesmo estando nela e não há uma resposta fácil para isso. Ninguém tem uma resposta, não há nenhuma droga aprovada para isso.
O problema potencial é que, se você escrever uma nota como essa ao paciente e ao médico, o médico pode sentir que eles cometeram um erro. Eles estão sendo acusados de colocar a pessoa no ISRS quando não deveriam ter feito isso. Quase sempre eu dizia, com o problema dessa pessoa, que se eu tivesse visto a pessoa há 10 anos atrás, teria feito exatamente a mesma coisa. Todos nós temos um problema. Você, eu e o paciente, todos temos um problema no qual precisamos trabalhar.
Um dia, no final do ano, tive uma reunião de Zoom de manhã cedo com a administração e eles me disseram: “Você está despedido”. Eu pertuntei mas por quê e de imediato não acreditei no que me disseram. Pensei que tinha que ser todo todo o tipo de coisas. Havia todo tipo de outras coisas que soavam como hipóteses razoáveis sobre o que estava acontecendo, mas em essência, o que eles me disseram foi: “O que você está fazendo é ótimo se você estivesse fazendo isso na clínica privada”. Se você tivesse uma placa na porta dizendo às pessoas que você está aberto para tirá-las das drogas que elas estão usando, não para se livrar de todas elas, mas apenas para reduzir o problema e que você talvez esteja aberto ao fato de que as drogas possam estar causando metade do problema que elas têm e as pessoas escolheram de vir ao seu consultório, isso seria ótimo; mas dirigimos um serviço público e não temos pessoal para encaminhar pacientes, os que querem deixar as drogas que sejam encaminhados a você e os que querem mais drogas para os outros médicos”.
Essencialmente, o sistema está voltado para a sensação de que algumas pessoas e alguns médicos querem que as pessoas obtenham mais diagnósticos e mais drogas. Então é isso que acontece com todas as pessoas. A maior parte do feedback que eu estava recebendo dos médicos ou dos pacientes que eu via era ótimo. “Conversamos por uma hora e você não me disse que eu precisava de drogas.” Isto é uma grande surpresa, mas afinal havia dois ou três médicos, provavelmente quatro ou cinco pacientes e ainda não me disseram o número, mas todos os outros, todos os outros médicos e todos os outros pacientes sei estarem presos. Eles estão em um sistema onde irão receber mais diagnósticos e mais pílulas, quer queiram ou não.
Portanto, embora haja um monte de pessoas falando sobre desprescrever e reduzir a carga de medicamentos e a TaperMD é o que criamos para tentar ajudar com isso, não é assim como está a maré. A maré ainda não está baixando ela ainda está subindo, onde a maioria das pessoas vai conseguir mais rótulos e mais comprimidos e há algumas pessoas que ficarão infelizes se não obtiverem mais diagnósticos e mais comprimidos.
Moore: David, lamento muito que você tenha tido essa experiência.
Healy: Isso diz às pessoas como as coisas estão. Não, isso não ocorre apenas comigo, tenho certeza, mas realmente aponta para o tipo de situação em que nos encontramos, para a qual não há uma resposta fácil.
Moore: Esta questão da polifarmácia, David, o que a está conduzindo? Você acha que é porque os médicos geralmente acreditam que as drogas são benignas e podem prescrever o que quiserem, sem nenhum problema? Ou você acredita que é porque talvez haja uma falta de vontade de questionar a carga de medicamentos já estabelecida?
Healy: É muito difícil saber e temos o Partido Verde e Greta Thunberg falando sobre a poluição do meio ambiente, mas igualmente, mesmo os partidos verdes e os jovens da geração de Greta parecem quase querer poluir seu ambiente interno, mais do que nunca, o que é um contraste extraordinário.
Portanto, volta-se a esta certa insanidade no sistema de saúde mental. Um dos mitos que surgiu há cerca de 20 anos foi que os antipsicóticos são neuroprotetores. Podemos ver com nossos próprios olhos que temos pessoas terminando com discinesia tardia e problemas como este que têm graves problemas neurológicos. Como é que alguém pode pensar que essas drogas sejam neuroprotetoras, eu não sei, mas elas o fazem. Realmente pensam isso intensamente e se você lhes pedir as provas, eles não podem realmente fornecê-las. Isto é uma ilusão.
É difícil saber como resolver isso. Estamos trabalhando duro nesta abordagem da TaperMD, o que parece fazer sentido. É reconhecer que os médicos não querem reconhecer os danos que eles produzem. Que eles só querem pensar que estão fazendo o bem.
Moore: Com o que você pode se solidarizar. Se existem simplesmente tantas alavancas que se pode puxar, você vai puxar a mais fácil, não é mesmo?
Healy: Claro, mas o que estamos tentando fazer é dizer: olhe, se você vai fazer o bem, tanto quanto puder, você não está fazendo cada vez mais bem cada vez que você adiciona um comprimido. Parece que e todas as evidências apontam para o fato de que uma vez que você vai muito acima de três pílulas, você está começando – mesmo que você esteja colocando a pessoa na droga por uma condição que ela tem, uma vez que você ultrapassa três, você provavelmente está fazendo mal e você vai fazer com que ela morra mais cedo. Quando você está tentando reduzir a carga de medicamentos novamente, a evidência é que é menos provável que os pacientes irão para o hospital e menos provável que morram mais cedo e na verdade apenas se sintam melhor.
Portanto, há uma questão real e está tentando apelar para o senso de julgamento de que você é o médico e que você é o paciente, porque eles também são, de fato, parte do problema. Nós também somos parte do problema. Não é um crime querer ajudar nas coisas, mas o que precisamos reconhecer é que temos que fazer escolhas. Uma vez que você está em muitas ajudas, elas irão matá-lo. Portanto, o truque é vender a idéia de que para fazer melhor o bem, precisamos controlar quantas drogas se está usando.
Moore: Em termos do aumento do número de pessoas que tomam remédios, tem havido um grande foco nos idosos. Tenho visto artigos do Canadá relatando que nos lares de idosos, 75% dos residentes estão tomando antipsicóticos, não porque já tiveram uma experiência psicótica, mas porque isso os mantém quietos e sedados, o que é simplesmente horrível de se ler.
Recentemente, aqui no Reino Unido, tem sido relatado que estão sendo prescritas antidepressivos a crianças em cirurgias de clínica geral com idades muito pequenas. Eu poderia estar errado, mas acho que só para TOC é que é indicado tratamento antidepressivo na juventude. Eu me pergunto se no Canadá é semelhante e o que você sente sobre isso.
Healy: Sim, é. Você tem adolescentes que estão interessados em tomar esses medicamentos e isso pode ser um problema complicado. Posso pensar em uma pessoa que eu vi, um jovem super simpático e com uma mãe muito simpática que tinha coisas complicadas para lidar que o deixavam ansioso e que um antidepressivo o ajudaria. Eu lhe falei sobre o risco de problemas e ele disse: “Claro. Não, eu posso ver isso. Posso ver que é um bom caso para não tomá-los”, e assim por diante e ele não retornou para me ver.
Ele estava lá na clínica com sua mãe e ela também era uma mulher muito razoável, muito simpática. Ele não voltou para me ver e foi a outro lugar para tomar um antidepressivo. Meu palpite era que uma das coisas ligadas a ele era que a sua mãe também estava em um. Portanto, é uma dessas coisas cumulativas onde se tem pais que estão tomando antidepressivos que dizem: “Olhe, eu estou com eles e eles estão bem”. Eles não estão causando todas as coisas horríveis que aquele cara disse que poderiam causar”, você vai ter uma situação em que se a criança não os tomar, está fazendo a mãe parecer como má, por que ela está com eles.
Falando de Peter Groot, há também Peter Gøtzsche de quem as pessoas já terão ouvido falar. Ainda na semana passada, Peter tinha um artigo que está reanalisando os ensaios do Prozac em crianças. Todos nós ouvimos o tempo todo que Prozac é o único ISRS que funciona bem na juventude. Não funciona. A FDA concluiu internamente quando o aprovou que não funcionava nos testes que estavam analisando, mas concordaram em aprová-lo de qualquer forma. Permaneceu aprovado apesar da confusão que explodiu sobre a Paroxetina após o programa Panorama (“Os Segredos do Seroxat“), então eles não puderam aprovar isso, mas todos disseram: “Pelo menos você pode usar Prozac porque é aprovado para crianças que estão deprimidas”. Exatamente o mesmo tipo de resultado, não deveria ter sido aprovado, mas uma vez aprovado, eles não iriam voltar atrás.
Não é que os ISRSs sejam totalmente inúteis para as crianças, como você disse, no TOC eles podem ajudar, mas também temos um sistema que se alimenta disso. Mais um ponto e é um ponto político, que é que os sistemas podem tornar más as pessoas boas.
Eu acho que o que você vê em toda a saúde, mas a saúde mental em particular é que você vê algumas pessoas que se tornam parte do sistema de gestão que acabam fazendo coisas terrivelmente vingativas e desumanas para pessoas que não respondem da maneira que deveriam fazer. Em vez de voltar atrás e dizer que precisamos tomar mais cuidado com você, precisamos olhar para isso, não fazer as coisas que costumávamos fazer porque elas estão claramente piorando as coisas. Neste ponto, é a crença ilusória de que tudo que dá errado é a sua condição. Portanto, se você não estiver melhorando, vamos dar-lhe mais do mesmo.
Portanto, eles estão fazendo isso como parte do sistema, mas também porque acima deles está um grupo de gerentes que não tínhamos há 20-30 anos. O trabalho deles é apertar o sistema, então ele está usando menos dinheiro e dizendo aos patrões e aos políticos que estão acima deles, estamos ficando cada vez melhores para nós mesmos por cada vez menos dinheiro gasto. Isso está pressionando todo o sistema, que a pessoa que vem em busca de ajuda acaba sentindo que o médico ou a enfermeira que os trata não estão em condições de lidar com eles como um ser humano. Eles estão em posição, que é, se eu não conseguir que vocês marquem as caixinhas certas, meu trabalho está em risco. É um ambiente muito tóxico.
Moore: Essa cultura de conferir caixinhas está causando muitos danos, não é mesmo, porque não é baseada em resultados para os pacientes, é baseada em coisas que você pode medir ativa e facilmente enquanto um rendimento. Nós dispensamos X número de medicamentos ou administramos X número de procedimentos para as pessoas, em vez de perguntar às pessoas como se sentem.
Healy: Sim, e o sistema funcionará muito melhor se deixarmos as pessoas dirigirem, em vez de tentar dirigi-las.
Moore: Faz-me pensar em quando tive minha interação com a minha psiquiatra que me prescreveu e se eu poderia voltar atrás e mudar isso. O que eu gostaria que ela me dissesse é: “James, se nós lhe prescrevemos estes medicamentos, eles o farão sentir-se diferente. Essa diferença pode ser que você se sinta melhor ou pior. Portanto, volte daqui a seis semanas e falaremos se isso é um sentimento melhor ou pior para você”, mas não houve nenhuma discussão. Foi apenas um “você irá melhorar com essas drogas, sem dúvida” e quando eu voltei e disse que não estava, de repente não acreditaram em mim, como você mencionou anteriormente.
Se pudéssemos ter discussões mais honestas com as pessoas de que as drogas fazem você se sentir diferente, elas podem ter um efeito, mas esse efeito pode colocá-lo em um lugar melhor ou pode colocá-lo em um lugar pior. Não posso deixar de pensar que isso seria mais saudável.
Healy: Claro, mas também para acrescentar a isso, o mais importante é que você é quem é o expert para o que lhe está acontencendo.
Estamos em um mundo estranho, onde se alguém disser: “Olha, eu comecei a fumar recentemente e isso ajuda muito”, 99,5% dos médicos dirão: “Eu não vou mais tratá-lo se você continuar fumando”, mas na verdade, este é o mundo em que estamos, que é o mundo em que você pode tratar problemas nervosos com álcool e fumo se você for um bom médico e os pacientes estão se tratando frequentemente e com muito sucesso.
Precisamos levar em conta que não existe o livro bom e o livro mau, ou a droga boa e a droga ruim. Todas estas coisas são complicadas e para obter um bom resultado é preciso cooperação. Tanto a pessoa que vai tomá-los quanto a pessoa que diz: “Olhe, e quanto a esta opção? ” Todos vocês precisam estar cooperando e abertos à mudança. Aprendi algo com isto, algo que eu não esperava que tivesse acontecido.
Moore: É um pouco como o conselho dietético que nos era dado há provavelmente duas décadas para evitar gordura em nossas dietas, mas nenhuma menção a açúcar e isso se deve principalmente ao fato de haver um órgão de lobby da indústria para o açúcar, mas não um para a gordura.
Healy: É exatamente a mesma coisa. Temos sido agrupados por grupos de lobby e é isso o que está acontecendo conosco. Estamos em um rebanho, estamos sendo agrupados por caminhos específicos e quando é inconveniente, quando os grupos de lobby não estão ganhando dinheiro com esse caminho, eles vão nos mudar para talvez os psicodélicos, ou o que quer que seja.
Moore: David, é sempre um prazer e um aprendizado poder falar sobre essas coisas com você. Devo dizer que os artigos no Rxisk sobre PSSD e neuropatia são fascinantes e recomendo que as pessoas os leiam, não só os blogs, mas também a resposta dos comentaristas. É a idéia de pegar a bola de rúgbi e correr com ela, o que é fantástico de se ver.
Antes de terminarmos, quero apenas reconhecer que sou muito grato a vocês, porque vocês são um dos poucos médicos que vão se afundar no joio com pessoas como eu que passaram por dificuldades e que têm uma conversa olho a olho com as pessoas sobre suas experiências e o que elas podem ter aprendido com elas.
Há tanta humildade em fazer isso que falta em muitos médicos com os quais interagi e que se colocavam em um pedestal. Além disso, sua longa história de curiosidade e de olhar para estas coisas através de uma lente nova e de uma perspectiva diferente.
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Nota do Editor:
* Sobre o que signfica “tapering”. Nós estamos optando traduzir o termo por “afilamento”. Mas igualmente poderia ser “afunilamento”. O importante é a ideia de processo de redução gradativa da dose. A respeito das “tiras de afilamento”, o MIB já publicou várias matérias a respeito. De forma especial recomendamos a entrevista dada por Peter Groot ao Centro de Estudos Estratégicos (CEE/FIOCRUZ), por ocasião do 3 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas (LAPS/ENSP/FIOCRUZ), que foi realizado no final de outubro de 2019.