Uso de antidepressivos para jovens associado ao aumento do suicídio e auto-mutilação

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Um novo estudo, publicado em Frontiers in Psychiatry, discute uma controvérsia que está ocorrendo na Austrália, após a recomendação da FDA do uso da tarja negra advertindo que o uso de antidepressivos pode causar um aumento de pensamentos e comportamentos suicidas em pessoas com menos de 18 anos com um diagnóstico de depressão ou outros transtornos. Os autores do estudo também revisam dados sobre prescrição de antidepressivos e tendências suicidas e de autoflagelação para avaliar se diferentes perspectivas sobre a segurança desses medicamentos são apoiadas por evidências do mundo real.

O artigo sugere que pesquisadores e psiquiatras proeminentes têm sistematicamente apresentado uma narrativa de que os antidepressivos são seguros e que reduzem o risco de suicídio em jovens sem evidências que apoiem estas alegações, negligenciando evidências convincentes de que o oposto pode ser verdade.

Os pesquisadores, liderados por Martin Whitely, um defensor dos direitos dos pacientes mentais e pesquisador da Universidade Curtin na Austrália, explicam que as principais instituições psiquiátricas têm se recusado a reconhecer essa questão:

“Várias proeminentes organizações australianas de defesa da saúde mental e psiquiatras australianos influentes contestaram o nexo entre o antidepressivo e o suicídio dos jovens, e alegaram que o uso de antidepressivos, quando tudo é levado em conta, reduziu o risco de suicídio dos jovens.”

evidências crescentes que mostram que tomar antidepressivos aumenta o risco de pensamentos e comportamentos suicidas em pessoas com menos de 18 anos de idade. No entanto, a opinião pública e profissional continua a minimizar os riscos e a fazer alegações não fundamentadas sobre o perfil de segurança do medicamento.

De acordo com os autores, várias agências – tanto governamentais quanto independentes – e indivíduos têm emitido relatórios e declarações públicas que ignoram evidências indispensáveis que dão suporte ao nexo antidepressivo-suicidalidade. Os líderes de opinião, como pesquisadores e psiquiatras, também têm desempenhado um papel fundamental para minimizar os riscos e para insistir que os antidepressivos reduzem o suicídio.

“A maior autoridade da Austrália na prevenção de suicídios fez alegações não referenciadas, deturpou as conclusões da revisão de Gould et al., ignorou as principais conclusões da revisão da Cochrane, e minimizou a importância dos avisos de suicídio da FDA e da TGA”, escrevem os pesquisadores.

Os principais líderes de opinião do país – que muitas vezes receberam financiamento da indústria farmacêutica – têm citado incorretamente pesquisas para apoiar as alegações de que os antidepressivos são seguros e reduzem o risco de suicídio. Os autores do estudo mostram que as pesquisas usadas para apoiar tais alegações ou eram muito mais cautelosas em suas conclusões do que os formadores de opinião sugerem, ou simplesmente não foram citadas apropriadamente.

Em um caso, devido a uma discrepância entre o resumo e o texto completo do artigo, “os resumos não relataram a taxa significativamente maior de ideação/tentativa suicida com a fluoxetina em comparação com placebo”.

Além disso, a maioria dos antidepressivos (90,4%) são prescritos por médicos de clínica geral (GPs) na Austrália. Os autores sugerem que os médicos de clínica geral frequentemente repetem prescrições iniciadas por psiquiatras. Uma entrevista de rádio citada pelos autores mostrou que alguns GPs seniores podem estar a trabalhar com evidências desatualizadas sobre os antidepressivos que há muito se provou serem imprecisas. Os órgãos governamentais também diminuíram os riscos do uso de antidepressivos na juventude, contribuindo potencialmente para uma falta de consciência do público e dos consumidores.

O estudo reviu e analisou dados nacionais sobre o uso de antidepressivos, suicídio e tendências de automutilação, tendo como plano de fundo o debate e a controvérsia em torno da segurança e dos riscos associados a esta classe de drogas.

Na Austrália, o segundo maior consumidor per capita de antidepressivos entre os países desenvolvidos, 101.174 pessoas entre 0 e 18 anos de idade receberam antidepressivos entre julho de 2017 e junho de 2018. O número de jovens australianos que receberam uma prescrição de antidepressivos diminuiu significativamente após o aviso da FDA ter sido emitido. No entanto, os autores sugerem que um aumento subsequente na dosagem de antidepressivos e nas taxas de suicídio apoiadas pelos dados pode ter sido influenciado por conselhos que contrariaram diretamente as advertências da FDA.

Nos últimos 10 a 15 anos, tem havido uma preocupante tendência de aumento tanto na prescrição de antidepressivos quanto nas taxas de suicídio e automutilação na juventude. “279 australianos com menos de 25 anos morreram por suicídio em 2009, e 458 em 2018”, escrevem os autores.

Entre os anos de 2006 e 2016, houve um aumento de 98% nas intoxicações anuais intencionais, sendo os antidepressivos prescritos a crianças e adolescentes muitas vezes o meio de automutilação.

Os pesquisadores mostram que existe um padrão consistente de associação entre o aumento da dose de antidepressivos e o aumento das taxas de suicídio:

Os autores alertam os leitores para a interpretação dos dados. Muitos fatores contribuem para fenômenos complexos como suicídio e automutilação, e a correlação não significa causa. No entanto, apesar dos dados, os principais líderes de opinião e agências governamentais continuam a desempenhar um papel essencial na elaboração da narrativa sobre o risco e a segurança dos antidepressivos na juventude.

“Visto que os Professores McGorry e Hickie continuam a ser tão influentes, como evidenciado pelo seu papel proeminente na mesa redonda pós-eleitoral sobre o suicídio, a sua contínua defesa do uso de antidepressivos como meio de reduzir o suicídio é significativa”.

Este estudo foca uma área negligenciada de pesquisa: como a opinião de especialistas e o discurso público podem moldar as tendências de prescrição e a consciência do risco. Além de apresentar os dados sobre suicídio e automutilação de jovens, o estudo contextualiza as descobertas, articulando as forças e poderes em jogo e mostrando que as evidências científicas podem ser mal interpretadas ou apresentadas apenas parcialmente no discurso público com consequências para as políticas públicas e a prática clínica.

Os autores terminam com uma nota sóbria:

“Há evidências claras de que mais jovens australianos estão tomando antidepressivos, e mais jovens australianos estão se matando e se auto-mutilando  muitas vezes por causa de uma overdose intencional das próprias substâncias que supostamente os ajudarão”.

Uma Verdadeira Urgência Epidemiológica: psicofármacos na primeira infância

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No recente artigo publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, os autores abordam a prescrição de psicofármacos na primeira infância. A pesquisa, realizada por Mariana Pande, Paulo Amarante e Tatiana Baptista, fez um levantamento de bases bibliográficas da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e do Scielo.

O artigo tem origem a partir do aumento global de pesquisas sobre os fenômeno dos diagnósticos psiquiátricos e sobre os malefícios dos psicofármacos, ao mesmo tempo em que vem crescendo a prescrição de psicotrópicos para crianças de até 6 anos. A literatura relaciona efeitos adversos de psicofármacos em crianças e adolescente entre eles: Síndrome de Dress, agravamento da depressão e tentativas de suicídio, síndrome neuroléptica maligna, efeitos extrapiramidais, problemas metabólicos e cardiovasculares como obesidade e risco aumentado de diabetes.

A pesquisa constatou que, a nível nacional, existe uma carência quanto a pesquisas de médio e longo prazo que identifiquem os efeitos dos psicofármacos na população em geral, e mais ainda, em relação à população infantil. Foram achados dois estudos apenas abordando o assunto. Os dois analisavam prontuários em serviços de saúde no sul do país. Porém, nenhuma das duas foram claras quanto à faixa etária das crianças.

Nos estudos brasileiros, constatou-se que crianças tratadas com psicofármacos permaneciam por mais tempo em atendimento no serviço e apresentam menos registros de alta e melhora do que aquelas em tratamento apenas psicoterapêutico. Também identificou-se o aumento do número de crianças medicadas ao longo do tempo. O outro estudo, trouxe que a prevalência do diagnóstico de TDAH é de 20,4% na faixa etária de 3 a 16 anos dos usuários daquele serviço. O fármaco mais utilizado (92,6%) foi o metilfenidato, mas concluiu-se que houve pouca adesão ao tratamento por parte dos cuidadores.

Já as pesquisas internacionais foram mais abundantes e trouxeram o aumento das prescrições de psicotrópicos para pré-escolares em países como Estados Unidos, Canadá, França e Alemanha, realizadas principalmente por médicos generalistas e pediatras. Um dos estudos demonstraram que a prescrição de antipsicóticos para crianças entre 2 a 5 anos em planos privados de saúde nos EUA quase dobrou entre 1999-2001 e 2007. E assim por diante.

Os autores revelam que uma parte significativa dos psicofármacos utilizados na primeira infância é definida como “off label”.

“O uso off label de um medicamento (não apenas psicotrópicos, nem apenas na infância) implica em não haver indícios satisfatórios da eficiência, eficácia e segurança necessárias para a sua autorização. Outros fatores também fazem com que os medicamentos sejam off label: quando, por exemplo, não há a formulação infantil específica, ou quando a prescrição se recomenda o fracionamento da dose.”

No Brasil a ANVISA aprova alguns psicofármacos para o uso na população infantil sem estudos suficientes para seu uso seguro. Assim, a prescrição fica ao cargo pessoal do prescritor. O uso de medicamentos “off label”, tanto psicofármacos como outras classes de medicamentos, não é proibido no Brasil e nem em outros países como os EUA, pois entende-se que os médicos teriam o direito de prescrever medicamentos para usos não autorizados.

O que a literatura internacional vem mostrando é a grande variedade na prescrição de medicamentos para crianças, um exemplo é uma pesquisa que constatou a utilização de 30 diferentes tipos de combinações medicamentosas para o tratamento de TDAH em crianças de até 3 anos. Portanto, o uso de medicamentos “off label” constitui um paradoxo ético. Por um lado, são prescritos medicamentos com efeitos pouco conhecidos por evidências científicas; por outro, há limitações éticas e regulatórias importantes na realização de pesquisas clínicas com crianças.

“Um exemplo dos malefícios a longo prazo é evidenciado em um projeto chamado Risperdal Boys. É um trabalho fotográfico que dá visibilidade a casos de rapazes norte-americanos que fizeram uso da risperidona ainda quando crianças, tendo sido acometidos por um efeito indesejado irreversível, a ginecomastia. Com o passar dos anos, muitos deles precisaram realizar mastectomias. Estima-se que mais que 18 mil pessoas tenham processado a indústria farmacêutica nos Estados Unidos devido a efeitos indesejados desse medicamento.”

Como conclusão, o artigo evidencia a carência de estudos brasileiros sobre o uso de psicofármacos na infância, abrindo lacunas importantes. Aconselha-se maiores estudos na área e o investimentos em políticas públicas que contribuam com a centralização das informações e com sua divulgação. Uma verdadeira urgência epidemiológica.

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PANDE, Mariana Nogueira Rangel; AMARANTE, Paulo Duarte de Carvalho; BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria. Este ilustre desconhecido: considerações sobre a prescrição de psicofármacos na primeira infância. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 25, n. 6, p. 2305-2314,  June  2020 .

 

 

John Read e Irving Kirsch – Terapia Eletroconvulsiva (ECT): As evidências de ensaios clínicos justificam a continuação do seu uso?

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Na semana passada, James Moore entrevistou para a MIA Radio John Read e Irving Kirsch. Eles são coautores junto com Laura McGrath do artigo “Terapia eletroconvulsiva para depressão: uma revisão da qualidade da ECT versus ensaios simulados de ECT e metanálises”, publicado recentemente na revista Ethical Human Psychology and Psychiatry.  Escrevemos anteriormente uma análise desse estudo e suas descobertas.

A eletroconvulsiva-terapia (conhecida entre nós como eletrochoque) é um assunto polêmico, com proponentes e críticos. No início de 2019 o Ministério da Saúde publicou um documento que, entre outras medidas, dá sinal verde para a compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia para o Sistema Único de Saúde (SUS).  Na verdade, essas medidas representam um retrocesso da Lei de Proteção e Direitos das Pessoas Portadoras de Transtornos Mentais (10.216, de 6 de abril de 2001), conhecida como a lei  da Reforma Psiquiátrica brasileira. A respeito, Paulo Amarante afirmou em uma entrevista dada para o Centro de Estudos Estratégicos da FiOCRUZ (CEE): “pergunto às pessoas quanto elas acham que custa um aparelho de ECT que o Estado vai comprar e espalhar pelas unidades; qual o custo da capacitação de quem vai aplicar tal tratamento. Com tantas prioridades e precariedades na saúde pública brasileira, o fato de priorizar e investir recursos na compra de ECT só indica que há uma pressão da indústria de equipamentos médicos”.

Afinal de contas, ECT é uma terapia baseada em evidências científicas?  Confira ouvindo essa entrevista:

Entrevistados: John Read, professor de psicologia da University of East London; Irving Kirsch, psicólogo, da Harvard Medical School.

Entrevistador: James Moore (Mad in America, Mad in UK).

Conteúdo da entrevista:

  • Que o trabalho teve como objetivo revisar a qualidade das metanálises e de quaisquer estudos clínicos relevantes da ECT.
  • Como apenas 11 estudos compararam a ECT com a ECT simulada (SECT).
  • ECT simulada é quando o anestésico é administrado, mas não seguido por choques no cérebro.
  • Além de revisar a qualidade dos estudos, o artigo considerou o efeito do placebo na administração da ECT.
  • Que, ao revisar a qualidade dos estudos, foi utilizada uma escala de 24 pontos e que os pontuadores ficaram cegos para as classificações uns dos outros.
  • A escala de 24 pontos incluiu 5 critérios básicos da Colaboração Cochrane e 19 indicadores de qualidade adicionais, alguns dos quais específicos aos procedimentos de ECT.
  • A pontuação média de qualidade em todos os estudos foi 12,3 de um máximo de 24.
  • Uma das descobertas mais importantes foi que nenhum dos estudos revisados ​​era duplo-cego.
  • A razão para isso é que os pacientes não podem ficar cegos para o procedimento porque os efeitos colaterais adversos são muito óbvios.
  • Ao revisar os estudos, às vezes acontecia que apenas o psiquiatra responsável avaliava a eficácia do procedimento, não o paciente.
  • As 5 meta-análises em si continham apenas 1 a 7 dos onze estudos disponíveis.
  • A recomendação do artigo é que o uso da ECT seja suspenso enquanto se aguarda um ensaio clínico rigoroso e adequadamente controlado.
  • Que o Instituto Nacional de Saúde e Excelência Clínica (NICE) do Reino Unido decidiu revisar suas recomendações de ECT em suas diretrizes para depressão, considerando a revisão.
  • Que o Colégio Real de Psiquiatras [Royal College of Psychiatrists] indicou que eles atualizarão sua declaração de posição sobre ECT à luz da revisão.
  • Chegou à luz recentemente que o NHS Trusts no Reino Unido às vezes usa informações desatualizadas ou incorretas em seus folhetos de orientação da ECT, um exemplo disso refere-se à ECT que corrige um ‘desequilíbrio químico no cérebro’.
  • Como as expectativas do médico podem influenciar a condição da pessoa submetida ao tratamento.
  • Que o efeito placebo pode ser grande e duradouro e que quanto mais invasivo o procedimento, maior o efeito.
  • Que uma das características da depressão é o sentimento de desesperança e que, quando você recebe um novo tratamento, pode instilar um sentimento de esperança que contraria a desesperança.
  • Que a chamada para proibir a ECT é porque os efeitos negativos da ECT são muito fortes, o fato de que as evidências que a sustentam são tão fracas (especialmente a longo prazo e além da melhora devido ao placebo) e que existem outros meios para abordar as dificuldades com as quais a pessoa está lidando.
  • Que os placebos são, em essência, um tipo de terapia psicológica.

Links e leituras adicionais:

Electroconvulsive Therapy for Depression: A Review of the Quality of ECT versus Sham ECT Trials and Meta-Analyses

Richard P. Bentall: ECT is a classic failure of evidence-based medicine

NICE guidance on the use of electroconvulsive therapy

Nova análise: antidepressivos ainda ligados ao suicídio

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Uma nova re-análise colaborativa de ensaios controlados com placebo de antidepressivos constata que os medicamentos ainda estão ligados a um risco aumentado de tentativas de suicídio.

“No geral, consideraríamos um aumento na taxa de tentativas de suicídio, e possivelmente também de suicídios, entre aqueles tratados com antidepressivos, como sendo uma descoberta confiável na análise Bayesiana”, escrevem os pesquisadores.

No ano passado, os pesquisadores Michael P. Hengartner e Martin Plöderl re-analisaram um estudo que usou o que eles descreveram como uma técnica estatística inapropriada para medir se os antidepressivos estavam relacionados ao aumento das tentativas de suicídio. O estudo original não encontrou nenhuma ligação, mas em sua re-análise, Hengartner e Plöderl descobriram que aqueles que foram designados aleatoriamente para uso de antidepressivos em ensaios controlados por placebo tiveram 2,5 vezes mais chances de tentar suicídio do que aqueles designados aleatoriamente para placebo.

Seu artigo foi criticado, no entanto, por não usar técnicas meta-analíticas que poderiam ter sido responsáveis ​​por outros fatores. Na época, Hengartner e Plöderl responderam a essas críticas, fornecendo vários métodos estatísticos diferentes, os quais encontraram uma ligação entre o uso de antidepressivos e tentativas de suicídio.

Em resposta às críticas, Hengartner e Plöderl também corrigiram seus dados: duas das tentativas de suicídio foram incorretamente listadas como ocorrendo no grupo placebo, mas ocorreram depois que os pacientes tomaram o antidepressivo ativo, reforçando ainda mais suas descobertas.

No início deste ano, os pesquisadores Jakob André Kaminski e Tom Bschor argumentaram que a análise usada por Hengartner e Plöderl (agrupando todos os medicamentos antidepressivos) também pode não ter sido a análise mais adequada. Eles re-analisaram a re-análise com sete métodos estatísticos diferentes e encontraram resultados variados – alguns métodos encontraram uma ligação entre o uso de antidepressivos e tentativas de suicídio, enquanto outros não.

De acordo com Martin Plöderl (escrevendo no Twitter), ele e Hengartner procuraram Kaminski e Bschor para ver se eles poderiam se unir – colaborar para trabalhar em uma nova análise estatística que resolveria suas dúvidas sobre diferenças de método.

A análise final foi publicada recentemente no Journal of Affective Disorders.

Hengartner, Plöderl, Kaminski e Bschor produziam várias análises bayesianas, diferentes maneiras de ver os dados que fornecem resultados um pouco diferentes. No entanto, eles ainda encontraram um aumento consistente nas tentativas de suicídio para aqueles que tomam antidepressivos.

“As análises sugerem consistentemente um risco elevado de tentativas de suicídio e, menos confiável, também de suicídios em coortes de adultos”.

O risco aumentado variou de 1,7 vezes maior (consistentemente, nas análises conservadoras) a 6,3 vezes maior em uma análise.

“Isso é notável para medicamentos usados ​​para tratar sintomas depressivos”, eles escrevem.

Os pesquisadores também mencionam questões de viés nos estudos que podem aumentar a taxa de suicídio nos grupos dos ensaios clínicos com placebo, o que significa que o risco pode estar no lado mais alto.

Por exemplo, eles escrevem: “Muitos pacientes estavam em um antidepressivo antes de entrar no estudo, e randomizá-los para o grupo placebo pode haver induzido sintomas de abstinência, levando a um risco inflado de suicídio (tentativa) no grupo do placebo”.

Os pesquisadores concordaram com a necessidade de considerar criticamente os resultados estatísticos:

“Concordamos que devemos ser céticos em confiar na significância estatística ou nas estimativas pontuais em nossa análise. Também precisamos ser céticos, dada a rara ocorrência de suicídios nos ensaios clínicos, a sensibilidade aos diferentes procedimentos meta-analíticos, os vieses dos métodos e o agrupamento de diferentes modelos de ensaios.”

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Plöderl, M., Hengartner, M. P., Bschor, T., & Kaminski, J. A. (2020). Commentary to “antidepressants and suicidality: A re-analysis of the re-analysis.” Journal of Affective Disorders, 273, 252-253. https://doi.org/10.1016/j.jad.2020.04.025 (Link)

A Família Também Merece Cuidado!

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O artigo publicado na revista Faipe realizou uma revisão de literatura com o objetivo de descrever as políticas, o cuidado e a atenção em saúde mental, voltadas às famílias dos usuários dos serviços de saúde mental.

O interesse de Octavianni et. al  nasce a partir da experiência da reforma psiquiátrica, que ao defender a desinstitucionalização dos pacientes psiquiátricos, trouxe a família para o centro do cuidado desses sujeitos, assim como os serviços substitutivos, focando no cuidado em liberdade. Nesse sentido, é essencial a colaboração entre profissionais, família e sociedade, buscando a ampliação da rede social de apoio no território.

A aproximação da família com o serviço e o cuidado com o usuário pode significar uma aproximação das relações afetivas e da diminuição do preconceito em relação ao usuário. Mas, não se pode esquecer que pode ser extremamente difícil para a família o cuidado de um familiar diagnosticado com algum transtorno, podendo gerar sobrecarga emocional, física e econômico.

“Os familiares precisam ser notados como um grupo que precisa de apoio e orientação para lidar com o impacto gerado pelo sofrimento psíquico de longa duração em seu núcleo familiar que, inegavelmente, acarreta alteração nas atividades cotidianas e no orçamento familiar.”

Conclui-se que as políticas de saúde mental já compreendem que a família é merecedora de atenção e cuidados por parte dos profissionais de saúde. Porém, o cuidado às famílias ainda é um desafio. Os profissionais apresentam dificuldade em se adequar aos modelos de cuidado, a produção de atenção humanizada, e trabalho interdisciplinar, centralizando a atenção ao usuário. Existem estratégias de inserção da família nos serviços, mas são pouco utilizadas pelos profissionais.

Pode -se ainda falar sobre a formação acadêmica dos profissionais de saúde, ainda voltada para uma clínica individual e individualizante, algo não abordado na pesquisa, mas que provavelmente influencia a dificuldade dos profissionais em realizar um trabalho com uma rede de pessoas, e não só com o paciente, de maneira isolada.

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Octaviani, J.V. et al. Saúde Mental: políticas, cuidado e atenção à família. Revista Faipe, v. 10, n. 1, p. 85-95, jan./jun. 2020. (Link)

A abordagem radical de Frantz Fanon para psiquiatria e psicoterapia

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Um artigo recente publicado no Journal of the History of Ideas traça o envolvimento do psiquiatra radical Frantz Fanon com a abordagem anti-racista e anticolonial da psiquiatria, conhecida como “psicoterapia institucional”. O autor, Camille Robcis, da Columbia University, explora a insatisfação precoce de Fanon com uma abordagem neurológica excessivamente medicalizada, bem como seu trabalho para descolonizar a clínica psiquiátrica eurocêntrica.

“De maneira mais ampla, Fanon articulou um ponto que ele reiterou ao longo de sua vida: o colonialismo teve um efeito psíquico direto. Poderia literalmente enlouquecer alguém sequestrando sua pessoa, seu ser e seu senso de si. O confisco da liberdade e a alienação provocada pelo colonialismo e pelo racismo sempre foram simultaneamente políticos e psíquicos ”, escreve Robcis.

George Floyd protests in Uptown Charlotte, 5/30/2020 (IG: @clay.banks)

Frantz Fanon era um psiquiatra Martinicano radical que escreveu contra o racismo e o colonialismo na prática psiquiátrica ocidental. Seus livros clássicos Pele Negra, Máscaras Brancas e Os Condenados da Terra exploraram os efeitos psicológicos das estruturas sociais e econômicas racistas enquanto faz perguntas sobre como as pessoas podem se libertar dessas formas prejudiciais de organização da sociedade.

Fanon escreveu e praticou uma forma de psiquiatria radical chamada “psicoterapia institucional”, semelhante ao do psicanalista francês Felix Guattari, em instituições como o hospital Blida-Joinville, na Argélia.

No entanto o nome de Fanon é menos frequentemente associado à psicoterapia institucional do que Guattari e outros. De uma perspectiva descolonizadora, muitas pessoas críticas à psiquiatria acreditam que Fanon ainda tem muito a oferecer ao cenário atual da prática em saúde mental.

O artigo atual explora a história do envolvimento de Frantz Fanon com psicoterapia institucional, incluindo os objetivos políticos e psicológicos de seu trabalho. Camille Robcis rastreia a insatisfação de Fanon com o trabalho psiquiátrico com foco neurológico, bem como o seu trabalho no hospital Blida-Joinville, instituindo uma forma de psiquiatria mais respeitosa das tradições culturais e mais focada na libertação social do que na adaptação e conformidade.

Fanon acreditava que a psique era diretamente impactada pela situação política em uma determinada sociedade. Embora grande parte de seu treinamento psiquiátrico tenha sido direcionado ao entendimento neurológico, ele rapidamente ficou desiludido com essa abordagem, dado que marginalizava os reais e poderosos efeitos do racismo e do colonialismo nos mais marginalizados.

Ao estudar o marxismo e a psicanálise de Jacques Lacan, bem como por seu envolvimento em organizações políticas radicais como a Frente de Libertação Nacional anticolonial (FLN), Fanon chegou a acreditar que a experiência das pessoas era condicionada pela forma como as outras pessoas se relacionavam entre elas – por suas relações sociais.

Ele ficou desanimado com a forma como os médicos tratavam os muçulmanos do norte da África, alegando que seus sintomas psicológicos eram “imaginários” ou até mentirosos porque não encontravam nada fisicamente errado com eles. Descrevendo o que ele chamou de “Síndrome do Norte da África”, Fanon declarou:

“Ameaçado em sua afetividade, ameaçado em sua atividade social, ameaçado em ser membro da comunidade – o africano do Norte combina todas as condições que tornam um homem doente. Sem família, sem amor, sem relações humanas, sem comunhão com o grupo, o primeiro encontro consigo mesmo ocorrerá de modo neurótico, de modo patológico; ele se sentirá esvaziado, sem vida, em uma luta corporal com a morte, uma morte deste lado da morte, uma morte na vida. ”

Essas insatisfações levaram Fanon a trabalhar com o psiquiatra radical François Tosquelles no hospital Saint-Alban, na França, onde ele entrou em contato com os métodos da psicoterapia institucional.

Opondo-se ao “concentracionismo” – ou ao “potencial de qualquer instituição ou grupo de se tornar autoritário, opressivo, discriminatório e excludente” – Tosquelles e Fanon trabalharam para criar um ambiente psiquiátrico onde formas alternativas de relações e atividades sociais pudessem trabalhar para curar aqueles que teriam sido alienados da comunidade e, finalmente, eles próprios.

Esses métodos incluíam: “terapias em grupo, reuniões gerais, grupos autogerenciados de pacientes (também conhecidas como “o Clube ”), oficinas de ergoterapia (como impressão, encadernação, trabalhos em madeira e cerâmica), bibliotecas, publicações e uma ampla variedade de atividades culturais (como filmes, shows e teatro).”

O objetivo dessas práticas era incentivar a construção da comunidade e a autodeterminação entre os pacientes – uma “reconstituição” do social – em vez de forçá-los a se submeter à autoridade de um estabelecimento médico condescendente.

Fanon levou consigo para o norte da África as lições que aprendeu em Saint-Alban. Ele estabeleceu práticas semelhantes, com uma filosofia subjacente de libertação descolonizante, no hospital Blida-Joinville, na Argélia. Fanon acreditava que se tinha que “curar o hospital” antes de poder ajudar os médicos ou pacientes.

Embora com poucos funcionários, Fanon iniciou vários novos programas em Blida-Joinville com a ajuda de estagiários de mente progressista. Ele criou um café que funcionava como uma espécie de clube social ou local de reunião. Ele “organizou reuniões diárias, construiu uma biblioteca, montou estações de ergoterapia – tecelagem, cerâmica, tricô, jardinagem – e promoveu esportes, especialmente o futebol, que, ele argumentou, poderia desempenhar um papel importante na ressocialização dos pacientes”.

Fanon notou que essas atividades eram instantaneamente bem-sucedidas com mulheres européias, produzindo laços sociais mais fortes e autodeterminação, mas menos com os muçulmanos sob seus cuidados. No ato da descolonização, ele e seus colegas começaram a se sensibilizar com a cultura desses homens, em vez de continuar a impor uma “grade ocidental” imperialista sobre eles.

Ele viajou pela Argélia e descobriu que a cultura muçulmana estava mais interessada em encontros religiosos e familiares do que em “festas”. Eles estavam mais familiarizados com a narrativa e poemas épicos recitados do que com modos de entretenimento como teatro.

Em resposta, Fanon e colegas “mudaram sua seleção de filmes de ação; eles escolhiam jogos que eram familiares aos argelinos; eles comemoravam os feriados muçulmanos tradicionais; eles convidavam cantores muçulmanos para se apresentarem no hospital e contratavam um contador de histórias profissional para falar com os pacientes.”

Fanon continuou seu engajamento político anticolonial até o fim de sua vida, mantendo sempre o vínculo íntimo entre violência sociopolítica e econômica e saúde mental.

Ao falar sobre o projeto de emancipação, Fanon acreditava que os oprimidos na sociedade devem seguir uma linha tênue entre o enraizamento da tradição e uma abertura humanista mais universal em relação ao futuro. Ele encorajou as pessoas a evitar “imitar a Europa” e seus modelos de vida (e psiquiatria), além de evitar um retorno sem esperança a um passado pré-colonial ou tribalismo imaginado.

Robcis conclui:

“Nem a psicoterapia institucional nem a autodeterminação nacional foram concebidas como modelos ou grades rígidas que poderiam ser aplicados indiscriminadamente e independentemente do contexto. Em vez disso, eles deveriam funcionar mais como uma ética, como uma prática da vida cotidiana que poderia impedir o aparecimento de ‘concentracionismos’ e, finalmente, levar a uma liberdade que seria coletiva e pessoal ao mesmo tempo “.

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Robcis, C. (2020). Frantz Fanon, institutional psychotherapy, and the decolonization of psychiatry. Journal of the History of Ideas, 81(2), 303-325. (Link)

Kit de sobrevivência em saúde mental e para a retirada das drogas psiquiátricas

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Você é paciente psiquiátrico?  Você é um profissional de saúde mental?  Sendo dependente do tratamento psiquiátrico, você tem interesse em deixar de ser paciente psiquiátrico? Sendo profissional de saúde mental, você quer saber como é possível um paciente psiquiátrico ou usuário dos serviços de assistência em saúde mental deixar de ser dependente da psiquiatria?

Mental health survival kit and withdrawal from psychiatric drugs, é um livro que acaba de ser lançado, onde você irá encontrar um material precioso para ajudar a planejar e acompanhar esse processo de libertação da psiquiatria. Seu autor é o dinamarquês Peter C. Gøtzsche, um dos mais renomados cientistas da atualidade no campo da saúde.

O professor Peter C. Gøtzsche escreveu este livro para ajudar as pessoas com problemas de saúde mental a sobreviver e a voltar à vida normal. O público em geral acredita que os medicamentos contra a depressão e a psicose são mais prejudiciais do que benéficas, e é também isso o que a ciência mostra. Mesmo assim, a maioria das pessoas continua tomando medicamentos psiquiátricos por muitos anos. Isso ocorre principalmente porque elas desenvolveram uma dependência às drogas.

Os psiquiatras e outros médicos tornaram centenas de milhões de pessoas dependentes de drogas psiquiátricas e, no entanto, não fazem nada na prática para descobrir como ajudá-las a sair das drogas com segurança, na medida em que esse processo pode ser muito difícil. As diretrizes oficiais em todo o mundo sobre como diminuir as drogas psiquiátricas são insuficientes, enganosas e perigosas. Como resultado, os pacientes encontram soluções por conta própria e aconselham outros pacientes a parar com segurança nas comunidades de sobreviventes da abstinência e da psiquiatria.

O livro de Gøtzsche explica em detalhes como as drogas psiquiátricas são nocivas e é dito às pessoas como elas podem se retirar delas com segurança. Também aconselha sobre como as pessoas com problemas de saúde mental podem evitar a fazer a ‘carreira’ enquanto paciente psiquiátrico e perder 10 ou 15 anos de sua vida para a psiquiatria.

“O termo ‘sobrevivente psiquiátrico’ diz tudo isso em apenas duas palavras. Em nenhum outra especialidade médica os pacientes chamam a si mesmos de sobreviventes no sentido de que eles sobreviveram apesar de serem expostos a essa especialidade. Eles construíram o seu caminho fora de um sistema que raramente é útil e que muitos sobreviventes têm descrito como experiência de aprisionamento psiquiátrico ou como estando em uma instituição onde há uma porta de entrada, mas não uma porta de saída. Em outras especialidades médicas, os pacientes agradecem por terem sobrevivido devido aos tratamentos que seus médicos aplicaram neles. Nós nunca ouvimos falar em um sobrevivente da cardiologia ou de um sobrevivente de uma doença infecciosa. Se você sobreviveu a um ataque cardíaco, você não é tentado a fazer o oposto do que seu médico recomenda. Na psiquiatria, você pode morrer se fizer o que seu médico manda você fazer.” (p.8)

Infelizmente, no Brasil não há movimentos de ex-usuários ou de sobreviventes da psiquiatria organizados, embora o processo de reforma psiquiátrica brasileira conte com movimentos de usuários organizados. A perspectiva é que na medida em que os usuários e os profissionais de saúde mental tenham acesso a informações e evidências, como as que o Dr. Peter Gøtzsche sistematicamente nos traz em seus artigos científicos e livros, as condições para se libertarem do modelo biomédico da psiquiatria estarão melhor disponíveis para todos. Como diz o Dr. Peter Gøtzsche neste seu último livro:

“Muitos sobreviventes psiquiátricos descrevem como a psiquiatria, com o seu uso excessivo de drogas nocivas e ineficazes, havia roubado 10 ou 15 anos de suas vidas, antes que um dia decidissem assumir ter de volta a responsabilidade por suas vidas que estava entregue aos seus psiquiatras e que descobrissem que a vida é muito melhor sem drogas.” (p.8)

Finalmente, há algo mais que se deve ter em nossa mente de forma muito clara. Como qualquer processo de libertação, se libertar de um tratamento psiquiátrico que lhe está sendo nocivo não é um feito alcançado de um dia para o outro.  Nesse sentido, as palavras do Dr. Peter Gøtzsche merecem ficar em destaque:

“A maioria das pessoas tem problemas de saúde mental de vez em quando, assim como elas têm problemas com a sua saúde física. Não há nada anormal nisso. Ao longo deste livro, darei conselhos com base nas evidências científicas que tenho boas razões para acreditar que levará a melhores resultados do que se o meu for ignorado. Mas observe que, o que você faz e seja qual for o resultado, você não pode me responsabilizar. As informações que eu forneço não são um substituto para consultas com profissionais de saúde, mas pode capacitá-lo a participar de discussões significativas e informadas ou a decidir para resolver os problemas você mesmo.” (p. 10).

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Para adquirir o livro:

Vá à conta do Peter C. Gøtzsche,  GoFundMe , faça a doação de DKK150 (equivalente R$ 114,36) e escreva o endereço do seu email no campo da mensagem.

Nova Revisão da Literatura sobre Efeitos Graves de Abstinência dos Medicamentos Psiquiátricos

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Um novo artigo em Psicoterapia e Psicossomática analisa a literatura atual sobre síndromes de abstinência após a descontinuação ou a diminuição da dose de vários medicamentos psiquiátricos. A revisão incluiu medicamentos antidepressivos, antipsicóticos e anti-ansiedade. Os pesquisadores descobriram que, mesmo com o uso da interrupção gradual, conhecida como redução lenta, os sintomas de abstinência estavam presentes em todas as classes de medicamentos estudadas.

A revisão foi conduzida por Fiammetta Cosci, da Universidade de Florença, e Guy Chouinard, da Universidade de Maastricht. Os autores descobriram que, contrariamente à crença popular, inibidores seletivos da recaptação de serotonina (antidepressivos ISRS), antipsicóticos e inibidores da recaptação de serotonina noradrenalina (antidepressivos ISRN) apresentaram síndromes pós-retirada mais graves e duradouras do que os benzodiazepínicos. Essa evidência desafia as sugestões de médicos e pesquisadores que propõem a substituição do uso de benzodiazepínicos para ansiedade por antidepressivos e antipsicóticos.

A retirada das drogas psiquiátricas continua sendo uma questão relevante, pois pesquisas recentes sugerem que mais da metade das pessoas que tomam antidepressivos experimentam a síndrome de abstinência. Os antidepressivos ISRS e os antidepressivos ISRN foram implicados. Há evidências consideráveis de que a retirada dos antipsicóticos também pode ser duradoura e severa. Os perigos da polifarmácia e o uso inadequado de medicamentos são motivo de grande preocupação em todo o mundo, à medida que os pesquisadores começam a abordar seus perigos.

Para a revisão atual, Cosci e Chouinard analisaram a literatura sobre abstinência causada pela interrupção, troca e diminuição de medicamentos psicotrópicos. Isso incluiu diferentes classes de drogas, como benzodiazepínicos, antipsicóticos, antidepressivos, cetamina, agonistas do receptor de benzodiazepínicos não-benzodiazepínicos (drogas Z), estabilizadores de humor e lítio. As síndromes de abstinência foram categorizadas em três grupos: novos sintomas de abstinência, sintomas de rebote e transtorno pós-abstinência persistente.

Novos sintomas e rebotes de abstinência são de curta duração, temporários e reversíveis. No entanto, novos sintomas de abstinência são novos para o paciente (náuseas, dores de cabeça, etc.), enquanto os sintomas de rebote se referem ao retorno repentino de sintomas primários que geralmente são mais graves que o pré-tratamento. Transtorno persistente pós-abstinência refere-se a “um conjunto de sintomas duradouros, graves e potencialmente irreversíveis, que dão direito a sintomas primários de rebote ou distúrbio primário com maior intensidade e / ou novos sintomas de abstinência e / ou novos sintomas ou distúrbios que não estavam presentes antes tratamento.”

Estudos têm demonstrado que os sintomas de abstinência psicotrópica podem parecer recaídas, criando a ilusão de que a descontinuação de medicamentos causou um retorno dos sintomas de saúde mental. Os autores deste estudo afirmam que a diferença entre a recidiva / recorrência real do ‘distúrbio’ e os sintomas de abstinência é que os últimos são mais rápidos e mais graves.

Cosci e Chouinard revisaram artigos em inglês publicados em revistas especializadas e pesquisaram o banco de dados MEDLINE até janeiro de 2020. Palavras-chave como “descontinuação / retirada”, com várias classes de medicamentos, foram usadas.

Eles descobriram que os benzodiazepínicos e os medicamentos Z causavam novos e leves sintomas de abstinência, variando de sudorese, confusão e taquicardia a convulsões e psicose. A maioria dos novos sintomas de abstinência permanece leve e de curta duração (2-4 semanas). Os sintomas mais comuns de abstinência de rebote incluíam insônia e ansiedade, mesmo após o uso a curto prazo, podendo durar até 3 semanas. A ansiedade de rebote foi encontrada mesmo durante o tratamento medicamentoso quando a dose estava sendo reduzida. Por exemplo, a ansiedade de rebote ocorreu de manhã após a administração da dose noturna.

Embora não haja literatura suficiente sobre os efeitos de abstinência a longo prazo de benzodiazepínicos e medicamentos Z, alguns estudos encontraram efeitos adversos, como comprometimento cognitivo, que duraram muito tempo. Os autores também observam que a redução gradual dos benzodiazepínicos ajuda a gerenciar novos sintomas de abstinência e a administração de psicoterapia pode ajudar nesse processo.

Para os antidepressivos, eles descobriram que os novos sintomas de abstinência incluem dor, fadiga, arritmia, diarreia, visão turva, dormência, zaps cerebrais, amnésia, depressão, alucinações e sintomas semelhantes a derrame, entre outros.

Depressão rebote e até ansiedade foram encontradas após a descontinuação dos ISRS. O uso prolongado de ISRSs foi associado a distúrbios persistentes pós-retirada. Eles descobriram que isso era verdade mesmo que a descontinuação fosse gradual.

Os transtornos pós-abstinência, que às vezes continuavam mesmo após um ano de descontinuação, incluem transtorno do pânico persistente, depressão, memória prejudicada, jogo patológico, transtorno de ansiedade generalizada, várias disfunções sexuais e outros. Os pesquisadores também observaram que as empresas farmacêuticas preferiam usar a frase síndrome de descontinuação de antidepressivos em vez de “abstinência”, pois retira a atenção para os efeitos adversos da droga.

A cetamina e a esketamina, prescritas para ‘depressão resistente ao tratamento‘, são excepcionalmente vulneráveis ao abuso e uso indevido. Novos sintomas de abstinência incluem desejo, tremores, delírios e alucinações, calafrios, paranoia, raiva, tremores, palpitações, etc. Eles geralmente duram 3 dias, mas podem continuar por 2 semanas. Os autores escrevem que, apesar do uso off-label da cetamina como droga de rua (Special K), seu uso contínuo colocou a psiquiatria “em risco de replicar o abuso da epidemia americana de 2016 com o risco de induzir neurotoxicidade”.

A descontinuação, a redução da dose ou a troca de antipsicóticos causou duas síndromes pós-abstinência: discinesia tardia (movimentos incontroláveis de movimentos bruscos) e psicose de supersensibilidade (alucinações, catatonia, ilusões). O primeiro pode acontecer mesmo após o uso a curto prazo.

Novos sintomas da retirada de antipsicóticos incluem calafrios, dor no peito, sensações de choque elétrico, tremor, sensibilidade genital, coma, parkinsonismo, letargia, catatonia, ansiedade, depressão e muito mais. Os sintomas de rebote incluem catatonia e o retorno do estado hipnótico.

Os antipsicóticos de segunda geração, que foram apontados como causadores de menos efeitos colaterais, apresentam tantos sintomas de abstinência novos e rebote quanto os de primeira geração. Mesmo uma diminuição gradual ao longo dos meses foi incapaz de impedir o surgimento desses sintomas de abstinência.

No geral, a revisão constata que os ISRSs, os ISRNs e os antipsicóticos estão repetidamente ligados a distúrbios pós-abstinência a longo prazo e ao aumento da gravidade da doença quando comparados aos benzodiazepínicos e cetamina.

Os autores também observam que esses sintomas de abstinência geralmente influenciam os resultados de ensaios clínicos e que há considerável confusão sobre o que é um sintoma de um distúrbio e o que é causado pelo tratamento. Os pesquisadores alertam para o perigo de psiquiatras negligenciarem os efeitos da abstinência:

“Os pacientes que apresentam sintomas de abstinência correm o risco de serem mal diagnosticados, maltratados e entrarem na iatrogênese em cascata, que é uma porta de entrada para a cronicidade … Os pesquisadores devem aceitar que os sujeitos nos ensaios e na vida real não sejam mais ingênuos ou mesmo livres de drogas, a regra está sob polifarmácia. ”

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Cosci, F. & Chouinard, G. (2020). Acute and Persistent Withdrawal Syndromes Following Discontinuation of Psychotropic Medications. Psychotherapy and Psychosomatics, Published online first: April 7, 2020. DOI:10.1159/000506868. (Link)

População Argentina Relata suas Emoções e Reflexões na Pandemia

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Na Argentina, o primeiro caso confirmado de Coronavírus foi 05 de março de 2020, desde então os números de pessoas contagiadas começaram a subir rapidamente, exigindo a implementação de medidas para evitar novos contágios. O isolamento social obrigatório foi a medida com maior impacto social.

A pesquisa publicada na revista Ciência & Saúde Coletiva, foi realizada através de um estudo transversal implementado na Argentina, seguindo a proposta do estudo “COVID-19 Snapshot MOnitoring (COSMO):Monitoring knowledge, risk perceptions, preventive behaviours, and public trust in the current coronavirus outbreak”, elaborado pela Oficina Regional Europeia da OMS.

Os dados foram recolhidos por um questionário elaborado por tal estudo, e adaptado ao contexto argentino. O questionário ficou disponível na plataforma Google Forms e foi realizada em duas etapas, a primeira etapa alcançou 922 pessoas, enquanto a segunda etapa contou com 418 pessoas.

Em relação aos sentimentos da população diante da pandemia, se destacou a incerteza, o medo e a angustia, sentimentos relatados, principalmente, por mulheres. A incerteza se baseia no contexto incerto no qual estamos vivendo, a qual não permite o planejamento futuro, e levando a outros sentimentos como impotência, resignação, desconcerto e falta de controle da situação. A incerteza também foi vinculada as consequências sociais e econômicas do isolamento, como a queda da economia.

Além disso, os entrevistados foram questionados sobre as possíveis consequências positivas da pandemia para a sociedade. As respostas foram: valorização da interdependência, a oportunidade de reflexão, valorização do meio ambiente, valorização do Estados e das instituições, valorização dos afetos e a revisão do sistema socioeconômico e político.

“Que as pessoas se conscientizem sobre a importância de um Estado presente e a inversão em saúde, ciência e educação.” (mulher, 40 anos)

Como conclusão, o estudo adverte o impacto na saúde mental das pessoas manifestado em sentimentos como medo, incerteza e angustia, próprios de um sentido de ruptura com o cotidiano e perda de previsibilidade, especialmente presente no isolamento social. Mas também, demonstrou  aspectos avaliados como positivos para a sociedade.

O artigo aponta para a necessidade de desenhar estratégias para a diminuição do sentimento de incerteza, considerando as desigualdades sociais e o gênero. Por outro lado, a solidariedade, a consciência social e a empatia geradas a partir da pandemia, podem ser valores que contribuam para a aceitação e o cumprimento das medidas de prevenção, reduzindo o impacto na saúde mental.

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JOHNSON, María Cecilia; SALETTI-CUESTA, Lorena; TUMAS, Natalia. Emociones, preocupaciones y reflexiones frente a la pandemia del COVID-19 en Argentina. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 25, supl. 1, p. 2447-2456,  June  2020 . (Link)

Esketamine para Depressão: “a repetição de erros do passado”

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Em um novo artigo publicado no British Journal of Psychiatry, os pesquisadores Joanna Moncrieff e Mark Horowitz revisaram as evidências para o uso da esketamina na depressão. Eles descobriram uma falta de evidência de eficácia e uma minimização dos danos do medicamento.

“A esketamina foi licenciada para ‘depressão resistente ao tratamento’ nos EUA, Reino Unido e Europa. Os ensaios clínicos para o seu licenciamento não estabeleceram eficácia: dois ensaios foram negativos, um mostrou um efeito estatisticamente significativo, mas clinicamente incerto, e um ensaio de descontinuação defeituosa foi incluído, contra o precedente da Food and Drug Administration. Sinais de segurança – mortes, incluindo suicídios e danos na bexiga – foram minimizados ”, escrevem Moncrieff e Horowitz.

A esketamina – uma versão recentemente licenciada do tranquilizante para animais e da droga recreativa cetamina – foi aprovada para o tratamento da depressão nos EUA, Reino Unido e Europa no ano passado. Segundo os pesquisadores, “a esketamina é duas vezes mais potente que a cetamina”. Ao contrário da cetamina, que é administrada por via intravenosa, a esketamina foi formulada como um spray nasal para facilitar o uso.

A cetamina é conhecida por causar efeitos nocivos, incluindo danos na bexiga, ataques cardíacos e derrames. Quando usada recreativamente, cria um estado dissociativo no usuário, que alguns acham eufórico.

Cinco ensaios foram submetidos à FDA dos EUA para que a empresa farmacêutica Janssen recebesse a aprovação pela agência reguladora. Três desses ensaios foram ensaios clínicos randomizados de curta duração que usaram a esketamina comparando-a a um spray nasal como placebo – e os três duraram apenas quatro semanas, portanto mais curtos que os ensaios de eficácia usuais no desenvolvimento de medicamentos (a FDA geralmente exige ensaios de 6 a 8 semanas).

A FDA exige que pelo menos dois ensaios de eficácia sejam positivos, “cada um por si só tem que ser convincente”, a fim de aprovar um novo medicamento. No entanto, em dois dos três ensaios, a esketamina não foi melhor do que um spray nasal placebo para melhorar os sintomas da depressão. No terceiro estudo, a esketamina foi marginalmente melhor que o placebo – quatro pontos melhor em uma escala que chega a 60 pontos. Os pesquisadores dizem que essa diferença é clinicamente insignificante – imperceptível tanto pelo paciente quanto pelo médico.

Quando a Janssen não conseguiu atender aos requisitos de aprovação do medicamento, a FDA fez uma exceção – permitiu que a empresa submetesse um estudo de “descontinuação” como evidência de eficácia. Esse tipo de ensaio clínico teve participantes que que estavam se saindo bem com o medicamento e que de repente pararam de tomá-lo, o que geralmente induz efeitos de abstinência que podem mimetizar a depressão, entre os outros efeitos nocivos. No entanto, nesse ensaio clínico de “descontinuação”, seus efeitos foram considerados “recaídas” e tomados como evidência, não da abstinência, mas da eficácia do medicamento.

Talvez ainda mais preocupante seja o fato de que, dentro do estudo da descontinuação, um único local na Polônia levou à essa aparente descoberta de eficácia. Os dados deste site sugeriram que 100% do grupo placebo supostamente recaíram (em comparação com cerca de 33% do grupo placebo em todos os outros sites) – um resultado improvável. Quando os dados desse ‘outlier’ suspeito foram removidos, a análise do estudo não mostrou evidências de que a esketamina fosse melhor do que o placebo.

Por fim, Janssen enviou um teste de segurança para demonstrar que tomar esketamina não era perigoso. Em todos os ensaios realizados por Janssen, que incluiu cerca de 1800 pacientes em esketamina, houve seis mortes no grupo da esketamina. Três foram mortes por suicídios, sendo que dois ocorreram em pessoas que não tinham pensamentos suicidas anteriores. Todos os três suicídios ocorreram logo após a interrupção do medicamento, indicando que eles poderiam ter resultado de efeitos de abstinência.

As outras três mortes foram devidas a efeitos comuns da cetamina: uma morte foi um acidente de motocicleta (que pode ocorrer devido à dissociação após o uso de cetamina), uma foi por um infarto do miocárdio e uma foi causada por insuficiência cardíaca e pulmonar aguda. Uma pessoa sofreu uma hemorragia cerebral não fatal, que também é um efeito conhecido da cetamina. Cinco outras pessoas que tomaram esketamina tiveram acidentes de carro não fatais.

Além disso, no grupo da esketamina mais pessoas sofreram piora da depressão e mais pessoas tiveram pensamentos suicidas do que no grupo do placebo. Por esse motivo, a embalagem da esketamina terá que levar o “aviso de tarja preta” de que o medicamento pode aumentar as chances de suicídio.

Cerca de 20% dos participantes tiveram problemas na bexiga após tomar o medicamento. Metade dos participantes experimentou dissociação e cerca de um terço experimentou tontura.

No entanto, a FDA aceitou o argumento da Janssen de que todas essas mortes estavam desconectadas da droga que todos os participantes haviam recebido. A FDA afirmou que não podia concluir que mesmo os efeitos não fatais eram devidos à droga, embora todos esses efeitos sejam comumente observados em usuários da cetamina.

O Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados do Reino Unido (NICE) recomenda contra a esketamina por “depressão resistente ao tratamento” devido à falta de estudos de longo prazo e porque não há evidências de que o medicamento seja melhor do que os tratamentos existentes. No entanto, de acordo com os pesquisadores, o NICE também deve considerar que mesmo as supostas evidências de curto prazo não são convincentes e que os danos à droga foram minimizados.

Horowitz e Moncrieff escrevem:

“Parece que os temas históricos estão se repetindo: uma droga conhecida de mau uso, associada a danos significativos, é cada vez mais promovida, apesar das poucas evidências de eficácia e sem estudos adequados da segurança a longo prazo”.

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Horowitz, M. A., & Moncrieff, J. (2020). Are we repeating mistakes of the past? A review of the evidence for esketamine. The British Journal of Psychiatry. Published online by Cambridge University Press: 27 May 2020. DOI: https://doi.org/10.1192/bjp.2020.89 (Link)

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