Especialistas alertam para necessidade urgente de pesquisa de saúde mental Covid-19

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Da CNN: “Em um artigo publicado quarta-feira na revista Lancet Psychiatry, os pesquisadores pediram um melhor monitoramento da saúde mental como parte da resposta global à pandemia. O surto já infectou mais de 2 milhões de pessoas e matou mais de 128.000 em todo o mundo, segundo dados da Universidade Johns Hopkins.

O artigo, que se baseia no trabalho de 24 especialistas em saúde mental, incluindo neurocientistas, psiquiatras, psicólogos e especialistas em saúde pública, também observou que pouco se sabe sobre o impacto da própria Covid-19 no sistema nervoso humano. ”

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Estrutura, Vínculo e Rede de apoio da Família de um Usuário

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A Revista de Enfermagem UFSM publicou recentemente um artigo sobre os familiares que convivem com pessoa diagnosticada com transtorno mental. Buscou-se  analisar a estrutura, os vínculos, a rede de apoio de uma família, com o auxílio do genograma e do ecomapa. A pesquisa foi de tipo qualitativa exploratório e descritivo. Utilizou-se entrevista semiestruturada norteada pelo Guia para Avaliação e Intervenção na Família.

Os autores iniciam o artigo encalecendo o que estão considerando como família, um “sistema aberto interconectado com outras estruturas sociais.” A família não se resume a laços sanguíneos, estendendo-se a todos aqueles com quem a pessoa possa compartilhar relações de cuidado, vínculos afetivos, de convivência e parentesco.

Em relação ao contexto de cuidado em saúde mental, os familiares desenvolveram um papel colaborativo no cuidado e assistência da pessoa em sofrimento psíquico, através do auxílio em atividades cotidianas, desde o autocuidado, passando pelo lazer, até ajudando no trabalho e inserção social do sujeito, entre outras atividades. Entretanto, a família pode sentir dificuldades em assumir esse papel, por motivos de sobrecarga, gastos financeiros, agressividade do familiar, etc.

Os autores acreditam que o uso do genograma e ecomapa podem contribuir com a realização de intervenções que busquem melhorar os vínculos afetivos e o cuidado aos usuários e seus familiares. Assim como, auxiliar os profissionais de saúde a planejarem estratégias conjuntas com a família, contribuindo com o enfrentamento dos problemas enfrentados pela família.

A família escolhida para a realização da entrevista foi o casal Ana e Abel (nomes fictícios), pais de três filhos, um deles é Alex de 34 anos (nome fictício), internado cerca de 30 vezes e diagnosticado com deficiência intelectual moderada.

” A construção compartilhada do genograma e ecomapa possibilitou que a família relatasse seu cotidiano e suas relações, tornando mais claros aspectos do seu contexto, o que pode ser relevante para o levantamento de dados e posterior intervenção.”

Nota-se que quando há ausência ou pouca participação de alguns membros da família, a sobrecarga de outros membros aumenta, ocasionando internações e prejuízo na relação entre familiares. Já as relações fortes, bem como o apoio e auxílio entre os familiares refletem no cuidado prestado, pois propiciam mais segurança, conforto e tranquilidade para o(a) cuidador (a).

“A vulnerabilidade psicossocial da família que convive com pessoa com transtorno mental é um fator que repercute no processo de cuidado prestado a ela, considerando a importância e o papel que é atribuído aos familiares.”

A escassez de serviços substitutivos às internações de longa permanência, assim como a ausência ou número reduzido de Residências Terapêuticas, aumenta a chance de ocorrer internações e sobrecarga dos familiares.

O estudo apresenta limitações, pois foi realizado com apenas uma família, mas é um convite para a reflexão do papel da família no cuidado, ampliando o debate para a realidade de vulnerabilidade, que muitos familiares se encontram, e por sua vez, ilustra a necessidade das família de apoio e cuidado.

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Cattani AN, Ronsani APV, Welter LS, Mello AL, Siqueira DF, Terra MG. Família que convive com pessoa com transtorno mental: genograma e ecomapa. Rev. Enferm. UFSM. 2020. (Link)

Ficar em casa? Procure significado, não felicidade

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Justin Paget/DigitalVision, via Getty Images

Publicado em The New York Times, por : “A pandemia de coronavírus não apenas vem ameaçando a saúde física de milhões, mas também causando estragos no bem-estar emocional e mental das pessoas em todo o mundo. Sentimentos de ansiedade, desamparo e tristeza aumentam à medida que as pessoas enfrentam um futuro cada vez mais incerto – e quase todo mundo é tocado pela perda. Uma pesquisa nacionalmente representativa realizada pela Kaiser Family Foundation constata que quase metade de todos os americanos – 45% – sente que o coronavírus afetou negativamente sua saúde mental.

O que levanta uma questão: existe algo que as pessoas possam fazer para lidar com as consequências emocionais desse tempo confuso e desafiador?”

“… O que aprendi esclarece como as pessoas podem proteger sua saúde mental durante a pandemia – e isso altera algumas ideias comuns que nossa cultura carrega sobre trauma e bem-estar. Quando pesquisadores e clínicos observam quem lida bem com a crise e até cresce, não são os que se concentram em buscar a felicidade para se sentirem melhor; são aqueles que cultivam uma atitude de otimismo trágico. O termo foi cunhado por Viktor Frankl, o sobrevivente do Holocausto e psiquiatra de Viena. O otimismo trágico é a capacidade de manter a esperança e encontrar sentido na vida, apesar de sua dor, perda e sofrimento inevitáveis.”

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Justin Paget/DigitalVision, via Getty Images

Dizem que sou louca …

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Hoje é 18 de maio, dia da Luta Antimanicomial, luta esta construída por pessoas em sofrimento psíquico, seus familiares profissionais da saúde que ousaram imaginar e ousaram fazer uma sociedade sem manicômio. Romper com os manicômios é estratégia fundamental para lidar com o sofrimento psíquico. Talvez agora, ouso eu imaginar, não seja mais tão difícil de compreender quão sofrido é ficar limitado a um único espaço quando nos vemos obrigadas a ficar em casa e/ou limitar nossas saídas. Somada às nossas próprias experiências com o período necessário desta quarentena, outro fato que denuncia os prejuízos e sofrimento psíquico que o isolamento causa é o volume das chamadas “lives” sobre Saúde Mental e Quarentena, bem como, o aumento de oferta de acolhimento psicológico on-line. Então, devemos perguntar: Por que uma prática de isolamento social é defendida como tratamento para o sofrimento psíquico?

A respostas não é simples, mas, longe de querer ser simplista, o que podemos dizer, baseada numa análise histórica das ciências médicas, psiquiátricas e dos manicômios em nosso país é que a lógica angular dessa prática foi a Eugenia. Essa mesma palavra que andou circulando nas redes sociais, quando o médico Lichtenstein diretor técnico do Hospital das Clínicas denuncia essa mesma lógica por trás das ações anti-quarentena. Grosso modo, de acordo com o dicionário da língua portuguesa: Eugenia se caracteriza por uma técnica que visa à seleção nas coletividade humanas baseada na genética. Na prática, foi essa técnica utilizada por Hitler para produzir a raça pura ariana e é com este espírito nazista que as ideias eugênicas entram no Brasil, com o objetivo de embranquecer a população, castrar doentes mentais, eliminar os “depravados” e produzir, assim, seres humanos que chegassem perto da ideia de raça pura e superior, essencialmente branca baseada na estética europeia, em suma, no ethos burguês.

Portanto, a Luta Antimanicomial é e deve ser, uma luta antirracista, num contexto como o do Estado de MT, por exemplo, onde a grande maioria da população dos hospitais psiquiátricos é negra. Não por pura coincidência histórica, o primeiro manicômio no Brasil data de 1852, quando começam a ganhar força os movimentos abolicionista. Sob a falácia do cuidado, os manicômios se tornariam, então e até hoje, mais uma forma de aprisionamento do povo preto.

Contudo, compreendo o processo saúde e doença como fruto de múltiplas determinações e diretamente influenciada pelas condições do meio, objetivas e materiais e por isso, também não se trata aqui de negar que a população negra está submetida, em sua maioria, a condições que serão marcadores determinantes no processo de sofrimento psíquico e devem dispor de condições dignas de atenção à sua saúde, consideradas suas particularidades. São condições objetivas e materiais, por exemplo, quando no meio desse período de quarentena a população do Complexo do Alemão no RJ é surpreendida com uma chacina do BOPE, onde 13 pessoas foram assassinadas, moradores do complexo tiveram seus carros destruídos pelo “caveirão” e as suas casas marcadas de bala, violência e desespero. Onde, sob orientação de isolamento social, famílias vizinhas se viram obrigadas a se aglomerarem juntas em único cômodo para se protegerem das “balas perdidas”.

A luta Antimanicomial, não tem a ver só a ver com o método de “tratamento” psiquiátrico, ela está relacionada com as entranhas de uma sociedade construída sobre opressões, ela é combate, enfrentamento dessas opressões. Quando a jornalista Daniela Arbex relata no livro “O Holocausto Brasileiro” a realidade do manicômio de Barbacena-MG, ela conta histórias de mulheres que foram violentadas dentro e fora do manicômio. As que foram violentadas fora, estavam lá justamente pelas consequências da violência, adolescentes que ficaram grávidas em estupros, mulheres cujos maridos as internava mesmo sem laudo médico … As que foram violentadas dentro, das inúmeras violações que sofreram, a sexual e o roubo de seus bebês (frutos da violência sofrida) gerou um “comércio” de adoções. Por isso, a luta Antimanicomial deve ser uma luta contra o patriarcado e o machismo. Machismo que historicamente tratou as psicopatologias como uma doença feminina, a doença que vem do útero – Histérica! Que se popularizou no vocabulário cotidiano como forma de deslegitimar e desqualificar o discurso de uma mulher, mas também como forma de desumanizar e desvincular do machismo estrutural de nossa sociedade o ato de violência sexual frequentemente cometida por homens.

No esteio dessa vulgarização do sofrimento psíquico, nas interpretações esotéricas e mágicas dos fenômenos psíquicos, nas romantizações da loucura ou nas soluções simplistas para cuidar da saúde mental instaura-se um jogo perverso, onde o misto de vontade de ajudar ao próximo movido pela caridade cristã e a banalização do sofrimento sob a ditadura da felicidade, individualizam e culpabilizam apenas o sujeito por seu adoecimento, seja por sua constituição genética seja por sua falta de fé e positividade. E mais, deslegitima-se o processo de acúmulo histórico de construção do conhecimento sobre este fenômenos, este fazer científico que desenvolve um conjunto técnico-operativo para tratar pessoa em sofrimento psíquico que prescinda do manicômio. Esta realidade já deixou, em algumas regiões do país, de ser uma utopia a ser alcançada, para se transformar em ações concretas que ao longo dos últimos 20 anos vêm demonstrando sua eficácia, e que são apoiadas em um referencial que é técnico, construído também a partir da prática de profissionais que lidam cotidianamente com pessoas em sofrimento psíquico. O modelo de atenção psicossocial implementado no Brasil é hoje uma das principais referências mundiais. Esta prática em Saúde Mental se torna referência porque suas ações se demonstram efetivas na atenção às pessoas em sofrimento psíquico e seus familiares. Desconsiderar todo esse acúmulo de experiências e conhecimento é, em última instância, acobertar o quão desumanizante é a forma de viver em uma sociedade onde eu, você, nossa força de trabalho e nossa saúde são só mais uma mercadoria. Onde se enxerga no adoecimento um mercado a ser explorado e extraído lucro. A psiquiatria é repleta de “cloroquinas” e, os anseios de uma pílula mágica que leve todo mal como que por um milagre ou decreto, já são nossos velhos e conhecidos fantasmas. A luta Antimanicomial, portanto, é resistência à mercadologização da vida, a humanidade em nós, pois, agoniza nos sintomas da psicopatologia, transborda desesperada na tentativa de subverter a lógica ainda que seja a psíquica e resiste a não ser explorada, excluída, suprimida, coisificada. A luta Antimanicomial quebra a lógica de sujeitos objetos e descartáveis, ela não só deve analisar e se relaciona com as entranhas de nossa sociedade, mas resgatar sua capacidade de sacudir suas estruturas, denunciar a insistência em nos desumanizar e deve somar esforços na tarefa árdua e cotidiana de continuar ousando uma sociedade sem manicômios em outra forma de organização social.

Muitos me dizem louca por ousar sonhar, imaginar, pesquisar e agir para construir uma sociedade sem manicômios e uma outra forma de sociabilidade, mas irracionalista, porque não vou chamar de loucura, é quem me diz que é normal e naturaliza a sociedade do fetiche da mercadoria.

Respostas COVID-19 à saúde mental negligenciam a realidade social

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Publicado em Nature, autoria de Rochelle Burguess:  “No início do surto de COVID-19, fiquei surpreso e aliviado por a saúde mental estar recebendo a devida atenção. Em março, a Organização Mundial da Saúde divulgou diretrizes sobre como proteger sua saúde mental. O governo do Reino Unido respondeu rapidamente com diretrizes de saúde pública e reforçou o suporte on-line. Em abril, o Lancet Psychiatry fez uma chamada por pesquisas multidisciplinares para o desenvolvimento de respostas de saúde mental durante a pandemia (E. A. Holmes et al. Lancet Psychiatry http://doi.org/ggszmj; 2020).

“Mas quando olho mais de perto, sou tomado por uma decepção com a qual estou familiarizado. Mais uma vez, as recomendações esquecem metade da equação: nossa necessidade de abordar as condições sociais e econômicas que contribuem para a precária saúde mental. Uma mulher que perdeu o emprego e não pode alimentar sua família encontrará pouco alívio em um aplicativo de meditação. Conselhos como ‘ficar de fora da mídia social’ pouco ajudarão a aliviar a ansiedade de um jovem negro, com medo constante de ser expulso das lojas por seguranças por estar usando uma máscara, ou ser abusado ou até morto por agentes da lei que receberam novos poderes para policiar o comportamento social.

O envolvimento com essas vulnerabilidades sistêmicas faz parte do campo ativo de pesquisa em psicologia comunitária. No entanto, as descobertas desse campo geralmente são deixadas de lado por pessoas e agências que elaboram planos de saúde mental, que ainda se concentram principalmente no indivíduo. Quase toda vez que sou convidado para um evento de saúde mental comum para compartilhar pesquisas ou conselhos sobre políticas, sou o único psicólogo comunitário em uma sala lotada. “

“… Para um grande número de pessoas, o mundo era um lugar difícil e injusto antes da catástrofe deste ano. Antes do COVID-19, mais de 700 milhões de pessoas em todo o mundo viviam em extrema pobreza, uma em cada três mulheres sofria violência durante a vida e cerca de 70 milhões de pessoas haviam sido deslocadas à força de suas casas. Quase um bilhão vivia em favelas, com acesso não confiável à água corrente. Milhões, na maioria das vezes pessoas de cor, tinham empregos precários. Em todo o mundo, bilhões não tinham acesso às necessidades básicas que possibilitam uma boa saúde mental. A situação é ainda pior agora.

“(…) Precisamos repensar o que conta como tratamento nos cuidados de saúde mental. No momento, a estratégia de saúde mental COVID-19 é dominada por preocupações com um aumento nas mortes por suicídio, um aumento na incidência de depressão e possíveis danos neurológicos causados pelo vírus, e com razão. Mas rotular uma condição não faz desaparecer os desafios sociais à sua volta.”

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Rochelle Burgess é psicóloga em saúde comunitária e professora em saúde global no Instituto de Saúde Global da University College London.

Violência Doméstica e Familiar na Pandemia de COVID-19

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Fiocruz lançou uma cartilha sobre violência domiciliar e familiar na Covid-19, com o objetivo de auxiliar à todos os envolvidos na resposta ao coronavírus. A necessidade da cartilha se deve aos indicadores que veem demonstrando o agravamento de casos já existentes, assim como o surgimento de novos casos de violência durante a pandemia. É o que percebemos na China, onde os casos de violência doméstica triplicaram, já na França houve aumento de 30%, enquanto a Itália indicou que as denúncias desse tipo de violência sofreram ascensão e no Brasil há um aumento de 50% nas denúncias. A OMS adverte que a violência é um problema de saúde pública

Com o desencadeamento da pandemia, as rotinas familiares e sociais sofreram profundas mudanças, gerando novos focos de tensionamento e estresse. Ademais, a pandemia atinge as famílias de maneira desigual, dependendo de marcadores sociais como cor de pele, gênero, etnia, faixa etária e estrato social.

“As crianças,
em geral, estão fora da rotina escolar/creche, com acesso restrito a
atividades de grupo e esportes. Homens e mulheres estão em trabalho
remoto ou impossibilitados de trabalhar, o que também implica em
sobrecarga, desafios na conciliação de rotinas e exigências com a casa
e com cuidados com crianças e outros membros da família. Sendo
assim, é possível que as pessoas sintam preocupação recorrente
sobre ser infectado, ficar doente, como garantir a subsistência, como
encontrar novas opções de cuidados aos idosos e crianças, entre
outras.”

Existem alguns fatores de risco com as medidas de distanciamento social e que podem aumentar as taxas de tentativas de suicídio: estresse econômico, diminuição do
acesso às redes socioafetivas, diminuição do acesso a tratamentos de saúde mental (cancelamento de consultas e restrição de atendimentos na Rede de Atenção Psicossocial – RAPS), problemas graves de saúde física prévios à infecção e excesso de cobertura
midiática na COVID-19, podendo dar a impressão que outros serviços de saúde estão desativados.

Os grupos mais vulneráveis durante a pandemia de COVID-19, além de mulheres, crianças e idosos em situação de violência familiar, são as pessoas com baixa renda, vivendo em assentamentos ilegais, minorias, indígenas, migrantes e refugiados, pessoas privadas de liberdade, pessoas com deficiência, LGBTI, pessoas em situação de rua, entre outros.

A cartilha pede aos profissionais da rede de atenção e cuidado às pessoas em situação de violência, que estejam atentos e cientes do risco de aumento de casos durante a pandemia, lembrando que segundo a OMS a violência pode ser de natureza física, sexual, psicológica, em forma de privação ou abandono. Além disso, as situações de violência podem ser detectadas por professores, vizinhos, família extensa, equipes de saúde e assistência social, entre outros. O material está dividido em quatro tipos de violência doméstica: contra crianças, contra mulheres, contra idosos e contra si mesmo.

Contra crianças, a cartilha chama a atenção que a maioria dos casos de violência acontecem dentro do lar, o que pode gerar subnotificação dos casos em contexto de pandemias, já que este tipo de violência normalmente é denunciado por pessoas fora da família. Um dado importante destacado pela cartilha são as notificações de um número expressivo de pedófilos nas rede sociais digitais, portanto é necessário redobrar a atenção com crianças e adolescentes no uso da tecnologia.

A cartilha orienta profissionais a garantirem a essas famílias o acesso à políticas públicas, para garantir empregos e renda, auxílios emergenciais, entre outros. Além de orientar aos pais que informem de maneira tranquila, honesta e apropriada para cada idade, sobre a pandemia aos filhos; mantenham uma rotina com a criança e adolescentes; prestem atenção no uso da mídia e desenvolvam uma escuta ativa, buscando a compreensão das crianças e adolescentes. Assim como, orientar aos pais que procurem dialogar com redes de apoio nas quais tenham confiança, como grupos de pais, igrejas, profissionais de saúde ou líderes comunitários.

Com relação à violência contra a mulher, estima-se que um terço das mulheres de todo mundo vivenciarão violência física/sexual em algum momento da vida. A violência cometida pelo parceiro íntimo é a forma mais comum e envolve uma complexidade de fatores individuais, relacionais, sociais e culturais.

A cartilha recomenda a diversificação de canais de denúncia e seus canais de comunicação, como mercados, farmácias e locais públicos; criar campanhas que encorajem a denúncia por parte da sociedade e garantir respostas rápidas por parte das autoridades. Para os profissionais que atendem essas mulheres, recomenda-se que as oriente a conversar com alguma pessoas de confiança sobre as agressões/ameaças; verificar se há locais seguros onde possa ficar até conseguir ajuda; procurar a delegacia da mulher mais próxima ou ligar para o disque 180 ou 190. Em casos de ferimento, orientar qual unidade de saúde mais próximo de sua casa está funcionando e certificar-se que ela será atendida.

A repeito da violência cotra o idoso, estima-se que um entre cada seis idosos ao redor do mundo vivenciam alguma forma de violência, o que pode se agravar com a pandemia de COVID-19. Já sabemos que houve um aumento de 13% nos casos de violência contra o idoso, em relação ao ano passado. As violências mais comuns são negligência, violência psicológica, violência patrimonial (seus bens são detidos ou destruídos) e violência física. O idoso costuma viver a violência em silêncio, devido à dependência, afeto, insegurança e medo, principalmente porque os autores da violência costuma ser os próprios cuidadores.

A cartilha recomenda a implementação de estratégias de biosegurança nas Instituições de longa permanência, políticas públicas que aprimorem a proteção e o cuidado com idosos. Os profissionais devem estimular os idosos a acessarem sua rede socioafetiva, assim como a ficarem atentos, assim como o restante da sociedade, a sinais de desorientação, falta de cuidado pessoal/ higiene, mudanças bruscas de personalidade. Em casos de denúncia, podem entrar em contato com o disque 100 ou 190, ou procurar uma delegacia.

Acerca da violência contra si, já é esperado o aumento desses casos no contexto de pandemia. A OMS informa que esses atos incluem autolesão (sem a intenção de se matar) ou atos com o fim de cessar a própria vida, podendo ir da ideação até o suicídio. A cartilha afirma que é essencial estabelecer e manter redes comunitárias e de atenção psicossocial para atender às necessidades de saúde mental em momentos de crise. Recomenda-se identificar casos de pessoas que estejam em risco e encaminhar para a rede de atenção psicossocial e acompanhar, ainda que remotamente, a pessoa durante o período de isolamento social. Também pode-se orientar a pedir ajuda a pessoas de confiança, organizações sociais próximas à pessoa e ao Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo disque 188, como uma forma adicional de apoio.

“Estudos baseados em evidências recomendam estratégias de prevenção
ao suicídio que podem ser realizadas remotamente. Por exemplo,
estudos mostram que ligações telefônicas e cartas foram efetivas
na diminuição de taxas de suicídio em estudos clínicos. Estratégias
solidárias e utilização de vídeo conferências para comunicação
com familiares e amigos podem fortalecer mecanismos sociais de
fortalecimento do senso de pertença a uma comunidade, e portanto,
diminuir taxas de suicídio.”

A cartilha também faz referência aos profissionais de saúde e cuidadores domiciliares, como um grupo que necessita de cuidados específicos durante a pandemia,  por exemplo, um espaço para o atendimento e acolhimento de suas emoções, e se necessário, acompanhamento psicossocial. Além disso, ressalta a importância de instituir uma rotina saudável e com equilíbrio entre as atividades que tragam prazer, satisfação e conexão social. Bem como, a importância de garantir para esses profissionais biossegurança, horas de descanso, pausa durante plantões, remanejamento de equipes nas áreas de maior risco, suporte emocional tanto a trabalhadores como a suas famílias e garantia de direitos trabalhistas.

A cartilha, além de trazer orientações de ações possíveis e evidenciar os motivos pelos quais a violência contra estes grupos pode aumentar em período de pandemia, Também  conta com uma rica bibliografia. Não deixe de ler a cartilha completa!

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MELO, Bernardo Dolabella et al. (org). Saúde mental e atenção psicossocial na pandemia COVID-19: violência doméstica e familiar na COVID-19. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2020. Cartilha. 22 p. (Link)

Quase todo mundo atende aos critérios de ‘Doença mental’

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Um novo estudo constata que 86% das pessoas já cumpriram os critérios para um diagnóstico psiquiátrico aos 45 anos de idade e 85% delas cumpriram os critérios para pelo menos dois diagnósticos. Exatamente metade (50%) da população terá cumprido os critérios para um “distúrbio” aos 18 anos.

Segundo os pesquisadores, quase nove em cada dez pessoas atenderão aos critérios de “doença mental” em algum momento de suas vidas.

Essa taxa chocantemente alta de “doença mental” não é o ponto focal do estudo. Em vez disso, os pesquisadores escrevem que “essas descobertas sugerem que as histórias de vida dos transtornos mentais mudam entre diferentes transtornos sucessivos”. Ou seja, a implicação de seu estudo, segundo os pesquisadores, é que pessoas com “doença mental” podem ter vários diagnósticos diferentes.

A pesquisa foi liderada por Avshalom Caspi na Duke University e publicada na JAMA Network Open.

Caspi e co-autores usaram dados do Dunedin Study, um estudo representativo da população que acompanhou 1013 pessoas nascidas em Dunedin, Nova Zelândia, em 1972-1973. Profissionais de saúde treinados realizaram entrevistas em profundidade quando os participantes tinham 11, 13, 15, 18, 21, 26, 32, 38 e 45 anos para avaliar se os participantes preenchiam os critérios para qualquer diagnóstico psiquiátrico. Os pesquisadores não especificam se esse processo de diagnóstico poderia ter superdiagnosticado “doença mental”.

Ainda mais surpreendente, os pesquisadores relatam que 17 pessoas relataram receber tratamento de saúde mental, mas não foram capturadas como tendo doença mental pelas entrevistas; uma dessas pessoas morreu de suicídio.

Os pesquisadores descobriram que quase quatro vezes mais indivíduos atendiam aos critérios para esquizofrenia do que o geralmente estimado em uma população (3,7% versus 1%); 15% dos participantes preencheram os critérios para transtorno obsessivo-compulsivo (geralmente estimado em uma prevalência populacional de 2-3%).

Os pesquisadores também escrevem que “testaram a hipótese de que as histórias de vida dos transtornos mentais, resumidas pelo fator p, refletem a função cerebral comprometida”. A comparação é incomum, já que quase todo mundo no estudo teve um “transtorno mental” em algum momento, mas eles realizaram um grande número de testes estatísticos, dividindo as pessoas com “transtornos mentais” em grupos como aqueles com “externalização” versus ” sintomas de internalização ”ou aqueles com mais diagnósticos versus aqueles com menos. Eles também usaram medidas de supostas “idades cerebrais”, apesar das perguntas sobre a validade dessa medida.

Todos os resultados foram “estatisticamente significativos”, mas explicaram muito pouco. Por exemplo, veja o gráfico de dispersão abaixo:

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Em um gráfico como este, o impacto de uma descoberta é demonstrado pela força com que os pontos (cada ponto representando um participante da pesquisa) se agrupam em torno da linha. Nesse caso, os pontos estão espalhados amplamente e a correlação é minúscula. Algumas pessoas com “idade cerebral” aos seus 70 anos, por exemplo, ainda tinham os fatores p mais baixos (probabilidade de maior comprometimento por problemas psiquiátricos), enquanto algumas pessoas com “idade cerebral” aos 30 anos apresentavam os fatores p mais altos. No entanto, esses dados são relatados como achados estatisticamente significativos.

Os pesquisadores não abordam a possibilidade de sobrediagnóstico ou de como o alargamento das categorias de diagnóstico em cada edição sucessiva do DSM poderia levar à patologização de experiências cada vez mais normais.

Em vez disso, eles sugerem que sua análise é mais precisa do que a maioria das estimativas, pois foram capazes de acompanhar toda uma população representativa desde o nascimento e suas entrevistas detalhadas capturaram populações que geralmente são perdidas, como pessoas sem-teto e pessoas que não recebem tratamento em saúde mental.

Em vez disso, eles sugerem que sua análise é mais precisa do que a maioria das estimativas, pois foram capazes de acompanhar toda uma população representativa desde o nascimento e suas entrevistas detalhadas capturaram populações que geralmente são perdidas, como pessoas sem-teto e pessoas que não recebem tratamento em saúde mental.

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Caspi, A., Houts, R. M., Ambler, A., Danese, A., Elliott, M. L., Hariri, A., . . . & Moffitt, T. E. (2020). Longitudinal assessment of mental health disorders and comorbidities across 4 decades among participants in the Dunedin birth cohort study. JAMA Netw Open, 3(4), e203221. DOI: 10.1001/jamanetworkopen.2020.3221 (Link)

Os antipsicóticos protegem contra a morte prematura? Uma revisão das evidências científicas

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Devido aos seus muitos efeitos adversos na saúde física, há muito tempo que se pensa que os antipsicóticos contribuem para a morte precoce dos “doentes mentais graves”. Em 2006, essa preocupação surgiu nas manchetes graças a um relatório da Associação Nacional dos Diretores de Programas de Saúde Mental do Estado. O relatório constatou que em ambientes de saúde pública, as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos “graves” estavam morrendo, em média, 25 anos antes do normal.

Embora o suicídio e as mortes acidentais representem de 35% a 40% desse excesso de mortalidade, quase dois terços são atribuídos a doenças somáticas: doenças cardiovasculares, diabetes e doenças respiratórias em particular – todas as quais podem ser vistas como riscos elevados devido aos efeitos adversos de drogas psiquiátricas.

No entanto, dois anos depois, Lancet publicou um estudo realizado por pesquisadores finlandeses que concluíram que os antipsicóticos reduzem a mortalidade. Desde então, esse grupo de pesquisadores continuou a publicar trabalhos que tiram essa mesma conclusão; e pelo menos dois estudos nos EUA apoiaram esses achados. Esta pesquisa produziu manchetes que divulgam esse recém-descoberto benefício dos antipsicóticos:

“Antipsychotics appear to halve mortality risk in schizophrenia” —Psychiatry and Behavior Health Learning Network

“Antipsychotics, mood stabilizers, SSRIs REDUCE, not worsen, risk of mortality in adults with mental illness.” Tweet from American Psychiatric Association President Jeffrey Lieberman, August 29, 2013

“Use of antipsychotic drugs improves life expectancy for individuals with schizophrenia” —Science News, Nov. 1, 2012

Essa nova alegação, de fato, passou a ocupar uma posição de frente, a estar no centro da base de evidências citada para justificar o uso a longo prazo de antipsicóticos. Outros argumentos para o uso a longo prazo dessas drogas haviam sido enfraquecidos na última década, ou haviam sido desmoronados por completo, e, portanto, essa nova descoberta surgiu em um momento casual para os que promove essa prática.

A psiquiatria promove há muito tempo o uso a longo prazo de antipsicóticos, afirmando que eles reduzem o risco de recaída. No entanto, logo após os Centros de Controle e Prevenção de Doenças emitirem seu relatório sobre morte precoce entre os “doentes mentais graves”, Martin Harrow publicou seu estudo sobre os resultados a longo prazo de pacientes diagnosticados com esquizofrenia, anunciando que as taxas de recuperação eram oito vezes maiores para os pacientes sem medicação e que o grupo sem medicação apresentava menor probabilidade de apresentar sintomas psicóticos em cada follow-up. Pesquisadores de outros países relataram achados semelhantes desde então, com taxas de recuperação mais altas para aqueles que não tomam antipsicóticos, o que levou a questionar a importância dos estudos de recaída como “evidência” para o uso a longo prazo desses medicamentos.

O campo também foi abalado por pesquisas que mostram que os antipsicóticos causam um encolhimento dos volumes cerebrais, e que esse encolhimento está associado a um declínio na função cognitiva e a uma piora dos sintomas negativos (desengajamento emocional).

Mas se essa afirmação mais recente – que os antipsicóticos reduzem a mortalidade – se baseia em boa ciência ela forneceria um argumento convincente para manter os pacientes com esses medicamentos. Na medicina, um medicamento que reduz as taxas de mortalidade por uma doença é entendido como um tratamento “eficaz”. Esse é um resultado final, e é o próprio resultado usado para avaliar a eficácia de, por exemplo, tratamentos contra o câncer.

Por outro lado, se um medicamento aumenta as taxas de mortalidade, então – pela mesma linha de raciocínio – ele está causando danos. Nesse caso, o objetivo seria usar os medicamentos com cautela e procurar limitar seu uso a longo prazo.

Em seguida, será apresentada uma revisão da literatura sobre os efeitos dos antipsicóticos nas taxas de mortalidade. Após um rápido resumo da “lacuna de mortalidade” entre os “doentes mentais graves” e a população em geral, será apresentada uma revisão das pesquisas que apoiam a conclusão de que os antipsicóticos contribuem para a morte precoce. Em seguida, será apresentada uma revisão dos estudos agora são citados como evidência de que os antipsicóticos são protetores contra a morte precoce.

Os leitores podem decidir qual linha de pesquisa que acham ser a mais convincente.

A lacuna da mortalidade

As métricas que os pesquisadores geralmente usam para avaliar a mortalidade precoce são “taxas de mortalidade padronizadas”. Por exemplo, os pesquisadores podem comparar a mortalidade entre as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia com a mortalidade na população em geral durante um período de 10 anos (com os dois grupos pareados por idade e sexo). Se houver o dobro de mortes no grupo da esquizofrenia em comparação com a população em geral, a taxa de mortalidade padronizada (SMR – sigla para Standard Mortality Rate) é de 2,0. Se houver três vezes mais mortes, o SMR é 3,0, e assim por diante.

Quanto maior a SMR, maior a “diferença de mortalidade” em termos de anos perdidos por uma doença, transtorno ou desordem.

Em 2006, quando a National Health Association of State Mental Health Program Directors publicou seu relatório, a “lacuna da mortalidade” foi entendida como tendo aumentado nos últimos anos. De fato, a taxa de mortalidade padronizada para os doentes mentais graves, em comparação com a população em geral, piorou nos últimos 40 anos.

  • Em 2007, pesquisadores australianos realizaram uma revisão sistemática de relatórios publicados sobre as taxas de mortalidade de pacientes com esquizofrenia em 25 países. Eles descobriram que as SMRs da “mortalidade por todas as causas” aumentaram de 1,84 na década de 1970 para 2,98 na década de 1980 e para 3,20 na década de 1990.
  • Em 2017, os investigadores do Reino Unido relataram que a SMR para pacientes bipolares havia constantemente aumentado de 2000 a 2014, aumentando 0,14 por ano, enquanto a SMR para pacientes com esquizofrenia havia aumentado gradualmente de 2000 a 2010 (0,11 por ano) e depois mais rapidamente de 2010 a 2014 (0,34 por ano.) “A diferença de mortalidade entre indivíduos com transtorno bipolar e esquizofrenia e a população em geral está aumentando”, eles escreveram.

Esses dados de mortalidade por “todas as causas” não fornecem evidências, por si só, de que os antipsicóticos estejam contribuindo para essa lacuna de mortalidade. No entanto, vale ressaltar que as taxas de SMR têm piorado constantemente durante a era antipsicótica, com esse agravamento parecendo continuar na era dos antipsicóticos atípicos. Não é o que se esperaria se os antipsicóticos protegessem da morte precoce.

Há outra descoberta intrigante no relatório de 2007 dos pesquisadores australianos. Eles descobriram que as taxas de mortalidade para pacientes com esquizofrenia ao longo das três décadas foram mais altas nos países desenvolvidos (SMR 2,79) do que nos países menos desenvolvidos (SMR 2,02). Isso é interessante porque um estudo da Organização Mundial da Saúde descobriu que apenas uma pequena porcentagem de pacientes com esquizofrenia nos países em desenvolvimento durante esse período havia sido regularmente mantida em antipsicóticos, enquanto que nos EUA e em outros países desenvolvidos a manutenção contínua de medicamentos era o padrão de atendimento. Há uma correlação aparente nesses dados: a diferença de mortalidade é maior em países que dependem mais de antipsicóticos.

Parte I: Evidência de que os antipsicóticos levam à morte prematura

Os antipsicóticos de primeira geração – clorpromazina, haloperidol e outros – eram conhecidos por causar uma ampla gama de efeitos adversos. Em particular, eles costumavam causar sintomas parkinsonianos (disfunção motora), que a longo prazo frequentemente levavam à discinesia tardia (TD). Os pesquisadores determinaram que a TD estava associada a um risco aumentado de morte (SMR = 1,4).

Além disso, os efeitos adversos conhecidos desses medicamentos incluíam obesidade, coágulos sanguíneos fatais, arritmia, insolação, anormalidades hormonais, convulsões e doenças do sangue. “Eles têm perfis de efeitos colaterais adversos que podem afetar todos os sistemas fisiológicos”, disse George Aranas, psiquiatra da Universidade Médica da Carolina do Sul, em 1999.

Os antipsicóticos de segunda geração que chegaram ao mercado em meados da década de 90, descritos como “atípicos”, também são conhecidos por causar uma ampla gama de efeitos adversos. Esses medicamentos podem ser menos propensos a causar sintomas parkinsonianos e a discinesia tardia, no entanto mais propensos a causar obesidade, intolerância à glicose, dislipidemia e hipertensão que, quando agrupados, são descritos como “síndrome metabólica”.

No entanto, pode ser um pouco enganador agrupar antipsicóticos como medicamentos de primeira ou segunda geração, pois os perfis de eventos adversos de medicamentos individuais variam muito, dependendo de quais sistemas de neurotransmissores eles interrompem e de sua potência. Este gráfico mostra os efeitos adversos associados à interrupção de diferentes neurotransmissores no cérebro.

Esses medicamentos, Christopher Correll e outros escreveram em um artigo de 2015 publicado na World Psychiatry, aumentam o risco de “doenças cardiovasculares, do trato respiratório, sistema gastrointestinal, hematológico, musculoesquelético e renal”.

Assim, antipsicóticos típicos e atípicos causam efeitos adversos que podem aumentar o risco de seus usuários morrerem de doenças somáticas e, em particular, de doenças cardiovasculares, respiratórias e endócrinas. Nesse caso, esse aumento do risco de morte deve aparecer em estudos que calculam as taxas de SMR para essas doenças entre os usuários desses medicamentos.

Existem três tipos de estudos de mortalidade a serem revisados:

  • O primeiro são estudos que utilizam grandes bancos de dados de pacientes para avaliar as taxas de SMR entre os doentes mentais graves devido a doenças somáticas.
  • O segundo são estudos que utilizam grandes bancos de dados de pacientes para avaliar o impacto dos antipsicóticos nas taxas de mortalidade entre pacientes sem diagnóstico psiquiátrico.
  • O terceiro são alguns estudos de coortes menores de pacientes psicóticos que avaliam se as variações no uso de antipsicóticos afetaram o risco de morte.

Excesso de mortes entre os doentes mentais graves devido a doenças somáticas

Em seus estudos, os pesquisadores publicaram taxas variáveis de SMR para pessoas com diagnóstico de esquizofrenia (ou doentes mentais graves) para mortalidade por todas as causas e para doenças específicas. O gráfico abaixo detalha as descobertas SMR a partir do seguinte:

  • O relatório de 2006 da Associação Nacional de Saúde dos Diretores Estaduais de Saúde Mental (Parks).
  • A meta-análise de 2007 realizada por pesquisadores australianos sobre mortalidade entre pacientes com esquizofrenia em 25 países (Saha).
  • Um relatório resumido de 2015 da Organização Mundial da Saúde sobre “excesso de mortalidade” nos doentes mentais graves (OMS). Artigo de 2015 que avaliou as taxas de mortalidade de 1,13 milhão de usuários do Medicaid diagnosticados com esquizofrenia, com idades entre 20 e 64 anos, de 2001 a 2007 (Olfson).

Dois desses estudos (Parks e Olfson) mapearam as taxas de SMR entre aqueles com esquizofrenia e os doentes mentais graves nos Estados Unidos. Dois outros traçaram taxas globais de SMR para esses grupos de diagnóstico. Todos os quatro descobriram que pacientes com doenças mentais graves, uma grande porcentagem dos quais são prescritos antipsicóticos, morrem de doenças somáticas com taxas de duas a cinco vezes a da população em geral.

O excesso de mortalidade devido a doenças somáticas entre os doentes mentais graves é frequentemente atribuído à “doença” ou a seus comportamentos prejudiciais à saúde, em oposição aos efeitos adversos dos antipsicóticos. No entanto, mesmo que os doentes mentais graves – independentemente de quaisquer efeitos do tratamento – sofram frequentemente de problemas de saúde física, os efeitos adversos dos antipsicóticos ainda podem contribuir para esse excesso de mortalidade.

Há um outro estudo que fornece informações sobre o excesso de mortalidade entre os doentes mentais graves devido a doenças somáticas.

Em um relatório de 2007, David Osborn e colegas avaliaram as taxas de SMR para doença cardíaca coronariana e derrame entre os doentes mentais graves no Reino Unido, em comparação com a população em geral. O excesso de mortalidade diminuiu conforme a idade, significando que o excesso de risco era particularmente pronunciado entre pacientes mais jovens.

Excesso de mortes entre todos os usuários de antipsicóticos

Nos estudos citados acima, que relatam morte precoce entre aqueles diagnosticados com esquizofrenia e doentes mentais graves, não houve avaliação do uso de antipsicóticos entre esses grupos. Os estudos simplesmente calcularam taxas de SMR para um grupo de diagnóstico sem levar em consideração o tratamento.

Em 2013, pesquisadores do Reino Unido levaram a cabo um grande estudo desenvolvido para avaliar a “mortalidade entre usuários de antipsicóticos em relação aos não usuários”. Eles utilizaram um banco de dados de registros computadorizados de quase 11 milhões de pacientes atendidos na atenção primária de 1995 a 2010 para identificar três grupos de pacientes:

  • Todos os usuários de antipsicóticos, independentemente de terem um diagnóstico psiquiátrico (N = 183.392)
  • Não usuários de antipsicóticos da população em geral (N = 544.726)
  • Não usuários de antipsicóticos que tiveram diagnóstico psiquiátrico de esquizofrenia, transtorno bipolar ou depressão (N = 193.920)

Primeiro, eles determinaram que as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia ou transtorno bipolar que não usavam antipsicóticos ainda morriam em uma taxa mais alta do que os não usuários na população em geral (SMR para esquizofrenia = 1,99; SMR para bipolar = 1,40.). No entanto, as SMRs para esses pacientes não medicados foram notavelmente mais baixas do que nos estudos de todos os pacientes nessas categorias de diagnóstico (por exemplo, estudos que incluíram aqueles que estavam tomando antipsicóticos).

Segundo, eles relataram que os usuários de antipsicóticos na população em geral tinham quase três vezes mais chances de morrer do que os não usuários na população em geral. Os pesquisadores publicaram SMRs “totalmente ajustadas”, o que significa que procuraram equalizar todos os fatores de risco nos dois grupos, exceto o uso de antipsicóticos.

Mortalidade por todas as causas: SMR = 2,72

Mortalidade cardíaca: SMR = 1,83

Morte cardíaca súbita: SMR = 4,03

Terceiro, os pesquisadores compararam os não usuários de drogas psiquiátricas com diagnóstico psiquiátrico aos usuários da população em geral. Esta é uma comparação entre dois grupos desiguais na linha de base: aqueles com diagnóstico psiquiátrico eram mais propensos a morrer. No entanto, foram os usuários de antipsicóticos na população em geral que apresentaram maiores taxas de mortalidade.

Mortalidade por todas as causas: SMR = 1,75

Mortalidade cardíaca: RMS = 1,72

Morte cardíaca súbita: SMR = 5,76

Como parte dessa terceira comparação, eles também relataram as taxas de mortalidade para os usuários de drogas psiquiátricas na população em geral, em comparação com os não usuários dessas drogas, por idade. Isso revelou que a mortalidade elevada para usuários de antipsicóticos é mais pronunciada entre os menores de 30 anos e diminui depois disso.

O estudo do Reino Unido, com suas várias comparações, fornece evidências de que os antipsicóticos elevam a mortalidade em pacientes psiquiátricos e não psiquiátricos. O risco é tão grande que os usuários do público em geral morrem a taxas mais altas do que os não usuários de drogas psiquiátricas que tenham um diagnóstico psiquiátrico.

Existem inúmeros outros estudos que avaliaram o impacto dos antipsicóticos nas taxas de mortalidade em pacientes não psiquiátricos – idosos; aqueles com demência, Parkinson e DPOC; pacientes do hospital geral, beneficiários do Medicaid, adolescentes e crianças. Com grande regularidade, os pesquisadores relatam que os antipsicóticos elevam as SMRs para mortalidade por todas as causas e doenças cardíacas.

Aqui está um resumo dos achados mais notáveis:

  • De acordo com uma meta-análise de 2018, entre pacientes com demência os antipsicóticos dobram o risco de morrer.
  • Em um estudo de 2016 com 15.000 veteranos tratados para Parkinson, aqueles que foram tratados com antipsicóticos tinham duas vezes mais chances de morrer em seis meses (SMR = 2,35).
  • Um estudo de 2009 com 275.000 inscritos no Medicaid no Tennessee descobriu que usuários de antipsicóticos que não tinham histórico de esquizofrenia ou outro distúrbio psicótico, em comparação com um grupo parecido de não usuários, tinham duas vezes mais chances de morrer de morte cardíaca súbita.
  • Um estudo de 2019 com 190.000 crianças e jovens no Tennessee, com idades entre 5 e 24 anos, determinou que a mortalidade por todas as causas para aqueles tratados com antipsicóticos era quase o dobro de um grupo parecido que não usava antipsicóticos (SMR = 1,80).

Em uma revisão de 2018 da literatura, os investigadores australianos resumiram os resultados. Os antipsicóticos aumentam as taxas de mortalidade em todos os grupos de pacientes. A “mortalidade por todas as causas de pacientes com medicamentos antipsicóticos prescritos é quase duas”, eles escreveram, acrescentando que o “risco elevado de mortalidade é mais alto” nos primeiros 180 dias de uso e está relacionado à dose. Essa descoberta levou os pesquisadores a emitir a seguinte recomendação:

“Esta é a primeira metanálise a incluir evidências de estudos gerais de saúde mental que mostram que os antipsicóticos precipitam a mortalidade excessiva em todo o espectro. A prescrição de medicamentos antipsicóticos para demência ou para outros cuidados de saúde mental deve ser evitada e devem ser buscados meios alternativos para lidar com distúrbios comportamentais desses pacientes. ”

Excesso de mortalidade em coortes de pacientes psicóticos

Os estudos acima se basearam em grandes bancos de dados de prontuários, que poderiam ser utilizados para calcular SMRs em pacientes agrupados de acordo com o diagnóstico ou uso de antipsicóticos. Houve um punhado de estudos de pequenas coortes de pacientes psicóticos que avaliaram se as variações no uso de antipsicóticos afetavam seu risco de morrer.

Em um estudo prospectivo de 88 pacientes com esquizofrenia crônica na Irlanda, com idade média de 62 anos, John Waddington e colegas relataram que 44% morreram nos próximos 10 anos. Dois terços morreram de doenças cardiovasculares ou respiratórias. Os pesquisadores irlandeses concluíram que “quanto maior o número de antipsicóticos administrados simultaneamente, menor a sobrevida do paciente”.

Em 1978, investigadores finlandeses liderados por Matti Joukamaa começaram a seguir um grupo de 99 pacientes com esquizofrenia que tinham, na época, todos, 30 anos ou mais. No começo do estudo, 20 dos 99 não estavam tomando antipsicóticos, 31 estavam tomando um antipsicótico, 34 estavam tomando dois antipsicóticos e 14 estavam tomando três ou mais.

Nos 17 anos seguintes, 39 dos 99 morreram. As taxas de mortalidade para os pacientes aumentavam com cada passo dado na progressão antipsicótica. As SMRs para esses grupos de pacientes, comparadas às taxas de mortalidade na população em geral (pareadas por idade e sexo), foram as seguintes:

Sem antipsicóticos: SMR = 1,29

Um antipsicótico: SMR = 2,97

Dois antipsicóticos: SMR = 3,21

Três ou mais antipsicóticos: SMR = 6,83

Joukamaa escreveu:

“O presente estudo demonstrou uma relação gradual entre o número de medicamentos neurolépticos prescritos e a mortalidade daqueles com esquizofrenia. Essa relação e o excesso de mortalidade entre pessoas com esquizofrenia não puderam ser explicados por doenças somáticas coexistentes ou por outros fatores de risco conhecidos para morte prematura. ”

Um terceiro estudo de coorte fornece uma comparação das taxas de mortalidade para pacientes psicóticos do primeiro episódio tratados com terapia de Diálogo Aberto na Lapônia Ocidental ou com tratamento convencional em outras partes da Finlândia. O Diálogo Aberto limita o uso imediato e a longo prazo de antipsicóticos e, portanto, este estudo fornece uma comparação entre dois paradigmas diferentes de atendimento.

No final de 19 anos, apenas 55% dos 113 do grupo do Open Dialogue já haviam sido expostos a antipsicóticos e apenas 36% usavam antipsicóticos. Por outro lado, 97% dos 1.763 pacientes no grupo de comparação foram expostos a antipsicóticos e 81% usaram os medicamentos no final do período do estudo. Onze da coorte Open Dialogue morreram (10%) durante a extensão do follow-up, enquanto 296 na coorte tratada convencionalmente morreram (17%).

O tamanho da amostra nesta comparação foi muito pequeno para que essas taxas de mortalidade fossem estatisticamente significativas. No entanto, como pode ser visto no gráfico abaixo, as taxas de mortalidade foram menores no grupo com menor exposição a antipsicóticos.

Suicídio na Era Antipsicótica

O suicídio e os acidentes representam até 40% da mortalidade precoce entre os doentes mentais graves (e uma porcentagem maior de todas as mortes no primeiro ano após o diagnóstico inicial). Para os propósitos desta revisão, o primeiro fato a ser observado é o seguinte: as taxas de suicídio entre os doentes mentais graves aumentaram acentuadamente após a chegada de antipsicóticos na medicina de asilo em meados da década de 1950.

Embora seja comum afirmar que a taxa de suicídio ao longo da vida para pacientes com esquizofrenia hoje é de 10%, com algumas fontes afirmando que há muito tempo é assim, o psiquiatra irlandês David Healy, em uma revisão da literatura, chegou a uma conclusão um pouco diferente. A melhor evidência mostra que está perto de 4%, ainda quatro vezes maior do que era antes de 1955. “A melhor estimativa para a taxa de suicídio ao longo da vida de pacientes com esquizofrenia na era pré-comunitária é da ordem de 1 % ou menos”, escreveu ele.

Um relatório australiano de 2002 da SANE concluiu da mesma forma que “a taxa de suicídios aumentou acentuadamente desde o início da desinstitucionalização – hoje é pelo menos quatro vezes maior do que nos estudos do período de 1913 a 1960”.

Um grande estudo de veteranos dos EUA hospitalizados entre 1950 e 1975 descobriu que esse aumento no suicídio aconteceu em conjunto com a introdução dos antipsicóticos. De 1950 a 1955, a taxa de suicídio para aqueles com condições “neuropsiquiátricas” era comparável à taxa para aqueles com condições médicas gerais. No entanto, nas próximas duas décadas, houve “um aumento de 8 vezes no suicídio entre pacientes neuropsiquiátricos em comparação com pacientes clínicos em geral”, escreveu Healy em sua revisão de 2006.

As razões para esse aumento no suicídio são entendidas como multifatoriais (e não apenas devido aos possíveis efeitos diretos dos antipsicóticos). Uma ideia é que o atendimento em asilo era protetor contra o suicídio, e que a maior taxa de suicídio hoje seria uma consequência da desinstitucionalização, com os doentes mentais graves sendo mal atendidos pelos serviços comunitários disponíveis.

No entanto, Healy e outros apontaram os antipsicóticos como um possível fator contribuinte. Seu uso apresenta três tipos de riscos relacionados ao suicídio: efeitos adversos dos medicamentos que podem induzir o comportamento suicida; sintomas de abstinência de medicamentos que surgem quando as pessoas param de tomar um antipsicótico; e, para muitos, o desespero que acompanha esse paradigma de cuidado.

Acatisia induzida por drogas

É sabido que os antipsicóticos podem induzir acatisia, uma intensa agitação interna associada a um risco aumentado de suicídio e violência. A quarta edição do DSM, publicada em 1994, afirmou que a acatisia induzida por drogas era um efeito adverso comum às drogas, que poderia levar ao suicídio:

“O sofrimento subjetivo resultante da acatisia é significativo e pode levar à não adesão ao tratamento neuroléptico. A acatisia pode estar associada à disforia, irritabilidade, agressão ou às tentativas de suicídio. . . A prevalência relatada de acatisia entre indivíduos que recebem medicação neuroléptica tem variado amplamente (20% -75%).”

Mais recentemente, um estudo alemão de 289 pacientes psicóticos do primeiro episódio tratados com haloperidol ou risperidona descobriu que “a ideação suicida estava significativamente associada à acatisia observada na clínica, ao humor deprimido, à idade mais jovem e ao uso de propranolol”, com este último medicamento prescrito para o tratamento da acatisia.

Embora se saiba que os antipsicóticos de primeira geração induzem regulamente a acatisia, a segunda geração, embora considerada menos problemática a esse respeito, ainda induz a acatisia em 15% a 35% dos pacientes.

Riscos de abstinência

Muitos pacientes psicóticos tratados com antipsicóticos no hospital – e isso é particularmente verdade para pacientes em primeiro episódio – param de tomar seus remédios assim que recebem alta. Outros podem permanecer nos remédios por um tempo e parar abruptamente de tomá-los. Após alguns anos após o diagnóstico inicial, a maioria dos pacientes tentou deixar de tomar o antipsicótico prescrito.

Esse padrão de “descontinuação” expõe os pacientes psicóticos aos rigores dos sintomas de abstinência, que é um risco que não é natural à “doença”. A lista de possíveis sintomas de abstinência é longa, incluindo risco de recaída psicótica grave e acatisia recém-emergente e que podem persistir por longos períodos de tempo.

Um ambiente terapêutico deprimente

Os pacientes psicóticos do primeiro episódio entram em um ambiente terapêutico que, para muitos, é profundamente deprimente e isolador. As pessoas são informadas regularmente de que têm doenças crônicas e que talvez precisem tomar um remédio para sempre – um antipsicótico – que acham que as privam de sua capacidade de sentir e interagir emocionalmente com o mundo. No entanto, aqueles que se recusam a tomar um antipsicótico provavelmente se encontrarão em conflito com as demandas da família e da sociedade. Eles são condenados se sentem condenados tanto tomando quando deixando de tomar os antipsicóticos.

Esses são os três riscos relacionados ao suicídio colocados por um paradigma de atendimento baseado em antipsicóticos. E estudos com pacientes do primeiro episódio relatam regularmente que o risco de mortalidade e de morte por suicídio aumenta nos 12 meses após a primeira hospitalização.

Por exemplo, em um estudo dinamarquês de 9.156 pacientes com esquizofrenia hospitalizados para um primeiro episódio de psicose entre 1970 e 1987, a taxa de suicídio entre menores de 30 anos foi 200 vezes maior do que no público em geral.

Da mesma forma, um grande estudo nos EUA com 5.488 pacientes de um plano de saúde, em seu primeiro episódio, descobriu que a mortalidade por todas as causas durante o primeiro ano era 24 vezes a taxa para a população em geral, com quase 2% morrendo durante esse período. Mais de 60% desse grupo do primeiro episódio nunca seguiu a prescrição de uso de um antipsicótico após a alta hospitalar e, portanto, a maioria experimentou os riscos decorrentes da retirada abrupta de um antipsicótico.

É fácil ver que o impacto dos antipsicóticos nas taxas de suicídio em pacientes com psicose no primeiro episódio pode ser interpretado de duas maneiras diferentes.

Um método comum é o seguinte: os pesquisadores podem comparar as taxas de suicídio entre os pacientes do primeiro episódio que mantêm seus antipsicóticos com aqueles que param de tomá-los, e se a taxa de suicídio for maior no último grupo, os pesquisadores poderão concluir que os medicamentos são protetores contra o suicídio.

Um segundo método é analisar a taxa de suicídio para toda a coorte de pacientes do primeiro episódio durante o ano seguinte à alta. Essa abordagem fornece informações sobre o risco de suicídio em um paradigma de atendimento baseado em drogas, e a pesquisa revisada aqui revela dois fatos relevantes:

  1. As taxas de suicídio para aqueles diagnosticados com esquizofrenia e outros transtornos psicóticos são muito mais altas hoje do que na era pré-antipsicótica.
  2. As taxas de suicídio atingem alturas extremas em adultos jovens que sofrem de um primeiro episódio de psicose e que entram neste mundo de tratamento centrado em antipsicóticos.

Resumindo as evidências de que os antipsicóticos contribuem para a morte precoce

Como pode ser visto na pesquisa resumida até este ponto, existem razões convincentes para concluir que esses medicamentos contribuem para a morte precoce. A saber:

  • Tanto os antipsicóticos de primeira quanto os de segunda geração causam efeitos adversos conhecidos por aumentar o risco de morte por doenças cardíacas, respiratórias e endócrinas.
  • Usuários psiquiátricos de antipsicóticos morrem em altas taxas por essas doenças somáticas.
  • Pacientes não psiquiátricos que usam esses medicamentos também morrem a taxas elevadas por essas doenças.
  • Nos pacientes psiquiátricos e não psiquiátricos, o uso de antipsicóticos duplica o risco de morte em comparação com as coortes correspondentes de pacientes que não tomam os medicamentos.
  • Estudos de coortes menores de pacientes com esquizofrenia descobriram que o uso de antipsicóticos está associado a taxas elevadas de morte, com esse risco aumentando com doses mais altas e com a polifarmácia.
  • As taxas de suicídio para pacientes diagnosticados com esquizofrenia são dramaticamente mais altas na era antipsicótica do que na era pré-antipsicótica, e esse risco aumenta durante o primeiro ano após o tratamento inicial com um antipsicótico feito no hospital.

Com essa evidência em mente, agora podemos examinar a pesquisa que está sendo citada hoje como evidência de que esses medicamentos reduzem a mortalidade e prolongam a vida.

Parte II: A evidência de que os antipsicóticos reduzem a mortalidade

A pesquisa mais citada como evidência de que os antipsicóticos reduzem a mortalidade veio de um grupo de pesquisadores finlandeses liderados por Jari Tiihonen. Desde 2006, ele e seus colaboradores publicaram pelo menos sete estudos de várias coortes de pacientes com conclusões para aquele efeito.

Embora essa pesquisa tenha sido financiada por fontes não farmacêuticas, Tiihonen tem vínculos com inúmeras empresas farmacêuticas e fabricantes de antipsicóticos. Em um artigo de 2015, ele revelou que “atuou como consultor, assessor ou palestrante da Astra-Zeneca, Bristol-Myers Squibb, Eli Lilly, GlaxoSmithKline, Hoffman-La Roche, Janssen-Cilag, Lundbeck, Novartis, Organon, Otsuka e Pfizer”.

A pesquisa finlandesa baseia-se na extração de informações de três bancos de dados. O primeiro é um registro nacional de pacientes hospitalizados na Finlândia, datado de 1965, que fornece um diagnóstico dado a todos os pacientes. O segundo é um registro nacional de todas as prescrições ambulatoriais de medicamentos desde 1º de janeiro de 1996, com cada prescrição vinculada a um indivíduo específico por um número de identificação. O terceiro é um registro nacional de óbitos.

Esses três bancos de dados permitem que Tiihonen e colegas identifiquem todos os residentes finlandeses diagnosticados com esquizofrenia ou alguma outra condição psicótica desde 1965, que acompanhem as prescrições antipsicóticas que foram compradas desde 1996 enquanto moravam na comunidade e que avaliem se ainda estão vivos ou não, a data e a causa listada da morte.

Em seus estudos, as prescrições ambulatoriais servem como proxy para o uso de medicamentos. Se um paciente que recebe alta preenche a prescrição de um antipsicótico durante um mês (ou período durante o qual um medicamento deve ser reabastecido), essa pessoa é considerada como “medicada” naquele período. Se um paciente que recebeu alta não aderiu a uma receita por um período de 30 dias, a pessoa é considerada sem medicação nesse período.

Com essas informações, o grupo de Tiihonen é capaz de projetar estudos retrospectivos que calculam os riscos de mortalidade em um grupo selecionado de pacientes relacionados ao seu status de medicação. É mais provável que os pacientes morram durante meses sem medicação ou durante os meses em que aderiu a uma receita (e, portanto, são considerados sob medicação)? Como as taxas de mortalidade variam de acordo com o uso cumulativo de antipsicóticos pelos pacientes por períodos mais longos?

Existem várias questões metodológicas nesta pesquisa que precisam ser entendidas para avaliar seus méritos.

Uso de Medicamentos

A pesquisa finlandesa usa “prescrições ambulatoriais” como proxy para o uso de antipsicóticos. No entanto, como esse banco de dados não existia antes de 1996, não há avaliação do uso de antipsicóticos antes dessa data. Por exemplo, uma pessoa diagnosticada em 1965 poderia haver tomado antipsicóticos por até 30 anos e sofrido muitos efeitos adversos à saúde e, no entanto, se essa pessoa parasse de tomar os remédios antes de 1996, ela seria contada como um “não usuário ”de antipsicóticos nesses estudos. O uso de antipsicóticos durante as internações também não é registrado e, como a maioria das mortes ocorre em tais locais, esse é um segundo buraco negro nesta pesquisa.

Viés de sobrevivência

Em um dos estudos examinados abaixo, Tiihonen acompanhou pessoas diagnosticadas com esquizofrenia por até 11 anos, a partir de 1996. No entanto, a idade média dessa coorte na entrada neste estudo foi de 51 anos. Dada essa idade média, este é um estudo de mortalidade em um grupo que “sobreviveu” ao tratamento por vários anos e que, portanto, não é representativo da população maior de pacientes diagnosticados e tratados antes de 1996.

Por exemplo, imagine que houvesse 100 pessoas nascidas na Finlândia em 1945 que posteriormente foram diagnosticadas com esquizofrenia e que 50 desse grupo haviam morrido antes de 1996. Os 50 ainda vivos são um subgrupo que aparentemente tolerou o tratamento razoavelmente bem. Nos estudos finlandeses que incluem indivíduos diagnosticados antes de 1996, nada dessa mortalidade precoce é contabilizada. Em vez disso, os pesquisadores estão estudando as taxas de mortalidade em um subgrupo de “sobreviventes”, o que poderia influenciar os resultados.

Em suas publicações mais recentes, os investigadores finlandeses afirmam que fizeram ajustes para dar conta desse viés de sobrevivência, embora não descrevam quais informações costumavam fazer.

Taxas de Mortalidade Pessoa-Ano

Em seus trabalhos, Tiihonen e colegas frequentemente relatam taxas de mortalidade com base em “anos-pessoa” do tempo coletivo em que os pacientes passaram com ou sem medicação. Em estudos não randomizados, esse método costuma causar resultados distorcidos, principalmente se se espera que um grupo acumule muito mais “pessoas-ano” do que o outro.

Por exemplo, imagine um indivíduo com diagnóstico de esquizofrenia que, nos primeiros cinco anos de um estudo, esteja em uso de medicamentos antipsicóticos e vivo no final desse período. São cinco “anos-pessoa” de sobrevivência no antipsicótico. Agora essa mesma pessoa sai do remédio e morre um ano depois. Essa é uma morte em “uma pessoa-ano” sem medicação. Assim, essa pessoa fornece cinco “anos-pessoa” de sobrevivência com a droga (para a equação total de “anos-pessoa”) e adiciona uma morte por ano ao grupo que não utiliza antipsicóticos. Agora imagine uma segunda pessoa em uso de antipsicóticos por seis anos e morrendo no final desse sexto ano em uso de antipsicóticos. Quando se calcula as taxas de mortalidade por pessoa / ano dessas duas pessoas, se acaba da seguinte forma:

1 morte por 11 “pessoas-ano” em uso de drogas

1 morte por 1 “pessoa-ano” sem uso de drogas

Assim, nesse cálculo de pessoas-ano, a taxa de mortalidade é 11 vezes maior para o grupo sem uso de drogas, embora, durante o estudo, uma pessoa tenha morrido sem medicação e outra tenha morrido enquanto tomava um antipsicótico.

O uso de pessoas-ano é particularmente inadequado para avaliar as taxas de mortalidade em pacientes com psicose de primeiro episódio. Quase todos os pacientes psicóticos são tratados com antipsicóticos no hospital e, portanto, o medidor de pessoas / ano para o grupo que usa drogas começa a funcionar no instante em que os pacientes recebem alta do hospital. Por outro lado, o medidor de pessoas / ano para o grupo sem drogas começa a correr em um ritmo muito mais lento, pois só começa quando as pessoas param de tomar as drogas. O fato de o paradigma predominante de atendimento enfatizar o uso contínuo dos medicamentos também ajudará o medidor de drogas a continuar funcionando a uma taxa muito mais rápida do que o medidor de drogas não medicamentosas.

Uma taxa de mortalidade é calculada dividindo-se o número de mortes pelo número de pessoas-ano e, portanto, quanto maior o número de pessoas-ano, menor a taxa de mortalidade.

Além disso, os pacientes do primeiro episódio que recebem alta do hospital e param de tomar seus medicamentos são então empurrados para um estado de abstinência, que é conhecido por colocá-los em alto risco de suicídio e acidentes. Provavelmente, isso aumentará o número de mortes no grupo sem medicação e, portanto, produzirá um cálculo da taxa de mortalidade para o grupo sem medicação, que consiste em um número elevado de mortes devido a riscos de abstinência de drogas e um baixo número de pessoas-ano devido a práticas de prescrição. É um método destinado a produzir uma taxa de mortalidade desfavorável para pacientes do primeiro episódio que param de tomar seus medicamentos antipsicóticos durante o primeiro ano.

Relatos dos resultados enquanto “riscos relativos”

Os investigadores finlandeses relatam regularmente “risco relativo” de morte como resultado primário (em vez de número absoluto de mortes). Por exemplo, eles podem relatar que pacientes sem uso de antipsicóticos por um período de tempo morreram 1,5 vezes a taxa daqueles que tomavam continuamente esses medicamentos. No entanto, para que “riscos relativos” sejam significativos, é necessário comparar os resultados em populações semelhantes (idade, gravidade da doença etc.), e, como esses estudos não são randomizados, pode haver diferenças notáveis entre os grupos fora e com medicação.

Em seus artigos publicados, Tiihonen e seus colegas afirmam que fizeram vários ajustes estatísticos para explicar as desigualdades nos grupos que estão sendo comparados, mas que não fornecem informações sobre quais são as desigualdades da linha de base. Assim, os leitores ficam com um resultado “confie em nós”. Não há como saber se os resultados de “risco relativo” estão comparando a mortalidade em “grupos semelhantes”, e muitas vezes Tiihonen e colegas nem sequer fornecem o número real de mortes em cada grupo. Os leitores são simplesmente informados de que um grupo tem maior probabilidade de morrer do que o outro.

Mortalidade dentro de um paradigma de atenção centrado nas drogas

O maior problema com os estudos de banco de dados – uma falha fatal, alguém poderia argumentar – é que todos esses dados são de pacientes tratados dentro de um paradigma de atendimento centrado em drogas.

Para acessar verdadeiramente o impacto dos antipsicóticos nas taxas de mortalidade, seria necessário comparar as taxas de mortalidade dos pacientes psicóticos em primeiro episódio tratados sob diferentes paradigmas de atendimento: um que enfatizasse o uso de antipsicóticos desde o início e outro que evitasse o uso inicial do medicamento e que minimizasse seu uso a longo prazo. O estudo do Diálogo Aberto acima fornece a primeira dica dessa comparação.

No entanto, exceto na região da Lapônia, os psiquiatras finlandeses prescrevem regularmente antipsicóticos a seus pacientes psicóticos. Noventa e sete por cento de todos os pacientes finlandeses com diagnóstico de esquizofrenia são expostos a antipsicóticos, e a prática usual é manter os pacientes diagnosticados com esses medicamentos. Esse paradigma de atendimento apresenta riscos relacionados a antipsicóticos, tanto para quem permanece no medicamento a longo prazo quanto para os que deixam de tomar.

Aqueles que permanecem podem sofrer os muitos efeitos adversos dos antipsicóticos, conforme detalhado na primeira metade deste relatório. Mas aqueles que param de tomar antipsicóticos continuam a sofrer uma infinidade de riscos relacionados a drogas:

  • Eles podem continuar sofrendo de problemas cardiovasculares e de outros problemas de saúde decorrentes da exposição aos medicamentos. Obesidade, diabetes e outras anormalidades metabólicas não desaparecem após a interrupção do medicamento.
  • Eles provavelmente sofrerão sintomas de abstinência – físicos, emocionais e psiquiátricos – que aumentam o risco de suicídio. A acatisia emergente pode persistir por meses e até indefinidamente.
  • Eles podem experimentar a reprovação social – e a falta de apoio social – que costuma ocorrer aos que interrompem os antipsicóticos e tendo sido diagnosticados com esquizofrenia.

No entanto, com a metodologia empregada na pesquisa finlandesa (e em pesquisas similares), todos esses riscos de mortalidade, que surgem dentro de um paradigma de atendimento centrado em drogas, são considerados riscos por estarem “sem medicação”. Todo o exercício repousa sobre uma base do faz de conta, que é o momento em que uma pessoa deixa de seguir o prescrito, quando os riscos devidos à exposição prévia aos medicamentos desaparecem magicamente.

Com essas ressalvas, aqui estão os resumos de seus relatórios mais influentes.

Estudos com a população em geral

  1. “11-year follow-up mortality in patients with schizophrenia: a population-based study” (2009)

Este estudo, mais do que qualquer outro, levou à alegação agora comum de que os antipsicóticos reduzem a mortalidade. Os pesquisadores identificaram 66.881 pessoas que foram internadas em um hospital com diagnóstico de esquizofrenia de 1973 a 2004 e avaliaram o uso de medicamentos – a partir de 1996, com base no registro de prescrição ambulatorial – por até 11 anos. Eles concluíram que “a exposição a longo prazo a qualquer tratamento antipsicótico foi associada a menor mortalidade do que o uso de drogas”.

Suas descobertas foram resumidas neste gráfico, que mostra que aqueles que tomaram antipsicóticos por dois anos ou mais eram menos propensos a morrer do que aqueles que tiveram algum antipsicótico prescrito durante o estudo.

As questões metodológicas discutidas anteriormente estão em exibição aqui. Não há informações sobre o uso de medicamentos antes de 1996 ou no hospital, mesmo com a idade média dos pacientes de 51 anos. Não há informações sobre o uso de medicamentos no hospital, mesmo que 64% de todas as mortes tenham ocorrido no hospital. Com uma população tão velha (em média), há um óbvio viés de sobrevivência.

Os anos-pessoa são usados para calcular as taxas de mortalidade. Os resultados são apresentados como riscos relativos. Há muito poucos dados sobre o número de pacientes em cada um dos grupos de uso e nada sobre como os grupos podem ter diferido. E assim por diante.

Tudo o que os leitores podem realmente saber é que os pesquisadores classificaram as informações em seus três bancos de dados, realizaram vários ajustes estatísticos e, voilà, produziram resultados que informavam como os pacientes que usavam drogas pela maior parte dos 11 anos tinham menos probabilidade de morrem do que aqueles que não usaram as drogas.

Agora, dado que antipsicóticos são prescritos regularmente para pacientes com esquizofrenia, a primeira pergunta que se coloca é a seguinte: Qual é a composição desse grande grupo de pacientes que não usaram antipsicóticos durante os 11 anos de acompanhamento e ainda morreram em altas taxas? Se você ler atentamente o estudo, descobrirá que havia 18.914 indivíduos naquele grupo “sem uso”, dos quais 8.277 morreram nos 11 anos.

Tiihonen e colegas especulam que a coorte de não usuários era composta de dois tipos: os 20% dos pacientes com esquizofrenia se saíram bem sem antipsicóticos, e os pacientes crônicos que recaem com frequência e têm repetidas admissões hospitalares, mas que não tomam medicamentos após a alta.

No entanto, essa especulação não corresponde a uma grande população de “não usuários” que poderiam morrer a taxas elevadas. Os “20%” que se saem bem com antipsicóticos são um grupo com taxas de incapacidade mais baixas do que a norma para pacientes com esquizofrenia, e os estudos encontram regularmente taxas de menor mortalidade entre aqueles que não têm deficiência. Quanto aos pacientes crônicos com hospitalizações frequentes, eles seriam expostos a antipsicóticos no hospital e, portanto, não deveriam ser classificados como “não usuários”.

Há uma pista nos “ajustes” da “taxa de taxa bruta” que produzem os “índices de risco ajustados”. Os ajustes revelam que os não usuários, no início do estudo, estavam em maior risco de morrer do que os outros grupos, o que é quase certamente devido ao fato de essa coorte ser uma população muito mais velha que os outros.

Os autores deste estudo, no interesse da transparência, deveriam ter fornecido aos leitores essas informações sobre diferenças de idade. Mas é o que está faltando.

Há outro aspecto, mais notório, neste estudo. Em sua discussão, Tiihonen escreveu que nossas descobertas “indicam que o uso a longo prazo está associado a menor mortalidade do que o não uso ou o uso a curto prazo”.

Seus próprios dados mostram que isso não é verdade. A menor taxa de mortalidade neste estudo foi, na verdade, entre aqueles que tiveram de zero a seis meses de exposição a antipsicóticos durante um período de 11 anos, ou seja, um grupo que quase não usava os medicamentos. Isso é evidente em seu próprio gráfico de resultados (acima).

De fato, se eles tivessem decidido usar esse grupo de baixa exposição – 0 a 6 meses de uso – como o grupo de referência, em vez da coorte “sem uso”, eles teriam relatado que aqueles com 7 a 11 anos de exposição cumulativa aos antipsicóticos apresentaram uma taxa de mortalidade 65% maior.

A tabela abaixo detalha o risco relativo de morte para todos os grupos com seis meses ou mais de exposição a antipsicóticos, em comparação com o grupo que usou os medicamentos por menos de seis meses.

Com os dados apresentados dessa maneira, não há uma conclusão clara a ser tirada sobre o impacto dos antipsicóticos na mortalidade. As taxas de mortalidade são realmente altas para aqueles com apenas seis meses a dois anos de exposição. Por que? Ao mesmo tempo, por que a exposição de 0 a seis meses – quase nenhuma exposição ao longo de um período de 11 anos – produziria a menor taxa de mortalidade?

Esse é o tipo de perguntas levantadas por este estudo. E dado que o padrão de atendimento é manter os pacientes com esquizofrenia em uso de antipsicóticos, eis a conclusão desafiadora de paradigma que Tiihonen e seus colegas poderiam ter escrito: “Descobrimos que a menor mortalidade ocorreu em pacientes com esquizofrenia que, durante um período de 11 anos, usaram antipsicóticos por um período muito curto – seis meses ou menos “.

  1. “20-year follow-up study of physical morbidity and mortality in relationship to antipsychotic treatment in a nationwide cohort of 62,250 patients with schizophrenia” (2020).

Este estudo, de várias maneiras, é uma atualização para o estudo de 2009. Porém, em vez de relatar taxas de mortalidade com base no uso cumulativo de antipsicóticos por um período mais longo, ele se concentra na mortalidade relacionada ao uso/não-uso de antipsicóticos.

Tiihonen e colegas analisaram o uso de antipsicóticos de 1996 a 2015 para todos os adultos finlandeses diagnosticados com esquizofrenia e tratados em um hospital entre 1972 e 2014 (N = 62.250). Eles relataram que o risco de morte por “todas as causas” mais do que duplicou durante os períodos sem antipsicóticos e que a mortalidade cardiovascular também aumentou quando eles não estavam cumprindo com as suas prescrições antipsicóticas.

Os mesmos problemas metodológicos estão presentes neste estudo e no de 2009. Existe um desconhecimento sobre o uso de antipsicóticos antes de 1996 e no hospital, anos-pessoa são utilizados para calcular as taxas de mortalidade e relatos de riscos relativos. Os pesquisadores afirmam que fizeram ajustes para levar em conta o viés de “sobrevivência”, mas não explicam como o fizeram.

No entanto, se você ler atentamente o relatório, poderá encontrar os números que os pesquisadores usaram para apresentar suas descobertas de “risco relativo”. E então você pode fazer uma segunda rodada de cálculos que revele totalmente o truque estatístico presente neste estudo.

No início do estudo, a idade média dos pacientes era de 46 anos. Durante um acompanhamento médio de 14,1 anos, 13.899 dos 62.250 pacientes morreram (22%). 8.264 morreram com antipsicóticos em uso e 5.635 sem uso de antipsicóticos.

Assim, 59% das mortes ocorreram em pessoas que estavam respeitando suas prescrições. No entanto, os pesquisadores concluíram que o risco  de morrer “de todas as causas” para os pacientes enquanto tomavam medicação era 0,48 – menos da metade – do risco quando os pacientes estavam sem medicação.

Então, de onde veio esse número de 0,48?

Se você faz as contas, descobre que isso foi possível pelo uso de “pessoa / ano” para calcular as taxas de mortalidade para cada grupo.

Em medicação: 577.417 pessoas-ano divididas por 8.264 mortes = 1 morte para cada 70 pessoas-ano.

Sem medicação: 187.773 pessoas-ano divididas por 5.635 mortes = 1 morte para cada 33 pessoas-ano.

O leitor precisa fazer sua própria divisão rápida dos dados brutos de mortalidade para ver essa proporção. Que mostra como, com os cálculos de “pessoa / ano”, os pesquisadores transformaram dados que mostravam mais mortes enquanto as pessoas usavam um antipsicótico em uma descoberta de “risco relativo” do que indicava a proteção dos antipsicóticos contra a morte precoce.

Em seguida, vem o gráfico “bottom line”, que transforma os cálculos de pessoa-ano em um visual que conta poderosamente como os antipsicóticos ajudam os pacientes com esquizofrenia a viver vidas mais longas. O gráfico mostra que os antipsicóticos melhoram as taxas de sobrevivência em um ritmo constante, ano após ano.

O gráfico afirma que descreve a taxa de sobrevivência daqueles que usaram antipsicóticos neste estudo versus aqueles que “não usaram nenhum”. Como tal, era de esperar que os leitores assumissem que havia um grupo neste estudo que nunca usava antipsicóticos nos últimos 20 anos e que 46% desses “não usuários” morreram.

Nada disso aconteceu no estudo.

Aqui está como o grupo de Tiihonen criou este gráfico. Se a taxa de mortalidade durante períodos antipsicóticos fosse de 1 em cada 33 pessoas-ano, teoricamente, se houvesse 100 pacientes na linha de base que não usavam antipsicóticos, haveria 97 desse grupo vivo no final de um ano . Se você continuar aplicando essa taxa de mortalidade anual de 1 em 33 pelos próximos 19 anos, apenas 54 dos 100 estariam vivos no final de 20 anos (e 46 estariam mortos).

Ao mesmo tempo, se a taxa de mortalidade durante os períodos antipsicóticos fosse de uma em cada 70 pessoas-ano, se houvesse 100 pacientes na linha de base que usavam antipsicóticos, haveria 98,5 vivos no final de um ano e com essa taxa de mortalidade anual, 74 dos 100 estariam vivos ao final de 20 anos (e 26 estariam mortos).

Os pesquisadores não descrevem nenhum desses cálculos. E, é claro, não há nenhum grupo no estudo identificado como tendo tomado antipsicóticos continuamente por 20 anos. Também não há nenhum grupo identificado como nunca tendo tomado antipsicóticos durante esse período.

O gráfico é melhor descrito como uma miragem estatística. Mas é poderoso. Você vê o gráfico e vê que os antipsicóticos melhoraram constantemente as taxas de sobrevivência de pacientes com esquizofrenia ao longo de duas décadas de uso. É um gráfico que, aos olhos e à mente, informa imediatamente sobre o tratamento medicamentoso que “funciona” a longo prazo.

Os pesquisadores também relataram que os antipsicóticos reduziram a mortalidade “cardiovascular”, com um risco relativo de 0,62 em comparação aos períodos de “não uso”. Se se acredita neste estudo, os próprios medicamentos que na população em geral dobram o risco de mortalidade cardiovascular são protetores contra esse risco em pessoas diagnosticadas com esquizofrenia.

Estudo do primeiro episódio

  1. “Effectiveness of antipsychotic treatments in a nationwide cohort of patients in community care after first hospitalisation due to schizophrenia and schizoaffective disorder: observational follow-up study” (2006).

Este foi um estudo de 2.230 adultos hospitalizados para um primeiro episódio de esquizofrenia de 1995 a 2001, com o uso de prescrição – de acordo com os investigadores – mapeados desde o momento da alta inicial.

O primeiro problema com este estudo é sutil. Embora o grupo de Tiihonen afirme que traçou o cumprimento das prescrições para todos os pacientes desde o momento da alta, isso não pode ser verdade para os diagnosticados em 1995. Como afirmam em outros estudos, esse banco de dados de prescrição de pacientes ambulatoriais remonta a até 1996 e, portanto, o uso de medicamentos em 1995 – o primeiro ano para aqueles diagnosticados em 1995 – seria desconhecido. Mas esse detalhe, que o banco de dados de prescrição só voltou a 1996, não é revelado nesta publicação.

Neste artigo, Tiihonen e colegas, em vez de se concentrarem nos riscos relativos da morte, relataram o número real de mortes durante os períodos em que as pessoas estavam em “estado sem medicação” e durante os períodos em que estavam preenchendo suas prescrições.

A idade média dos pacientes do primeiro episódio foi de 30,7 anos e foram acompanhados por uma média de 3,6 anos. Como coorte, esses pacientes estavam “sem medicação” 42% do tempo. Setenta e cinco pacientes morreram enquanto no status “sem medicação”, contra nove no status “em medicação”.

Como observado anteriormente, as taxas de suicídio de pessoas diagnosticadas com esquizofrenia aumentaram com a introdução de antipsicóticos. Uma causa possível para isso é que o uso inicial de antipsicóticos no hospital configura um período de alto risco para quem não gosta dos medicamentos e para de tomá-los após a alta. Neste estudo, 36% dos pacientes que receberam alta não fizeram uso da prescrição nos primeiros 30 dias e, como pode ser visto, a morte por suicídio e acidente foi muito alta para aqueles que entraram nesse grupo de risco de abstinência.

Os dados misteriosos deste estudo, é claro, são aqueles que mostram que houve seis vezes mais mortes devido a causas naturais – mortalidade cardiovascular e outras – durante períodos “antipsicóticos” do que em períodos “antipsicóticos”. Por que isso seria? Esta é uma coorte bastante jovem, e por que os pacientes que pararam de tomar antipsicóticos morrem com tanta frequência de doenças que se sabe serem elevadas pelo uso dos medicamentos?

É um mistério que vale a pena investigar, mas parece ser uma descoberta que mostra como os riscos do uso de antipsicóticos, neste design binário de em remédios / sem remédios, são transferidos para a coluna “sem remédios” de uma maneira ou outro.

Embora Tiihonen não tenha calculado a taxa de mortalidade padronizada neste primeiro episódio de estudo, um relatório finlandês subsequente sobre os resultados de cinco anos de pacientes do primeiro episódio, que incluíram essa coorte, calculou uma RMS de 4,5. Assim, a taxa de mortalidade para pacientes do primeiro episódio tratados dentro desse paradigma de atendimento centrado em antipsicóticos foi bastante alta, embora o estudo a atribuísse a pacientes que estavam sem uso de drogas.

Um paradigma de assistência fracassado

Houve um pequeno número de outros estudos que utilizaram bancos de dados constituído por prescrição para relatar riscos de mortalidade relacionados ao uso de antipsicóticos, e seus resultados ecoam principalmente os citados acima. Eles relatam uma menor mortalidade por todas as causas associada ao uso regular de antipsicóticos e, no entanto, ao mesmo tempo, se reportam taxas de SMR para toda a coorte, o que informam é sobre alta mortalidade para toda a coorte.

Em outras palavras, os antipsicóticos são aclamados como salva-vidas, mesmo quando o paradigma da assistência está falhando.

Um desses estudos avaliou prescrições ambulatoriais de 2006 a 2010 em uma população de 21.492 pacientes suecos com diagnóstico de esquizofrenia. Os pesquisadores relataram as seguintes taxas de SMR:

Sem exposição em cinco anos: SMR = 6,3

Baixa exposição: SMR = 4

Exposição moderada: 4,0

Alta exposição: 5,7

Coorte total: 4,8

Total cohort: 4.8

Essa SMR de 4,8, como a 4,5 SMR nos pacientes finlandeses do primeiro episódio, é notavelmente mais alta que as taxas de mortalidade relatadas por Saha e colegas em seu relatório de 2007. Eles haviam alertado nessa publicação que as taxas de mortalidade provavelmente continuariam a aumentar na era dos antipsicóticos de segunda geração por causa de seus efeitos metabólicos adversos e, pelo menos no caso desses dois estudos, esse é o caso.

Os dois estudos nos EUA que avaliaram o impacto dos antipsicóticos nas taxas de mortalidade não acrescentam muita novidade aos estudos realizados na Finlândia e na Suécia.

Em um estudo com 2.132 beneficiários do Medicaid com diagnóstico de esquizofrenia, aqueles que usaram antipsicóticos mais de 90% das vezes apresentaram uma menor taxa de mortalidade do que aqueles que usaram os medicamentos em menos de 10% das vezes. A principal razão para essa diferença foi que o suicídio no grupo de baixo uso foi seis vezes mais comum do que no grupo de alto uso. Não há informações sobre quantos suicídios podem ter ocorrido durante um período de abstinência dos medicamentos.

O segundo estudo dos EUA, de Arif Khan, levou às manchetes anunciando que “os psicotrópicos diminuem, não aumentam a mortalidade em pacientes psiquiátricos“. Ele ilustra como os dados por pessoa / ano podem ser usados para contar uma história falsa.

Khan analisou os dados de todos os antipsicóticos aprovados pela FDA entre 1990 e 2011 e relatou que 9 dos 3.419 voluntários randomizados para placebo mortos  (1 em 379), em comparação com 115 dos 26.648 randomizados para um antipsicótico (1 em 231).

Embora uma porcentagem mais alta daqueles que tomam antipsicóticos tenham morrido, os pacientes randomizados para receber placebo foram um grupo abruptamente retirado dos antipsicóticos, e nesses ensaios de seis semanas eles desistiram regularmente antes de completarem as seis semanas, o que significa que contribuíram com muito pouco tempo para o total de “pessoas-ano” para o grupo placebo. Além disso, mesmo que um paciente placebo permanecesse até o final de um teste de seis semanas, o máximo de “anos-pessoa” que um único paciente poderia responder era de 6/52 de um ano. No total, os 3.419 pacientes com placebo atingiram apenas 313 pessoas / ano, ou pouco mais de um mês por paciente.

Por outro lado, aqueles randomizados para um antipsicótico que permaneceram no estudo até o final de seis semanas foram então submetidos a testes de extensão, e, portanto, o grupo “antipsicótico” agora conta com muito mais pessoas / ano. No total, os 26.648 pacientes na categoria antipsicótica acumularam 9.618 pessoas-ano, ou aproximadamente quatro meses por indivíduo.

Graças a esse diferencial pessoa-ano, a taxa de mortalidade para placebo tornou-se uma por 34 pessoas-ano, em comparação com 1 por 83 pessoas-ano no grupo de medicamentos e, voilà, se tem um cálculo que produz manchetes que, em ensaios clínicos, os antipsicóticos eram comprovadamente eficazes na redução da mortalidade.

Essa é a pesquisa de banco de dados que mostra como os antipsicóticos reduzem a mortalidade. A pesquisa é afetada por falhas metodológicas, ajustes “estatísticos” invisíveis dos dados brutos, relatórios opacos de descobertas, conclusões que não são consistentes com os dados, uso de dados “por pessoa / ano” para produzir descobertas enganosas e, no caso de o estudo finlandês de 20 anos, a publicação de um gráfico que, sinceramente, certamente causaria uma falsa impressão.

E, no entanto, mesmo nesses relatórios, quando os investigadores calcularam SMRs para toda a coorte, eles relatam taxas de mortalidade que permaneceram altas ou até aumentaram desde a década de 1990.

A mais recente ilusão da psiquiatria

A história da psiquiatria está repleta de afirmações sobre a eficácia de tratamentos que não resistiram ao teste do tempo. Hoje, existem mais perguntas do que nunca sobre os méritos dos antipsicóticos.

Vários estudos de longo prazo descobriram taxas de recuperação mais altas para aqueles que não tomam medicamentos. Acrescente nas descobertas da pesquisa que os antipsicóticos encolhem volumes cerebrais, com esse encolhimento associado ao declínio cognitivo e à piora dos sintomas negativos, e a psiquiatria é confrontada com uma crise “baseada em evidências”.

A pesquisa de “antipsicóticos prolongam vidas” deu ao campo uma nova reivindicação para se apegar e promover. Um tratamento para uma doença que aumenta a sobrevida, e o faz na extensão mostrada no gráfico de 20 anos, pode reivindicar sua eficácia. Durante um período de dúvida, essa é uma conclusão que fornece um suspiro de alívio – e conforto – para o campo.

Mas, como pode ser visto nesta revisão, essa crença surge de pesquisas que são falhas de muitas maneiras. Há evidências, repetidas várias vezes, de um processo que foi projetado para justificar o uso a longo prazo de antipsicóticos, em vez de avaliar honestamente seu impacto na mortalidade. Pense no gráfico que mostra melhores taxas de sobrevivência para aqueles que usaram antipsicóticos durante um período de 20 anos em comparação com aqueles que não usaram nenhum, e agora você pode ver claramente a “ciência” que está ajudando a criar essa nova crença.

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Os Relatórios MIA têm , em parte, por uma doação das Open Society Foundations

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Trad. Fernando Freitas

Pandemia da COVID-19 e Saúde Mental

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As pesquisas veem se debruçado, com especial interesse, nas consequências psicológicas da pandemia de COVID-19 e as possibilidades de intervenções nesse contexto. Não é diferente com o artigo de Faro et. al, COVID-19 e saúde mental: A emergência do cuidado

Os autores fizeram uma pesquisa dos impactos de tal crise na saúde mental ao redor mundo e as medidas tomadas para lidar com situações desse tipo, em três momentos distintos: pré-crise, intracrise e pós-crise.

“O combate a situações como esta já vinha sendo motivo de debate na OMS, que, em 2007, publicou um documento ressaltando a necessidade de haver planejamento prévio por parte dos países, para o enfrentamento de crises e desastres inesperados. Cabe ainda dizer que outros estudos sobre crises em saúde pública também haviam ressaltado que os cuidados em saúde mental deveriam ser tão primordiais quanto os cuidados primários de saúde.”

O contexto de pandemia mundial, além do medo de contrair a doença, tem causado uma sensação de insegurança em todos os aspectos da vida, do funcionamento diário da sociedade às modificações nas relações interpessoais. Os profissionais de saúde ficam exaustos, e o método mais efetivo de controle da doença, o distanciamento social, impactam consideravelmente a saúde da população. Tudo isso, aumenta as chances de  vivenciar elevadas experiências e emoções negativas, suscitando a necessidade de apoio psicológico.

Há estudos mostrando que no período de quarentena, há o aumento se casos de ansiedade, depressão e suicídios. Para que o distanciamento social seja o menos danoso possível, algumas medidas podem ser adotadas, como a informação e redes de apoio social. Comunicar o que está acontecendo e os motivos, explicando por quanto tempo isso pode durar, evitando informações ambíguas. As redes de apoio também são necessárias, já que as rupturas de conexões sociais e físicas são facilitadores de impactos psicológicos negativos.

Os autores citam três grandes momentos em uma pandemia: pré-crise, intracrise e pós-crise. Citarei apenas as duas últimas, por considerar as mais importantes no contexto brasileiro, visto que já passamos da fase pré-crise.

A fase intracrise é a fase aguda, o problema de saúde se instala e se constata sua gravidade. Nessa fase, podemos presenciar situações extremas, como o colapso no sistema de saúde e funerário, assim como os familiares e amigos não conseguirem velar ou acompanhar o enterro de pessoas queridas, complexificando as questões emocionais presentes no luto.

“Neste momento da crise percebe-se que as pandemias não são apenas um fenômeno biológico, pois afetam indivíduos e a sociedade em vários níveis, causando diversas perturbações.”

Em vários países, as medidas adotadas para diminuir o impacto social da pandemia, instituições médicas e universidades, abriram plataformas online de aconselhamento psicológico, visando minimizar o pânico e a separação da família. Movimento parecido com o que aconteceu no Brasil, quando o Conselho Federal de Psicologia (CFP) indicou o atendimento online nas políticas públicas de atenção à saúde e em instituições privadas.

No caso da pós-crise, pode ser considerada uma fase se reconstrução social. O surto de contaminação tende a estar sob controle, as medidas de distanciamento social são reduzidas. Até o momento da publicação do artigo, apenas a China estava nessa fase.

“Em pesquisa realizada na crise da COVID-19, verificou-se que, dentre 1.210 participantes, 53% apresentaram sequelas psicológicas moderadas ou severas, incluindo sintomas depressivos (16,5%), ansiosos (28,8%) e estresse moderado a grave (8,1%).”

Outras consequência observada é a discriminação e isolamento vivenciadas por imigrantes chineses, por serem considerados portadores em potencial do coronavírus. Deve -se evitar também termos como “vítima da COVID-19”, “COVID positivo”, “contaminado pela COVID” ou “caso de COVID-19”, pois coisificam e causam maior sofrimento, além de estigmatizar. É preferível o uso de expressões como “pessoa que foi diagnosticada com a COVID-19”, “pessoa que está com a COVID-19” ou similares que não privilegiem a doença em detrimento do indivíduo.

No Brasil, diversos projetos de acolhimento e atendimento psicológico têm sido realizados por psicólogos, assim como  o governo tem convocado profissionais de saúde para prestar trabalho voluntário.

Por fim, os autores reafirmam a necessidade do poder público colocar sua atenção na questão da saúde mental, pois as consequências serão mais nítidas somente após a pandemia. É preciso reafirmar que o contexto social em que vivemos, conjuntamente a instabilidade política, geram sofrimento na população, por tanto, o apoio psicológico não se trata de individualizar questões sociais, mas diminuir o impacto do sofrimento na vida das pessoas.

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FARO, A., et. al. COVID-19 and mental health: The emergence of care. Scielo Preprints, 2020. DOI: https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.146

Respostas apropriadas a uma pandemia: como estão seus sete sistemas emocionais?

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O COVID-19 afeta o sistema respiratório e circulatório. Mas também, inevitavelmente, afeta todas as nossas emoções. Em vez de assumir a posição prejudicial de ficar a categorizar as respostas como sendo um reflexo da saúde mental e as rotular como ‘distúrbios’ que nos desumanizam, uma maneira mais útil de entender essas reações é considerar os ‘sistemas emocionais’ que nos unem e nos conectam a nós mesmos, uns aos outros e a toda a vida em nosso planeta.

Sistemas emocionais – o que são?

Segundo o neurocientista Jaak Panksepp, os sistemas emocionais são antigos mecanismos evolutivos incorporados profundamente em nosso corpo, nossa mente e nossa alma. E você não precisa pensar e saber sobre eles para experimentar o seu sistema emocional – eles são importantes demais para necessitar disso.

É nosso direito de nascença que nosso sistema emocional nos guie e que nos guie bem. Ficar em sintonia e em equilíbrio com nossos guias internos desenvolvidos ao longo da evolução nos levará longe. No entanto, nossas experiências como crianças e adultos frequentemente criam barreiras após barreiras para bloquear a nossa conexão com o nosso mundo emocional. Como resultado, os problemas emocionais ocorrem de várias formas, a mais importante delas é o problema de não se prestar atenção ao sistema emocional de si próprio e o dos outros.

A maioria das pessoas com quem converso, ensino e trabalho – incluindo psicólogos – nunca ouviu falar de sistemas emocionais. Mas você sabe tudo sobre eles; eles o dirigem, esteja você consciente deles ou não.

E por que não chamá-los de ‘emoções’ em vez de ‘sistemas emocionais’? Bem, pela mesma razão que consideraríamos todo o sistema respiratório, em vez de apenas focarmos na respiração. Há muito mais no processo de se obter oxigênio pelo corpo do que a respiração, assim como há muito mais na assertividade do que uma voz forte. Essa ênfase nos sistemas emocionais também nos ajuda a parar de nos concentrar na emoção como uma experiência exclusivamente humana. As emoções – evocam movimentos – tão claramente que não são exclusivamente uma experiência humana: são sistemas desenvolvidos por tudo o que é vida.

Jaak Panksepp optou por terminar abruptamente o seu doutorado em psicologia clínica no final de seu primeiro ano, tal foi o choque que teve com a disparidade entre os problemas que as pessoas experimentam (emocionais) e os ‘tratamentos’ que recebem (não focados nas emoções). Sou eternamente grata por ele não ter suportado esse desafio ético. Querer ajudar pessoas com sofrimento emocional e enfrentar tratamentos físicos muitas vezes desumanos que não respeitam as emoções do ser humano angustiado é um dilema que todos os que trabalham nos serviços de saúde mental já enfrentaram. É um caminho real para a depressão entre os profissionais que cuidam – sentindo-se impotentes e repetindo métodos que não funcionam para tentar trazer a pessoa de volta ao seu pleno potencial. Jaak se afastou dessa situação em particular e dedicou a sua vida à construção de uma base de pesquisa, para que futuros tratamentos pudessem se basear em emoções. Essa decisão não deixou de ter seus próprios problemas – por exemplo, no acesso a bolsas de pesquisa e na falta de reconhecimento de seus colegas acadêmicos – no entanto, ele perseverou.

Sistemas emocionais e a crise do COVID-19

Panksepp trabalhou por muitas décadas para encontrar e entender os sete sistemas emocionais que existem entre as espécies animais. Panksepp e Biven [1] compartilham uma descrição detalhada das evidências da pesquisa – a ciência por trás dos sistemas que compartilho aqui com vocês.

Nosso sistema emocional fundamental é o sistema de busca. Ele monitora e atende às nossas necessidades básicas (comida, abrigo, água, oxigênio, segurança, parceiros), bem como às nossas necessidades mais sofisticadas (aprendizado, desafio, hobbies). Esse sistema é ativado quando nossos recursos internos ou externos encontram-se esgotados, bem como quando os recursos úteis estão acessíveis, e nos move para corresponder à tarefa que se impõe. Os detalhes de nossas buscas pessoais diferem entre pessoas, espécies e formas de vida, mas toda a vida tem sua própria versão de busca para satisfazer as suas necessidades.

Nas semanas anteriores ao nosso atual bloqueio para proteger a nós e aos nossos serviços de saúde do impacto do COVID-19, vimos o sistema de busca nosso a funcionar totalmente. Passamos a estocar comida de uma maneira que eu nunca vi e, pessoalmente, meu interesse em investigar as notícias sobre esse assunto em particular cresceu muito. Essas são respostas naturais a tempos incomuns.

A intensidade das respostas de busca precisa ser temperada com a ativação dos outros sistemas emocionais. A resposta de busca por acumular comida e informação é algo natural. No entanto, a ativação simultânea de todos os sete sistemas emocionais é necessária em uma sociedade complexa, onde os indivíduos têm direitos, liberdades e responsabilidades.

Nosso próprio sistema de busca evoluiu para trabalhar a nosso favor, no entanto, o sistema de busca presente nas outras pessoas pode ser perigoso para nós. O vírus que causa o COVID-19 está entre o ‘vivo’ e o ‘não-vivo’, mas com certeza procura hospedeiros que podem permitir que ele viva. Portanto, o segundo problema que podemos enfrentar é o perigo quando o sistema de busca das outras pessoas é uma ameaça ao nosso; nossa capacidade de distinguir segurança e perigo também é fundamental para nossa sobrevivência. O sistema de segurança é o segundo sistema emocional que começou a se formar há mais de meio bilhão de anos atrás.

A função mais básica dos sistemas emocionais é evocar o movimento, movendo-se para o que precisamos, amamos, e para longe do que nos coloca em perigo. Portanto, é útil considerar o que vai no sentido do liga / desliga ou no sentido oposto de cada sistema. Portanto, apesar de chamá-lo de sistema de segurança porque ele nos leva à segurança, é o mesmo sistema geral do que temos para lidar com o medo que nos afasta do perigo – assim como o mecanismo para receber oxigênio e remover o dióxido de carbono faz parte do mesmo sistema respiratório . Nossos sistemas de segurança têm sido alertados em diferentes níveis desde janeiro de 2020, quando a epidemia de coronavírus veio à tona na China. A adequação dessa resposta ao medo precisa ser destacada, em parte porque ela nos protegerá e em parte porque devemos normalizar essa resposta em vez de vê-la como um “distúrbio”. O nível de ativação dessa resposta ao medo estará relacionado à nossa situação externa, ao nosso nível de controle e ao impacto que o COVID-19 pode ter em nosso mundo. Há um número crescente de vozes exigindo que os fatores sistêmicos destacados tão claramente por essa pandemia sejam respeitados, e que o foco em fatores individuais (fatores biológicos ou genéticos) seja reduzido. Enquanto animais sociais, a segurança que temos é entrelaçada com a nossa situação social, nosso grupo e com a nossa posição social. Não podemos intervir com sucesso em nível individual em relação à segurança, medo ou à ansiedade.

Foi o casal Terry & Beatriz Sheldon que iluminou uma maneira de ativar efetivamente os sistemas em termos psicoterápicas, propondo a ‘integração complexa dos múltiplos sistemas cerebrais’. Eles me ensinaram a importância de enfatizar a abordagem desses sistemas emocionais, uma lição que nunca esqueci.

Portanto, não temos ‘transtornos de ansiedade’, temos sistemas de segurança alertados. Que perigo está presente, ou tem estado presente, a tal ponto que o sistema permanece no modo de sobrevivência? Há muito mais a dizer sobre isso, mas, por enquanto, você percebe a diferença quando se aborda a sua experiência emocional como uma indicação de sistemas emocionais ativados que estão tentando resolver problemas em sua vida, esteja você consciente deles ou não?

Em nosso mundo, nossa necessidade de recursos chega em termos competitivos. O terceiro problema da competição, que é resolvido ‘afirmando’ e, quando necessário, ‘lutando’ pelo que precisamos, é o trabalho do sistema de assertividade. Cada um dos sistemas emocionais possui diferentes níveis de intensidade. Falar com uma voz forte se intensificará tornando-se raiva e ira quando nossa vida estiver ameaçada ou nossos entes queridos, a comunidade ou o modo de vida estiver ameaçado. Vozes furiosas gritando em voz alta sobre a maneira como nossas comunidades são impactadas por decisões e pelo esgotamento crônico do nosso sistema de saúde parecem ser uma resposta saudável de nossos sistemas de assertividade individual. Faz mais sentido trabalharmos juntos. Meu sistema de assertividade me ativou para começar a escrever este artigo às 23h30, apesar do cansaço. Eu tenho algo a dizer, e se não for agora, quando será?

Com o nosso sistema de busca nos ajudando a investigar o que precisamos saber e encontrar, nosso sistema de segurança se mantém alerta contra ameaças para nos manter seguros e nosso sistema de assertividade nos permitindo lutar pelo que é importante, é o nosso sistema para se sentir bem que nos diz sobre nossas prioridades e o que é certo para nós. A comida nunca tem um gosto tão bom quanto quando você está passando fome – nosso sistema de ‘sinta-se bem’ garante que o que mais precisamos pareça incrível quando ele surge.

Minha história pessoal do COVID-19

Para destacar esses sistemas emocionais com minha própria história pessoal do COVID-19, meus sistemas de ‘busca’, ‘assertividade’ e de ‘segurança’ foram entrelaçados, focados em quatro tópicos, desde que fiquei isolada com minha família há 40 dias:

  • Investigando e integrando informações sobre o COVID para que eu possa entender e agir para proteger a mim e à minha família;
  • Criando um ambiente seguro, amoroso e interessante para que possamos viver juntos da melhor maneira possível, mantendo um forte sistema imunológico pelos próximos meses;
  • Considerando formas de proteger meus clientes, estagiários, negócios e funcionários; eu poderia perder algo importante (financiamento, por exemplo) e sair do negócio, exatamente no momento em que o mundo precisa de conexão emocional.
  • Considerando maneiras de conectar-me autenticamente e servir. Ficar em casa é absolutamente a coisa certa a fazer para mim, mas eu trabalhei no NHS por muitos anos e treinei muitos de seus funcionários. Faz parte de quem eu sou, então quero servir enquanto me protejo.

E estou monitorando o que funciona e o que não está relacionado a tudo isso usando o meu sistema para sentir-se bem, monitorando os períodos de descanso e recuperação, bem como minha necessidade de ação e trabalho. Existem outros três sistemas que fazem parte de ser um animal, e especialmente um mamífero.

A vida sobreviveu e prosperou por milhões de anos com os quatro (já mencionados) sistemas emocionais. No entanto, com um ambiente rico em espécies diferentes, evoluíram soluções criativas para o problema de como aumentar as taxas de sobrevivência dos filhos por meio de um sistema de cuidados. Peixes, sapos e lagartos inteligentes começaram a cuidar de seus filhotes de várias maneiras que aumentaram a sua sobrevivência. Portanto, esse sistema começou há 400 milhões de anos. Esse sistema abriu o caminho para nossas cabeças grandes e nosso longo período como criança dependente dos outros.

Equilibrar o apoio aos jovens com o impacto nos pais remonta a centenas de milhões de anos – com maior probabilidade de morte dos pais como o sacrifício último. Essa solução de atendimento parental traz consigo um novo problema: como os pais que cuidam podem se manter seguros? Os sistemas de conexão nos permitem trabalhar juntos para apoiar todos em nosso clã e entre as espécies. Eles permitem que laços estreitos sejam construídos e mantidos, nos ajudam a reparar as conexões quando estão se rompendo e lamentam quando elas se vão. Os sistemas de conexão estão dentro de nós (neuroquímicos como a ocitocina e partes específicas do cérebro) e estão entre nós (como o impacto de estar em uma equipe de apoio ou de ser um gêmeo), indo muito além do nosso entendimento científico atual, mas não além do nosso reconhecimento da conexão quando a sentimos ou a vemos.

E qual é o outro desses sete sistemas? Com tanto para aprender, com tão pouco tempo, a velocidade com que nós e nossos filhos aprendemos é questão de vida e morte. Temos mecanismos inconscientes super-rápidos para nos ajudar a aprender quando enfrentamos um perigo real – nosso sistema de segurança resolve isso. Temos um sistema que nos ajuda a aprender a lidar com os desafios conscientemente também, pois são aqueles que se prepararam para os desafios que a vida os lançará antes que aconteçam pondo em risco a vida. A natureza fez uma coisa linda para ajudar isso, ela se tornou divertida. Para nos ajudar a obter experiência, a solução da natureza é a ferramenta de aprendizado mais poderosa de todas: o sistema de jogar.

Por fim, para destacar todos os sete sistemas emocionais em minha história pessoal com o COVID-19: Meus sistemas de segurança, assertividade e assistência estão trabalhando duro para proteger meu marido do vírus, que tem um distúrbio pulmonar grave. Estou atenta aos perigos e levo meu sistema de segurança a sério, agindo de acordo com o que meu curioso sistema de busca me guiou a aprender e encontrar. Principalmente, eu só preciso comunicar o poder do meu sistema de assistência para ajudar meus filhos a responder efetivamente, mas às vezes ativamos o sistema de segurança deles, alertando-os ativamente sobre os perigos. Às vezes, precisamos usar vozes fortes para nos comunicar usando nossos sistemas de assertividade. Eles testemunham nossos sistemas de cuidado, segurança e assertividade em nossos rituais e respostas.

Temos rituais de sistemas de assistência e conexão com carinho e proximidade pela manhã e principalmente na hora de dormir – dando-lhes as boas-vindas durante o dia e relaxando e ajudando-os a se sentirem seguros à noite. Esse foi um dos desafios mais difíceis nos estágios iniciais; permanecer fisicamente distante causou muita angústia, com nossos sistemas de medo querendo se acalmar com ocitocina e GABA emitindo chamegos. No entanto, a intimidade, quer dizer a proximidade, não se sentiu segura nas duas primeiras semanas de isolamento, tal é a natureza de nossos tempos.

Os sistemas de busca precisam buscar, os sistemas de jogo precisam brincar – enfatizamos a importância de aprender e ser produtivos – apenas para o bem desses sistemas, não para a educação deles, não para este momento que vivemos. A ativação de todos esses sistemas para nos permitir abordar o que é importante ativa o nosso sistema para sentir-se bem uma e outra vez. A mídia social também ativa esse sistema, mas é claro que falta complexidade. São todos os sete sistemas emocionais, ativados simultaneamente, que dão vida e poder aos sistemas emocionais e nos protegem do impacto prejudicial de um ou dois sistemas substituindo os outros. Um sistema de busca assertivo não equilibrado com segurança, cuidado e conexão retira os últimos 100 rolos de papel higiênico da loja ou sobe o Snowdon em meio à atual crise. Em vez disso, visando a ativação simultânea, meu objetivo pessoal é que cada sistema seja considerado e integrado ao lado dos outros seis.

“Viva com curiosidade, admiração e reverência (busca), equilibrando segurança e aprendizado através do jogar, compartilhando o que é importante para você (sentir-se bem) de forma assertiva, ao mesmo tempo em que cuidando e autenticamente se conectando consigo mesmo, com os outros e com o mundo.”

Mesmo nestes tempos, especialmente nos momentos atuais, precisamos almejar isso mais do que nunca.

  1. Panksepp, J., & Biven, L. (2012). The Archaeology of Mind: Neuroevolutionary Origins of Human Emotions. New York, NY W. W. Norton & Company.

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