Há dois anos foi iniciado em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, o projeto Roda de Conversa, baseado nos sete princípios do Open Dialogue (Diálogo Aberto): resposta imediata, inclusão na rede social, flexibilidade e mobilidade, responsabilização, garantia de continuidade, tolerância à incerteza e dialogismo. Como resultado dessa experiência, foi produzido o artigo Open Dialogue: Uma Experiência no Brasil, de autoria do psiquiatra Marcelo José Fontes Dias e publicado na revista Diversitates (UFF).
O autor realizou uma primeira experiência em 2015, quando trabalhava como apoiador matricial de equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) da cidade de Jaraguá. Baseado em dois dos princípios do Diálogo Aberto, ‘dialogismo’ e ‘inclusão na rede’, Marcelo realizou intervenções em três pacientes em crise psicótica, as quais foram realizadas na casa do paciente e com a presença da família. Como resultado da intervenção, todos os pacientes saíram da crise em no máximo 15 dias e somente um deles fez uso de medicação em doses baixas. Além disso, não houveram internações e todos os pacientes voltaram a trabalhar.
Com os bons resultados, a gestão e outros profissionais doa saúde mental de Jaraguá, decidiram ampliar a ação territorial. Resolveram então, utilizar novamente o modelo do Diálogo Aberto, dessa vez tentando se aproximar dos sete princípios propostos pela abordagem finlandesa, mas com a consciência da possível necessidade de adaptação para a realidade do local. Isso porque não haviam profissionais suficientes nem a formação exigida no Diálogo Aberto, além da rede de serviços ser diferente da finlandesa. Em função da adaptação a estratégia foi chamada de Roda de Diálogo.
A primeira dificuldade encontrada pela equipe foi quanto à formação e capacitação dos profissionais, pois na Finlândia é exigida a formação de três anos para os profissionais atuarem com o Diálogo Aberto. A solução encontrada pela equipe foi realizar uma apresentação sobre a abordagem finlandesa e seus princípios para todos os profissionais da saúde mental e da atenção básica, a fim de que todos pudessem participar na Roda de Diálogo. Qualquer profissional de nível médio ou superior poderia participar da equipe, desde que participasse também dos encontros semanais de educação permanente.
Os princípios de inclusão na rede social, flexibilidade e mobilidade foram alcançados sem obstáculos. Todos os encontros aconteceram na residência do paciente em crise, com as pessoas da sua rede social. As decisões a respeito do tratamento foram sempre tomadas durante as ‘rodas de diálogo’, inclusive quanto ao uso de medicamentos. O princípio da responsabilização foi levada em consideração a partir da criação de um grupo de Whatsapp formado pelos profissionais que aderiram ao projeto, os casos eram colocados no grupo e agendados dentro de 24 horas. A roda deveria ser composta por pelo menos dois profissionais, e um deles deveria participar de todos os encontros. Apenas dois casos tiveram descontinuação no acompanhamento.
A tolerância à incerteza foi considerado o princípio mais difícil de ser alcançado. Este princípio significa que o profissional deve participar da roda sem definições preliminares, a verdade é do paciente. As maiores dificuldades encontradas pela equipe foi a presença diária nas rodas, já que o Diálogo Aberto sugere que no início do tratamento os encontros devem ser diários nos primeiros 10 a 12 dias. Outra dificuldade encontrada foi de não inciar logo o medicamento e não se colocar em uma relação verticalizada em relação à rede. Apesar das dificuldades, a equipe conseguiu fazer até 3 rodas por semana e não medicaram no início do tratamento. Quanto ao princípio do Dialogismo, o autor fez uma fusão entre o modelo finlandês e a sua realidade como psicanalista de orientação lacaniana, associando algumas ideias do dialogismo de Bakhtin, fortemente empregadas pela abordagem do Diálogo Aberto, com algumas propostas de Lacan.
Dos pacientes abordados pelo trabalho (10 pacientes), apenas 3 encontravam-se em sua primeira crise psicótica, do restante alguns já faziam uso de psicofármacos. Desses apenas 1 precisou ser internado e outro foi encaminhado para tratamento exclusivo no CAPSII. Dois pacientes saíram das crises sem uso de medicamentos e os demais o utilizaram, mas em doses baixas.
A maioria dos profissionais envolvidos se mobilizou para um rápido início de tratamento dos pacientes, e a inclusão de profissionais da atenção básica e de nível técnico nas rodas foram facilitadores do diálogo, assim como a presença de um psicanalista auxiliou no entendimento e aplicação do dialogismo. A implicação dos gestores de saúde mental e atenção básica foi identificado como fundamental já que a eficácia do Diálogo Aberto depende dos contextos institucionais e treinamento de equipe.
Como dificuldades o autor apontou para a pouca adesão de profissionais do CAPS, a gestão ficou centrada nas mãos dos apoiadores matriciais. A proposta feita pelo autor é criar uma equipe fixa e delimitar a clientela – ou seja, aqueles que estejam na sua primeira crise psicótica -, e que a gestão ocorra a partir do CAPS. A forte cultura da medicalização entre os profissionais pode ter influenciado a dificuldade quanto a tolerância à incerteza. Também foi sugerido pelo autor que a equipe tenha acompanhamento psicoterapêutico.
O artigo tem uma enorme relevância, traz uma experiência pioneira de grande importância para o cenário da saúde mental brasileira. Existem alguns artigos brasileiros sobre o Diálogo Aberto, mas nenhum ainda havia trazido uma experiência de tentativa de implementação nos serviços brasileiros. Essa experiência mostra que o princípios do Diálogo Aberto, mesmo em uma cultura muito diferente da finlandesa, obtiveram resultados significativos, o que nos deve deixar atentos a essa abordagem. Ademais, podemos ver que não foi necessário aumento dos gastos financeiros, ou uma mudança drástica nos serviços para a implementação do projeto, o que abre portas para mais tentativas de implementação. É possível que futuramente tenhamos mais experiências bem- sucedidas no Brasil!
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DIAS, M.J.F. Open Dialogue: uma experiencia no Brasil. Diversitates Int j 09(3): 97-110, 2017. (link)
JAMA, o Jornal da Associação Médica Americana publicou recentemente um artigo de opinião de dois influentes cientistas, Alan Leshner, da Associação Americana para o Avanço da Ciência, e Victor Dzau, da Academia Nacional de Medicina, que defendem o chamado tratamento baseado em medicação para o ‘transtorno de uso de opioides’. O tratamento baseado em medicação envolve o uso de metadona, buprenorfina ou naltrexona de liberação prolongada para ‘aliviar os sintomas de abstinência, reduzir os desejos de opiáceos e diminuir a resposta ao uso futuro de drogas’, cuja causa é o uso de analgésicos opiáceos.
Prescrição de medicamentos para resolver problemas causados por outras drogas
O que Lesnher e Dzau sugerem é usar drogas prescritas para resolver problemas causados por outros medicamentos prescritos. Concordo que, em certos casos, isso pode ser útil ou até mesmo necessário para ajudar os pacientes. Mas luto para entender a omissão de uma solução que, pelo menos para mim, parece a melhor a longo prazo para os pacientes; ou seja, ajudando-os a reduzir com segurança e gradualmente o analgésico à base de opioides dos quais eles se tornaram dependentes.
Essa omissão obscurece um fator importante na crise dos opioides e que tem sido deliberadamente explorada pelas empresas farmacêuticas. As drogas são fáceis de serem obtidas, prescritas e tomadas, mas é muito difícil, às vezes quase impossível, parar de tomá-las.
A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA reconheceu esse problema. Em 9 de abril, a Agência emitiu o seguinte comunicado de segurança:
“A FDA identifica os danos relatados pela interrupção repentina de medicamentos para a dor como são os opiáceos e requer alterações no rótulo para orientar os prescritores a como proceder para a sua gradual e individualizada diminuição”.
Eu apoio integralmente essa afirmação, mas também vejo um grande problema prático. Como os médicos devem seguir a orientação dada pela agência reguladora ? Usando apenas medicação padrão, essa abordagem cautelosa simplesmente não é possível. Muitos pacientes que tentaram fazer isso já sofreram desnecessariamente. Isso não pode continuar a ocorrer. Não vou aqui falar de suas histórias, mas elas podem ser facilmente encontradas nos sites do Mad, bem como naqueles de apoio dado entre colegas, como o Surviving Antidepressants, embora raramente isso se passe na literatura médica científica.
Para seguir o conselho da FDA, os médicos devem ser capazes de prescrever uma agenda personalizada de redução, permitindo que os pacientes diminuam gradualmente por longos períodos de tempo, dando passos muito curtos. Na Holanda, isso foi possível na prática graças ao desenvolvimento das tiras com doses reduzidas. Para comentar o que foi dito por Leshner e Dzau, considero esta informação relevante para os leitores do JAMA. Portanto, junto com Jim van Os, submetemos a seguinte carta ao Editor.
Carta ao editor do JAMA: Medicação decrescente permite estar conforme à nova orientação de retirada de opioides dada pela FDA
O número de vítimas de abuso de opiáceos na população dos EUA, com cerca de 130 pessoas morrendo a cada dia por overdoses de opiáceos, é entristecedor. [1] Para ajudar a reduzir o impacto da atual epidemia, Leshner e Dzau defendem o uso de tratamento medicamentoso para o tratamento de transtornos por uso de substâncias. Embora concordemos que em alguns casos uma abordagem baseada em medicação possa ser solicitada e útil, nos perguntamos se, resolvendo o problema da prescrição excessiva de um medicamento pela prescrição de outras drogas, não estamos apenas substituindo um problema de dependência a uma substância pela dependência a uma outra.
Em 9 de abril, a FDA anunciou que exigirá mudanças no rótulo para orientar os prescritores sobre a redução gradual e individualizada dos medicamentos analgésicos baseados em opiáceos, porque a interrupção (forçada) dos opioides pode resultar em dor descontrolada, sintomas sérios de abstinência, sofrimento psicológico e suicídio. [2]
A agência FDA adverte, os profissionais de saúde não devem descontinuar abruptamente os opioides em um paciente que esteja fisicamente dependente. Como não existe uma programação padrão de redução de opiáceos adequada a todos os pacientes, eles devem criar um plano específico para o paciente para reduzir gradualmente a dose do opioide e garantir monitoramento e suporte contínuos, para evitar sintomas sérios de abstinência, piora da dor do paciente ou estresse psicológico.
A questão importante é: podemos fazer a redução gradual possível na prática de forma tal que este bom conselho, que é igualmente apropriado para outros tipos de drogas onde são conhecidos os sintomas de abstinência, possa ser seguido?
Nós abordamos exatamente essa questão desenvolvendo as chamadas tiras com doses reduzidas, que permitem a um médico prescrever cronogramas personalizados, usando uma abordagem compartilhada de tomada de decisão médico e paciente. [3] Os resultados do primeiro estudo observacional sobre o uso dessas tiras mostram o quão bem-sucedida a abordagem pode ser. [4] Dos 895 pacientes que desejaram descontinuar um antidepressivo, 636 (71%) conseguiram se estabilizar completamente, muitos dos quais haviam falhado uma ou várias vezes antes ao usarem outros métodos.
Inicialmente, as tiras com doses reduzidas foram desenvolvidas apenas para reduzir a paroxetina e a venlafaxina, mas depois de recebermos solicitações de pacientes e médicos para também disponibilizá-las para outros tipos de medicação, as tiras também foram desenvolvidas para outros antidepressivos, antipsicóticos, sedativos e antiepilépticos, trabalhando analgésicos centralmente como metadona, oxicodona e tramadol e alguns outros medicamentos. As primeiras experiências com o uso em doses reduzidas gradualmente [5] sugerem que o uso de tiras com doses reduzidas para opioides, como a oxicodona, pode ser uma valiosa primeira opção de tratamento para pacientes que desejarem descontinuar a medicação opioide.
Rejeição de JAMA
“Infelizmente, por causa das muitas submissões que recebemos e das nossas limitações de espaço na seção Cartas, não podemos publicar sua carta no JAMA. . . . . determinamos que a sua carta não recebeu uma classificação de prioridade alta o suficiente para publicação.”
JAMA não quis publicar nossa carta, porque não obteve uma classificação de prioridade alta o suficiente. Fiquei surpreso e desapontado e quis saber quais critérios foram usados para chegar a essa conclusão. Então eu escrevi o seguinte email para o editor.
E-mail para o editor do JAMA
Você escreve que a nossa carta não tem uma classificação de prioridade alta o suficiente. Por que isso é assim,ds não é explicado, então eu só posso adivinhar. Isso significa que JAMA:
Não acha ser um problema de alta prioridade que nos EUA todos os dias 130 pacientes morram de uma overdose de drogas opiáceas e um número muito maior sofra muito tentando sair desses medicamentos com segurança (e muitas vezes em vão)?
Não acha ser um problema se um número desconhecido de pacientes no futuro próximo terá que sofrer desnecessariamente porque eles poderiam ter sido melhor ajudados se seus médicos tivessem sido informados pelo JAMA? O JAMA é uma plataforma importante e influente que atinge um grande público. Todo médico promete não fazer mal. Este compromisso não se aplica também ao JAMA?
Em vista dessas perguntas, peço a gentileza de reconsiderar sua decisão. Se, após reconsiderar, o corpo editorial ainda achar que nossa carta não tem uma classificação de prioridade alta o suficiente, eu agradeceria muito que você fosse gentil em nos explicar quais são as razões para chegar a essa conclusão.
Dentro de alguns dias, recebi a seguinte resposta:
“Eu sinto muito que você não tenha ficado satisfeito com a nossa decisão. Publicamos vários artigos sobre a epidemia de opiáceos, por isso não é exato que não consideremos o tópico uma prioridade alta. No entanto, cada revista tem prioridades diferentes quando se trata de selecionar cartas para o editor publicar. Consideramos as cartas como uma forma de revisão por pares pós-publicação. Assim, procuramos por cartas que comentem diretamente sobre uma questão levantada em um ponto de vista ou em um artigo de pesquisa. Para o JAMA, a coluna de cartas não é um local para informar os leitores sobre novas descobertas científicas, que consideramos ser do espaço de artigos de pesquisa.
Apenas cartas “que comentem diretamente sobre uma questão levantada em JAMA”
JAMA, aparentemente, só quer cartas que “comentem diretamente sobre uma questão levantada em um ponto de vista ou em artigo de pesquisa“. Na minha opinião, isso é precisamente o que fizemos. Dada a urgência e gravidade do problema – somente nos EUA todos os dias 130 pessoas morrem de overdose de opiáceos! – Não consigo entender como nossa contribuição não pode ser considerada diretamente relacionada à questão levantada no artigo de Leshner e Dzau em JAMA.
Concluí que o JAMA simplesmente não quis publicar a nossa contribuição e que seria uma perda de tempo escrever ao editar novamente. Em vez disso, decidi escrever este blog para levantar a seguinte questão:
“Por que uma revista médica influente não está interessada em uma solução prática que comprovadamente ajuda pacientes e que já está disponível?”
No futuro, mas não agora!
Ao longo dos anos, depois de ler milhares de artigos científicos sobre transtornos psiquiátricos e o uso de medicamentos psiquiátricos, ficou muito claro para mim que as revistas médicas querem publicar principalmente sobre drogas ou intervenções que se espera que funcionem melhor do que as existentes, que tenham menos efeitos adversos e que, por fim, devem levar a melhores tratamentos e a melhores diretrizes. No futuro.
Talvez eu tenha me tornado um pouco cínico, mas o que vejo acontecendo de novo e de novo é o seguinte:
Promessas feitas em revistas médicas são principalmente sobre ajudar pacientes no futuro e raramente sobre como ajudá-los exatamente agora.
A mensagem geral, especialmente em editoriais, convidando comentários e artigos de opinião, é que “este novo estudo mostra uma grande promessa“, que “estamos quase lá” e, talvez mais importante, que “precisamos de mais pesquisas“. Minha interpretação é: “que nos dê o dinheiro e ficaremos felizes em realizar isso“. Com a promessa implícita de que, uma vez que essa nova pesquisa tenha sido feita, teremos um mundo melhor.
Mas nós estamos conseguindo um mundo melhor? Em muitos casos, não vejo isso acontecendo. O que eu vejo é que depois de alguns anos o ciclo simplesmente se repete, levando a novos editoriais, convite a comentários e artigos de opinião afirmando que “este novo estudo mostra uma grande promessa”, que “estamos quase lá’ e que “precisamos de mais pesquisa”. E assim por diante. Trabalhos em andamento que nunca terminarão e que continuam gerando renda estável para os pesquisadores. Sem ajudar muito pacientes e médicos na prática clínica diária.
Quanto progresso fizemos realmente para melhorar a farmacoterapia para problemas de saúde mental?
O que eu observo é que nós temos cada vez mais, e propositalmente, tornado fácil o começo de pacientes com o uso de drogas psiquiátricas, com pouca pesquisa ou esforço clínico para ajudar os pacientes a sair dos medicamentos ou para tentar entender ou reduzir os sintomas de abstinência.
E não estamos falando aqui de novas drogas. Estamos falando de drogas que foram descobertas décadas atrás (mais de 70 anos no caso do lítio e da clorpromazina). Muitas dessas drogas ainda estão em uso hoje e a maioria se tornou extremamente barata, porque todas estão sem patente. Tão barato que a solução mais em conta para ‘ajudar’ os pacientes quase invariavelmente é prescrever mais remédios do que tentar outra coisa para ajudá-los a sair da medicação.
As empresas farmacêuticas que trouxeram essas drogas para o mercado sabem sobre os diversos problemas da abstinência, mas não fizeram e ainda nada fazem para desenvolver soluções práticas para evitá-los. Infelizmente, eles ainda não têm a obrigação de fazer isso quando trazem uma nova droga ao mercado.
E o que a psiquiatria fez até agora para encontrar uma solução para o problema da abstinência? O que eu vejo é que tivemos que esperar até 2019 para que o Colégio Real Britânico de Psiquiatrasadmitisse que os sintomas de abstinência poderiam ser mais severos e mais duradouros do que as diretrizes oficiais dizem. Que se deixe que algo será feito. Isso é algo que eles prometem que farão no futuro.
Isso me traz de volta à minha pergunta. Por que as revistas médicas influentes, como a JAMA, apenas estão interessadas em soluções que levarão a melhores tratamentos e diretrizes no futuro? E não em uma solução prática, como reduzir a medicação com tecnologia que já está disponível e que pode ajudar os pacientes exatamente agora?
Isso é porque ajudar os pacientes a sair da medicação com segurança é ruim para os negócios?
taperingstrip.org (a not-for-profit website of the User Research Center of Maastricht/Utrecht University Medical Center, the Netherlands
Nota dos Editores
Peter Groot tem a sua presença confirmada no III SEMINÁRIO INTERNACIONAL A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS. De 28 a 31 de Outubro, na Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro. A Programação estará disponível aqui no nosso site.
O grupo Psicanalistas Unidos Pela Democracia, emitiu uma nota de repúdio às declarações de Jair Bolsonaro. A nota diz:
“Nós, Psicanalistas Unidos pela Democracia, repudiamos as declarações desumanas, infames e indignas de Jair Bolsonaro. O atual presidente da República ataca a verdade histórica, promove a incitação ao ódio e a violência, desrespeita e despreza cidadãos que vêm lutando pela democracia no Brasil.
(…) Repudiamos todos os atos e declarações que ataquem ou coloquem em risco aquilo que nos humaniza. Repudiamos o projeto em curso do atual governo do Brasil que opera na contra-mão do laço social civilizado e democrático promovendo a barbárie social. Repudiamos essa necropolítica movida pela pulsão de morte com suas consequências devastadoras para o indivíduo, a sociedade, a cultura e o meio ambiente.“
O artigo intitulado What does the latest meta-analysis really tell us about antidepressants? (O que a recente meta-análise realmente nos diz sobre antidepressivos?) saiu na revista Epidemiology and Psychiatric Sciences, e propõe a reflexão sobre algumas falhas no artigo de Cipriani e colegas. A meta análise incluiu dados de ensaios comparativos que ausentes no grupo placebo, além de ensaios de curto prazo sobre tratamentos de antidepressivos, de oito semanas em média.
Para aqueles que não estão familiarizados com metodologias científicas, a meta-análise é uma revisão de literatura que compara dois ou mais estudos, realizando uma análise estatística, com o objetivo de integrar os estudos, combinando-os e resumindo seus resultados.¹
O principal resultado de eficácia é a ‘taxa de reposta’, que demonstra que ser um e meio a duas vezes mais provável que pessoas tratadas com antidepressivos apresentem essa taxa de resposta do que os participantes do grupo placebo. Porém, ‘resposta’ é uma categoria artificial, arbitrariamente construída fora dos scores das escalas de depressão. Na realidade, os antidepressivos produzem alterações mentais e físicas, como náuseas, boca seca, tontura, sonolência, embotamento emocional, entre outros. Essas mudanças possibilitam que os participantes percebam se eles foram alocados no grupo do antidepressivo ou no do placebo. Isso pode explicar porque a amitriptilina aparece como sendo mais eficaz no estudo de Cipriani e colegas, já que é um dos antidepressivos que possui alterações físicas e mentais mais visíveis.
Outro problema é que frequentemente as pesquisas com antidepressivos, incluem pessoas que já estão usando esta medicação e que precisam parar de tomá-las para participar do estudo. Sabemos que os efeitos de abstinência duram cerca de uma a duas semanas. Os estudos não tentam identificar quais são os efeitos da abstinência, o que pode acabar sendo confundido com os sintomas da depressão no caso dos participantes do grupo placebo. Os estudos em que não existe grupo placebo comparativo apresentam respostas mais altas dos participantes com o uso de antidepressivos do que naqueles estudos em que existe também o grupo placebo, o que demonstra que os resultados dos estudos são influenciados pelas expectativas dos participantes em receber o antidepressivo.
Cipriani e colegas olham apenas para os dados de tratamentos de curto-prazo, quando, na vida real, as pessoas utilizam antidepressivos durante anos de suas vidas. O grande estudo longitudinal STAR-D demonstrou que o número de pessoas que aderiram à recomendação de tratamento e que se recuperaram e não tiveram recaída foi surpreendentemente baixo (108 de 3110 pessoas!). Além disso, outro estudo demonstra que não há grandes diferenças entre o grupo controle e o placebo em casos de depressão grave.
Moncrieff termina dizendo que a mais nova meta-análise não resolve o debate sobre a utilidade dos antidepressivos, mas as diretrizes clínicas continuam a recomendá-los e muitas pessoas esperam por isso, persuadidas de que a depressão é causada por um desequilíbrio químico no cérebro, mesmo que não hajam evidências científicas suficientes comprovando isso. No entanto, os antidepressivos não são placebos e causam uma série de alterações físicas e mentais, estudos demonstram que a utilidade desses efeitos para o tratamento da depressão é mínimo. Portanto, é necessário que os médicos considerem todos esses fatores para tomar decisão informada sobre usar ou não antidepressivos.
O artigo de Moncrieff revela novamente que as pesquisas sobre antidepressivos estão enviesadas, procurando demonstrar a todo custo que os antidepressivos são sim eficazes, quando na realidade a ciência está longe de saber o que realmente acontece com nosso cérebro nos casos de depressão e do uso de antidepressivos. Sendo assim, é necessário que os pacientes/usuários sejam devidamente esclarecidos sobre as poucas evidências da eficácia dos antidepressivos e as possíveis consequências de seu uso, para que dessa forma o paciente/usuário possa utilizar de sua autonomia para decidir, conjuntamente com o profissional, o melhor tratamento para seu caso.
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Moncrieff J. What does the latest meta-analysis really tell us about antidepressants? Epidemiol Psychiatr Sci. 27(5):430-432, oct. 2018. (link)
Diana Kopua lembra as histórias que ela usa em seu trabalho. De enfermeira de uma comunidade psiquiátrica à chefe do departamento de psiquiatria de Hauora Tairawhiti em Gisborne, Nova Zelândia, sua árdua jornada de 13 anos é profundamente pessoal e política. Kopua diz que fez isso para “se tornar uma cunha que manteve a porta aberta para permitir que líderes indígenas” no mundo dela mudassem o sistema. Pode-se dizer que ela é uma contadora de histórias, embora o mais adequado seja chama-la de colecionadora de histórias.
Como psiquiatra, Kopua lida com sofrimento humano, mas seu interesse não está nas classificações psiquiátricas; em vez disso, ela se concentra em compreender o sofrimento através das histórias de criação maori, Purakau . Ela desenvolveu Mahi a Atua , “um compromisso, uma avaliação e uma intervenção” para abordar o sofrimento mental entre os maoris da Nova Zelândia. Mahi a Atua não é apenas um conjunto de técnicas ou uma nova terapia culturalmente sensível, mas uma maneira drasticamente diferente de conceituar a experiência vivida dos maoris.
Recentemente, junto com o especialista em arte e cultura Mark Kopua e o psiquiatra crítico Pat Bracken, ela publicou um artigo sobre essa abordagem na Transcultural Psychiatry . Seu trabalho pode ser visto como uma alternativa às intervenções farmaco-terapêuticas ocidentais que estão sendo atualmente promovidas em todo o Sul global através do movimento global de saúde mental.
Pesquisadores têm criticado a exportação de práticas psiquiátricas ocidentais, muitas vezes citando o famoso estudo da OMS que relatou melhores resultados para pessoas diagnosticadas com transtornos mentais no mundo em desenvolvimento. Sendo a única psiquiatra Ngati Porou (uma nação Maori) existente no mundo, trabalhando com uma população conhecida pelos seus resultados ruins de saúde mental, o trabalho de Kopua oferece uma visão sobre o que pode ser aprendido com métodos de cura locais, indígenas e tradicionais.
Há muitos os que agora pedem uma “mudança de paradigma” na psiquiatria ocidental e, em nossa entrevista, cobrimos tópicos que vão desde as especificidades da abordagem Mahi a Atua, o movimento global de saúde mental, e a importância da linguagem e narrativas em como nós entendemos nosso mundo e como aliviar o nosso sofrimento.
Ouça o áudio da entrevista aqui.
E em seguida, um resumo da entrevista traduzido para o Português.
Ayurdhi Dhar: Você pode nos dizer o que é Mahi a Atua e como a abordagem funciona?
Diana Kopua: Eu desenvolvi Mahi a Atua em meados dos anos noventa. Naquela época, eu era uma enfermeira da comunidade psiquiátrica trabalhando em um serviço de saúde mental Maori. O serviço Kaupapa Maori é um serviço desenvolvido especificamente para o crescimento e manutenção de abordagens maori para os maoris que entram nos serviços de saúde mental.
Na Pré-colonização, tínhamos uma forte compreensão e conexão com o relacionamento e a nossa posição em nosso meio ambiente, com os elementos naturais, e agora muitos de nós, como maoris, estamos desconectados de nossa cultura, de nossa língua e do conhecimento da nossa ancestralidade. Eu havia acabado de concluir um curso de imersão na cultura Maori, que é onde eu aprendi essas histórias. Quando voltei a trabalhar em saúde mental, vi o quão valiosas seriam essas histórias em conversas com pessoas que chegavam com sofrimento psíquico.
Eu então passei a trabalhar com adolescentes. Quanto mais eu compartilhava essas histórias, menos usava ferramentas tradicionais de avaliação psiquiátrica. Eu acho que parecia certo. Estávamos no ambiente certo para testar essas ideias e funcionava. O serviço envolveu-se na formação de psiquiatras registrados, os médicos treinando para serem psiquiatras.
A maioria dos psiquiatras registrados, não sendo nativos da Nova Zelândia, nem nascidos na Nova Zelândia, eram fascinados pela cultura Maori. Mas através da avaliação psiquiátrica, eles acabavam patologizando o maori. Houve alguma relutância, mesmo dos meus colegas maoris. Eles se sentiam desconfortáveis ou não tinham confiança em sua identidade maori; recorriam aos quadros ocidentais do conhecimento. Então, decidimos nos envolver em Mahi a Atuae apresentá-lo a um fórum nacional.
Nós a [a abordagem] apresentamos nacionalmente, recebemos um feedback muito bom, mas o que eu notei é que as pessoas continuavam a procurar o psiquiatra e o psicólogo por respostas e para discutir os problemas de uma perspectiva ocidental. Eu decidi ir para a escola de medicina para me tornar uma psiquiatra e para ganhar poder. Durante essa jornada, conheci meu marido Mark em 2009, que é o outro autor [no artigo da pesquisa]. A união de nós como um casal é inseparável da união de nossos mundos no mundo psiquiátrico com uma mesma agenda, que foi que os nossos modos maori de conhecimento deveriam estar na linha de frente no trabalho nessa comunidade e das questões que dizem respeito ao Maori.
Quando você fala sobre como nós utilizamos isso, na verdade é sobre nós enquanto indivíduos em nossa comunidade, privilegiando nossos espaços. Como asseguramos que nosso sistema de conhecimento seja priorizado? Para fazer isso, temos que permanecer aprendizes ativos. Mesmo que possamos ser especialistas em psiquiatria, não somos especialistas no modo de conhecer indígena. Portanto, quando estamos trabalhando com maori, como mantemos esse estado de aprendizado ativo? Eu não vejo isso muitas vezes com psiquiatras.
Além disso, as pessoas que estão usando Mahi a Atua tentam adotar feedback negativo. Em 2009, deparei-me com a abordagem de feedback de Scott Miller e Barry Dunkin. Isso repercutiu em mim porque, para aumentar nosso desempenho coletivo no desenvolvimento do Mahi a Atua, precisávamos aprender maneiras de receber feedback negativo e dar feedback negativo.
Quando se tratava de indivíduos e do trabalho com famílias em sofrimento psíquico, procedia-se com um formato particular, que é oferecer um Karakia, um encantamento ou uma oração consistindo no que a família valorizava, não no que fazíamos. Como sistema, decidimos que abordaríamos o racismo institucional e promoveríamos a indigeneidade ao voltar para o passado aprendendo e reintegrando-nos à nossa tradicional forma de orar. Então diremos a pessoa quem somos e de onde somos. O objetivo é conectar, encontrar uma conexão.
Depois disso, e muito semelhante ao Open Dialogue, trata-se de encontrar o significado por trás do sofrimento, tendo um diálogo compartilhado. Em seguida, um dos dois colegas de trabalho na sala desenhará e o outro escreverá uma história. Usamos nossas histórias de criação, e algumas delas podem levar dois minutos, outras dez. Atuas diferentes (deuses maori) são personificações do ambiente natural. Você pode usá-los como uma base estrutural psicológica. Quando terminamos de ouvir a história, temos uma conversa: fica-se curioso sobre os personagens da história e o que mais ressoa em você. O objetivo é tentar mudar a lente da gente para assim pensar sobre o problema de uma perspectiva diferente e ouvir um ao outro.
Nós temos um ditado “nada sobre as famílias sem as famílias”, então nós conversamos uns com os outros e permitimos que as famílias ouçam e respondam aos pensamentos, e então nós coletivamente reunimos algumas ideias sobre qual é o próximo passo. Tolerando a incerteza, acreditando na espiritualidade e no relacionamento, e valorizando uma conexão com a história; nossa conexão com nossas histórias de criação fortalece nossa conexão com os outros e, em seguida, cria um espaço que permite que as famílias que estão em perigo narrem sua própria história. Em essência, isso é Mahi a Atua.
Dhar: Qual é a importância da linguagem, das palavras que usamos para definir a experiência, em tudo isso?
Kopua: Meu pai cresceu em uma pequena cidade na costa leste da Ilha do Norte, Tikitiki. Ele e muitos outros foram punidos por falarem sua língua nativa. Então, em casa, eles falavam a língua maori, e é assim que eles formulavam conceitualmente sua emoção e sua experiência. Com a psiquiatria, quando sabemos que você está gravemente triste, estamos procurando que a pessoa se encaixe nos critérios corretos. Mas aqui encontramos o significado por trás desse sofrimento, porém sem impor um sistema de conhecimento que é estranho em nosso país.
Mahi a Atua está sendo capaz de restabelecer o que foi tirado de nós para que possamos reconceitualizar e reimaginar como é para nós nos sentirmos como um povo que foi colonizado. Nós tivemos terra, língua e cultura roubadas de nós.
Quando somos solicitados a falar de uma palavra, essa palavra nunca se traduz bem em uma palavra maori. Quando você está continuamente patologizando os povos indígenas que estão expressando a realidade de serem colonizados, meu trabalho, como psiquiatra, é conscientizá-los do contexto político em que a psiquiatria e a psicologia estão inseridas. Então, como nós compartilhamos histórias, a linguagem é muito importante. Encontramos frases e palavras-chave que mostram alguns deuses maoris sofrendo angústia e problemas também.
Algumas coisas surpreendentes saem das histórias, por exemplo, noho tatapu, é uma palavra para expressar o estar em um estado de restrição, referindo-se ao tempo em que nossos pais primordiais, o céu e a terra, foram mantidos em um abraço apertado. Com o tempo, eles ficaram frustrados com o aperto e a falta de movimento. Enquanto compartilhamos essas histórias, as pessoas começam a perceber que quando as famílias entram em nosso escritório, elas estão em um estado de noho tatapu. Ouvir essa história e permitir que elas entendam a restrição e o significado que ela adquire a em diferentes níveis culturais, políticos e sociais, e também introduz uma nova linguagem para nós utilizarmos, para conceituar uma nova maneira de entender o sofrimento psíquico que é única para nós como maori colonizado.
Dhar: Vivemos em um momento de crescente homogeneização cultural. Então, aonde você vê essa abordagem, uma abordagem baseada na conexão com o passado, e não com práticas psiquiátricas ‘modernas’?
Kopua: Estamos muito esperançosos. Vivemos em uma cidade pequena com pouco menos de 50.000 pessoas. Nós formamos uma massa crítica. Isso se tornou um movimento. A mídia social se tornou nossa amiga; somos capazes de nos dispersar e juntar as mãos àquelas pessoas que querem promover a ideologia indígena para mudar os resultados patéticos em nossa sociedade para os maoris.
Tudo o que fizemos foi criar uma massa crítica e está ganhando força. Nós não somos os únicos. O tribunal de Waitangi acabou de divulgar as recomendações sobre a Organização de Saúde Primária que é racista, e isso assegurando que prestem contas do que fazem, e estamos entusiasmados com isso.
Dhar: Alguns podem perguntar até onde você pode ir? Hoje é um grupo de 50.000 pessoas. Você começa a desenvolver novos conhecimentos para grupos de 10.000 e 15.000? Isso é viável?
Kopua: As pessoas da psicologia crítica e da psiquiatria estão dizendo que as famílias têm as soluções. Elas têm os recursos dentro delas. Precisamos projetar o sistema que aas respeite e as valorize como soluções. Acredito que as comunidades têm as soluções para seus problemas e precisamos pensar em como investimos. Nós não precisamos ser a resposta. Eu acho que isso é paternalismo. Sabemos agora que com este serviço que desenvolvemos reduzimos para metade o número de jovens que precisavam de ser encaminhados para serviços secundários.
Nós temos resultados. Paramos de diagnosticar, o que significa que deixamos de fazer do médico a coisa que precisávamos ir. Nós paramos de precisar de medicação. O que foi feito às nossas comunidades é que elas estão convencidas de que nós, psiquiatras e psicólogos, somos os especialistas, e devemos desfazer isso.
Eu não acho que muitos psiquiatras discordem de que isso tenha se tornado ridículo. Eu não acho que se trata de acabar com a psiquiatria e a psicologia, mas eu acho que existem alguns guardiões sentados em todos os níveis que se apegam às psicodisciplinas. Em um nível individual, em que eles gastaram muito tempo e dinheiro investindo nessas ferramentas para equipá-los para ajudar a comunidade, para agora ser dito por pessoas como eu que não o profissional não é útil e que é prejudicial, isso é uma ameaça à integridade e à identidade profissional.
Dhar: Eu acho que você chamou isso de fluxo unidirecional de expertise.
Kopua: Sim, e aqui na Nova Zelândia, leva muito tempo para realmente sair dos serviços, especialmente se você é um maori, no momento em que põe o pé na porta, você tem uma grande chance de conseguir um mau resultado.
Dhar: Eu li sobre isso. Os números de diagnóstico e resultado são terríveis para os maoris. Você acha que eles são reais ou resultados do racismo institucional e da colonização?
Kopua: Eles são todos os itens acima. Se não tivéssemos o DSM ou o CID, como seria? O serviço que nós desenvolvemos, e há um relatório público formal; triplicou o número de maoris que recorreram ao serviço em busca de ajuda. No momento em que os governos estão procurando maneiras de aumentar o acesso, nós fizemos isso.
Eles não estão sendo patologizados. Os resultados são muito bons: internações hospitalares foram reduzidas, menos pessoas estão sob tratamento compulsório agora. Mas nesse mesmo relatório, avaliando esse serviço, você tem clínicos gerais e organizações de saúde primárias e clínicos que podem não gostar dessa mudança.
Dhar: Houve recuo quando você estava tentando falar sobre isso?
Kopua: Então, em nível nacional, há pouco mais de uma dúzia de psiquiatras indígenas Maori. E um dos meus colegas tinha muitas pessoas o chamando, dizendo: “O que o Dr. Di está fazendo lá?” Além disso, nossa saúde primária está com as OS, privadas. Eles não são locais para a nossa comunidade. O que tivemos foi uma desconexão dos dados e o que eles representam; as estatísticas nacionais que mostram iniquidade. Isso criou um enorme retrocesso que nos atrapalha a tentar revolucionar o modo como trabalhamos.
Mahi A Atuafoi considerado algo que não dava às pessoas uma escolha. E, no entanto, o relatório formal mostra que víamos as pessoas mais cedo. Nós envolvemos mais famílias e usamos o tratamento informado como feedback. Nosso resultado foi realmente a valorização da voz da família. Isso não era apreciado porque acredito que o racismo institucional nos faz pensar que a configuração atual dos sistemas e os recursos são alocados de forma justa.
Dhar: Como sua abordagem e sua ética subjacente se encaixam na crítica que surgiu em torno do movimento global de saúde mental?
Kopua: O fortalecimento do sistema de classificação, o DSM é uma perpetuação da colonização, sem dúvida. O movimento global de saúde mental e a OMS querem resultados melhores. As políticas, no entanto, não refletem a experiência vivida das pessoas colonizadas. E eles precisam.
Se reconhecermos que o sistema de classificação está causando mais danos ao maori, então temos de abordar a questão: “O que precisa acontecer a seguir?” E é mais do que apenas o sistema de classificação. É mais que psiquiatria. Se você olhar para o nosso sistema de educação, nosso sistema de justiça criminal, nosso Ministério da Infância e Desenvolvimento social, as iniquidades estão em todos esses setores. Trabalhar enquanto coletivos é absolutamente essencial. O Trabalho Cooperativo nos permite tocar nosso colega no ombro e dizer: “Ei, não tenho certeza se a família entendeu isso” ou “Ei, acho que vi você conversando sobre a família”.
O sistema de classificação impacta a confiança da nossa comunidade através do mito da meritocracia, que é que se eu trabalhar duro o suficiente eu posso conseguir tudo o que desejo. Não é verdade. E eu acho que é sobre isso que Mahi a Atuaé. Algumas tribos foram forçadas a sair da terra durante a noite. A pobreza é o problema real, mas estamos empobrecidos por um motivo. E assim a história colonial e o significado por trás disso, isso é uma parte enorme.
Quando conhecemos pessoas que entram no sistema porque podem estar deprimidas ou ter um transtorno de ansiedade, é uma maneira desconectada de encará-las. E acho que está desconectado porque estamos tão conectados ao ato de saúde mental, às ferramentas de diagnóstico e à medicação, e quando pensamos que estamos sendo holísticos, isso significa TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental).
Dhar: O que é algo que seria considerado não necessariamente problemático entre os maoris, mas no momento em que a linguagem é traduzida, ela se torna um distúrbio?
Kopua: Vamos direto para o ouvir vozes. Na pré-colonização a maioria de nós como povos indígenas tinha uma conexão com o mundo espiritual, mas se entender isso agora é difícil. Você consegue imaginar uma criança sendo capaz de dizer a seus pais livremente que ouviram vozes? Mas nossa realidade é o momento em que uma criança diz a seus pais que elas ouvem vozes, os pais vão querer que o filho faça de conta que não disse isso. Eles vão dizer a eles: “Não conte isso a ninguém”. Isso é para aqueles de nós que estão desconectados ou não têm nenhum caminho a seguir para aprender mais sobre isso de uma maneira espiritualmente enriquecedora.
A maioria dos psiquiatras concorda que a cultura é importante, mas as estruturas e a maneira como somos financiados por recursos financeiros têm tudo a ver com os diagnósticos e esse conceito de tratamentos baseados em evidências. Ninguém está interessado nas evidências encontradas na prática, evidências baseadas na prática. Mas sei que nossos curandeiros espirituais têm tantas histórias de famílias que obtêm resultados fantásticos com eles. Porque não é algo sobre o que falamos abertamente, publicamente, com que diabos estamos destinados a crescer?
Dhar: Em minha pesquisa em partes muito rurais do Himalaia, havia uma mulher cuja mãe costumava ouvir vozes e ver pessoas dançando enquanto ela trabalhava na lavoura. Ela dançava com eles em vez de se sentir angustiada ou com medo.
Kopua: Como indígenas os psiquiatras entram em uma comunidade, aonde a maioria da população é maori, uma proporção significativa dos médicos sendo maori, mas as pessoas que tomam todas as decisões importantes são do exterior. O que eu notei é que quando eu entrei, se podia igualmente ter dito que eu estava ouvindo vozes. Eu ficava dando risadinhas para mim mesma, porque, pensava eu, bem que eu poderia muito bem estar a ouvir vozes e vocês não poderem ouvi-las, e vocês não quererem ouvi-las, e vocês só querendo é calar as vozes.
Eu estava pensando em quanto de isolamento isso pode ser, mas e se você estiver em uma comunidade que valorize essa experiências! Meu primo é um ouvinte de voz. Eu tenho sobrinhas e sobrinhos e amigos; eu aprendi com a experiência deles.
Dhar: Isto abre um conjunto de respostas para a experiência de ouvir vozes além do medo. Você está ciente de algum trabalho semelhante hoje em dia no mundo e que lhe excite?
Kopua : Eu sei que você mencionou o Diálogo Aberto; Eu acho que o trabalho deles é incrível. Eu só me pergunto sobre as populações indígenas. O Diálogo Aberto é ótimo. Eu não sei se quando você está trazendo [essa abordagem] para um outro país, se estamos acertando. Eu acho que as comunidades têm tantas soluções, mas não temos tempo suficiente [para falar disso agora].
Dhar: Você falou sobre o contexto histórico, como o Tohunga Suppression Act. Você pode falar um pouco sobre isso?
Kopua: Isso contribuiu para a redução e o número de Tohunga que contribuíram para a cura. O Tohunga Suppression Act contribuiu para o desaparecimento do Mukku facial das nossas artes culturais. E assim, ser capaz de restabelecer essas artes é cura coletiva. Recuperar a nossa linguagem é cura coletiva.
A legislação na Nova Zelândia é a colonização em ação. Nós tivemos nossas mães Maori que foram informadas de que a amamentação era [algo] suja, não apenas em público, apenas amamentar. Eu lhe falei sobre não poder usar nossa linguagem. Nós não fomos autorizados a comprar terras enquanto um coletivo. Isso ainda está acontecendo hoje. Estamos construindo autoestradas pelas terras indígenas das pessoas.
Quando as pessoas vêm do exterior e não entendem o impacto da colonização nos povos indígenas, acho que elas mesmas perpetuam o racismo. Elas sabem a resposta por serem especialistas em psiquiatria. Isso vai contra tudo o que eu valorizo e que eu acredito. Então, realmente, estou pensando em me afastar da psiquiatria. Para abordar a individualidade, a meritocracia; restaurar as nossas histórias.
Dhar: O que você tem a dizer para as pessoas que dizem que podemos integrar Mahi a Atuaao conhecimento psiquiátrico, ou a algo como a TCE [terapia cognitivo-comportamental]?
Kopua: Todas as nossas ideias são adjuntas. Eles são adicionais e, apesar de estarem com a melhor intenção, são adjuntas e não estão bem. De fato, no serviço que desenvolvemos, [a nossa abordagem] é o carro-chefe do serviço, é a porta da frente para os que estão em perigo. É uma metodologia Maori e um serviço mainstream. Nós estamos dando um cabalo de pau e fazendo disso o mainstream.
Eu tenho esse conjunto de conhecimentos e acho que é o que chamamos de conhecimento clínico. Mas o que a palavra ‘clínico’ significa? Existe essa expectativa de que o clínico é ocidental. Temos tentado encontrar uma palavra que tire a atenção da clínica porque muitas vezes usamos essa palavra para validar nossas suposições básicas que são absolutamente racistas, sem a ideia de que ela é proveniente de um espaço racista.
Dhar: Você pode me dar um exemplo disso?
Kopua: Um homem maori de 30 anos cuja mãe trabalha em uma organização de alto nível e o pai é separado. Eles queriam o Mark e eu. Em nosso serviço, você pode perguntar quem você quer. Então, nós passamos pelo processo com eles. Esse homem que era suicida, tão deprimido e em um espaço escuro, ganhou vida ao ouvir a história.
Agora, ele entra em nosso serviço e nós o medimos, e ele se sai muito bem. Mas para o serviço básico de saúde, com quem deveríamos trabalhar em parceria, eles queriam registros sobre os caminhos clínicos para alguém como ele. E dizer que fizemos Mahi a Atuasignifica que há um risco clínico. Porque não fizemos uma avaliação clínica, mas a partir de um paradigma maori, fizemos tudo o que é consistente com o que valorizamos. A família e o homem se engajaram e voltaram de novo e de novo. E um dos problemas que temos para os maori é a) eles entram [no sistema de assistência] muito tarde e b) param de vir. Isso é [típico] de um sistema que valoriza os clínicos que se comportam clinicamente.
Dhar: Isso acontece com a esquizofrenia, que as pessoas parem de vir para o tratamento e tomar a medicação, e são rotuladas como resistentes ao tratamento.
Kopua: Talvez esse seja o papel da saúde mental global, e mais pesquisas precisam ser feitasporque há uma falta de conhecimento sobre como retirar alguém de um grande tranquilizante, preparando as famílias para serem parceiras. Nós não somos muito bons nisso. Ser capaz de retirar o diagnóstico.
Um dos meus traineesnotou que quando vemos as famílias, estamos desfazendo o dano que aconteceu. Não seria ótimo se fortalecêssemos nossos estagiários nessa área e nos tornássemos uma subespecialidade da psiquiatria mais crítica e tivéssemos mais recursos para os psiquiatras desfazerem os danos que a instituição faz em primeiro lugar?
Mais um estudo brasileiro foi realizado sobre a abordagem finlandesa Open Dialogue (Diálogo Aberto), dessa vez realizado por Ana Carolina Florence, da Universidade Estadual Paulista (UNESP). O artigo A abordagem Open Dialogue: história, princípio e evidências foi publicado recentemente na revista Polis e Psique (UFRGS).
O artigo traz os principais elementos do Diálogo Aberto através de uma ampla revisão narrativa de literatura, trabalho relevante já que a maior parte dos materiais sobre a abordagem encontram-se em inglês. A abordagem finlandesa vem ganhando relevância no Brasil, de maneira especial pelos seus altos índices de recuperação no tratamento de casos de psicose, através de um modo dialógico. A possibilidade de reabilitação da pessoa com quadro psicótico é especialmente relevante para o campo da Atenção Psicossocial brasileira, pois esta lida com problemas graves de saúde mental, sempre visando evitar a institucionalização e cronificação dos problemas.
A autora nos lembra que houveram grandes avanços no processo de desinstitucionalização do cuidado em saúde mental, mas ainda temos algumas dificuldades no atendimento de crises psicóticas, quando a principal estratégia hoje, quando não a única, é a medicação. Existem vários estudos mostrando que pessoas medicadas com neurolépticos desde o início do tratamento se recuperam menos a longo prazo quando comparadas com pessoas que não utilizaram neurolépticos ou que tiveram suas doses reduzidas.
Vamos destacar alguns elementos que a autora traz no artigo. Primeiro, o Diálogo Aberto tem um entendimento da psicose diferente do DSM-V. Enquanto o DSM-V vê a psicose como uma doença, o Diálogo Aberto acredita que as crises psicóticas são um modo de lidar com experiências assustadoras que o sujeito encontrou, sendo as alucinações e delírios a única expressão possível para ele. As situações de estresse podem produzir reações psicóticas, e quando não são tratadas, podem se cristalizar e dificultar o tratamento.
O artigo vai expor de maneira muito clara os sete princípios que orientam o trabalho do Diálogo Aberto, mas eu gostaria de apresentar aqui aquele que talvez seja o mais complexo de entender, a dialogicidade. Para começar, dialogicidade vem de diálogo, e para a abordagem finlandesa, diálogo é diferente de uma conversa. Enquanto na conversa os participantes são orientados para um consenso comum, a diálogo tem a função de produzir novos sentidos.
A dialogicidade significa que as reuniões de tratamento realizadas na rede social do paciente tem como seu primeiro objetivo gerar diálogo. É através da dialogicidade que novos sentidos sobre o problema podem ser construídos e a capacidade de administração da vida pode ser expandida. A escuta nesse momento é importante para permitir que todos tenham um espaço para falar. E um detalhe da maior importância: é a equipe dos profissionais refletir abertamente suas reflexões e impressões com todos os participantes da reunião.
O Diálogo Aberto tem algumas bases epistemológicas que sustentam sua prática da dialogicidade, entre elas estão o construtivismo social, os filósofos Buber, Levinas e Bakhtin, além dos trabalhos de Vygotsky sobre o desenvolvimento da linguagem. Por influência do construtivismo social, o Diálogo Aberto parte do princípio de que não há separação entre a verdade e as formas de expressão humana, a construção de sentido é co-produzida pela linguagem. Portanto, o efeito terapêutico da dialogicidade está na sua capacidade de produzir novas palavras e histórias no contexto da rede próxima da pessoa em sofrimento.
Buber, Levinas e Bakhtin influenciam o Diálogo Aberto em seu entendimento que há uma assimetria fundante entre o Eu e o Outro, e a possibilidade de diálogo está no reconhecimento do Outro como um outro Eu. Dessa forma, é no espaço entre as pessoas que a dialogicidade tem a sua contribuição, pois é aí que se produz a co-criação de narrativas. O Diálogo Aberto não vai explicar os fenômenos da psicose, mas vai se preocupar como uma determinada família discute um problema e cria novas possibilidades para novas respostas nesse processo.
Por fim, Vygotsky também exerce influencia sobre a abordagem finlandesa, de maneira especial com a Zona de Desenvolvimento Proximal. Descrito como uma janela no desenvolvimento, em que novas habilidades mais complexas podem ser adquiridas através da ajuda de una pessoa mais experiente, leva a compreender as propriedades terapêuticas da dialogicidade. Nas reuniões a equipe tem a função de funcionar como o outro mais experiente, que não se encontra tão afetado pelo problema e que já viveu outras situações em que as crises puderam ser superadas, ela então se coloca como uma presença calma e reconfortante que demonstra que é possível falar sobre assuntos extremamente difíceis e sobreviver.
Dentro da dialogicidade, outro tema relevante é a ‘polifonia’. Termo introduzido por Bakthin, baseia-se em compreender que a realidade é construída socialmente através de múltiplas vozes, e não tem como objetivo encontrar uma voz dominante. Essas vozes não se referem apenas ao que foi falado, mas também à consciência. A polifonia significa que as mensagens se constroem no espaço entre sujeitos e adquirem novos e diferentes sentidos a cada nova situação. Por conseguinte, nas reuniões todas as vozes são importantes e devem ser ouvidas, e não há o interesse de estabelecer quais vozes são mais verdadeiras que outras. Quanto mais vozes se apresentam ao diálogo, maior é a possibilidade de construir novos sentidos e novas compreensões, produzindo assim respostas.
Depois de apresentar as evidências de efetividade do Diálogo Aberto, a autora termina concluindo que a abordagem finlandesa não concorre com outras ofertas terapêuticas, portanto poderia ser um opção válida para compor a rede de serviço brasileira, principalmente no atendimento ao primeiro episódio psicótico, que já conta com uma riqueza de possibilidades.
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FLORENCE, A.C. A abordagem Open Dialogue: história, princípios e evidências. Rev. Polis e Psique, 2018; 8(1): 191 – 211. (link)
Os pesquisadores analisaram a linguagem usada na chamada ‘Bíblia’ dos diagnósticos psiquiátricos. Os pesquisadores descobriram que o manual de diagnóstico e estatística, ou DSM, é internamente inconsistente, prejudicando a sua própria mensagem. Seus diagnósticos estão focados tanto na promoção de um modelo médico – em que as categorias são conhecidas como ‘transtornos’ biomédicos -, quanto que ao mesmo tempo fornece aos clínicos maneiras de alterar as categorias e de diagnosticar sob bases de julgamento que é puramente subjetivo. De fato, o que o manual diz é que reconhece que esses ‘transtornos descritos’ são simplesmente categorias arbitrárias. Os pesquisadores escrevem,
“Na medida que o DSM-5 reconhece que as experiências nem sempre se encaixam nos limites de um transtorno específico, suas regras são, portanto, internamente inconsistentes. O manual apresenta uma classificação de distúrbios determinados e homogêneos, mas reconhece ao mesmo tempo que essa estrutura nem sempre pode ser seguida devido à sobreposição entre as categorias diagnósticas ”.
(Image Credit: Will Laren/Flickr Creative Commons)
Um argumento comum a favor do diagnóstico psiquiátrico é que ele auxilia na pesquisa. Os proponentes do diagnóstico argumentam que isso permite que os pesquisadores criem grupos para testar hipóteses. No entanto, isso só faz sentido se os grupos forem significativos – se os indivíduos de um grupo, de alguma forma, forem semelhantes entre si.
Ao contrário dos diagnósticos médicos, os critérios para diagnósticos psiquiátricos são bastante amplos. Segundo os pesquisadores,
“Na maioria dos diagnósticos tanto do DSM-IV-TR quanto do DSM-5 (64% e 58,3%, respectivamente), duas pessoas poderiam receber o mesmo diagnóstico sem que compartilhem qualquer sintoma em comum.”
Geralmente, para um distúrbio (transtorno) médico, seria de se esperar sintomas semelhantes entre as duas pessoas com a mesma doença diagnosticada.
Devido a esses critérios amplos e variados, muitos dos indivíduos com os mesmos diagnósticos podem não ter o sintoma específico que os pesquisadores desejam estudar. Dessa forma, os diagnósticos realmente dificultam a pesquisa, agrupando indivíduos muito diferentes em categorias arbitrárias.
Isso também afeta o trabalho clínico. Para trabalhar com clientes que apresentam depressão, por exemplo, os médicos têm duas escolhas. Eles podem seguir os tratamentos ‘baseados em evidências’, que são baseados na melhoria média de um grande grupo de pessoas, que podem ter ‘sintomas’ ou experiências diferentes – o que significa que não há conhecimento de quem pode ou não se beneficiar desses tratamentos. Em essência, com base na suposta semelhança de pessoas com depressão, os médicos estão dando um tiro no escuro
Por outro lado, os médicos podem adaptar a sua abordagem ao indivíduo com quem estão trabalhando. No entanto, isso é baseado inteiramente nas crenças subjetivas do clínico sobre o que irá funcionar, em vez de se basear em pesquisas.
Nenhuma delas é uma abordagem realmente científica, segundo Allsop e os outros pesquisadores. No entanto, os clínicos muitas vezes confiam na abordagem ‘pragmática’ de adaptar sua intervenção ao cliente individual, dizendo que pelo menos ela se baseia na pessoa e não em uma classificação arbitrária.
Eles escrevem: “Uma abordagem pragmática da avaliação psiquiátrica, permitindo o reconhecimento da experiência individual, pode, portanto, ser uma maneira mais eficaz de entender o sofrimento psíquico do que manter o compromisso com um sistema categórico falso”.
Os pesquisadores fizeram uma análise temática de cinco capítulos do DSM. Isso permitiu que eles determinassem como os sintomas eram enquadrados dentro e entre os diagnósticos.
Por exemplo, na maioria das situações, cabe ao clínico definir o que é ‘comum’ ou normal” para o seu cliente.
Além disso, como ocorre com o Transtorno Pós-Traumático, os diagnósticos baseiam-se em ‘sintomas’ que geralmente são aceitos como respostas normais a eventos traumáticos intensos e dolorosos. No entanto, os critérios diagnósticos não especificam como determinar quando essas respostas normais se tornam significantes ‘anormais’ da ‘doença’.
Os autores observam que o DSM inclui as categorias “Outros especificados” e “Não especificado” para cada transtorno, que não incluem nenhum critério. Esses diagnósticos permitem que os médicos rotulem os usuários do serviço, mesmo que não apresentem nenhum sintoma, baseado inteiramente no ‘julgamento clínico’.
Os pesquisadores escrevem que alguns diagnósticos exigem a presença de ‘sofrimento clinicamente significativo’, que, é claro, é definido pelo médico sem uma medida objetiva. No entanto, alguns critérios permitem que os clínicos ignorem até mesmo esse julgamento subjetivo e façam um diagnóstico de ‘uma mudança marcante’ no funcionamento, mesmo que a pessoa não esteja sofrendo.
Curiosamente, o DSM-5 afirma que é um sistema ‘ateórico’ de classificação – ou seja, a própria ‘bíblia’ diagnóstica não oferece teorias sobre como ou por que esses supostos ‘transtornos’ emergem. No entanto, um capítulo é agrupado de acordo com a teoria – que é o capítulo sobre Transtorno Pós-Traumático. Os distúrbios nesta seção exigem uma exposição prévia a experiências de risco de vida que seriam traumáticas em qualquer situação. Os sintomas nesta seção se sobrepõem consideravelmente com relação às outras seções, principalmente com os diagnósticos de depressão e esquizofrenia. No entanto, essas duas categorias diagnósticas não mencionam a possibilidade de trauma como sendo o fator causal.
Os pesquisadores sugerem ser este um dos maiores erros no DSM: que implica que o trauma é apenas um fator causal importante para diagnósticos muito particulares, como o ‘Transtorno Pós-Traumático’. Não obstante, os pesquisadores vem descobrindo evidências de que o trauma está implicado no contexto da maioria dos diagnósticos, apesar das tentativas de rotulá-los como meramente ‘biológicos’.
A categorização do DSM ofusca o impacto do trauma e dos estressores (como são a pobreza e o isolamento) no bem-estar humano. Mesmo para o ‘Transtorno Pós-Traumático’, isso implica que a resposta (evitação, pesadelos, etc.) seja um trauma intenso e potencialmente fatal para o ‘transtorno’. Os pesquisadores escrevem:
“Fazendo referência a trauma ou estresse apenas em um capítulo, o DSM-5 implica que as outras categorias diagnósticas não estejam relacionadas ao trauma. A consideração de adversidades sociais, psicológicas ou outras em cada um dos diagnósticos é, portanto, minimizada; os sintomas são construídos como anômalos ou desordenados, em vez de potencialmente compreensíveis em relação às experiências de vida de uma pessoa. Mesmo dentro do capítulo de transtornos relacionados a trauma e seus estressores, as experiências avaliadas, apesar de estarem especificamente relacionadas ao trauma, são vistas como sintomáticas de uma resposta desordenada ou inadequada a esse trauma. ”
Assim, Allsopp e os outros pesquisadores sugerem que o DSM é em seu todo um manual falho, contraditório, cientificamente inútil e que os médicos já pouco fazem uso dele (em vez disso, os médicos passam a confiar no julgamento subjetivo puro).
Agências federais estão começando a se dar conta disso. O Conselho Superior de Saúde da Bélgica acaba de publicar um relatório recomendando ‘cautela’ no uso de sistemas de diagnóstico como os que são usados nos sistemas de saúde dos Estados Unidos e da Europa.
De acordo com esse relatório, “as classificações não fornecem um quadro dos sintomas, necessidades de manejo e prognóstico, porque lhes faltam validade, confiabilidade e poder preditivo”.
É urgente:
“Uma abordagem baseada em recuperação (clínica, pessoal e social), que contextualize melhor os sintomas e adapte as intervenções de acordo com os valores, afinidades e objetivos dos pacientes, trabalhando em estreita colaboração com eles”.
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Allsopp, K., Read, J., Corcoran, R., & Kinderman, P. (2019). Heterogeneity in psychiatric diagnostic classification. Psychiatry Research, 279, 15-22. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2019.07.005 (Link)
Da BBC / People Fixing the World: “Todos os anos, profissionais de saúde mental do mundo inteiro visitam Trieste, na Itália, para ver o que podem aprender com a abordagem da cidade para a doença mental.
Em 1978, Trieste liderou uma ‘revolução’ nos cuidados de saúde mental na Itália, fechando seus asilos e acabando com a contenção de pacientes. Hoje, a cidade é designada como ‘centro de colaboração’ pela Organização Mundial de Saúde, em reconhecimento ao seu trabalho pioneiro.
O repórter Ammar Ebrahim visita Trieste para ver como o sistema funciona – dos centros comunitários informais aonde as pessoas podem entrar e permanecer o tempo que precisam, para as empresas que oferecem oportunidades de carreira para aqueles que passaram pelo sistema psiquiátrico.
Ouvimos sobre a política da cidade de ‘sem portas trancadas’ e perguntamos como a Trieste lida com pacientes que outras sociedades podem considerar ‘perigosas..”
O estudo nasceu do interesse dos autores sobre o tema após o curso de pós graduação de saúde mental. Tem como objetivo conhecer o sofrimento e a violência que a lógica proibicionista causa na vida dos usuários de substâncias ilícitas. Para tal, a metodologia escolhida foi a revisão bibliográfica, realizado no período de 2013 à 2017.
O artigo inicia descrevendo um pouco sobre a história do proibicionismo das drogas psicoativas, mesmo que elas sejam tão antigas quanto a própria humanidade, e seu uso também. Ainda sim, tornaram-se um problema de Estado a partir do século XIX, com a guerra do ópio entre Inglaterra e China, inicialmente movida por questões econômicas. No século XX o proibicionismo se torna uma política mundial por meio de acordos e tratados internacionais, influenciado especialmente pelos EUA e já tornando-se um “problema sanitário”.
No Brasil o uso de plantas medicinais e psicoativas pelos indígenas era comum. Porém apenas com a abolição da escravatura o proibicionismo de certas substâncias virá a tona como forma de controlar a cultura negra, visto que o uso da maconha era comum entre eles. A planta foi proibida no território brasileiro em 1921.
” (…) A postura proibicionista tem duas áreas de atuação: acabar com a produção, o cultivo e o tráfico de drogas no mundo, isto é, acabar com o consumo de drogas ilícitas no mundo, onde o uso das drogas tem uma associação dualista entre o bem e o mal, o certo e errado.” (Sodelli,2010)
Já a política de redução de danos surge no Estado brasileiro com a constatação da insuficiência da estratégia de guerra às drogas e perante o aumento da variedade e do uso de substâncias ilícitas, recebendo apoio de movimentos sociais de direitos humanos. É uma proposta que confronta a lógica proibicionista de diversas maneiras.
“A redução de danos, por seu turno, fundamenta-se nos princípios de pluralidade democrática, exercício da cidadania, respeito aos direitos humanos e da saúde.(Ribeiro, 2013, p. 46)
A redução de danos tem por objetivo um conjunto de medidas que busca minimizar as consequências adversas do uso/abuso de drogas. O próprio usuário deve tomar a iniciativa na estruturação de estratégias para cuidar de sua saúde, junto com os profissionais, permitindo que o sujeito responsabilize-se pela sua existência.
“(…) em todas as ações de redução de danos devem ser preservadas a identidade e a liberdade da decisão do usuário sobre qualquer procedimento relacionado à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento (Brasil, 2005), isto necessariamente levará a minimização que a violência e o sofrimento produzido pelo proibicionismo imprime na vida dos usuários de drogas ilícitas, já que valoriza a promoção de um mecanismo individual de autocontrole/autorregulação do consumo (Cruz & Machado, 2013) (…).”
Os autores chegaram a conclusão que o ideal de um mundo sem drogas, promovido pela lógica proibicionista, é intangível, visto que, o uso de drogas faz parte das possibilidades existenciais, o uso de drogas ilícitas é muito mais complexo, pois está vinculado ao sentido que o sujeito estabelece com a substância, a partir da relação com o seu contexto vivencial e social.
A lógica proibicionista gera estigmas, sofrimento e violência para os usuários, diminuindo a liberdade existencial do indivíduo. Isso se intensifica mais quando o usuário é pobre, negro e vive na favela. A violência institucional impossibilita o crescimento do indivíduo, impedindo que este desenvolva escolhas mais livres e conscientes.
“A compreensão fenomenológica existencial e humanista nos mostrou que o ser humano tem uma tendencia ao crescimento, a autonomia, a atualização; mas diante de quaisquer circunstância que impede a tomada de consciência dos sentimentos e significações pessoais levam o indivíduo a sentir angustia, medo, rejeição.”
A abstinência e repressão não reduzem a vulnerabilidade dos indivíduos, nem os ajuda a relacionar-se com a substância de outro modo, bem como não constrói uma rede de cuidados. Portanto, a redução de danos é a melhor opção, pois diminui as distâncias sociais e o sofrimento existencial. Através da escuta, do respeito e da liberdade, é possível resgatar o que passa no íntimo do indivíduo, refletindo e trazendo novas possibilidades existenciais.
O artigo trata da redução de danos para os usuários de drogas ilícitas, mas também é utilizado por algumas pessoas para as drogas psiquiátricas. Como é o caso de Will Hall e o grupo de ex pacientes psiquiátricos estadunidenses, já que o uso de psicofármacos também pode ser usados de maneira abusiva. O movimento luta para que os usuários de saúde mental tenham sua autonomia e responsabilidade sob o tratamento respeitadas pelo sistema de saúde.
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SILVA, B.S.B. da; PESSOA, P. J. de A.Sofrimento e violência que a lógica proibicionista gera na vida de usuários de drogas ilícitas. Estudos e Pesquisas em Psicologia, Rio de Janeiro v. 19 n. 1 p. 187-205 Janeiro a Abril de 2019. (Link)
Um estudo recente, publicado no Journal of College Student Psychotherapy, explora como é que receber um diagnóstico psiquiátrico e medicação psiquiátrica pode levar ao estigma social para estudantes universitários. O estudo baseia-se em pesquisas anteriores sugerindo que as caracterizações biológicas da doença mental, especialmente quando ligadas à intervenção farmacêutica, podem produzir estigma social, atribuindo a responsabilidade pelo sofrimento vivenciado principalmente aos indivíduos que o vivenciam.
Segundo os autores do estudo, liderado por Benjamin Johnson, um doutorando em psicologia clínica na Marquette University:
“O estigma em relação à doença mental tem sido estudado extensivamente e numerosos temas de pesquisa têm surgido. Por exemplo, os pesquisadores têm examinado os determinantes das atitudes estigmatizantes como sendo uma função tanto das características pessoais das pessoas que mantêm essas atitudes como também das características clínicas da pessoa ou das pessoas que são alvo do estigma.”
Indo mais longe, eles acrescentam que:
“Uma atribuição importante e frequente sobre doenças mentais diz respeito ao controle e à responsabilidade. Estudos têm mostrado que as pessoas tendem a atribuir mais capacidade de controle a doenças mentais do que a doenças médicas. . . Atribuições de responsabilidade, às vezes atribuídas como fraqueza pessoal. . . têm sido encontradas associadas com reações emocionais negativas (como medo e raiva) e reações comportamentais discriminatórias (como a evitação ou falta de vontade de contratar alguém).
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Isso faz parte de uma longa história de psiquiatras que usam pesquisas sobre o cérebro para explicar comportamentos individuais que parecem se desviar das normas sociais estabelecidas. Essa tendência para um modelo biomédico de saúde mental tornou-se mais pronunciada após a publicação do DMS-III, a terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico para Transtornos Mentais, em 1980. Desde então, tem havido uma meta abrangente para desenvolver critérios operacionais para transtornos mentais que possam ser ligados com mais sucesso à intervenção farmacêutica.
E ainda, o modelo biomédico de doença mental tornou-se cada vez mais alvo de críticas por pesquisadores clínicos, profissionais de saúde mental e sobreviventes / usuários de serviços psiquiátricos. Além das acusações de que as abordagens neurobiológicas da psicologia se baseiam em um conjunto de pressuposições errôneas, tem sido sugerido que as abordagens biomédicas dos cuidados com a saúde mental marginalizam as vozes e as experiências daqueles que recebem serviços. Este fenómeno foi descrito em termos de injustiça contributiva, em que aqueles que sofrem psiquicamente não estão autorizados a contribuir para discussões sobre o que pode ou não estar errado com eles.
Johnson et al., os autores do estudo, descrevem como recentes “campanhas de educação pública visando reduzir o estigma têm reforçado a ideia das causas biológicas da doença mental”, e ainda “o efeito dessas campanhas tem sido contraditório e potencialmente contraproducente”. Assim sendo, enquanto a promoção de explicações biomédicas pode ter levado a uma mudança geral na percepção pública sobre as habilidades dos indivíduos para ‘controlar’ seus sintomas, tais campanhas “não parecem ser bem sucedidas em reduzir outras reações estigmatizantes e podem, na verdade, estar aprimorando-as de várias maneiras.”
A pesquisa realizada por esses autores analisou especificamente como essas reações estigmatizantes poderiam ter um papel na vida dos estudantes universitários. Tomar como foco esta população é especialmente importante, na medida em que os serviços de saúde mental e os medicamentos para TDAH são geralmente mais acessíveis para eles do que para outros grupos.
Os autores desenvolveram as três hipóteses abaixo para testar como os estudantes universitários podem reagir cognitiva, emocional e comportamentalmente ao sofrimento de um colega quando ele é caracterizado em termos psiquiátricos:
“Primeiro, com base na expectativa de que a esquizofrenia teria maior probabilidade de ser percebida como sendo causada por fatores biológicos do que o transtorno depressivo maior, previa-se que os participantes atribuíssem mais responsabilidade ao aluno-alvo descrito como deprimido.
Segundo, com base na pesquisa de atribuição, previa-se que os participantes mostrariam mais reações emocionais negativas e disposições comportamentais mais estigmatizantes em relação ao aluno-alvo com depressão.
Finalmente, previa-se que os participantes atribuiriam mais responsabilidade, endossariam mais reações emocionais negativas e disposições comportamentais mais estigmatizantes, quando a vinheta incluísse uma declaração de que o aluno-alvo havia tomado uma medicação para a doença, mas que depois que havia parado. ”
Para realizar esta pesquisa, os autores criaram quatro vinhetas separadas de universitários do sexo masculino, metade descrevendo ‘um episódio de depressão severa’ e a outra metade ‘um episódio de esquizofrenia’. Cada participante universitário recebeu uma vinheta para ler antes de preencher um questionário sobre como essa pessoa pode ser percebida se encontrada.
A pesquisa abrangeu seis diferentes escalas de estigma, categorizadas em termos de responsabilidade, falta de simpatia, raiva, indisposição para ajudar, coerção para o tratamento e distância social. Possíveis atribuições que os participantes poderiam escolher variavam de sentimentos como “eu pensaria que sua condição atual é da sua inteira responsabilidade” e “a sociedade deveria forçá-lo a procurar tratamento” até “eu sentiria pena dele”.
Para encontrar correlações entre essas variáveis o grupo de pesquisadores realizou várias análises estatísticas ANOVA. Conforme explicam, os resultados parecem indicar que quando os ‘alunos-alvo’ eram considerados responsáveis por suas ações, havia uma maior probabilidade de emoções negativas ou de outras crenças estigmatizantes expressas em relação a eles. Além disso, o estigma aumentava se um ‘aluno-alvo’ recebesse medicamentos psicotrópicos em algum momento, mas que, por qualquer motivo, parasse de tomá-los.
Os participantes também responderam de maneira muito diferente aos casos descritos como ‘depressão grave’ do que aos descritos como ‘esquizofrenia’. Em geral, os ‘alunos-alvo’ diagnosticados com depressão foram considerados mais responsáveis pela sua angústia, o que por sua vez gerou menos simpatia dos participantes. Alunos-alvo diagnosticados com esquizofrenia, em contraste, foram considerados “menos responsáveis [porém] mais simpáticos, presumivelmente por causa de uma crença na causa biológica do distúrbio”.
E, no entanto, os participantes também eram muito mais propensos a considerar os ‘alunos-alvo’ diagnosticados com ‘esquizofrenia’ como mais perigosos (para si mesmos e para os outros) do que aqueles diagnosticados com ‘depressão severa’. Isto também foi associado com a suposição de que a coerção no tratamento médico em casos envolvendo esquizofrenia pode ser não somente útil, mas frequentemente necessária quando medicações psicotrópicas não são usadas como prescrito.
Considerando-se o valor demonstrado, o estudo parece sugerir que os estudantes universitários que recebem serviços de saúde mental provavelmente encontrarão estigma social de pares em uma variedade de formas. O estudo também apoia pesquisas anteriores que indicam que esse estigma pode ser reforçado por suposições populares de que: a) existem causas biológicas para o sofrimento mental, e b) tratamentos farmacológicos são uma forma efetiva de intervenção psiquiátrica para o sofrimento. Finalmente, os autores observam que as crenças estigmatizantes eram menos prováveis entre os participantes que haviam tido alguma experiência anterior com serviços de saúde mental, seja para si ou para amigos / familiares.
Embora os insights acima sejam importantes, há algumas limitações que devem ser lembradas em relação a essa pesquisa. As vinhetas dadas aos participantes eram, auto-reconhecidamente, representações excessivamente simplistas de situações que envolviam sofrimento mental, bem como se concentravam exclusivamente em indivíduos do sexo masculino. Elas também foram escritas de maneiras que incluíam intencionalmente estereótipos comuns relacionados à ‘doença mental’. De fato, dada a frequência com que o termo ‘doença mental’ foi referenciado ao longo do estudo, não fica claro a partir do artigo como um conjunto alternativo de suposições poderia parecer, ou como os pesquisadores se proporiam a estudá-lo.
Os autores também observaram que os participantes tiveram taxas desproporcionalmente baixas de exposição a serviços de saúde mental quando comparados à população geral. Dado que os participantes eram todos estudantes de graduação, e o modelo biomédico é considerado a abordagem padrão para a atenção em saúde mental, poderia valer a pena explorar se tais crenças e premissas estigmatizantes foram reforçadas nos cursos universitários que os participantes realizaram.
No entanto, Johnson e seus colegas expressam otimismo de que suas pesquisas podem, no mínimo, servir como um estudo-piloto para uma exploração mais profunda das formas como o estigma relacionado aos serviços de saúde mental afeta a vida dos estudantes universitários. Especificamente, eles esperam que essa pesquisa estimule os educadores e administradores universitários a refletirem mais conscientemente sobre as maneiras pelas quais os estudantes com histórico de receber serviços de saúde mental:
“Podem enfrentar uma carga especial de expectativa – e estigma associado – se não tomarem medicamentos, que têm sido promovidos como úteis por várias décadas. Isso é especialmente relevante, uma vez que os medicamentos não ajudam todas as pessoas com depressão e, de fato, demonstraram ser menos eficazes que a psicoterapia no tratamento da depressão em adultos ”.
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Benjamin T. Johnson, Peter P. Grau & Stephen M. Saunders (2019): Psychiatric Medications and Stigmatizing Attitudes in College Students, Journal of College Student Psychotherapy, DOI: 10.1080/87568225.2019.1600092 (Link)