O artigo Medicalização e Saúde Indígena: uma análise do consumo de psicotrópicos pelos índios Xukuru de Cimbres de autoria das pesquisadoras Valquiria F. B. Barbosa, Luana B. Cabral e Ana Carla S. Alexandre, todos do Instituto Federal de Pernambuco, e publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva, traz um tema muito relevante para a saúde mental brasileira, e ainda pouco tratado pela academia, o uso de psicofármacos pela população indígena.
O processo de medicalização favorece a perda da autonomia por parte do sujeito, a despolitização dos problemas sociais e a desvalorização do contexto, desconsiderando que a saúde é uma experiência complexa, que vai mais além da falta de doença. Dessa forma, o sujeito é culpabilizado e suas experiências individualizadas.
“Envolve modelos de atenção à saúde e estratégias de cuidados e tratamento que focalizam comportamentos individuais. Esse processo encontra forte apoio na indústria de produtos farmacêuticos e, ao mesmo tempo, ignora os contextos dos sujeitos e coletividade, reduzindo as explicações de problemas e ignorando os fatores sociais, culturais, psicológicos ou ambientais que influenciam o fenômeno.”
A medicalização do sofrimento é ainda mais grave quando olhamos para os povos indígenas. O conceito de saúde para eles está ligado à terra e à ideia de harmonia com a natureza.
“O conceito de saúde para esses povos está relacionado à terra e à harmonia com a natureza, entendida como construção coletiva, inserida num sistema de organização próprio, que contempla o equilíbrio do corpo. Assim, alguns elementos são considerados fundamentais à saúde, como: autonomia, cidadania plena, propriedade da terra, uso exclusivo dos recursos naturais e integridade dos ecossistemas específicos.”
O estudo proposto pelas autoras é descritivo, desenvolvido na comunidade indígena Xukuru de Cimbres, localizada no município de Pesqueira – PE, no ano de 2016. Em 2001 o povo de Xukuru de Ororubá vivenciou uma batalha interna que gerou a divisão em dois grupos: o Xukuru de Ororubá e o Xukuru de Cimbres. Após a morte de dois indígenas que eram aliados dos Xuruku de Ororubá, houve a divisão da comunidade. Os índios Xukuru de Cimbres migraram para as periferias da cidade de Pesqueira -PE, onde ficaram sujeitos às condições precárias de vida e trabalho.
Da amostra de 75 indígenas, 8% utilizam psicotrópicos. Entre os psicotrópicos consumidos 78,67% fazem uso de Benzodiazepínicos, 17,33% fazem uso de antidepressivos e 4% fazem uso de outros psicotrópicos como Barbitúricos, Antipsicóticos e compostos do Lítio. O maior uso de psicofármacos é realizado por mulheres, na faixa etária de 30 a 59 anos, que possuem uma renda maior que um salário mínimo.
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“A maioria dos usuários de psicotrópicos dos três grupos não procura o pajé, correspondendo a 93,22% (55) dos que usam BZD e 100% dos usuários de Antidepressivos (13) e outros psicotrópicos (3). Já no quesito tempo de uso, a maioria dos grupos estudados utiliza o psicotrópico há mais de 2 anos, resultado representado por 83,05% (49) dos que usam BZD; 76,92% (10), dos que utilizam Antidepressivos; e 66,67% (2) dos que consomem outros psicotrópicos.”
O fato dos Xukuru de Cimbres estarem afastados da aldeia faz com que eles se afastem também da natureza e de seus recursos, assim como da liderança espiritual do pajé, responsável por curar as doenças do corpo e da alma, ocasionando em uma perda de referência.
“(…) faz-se perceptível o impacto do desaldeamento, desterritorialização e aculturação na predominância de práticas terapêuticas alopáticas características do modelo biomédico, em detrimento das práticas tradicionais de cura indígenas, que envolvem rituais, rezas, banhos, chás e beberagens.”
É necessário maior interesse e investimento no estudo da saúde mental indígena, principalmente frente aos ataques recebidos por essa população. A luta pela preservação do território indígena, o desmatamento, a falta de recursos naturais, entre outros acontecimentos atuais, são possivelmente causas de adoecimento para essa população. Apenas medicar essas queixas e sofrimentos é uma forma de calar esses sujeitos, ao invés de resolver as causas do adoecimento relacionadas à violação dos direitos indígenas.
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BARBOSA, Valquiria Farias Bezerra; CABRAL, Luana Beserra; ALEXANDRE, Ana Carla Silva. Medicalização e Saúde Indígena: uma análise do consumo de psicotrópicos pelos índios Xukuru de Cimbres. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 24, n. 8, p. 2993-3000, ago. 2019 . (Link)
No domingo passado, dia 11 de agosto de 2019, houve um debate muito importante no canal da pós-TV 247.
Há um explícito e contundente avanço da política neofascista do governo Bolsonaro. Os órgãos de representação dos psicólogos não escapam dessa ofensiva. Os Conselhos Federal e Regionais de Psicologia estão sob ameaça de passarem a ser dirigidos por bolsonaristas e fundamentalistas evangélicos.
O Brasil tem cerca de 343.000 psicólogos, apenas atrás dos Estados Unidos. A tradição da Psicologia é seu compromisso com a Ciência, estar a serviço das demandas da população por melhores condições de vida e promoção da saúde mental, a defesa intransigente dos Direitos Humanos e a diversidade religiosa, de gênero e cultural, entre outros princípios ético-profissionais.
Entre os dias 23 e 27 de agosto de 2019 teremos eleições para as direções dos Conselhos.
É o momento de estarmos todos juntos na Frente, tão diversa e plural, que concorre nos diversos estados brasileiros. O madinbrasil apoia entusiasticamente a chapa 11 para o CRP-RJ , Ética e Democracia em Defesa da Psicologia, e para o CFP, chapa 21, cujo nome é Frente em Defesa da Psicologia Brasileira.
A empatia é parte integrante da socialização humana. É como mostramos aos outros que entendemos e nos importamos com o estado emocional deles. Mas o que acontece se os medicamentos que você está tomando diminuírem essa capacidade? Um novo estudo sugere que tomar antidepressivos prejudica a empatia, enquanto a experiência da depressão em si não faz o mesmo.
A pesquisa foi liderada por Markus Rütgen e Claus Lamm, da Universidade de Viena, na Áustria. Foi publicado na revista Translational Psychiatry.
Photo Credit: U.S. Army photo
Pesquisadores anteriores sugeriram que a depressão em si resulta em menor empatia em relação aos outros. No entanto, essa pesquisa é limitada por uma falha significativa – quase inteiramente conduzida em pessoas que estão tomando antidepressivos. Um problema adicional com pesquisas anteriores é que elas se concentraram na empatia autorrelatada – que não é confiável em estudos de depressão.
No presente estudo, os pesquisadores procuraram resolver essas duas falhas com o desenho do projeto de pesquisa que fizeram. Primeiro, eles compararam pessoas com um diagnóstico de depressão (“TDM aguda”) sem estar a tomar antidepressivos para pessoas sem diagnóstico de depressão (grupo de controle ‘saudáveis’). Eles então fizeram o mesmo teste depois que os participantes tiveram três meses de uso de antidepressivos. Três diferentes antidepressivos foram usados: escitalopram, venlafaxina e mirtazapina, cada um com efeitos ligeiramente diferentes no sistema de serotonina.
Além disso, ademais de pedir aos participantes que relatassem seus níveis de empatia, os pesquisadores usaram uma tomografia computadorizada de ressonância magnética funcional. Eles usaram os testes padrão de fMRI para conectividade funcional entre partes do cérebro associadas a respostas empáticas à dor. Enquanto eram submetidos ao scan do cérebro, os participantes assistiram a vídeos de uma pessoa que sofria de dor por cerca de seis minutos e meio.
Os resultados? Pessoas com diagnóstico de depressão não foram diferentes daquelas do ‘grupo de controle dos saudáveis’ em termos de resposta empática, conforme medido pelo fMRI.
Os pesquisadores escrevem que isso indicava “uma resposta empática ‘normal’em pacientes com TDM aguda antes de serem submetidos a tratamento antidepressivo”.
No entanto, após três meses de tratamento com antidepressivos, as pessoas tiveram muito menos ativação nas áreas do cérebro associadas à empatia. Não houve diferença com base em qual o antidepressivo foi o usado.
Curiosamente, a empatia autorrelatada também mudou: após os participantes tomarem antidepressivos por três meses, eles relataram que era significativamente menos desagradável observar uma pessoa com dor por seis minutos e meio. Segundo os pesquisadores:
“Após três meses de terapia, os pacientes mostraram respostas neurais diminuídas em áreas do cérebro selecionadas a priori que são ativadas de forma confiável pela dor empática (IA bilateral e CCAM), e relataram um decréscimo do afeto desagradável em resposta à dor de outros.”
O estudo, portanto, demonstrou que os medicamentos antidepressivos facilitam a observação de outros com dor e que esse efeito é detectável no cérebro.
Em sua conclusão, os pesquisadores sugerem que a falta de empatia em relação aos outros “pode ser um efeito colateral vantajoso enquanto uma função protetora”.
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Rütgen, M., Pletti, C., Tik, M., Kraus, C., Pfabigan, D. M., Sladky, R., . . . Lamm, C. (2019). Antidepressant treatment, not depression, leads to reductions in behavioral and neural responses to pain empathy. Translational Psychiatry, 9(164). https://doi.org/10.1038/s41398-019-0496-4 (Link)
A matéria do jornal britânico The Guardian, produzida por Eleanor Morgan, mostra que os jovens britânicos estão utilizando cada vez mais serviços de saúde mental, que em apenas dois anos houve uma aumento de 45% (700.000) de encaminhamentos de jovens para esses serviços. O que estaria causando tamanho aumento? Será que a atual geração de jovens é mais deprimida, ansiosa e vulnerável do que as anteriores?
Existem algumas pistas, segundo a matéria. O atual governo neoliberal britânico vem produzindo o aumento da pobreza no país e cortando verbas dos benefícios sociais básicos da população. A falta de apoio e ajuda que esses jovens vem enfrentando, apesar das frequentes campanhas de saúde informando que eles devem pedir auxílio de outras pessoas e do sistema de saúde, o que também pode ter provocado ao mesmo tempo um crescente medo e a patologização de emoções fortes, comuns e indispensáveis à existência humana. Por outro lado, também existe um crescente exagero nos diagnósticos realizados, e consequentemente, uma maior medicação e cronificação desses sujeitos.
Leia a matéria na íntegra → Young, British and Depressed: we need way more TV like this (link)
O trabalho ocupa atualmente uma função central na vida dos indivíduos, desta maneira, os mais diversos aspectos relacionados à atividade laboral ocasionarão demandas no campo da saúde mental. Analisar o trabalho em uma perspectiva psicossocial é uma das formas de considerar a realidade do trabalho como um conjunto de processos permeado por questões do contexto, das relações interpessoais estabelecidas e da trajetória individual de cada trabalhador.
Para compreender o sentido do trabalho em uma perspectiva psicossociológica no contexto atual – e toda a intensidade e predominância que ele representa – é preciso considerar não apenas que o seu papel é resultante dos vários momentos históricos que foram de diferentes maneiras, moldando a relação do indivíduo com o trabalho; como também é preciso compreender que é recente o entendimento de que o trabalho tem efeitos sobre a saúde mental, visto que o trabalho não está apartado das dimensões emocionais e cognitivas, mas na verdade, configura-se como um dos elementos centrais de expressão destas dimensões. Neste sentido, ao se falar do trabalho do ponto de vista psicológico é necessário considerar que o trabalho rege a vida, a organização do tempo, das relações interpessoais e dos grupos sociais, entretanto, por muito tempo o trabalho humano não foi pensado como parte da vida das pessoas e não era considerado fator importante na constituição da dimensão psíquica (Borsoi, 2007).
É importante compreender ainda que o trabalho demanda processos no âmbito psicológico tanto em função das implicações das condições de trabalho na saúde do trabalhador, como também em função da sua ausência, pois não compor o cenário do mercado de trabalho representa carência em vários âmbitos: do meio de subsistência, da forma de elaboração criativa, da organização do tempo, da perspectiva futura de sustento, da inserção em um grupo social, do desenvolvimento da carreira, da expressão da identidade – o que pode ocasionar sofrimento, além de exclusão social, pois quando o individuo encontra-se desempregado ou aposentado sente-se vulnerável em decorrência da ausência do trabalho. Tudo isto porque o trabalho não se restringe à satisfação das necessidades básicas, mas é também constituinte da identidade humana, favorece a autoestima, as potencialidades e o sentimento de pertença no meio social (Navarro & Padilha, 2007).
O trabalho é resultado dos esforços do ser humano para assegurar a satisfação de suas necessidades e sobrevivência e, de acordo com Ramos (2008), o trabalho data dos tempos mais remotos da história humana, porém nas sociedades antigas e pré-letradas não era institucionalizado, desta maneira, passou a ser tema de discussão a partir da industrialização, quando a produção exigiu que ele fosse mais eficiente e prático. Atualmente, o trabalho, quando formalizado configura-se como emprego – trabalhoconfigura-se como um esforço intencional que produz alteração no ambiente visto que tem o propósito de produzir transformação, neste sentido o trabalhopode ser remunerado ou não, como é o caso do trabalho informalou trabalho voluntário; já o empregoconfigura-se como a formalização, por meio de vínculo legal, da atividade de trabalho (Zanelli & Silva, 2008). A discussão aqui se refere ao trabalhoem qualquer uma de suas formas de expressão, independente de seu modelo adotado. Neste sentido, despendendo do formato executado, a ação de trabalharpode ser fonte de prazer a partir do momento que proporciona capacidade de transformação além da possibilidade de constantemente aprendizado, aquisição de conhecimento, invenção e modificação da natureza. Entretanto, o trabalho também pode gerar sofrimento, quando realizado em condições precárias, com falta de recursos financeiros, sob relações abusivas e falta de autonomia (Viana & Machado, 2011).
A compreensão da dimensão central do trabalho na vida humana levou a Psicologia, no percurso de seu desenvolvimento, a englobar o trabalho no seu escopo de estudo, tendo em vista que compreender a forma como os seres humanos vivenciam a ação de trabalhar possibilita uma melhor compreensão acerca do comportamento humano – o trabalho representa o elo entre as experiências pessoais e coletivas e, diante da ocorrência de intensas pressões por trabalho em todos os níveis hierárquicos nas organizações, da intensificação das mudanças tecnológicas, da concorrência globalizada e do desemprego estrutural, das cobranças contínuas pela resolução de problemas e obtenção de produtividade; as demandas relacionadas ao trabalho são processos de expressão de fragilidade e também de satisfação e prazer (Zanelli, 2010). Vale ressaltar que ainda atualmente grande parte dos profissionais do campo da saúde mental não se atenta ao fato de que, o indivíduo que busca suporte psicológico é um trabalhador ou alguém que vivencia a falta de trabalho, portanto, mesmo de forma indireta, muitos dos processos relacionados ao universo contemporâneo do trabalho estarão relacionados às suas queixas psíquicas elaboradas.
O estudo do sofrimento psicológico no campo do trabalho pode ser embasado em abordagens distintas – as Individualistas, as Psicossociológicas e a Psicodinâmica do trabalho. Na perspectiva das Abordagens Individualistasa explicação para o processo de saúde-doença no ambiente de trabalho tem o foco mais nas características pessoais do que nas condições de trabalho e na relação do trabalhador com a atividade; em relação às Abordagens Piscossociológicaso trabalho é visto como estruturante para o indivíduo e para a sociedade e, desta maneira, trabalhar é fonte de promoção de saúde e de construção da identidade, entretanto, pode também ser fonte de adoecimento – neste sentido, a explicação para o processo saúde-adoecimento tem o foco nas condições de trabalho, sendo este cenário eleito como origem do nexo causal entre trabalho/saúde-doença; com respeito à Psicodinâmica, a discussão sobre a saúde psíquica e o contexto do trabalho pauta-se na intenção em focar a saúde e as estratégias que os trabalhadores empregam para a manutenção da saúde, o trabalho tem um papel apenas desencadeador dos processos de fragilidade psíquica e o nexo entre a relação trabalho/saúde-doença não é centralizado (Borges, Guimarães & Silva, 2013).
Independente do olhar voltado para os problemas de ordem da saúde mental no contexto do trabalho é preciso considerar que tais alterações são resultado de um processo dinâmico composto por fatores de esfera biológica, psicológica e social e, portanto, necessitam de formas de atuação que proporcione a atenção à saúde, com vistas a criar estratégias de intervenções pautadas em prevenção, assistência e promoção da saúde, sob uma perspectiva ampla que integre diversas áreas do conhecimento demarcado pela interdisciplinaridade (Sato, Lacaz & Bernardo, 2006).
Os efeitos do trabalho nas esferas biológica, psicológica e social podem,por exemplo,ser observados nas atividades realizadas no turno noturno: as queixas sobre o cansaço físico, o estresse, a desregulação do ciclo do sono e os impactos gerados nos relacionamentos sociais (representados pela dificuldade em encontrar familiares, amigos, grupos de convivência, falta de energia para aproveitar as folgas em momentos de lazer), possuem relação com processos de adoecimento dos trabalhadores de diversas áreas, como os Serviços Gerais, os profissionais do setor Hoteleiro, os profissionais da Saúde e da Segurança (Belo, Costa, França, Nascimento e Pereira Neta, 2017). Tais trabalhadores exercem suas atividades vivenciando constantes riscos ocupacionais que podem ser caracterizados como ocultos, aqueles cujo trabalhador sequer desconfia de sua existência; latentes, àqueles que ocasionam danos em situação de emergência; reais, quando todos os envolvidos têm conhecimento de sua existência, porém, por seus custos serem elevados ou pela falta de interesse público em resolvê-los, estes riscos têm suas possibilidades de controle diminuídas (Bulhões, 1994).
Os diversos processos de preconceito e exclusão social também são responsáveis por vivências de fragilidade no contexto do trabalho, portanto, o estudo do preconceito é uma das formas de acesso a esta problemática. Neste aspecto o preconceito pode ser conceituado tanto em uma vertente da Cognição Social – com enfoques afetivos e emocionais, como em uma visão psicossociológica – com enfoque nos processos de exclusão e inclusão social na qual o preconceito é definido como uma forma de relação intergrupal organizada em torno das relações de poder entre grupos, produzindo representações ideológicas que buscam justificar a expressão de atitudes negativas e depreciativas, bem como a expressão de comportamentos hostis e discriminatórios (Camino & Pereira, 2000).
Nesta perspectiva o contexto do trabalho configura-se como um cenário de construção das representações discriminatórias com discursos hostis produzidos na dinâmica da interação social, constituindo-se assim como um elemento fundamental para que as representações sejam compartilhadas e também instituídas e reelaboradas.Os discursos são pronunciamentos sobre uma dada realidade e quando proferidos, trabalham com as ideias de seu tempo e da sociedade em que foram elaborados – discursos discriminatórios são capazes de moldar as ações discriminatórias dos indivíduos, inclusive de forma sutil, pouco reconhecível à primeira vista e expressado de várias maneiras no contexto laboral.
Discutir a respeito da importância da atenção à saúde mental no contexto do trabalho não se esgota nos aspectos aqui mencionados quando se chega à conclusão que falar em trabalho é falar em um processo central que solicita instâncias físicas, psíquicas e sociais, realizado, na maioria das vezes, em um contexto de precariedade. Diante disto, os profissionais da saúde mental necessitam estar atentos aos atuais marcadores sociais que regem as questões no campo do trabalho e, somado a isto, considerar a possibilidade de uma ligação entre a vivência do trabalho e as queixas da esfera psíquica.
Referências
Belo, R. P.; Costa, W. R. da; França, R. S. de; Nascimento, F. H. M. do e Pereira Neta, A. S. (2017). O trabalho noturno em diferentes campos de atuação: seus efeitos na saúde do trabalhador da cidade de Parnaíba-PI. Relatório do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC e Programa Institucional de Iniciação Científica Voluntária – ICV. Universidade Federal do Piauí.
Borges, L. de O.; Guimarães, L. A. M. e Silva, S. S. da (2013). Diagnóstico e promoção da saúde psíquica no trabalho. Em: L. Borges e L. Mourão, O trabalho e as organizações. Porto Alegre: Artmed.
Borsoi, I. C. F. (2007). Da relação entre trabalho e saúde à relação entre trabalho e saúde mental. Revista Psicologia & Sociedade, 19, 103-111.
Bulhões, I. (1994).Riscos do trabalho de enfermagem.2.ed. Rio de Janeiro: Editora Folha Carioca.
Camino, L. & Pereira, C. (2000). O papel de Psicologia na construção dos Direitos Humanos: Análise das teorias e práticas psicológicas na discriminação ao homossexualismo. Revista Perfil (13), 49-69.
Navarro, V. L. e Padilha, V. (2007). Dilemas do Trabalho no Capitalismo Contemporâneo. Psicologia e Sociedade; 19, Edição Especial 1, 14-20.
Ramos, G. (2008). Uma introdução ao histórico da organização racional do trabalho.Brasília: Conselho Federal de Administração.
Sato, L.; Lacaz, F. A. de C. e Bernardo, M. H. (2006). Psicologia e saúde do trabalhador: práticas e investigações na Saúde Pública de São Paulo. Estudos de Psicologia, 11(3), 281-288.
Viana, E. A. de S. e Machado, M. N. da M. (2011). Sentido do trabalho no discurso dos trabalhadores de uma ONG em Belo Horizonte. Psicologia & Sociedade, 23 (1), 46-55.
Zanelli, J. C. e Silva, N. (2008). Interação humana e gestão: a construção psicossocial das organizações de trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo.
Zanelli, J. C. (2010). Estresse nas organizações de trabalho: compreensão e intervenção baseadas em evidências. Porto Alegre: Artmed.
Há dois anos foi iniciado em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, o projeto Roda de Conversa, baseado nos sete princípios do Open Dialogue (Diálogo Aberto): resposta imediata, inclusão na rede social, flexibilidade e mobilidade, responsabilização, garantia de continuidade, tolerância à incerteza e dialogismo. Como resultado dessa experiência, foi produzido o artigo Open Dialogue: Uma Experiência no Brasil, de autoria do psiquiatra Marcelo José Fontes Dias e publicado na revista Diversitates (UFF).
O autor realizou uma primeira experiência em 2015, quando trabalhava como apoiador matricial de equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF) da cidade de Jaraguá. Baseado em dois dos princípios do Diálogo Aberto, ‘dialogismo’ e ‘inclusão na rede’, Marcelo realizou intervenções em três pacientes em crise psicótica, as quais foram realizadas na casa do paciente e com a presença da família. Como resultado da intervenção, todos os pacientes saíram da crise em no máximo 15 dias e somente um deles fez uso de medicação em doses baixas. Além disso, não houveram internações e todos os pacientes voltaram a trabalhar.
Com os bons resultados, a gestão e outros profissionais doa saúde mental de Jaraguá, decidiram ampliar a ação territorial. Resolveram então, utilizar novamente o modelo do Diálogo Aberto, dessa vez tentando se aproximar dos sete princípios propostos pela abordagem finlandesa, mas com a consciência da possível necessidade de adaptação para a realidade do local. Isso porque não haviam profissionais suficientes nem a formação exigida no Diálogo Aberto, além da rede de serviços ser diferente da finlandesa. Em função da adaptação a estratégia foi chamada de Roda de Diálogo.
A primeira dificuldade encontrada pela equipe foi quanto à formação e capacitação dos profissionais, pois na Finlândia é exigida a formação de três anos para os profissionais atuarem com o Diálogo Aberto. A solução encontrada pela equipe foi realizar uma apresentação sobre a abordagem finlandesa e seus princípios para todos os profissionais da saúde mental e da atenção básica, a fim de que todos pudessem participar na Roda de Diálogo. Qualquer profissional de nível médio ou superior poderia participar da equipe, desde que participasse também dos encontros semanais de educação permanente.
Os princípios de inclusão na rede social, flexibilidade e mobilidade foram alcançados sem obstáculos. Todos os encontros aconteceram na residência do paciente em crise, com as pessoas da sua rede social. As decisões a respeito do tratamento foram sempre tomadas durante as ‘rodas de diálogo’, inclusive quanto ao uso de medicamentos. O princípio da responsabilização foi levada em consideração a partir da criação de um grupo de Whatsapp formado pelos profissionais que aderiram ao projeto, os casos eram colocados no grupo e agendados dentro de 24 horas. A roda deveria ser composta por pelo menos dois profissionais, e um deles deveria participar de todos os encontros. Apenas dois casos tiveram descontinuação no acompanhamento.
A tolerância à incerteza foi considerado o princípio mais difícil de ser alcançado. Este princípio significa que o profissional deve participar da roda sem definições preliminares, a verdade é do paciente. As maiores dificuldades encontradas pela equipe foi a presença diária nas rodas, já que o Diálogo Aberto sugere que no início do tratamento os encontros devem ser diários nos primeiros 10 a 12 dias. Outra dificuldade encontrada foi de não inciar logo o medicamento e não se colocar em uma relação verticalizada em relação à rede. Apesar das dificuldades, a equipe conseguiu fazer até 3 rodas por semana e não medicaram no início do tratamento. Quanto ao princípio do Dialogismo, o autor fez uma fusão entre o modelo finlandês e a sua realidade como psicanalista de orientação lacaniana, associando algumas ideias do dialogismo de Bakhtin, fortemente empregadas pela abordagem do Diálogo Aberto, com algumas propostas de Lacan.
Dos pacientes abordados pelo trabalho (10 pacientes), apenas 3 encontravam-se em sua primeira crise psicótica, do restante alguns já faziam uso de psicofármacos. Desses apenas 1 precisou ser internado e outro foi encaminhado para tratamento exclusivo no CAPSII. Dois pacientes saíram das crises sem uso de medicamentos e os demais o utilizaram, mas em doses baixas.
A maioria dos profissionais envolvidos se mobilizou para um rápido início de tratamento dos pacientes, e a inclusão de profissionais da atenção básica e de nível técnico nas rodas foram facilitadores do diálogo, assim como a presença de um psicanalista auxiliou no entendimento e aplicação do dialogismo. A implicação dos gestores de saúde mental e atenção básica foi identificado como fundamental já que a eficácia do Diálogo Aberto depende dos contextos institucionais e treinamento de equipe.
Como dificuldades o autor apontou para a pouca adesão de profissionais do CAPS, a gestão ficou centrada nas mãos dos apoiadores matriciais. A proposta feita pelo autor é criar uma equipe fixa e delimitar a clientela – ou seja, aqueles que estejam na sua primeira crise psicótica -, e que a gestão ocorra a partir do CAPS. A forte cultura da medicalização entre os profissionais pode ter influenciado a dificuldade quanto a tolerância à incerteza. Também foi sugerido pelo autor que a equipe tenha acompanhamento psicoterapêutico.
O artigo tem uma enorme relevância, traz uma experiência pioneira de grande importância para o cenário da saúde mental brasileira. Existem alguns artigos brasileiros sobre o Diálogo Aberto, mas nenhum ainda havia trazido uma experiência de tentativa de implementação nos serviços brasileiros. Essa experiência mostra que o princípios do Diálogo Aberto, mesmo em uma cultura muito diferente da finlandesa, obtiveram resultados significativos, o que nos deve deixar atentos a essa abordagem. Ademais, podemos ver que não foi necessário aumento dos gastos financeiros, ou uma mudança drástica nos serviços para a implementação do projeto, o que abre portas para mais tentativas de implementação. É possível que futuramente tenhamos mais experiências bem- sucedidas no Brasil!
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DIAS, M.J.F. Open Dialogue: uma experiencia no Brasil. Diversitates Int j 09(3): 97-110, 2017. (link)
JAMA, o Jornal da Associação Médica Americana publicou recentemente um artigo de opinião de dois influentes cientistas, Alan Leshner, da Associação Americana para o Avanço da Ciência, e Victor Dzau, da Academia Nacional de Medicina, que defendem o chamado tratamento baseado em medicação para o ‘transtorno de uso de opioides’. O tratamento baseado em medicação envolve o uso de metadona, buprenorfina ou naltrexona de liberação prolongada para ‘aliviar os sintomas de abstinência, reduzir os desejos de opiáceos e diminuir a resposta ao uso futuro de drogas’, cuja causa é o uso de analgésicos opiáceos.
Prescrição de medicamentos para resolver problemas causados por outras drogas
O que Lesnher e Dzau sugerem é usar drogas prescritas para resolver problemas causados por outros medicamentos prescritos. Concordo que, em certos casos, isso pode ser útil ou até mesmo necessário para ajudar os pacientes. Mas luto para entender a omissão de uma solução que, pelo menos para mim, parece a melhor a longo prazo para os pacientes; ou seja, ajudando-os a reduzir com segurança e gradualmente o analgésico à base de opioides dos quais eles se tornaram dependentes.
Essa omissão obscurece um fator importante na crise dos opioides e que tem sido deliberadamente explorada pelas empresas farmacêuticas. As drogas são fáceis de serem obtidas, prescritas e tomadas, mas é muito difícil, às vezes quase impossível, parar de tomá-las.
A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA reconheceu esse problema. Em 9 de abril, a Agência emitiu o seguinte comunicado de segurança:
“A FDA identifica os danos relatados pela interrupção repentina de medicamentos para a dor como são os opiáceos e requer alterações no rótulo para orientar os prescritores a como proceder para a sua gradual e individualizada diminuição”.
Eu apoio integralmente essa afirmação, mas também vejo um grande problema prático. Como os médicos devem seguir a orientação dada pela agência reguladora ? Usando apenas medicação padrão, essa abordagem cautelosa simplesmente não é possível. Muitos pacientes que tentaram fazer isso já sofreram desnecessariamente. Isso não pode continuar a ocorrer. Não vou aqui falar de suas histórias, mas elas podem ser facilmente encontradas nos sites do Mad, bem como naqueles de apoio dado entre colegas, como o Surviving Antidepressants, embora raramente isso se passe na literatura médica científica.
Para seguir o conselho da FDA, os médicos devem ser capazes de prescrever uma agenda personalizada de redução, permitindo que os pacientes diminuam gradualmente por longos períodos de tempo, dando passos muito curtos. Na Holanda, isso foi possível na prática graças ao desenvolvimento das tiras com doses reduzidas. Para comentar o que foi dito por Leshner e Dzau, considero esta informação relevante para os leitores do JAMA. Portanto, junto com Jim van Os, submetemos a seguinte carta ao Editor.
Carta ao editor do JAMA: Medicação decrescente permite estar conforme à nova orientação de retirada de opioides dada pela FDA
O número de vítimas de abuso de opiáceos na população dos EUA, com cerca de 130 pessoas morrendo a cada dia por overdoses de opiáceos, é entristecedor. [1] Para ajudar a reduzir o impacto da atual epidemia, Leshner e Dzau defendem o uso de tratamento medicamentoso para o tratamento de transtornos por uso de substâncias. Embora concordemos que em alguns casos uma abordagem baseada em medicação possa ser solicitada e útil, nos perguntamos se, resolvendo o problema da prescrição excessiva de um medicamento pela prescrição de outras drogas, não estamos apenas substituindo um problema de dependência a uma substância pela dependência a uma outra.
Em 9 de abril, a FDA anunciou que exigirá mudanças no rótulo para orientar os prescritores sobre a redução gradual e individualizada dos medicamentos analgésicos baseados em opiáceos, porque a interrupção (forçada) dos opioides pode resultar em dor descontrolada, sintomas sérios de abstinência, sofrimento psicológico e suicídio. [2]
A agência FDA adverte, os profissionais de saúde não devem descontinuar abruptamente os opioides em um paciente que esteja fisicamente dependente. Como não existe uma programação padrão de redução de opiáceos adequada a todos os pacientes, eles devem criar um plano específico para o paciente para reduzir gradualmente a dose do opioide e garantir monitoramento e suporte contínuos, para evitar sintomas sérios de abstinência, piora da dor do paciente ou estresse psicológico.
A questão importante é: podemos fazer a redução gradual possível na prática de forma tal que este bom conselho, que é igualmente apropriado para outros tipos de drogas onde são conhecidos os sintomas de abstinência, possa ser seguido?
Nós abordamos exatamente essa questão desenvolvendo as chamadas tiras com doses reduzidas, que permitem a um médico prescrever cronogramas personalizados, usando uma abordagem compartilhada de tomada de decisão médico e paciente. [3] Os resultados do primeiro estudo observacional sobre o uso dessas tiras mostram o quão bem-sucedida a abordagem pode ser. [4] Dos 895 pacientes que desejaram descontinuar um antidepressivo, 636 (71%) conseguiram se estabilizar completamente, muitos dos quais haviam falhado uma ou várias vezes antes ao usarem outros métodos.
Inicialmente, as tiras com doses reduzidas foram desenvolvidas apenas para reduzir a paroxetina e a venlafaxina, mas depois de recebermos solicitações de pacientes e médicos para também disponibilizá-las para outros tipos de medicação, as tiras também foram desenvolvidas para outros antidepressivos, antipsicóticos, sedativos e antiepilépticos, trabalhando analgésicos centralmente como metadona, oxicodona e tramadol e alguns outros medicamentos. As primeiras experiências com o uso em doses reduzidas gradualmente [5] sugerem que o uso de tiras com doses reduzidas para opioides, como a oxicodona, pode ser uma valiosa primeira opção de tratamento para pacientes que desejarem descontinuar a medicação opioide.
Rejeição de JAMA
“Infelizmente, por causa das muitas submissões que recebemos e das nossas limitações de espaço na seção Cartas, não podemos publicar sua carta no JAMA. . . . . determinamos que a sua carta não recebeu uma classificação de prioridade alta o suficiente para publicação.”
JAMA não quis publicar nossa carta, porque não obteve uma classificação de prioridade alta o suficiente. Fiquei surpreso e desapontado e quis saber quais critérios foram usados para chegar a essa conclusão. Então eu escrevi o seguinte email para o editor.
E-mail para o editor do JAMA
Você escreve que a nossa carta não tem uma classificação de prioridade alta o suficiente. Por que isso é assim,ds não é explicado, então eu só posso adivinhar. Isso significa que JAMA:
Não acha ser um problema de alta prioridade que nos EUA todos os dias 130 pacientes morram de uma overdose de drogas opiáceas e um número muito maior sofra muito tentando sair desses medicamentos com segurança (e muitas vezes em vão)?
Não acha ser um problema se um número desconhecido de pacientes no futuro próximo terá que sofrer desnecessariamente porque eles poderiam ter sido melhor ajudados se seus médicos tivessem sido informados pelo JAMA? O JAMA é uma plataforma importante e influente que atinge um grande público. Todo médico promete não fazer mal. Este compromisso não se aplica também ao JAMA?
Em vista dessas perguntas, peço a gentileza de reconsiderar sua decisão. Se, após reconsiderar, o corpo editorial ainda achar que nossa carta não tem uma classificação de prioridade alta o suficiente, eu agradeceria muito que você fosse gentil em nos explicar quais são as razões para chegar a essa conclusão.
Dentro de alguns dias, recebi a seguinte resposta:
“Eu sinto muito que você não tenha ficado satisfeito com a nossa decisão. Publicamos vários artigos sobre a epidemia de opiáceos, por isso não é exato que não consideremos o tópico uma prioridade alta. No entanto, cada revista tem prioridades diferentes quando se trata de selecionar cartas para o editor publicar. Consideramos as cartas como uma forma de revisão por pares pós-publicação. Assim, procuramos por cartas que comentem diretamente sobre uma questão levantada em um ponto de vista ou em um artigo de pesquisa. Para o JAMA, a coluna de cartas não é um local para informar os leitores sobre novas descobertas científicas, que consideramos ser do espaço de artigos de pesquisa.
Apenas cartas “que comentem diretamente sobre uma questão levantada em JAMA”
JAMA, aparentemente, só quer cartas que “comentem diretamente sobre uma questão levantada em um ponto de vista ou em artigo de pesquisa“. Na minha opinião, isso é precisamente o que fizemos. Dada a urgência e gravidade do problema – somente nos EUA todos os dias 130 pessoas morrem de overdose de opiáceos! – Não consigo entender como nossa contribuição não pode ser considerada diretamente relacionada à questão levantada no artigo de Leshner e Dzau em JAMA.
Concluí que o JAMA simplesmente não quis publicar a nossa contribuição e que seria uma perda de tempo escrever ao editar novamente. Em vez disso, decidi escrever este blog para levantar a seguinte questão:
“Por que uma revista médica influente não está interessada em uma solução prática que comprovadamente ajuda pacientes e que já está disponível?”
No futuro, mas não agora!
Ao longo dos anos, depois de ler milhares de artigos científicos sobre transtornos psiquiátricos e o uso de medicamentos psiquiátricos, ficou muito claro para mim que as revistas médicas querem publicar principalmente sobre drogas ou intervenções que se espera que funcionem melhor do que as existentes, que tenham menos efeitos adversos e que, por fim, devem levar a melhores tratamentos e a melhores diretrizes. No futuro.
Talvez eu tenha me tornado um pouco cínico, mas o que vejo acontecendo de novo e de novo é o seguinte:
Promessas feitas em revistas médicas são principalmente sobre ajudar pacientes no futuro e raramente sobre como ajudá-los exatamente agora.
A mensagem geral, especialmente em editoriais, convidando comentários e artigos de opinião, é que “este novo estudo mostra uma grande promessa“, que “estamos quase lá” e, talvez mais importante, que “precisamos de mais pesquisas“. Minha interpretação é: “que nos dê o dinheiro e ficaremos felizes em realizar isso“. Com a promessa implícita de que, uma vez que essa nova pesquisa tenha sido feita, teremos um mundo melhor.
Mas nós estamos conseguindo um mundo melhor? Em muitos casos, não vejo isso acontecendo. O que eu vejo é que depois de alguns anos o ciclo simplesmente se repete, levando a novos editoriais, convite a comentários e artigos de opinião afirmando que “este novo estudo mostra uma grande promessa”, que “estamos quase lá’ e que “precisamos de mais pesquisa”. E assim por diante. Trabalhos em andamento que nunca terminarão e que continuam gerando renda estável para os pesquisadores. Sem ajudar muito pacientes e médicos na prática clínica diária.
Quanto progresso fizemos realmente para melhorar a farmacoterapia para problemas de saúde mental?
O que eu observo é que nós temos cada vez mais, e propositalmente, tornado fácil o começo de pacientes com o uso de drogas psiquiátricas, com pouca pesquisa ou esforço clínico para ajudar os pacientes a sair dos medicamentos ou para tentar entender ou reduzir os sintomas de abstinência.
E não estamos falando aqui de novas drogas. Estamos falando de drogas que foram descobertas décadas atrás (mais de 70 anos no caso do lítio e da clorpromazina). Muitas dessas drogas ainda estão em uso hoje e a maioria se tornou extremamente barata, porque todas estão sem patente. Tão barato que a solução mais em conta para ‘ajudar’ os pacientes quase invariavelmente é prescrever mais remédios do que tentar outra coisa para ajudá-los a sair da medicação.
As empresas farmacêuticas que trouxeram essas drogas para o mercado sabem sobre os diversos problemas da abstinência, mas não fizeram e ainda nada fazem para desenvolver soluções práticas para evitá-los. Infelizmente, eles ainda não têm a obrigação de fazer isso quando trazem uma nova droga ao mercado.
E o que a psiquiatria fez até agora para encontrar uma solução para o problema da abstinência? O que eu vejo é que tivemos que esperar até 2019 para que o Colégio Real Britânico de Psiquiatrasadmitisse que os sintomas de abstinência poderiam ser mais severos e mais duradouros do que as diretrizes oficiais dizem. Que se deixe que algo será feito. Isso é algo que eles prometem que farão no futuro.
Isso me traz de volta à minha pergunta. Por que as revistas médicas influentes, como a JAMA, apenas estão interessadas em soluções que levarão a melhores tratamentos e diretrizes no futuro? E não em uma solução prática, como reduzir a medicação com tecnologia que já está disponível e que pode ajudar os pacientes exatamente agora?
Isso é porque ajudar os pacientes a sair da medicação com segurança é ruim para os negócios?
taperingstrip.org (a not-for-profit website of the User Research Center of Maastricht/Utrecht University Medical Center, the Netherlands
Nota dos Editores
Peter Groot tem a sua presença confirmada no III SEMINÁRIO INTERNACIONAL A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS. De 28 a 31 de Outubro, na Escola Nacional de Saúde Pública, Rio de Janeiro. A Programação estará disponível aqui no nosso site.
O grupo Psicanalistas Unidos Pela Democracia, emitiu uma nota de repúdio às declarações de Jair Bolsonaro. A nota diz:
“Nós, Psicanalistas Unidos pela Democracia, repudiamos as declarações desumanas, infames e indignas de Jair Bolsonaro. O atual presidente da República ataca a verdade histórica, promove a incitação ao ódio e a violência, desrespeita e despreza cidadãos que vêm lutando pela democracia no Brasil.
(…) Repudiamos todos os atos e declarações que ataquem ou coloquem em risco aquilo que nos humaniza. Repudiamos o projeto em curso do atual governo do Brasil que opera na contra-mão do laço social civilizado e democrático promovendo a barbárie social. Repudiamos essa necropolítica movida pela pulsão de morte com suas consequências devastadoras para o indivíduo, a sociedade, a cultura e o meio ambiente.“
O artigo intitulado What does the latest meta-analysis really tell us about antidepressants? (O que a recente meta-análise realmente nos diz sobre antidepressivos?) saiu na revista Epidemiology and Psychiatric Sciences, e propõe a reflexão sobre algumas falhas no artigo de Cipriani e colegas. A meta análise incluiu dados de ensaios comparativos que ausentes no grupo placebo, além de ensaios de curto prazo sobre tratamentos de antidepressivos, de oito semanas em média.
Para aqueles que não estão familiarizados com metodologias científicas, a meta-análise é uma revisão de literatura que compara dois ou mais estudos, realizando uma análise estatística, com o objetivo de integrar os estudos, combinando-os e resumindo seus resultados.¹
O principal resultado de eficácia é a ‘taxa de reposta’, que demonstra que ser um e meio a duas vezes mais provável que pessoas tratadas com antidepressivos apresentem essa taxa de resposta do que os participantes do grupo placebo. Porém, ‘resposta’ é uma categoria artificial, arbitrariamente construída fora dos scores das escalas de depressão. Na realidade, os antidepressivos produzem alterações mentais e físicas, como náuseas, boca seca, tontura, sonolência, embotamento emocional, entre outros. Essas mudanças possibilitam que os participantes percebam se eles foram alocados no grupo do antidepressivo ou no do placebo. Isso pode explicar porque a amitriptilina aparece como sendo mais eficaz no estudo de Cipriani e colegas, já que é um dos antidepressivos que possui alterações físicas e mentais mais visíveis.
Outro problema é que frequentemente as pesquisas com antidepressivos, incluem pessoas que já estão usando esta medicação e que precisam parar de tomá-las para participar do estudo. Sabemos que os efeitos de abstinência duram cerca de uma a duas semanas. Os estudos não tentam identificar quais são os efeitos da abstinência, o que pode acabar sendo confundido com os sintomas da depressão no caso dos participantes do grupo placebo. Os estudos em que não existe grupo placebo comparativo apresentam respostas mais altas dos participantes com o uso de antidepressivos do que naqueles estudos em que existe também o grupo placebo, o que demonstra que os resultados dos estudos são influenciados pelas expectativas dos participantes em receber o antidepressivo.
Cipriani e colegas olham apenas para os dados de tratamentos de curto-prazo, quando, na vida real, as pessoas utilizam antidepressivos durante anos de suas vidas. O grande estudo longitudinal STAR-D demonstrou que o número de pessoas que aderiram à recomendação de tratamento e que se recuperaram e não tiveram recaída foi surpreendentemente baixo (108 de 3110 pessoas!). Além disso, outro estudo demonstra que não há grandes diferenças entre o grupo controle e o placebo em casos de depressão grave.
Moncrieff termina dizendo que a mais nova meta-análise não resolve o debate sobre a utilidade dos antidepressivos, mas as diretrizes clínicas continuam a recomendá-los e muitas pessoas esperam por isso, persuadidas de que a depressão é causada por um desequilíbrio químico no cérebro, mesmo que não hajam evidências científicas suficientes comprovando isso. No entanto, os antidepressivos não são placebos e causam uma série de alterações físicas e mentais, estudos demonstram que a utilidade desses efeitos para o tratamento da depressão é mínimo. Portanto, é necessário que os médicos considerem todos esses fatores para tomar decisão informada sobre usar ou não antidepressivos.
O artigo de Moncrieff revela novamente que as pesquisas sobre antidepressivos estão enviesadas, procurando demonstrar a todo custo que os antidepressivos são sim eficazes, quando na realidade a ciência está longe de saber o que realmente acontece com nosso cérebro nos casos de depressão e do uso de antidepressivos. Sendo assim, é necessário que os pacientes/usuários sejam devidamente esclarecidos sobre as poucas evidências da eficácia dos antidepressivos e as possíveis consequências de seu uso, para que dessa forma o paciente/usuário possa utilizar de sua autonomia para decidir, conjuntamente com o profissional, o melhor tratamento para seu caso.
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Moncrieff J. What does the latest meta-analysis really tell us about antidepressants? Epidemiol Psychiatr Sci. 27(5):430-432, oct. 2018. (link)
Diana Kopua lembra as histórias que ela usa em seu trabalho. De enfermeira de uma comunidade psiquiátrica à chefe do departamento de psiquiatria de Hauora Tairawhiti em Gisborne, Nova Zelândia, sua árdua jornada de 13 anos é profundamente pessoal e política. Kopua diz que fez isso para “se tornar uma cunha que manteve a porta aberta para permitir que líderes indígenas” no mundo dela mudassem o sistema. Pode-se dizer que ela é uma contadora de histórias, embora o mais adequado seja chama-la de colecionadora de histórias.
Como psiquiatra, Kopua lida com sofrimento humano, mas seu interesse não está nas classificações psiquiátricas; em vez disso, ela se concentra em compreender o sofrimento através das histórias de criação maori, Purakau . Ela desenvolveu Mahi a Atua , “um compromisso, uma avaliação e uma intervenção” para abordar o sofrimento mental entre os maoris da Nova Zelândia. Mahi a Atua não é apenas um conjunto de técnicas ou uma nova terapia culturalmente sensível, mas uma maneira drasticamente diferente de conceituar a experiência vivida dos maoris.
Recentemente, junto com o especialista em arte e cultura Mark Kopua e o psiquiatra crítico Pat Bracken, ela publicou um artigo sobre essa abordagem na Transcultural Psychiatry . Seu trabalho pode ser visto como uma alternativa às intervenções farmaco-terapêuticas ocidentais que estão sendo atualmente promovidas em todo o Sul global através do movimento global de saúde mental.
Pesquisadores têm criticado a exportação de práticas psiquiátricas ocidentais, muitas vezes citando o famoso estudo da OMS que relatou melhores resultados para pessoas diagnosticadas com transtornos mentais no mundo em desenvolvimento. Sendo a única psiquiatra Ngati Porou (uma nação Maori) existente no mundo, trabalhando com uma população conhecida pelos seus resultados ruins de saúde mental, o trabalho de Kopua oferece uma visão sobre o que pode ser aprendido com métodos de cura locais, indígenas e tradicionais.
Há muitos os que agora pedem uma “mudança de paradigma” na psiquiatria ocidental e, em nossa entrevista, cobrimos tópicos que vão desde as especificidades da abordagem Mahi a Atua, o movimento global de saúde mental, e a importância da linguagem e narrativas em como nós entendemos nosso mundo e como aliviar o nosso sofrimento.
Ouça o áudio da entrevista aqui.
E em seguida, um resumo da entrevista traduzido para o Português.
Ayurdhi Dhar: Você pode nos dizer o que é Mahi a Atua e como a abordagem funciona?
Diana Kopua: Eu desenvolvi Mahi a Atua em meados dos anos noventa. Naquela época, eu era uma enfermeira da comunidade psiquiátrica trabalhando em um serviço de saúde mental Maori. O serviço Kaupapa Maori é um serviço desenvolvido especificamente para o crescimento e manutenção de abordagens maori para os maoris que entram nos serviços de saúde mental.
Na Pré-colonização, tínhamos uma forte compreensão e conexão com o relacionamento e a nossa posição em nosso meio ambiente, com os elementos naturais, e agora muitos de nós, como maoris, estamos desconectados de nossa cultura, de nossa língua e do conhecimento da nossa ancestralidade. Eu havia acabado de concluir um curso de imersão na cultura Maori, que é onde eu aprendi essas histórias. Quando voltei a trabalhar em saúde mental, vi o quão valiosas seriam essas histórias em conversas com pessoas que chegavam com sofrimento psíquico.
Eu então passei a trabalhar com adolescentes. Quanto mais eu compartilhava essas histórias, menos usava ferramentas tradicionais de avaliação psiquiátrica. Eu acho que parecia certo. Estávamos no ambiente certo para testar essas ideias e funcionava. O serviço envolveu-se na formação de psiquiatras registrados, os médicos treinando para serem psiquiatras.
A maioria dos psiquiatras registrados, não sendo nativos da Nova Zelândia, nem nascidos na Nova Zelândia, eram fascinados pela cultura Maori. Mas através da avaliação psiquiátrica, eles acabavam patologizando o maori. Houve alguma relutância, mesmo dos meus colegas maoris. Eles se sentiam desconfortáveis ou não tinham confiança em sua identidade maori; recorriam aos quadros ocidentais do conhecimento. Então, decidimos nos envolver em Mahi a Atuae apresentá-lo a um fórum nacional.
Nós a [a abordagem] apresentamos nacionalmente, recebemos um feedback muito bom, mas o que eu notei é que as pessoas continuavam a procurar o psiquiatra e o psicólogo por respostas e para discutir os problemas de uma perspectiva ocidental. Eu decidi ir para a escola de medicina para me tornar uma psiquiatra e para ganhar poder. Durante essa jornada, conheci meu marido Mark em 2009, que é o outro autor [no artigo da pesquisa]. A união de nós como um casal é inseparável da união de nossos mundos no mundo psiquiátrico com uma mesma agenda, que foi que os nossos modos maori de conhecimento deveriam estar na linha de frente no trabalho nessa comunidade e das questões que dizem respeito ao Maori.
Quando você fala sobre como nós utilizamos isso, na verdade é sobre nós enquanto indivíduos em nossa comunidade, privilegiando nossos espaços. Como asseguramos que nosso sistema de conhecimento seja priorizado? Para fazer isso, temos que permanecer aprendizes ativos. Mesmo que possamos ser especialistas em psiquiatria, não somos especialistas no modo de conhecer indígena. Portanto, quando estamos trabalhando com maori, como mantemos esse estado de aprendizado ativo? Eu não vejo isso muitas vezes com psiquiatras.
Além disso, as pessoas que estão usando Mahi a Atua tentam adotar feedback negativo. Em 2009, deparei-me com a abordagem de feedback de Scott Miller e Barry Dunkin. Isso repercutiu em mim porque, para aumentar nosso desempenho coletivo no desenvolvimento do Mahi a Atua, precisávamos aprender maneiras de receber feedback negativo e dar feedback negativo.
Quando se tratava de indivíduos e do trabalho com famílias em sofrimento psíquico, procedia-se com um formato particular, que é oferecer um Karakia, um encantamento ou uma oração consistindo no que a família valorizava, não no que fazíamos. Como sistema, decidimos que abordaríamos o racismo institucional e promoveríamos a indigeneidade ao voltar para o passado aprendendo e reintegrando-nos à nossa tradicional forma de orar. Então diremos a pessoa quem somos e de onde somos. O objetivo é conectar, encontrar uma conexão.
Depois disso, e muito semelhante ao Open Dialogue, trata-se de encontrar o significado por trás do sofrimento, tendo um diálogo compartilhado. Em seguida, um dos dois colegas de trabalho na sala desenhará e o outro escreverá uma história. Usamos nossas histórias de criação, e algumas delas podem levar dois minutos, outras dez. Atuas diferentes (deuses maori) são personificações do ambiente natural. Você pode usá-los como uma base estrutural psicológica. Quando terminamos de ouvir a história, temos uma conversa: fica-se curioso sobre os personagens da história e o que mais ressoa em você. O objetivo é tentar mudar a lente da gente para assim pensar sobre o problema de uma perspectiva diferente e ouvir um ao outro.
Nós temos um ditado “nada sobre as famílias sem as famílias”, então nós conversamos uns com os outros e permitimos que as famílias ouçam e respondam aos pensamentos, e então nós coletivamente reunimos algumas ideias sobre qual é o próximo passo. Tolerando a incerteza, acreditando na espiritualidade e no relacionamento, e valorizando uma conexão com a história; nossa conexão com nossas histórias de criação fortalece nossa conexão com os outros e, em seguida, cria um espaço que permite que as famílias que estão em perigo narrem sua própria história. Em essência, isso é Mahi a Atua.
Dhar: Qual é a importância da linguagem, das palavras que usamos para definir a experiência, em tudo isso?
Kopua: Meu pai cresceu em uma pequena cidade na costa leste da Ilha do Norte, Tikitiki. Ele e muitos outros foram punidos por falarem sua língua nativa. Então, em casa, eles falavam a língua maori, e é assim que eles formulavam conceitualmente sua emoção e sua experiência. Com a psiquiatria, quando sabemos que você está gravemente triste, estamos procurando que a pessoa se encaixe nos critérios corretos. Mas aqui encontramos o significado por trás desse sofrimento, porém sem impor um sistema de conhecimento que é estranho em nosso país.
Mahi a Atua está sendo capaz de restabelecer o que foi tirado de nós para que possamos reconceitualizar e reimaginar como é para nós nos sentirmos como um povo que foi colonizado. Nós tivemos terra, língua e cultura roubadas de nós.
Quando somos solicitados a falar de uma palavra, essa palavra nunca se traduz bem em uma palavra maori. Quando você está continuamente patologizando os povos indígenas que estão expressando a realidade de serem colonizados, meu trabalho, como psiquiatra, é conscientizá-los do contexto político em que a psiquiatria e a psicologia estão inseridas. Então, como nós compartilhamos histórias, a linguagem é muito importante. Encontramos frases e palavras-chave que mostram alguns deuses maoris sofrendo angústia e problemas também.
Algumas coisas surpreendentes saem das histórias, por exemplo, noho tatapu, é uma palavra para expressar o estar em um estado de restrição, referindo-se ao tempo em que nossos pais primordiais, o céu e a terra, foram mantidos em um abraço apertado. Com o tempo, eles ficaram frustrados com o aperto e a falta de movimento. Enquanto compartilhamos essas histórias, as pessoas começam a perceber que quando as famílias entram em nosso escritório, elas estão em um estado de noho tatapu. Ouvir essa história e permitir que elas entendam a restrição e o significado que ela adquire a em diferentes níveis culturais, políticos e sociais, e também introduz uma nova linguagem para nós utilizarmos, para conceituar uma nova maneira de entender o sofrimento psíquico que é única para nós como maori colonizado.
Dhar: Vivemos em um momento de crescente homogeneização cultural. Então, aonde você vê essa abordagem, uma abordagem baseada na conexão com o passado, e não com práticas psiquiátricas ‘modernas’?
Kopua: Estamos muito esperançosos. Vivemos em uma cidade pequena com pouco menos de 50.000 pessoas. Nós formamos uma massa crítica. Isso se tornou um movimento. A mídia social se tornou nossa amiga; somos capazes de nos dispersar e juntar as mãos àquelas pessoas que querem promover a ideologia indígena para mudar os resultados patéticos em nossa sociedade para os maoris.
Tudo o que fizemos foi criar uma massa crítica e está ganhando força. Nós não somos os únicos. O tribunal de Waitangi acabou de divulgar as recomendações sobre a Organização de Saúde Primária que é racista, e isso assegurando que prestem contas do que fazem, e estamos entusiasmados com isso.
Dhar: Alguns podem perguntar até onde você pode ir? Hoje é um grupo de 50.000 pessoas. Você começa a desenvolver novos conhecimentos para grupos de 10.000 e 15.000? Isso é viável?
Kopua: As pessoas da psicologia crítica e da psiquiatria estão dizendo que as famílias têm as soluções. Elas têm os recursos dentro delas. Precisamos projetar o sistema que aas respeite e as valorize como soluções. Acredito que as comunidades têm as soluções para seus problemas e precisamos pensar em como investimos. Nós não precisamos ser a resposta. Eu acho que isso é paternalismo. Sabemos agora que com este serviço que desenvolvemos reduzimos para metade o número de jovens que precisavam de ser encaminhados para serviços secundários.
Nós temos resultados. Paramos de diagnosticar, o que significa que deixamos de fazer do médico a coisa que precisávamos ir. Nós paramos de precisar de medicação. O que foi feito às nossas comunidades é que elas estão convencidas de que nós, psiquiatras e psicólogos, somos os especialistas, e devemos desfazer isso.
Eu não acho que muitos psiquiatras discordem de que isso tenha se tornado ridículo. Eu não acho que se trata de acabar com a psiquiatria e a psicologia, mas eu acho que existem alguns guardiões sentados em todos os níveis que se apegam às psicodisciplinas. Em um nível individual, em que eles gastaram muito tempo e dinheiro investindo nessas ferramentas para equipá-los para ajudar a comunidade, para agora ser dito por pessoas como eu que não o profissional não é útil e que é prejudicial, isso é uma ameaça à integridade e à identidade profissional.
Dhar: Eu acho que você chamou isso de fluxo unidirecional de expertise.
Kopua: Sim, e aqui na Nova Zelândia, leva muito tempo para realmente sair dos serviços, especialmente se você é um maori, no momento em que põe o pé na porta, você tem uma grande chance de conseguir um mau resultado.
Dhar: Eu li sobre isso. Os números de diagnóstico e resultado são terríveis para os maoris. Você acha que eles são reais ou resultados do racismo institucional e da colonização?
Kopua: Eles são todos os itens acima. Se não tivéssemos o DSM ou o CID, como seria? O serviço que nós desenvolvemos, e há um relatório público formal; triplicou o número de maoris que recorreram ao serviço em busca de ajuda. No momento em que os governos estão procurando maneiras de aumentar o acesso, nós fizemos isso.
Eles não estão sendo patologizados. Os resultados são muito bons: internações hospitalares foram reduzidas, menos pessoas estão sob tratamento compulsório agora. Mas nesse mesmo relatório, avaliando esse serviço, você tem clínicos gerais e organizações de saúde primárias e clínicos que podem não gostar dessa mudança.
Dhar: Houve recuo quando você estava tentando falar sobre isso?
Kopua: Então, em nível nacional, há pouco mais de uma dúzia de psiquiatras indígenas Maori. E um dos meus colegas tinha muitas pessoas o chamando, dizendo: “O que o Dr. Di está fazendo lá?” Além disso, nossa saúde primária está com as OS, privadas. Eles não são locais para a nossa comunidade. O que tivemos foi uma desconexão dos dados e o que eles representam; as estatísticas nacionais que mostram iniquidade. Isso criou um enorme retrocesso que nos atrapalha a tentar revolucionar o modo como trabalhamos.
Mahi A Atuafoi considerado algo que não dava às pessoas uma escolha. E, no entanto, o relatório formal mostra que víamos as pessoas mais cedo. Nós envolvemos mais famílias e usamos o tratamento informado como feedback. Nosso resultado foi realmente a valorização da voz da família. Isso não era apreciado porque acredito que o racismo institucional nos faz pensar que a configuração atual dos sistemas e os recursos são alocados de forma justa.
Dhar: Como sua abordagem e sua ética subjacente se encaixam na crítica que surgiu em torno do movimento global de saúde mental?
Kopua: O fortalecimento do sistema de classificação, o DSM é uma perpetuação da colonização, sem dúvida. O movimento global de saúde mental e a OMS querem resultados melhores. As políticas, no entanto, não refletem a experiência vivida das pessoas colonizadas. E eles precisam.
Se reconhecermos que o sistema de classificação está causando mais danos ao maori, então temos de abordar a questão: “O que precisa acontecer a seguir?” E é mais do que apenas o sistema de classificação. É mais que psiquiatria. Se você olhar para o nosso sistema de educação, nosso sistema de justiça criminal, nosso Ministério da Infância e Desenvolvimento social, as iniquidades estão em todos esses setores. Trabalhar enquanto coletivos é absolutamente essencial. O Trabalho Cooperativo nos permite tocar nosso colega no ombro e dizer: “Ei, não tenho certeza se a família entendeu isso” ou “Ei, acho que vi você conversando sobre a família”.
O sistema de classificação impacta a confiança da nossa comunidade através do mito da meritocracia, que é que se eu trabalhar duro o suficiente eu posso conseguir tudo o que desejo. Não é verdade. E eu acho que é sobre isso que Mahi a Atuaé. Algumas tribos foram forçadas a sair da terra durante a noite. A pobreza é o problema real, mas estamos empobrecidos por um motivo. E assim a história colonial e o significado por trás disso, isso é uma parte enorme.
Quando conhecemos pessoas que entram no sistema porque podem estar deprimidas ou ter um transtorno de ansiedade, é uma maneira desconectada de encará-las. E acho que está desconectado porque estamos tão conectados ao ato de saúde mental, às ferramentas de diagnóstico e à medicação, e quando pensamos que estamos sendo holísticos, isso significa TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental).
Dhar: O que é algo que seria considerado não necessariamente problemático entre os maoris, mas no momento em que a linguagem é traduzida, ela se torna um distúrbio?
Kopua: Vamos direto para o ouvir vozes. Na pré-colonização a maioria de nós como povos indígenas tinha uma conexão com o mundo espiritual, mas se entender isso agora é difícil. Você consegue imaginar uma criança sendo capaz de dizer a seus pais livremente que ouviram vozes? Mas nossa realidade é o momento em que uma criança diz a seus pais que elas ouvem vozes, os pais vão querer que o filho faça de conta que não disse isso. Eles vão dizer a eles: “Não conte isso a ninguém”. Isso é para aqueles de nós que estão desconectados ou não têm nenhum caminho a seguir para aprender mais sobre isso de uma maneira espiritualmente enriquecedora.
A maioria dos psiquiatras concorda que a cultura é importante, mas as estruturas e a maneira como somos financiados por recursos financeiros têm tudo a ver com os diagnósticos e esse conceito de tratamentos baseados em evidências. Ninguém está interessado nas evidências encontradas na prática, evidências baseadas na prática. Mas sei que nossos curandeiros espirituais têm tantas histórias de famílias que obtêm resultados fantásticos com eles. Porque não é algo sobre o que falamos abertamente, publicamente, com que diabos estamos destinados a crescer?
Dhar: Em minha pesquisa em partes muito rurais do Himalaia, havia uma mulher cuja mãe costumava ouvir vozes e ver pessoas dançando enquanto ela trabalhava na lavoura. Ela dançava com eles em vez de se sentir angustiada ou com medo.
Kopua: Como indígenas os psiquiatras entram em uma comunidade, aonde a maioria da população é maori, uma proporção significativa dos médicos sendo maori, mas as pessoas que tomam todas as decisões importantes são do exterior. O que eu notei é que quando eu entrei, se podia igualmente ter dito que eu estava ouvindo vozes. Eu ficava dando risadinhas para mim mesma, porque, pensava eu, bem que eu poderia muito bem estar a ouvir vozes e vocês não poderem ouvi-las, e vocês não quererem ouvi-las, e vocês só querendo é calar as vozes.
Eu estava pensando em quanto de isolamento isso pode ser, mas e se você estiver em uma comunidade que valorize essa experiências! Meu primo é um ouvinte de voz. Eu tenho sobrinhas e sobrinhos e amigos; eu aprendi com a experiência deles.
Dhar: Isto abre um conjunto de respostas para a experiência de ouvir vozes além do medo. Você está ciente de algum trabalho semelhante hoje em dia no mundo e que lhe excite?
Kopua : Eu sei que você mencionou o Diálogo Aberto; Eu acho que o trabalho deles é incrível. Eu só me pergunto sobre as populações indígenas. O Diálogo Aberto é ótimo. Eu não sei se quando você está trazendo [essa abordagem] para um outro país, se estamos acertando. Eu acho que as comunidades têm tantas soluções, mas não temos tempo suficiente [para falar disso agora].
Dhar: Você falou sobre o contexto histórico, como o Tohunga Suppression Act. Você pode falar um pouco sobre isso?
Kopua: Isso contribuiu para a redução e o número de Tohunga que contribuíram para a cura. O Tohunga Suppression Act contribuiu para o desaparecimento do Mukku facial das nossas artes culturais. E assim, ser capaz de restabelecer essas artes é cura coletiva. Recuperar a nossa linguagem é cura coletiva.
A legislação na Nova Zelândia é a colonização em ação. Nós tivemos nossas mães Maori que foram informadas de que a amamentação era [algo] suja, não apenas em público, apenas amamentar. Eu lhe falei sobre não poder usar nossa linguagem. Nós não fomos autorizados a comprar terras enquanto um coletivo. Isso ainda está acontecendo hoje. Estamos construindo autoestradas pelas terras indígenas das pessoas.
Quando as pessoas vêm do exterior e não entendem o impacto da colonização nos povos indígenas, acho que elas mesmas perpetuam o racismo. Elas sabem a resposta por serem especialistas em psiquiatria. Isso vai contra tudo o que eu valorizo e que eu acredito. Então, realmente, estou pensando em me afastar da psiquiatria. Para abordar a individualidade, a meritocracia; restaurar as nossas histórias.
Dhar: O que você tem a dizer para as pessoas que dizem que podemos integrar Mahi a Atuaao conhecimento psiquiátrico, ou a algo como a TCE [terapia cognitivo-comportamental]?
Kopua: Todas as nossas ideias são adjuntas. Eles são adicionais e, apesar de estarem com a melhor intenção, são adjuntas e não estão bem. De fato, no serviço que desenvolvemos, [a nossa abordagem] é o carro-chefe do serviço, é a porta da frente para os que estão em perigo. É uma metodologia Maori e um serviço mainstream. Nós estamos dando um cabalo de pau e fazendo disso o mainstream.
Eu tenho esse conjunto de conhecimentos e acho que é o que chamamos de conhecimento clínico. Mas o que a palavra ‘clínico’ significa? Existe essa expectativa de que o clínico é ocidental. Temos tentado encontrar uma palavra que tire a atenção da clínica porque muitas vezes usamos essa palavra para validar nossas suposições básicas que são absolutamente racistas, sem a ideia de que ela é proveniente de um espaço racista.
Dhar: Você pode me dar um exemplo disso?
Kopua: Um homem maori de 30 anos cuja mãe trabalha em uma organização de alto nível e o pai é separado. Eles queriam o Mark e eu. Em nosso serviço, você pode perguntar quem você quer. Então, nós passamos pelo processo com eles. Esse homem que era suicida, tão deprimido e em um espaço escuro, ganhou vida ao ouvir a história.
Agora, ele entra em nosso serviço e nós o medimos, e ele se sai muito bem. Mas para o serviço básico de saúde, com quem deveríamos trabalhar em parceria, eles queriam registros sobre os caminhos clínicos para alguém como ele. E dizer que fizemos Mahi a Atuasignifica que há um risco clínico. Porque não fizemos uma avaliação clínica, mas a partir de um paradigma maori, fizemos tudo o que é consistente com o que valorizamos. A família e o homem se engajaram e voltaram de novo e de novo. E um dos problemas que temos para os maori é a) eles entram [no sistema de assistência] muito tarde e b) param de vir. Isso é [típico] de um sistema que valoriza os clínicos que se comportam clinicamente.
Dhar: Isso acontece com a esquizofrenia, que as pessoas parem de vir para o tratamento e tomar a medicação, e são rotuladas como resistentes ao tratamento.
Kopua: Talvez esse seja o papel da saúde mental global, e mais pesquisas precisam ser feitasporque há uma falta de conhecimento sobre como retirar alguém de um grande tranquilizante, preparando as famílias para serem parceiras. Nós não somos muito bons nisso. Ser capaz de retirar o diagnóstico.
Um dos meus traineesnotou que quando vemos as famílias, estamos desfazendo o dano que aconteceu. Não seria ótimo se fortalecêssemos nossos estagiários nessa área e nos tornássemos uma subespecialidade da psiquiatria mais crítica e tivéssemos mais recursos para os psiquiatras desfazerem os danos que a instituição faz em primeiro lugar?