“Indústria farmacêutica age como o crime organizado”, afirma Peter Gotzsche na Folha de São Paulo

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Em uma matéria publicada na edição de hoje de Folha de São Paulo, é reafirmado por Peter Gotzsche o que temos postado aqui em Mad in Brasil:

  “Não sei de outra especialidade médica onde haja tanto excesso de diagnóstico e de    tratamento ou onde os danos dos medicamentos sejam tão debilitantes e persistentes em relação aos benefícios.” (Peter Gotzsche).

Leia a matéria na íntegra

ANTIDEPRESSIVOS AUMENTAM O RISCO DE SUICÍDIO E VIOLÊNCIA EM TODAS AS IDADES

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Young man at the end of the road

ANTIDEPRESSIVOS AUMENTAM O RISCO DE SUICÍDIO E VIOLÊNCIA EM TODAS AS IDADES

Peter Gotzsche, MD.

As agências de medicamentos advertem contra o uso de antidepressivos em crianças e adolescentes, porque eles aumentam o risco de suicídio. É bem mais difícil saber qual é o risco em adultos, já que tem havido um sub-resgistro massivo e inclusive fraude nos informes dos suicídios, tentativas de suicídio e pensamentos suicidas nas pesquisas controladas com placebo (1, 2).   A Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) tem contribuído para a obscuridade, por negligenciar os problemas, escolhendo confiar nas empresas farmacêuticas, mediante a supressão de informações importantes, assim como por outros meios (2).

Em uma meta-análise das pesquisas controladas com placebo de 2006, a FDA informou apenas cinco suicídios em 52.960 pacientes tratados com antidepressivos (um por cada 10.000 pacientes) (3), quando haviam muito mais suicídios nestas pesquisas. Cinco anos antes, em 2001, Thomas Laughren, que era o responsável pela meta-análise da FDA, publicou um documento a partir dos dados da FDA, no qual ele informou 22 suicídios em 22.062 pacientes escolhidos ao azar de pacientes em antidepressivos, o que é 10 por 10.000, ou seja 10 vezes mais do que havia sido informado em 2006.  No artigo de Laughren de 2001, havia quatro vezes mais o número de suicídios em pacientes com antidepressivos do que em placebo, o que foi estatisticamente significativo (P=0.03, meu cálculo).  Não obstante, Laughren não disse isso a seus leitores, embora tenha escrito: “Obviamente que não há sugestão que haja um excesso de risco de suicídio em pacientes tratados com placebo. “ Não, porém há sem dúvida entre os pacientes tratados com a droga!

Em sua meta-análise, a FDA encontrou que a paroxetina aumenta significativamente as tentativas de suicídio em adultos com transtornos psiquiátricos, probabilidade de 2.76 (intervalo de confiança de 95% 1.16 a 6.60) (3). A GlaxoSmithKline (GSK) também encontrou um aumento das tentativas de suicídio em adultos, e em 2006 a GSK EUA enviou uma carta ‘Estimado Doutor’ que sublinhou que o risco de comportamento suicida aumentou também para cima dos 24 anos de idade (2).

A FDA foi inconsistente. A agência afirmou em 2009 que é apenas nos menores de 24 anos de idade que essas drogas são perigosas (5).  Porém, em 2007, a agência admitiu, pelo menos indiretamente, que os ISRSs (Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina) podem causar suicídio em todas as idades (6):  “Todos os pacientes  que estão sendo tratados com antidepressivos, para qualquer indicação, devem ser monitorados de forma adequada e observados de perto por piora clínica, tendências suicidas e mudanças repentinas de comportamento, especialmente durante os primeiros meses de um processo de terapia com medicamentos, ou em momentos de mudanças de doses, para mais ou para menos. Os seguintes sintomas têm sido relatados em pacientes adultos e pediátricos que fazem uso de antidepressivos: ansiedade, agitação, ataques de pânico, insônia, irritabilidade, hostilidade, agressividade, impulsividade, acatisia (inquietação psicomotora), hipomania e mania”.  A FDA também observou que, “as famílias e os cuidadores dos pacientes devem ser advertidos para o aparecimento desses sintomas no dia-a-dia, visto que as mudanças podem ser abruptas. “ Parece que a FDA finalmente admitiu que os ISRSs podem causar a loucura em todas as idades e que as drogas são muito perigosas; de outro modo por que seria necessário um acompanhamento diário? Esse acompanhamento diário é, sem dúvida, uma solução falsa. As pessoas não podem ser controladas a cada minuto, e muitos se suicidaram por indução dos ISRSs em poucas horas depois que todo o mundo pensava que eles estavam perfeitamente bem.

Visto que há má conduta científica onipresente na literatura das pesquisas publicadas com relação às tendências suicidas e à agressão de quem está em tratamento com antidepressivos, decidimos buscar em outro lugar. Obtivemos 64.381 páginas de relatos de estudos clínicos da Agência Europeia de Medicamentos, o que resultou ser muito revelador (7).  Em janeiro de 2016, foi mostrado pela primeira vez que os ISRSs em comparação com o placebo aumentam a agressão em crianças e adolescentes, em média 2.79 (IC de 95%: 1,62 a 4,81). Este é um achado importante, levando em conta os numerosos tiroteios nas escolas, onde os assassinos estavam tomando os ISRSs.

Em outubro passado, eu coloquei uma revisão sistemática de pesquisas controladas com placebo em adultos voluntários sadios mostrando que os antidepressivos dobram a ocorrência de eventos que podem conduzir ao suicídio e à violência, probabilidade de 1,85 (IC de 95% 1.11. a 3.8) (8) .  O número necessário para causar danos a uma pessoa adulta sadia é apenas 1,6 (IC do 95%: 8 a 100).

Em 14 de novembro, demonstramos que os efeitos adversos que aumentam o risco de suicídio e violência eram 4 a 5 vezes mais comuns com duloxetina (cymbalta) que com placebo, em pesquisas clínicas em mulheres com incontinência urinária sob estresse (9). Os resultados foram similares para os eventos de ativação definidos pela FDA, e também houve mais mulheres em duloxetina que experimentaram um núcleo ou potencial evento psicótico, risco relativo: 2,25 (IC do 95%: 1,06 a 4,81). Muitas mulheres se viram afetadas pelos danos da duloxetina. Haviam 187 que tinham pelo menos um núcleo ou evento potencial de ativação com a duloxetina de 958, enquanto que apenas 42 de 955 mulheres com placebo experimentaram esse tipo de eventos; quer dizer, 15% mais de mulheres foram prejudicadas quando com o medicamento em comparação com o placebo, ou seja: uma de cada sete mulheres tratadas com essa droga.

A duloxetina nunca foi aprovada nos EUA ou no Canada, para uso na incontinência por estresse, enquanto que está aprovada na Europa. Foi realizada uma meta-análise das 4 pesquisas aleatórias controladas com placebo de duloxetina (com um total de 1913 pacientes), que foram apresentadas à Agência Europeia de Medicamentos para a aprovação de sua comercialização.  Nós utilizamos os dados dos informes dos estudos clínicos (para um total de 6870 páginas e que incluem dados de pacientes individuais). Teria sido impossível demonstrar como a duloxetina é perigosa, se apenas se tivesse tido acesso à investigação publicada.

Nossa revisão sistemática sublinha que os antidepressivos não apenas aumentam o risco de suicídio e violência em crianças e adolescentes, senão também nas pessoas com muito mais idade: as mulheres nas pesquisas tinham uma idade média de 52 anos. De acordo com isso, a própria FDA havia anunciado previamente que as mulheres que foram tratadas com duloxetina para a incontinência na fase de extensão aberta dos estudos clínicos tinham 2.6 vezes mais tentativas de suicídio que as outras mulheres com a mesma idade (2).

Eu não tenho nenhuma dúvida que os fabricantes de antidepressivos e seus aliados pagos entre os psiquiatras argumentam que não há nada para se preocupar, porque não temos encontrado um aumento nos suicídios ou tentativas de suicídios, em voluntários adultos sadios ou em mulheres com incontinência urinária, apenas há o aumento dos precursores desse tipo evento. Contudo, essa argumentação é falaciosa. Com relação a eventos precursores de suicídio é como se olhar os fatores de prognóstico para a enfermidade cardíaca. Dizemos que o aumento de colesterol, o tabagismo, e a inatividade física, aumentam o risco de ataques cardíacos e mortes cardíacas, e, por conseguinte recomenda-se às pessoas que façam algo a respeito. Os líderes psiquiátricos costumam fazer tiradas insustentáveis. Muitos dizem, por exemplo, que os antidepressivos podem ser administrados com segurança em crianças, argumentando que não havia mais suicídio nas pesquisas, apenas mais tentativas de suicídio, como se não houvesse nenhuma relação entre os dois; ainda que todos saibamos que um suicídio começa com tendências suicidas, pensamentos, seguido de preparações em uma ou mais tentativas.

Conclusões

Apesar de que a indústria farmacêutica, nossos reguladores de medicamentos, bem como os líderes psiquiatras, tenham feito tudo o que é possível para ocultar os fatos (2), não se pode de maneira alguma por em dúvida que os antidepressivos são perigosos e podem causar suicídio e homicídio em qualquer idade (2,10,11). Os antidepressivos têm muitos outros danos importantes e seus benefícios clínicos são duvidosos (2). Por conseguinte, a minha conclusão é que em absoluto eles não podem ser utilizados. É particularmente absurdo utilizar medicamentos para a depressão que aumentam o risco de suicídio, quando sabemos que a psicoterapia diminui o risco de suicídio. As pesquisas de psicoterapia têm sido criticadas pela falta da ‘ocultação’ (blinding) (12), porém é difícil ‘cegar’ (blind) nesse tipo de pesquisa. Por outra parte, a tendência suicida é um resultado bastante difícil.

                    Devemos fazer todo o possível para evitar colocar as pessoas em           drogas antidepressivas; e ajudar a aqueles que já estão nelas, para deter o seu uso, reduzindo lentamente o consumo da droga  – com uma rigorosa supervisão.

                                                  As pessoas com depressão devem receber psicoterapia, apoio psicossocial, e não drogas.

Referências:

  1. Healy D. Did regulators fail over selective serotonin reuptake inhibitors? BMJ 2006;333:92–5.
  2. Gøtzsche PC. Deadly psychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.
  3. Laughren TP. Overview for December 13 Meeting of Psychopharmacologic Drugs Advisory Committee (PDAC). 2006 Nov 16. www.fda.gov/ohrms/dockets/ac/06/briefing/2006-4272b1-01-FDA.pdf.
  4. Laughren TP. The scientific and ethical basis for placebo-controlled trials in de¬pression and schizophrenia: an FDA perspective. Eur Psychiatry 2001;16:418-23.
  5. Stone M, Laughren T, Jones ML, et al. Risk of suicidality in clinical trials of antidepressants in adults: analysis of proprietary data submitted to US Food and Drug Administration. BMJ 2009;339:b2880.
  6. FDA. Antidepressant use in children, adolescents, and adults. http://www.fda.gov/drugs/drugsafety/informationbydrugclass/ucm096273.htm.
  7. Sharma T, Guski LS, Freund N, Gøtzsche PC. Suicidality and aggression during antidepressant treatment: systematic review and meta-analyses based on clinical study reports. BMJ 2016;352:i65.
  8. Bielefeldt AØ, Danborg PB, Gøtzsche PC. Precursors to suicidality and violence on antidepressants: systematic review of trials in adult healthy volunteers. J R Soc Med 2016;109:381-392.
  9. Maund E, Guski LS, Freund N, Gøtzsche PC. Considering benefits and harms of duloxetine for treatment of stress urinary incontinence: a meta-analysis of clinical study reports. CMAJ 2016;14 November. http://www.cmaj.ca/lookup/doi/10.1503/cmaj.151104.
  10. Healy D. Let them eat Prozac. New York: New York University Press; 2004.
  11. Breggin P. Medication madness. New York: St. Martin’s Griffin; 2008.
  12. Hawton K, Witt KG, Taylor Salisbury TL, Arensman E, Gunnell D, Hazell P, Townsend E, van Heeringen K. Psychosocial interventions for self-harm in adults. Cochrane Database Syst Rev 2016; 5: CD012189.

 

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Deadly Psychiatry and Organised Denial: Professor Peter C. Gøtzsche, MD, co-founded the Cochrane Collaboration. He has published more than 70 papers in the top 5 general medical journals and 5 books, most recently, Deadly Psychiatry and Organised Denial.

 

Sociedade Britânica de Psicologia: contra o modelo biomédico da Psiquiatria

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Em um movimento audaz e sem precedente para qualquer corporação profissional, a divisão de Psicologia Clínica (DCP) do Reino Unido, que é uma sub-divisão da Sociedade Britânica de Psicologia, emitiu uma tomada de posição que é muito pouco conhecida entre nós brasileiros.  Merece que o maior número de pessoas tenha essa informação.

Nessa declaração o que é reivindicado é o fim do modelo biomédico, por falta de evidências científicas, modelo esse que está implicado no diagnóstico psiquiátrico. Veja o documento.

O DCP é da opinião ser oportuno e apropriado afirmar publicamente que o atual sistema de classificação presente no DSM e CID, com relação aos diagnósticos psiquiátricos funcionais, tem limitações conceituais e empíricos significativos. Em consequência, existe uma necessidade de mudança de paradigma em relação com às experiências referidas nesses Manuais, em vistas de se ter um sistema conceitual que não esteja baseado em um modelo de ‘enfermidade’. ”

Resumindo, o argumento é que os diagnósticos dos chamados ‘transtornos mentais’ funcionais – esquizofrenia, depressão, transtorno bipolar, transtorno da personalidade, o TDAH, e assim sucessivamente – não são categorias cientificamente válidas, e que com frequência são prejudiciais na prática clínica, e, sobretudo, na vida dos diagnosticados.

A declaração afirma que já contamos com alternativas reais e eficazes, como é a formulação psicológica para abordar tais ‘transtornos’, e que existe uma necessidade de se trabalhar em colaboração com os usuários do serviço e os grupos profissionais, incluindo os psiquiatras, com a finalidade de se desenvolver ainda mais as alternativas a esse modelo ‘iatrogênico’.

Essa tomada de posição da Sociedade Britânica de Psicologia ultrapassou em muito a comunidade dos profissionais de saúde, ao aparecer na primeira página de jornais de grande circulação no Reino Unido, como foi no The Guardian, que dedicou duas páginas internas para discutir o assunto, com os títulos ‘Um novo grande campo de batalha de medicamentos? Existe realmente uma enfermidade mental’ , e ‘Os psiquiatras sob fogo na batalha da saúde mental’.

Em questão de horas, milhares de comentários começaram a ser feitos na página na internet do The Guardian, e os artigos estavam sendo re-twiteados ao redor do mundo.

Não faz falta dizer, que a postura assumida pela Sociedade Britânica de Psicologia teve reações de aprovação como de reprovação.

Talvez a mais previsível tenha sido a reação de Allen Frances, quem recentemente esteve no Brasil para o lançamento em português do seu último livro.  Frances passou a ser conhecido recentemente como um opositor declarado do DSM-5. Porém, como seria o esperado de quem foi o coordenado-chefe da força tarefa que elaborou o DSM-IV, Frances reagiu a essa declaração como sendo uma  “postura extremista da Sociedade Britânica de Psicologia, igual ao que foi feito pelo DSM-5 e o NIMH“.

Sendo ele um dos nomes de ponta do modelo biomédico da psiquiatria, muitos foram aqueles que tomaram o posicionamento de Frances, , como seu suporte ideológico (quer dizer, supostamente científico) para o debate entre os profissionais; uns a dizer que tudo isso não passa de “guerras territoriais”, enquanto que outros acusaram o DCP de ignorar o papel da biologia.

Quem lê a declaração do DCP pode constatar o quanto as reações em contrário mal escapam do ideológico, portanto, em nada científicas. O DCP estabelece especificamente que “Esta posição não deve ser interpretada como uma negação do papel da biologia na mediação em todas as formas da experiência, do comportamento e da angústia, humanas.” A declaração também diz explicitamente que o argumento diz respeito às formas de pensar, e não sobre determinadas profissões.

A acusação ‘guerras pelo território’ é particularmente algo muito longe da realidade, visto que a declaração do DCP é simplesmente uma reiteração, aliás bem equilibrada, dos comentários recentes de alguns dos psiquiatras mais eminentes no mundo.  O próprio Allen Frances descreve o DSM-5 como “profundamente defeituoso e que carece de rigor científico”. Enquanto que o Dr. Thomas Insel, diretor do NIMH (National Institute of Mental Health), disse “… os pacientes merecem algo melhor”.  E o ex-diretor do mesmo NIMH, o doutor Steven Hyman, foi ainda bem mais contundente: chamou o DSM-5 de “totalmente equivocado, um pesadelo científico absoluto”. Em resposta, o Presidente do Comitê do DSM-5, o Dr. David Kupfer admitiu: “Temos estado a dizer aos pacientes há várias décadas que estamos buscando pelos bio-marcadores.  E ainda estamos esperando.”

A principal diferença – e, por suposto, muito importante – entre a posição desses eminentes psiquiatras e o DCP é que a primeira se caracteriza pela perseguição do modelo biomédico a todo o custo. De fato, o NIMH anunciou a intenção de colocar como prioridade um programa de 10 anos para definir, de uma vez por todas, os bio-marcadores que até agora têm se esquivado aos investigadores. O projeto parte da posição muito pouco científica de assumir o que necessita ser demonstrado: em suas palavras que “os transtornos mentais são transtornos biológicos”.  Um projeto viciado por natureza, porque ele permite que os conservadores do ‘biologicismo’ continuem afirmando que “estamos nos aproximando – honestamente”. Enquanto tal, a avassaladora quantidade de evidências de fatores causais de natureza psicossocial é relegada, sistematicamente, a um segundo plano.

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Se pensarmos na situação nossa aqui no Brasil. O que as entidades representativas das diversas profissões que trabalham no campo da saúde mental têm a dizer?  O que as organizações sociais de defesa dos interesses dos usuários do sistema de saúde têm a dizer?

A informação precisa chegar ao público dos profissionais de saúde, e em particular aos próprios usuários do sistema de saúde, público e privado.

Ajude a qualificar o debate!

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Transgênero, Assexualidade e os Antidepressivos

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Recentemente, o renomado psiquiatra David Healy postou em sua página um blog onde ele coloca para o debate público a questão dos possíveis impactos que o uso de antidepressivos pode estar tendo em nossa própria sexualidade e questões de gênero.

Resolvi escrever algo a partir da leitura desse blog.

A imagem acima é de Ben, que acredita que ele na verdade possa ser a Amy.  É por isso/ou para isso, que ele está tomando hormônios para prevenir a puberdade. Esse tema faz parte de um programa da rede de televisão pública britânica BBC, dirigido a crianças a partir dos seis anos de idade.

Just  Girl, o nome do seriado, é a respeito de uma criança que no começo da sua puberdade é um ‘transgênero’ que tenta dar sentido a seu mundo, lidando com bullying e se esforçando para manter suas amigas.

Trata-se de uma problemática muito contemporânea. Sexualidade e gênero: o que é que é da ordem do biológico por natureza?  Por outro lado, o que é socialmente construído? Quais as relações entre esses termos? Quais são os limites para a intervenção no biológico? Que mundo se quer construir socialmente?

Um debate aberto, cujos ‘topos’ são ocasião para acaloradas defesas de posições.

Por exemplo, há muitos que consideram que dar hormônios a crianças antes da puberdade para prevenir o desenvolvimento natural é uma forma de ‘abuso infantil’. Há outras pessoas que dizem que quanto mais se promove a ideia que um garoto possa ter nascido em um corpo de menina, e que uma menina possa ter nascido em um corpo de garoto, e que drogas e cirurgia podem colocar as coisas em seu lugar, isso pode levar as crianças a se sentirem profundamente confusas.

Pois bem, nesse debate David Healy coloca algo a tornar mais complexa a discussão sobre essa problemática.  A pergunta que Healy formula é:

                    Que relações podem haver de fato entre problemas de transgênero ou   disforia sexual e os antidepressivos? 

De imediato, é verdade que cada vez mais há mais pessoas tomando antidepressivos. Afinal de contas, é uma das modas dos tempos atuais buscar nos antidepressivos a solução para as diversas manifestações de infelicidade.  E entre os inúmeros efeitos colaterais, os antidepressivos estão associados a um grande número de efeitos na função sexual, incluindo desejo sexual alterado, dificuldades de excitação (ereção nos homens, falta de lubrificação, nas mulheres), problemas de orgasmo, etc. [1]

Esses são efeitos colaterais dos antidepressivos já bem conhecidos e relatados. O que já é por si algo bastante alarmante!  Pouco a pouco se vem conhecendo o impacto dos antidepressivos na destruição das relações amorosas, estando fortemente associados ao crescimento das possibilidades de divórcio quando um ou os dois parceiros faz uso dessas drogas.

E quantos efeitos adversos ainda são desconhecidos?

Por exemplo, o que ocorre com filhos de pais que na sua gestação estavam fazendo uso de antidepressivos? Senão, quantas crianças, adolescentes e jovens adultos são pacientes de drogas antidepressivas?  Como a explosão do consumo dos antidepressivos se deu a partir dos anos 1990, ainda há muito o que desconhecemos.

A questão da relação entre os antidepressivos e a ‘disforia sexual’ tratada pela psiquiatria tem antecedentes na própria ciência que está na base dos atuais psicotrópicos prescritos.  Healy lembra que o primeiro artigo de língua inglesa sobre a imipramina, que foi o primeiro inibidor relativamente potente da reabsorção de serotonina, em 1958, já era mencionado que algumas pessoas com uma orientação homossexual transitariam ou se converteriam à heterossexualidade. Isso foi motivo de celebração na época. O que quer dizer, que já se sabe há muito que os antidepressivos têm impactos na sexualidade.

O tempo passa, mudanças socioculturais ocorrem. Mas, como mais uma vez Healy nos lembra,  em 1993, portanto muito mais recentemente, Peter Kramer, o autor do famoso livro Ouvir o Prozac  dizia algo muito parecido. O que foi comemorado, como um meio para se construir o mundo de relações, conforme o desejo.

A orientação sexual, como é mudada?

São questões que ainda temos respostas quase que absolutamente provisórias.

Quem pode ajudar na construção desse conhecimento, são as próprias pessoas que estão passando por tais experiências. Como é bem observado por Healy, as pessoas mais bem colocadas para descobrir o que pode estar acontecendo é a própria comunidade dos que vivem essa ‘fluidez’ de gênero.

Healy organizou uma plataforma na internet muito importante, que é uma comunidade virtual dos que comungam a problemática dos efeitos colaterais das drogas psiquiátricas prescritas por médicos. Como você pode se dar conta, ao se conectar a essa página, lá você tem disponibilizadas várias maneiras para se manter em comunicação com pessoas que sofrem os efeitos adversos das drogas psiquiátricas, e que querem compartilhar ideias e experiências com os demais.

Nesse sentido, precisamos de relatos de pessoas cuja orientação e auto-visão mudaram dramaticamente com exposição a essas drogas ou retirada de alguma dessas drogas. Mas por trás da mudança no exterior, precisamos saber mais sobre quaisquer mudanças no interior. Como foi a mudança? O que mudou para provocar a mudança? Essas coisas poderiam estar ligadas a efeitos ‘primitivos’, como efeitos sobre nosso cheiro ou olfato. E assim por diante.

Esse programa da BBC é eloquente sobre a atualidade dessa ‘problemática’, não é mesmo?

Quanto mais bem informados somos, as nossas decisões podem ser tomadas com mais consciência.  E o debate público passa a ser mais bem qualificado.

 

 

 

 

 

A ‘medicalização’ da miséria humana e o crescimento do consumo de antidepressivos

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Médicos em toda a Europa estão advertindo que o vertiginoso aumento da prescrição de antidepressivos ocorre devido à pressão de ‘medicalizar’ a infelicidade.  Eles se queixam que por falta de tempo na consulta e pela pouca disponibilidade de terapias alternativas, recorrem com demasiada frequência ao seu bloquinho de prescrição de medicamentos.

Esse é o resultado de um questionário enviado pelo jornal britânico The Guardian e cinco outros grandes jornais europeus. Foram entrevistados 100 médicos e psiquiatras europeus, cuja maioria disse que há uma ‘cultura de prescrição’ em seus países, na medida em que as pessoas com depressão não encontram uma ajuda adequada.

Muitos dos médicos – da Inglaterra, França, Itália, Alemanha, Espanha, Luxemburgo, Bélgica e Holanda – disseram que eles acreditam que os antidepressivos sejam o tratamento efetivo para casos de depressão grave. Não obstante, dezenas dos médicos expressaram frustração que por falta de tempo e de outras alternativas o que fazem é prescrever antidepressivos para todas as demandas que lhes chegam, independentemente de uma avaliação clínica realmente cuidadosa.

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Entre as várias declarações feitas pelos médicos, há por exemplo essa de Gladys Mujica Lescano, médica de um hospital de Barcelona:

                “Nós estamos medicalizando situações comuns: conflito, separação e          vicissitudes da vida”.

Confira a reportagem completa do The Guardian.

DEIXAR DE TOMAR DROGAS PSIQUIÁTRICAS: UM GUIA PARA A REDUÇÃO DE DANOS

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fernando_foto_definitivaUm importante guia para todos aqueles que querem deixar de tomar drogas psiquiátricas. A cartilha é gratuita e você pode baixa-la na internet (versão em espanhol). Ela está traduzida em diferentes línguas; infelizmente ainda não está disponível em português.

Essa cartilha foi criada a partir das informações e experiências de pessoas que sofrem tentando parar de fazer uso de medicação psiquiátrica. Will Hall iniciou a experiência em 2004, no oeste de Massachusets. Em princípio, eram reuniões mensais entre pessoas que compartilhavam do sofrimento de serem vítimas da psiquiatria, e pouco a pouco essas reuniões passaram a serem feitas em intervalos menores de tempo, até chegar ao estágio atual. É o Projeto Ícaro (Icarus Projet) e o Centro Liberdade (Freedom Center), experiências que se espalham pelos Estados Unidos a dar suporte a todos os que sofrem com o processo de deixar de tomar medicamentos psiquiátricos, com iniciativas como classes de Yoga, grupos de caminhada, reuniões de mútuo suporte, escutando vozes (hearing voices), orientação dietética, meditação, etc. Quando estava em seus vinte anos, Hall foi diagnosticado como esquizofrênico e ficou internado em hospital psiquiátrico. E hoje  não toma mais drogas psiquiátricas.

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Assim como Hall, outros e muitos outros após haverem conseguido se libertar do sistema psiquiátrico querem contribuir para ajudar todos os que passam por dificuldades semelhantes. Participam usuários de drogas psiquiátricas, ‘sobreviventes da psiquiatria’ e familiares.

As pessoas costumam ter questões básicas que não conseguem formular aos seus médicos. Como p. e., se os benzodiazepínicos criam dependência química? Se interromper o tratamento com os antidepressivos leva à recaída da temida depressão? Ou, por que mesmo tomando os antipsicóticos conforme o que foi prescrito pelo psiquiatra não conseguem ter uma vida normal?

É possível se parar de tomar esses medicamentos? Há pessoas que conseguem, outras não. Umas com mais facilidade do que outras.  Por que?

A cartilha não é um protocolo ou uma receita de procedimentos.  Mas cria espaço para que cada um encontre o seu melhor caminho e que possa contar com o suporte de quem já passou ou está passando por experiências parecidas.

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O sumário dos principais conceitos:

Quando a medicação psiquiátrica está em questão, duas visões se confrontam:

“Centrada na doença”  VERSUS  “Centrada na Droga”

O que resulta que conforme uma ou a outra visão, as seguintes questões serão respondidas de forma distinta por natureza:

  • O que são as drogas psiquiátricas?
    • Tratamento para doença mental X Substâncias psicoativas que alteram a mente e que podem ser úteis ao mesmo tempo que com riscos.
  • Como funcionam?
    • As drogas corrigem um processo anormal, uma doença de desequilíbrio químico no cérebro X As drogas criam um processo químico anormal no cérebro, como todas as substâncias psicoativas.
  • Quando usá-las?
    • Quando um transtorno mental particular está presente X Quando experiências particulares dos efeitos da droga são úteis no contexto.
  • Por que elas são úteis?
    • Os efeitos terapêuticos surgem da ação da droga no processo causador da doença X Os efeitos terapêuticos surgem por estarem sendo induzidos pela droga psicoativa que produz alteração dos estados mentais
  • O alvo?
    • Sintomas da doença X Corpo + Mente de quem toma a droga
  • E os riscos?
    • Os riscos da droga são necessários para tratar a doença X Os riscos da droga podem ser graves e podem ser piores do que a experiência para a qual a droga foi prescrita
  • Paradigma?
    • “Como a insulina para diabetes” X “Como o álcool para a ansiedade social”
  • Questões chaves:
    • Você tem uma doença mental?  X  É a droga útil para você levando em consideração os seus riscos?

Quem quiser aprofundar as diferenças entre o “modelo de uso de drogas centrado na doença” e o “modelo de uso de drogas centrado na própria droga”, vale a pena ler o artigo de Joanna Moncrieff e David Cohen, publicado no British Medical Journal “How do psychiatric drugs work?” É imperdível a palestra dada por Joanna Moncrieff sobre essa problemáticas na Universidade da Nova Inglaterra, com o título O Mito da Cura Química: A Política do Tratamento da Droga Psiquiátrica. (Lembre-se, o youtube oferece a ferramenta de legenda, em inglês, mas também em português. Não deixa de ser uma ajuda!)

COMO FAZER COM QUE A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA ASSUMA AJUDAR OS DEPENDENTES DAS SUAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS?

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As drogas psiquiátricas prescritas, são drogas psicoativas por natureza. Estamos falando de antidepressivos, antipsicóticos e ansiolíticos, muito em particular. Em comum: drogas prescritas por psiquiatras; mas, e sobretudo, por clínicos em geral.

Quem prescreve tais drogas não se importa com a experiência de todos aqueles que sofrem ao que querer interrompe-las, ao tomarem a decisão de continuarem a viver normalmente.

O que os médicos dizem é que parar de tomar os medicamentos psiquiátricos por eles prescritos é uma decisão perigosa. Porque a suposta ‘doença’ do paciente irá se manifestar: são as chamadas ‘recaídas”.

O curioso é que para os médicos e para a indústria farmacêutica, as suas drogas são distintas por natureza da cocaína, a heroína, o crack, e assim por diante. Jamais falam da ‘dependência química’ que eles criam!

Crescem movimentos de busca por alternativas. E muito em particular, com que diz respeito aos modos como deixar de ser ‘viciado’ pela própria droga prescrita como um medicamento. Entre as iniciativas, são os movimentos sociais para obrigar a indústria farmacêutica a ajudar os dependentes das suas drogas.

Como exemplo, essa iniciativa que vale a pena ser vista.

A ALIANÇA ESPÚRIA ENTRE A MEDICINA E A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA

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A ALIANÇA ESPÚRIA ENTRE O FDA E AS EMPRESAS FARMACÊUTICAS

É senso-comum que o que é autorizado pelo FDA é eficaz e seguro para a saúde. O FDA como é conhecido por todos, é a agência dos Estados Unidos responsável pelo controle de alimentos e drogas. O pressuposto é que a avaliação dos riscos e benefícios para a saúde seja feita por médicos especialistas, funcionários de uma agência governamental – independente, portanto, de interesses mercadológicos. O que um novo artigo aponta, publicado pelo prestigiado periódico British Medical Journal (BMJ), é que uma parcela significativa dos médicos do FDA são igualmente funcionários da Indústria Farmacêutica.  O que os autores desse artigo mostram é que está ocorrendo o que em inglês é chamado de ‘revolving door”,  o que em português seria algo como ‘porta-giratória’.  Quer dizer, o que entra enquanto ‘pedidos’ – para a avaliação da agência reguladora FDA – é inseparável dos ‘interesses’ mercadológicos que de lá saem; assim como os próprios interesses mercadológicos que entram no FDA são iguais aos resultados que saem do FDA.

Isso ocorre com a saúde em geral.

O que ocorre com a Psiquiatria é igual, senão  ainda muito mais alarmante.

A matéria no Times.

MAD IN BRASIL – EDITORIAL

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EDITORIAL

É com grande satisfação que estamos lançando a nossa página na internet. Nossos agradecimentos à FUNDAÇÃO MAD IN AMERICA, pelo inestimável apoio dado para a viabilização desse projeto no Brasil. Por meio desta página estamos nos integrando à crescente comunidade do MAD IN AMERICA, possibilitando com isso a troca de conhecimentos científicos, informações, experiências e projetos, com o (a) s companheiro (a) s do site original madinamerica, do madinamerica-hispanohablante, do madinjapan, e com os outros ‘mad’ a serem criados. Todos unidos por ideais compartilhados de construção de um novo paradigma alternativo ao paradigma médico-biológico hoje dominante na assistência em saúde mental, e pela criação de condições sociais e político-culturais para uma melhor saúde mental dos nossos povos.

A sede do Mad in Brasil está localizada em um dos departamentos da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), que é um dos órgãos da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) – a mais importante instituição federal de ensino e pesquisa do país, destinada ao desenvolvimento da saúde pública. O nosso departamento chama-se Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade (DIHS), cuja missão social é justamente articular o binômio direitos humanos e saúde frente aos desafios da diversidade inerentemente humana.

Temos no Brasil um histórico processo de reforma psiquiátrica. Acumulamos nas últimas décadas importantes conquistas. Uma das conquistas mais significativas do nosso movimento de reforma foi a Lei 10 2016/2001 , que determina o fechamento progressivo dos hospitais psiquiátricos e a instalação de serviços substitutivos. Desde então, o Brasil tem fechado leitos psiquiátricos e aberto serviços substitutivos: os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), as Residências Terapêuticas, Programas de Redução de Danos, Centros de Convivências, as Oficinas de Geração de Renda, etc.

Segundo os dados oficiais, são mais de 2.000 CAPS espalhados pelo país. Os CAPS são serviços da Rede de Atenção Psicossocial – RAPS – destinados a prestar atenção diária a pessoas com transtornos mentais. Os CAPS oferecem atendimento à população, realizam o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Os CAPS também atendem aos usuários em seus momentos de crise. Os projetos desses serviços, muitas vezes, ultrapassam a própria estrutura física, em busca da rede de suporte social, potencializadora de suas ações, preocupando-se com a pessoa, sua história, sua cultura e sua vida cotidiana. Dispõe de equipe multiprofissional composta por médico/psiquiatra, psicólogos, dentre outros.

Contamos com um forte e expressivo movimento social organizado em defesa dos direitos dos usuários dos serviços de assistência psiquiátrica.  Como é o Movimento da Luta Antimanicomial  ou Rede Nacional de Internúcleos da Luta AntimanicomialSão organizações da sociedade civil que se caracterizam pelo seu caráter democrático, contando com a participação ativa e efetiva dos usuários de serviços de saúde mental, seus familiares, profissionais, estudantes e quaisquer interessados em defender uma postura de respeito aos diferentes modos de ser e a transformação da relação cultural da sociedade com as pessoas que sofrem por transtornos mentais. São organizações que reúnem núcleos em todos os estados do país, sendo todos autônomos, propositadamente sem uma hierarquia. De dois em dois anos são realizados encontros nacionais que procuram reunir todos os militantes para deliberar, de forma democrática, seus princípios e ações. Há o programa De Volta para Casa. Esse programa foi instituído pelo Presidente Lula, por meio da assinatura da Lei Federal 10 708 de 31 de julho de 2003,  que dispõe sobre a regulamentação do auxílio-reabilitação psicossocial a pacientes que tenham permanecido em longas internações psiquiátricas. O objetivo deste programa é contribuir efetivamente para o processo de inserção social dessas pessoas, incentivando a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do convívio social, capaz de assegurar o bem-estar global e estimular o exercício pleno de seus direitos civis, políticos e de cidadania. O programa conta hoje com mais de 2600 beneficiários em todo o território nacional, os quais recebem mensalmente em suas próprias contas bancárias o valor de R$240,00 (cerca de U$ 80,00).

Temos acumulado ao longo dessas décadas um conjunto variado e rico de experiências com abordagens psicossociais. Desde experiências com práticas psicoterapêuticas tradicionais, como psicanálise, terapia cognitivo-comportamental, p. e., a iniciativas provenientes de áreas que não pertencem usualmente ao campo ‘psi’ institucionalizado, como yoga, acupuntura, massagem. E, muito em especial, iniciativas no campo artístico-cultural, como pode ser bem observado no vídeo postado na página inaugural do nosso site. O Programa Loucos por Música reuniu em um mesmo palco, em algumas das nossas principais casas de espetáculos musicais espalhadas pelo país, artistas profissionais da Música Popular Brasileira e grupos musicais compostos por usuários e profissionais de saúde.  Graças a tais experiências, eminentemente de natureza psicossocial, importantes avanços a sociedade brasileira têm alcançado, em termos de integração sociocultural das pessoas com diagnóstico psiquiátrico e da construção de novas subjetividades alternativas à identidade ‘doente mental’.

Não obstante tantas e significativas conquistas com relação ao modelo asilar que caracterizou a assistência psiquiátrica no país desde os meados do século XIX, reconhecemos os gigantescos desafios que temos diante de nós. A leitura dos livros do companheiro Robert Whitaker, Mad in America, Anatomy of an Epidemic, Psychiatry under Influence, as suas palestras dadas no Brasil em eventos organizados pela nossa Associação Brasileira de Saúde Mental (ABRASME), e o acompanhamento sistemático das postagens no portal Mad in America, foram ocasiões para nos darmos conta dos desafios enfrentados em nosso cotidiano da assistência, que percebíamos e não tínhamos ainda elementos teóricos suficientes para entender em toda a sua complexidade. Uma parcela significativa das dificuldades que enfrentamos no Brasil têm uma natureza muito semelhante na maioria das sociedades dos tempos contemporâneos.

Eis aí alguns desses desafios. De imediato, a nossa dependência ao modelo médico-biológico de abordagem dos fenômenos psicossociais. Embora sendo crítica, a nossa reforma psiquiátrica não conseguiu se libertar do estatuto patológico inerente ao diagnóstico psiquiátrico. Embora tantas iniciativas inovadoras na abordagem psicossocial, a nossa reforma não libertou os usuários de seus serviços de sua dependência ao tratamento psicofarmacológico. Graças à comunidade Mad in America é possível que um público amplo – formado pelos profissionais e pesquisadores de saúde, com certeza, mas também usuários, familiares e a sociedade em geral – venha a ter acesso às bases científicas e ideológicas que apoiam os discursos e as práticas que permitem a transposição do psicossocial para o que é da ordem médica, e que a tornam aceitável, até mesmo desejável, aos olhos da sociedade.

É expressivo o fato que embora tenhamos um forte movimento de luta dos ‘usuários e familiares’, ainda não contemos com um forte movimento de ‘ex-usuários’.  No Brasil ainda não há movimentos de ‘ex-pacientes‘ ou de ‘sobreviventes da psiquiatria’, p. e. Isso é eloquente. Na verdade, ainda estamos fortemente dependentes dos mitos criados pela psiquiatria, enquanto instituição, seja com relação aos determinantes biológicos dos transtornos mentais – o suposto fundamento científico do ‘desequilíbrio químico’-, seja com relação ao tratamento com antipsicóticos, antidepressivos, ansiolíticos, etc. Se é verdade que temos tido êxito em inserir na sociedade as pessoas diagnosticadas com algum transtorno mental, é igualmente verdadeiro que está sendo formada uma enorme população de crônicos convivendo no ‘território’, de pessoas dependentes do tratamento psiquiátrico. Se é verdade que temos muito o que ensinar ao mundo como é possível se ‘ressocializar’ aqueles que durante anos ou décadas passaram as suas vidas entre as quatro paredes de um asilo psiquiátrico, não é menos verdadeiro que temos muito o que aprender com as experiências mundiais de como garantir que aqueles que estão hoje sob dependência de drogas psiquiátricas possam enfrentar os sintomas inerentes da interrupção da medicação psiquiátrica e estarem recuperados para a vida livres da psiquiatria.

A página madinbrasil é composta por várias seções. Há a seção de Notícias, onde serão postados artigos de periódicos científicos nacionais e internacionais, socializando o conhecimento científico, para que mais e mais pessoas tomem conhecimento do que as evidências científicas mostram. Há a seção Blogs, com as contribuições de colaboradores nacionais e internacionais, onde opiniões abalizadas e experiências pessoais permitirão abrir o debate com os ‘comentários’. Há a seção Em torno da internet, onde serão postadas reportagens da grande mídia e o que vendo sendo dito sobre aspectos relevantes. Há a seção Informações sobre as Drogas, onde os leitores serão mantidos atualizados sobre os principais aspectos inerentes aos antipsicóticos, antidepressivos, ansiolíticos e outras drogas.  Há a seção de Vídeos, onde postaremos documentários e filmes importantes que possam ser disponibilizados on-line. Há a seção de Eventos, onde procuraremos manter o leitor informado sobre Congressos, Encontros, Seminários etc. Teremos ainda a seção de Newsletter, para manter o leitor sistematicamente atualizado sobre o que aparece postado. Criaremos ainda a seção Contribuição, para todos aqueles que puderem contribuir financeiramente com a manutenção do nosso portal. A página estará sempre aberta a iniciativas que visem aprimorar a qualidade da informação.

Contamos com a colaboração de todos.

Que essa empreitada seja bem-sucedida!

Editores: Fernando Freitas e Paulo Amarante

A exposição da Epidemia Escondida: o novo Centro de Recursos para a Discinesia Tardia (DT)

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A discinesia tardia (DT) é um transtorno horrível causado por todos as drogas antipsicóticas. O mais óbvio é que causa movimentos involuntários bizarros desfigurantes e às vezes incapacitantes, afetando os músculos que normalmente estão sob controle voluntário parcial ou total. Isso inclui os olhos, a boca, a língua, o rosto, os braços e as pernas, os dedos das mãos e os pés, o pescoço e os ombros, as costas e o torso. Pode comprometer o diafragma e a respiração, as cordas vocais e a fala, ou o esôfago e a deglutição. Pode causar espasmos dolorosos e deformantes, com frequência do pescoço e dos ombros (distonia tardia). A DT pode causar uma agitação interior que é análoga à tortura (acatisia tardia) que impulsiona às pessoas à psicose, à violência e ao suicídio. Muito particularmente, quando é grave, a discenesia tardia com frequência está associada à deterioração cognitiva, à demência e à psicose. As pessoas que padecem da DT tendem a se isolar da sociedade e muitos se convertem em pessoas incapacitadas para funções normais da vida social.

A lista dos novos antipsicóticos inclui Risperdal (risperidona), Abilify (aripiprazol), Geodon (ziprasidona), INVEGA (paliperidona), LATUDA (lurasidone), Rexulti (brexpiprazole), Risperdal (risperidona), SAPHRIS (asenapina), Seroquel (quetiapina ), y Zyprexa (olanzapina). Antipsicóticos mais antigos incluem Haldol (haloperidol) y Thorazine (clorpromazina). Todos causam discinesia.

Tudo o que aqui está descrito está respaldado por artigos científicos facilmente encontrados em meu novo Centro de Recursos para a Discenesia Tardia ou em  www.Breggin.com .

Depois que uma pessoa passa a sofrer da DT por mais de alguns meses, a probabilidade de recuperação se torna muito pequena. Não existem tratamentos eficazes e seguros.

Quando deixam de tomar essas drogas, algumas pessoas com DT melhoram com o tempo, mas em geral sem recuperação completa. Outras pessoas desenvolvem novos sintomas e que se agravam.

A DT pode manifestar-se com um ou vários sintomas, variando de um dia para outro, e tende a desaparecer durante o sonho. A tensão, a ansiedade e a fadiga podem piorar temporariamente os sintomas, porém não desempenham um papel central na causa da DT.

As taxas de DT para as pessoas sob as drogas antipsicóticas são astronômicas. Em adultos jovens saudáveis a quem são dados antipsicóticos, a taxa acumulada é 5% a 8% por ano, o que chega a 15% e 24% em três anos. A taxa se eleva progressivamente com a idade, igualando ou superando a taxa acumulada de 25% a 30% por ano em pacientes maiores de 65 anos. Afeta as crianças sob antipsicóticos com taxas similares a dos adultos jovens, e pode arruinar suas vidas antes que cheguem à idade adulta.

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Pior ainda, as taxas reais são ainda maiores devido a que os pacientes que são objeto de estudo em geral estão tomando antipsicóticos no momento do estudo, e essas drogas mascaram os sintomas da D.T. quando ainda estão em processo de desenvolvendo.

Quantas vítimas há? Nas últimas décadas, as empresas farmacêuticas e a psiquiatria suprimiram todas as estimativas. Contudo, nós estamos informados que em 2011, mais de 3 milhões de pacientes receberam antipsicóticos nos USA. Com taxas tão elevadas de DT, podemos fazer uma estimativa modesta que aproximadamente 10% (ou 300.000) novos pacientes medicados desenvolverão a DT a cada ano. (Visto que muitos dos pacientes se encontram em lares para idosos, muitos têm taxas de DT de até 30% ao ano.) Os que permanecem com as drogas, como muitos estão, enfrentarão riscos cada vez maiores no futuro. Se levarmos em conta as tantas e tantas pessoas que vivem com DT já há algum tempo, junto com os que agora são identificados com o risco alcançando de 5% a 30% por ano, o que é certo que é muitos milhões dos estadunidenses têm DT. Provavelmente, dezenas de milhões foram afetados, visto que os fármacos saíram ao mercado pela primeira vez em 1954.

Os primeiros relatos da identificação da DT remontam ao final dos anos 1950. Devemos renunciar à esperança de que o FDA, as empresas farmacêuticas ou a profissão médica irão fazer algo substancial com relação a essa crescente pandemia. Meu trabalho, assim como o de Bob Whitaker e de outros, tem demonstrado que essas neurotoxinas produzem um dano generalizado e que seu valor demonstrável se aproxima a zero. Em longo prazo, as pessoas em antipsicóticos tendem a se deteriorar física e mentalmente. Temos que insistir em educar o público até que as pessoas comecem a negar a se submeter à epidemia.

O Centro de Recursos para a Discinesia Tardia é um passo a mais na direção da educação do público, assim como dos profissionais. O Centro oferece uma introdução simples ainda que completa sobre a enfermidade induzida pela droga, uma lista de medicamentos ofensivos e vídeos ilustrativos. PDFs de cerca de 150 artigos científicos estão organizados por temas tais como taxas em adultos, crianças e pessoas idosas; evidências de que as novas drogas são tão ruins quanto as antigas; estudos mostrando o dano cerebral e disfunção cognitiva, e uma dúzia de outros temas.

Por favor, ajude a divulgar esse novo e inteiramente grátis Centro DT.

O blog Breggin: A Consciência da Psiquiatria: Dr. Breggin tem sido chamado de ‘A Consciência da Psiquiatria’ por suas décadas de esforços bem sucedidos para reformar o campo. Ele critica as drogas psiquiátricas e o ECT, e promove práticas terapêuticas mais atenciosas, empáticas e efetivas. Seu livro mais recente é Guilt, Shame and Anxiety: Understanding and Overcoming Negative Emotions.
trad. Fernando Freitas

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