Medicando os pré-escolares para TDAH: Como a Psiquiatria “Baseada em Evidências” Chegou a um Fim Trágico

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Em sua edição de 25 de maio de 2021, a JAMA publicou um relatório sobre a eficácia comparativa de dois medicamentos para o tratamento de crianças em idade pré-escolar diagnosticadas com TDAH. Tanto o metilfenidato quanto a guanfacina foram considerados benéficos e, em um editorial anexo, a JAMA contou como esta revisão retrospectiva dos prontuários dos pacientes foi acrescentada à base de evidências para esta prática.

O primeiro parágrafo do editorial, que foi escrito por Tanya Froehlich, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de Cincinnati, apresentou o contexto médico para o estudo:

“O reconhecimento do transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) na faixa etária pré-escolar está crescendo, com um aumento nas taxas de TDAH pré-escolar em amostras representativas nacionalmente nos EUA de 1,0% em 2007 a 2008 para 2,4% em 2016. Ter uma criança em idade pré-escolar (ou seja, 3-5 anos) com TDAH está associado a numerosos resultados negativos em casa (por exemplo, desordens nas relações pai-filho, estresse familiar elevado), bem como fora de casa (por exemplo, deficiências nas habilidades pré-acadêmicas, dificuldades de interação entre colegas, expulsão de estabelecimentos pré-escolares e de cuidado infantil), ressaltando a importância da identificação e do tratamento. As diretrizes da American Academy of Pediatrics e da Society for Developmental-Behavioral Pediatrics (SDBP) recomendam intervenções comportamentais como tratamento de primeira linha para crianças em idade pré-escolar com TDAH. Entretanto, as intervenções comportamentais por si só não melhoram suficientemente os sintomas e a deficiência relacionados ao TDAH em uma grande porcentagem (>80%) de crianças”.

Esse parágrafo inicial faz uma série de afirmações “baseadas em evidências”: que TDAH é um transtorno válido; que ele pode ser diagnosticado de forma confiável em pré-escolares; que há progresso sendo feito no reconhecimento desse transtorno nessa faixa etária; que o TDAH não tratado em pré-escolares leva a maus resultados em ambientes domésticos e de cuidado infantil; e que o tratamento comportamental não resolve os sintomas de TDAH na maioria dos pré-escolares. Há razões científicas para concluir que há uma necessidade premente de estudar os medicamentos que estão sendo prescritos para os pré-escolares assim diagnosticados.

O segundo parágrafo do editorial afirma que os ensaios clínicos já demonstraram que o metilfenidato é um tratamento eficaz. A diretriz da Academia Americana de Pediatria, escreve Froehlich, recomenda “o estimulante metilfenidato como farmacoterapia inicial para crianças em idade pré-escolar com TDAH, porque é o medicamento com maior evidência de eficácia e segurança nesta faixa etária”.

A necessidade de que este medicamento eficaz seja comparado à guanfacina é que “às vezes são necessárias opções alternativas de medicamentos, dada a diminuição da eficácia e as taxas mais altas de efeitos adversos associados ao metilfenidato em crianças em idade pré-escolar, em comparação com crianças em idade escolar”. Organizações como a SDBP e a Academia Americana de Psiquiatria Infantil e Adolescente (American Academy of Child and Adolescent Psychiatry’s Preschool Psychopharmacology Working Group) recomendam um agonista 2-adrenérgico como a guanfacina quando um pré-escolar não tolera bem o metilfenidato, mesmo que a “base de evidência seja notavelmente limitada no que diz respeito ao manejo do TDAH” com esses medicamentos nessa faixa etária.

Em resumo, o editorial está promovendo a noção de que prescrever metilfenidato a pré-escolares diagnosticados com TDAH é uma prática baseada em evidências, e agora, com esta revisão retrospectiva dos gráficos para crianças pequenas tratadas com metilfenidato ou guanfacina, há evidências sendo coletadas para apoiar o uso de guanfacina também nesta faixa etária.

No entanto, imagine esta experiência de pensamento. Se as afirmações “baseadas em evidências” fossem retiradas da discussão, o que a maioria das pessoas pensaria sobre dar a uma criança de três anos que “fala demais” ou “se distrai facilmente” uma dose de 5 mg de metilfenidato três vezes ao dia, que é uma dosagem considerada “ótima” em bebês?

Eles provavelmente pensariam que se trata de uma forma de abuso contra crianças. De fato, um adulto que dá metilfenidato a uma criança de dois anos sem receita médica é entendido como tendo cometido um crime federal.

Esse é o poder de uma afirmação de que seja uma prática “baseada em evidências”. Inverte-se esse pensamento intuitivo. Um ato que parece ser uma forma de abuso infantil, fazendo dano evidente à criança, é entendido como um tratamento médico útil.

Base de Evidência da Psiquiatria para o TDAH pré-escolar

Recue o tempo para 1979, e haveria muito poucos pediatras ou psiquiatras infantis que teriam prescrito estimulantes a crianças em idade pré-escolar. A construção pela psiquiatria de uma base de provas para esta prática, que começou a decolar nos anos 90, consiste em três reivindicações:

  • O TDAH é um transtorno neurológico caracterizado por anormalidades genéticas e do volume cerebral.
  • O TDAH pode ser diagnosticado de forma confiável.
  • O metilfenidato é um tratamento seguro e eficaz para pré-escolares “com TDAH”.

Se há uma boa ciência por trás dessas afirmações, então poderia ser argumentado que medicar os pré-escolares diagnosticados com TDAH seja um tratamento útil. Se as alegações forem baseadas em interpretações tendenciosas e enganosas dos resultados da pesquisa, então esta é uma prática sem uma justificativa científica, e o espectro do abuso infantil vem à tona.

Anormalidades Genéticas e de Volume Cerebral na TDAH

O diagnóstico de “transtorno de déficit de atenção” foi criado em 1980, quando a Associação Psiquiátrica Americana (APA) publicou a terceira edição de seu Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM-III). Nas duas edições anteriores do DSM não havia tal diagnóstico, e quando a APA publicou o DSM-III, ela adotou um modelo de doença para diagnóstico e tratamento de transtornos mentais. Em seu livro The Broken Brain [Cérebro Danificado ] de 1984, Nancy Andreasen – a editora-chefe de longa data do American Psychiatric Journal – apresentou esta nova concepção: “As principais doenças psiquiátricas são doenças. Elas devem ser consideradas doenças médicas da mesma forma que diabetes, doenças cardíacas e câncer”. A idéia era que “cada doença distinta tem uma causa específica distinta”.

Esta concepção de transtornos psiquiátricos significava que o “transtorno de déficit de atenção”, desde o início, seria conceitualizado – e tratado – como um problema médico/biológico, com o pensamento que se poderia traçar uma linha que separasse a criança com DAH da criança normal. Esse diagnóstico logo se transformou em Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Entretanto, tendo a APA adotado este modelo de doença, a pesquisa sobre a biologia do TDAH foi manchada desde o início. Os pesquisadores psiquiátricos não projetaram os seus estudos para avaliar se aqueles diagnosticados com TDAH sofriam de uma doença cerebral (ou anormalidade). Eles passaram a procurar encontrar tais anormalidades para validar o transtorno que a APA havia criado. Os pesquisadores se concentraram em três dessas possibilidades: desequilíbrios químicos, associações genéticas e anormalidades nas estruturas (ou tamanho) do cérebro.

Nos anos 80 e 90, a teoria do desequilíbrio químico dos transtornos mentais estava em agitação, uma teoria nascida das descobertas de como as drogas psiquiátricas atuavam sobre o cérebro. Os antipsicóticos bloqueiam os receptores de dopamina no cérebro, e por isso os pesquisadores passaram a supor que a esquizofrenia se deva a um excesso de dopamina no cérebro. Os antidepressivos aumentam a atividade serotonérgica e, por conseguinte, os pesquisadores passam a supor que a depressão é devida a muito pouca serotonina. A ritalina (metilfenidato) aumenta a atividade dopaminérgica e, portanto, foi levantada a hipótese de que a TDAH se devia a muito pouca dopamina.

Hoje, a teoria do desequilíbrio químico dos transtornos mentais tem sido descartada em sua maioria. Como Kenneth Kendler, coeditor chefe da Psychological Medicine escreveu em 2005, “Temos procurado grandes explicações neuroquímicas simples para os transtornos psiquiátricos e não as encontramos”. Embora organizações de defesa, como a Crianças e Adultos com Desordem de Déficit de Atenção/ Hiperatividade (CHADD), ainda possam informar ao público que “pessoas com transtorno de hiperatividade com déficit de atenção podem ter níveis diferentes de dopamina do que pessoas neurotípicas”, esta patologia não é mais considerada como sendo uma característica primária da TDAH na literatura médica.

Embora nenhum gene (ou genes) específico para o TDAH tenha sido encontrado, os especialistas em TDAH agora informam regularmente sobre como existe um elemento genético que contribui para sua “hereditariedade”. A Declaração de Consenso Internacional da Federação Mundial de TDAH, que foi publicada em setembro de 2021, afirmou que existe uma “causa poligênica para a maioria dos casos de TDAH, o que significa que muitas variantes genéticas, cada uma tendo um efeito muito pequeno, se combinam para aumentar o risco do transtorno. O risco poligênico para TDAH está associado à psicopatologia geral e a vários transtornos psiquiátricos”.

Um estudo de 2010 publicado na The Lancet é frequentemente citado como prova deste componente “poligênico”. O estudo comparou os exames de genoma inteiro de 366 crianças diagnosticadas com TDAH com os de 1047 crianças não portadoras de TDAH. Em um comunicado de imprensa, os autores do estudo afirmaram “agora podemos dizer com confiança que a TDAH é uma doença genética e que os cérebros de crianças com esta condição se desenvolvem de forma diferente dos de outras crianças”.

Crianças portadoras de TDAH, se o comunicado à imprensa for para acreditar, tinham sido encontradas com anormalidades genéticas que não estavam presentes em crianças “normais”. Mas, como o psiquiatra britânico Sami Timimi escreveu em seu livro Insane Medicine, que foi serializado no Mad in America [igualmente no MIB], os dados reais não sustentavam essa conclusão.

Os pesquisadores relataram que 15,7% do grupo TDAH tinham “variantes do número de cópias” – partes anormais do código genético conhecido como CNV – em seus genomas, em comparação com 7,5% do grupo de controle. Isto significa que 84% do grupo TDAH não possuía esta anormalidade poligênica, quer dizer que esta anormalidade, na verdade, não era característica daqueles assim diagnosticados.

Um artigo de 2017 em Genoma Medicine é exemplar de pesquisa que levou à segunda parte da alegação genética, que é a de que existe uma anormalidade poligênica comum aos transtornos neuropsiquiátricos. No estudo, um grupo internacional de investigadores relatou ter encontrado CNVs em dois genes (DOCK8/KANK1) de modo significativo mais frequentemente naqueles diagnosticados com TDAH e quatro outros transtornos psiquiátricos do que nos controles saudáveis. Isto era uma evidência, escreveram, de um “componente genético comum envolvido na patogênese dos distúrbios neuropsiquiátricos”.

Aqui estão os dados para o grupo de TDAH. Dos 1.241 jovens da coorte do TDAH, quatro a 0,32% tinham CNVs nestes dois genes. Isso significou que 99,7% do grupo TDAH não apresentavam essa anormalidade genética. Entretanto, como apenas 0,1% do grupo de controle tinha esta anormalidade, os autores concluíram que os pacientes com TDAH tinham três vezes mais probabilidade de tê-la do que os controles saudáveis.

Os dados eram semelhantes para os outros quatro transtornos psiquiátricos. No total, apenas 32 das 7.849 pessoas com diagnóstico psiquiátrico tinham uma anormalidade CNV em seus genes DOCK8/KANK1 (0,4%). Havia um “odds ratio” aumentado de que esta anormalidade ocorria naqueles diagnosticados com transtornos psiquiátricos, mas que ocorria tão raramente que esta diferença não tinha sentido. Os cálculos da “odds ratio” foram um exemplo da ciência empregada para enganar, ao invés de informar.

As falhas com a pesquisa do volume cerebral são muito semelhantes. Os estudos envolvem a média de volumes em um grupo com TDAH em comparação com controles sem TDAH, e enquanto as diferenças de tamanho do efeito nestas comparações compostas são bastante pequenas, o que significa que há uma grande sobreposição nas curvas de distribuição de volumes para ambos os grupos, a pesquisa é citada como evidência de diferenças cerebrais em indivíduos com TDAH.

Em 2017, a Lancet publicou uma “meganálise” de tais estudos. Os 82 autores declararam que o maior conjunto de dados do gênero era o deles. A pesquisa foi composta de exames de ressonância magnética que mediram volumes cerebrais em 1.713 pessoas diagnosticadas com TDAH e 1.529 controles, tendo esta pesquisa sido realizada em 23 locais ao redor do mundo. Foi um estudo definitivo e eles declararam que os indivíduos com TDAH tinham cérebros menores do que o normal.

“Os dados de nossa análise altamente potente confirmam que os pacientes com TDAH têm cérebros alterados e, portanto, que o TDAH é uma desordem do cérebro”, escreveram eles. “Esta mensagem é clara para os clínicos transmitirem aos pais e pacientes, o que pode ajudar a reduzir o estigma de que o TDAH é apenas um rótulo para crianças difíceis e causado por uma paternidade incompetente”.

As manchetes na CNN, Newsweek, WebMD e outros meios de comunicação fizeram eco desta afirmação. “O estudo descobre que os cérebros dos portadores de TDAH são menores”, escreveu a Newsweek.

Entretanto, esta conclusão foi desmentida pelos tamanhos de efeito que os pesquisadores relataram para as várias comparações de volume cerebral. O tamanho do efeito D do Cohen variou de 0,01 a 0,19, o que significa que a distribuição dos volumes cerebrais nos dois grupos, em comparação após a comparação, foi quase idêntica. O tamanho do efeito para “volume intracraniano” foi de 0,1, o que está representado no gráfico abaixo:

 

Com um tamanho de efeito de 0,1, há uma sobreposição de 96% entre os dois grupos. Escolha um indivíduo aleatório diagnosticado com TDAH no estudo, e haveria 47% de chance de ele ou ela ter um cérebro maior do que a mediana do grupo de controle (e 53% de chance de ter um cérebro menor do que a mediana).

Embora tal pesquisa seja facilmente desconstruída, é a conclusão tirada pelos autores o que entra na base de evidências da TDAH. Estas conclusões são então incorporadas em declarações de consenso, livros didáticos médicos, diretrizes clínicas e informações fornecidas ao público leigo.

Aqui está uma amostra deste processo:

A Declaração de Consenso Internacional da Federação Mundial de TDAH: “Descobertas da genética ou imagens do cérebro . . indicam um conjunto consistente de causas para o transtorno”.

A Academia Americana de Psiquiatria da Criança e do Adolescente: “O TDAH é um distúrbio cerebral.  Os cientistas demonstraram que existem diferenças no cérebro das crianças com TDAH . . Pesquisas têm mostrado que algumas estruturas no cérebro de crianças com TDAH podem ser menores que aquelas áreas do cérebro de crianças sem TDAH”.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças: “Embora as causas exatas do TDAH não sejam conhecidas, as pesquisas mostram que os genes desempenham um papel”.

WebMD: “Os especialistas não têm certeza do que causa o TDAH”. Várias coisas podem levar a ele, incluindo . . . genes, produtos químicos, alterações cerebrais” (e mais).

A causa principal desta desinformação é que desde que o DSM-III foi publicado, os pesquisadores psiquiátricos têm procurado identificar causas biológicas para TDAH, e com este impulso em jogo, eles têm regularmente deturpado os seus próprios dados. Diferenças de grupos muito pequenas em comparação aos controles são representadas como anormalidades encontradas em indivíduos diagnosticados com TDAH, embora os dados do estudo, quando analisados corretamente, mostrem que isso não é verdade.

De fato, uma vez analisados os dados, eis a constatação que fica clara: Décadas de pesquisa sobre a “biologia” da TDAH não conseguiram encontrar nenhuma patologia que fosse característica de crianças individuais assim diagnosticadas. A busca por desequilíbrios químicos, genes de TDAH e anormalidades de volume cerebral, tudo isso se revelou negativo. Quaisquer diferenças de grupo relatadas nos estudos genéticos e de volume cerebral foram bastante pequenas e mostraram que a maioria das crianças com TDAH estava dentro dos limites “normais”.

O TDAH pode ser diagnosticado de forma confiável

A declaração da psiquiatria de que o TDAH tem fundamentos genéticos e biológicos leva à conclusão de que é um transtorno distinto que pode existir em crianças em idade pré-escolar (ou é um transtorno presente no nascimento que se manifestará à medida que a criança se desenvolve). Entretanto, para que a prescrição de metilfenidato seja considerada “baseada em evidências”, uma segunda conclusão deve ser tirada, que é que esta doença distinta pode ser diagnosticada de forma confiável em pré-escolares. Caso contrário, tais práticas de prescrição não teriam uma justificativa médica e o tratamento de crianças pequenas que poderiam não ter esta condição com um estimulante poderia ser visto como causando grandes danos.

O National Drug Intelligence Center [Centro Nacional de Inteligência sobre Drogas] até mesmo faz esta observação: o metilfenidato só é seguro quando prescrito “para uma condição médica legítima”. Caso contrário, deve ser considerado uma droga de abuso, que pode causar “episódios psicóticos, complicações cardiovasculares e grave vício psicológico”.

Como é sabido, não há marcador biológico para o diagnóstico de TDAH. Desde o seu início, o diagnóstico tem sido feito com base em uma avaliação do comportamento – desatenção, impulsividade e hiperatividade – dito como sendo sintomas do transtorno. Os critérios específicos para o diagnóstico foram alterados a cada nova versão do DSM, com cada volume atualizado facilitando a realização do diagnóstico. Os estudo de prevalência refletem esta expansão, com a porcentagem de jovens que dizem ter TDAH aumentando de 3% no início dos anos 80 para 5% após a publicação do DSM-IV em 1994, e para 10% na era DSM-5.

Enquanto os novos critérios e estudos de prevalência falam de um diagnóstico que é um constructo social, ao contrário de uma doença encontrada na natureza, a comunidade profissional de TDAH tem mantido firmemente que é um transtorno “real” que pode ser diagnosticado de forma confiável. O campo criou uma base de evidência para esta crença, em grande parte através do uso de escalas de classificação para medir os sintomas estabelecidos no DSM.

A psiquiatria, naturalmente, criou escalas de classificação para todos os seus principais transtornos, que quantificam a pontuação dos sintomas e, assim, emprestam uma aura de objetividade científica aos diagnósticos. As escalas de classificação também podem ser usadas para traçar uma linha teórica separando aqueles que atendem aos critérios para o transtorno e aqueles que não atendem, que é como as escalas de classificação do TDAH são usadas.

Uma dessas ferramentas é a escala de classificação SNAP-IV Teacher and Parent Rating Scale, que foi criada depois que o DSM-IV foi publicado. O questionário TDAH lista nove comportamentos relacionados ao domínio “desatenção” e nove comportamentos relacionados ao domínio “hiperatividade impulsiva”, com o pai ou professor classificando a presença do comportamento em uma escala de 0 a 3 (0 = nada, 1 = um pouco, 2 = bastante, 3 = muito).

A escala possível de pontuação é de 0 a 27 para cada um dos dois subtipos. As diretrizes da SNAP definem pontuações inferiores a 13 como “não clinicamente significativas” e as pontuações acima dessa linha de demarcação são categorizadas como sintomas leves, moderados ou graves de TDAH. Aqui está a tabela de pontuação do SNAP:

  • Não clinicamente significante: < 13
  • Sintomas suaves: 13 – 17
  • Sintomas moderados: 18 – 22
  • Sintomas graves: 23 – 27

Outra ferramenta desse tipo é a escala de avaliação Vanderbilt. Hoje, um pai ou professor pode ir online, responder perguntas relacionadas à freqüência dos sintomas e desempenho de uma criança na escola, apertar o botão “calcular” e imediatamente saber se a criança “atende aos critérios” para o transtorno e os seus vários subtipos. É um “sim” ou “não”.

Quando a SNAP, o Vanderbilt e outras escalas de classificação TDAH foram introduzidas, outros pesquisadores avaliaram então a sua “confiabilidade” e “validade”. Estas avaliações são difíceis de entender, mas as metodologias são discutidas, os números são reunidos, tabelas de estatísticas são publicadas, e uma conclusão é tirada sobre os méritos das escalas. Uma revisão de 2003 publicada no Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry deu a todos elas excelentes notas: TDAH “as escalas de classificação podem medir de forma confiável, válida e eficiente os sintomas de TDAH baseados no DSM-IV em jovens”, escreveram os autores. “Elas têm grande utilidade na pesquisa e no trabalho clínico”.

As escalas de classificação desenvolvidas após a publicação do DSM-IV, em 1994, foram consideradas úteis para medir os sintomas em crianças em idade escolar. O pensamento naquela época no final dos anos 90, início dos anos 2000 – era que o TDAH não podia ser diagnosticado de forma confiável em crianças em idade pré-escolar, pois mesmo crianças de três anos “normais” eram frequentemente desatentas, impulsivas e corriam como se tivessem motores dentro delas. Mas então os médicos começaram a receitar medicamentos estimulantes para crianças com problemas de comportamento, e isso levou ao lançamento da Escala de Classificação de TDAH IV, Versão Pré-escolar.

Esta escala é semelhante em espécie ao SNAP-IV, com 18 questões pontuadas em uma escala de 0 a 3. As pontuações são compiladas para o subtipo desatenção, subtipo hiperatividade/impulsividade e tipo composto. O corte para sintomas “sugestivos” de TDAH é a marca do percentil 93%, ou seja, as pontuações nos primeiros 7% são vistas como preenchendo os critérios para um diagnóstico.

Embora as escalas de classificação não devam ser usadas para se fazer um diagnóstico, é dito que elas identificam crianças que precisam ser encaminhadas a um psiquiatra para uma avaliação diagnóstica. As escalas numéricas promovem um entendimento, que permeia a literatura médica, de que há crianças “com TDAH” e crianças “sem TDAH”, uma descrição que sinaliza que não há espaço entre elas. Uma criança ou tem o transtorno  “neurológico” ou não tem.

Em 2002, Russell Barkley e outras figuras proeminentes no mundo do TDAH publicaram uma “Declaração de Consenso Internacional sobre TDAH” que deixou este ponto claro. As evidências de que a TDAH era uma “condição médica real”, escreveram, eram tão abundantes que questionar a sua validade equivalia a “declarar a terra plana, as leis da gravidade discutíveis, e a tabela periódica em química uma fraude”.

A Declaração de Consenso da Federação Mundial Internacional, recentemente publicada, fez uma afirmação semelhante, embora em linguagem mais moderada. O TDAH é um ” transtorno válido” e o fato de poder ser diagnosticado de forma confiável é parte essencial da evidência que estabelece a sua validade. “Profissionais bem treinados em diversos ambientes e culturas concordam sobre sua presença ou ausência usando critérios bem definidos”, escreveram eles.

Entretanto, assim como a pesquisa genética e de volume cerebral pode ser facilmente desconstruída, também esta afirmação de que o TDAH é uma doença distinta que pode ser diagnosticada de forma confiável. A pretensão é evidente por si mesma.

Enquanto as escalas podem gerar uma pontuação final, a avaliação dos sintomas é um exercício subjetivo. Quando é que a “dificuldade de organizar tarefas e atividades” de uma criança cai na categoria “muitas vezes”, em oposição à categoria “muito frequentemente”? Quando a categoria “fala excessivamente” passa da categoria “às vezes” para a categoria “muitas vezes”? A pontuação muda dependendo da caixa que os pais ou professores verificam.

Mais ainda, as pontuações caem em um espectro, e então os números de corte são arbitrariamente traçados para distinguir aqueles que “têm” sintomas sugestivos de TDAH e aqueles que não têm. O corte deve ser um desvio padrão acima da média? Se sim, isto significará que 16% de todas as crianças terão pontuações no limite extremo do espectro, e assim terão sintomas sugestivos de TDAH. Ou o corte deve ser de 1,5 desvios padrão acima da média? Se assim for, isto resultará em 6,5% de todas as crianças “atendendo aos critérios” para TDAH. As linhas de corte utilizadas nas escalas de classificação de TDAH variam, com a maioria das crianças desenhando um corte dentro desta faixa de 1 a 1,5 desvios padrão acima da média.

Nada disso diz respeito a uma doença encontrada na natureza. A avaliação dos sintomas é um exercício subjetivo, as pontuações dos sintomas caem na curva de distribuição, e então uma linha – em algum lugar ao longo dessa curva de distribuição – é arbitrariamente definida para identificar aqueles que atendem aos critérios para o transtorno.

No entanto, é o pretexto – de que o TDAH é um transtorno neurológico distinto que pode ser diagnosticado de forma confiável – que rege a literatura médica e a mente do público. Artigos em revistas médicas falam regularmente de “crianças com TDAH” e crianças “sem TDAH”.

Esta mentalidade está em exibição no editorial da JAMA. O título é “Comparação de tratamentos medicamentosos para crianças em idade pré-escolar com TDAH”. A primeira palavra no editorial reifica então esse entendimento. A autora não fala de um aumento no diagnóstico de TDAH em pré-escolares, mas sim de como o reconhecimento da TDAH em pré-escolares tem aumentado.

Essa é uma diferença na escolha de palavras que revela tudo. E estabelece a tabela para que o campo declare que a prescrição de estimulantes para crianças em idade pré-escolar é uma coisa útil a ser feita.

O Estudo de Tratamento de TDAH na Pré-escola (PATS)

A ciência analisada acima, se interpretada de forma imparcial, conta como o TDAH é um constructo social de diagnóstico que agrupa crianças com certos comportamentos que comprometem a sua capacidade de funcionar em certos ambientes (pelo menos aos olhos dos professores e dos pais). A biologia que pode estar associada a tais comportamentos é desconhecida, e nenhuma anomalia biológica específica – genética ou cerebral – foi encontrada que seja comum a todos aqueles assim diagnosticados. Há uma curva de distribuição nas classificações de comportamentos que dizem ser característicos da TDAH, e aqueles assim diagnosticados caem no extremo oposto dessa curva.

Com essa concepção, decorrente de quarenta anos de pesquisa, uma possível resposta da sociedade seria ver se a mudança do ambiente da criança poderia ser útil, o que poderia incluir a criação pela sociedade de ambientes mais estimulantes para todas as crianças. O problema não está necessariamente dentro da criança, mas surge da resposta da criança ao seu ambiente. A sociedade poderia ver a “prevalência” do transtorno como um marcador de angústia na sociedade. Entretanto, o entendimento de que o TDAH é um transtorno distinto, caracterizado por anormalidades genéticas e cerebrais, e que este transtorno pode ser diagnosticado de forma confiável, leva à conclusão de que uma intervenção médica é justificada.

Embora o tratamento comportamental possa ser a intervenção inicial oferecida aos pré-escolares, quando se diz que um transtorno está dentro do indivíduo, o tratamento medicamentoso rapidamente se torna uma intervenção, particularmente quando um medicamento é considerado “seguro e eficaz”. O Estudo de Tratamento TDAH pré-escolar (PATS) do NIMH, que foi realizado no início dos anos 2000, é citado como fornecendo evidências para prescrição de metilfenidato a esta faixa etária.

Os critérios de inclusão exigiriam que os bebês tivessem uma pontuação acima do percentil 93 na escala de classificação Conners Parent e Teaching para TDAH (1,5 desvios padrão acima da média). Havia 303 pré-escolares matriculados no estudo, que tinha um projeto complicado de várias fases.

Aqui estão os resultados de cada fase do estudo:

  1. Treinamento de pais e mães: Antes das 303 crianças terem sido expostas ao metilfenidato, os pais receberam um curso de 10 semanas de treinamento de pais, e se uma criança melhorasse significativamente durante este período, a criança não continuaria para a próxima etapa do estudo. Muitos pais também abandonaram o estudo durante este período. Restaram 183 pré-escolares que entraram nas fases de teste de drogas do estudo.
  2. Teste de tolerabilidade: As 183 crianças passaram por quatro semanas de tratamento com rótulo aberto para ver se podiam tolerar a droga, e aquelas que não podiam, como evidenciado por seus efeitos adversos, foram retiradas do estudo. Catorze crianças foram descontinuadas durante esta fase.
  3. Avaliação de uma resposta de “melhor dose”: 165 crianças iniciaram um estudo de “titulação” de cinco semanas. Cada semana, uma criança receberia uma dose diferente de metilfenidato administrada três vezes por dia (1,25 mg, 2,5 mg, 5 mg e 7,5 mg), com a quinta semana uma dose de placebo. Ao final de cada semana, pais e professores avaliaram os sintomas das crianças em duas escalas de classificação para verificar como elas haviam se saído durante os sete dias daquele tratamento em particular.

Os pesquisadores relataram que houve diminuições significativas nos sintomas de TDAH durante as semanas em que os bebês estavam em uma dose de 2,5 mg, 5 mg, ou 7,5 mg de metilfenidato, em comparação com a semana em que receberam placebo. Apenas a dose de 1,25 não proporcionou este benefício. Os tamanhos de efeito para as três doses “eficazes” foram pequenos, com um tamanho de efeito de 0,43 para a dose diária de 15 mg considerada a “dose ideal” de metilfenidato para esta faixa etária.

Durante as cinco semanas, os cinco principais eventos adversos relatados espontaneamente pelos pais foram: diminuição do apetite, explosões emocionais, dificuldade em adormecer, irritabilidade e comportamentos ou pensamentos repetitivos. Estes eventos adversos ocorreram com mais frequência durante as semanas em que elas tomaram metilfenidato do que durante a semana em que tomaram placebo.

  1. 4. Fase de aleatorização: Após o ensaio de titulação, o cego foi quebrado para identificar a dose específica de metilfenidato que a criança tinha feito melhor (ou se a criança tinha melhorado acentuadamente durante a semana de tratamento com placebo). Então, após uma interrupção de 24 horas, as 114 crianças ainda no ensaio foram aleatorizadas para sua “melhor dose” de metilfenidato ou para placebo. O resultado primário foi “excelente resposta” ao final de quatro semanas, conforme medido na escala SNAP. Vinte e um por cento da coorte de metilfenidato obteve essa resposta em comparação com 13% do grupo de placebo, uma diferença que não foi estatisticamente significativa. Apenas 77 dos 114 terminaram as quatro semanas de tratamento.
  2. Manutenção do rótulo aberto: Todas as crianças inscritas nas fases de metilfenidato do estudo foram elegíveis para 10 meses de tratamento com rótulo aberto, com esta fase destinada a avaliar a “segurança e tolerabilidade” a longo prazo do metilfenidato. Cento e quarenta crianças entraram neste estudo, com a porcentagem sofrendo vários eventos adversos mapeados no início dos 10 meses e novamente no final, com o pensamento de que a porcentagem diminuiria à medida que os pré-escolares se acostumassem mais com o medicamento. A tabela abaixo detalha os resultados:

Além disso, das 95 crianças que permaneceram com metilfenidato durante os 10 meses, as taxas de crescimento anual foram 20% menores do que o esperado, e o ganho de peso foi 52% menor do que o esperado.

Desconstruindo o PATS

Uma vez que o julgamento PATS é detalhado desta forma, que conclusões podem ser tiradas? A primeira é que os pais de 120 dos 303 pré-escolares matriculados no ensaio clínico decidiram – após a fase de treinamento dos pais – não expor os seus filhos ao metilfenidato. Isso é 40% de todos os pais. A segunda é que a eficácia do metilfenidato, em uma medida de resultado primário, só aparece durante o ensaio de titulação de cinco semanas, que envolvia a comparação da redução dos sintomas de TDAH durante as semanas em que as crianças estavam em uso de metilfenidato com a semana em que elas foram trocados para placebo.

A terceira é que o ensaio de titulação foi tendencioso pelo desenho do projeto contra placebo. O período de placebo começou com a retirada abrupta dos bebês de qualquer dose de metilfenidato que estivessem tomando, e dado que estudos de descontinuação do metilfenidato descobriram que os sintomas comportamentais frequentemente pioram rapidamente após a retirada abrupta, era de se esperar que o comportamento de muitos dos bebês se deteriorasse durante os seus sete dias de uso do placebo.

No entanto, mesmo com este desenho tendencioso, na dose diária de 15 mg que foi considerada ótima, o “tamanho do efeito” foi de apenas 0,43. Com este tamanho de efeito, o número necessário para tratar é 7. Seria necessário tratar sete pré-escolares com metilfenidato para produzir um resultado favorável adicional (em termos de redução dos sintomas.) Os outros seis foram expostos aos perigos do medicamento sem nenhum benefício além do placebo.

A quarta é que não há evidência em nenhum lugar neste ensaio dos pré-escolares tratados com metilfenidato funcionando melhor. No estudo da fase paralela, o resultado primário foi alcançar uma “excelente resposta”, o que presumivelmente levaria a um melhor funcionamento, mas não houve diferença estatisticamente significativa entre a “melhor dose” do medicamento e o placebo. De fato, dos 183 bebês que foram expostos ao metilfenidato, havia apenas 13 já descritos como tendo uma “excelente resposta” enquanto estavam usando a droga.

Enquanto isso, os bebês que tomavam metilfenidato frequentemente sofriam de eventos adversos moderados a severos, e a fase de manutenção de 10 meses contou sobre os bebês que, apesar de serem tratados com metilfenidato, eram muitas vezes carentes, propensos a chorar, a grudar na pele, tendo dificuldade para dormir, preocupados e sem muito apetite. Ao final de 10 meses, eles estavam notoriamente com menor tamanho e mais leves do que normalmente teria sido.

A falha na medicina baseada em evidências

A linha de base – conclusão retirada deste estudo – que o metilfenidato é um tratamento seguro e eficaz para pré-escolares diagnosticados com TDAH, revela uma falha que é alimentada na prescrição “baseada em evidências” de medicamentos. Se um estudo descobrir que um medicamento produz uma redução maior dos sintomas do que placebo, com a diferença “estatisticamente significativa”, então é considerado um tratamento eficaz para a doença relacionada, e regularmente prescrito a todos aqueles assim diagnosticados. Mas esse ponto final – redução de sintomas melhor que placebo – é apenas um ponto de dados entre muitos produzidos em um ensaio de um medicamento, e um exame dessa coleta mais ampla de dados é necessário para avaliar seu provável impacto geral sobre um grupo de diagnóstico.

O que você encontra no ensaio PATS é o seguinte:

  • Muitos bebês aparentemente melhoraram com o treinamento dos pais como uma primeira intervenção.
  • Das 183 crianças expostas ao metilfenidato em algum momento durante o estudo, 21 “interromperam o tratamento por causa de eventos adversos intoleráveis ao metilfenidato”.
  • O tamanho do efeito na redução dos sintomas durante a fase de titulação foi pequeno, de tal forma que a uma dose diária ótima de 15 mg, seis de sete crianças de colo tratadas com metilfenidato sofreram os efeitos adversos do medicamento sem nenhum benefício adicional além do placebo na redução dos sintomas de ADHD.
  • No ensaio aleatório de quatro semanas, apenas 21% tiveram uma excelente resposta ao medicamento, em comparação com 13% no grupo de placebo. Isto significa que se você medicasse 100 pré-escolares com metilfenidato, haveria apenas oito “excelentes respondedores” adicionais do que teria havido de outra forma.
  • Efeitos adversos sobre o metilfenidato foram frequentes e informados de deterioração comportamental, particularmente na fase de manutenção de 10 meses.
  • Ao final dos 10 meses, os bebês eram mais curtos e pesavam menos do que o normal.

Esta é a imagem que emerge de uma recapitulação de todos os dados. Se a gente fizer as contas, há apenas uma pequena porcentagem de pré-escolares – 10% a 15% – que poderia ser considerada como beneficiada pelo tratamento em termos de redução dos sintomas a curto prazo. Isso significa que 85% de todos os bebês tratados com metilfenidato experimentaram os efeitos adversos desse medicamento sem receber qualquer benefício adicional, um resultado líquido que informa sobre os danos causados.

No entanto, na medicina baseada em evidências, há um hiperfoco na redução dos sintomas, com até mesmo um pequeno tamanho de efeito considerado prova de eficácia, e foi assim que o ensaio PATS levou à conclusão de que o metilfenidato é um tratamento seguro e eficaz para crianças pequenas diagnosticadas “com TDAH”. Como afirma o editorial da JAMA, a Academia Americana de Pediatria recomenda o metilfenidato como “farmacoterapia inicial para crianças em idade pré-escolar porque é o medicamento com maior evidência de eficácia e segurança nesta faixa etária”.

Uma nota final sobre o ensaio PATS: no relatório publicado sobre os resultados da segurança e eficácia, os autores revelaram coletivamente 72 “relações” com empresas farmacêuticas, com os fabricantes de medicamentos TDAH de destaque na lista de revelações.

O acompanhamento do PATS: Uma Infância sobre Drogas

Mesmo com a fase de manutenção de 10 meses, o ensaio PATS não forneceu informações sobre como a vida dessas crianças se desenvolveu a longo prazo, uma vez que elas foram diagnosticadas como “tendo TDAH”. Entretanto, os investigadores do PATS realizaram duas avaliações de acompanhamento do uso contínuo de medicamentos, aos três e seis anos, e os resultados são desoladores.

Aqui estão os resultados:

Os resultados falam de infância roubada. Essas crianças foram diagnosticadas com TDAH quando eram pré-escolares e isso transformou dois terços delas em pacientes mentais persistentes que cresceram constantemente com medicamentos psiquiátricos. Em seus dez aniversários, este grupo não teria memória de estar vivo sem os efeitos de alteração mental das drogas psiquiátricas.

O que nos leva à próxima pergunta: Que destino as aguarda na adolescência e na vida adulta? Embora existam longas listas de efeitos adversos associados ao uso a longo prazo de estimulantes e outras drogas psiquiátricas, que coletivamente falam de saúde física e desenvolvimento social prejudicados, há uma ausência de uma boa pesquisa sobre como tais drogas podem alterar fundamentalmente o desenvolvimento cerebral ao longo do tempo. Entretanto, houve estudos com animais estudando os efeitos e esses estudos soaram como um alarme.

Por exemplo, descobriu-se que a exposição repetida a estimulantes fez com que os macacos rhesus exibissem “comportamentos aberrantes” muito depois que a exposição às drogas havia parado. Ratos pré-adolescentes tratados com estimulantes se movimentavam menos quando adultos, eram menos sensíveis a ambientes novos e mostravam um “déficit no comportamento sexual“. Tais descobertas levaram pelo menos alguns investigadores a concluir que os estimulantes podem danificar o “sistema de recompensa” do cérebro e, portanto, a uma preocupação de que medicar uma criança pode produzir um adulto com uma “capacidade reduzida de experimentar prazer“.

Comportamentos aberrantes, um déficit no comportamento sexual, uma capacidade reduzida de experimentar o prazer … se estes estudos com animais forem algum guia, os pré-escolares prescritos com estimulantes para TDAH, que então permanecem com este medicamento à medida que crescem, terão vidas nitidamente diminuídas como adultos devido a esta “intervenção médica”.

O resultado final

O editorial JAMA foi ocasionado por um relatório, baseado em uma revisão retrospectiva dos registros de saúde pediátrica, que comparou os riscos e benefícios da guanfacina com o metilfenidato quando prescrito a pré-escolares diagnosticados com TDAH. Os autores relataram que ambos os medicamentos levaram a melhorias na maioria das crianças “com diferentes perfis de efeitos adversos”.

O editorial que acompanhou o artigo relata como este foi um “primeiro passo para abordar uma lacuna crítica” na base de evidências para o tratamento de TDAH na pré-escola. Ambos os medicamentos estão agora sendo prescritos rotineiramente para crianças pequenas e, argumentou o editorial, seria importante determinar qual classe de medicamentos deveria ser a preferida para o tratamento desta faixa etária. Ensaios clínicos aleatórios comparando guanfacina com metilfenidato seriam um próximo passo vital na base de evidências que suportam tal prescrição.

O editorial suscitou uma questão diferente, investigada neste relatório Mad in America: Como a comunidade médica chegou a pensar que prescrever estimulantes aos pré-escolares diariamente seria uma coisa útil a fazer? Qual é a composição da “base de provas” que poderia levar a tal prática? Embora se possa ser cético quanto às motivações daqueles que constroem a base de evidências, a motivação dos pediatras que a seguem, prescrevendo metilfenidato de maneiras recomendadas pelas diretrizes de cuidados clínicos, não está sujeita a tal ceticismo. Os pediatras escolhem essa especialidade porque querem ser promotores da saúde dos recém-nascidos e dos jovens.

Assim, o foco deste relatório MIA é como a medicina “baseada em evidências”, particularmente quando construída no domínio científico da psiquiatria, pode fazer mal. Neste caso, se encontra uma história de pesquisadores que procuram encontrar evidências de uma doença, que poderiam então ser usadas para validar uma construção de diagnóstico elaborada por uma corporação médica, tirando conclusões que não foram apoiadas pelos dados. Entrou-se na “base de evidências”, e então veio a falha fatal regularmente preparada por conclusões tiradas de ensaios clínicos, que é que uma leve redução dos sintomas se traduz em evidência de um medicamento “seguro e eficaz”, mesmo que a maioria dos pacientes possa não estar recebendo nenhum benefício. Dessa forma, se acaba tendo uma “base de provas” para prescrever estimulantes diariamente a uma criança de três anos de idade.

Há uma outra forma de o medicamento “baseado em evidências” falhar neste caso. Nunca há qualquer consideração sobre uma questão fundamental: Que direitos tem a criança? Os pré-escolares estão na primeira etapa de sua viagem ao misterioso mundo da vida, e se existe um aspecto existencial essencial para crescer, é a experiência de lutar para conhecer a sua própria mente, a sua própria composição essencial, e como parte dessa luta, de ganhar algum controle sobre o seu comportamento. Como diz o ditado, a gente quer ver o que a gente pode fazer de si próprio. A medicamentação dos pré-escolares, com essa medicamentação se tornando uma constante e muitas vezes evoluindo para a polifarmácia quando eles estão na escola elementar, rouba a eles esse futuro.

Essa é uma história de uma grande tragédia, de perda existencial, e ainda hoje, na medicina americana, é recomendado como um tratamento baseado em evidências para os 2,6% dos pré-escolares – isto é, um em cada 38 – que dizem “ter TDAH”. Os leitores podem decidir se esta é uma história de medicina “baseada em evidências”, permitindo uma prática que, sem esse brilho da ciência, poderia legitimamente ser descrita como abuso infantil.

Freud: O Primeiro Anti-Psiquiatra

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Freud não era psiquiatra; ele era um neurologista que deixou a prática da medicina para estudar o funcionamento interno da mente, a maneira como as sociedades operam e a interação entre os dois. Ele era antes  de tudo um psicólogo/sociólogo/filósofo. Ele viveu em tempos vitorianos quando, ao contrário de hoje, o sexo era reprimido e as mulheres eram desvalorizadas; isto explica em grande parte porque algumas de suas ideias parecem estranhas ou ofensivas para muitos agora. Mas se olharmos além destas falhas, há alguns conceitos que valem a pena.

Freud considerava a psicanálise mais dentro da psicologia do que da medicina, e insistia que ela não fosse medicalizada. Ele acreditava que qualquer pessoa com a devida aptidão poderia ser treinada para fazer análise, mas que o treinamento médico limitaria a capacidade de uma pessoa de ter uma visão livre. Ele mostrou desdém pelos psiquiatras: “Na faculdade de medicina um médico recebe treinamento que é mais ou menos o oposto do que ele precisaria como preparação para a psicanálise. . . . Isso lhes dá uma atitude falsa e prejudicial”.(1)  Assim Freud percebeu a falsidade e a nocividade da medicina, e foi o primeiro antipsiquiatra.

Somente nos Estados Unidos os psiquiatras avidamente monopolizaram a análise contra a vontade de Freud e criaram termos obscuros como “superego” ou “id” que só eles usam. Os psiquiatras que patologizaram publicamente o candidato presidencial Goldwater em 1964 eram pessoas famintas de poder e de mentalidade política. Os verdadeiros freudianos não o teriam feito, pois acreditam que todos nós temos conflitos; Freud fundamentou isto ao explicar logicamente os sonhos,(2) piadas,(3) e erros (4) que agora são conhecidos como “lapsos freudianos”.

Diz-se com frequência que as suas teorias foram desmascaradas. Isto se deve à alegação de que os problemas emocionais/comportamentais provaram ser doenças genéticas ou biológicas do cérebro (como a psiquiatria moderna profetiza ilogicamente), em vez de reações a questões e eventos inconscientes/conscientes que podem ter origem na infância, como ele racionalmente deduziu. Nunca  as suas ideias foram realmente refutadas.

Vamos comparar as duas abordagens: Os terapeutas freudianos não aplicam rótulos ostracizantes ou estigmatizantes, já que todos nós temos lutas. Eles deixam que os clientes estabeleçam as suas próprias metas e façam o trabalho ativo na terapia, uma vez que as ideias só serão significativas e produtivas se os próprios clientes as desenvolverem. Eles escutam, compreendem e se conectam profunda, paciente e respeitosamente. Seus clientes pensam por que agem como agem, exploram e expressam as questões que surgem da vida em sociedade, e aprendem a tratá-las de maneiras à sua escolha. Eles usam os seus cérebros para aumentar a autossuficiência e o controle sobre as suas vidas.

Mas os psiquiatras modernos apressam-se a rotular os clientes de forma impessoal/jurídica/autoritária como doentes e anormais. Eles incitam os clientes a empurrar os problemas para baixo da superfície, em vez de descobri-los e tratá-los, a negar o seu livre arbítrio já que é ‘genético’ e a seguir passivamente as ordens. Suas drogas de tamanho único calam os clientes, desativam os seus cérebros e criam zumbis eternamente dependentes e indefesos para as suas linhas de montagem. Portanto, eles são exatamente opostos em todos os sentidos: O ‘Anti-Freud’ é o ‘modelo pró-médico’. Os psiquiatras freudianos nos anos 50-60 lutaram contra a psiquiatria biológica, por isso foram os mais próximos à antipsiquiatria. O primeiro DSM (1952, quando Freud reinava) não tratava de categorizar os sintomas em doenças que soavam como sendo científicas, mas de explorar possíveis questões sociais/psicológicas causais.

Em anos posteriores, o objetivo de Freud foi menos de  ‘tratar doenças mentais’ e mais melhorar a sociedade, aumentando a autoconsciência e diminuindo a repressão social (o que ele fez), devido a pensar que esta era a principal causa de descontentamento.(5) Se ele estivesse vivo agora, provavelmente diria que o problema é mais a repressão emocional do que a repressão sexual, e culparia a “medicalização da vida cotidiana” da psiquiatria, como disse Szasz.(6) Ele culparia a nossa crise de incapacidade, suicídio, violência, uso de drogas e overdose com o envenenamento da nossa cultura pelo modelo médico e repreenderia: “Eu avisei isso!

Eis como ele analisaria a nossa sociedade doente:

O modelo médico faz com que as pessoas reprimam os sentimentos normais/ desagradáveis/ inaceitáveis, como tristeza pela perda, preocupação com o futuro ou raiva dos outros, para evitar serem chamadas de “doentes mentais” se elas mostrarem esses sentimentos ( é o “ter” depressão, ansiedade ou bipolaridade; ou personalidade limítrofe se elas expressarem os três).

Muitos que são autoconscientes são levados a pensar que algo está errado com eles (uma doença cerebral), e atraídos para a tentativa infrutífera de medicar os seus problemas/sentimentos. Alguns vão aos psiquiatras para suprimi-los através de drogas; outros tentam a medicalização alternativa, culpando toxinas, efeitos de drogas, dieta etc. Portanto, “normal” agora é a repressão emocional e a autoconsciência; isto abafa o domínio dos desafios da vida. Devido à medicalização, a porcentagem de pensamentos/sentimentos das pessoas que estão inconscientes (ou sedadas) é maior do que nunca. Isto tem tido resultados desastrosos.

É claro que algumas das muitas ideias de Freud são inválidas ou não se aplicam mais, porém que até Szasz aceitou as suas principais ideias sobre o inconsciente e como questões e sentimentos reprimidos podem levar a ações ou problemas sem o nosso conhecimento.(7) Portanto, um antídoto para a infestação do modelo médico de nossa cultura seria reintroduzir algumas das teorias de Freud (não por terapia, mas por educação) para o público. Afinal, o oposto do modelo médico não seria o melhor meio de contra-atacá-lo? Combinar esta educação com a contínua desvalorização das mentiras da psiquiatria será a melhor maneira de acabar com seu reinado. Não será difícil, já que as ideias de Freud já estão dentro de nós; só precisamos trazê-las de volta à superfície.

Freud ainda é valorizado em muitas nações europeias. Talvez seja por isso que seu povo seja menos vulnerável a traficantes de drogas legais/ilegais e, portanto, porque não estão morrendo de overdoses. Então, pessoas da comunidade MAD: Por que não deixar Freud se juntar à nossa equipe? Ele está do nosso lado, ele tem boas ideias e começou a nossa causa!

Notas:

  1. 1. Freud, S. The Question of Lay Analysis. Brentano (NY) 1926, pp. 62,63.
  2. 2. Freud, S. The Interpretation of Dreams. Brill (London, NY) 1900.
  3. Freud, S. Jokes and Their Relation to the Unconscious. Norton (New York) 1905.
  4. Freud, S. The Psychopathology of Everyday Life. Norton (New York) 1901.
  5. Freud, S. Civilization and Its Discontents. 1930.
  6. Szasz, T. The Medicalization of Everyday Life. Syracuse University Press, 2007.
  7. Wyatt, R. Thomas Szasz Interview, Psychotherapy.net Dec 2000.

Pode o Manual da Psicodinâmica mover a terapia para além do DSM?

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Em um novo artigo publicado no Psychoanalytic Inquiry, Nancy McWilliams explora como a contenção de custos, os interesses da indústria farmacêutica e as mudanças no mundo acadêmico têm levado a que a abordagem de tratamento de doenças mentais seja de um único formato. A autora argumenta que ao invés de aplicar cegamente tratamentos “baseados em evidências” que dependem de categorias diagnósticas específicas, os clínicos devem considerar a constelação única de sintomas, desafios, preferências, crenças etc., na adaptação de tratamentos para usuários de serviços. Ela escreve:

” Durante a vida de muitos de nós, o campo da saúde mental passou por uma mudança gradual, porém profunda, afastando-se da tentativa de entender o paciente único e passando a atribuir rótulos baseados em categorias de sofrimento psicológico sobre as quais os especialistas acadêmicos concordam”, escreve ela.

“Junto com esta mudança vieram fortes pressões para restringir o tratamento do cliente a procedimentos específicos que têm sido mostrados, em pesquisas que dependem de condições artificiais e de médias estatísticas, para reduzir os sintomas mensuráveis que definem essas categorias de transtornos reificados”. Como na maioria das mudanças de cima para baixo, certas eficiências resultaram, mas a um preço oculto elevado”.

O presente trabalho explora o desenvolvimento e as deficiências do estilo dominante de diagnóstico na psiquiatria contemporânea. A autora, também editora do Manual de Diagnóstico Psicodinâmico (PDM), aponta o PDM como um guia para clínicos que incorpora tanto as descrições diagnósticas categóricas presentes em publicações como o Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM), como também formulações diagnósticas “biopsicossociais” que se baseiam mais em entendimentos contextuais e individualizados de doenças mentais.

O DSM tem sido criticado por sua falta de validade, falta de confiabilidade, lista de sintomas vagos e pelo fato de que seus diagnósticos são baseados em consenso. Além disso, a mais recente versão do DSM, o DSM-5, tem uma confiabilidade entre os médicos particularmente baixa, o que significa que os médicos frequentemente dão diagnósticos diferentes ao mesmo usuário do serviço.

Pesquisas demonstraram que a indústria farmacêutica corrompeu a medicina baseada em evidências usando ensaios clínicos “escritos por fantasmas, fraudulentos, patrocinados pela indústria“. A indústria farmacêutica também influencia os médicos com práticas como a de oferecer coquetéis e grandes pagamentos em dinheiro como honorários por palestras. Dois terços de todos os pacientes que vêem um médico se encontram com um médico que aceitou tal pagamento. Esses pagamentos provavelmente influenciam as decisões de prescrição dos médicos. Como o trabalho atual sustenta, estes são exemplos de interesses da indústria farmacêutica em vez de eficácia e segurança, o que leva à preferência por algumas intervenções em detrimento de outras.

Além das questões de corrupção da indústria farmacêutica, as práticas baseadas em evidências têm sido criticadas por falta de consistência conceitual e promoção de um tipo específico de terapia cognitiva devido à ideologia e não à eficácia. A pesquisa também descobriu que o relatório de resultados e o viés de publicação são comuns na pesquisa psiquiátrica.

O presente trabalho traça o foco em categorias diagnósticas distintas na psiquiatria às mudanças na década de 1970 destinadas a remediar várias dificuldades enfrentadas pela psiquiatria. Primeiro, a mudança para categorias diagnósticas discretas no DSM teve como objetivo racionalizar a pesquisa em saúde mental. As categorias diagnósticas poderiam retirar grande parte do trabalho de adivinhação do diagnóstico, permitindo aos participantes da pesquisa receber diagnósticos após um exame rudimentar, em vez de meses ou anos de terapia da palavra.

Em segundo lugar, as versões anteriores do DSM tinham se baseado principalmente em entendimentos psicanalíticos de doenças mentais. Entretanto, com abordagens biológicas, humanísticas, cognitivas etc., ganhando popularidade, a psiquiatria precisava de uma linguagem que pudesse falar com a amplitude cada vez maior de entendimentos dentro da disciplina. As categorias discretas e simples oferecidas pelo DSM-III poderiam ser muito mais facilmente aplicadas através destas abordagens emergentes.

A autora aponta para três circunstâncias adicionais que impulsionam a adoção excessiva dessas categorias de diagnóstico e sua abordagem de tamanho único para o tratamento de doenças mentais.

A primeira é o esforço para limitar os custos. As empresas de seguro de saúde e os governos tendem a favorecer tratamentos econômicos hoje em dia, com pouca consideração das consequências a longo prazo. Isto significa que o financiamento é raramente mantido para tratamentos mais caros tais como terapias de fala e é frequentemente desviado para terapias cognitivas de curto prazo. Embora a autora acredite que a terapia cognitiva seja eficaz para muitos usuários de serviços, esta abordagem de tamanho único limita o acesso a tratamentos mais caros que podem ser muito mais adequados para tratar alguns usuários de serviços.

Em segundo lugar, a indústria farmacêutica está interessada em descrever o sofrimento mental como um transtorno discreto e tratável. Uma vez que definimos o sofrimento mental como uma doença, podemos medicá-lo. Embora o autor acredite que os medicamentos podem ser úteis para alguns usuários de serviços, os interesses da indústria farmacêutica têm levado a uma compreensão inútil do sofrimento mental como sendo principalmente um transtorno que pode ser corrigido quimicamente. Esta compreensão da doença mental pode nos levar a abandonar outros tratamentos que poderiam ser úteis para muitos usuários de serviços.

Em terceiro lugar, a psiquiatria acadêmica tem exigido cada vez mais o uso exclusivo de “práticas baseadas em evidências”, às vezes colocando-as em desacordo com clínicos experientes que preferem individualizar os tratamentos. De acordo com a autora, estas práticas baseadas em evidências estão enraizadas em condições laboratoriais irrealistas nas quais vastas porções de participantes são excluídas, muitas vezes incluindo aqueles com alguma comorbidade.

Um número limitado de tratamentos para o sofrimento mental provavelmente prejudica os usuários do serviço. A autora faz esta observação comparando a depressão a um coxear. Desenvolvemos um coxear a partir de um certo tipo de dano que pode vir de diferentes lesões. Com base no que é lesionado e em até que ponto traumaticamente, podemos precisar aconselhar um paciente sobre como caminhar normalmente novamente ou sobre como chegar a um acordo para nunca mais caminhar normalmente. Da mesma forma, a depressão pode ter origem em várias causas. O que o paciente precisa depende de suas circunstâncias específicas. Ao preferir algumas intervenções a outras em todas as circunstâncias, estas discretas soluções diagnósticas categóricas prolongam inevitavelmente o sofrimento de alguns usuários dos serviços.

A autora e editora do PDM oferece o PDM como uma alternativa às categorias de diagnóstico discreto do DSM. Embora o PDM inclua algumas categorias similares ao DSM, ele também valoriza as circunstâncias individuais e engloba opções de tratamento mais variadas. A autora conclui:

“Nenhum sistema de diagnóstico pode captar a complexidade da psicologia de qualquer pessoa nem a singularidade de uma pessoa individual. Mas os terapeutas, especialmente os clínicos menos experientes, precisam de algum ‘mapa”‘ geral do território psicológico relevante, ou então correm o risco de se sentirem desamparados diante da infinita variedade humana. Precisamos ter cuidado para que os mapas que nos são fornecidos descrevam os elementos mais importantes do terreno clínico e não apenas aqueles que são úteis para corporações farmacêuticas, administradores de planos de saúde, e um grupo restrito de pesquisadores. ”

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McWilliams, N. (2021). Diagnosis and its discontents: Reflections on our current dilemma. Psychoanalytic Inquiry41(8), 565–579. https://doi.org/10.1080/07351690.2021.1983395 (Link)

A Medicalização do Sofrimento da Mulher: Uma Entrevista com Dana Becker

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Dana Becker é professora emérita de serviço social e de pesquisa social na Bryn Mawr College e tem trabalhado como psicoterapeuta por mais de três décadas. Com um doutorado em psicologia e um mestrado em serviço social, ela tem sido uma crítica da igualdade de oportunidades em seu trabalho sobre os efeitos da cultura terapêutica na mulher nos EUA.

Estes temas são explorados em seus livros, Through the Looking Glass: Women and Borderline Personality Disorder (Westview Press, 1997) e The Myth of Empowerment: Women and the Therapeutic Culture in America (NYU Press, 2005). Seu livro mais recente, One Nation under Stress: The Trouble with Stress as an Idea (Oxford University Press, 2014), aborda os efeitos da cultura terapêutica através de um exame do trabalho ideológico que atualmente realizado através conceito de estresse. Seu trabalho foi premiado pela Society for the Psychology of Women.

Becker é conhecida por seu trabalho sobre o uso do transtorno de personalidade limítrofe para medicalizar os problemas da mulher. Ela também tem feito algumas críticas significativas à maneira como falamos e lidamos com o estresse em nossa sociedade e constatou como é que a psicoterapia feminista tem sido enfraquecida em seu potencial revolucionário.

A transcrição abaixo foi editada para maior extensão e clareza. Ouça aqui o áudio da entrevista.

Ayurdhi Dhar: Você poderia nos dizer brevemente o que é “cultura terapêutica” e suas preocupações e críticas?

Dana Becker: É a cultura na qual estamos todos mergulhados, impregnados de conceitos psicológicos, valores e de instituições baseadas neles.

Na cultura terapêutica, a psique é o principal objeto de nossa atenção. A psicologia é vista como a principal fonte de problemas em nossa sociedade e a saúde de nossas “psiques” é o objetivo final. Estas suposições compartilhadas sobre a psique e a sua importância, assim como a importância do eu, moldam os nossos valores, comportamentos e até mesmo as instituições.

Esta ênfase sobre a Psique e o Eu torna o mundo, os problemas da sociedade e os problemas estruturais e institucionais menos visíveis para nós. Nossa confiança americana em idéias sobre o individualismo também molda a cultura terapêutica.

Dhar: Como você traz esta consciência sobre a cultura terapêutica para o seu trabalho como terapeuta com os seus clientes? Como isso influencia o seu trabalho?

Becker: Temos que trazer o contexto social para a terapia, mas não podemos parar no consultório. Uma sessão de 45 minutos não cria um mundo.

Por exemplo, as mulheres cujos problemas são há muito tempo medicalizadas vêem os seus próprios problemas enquanto problemas médicos, mas nós como terapeutas temos que ver todos os problemas de uma forma bem mais ampla. Isso não significa que, se alguém sofre de depressão clínica, não iremos ajudá-las a obter a medicação. Mas como terapeuta familiar que tem trabalhado muito com mulheres, eu vou perguntar não apenas sobre o contexto familiar e de relacionamento, mas também entender a perspectiva do cliente sobre o mundo e sobre gênero – como as mulheres se vêem a si mesmas.

Passei várias décadas fazendo este trabalho; e quando comecei, ninguém chegava dizendo: “Eu sou bipolar”. Você nunca ouvia isso. Ninguém estava fazendo auto-diagnóstico. Com o tempo trabalhando, as mulheres chegam dizendo: “minha mãe pensa que eu sou bipolar”.

Eu não gosto que as pessoas se chamem a si mesmas com um diagnóstico. Elas não dizem “eu tenho transtorno bipolar” hoje em dia. Elas dizem: “Eu sou isto, eu sou aquilo”. Nos anos 80, havia um livro chamado Mood Swings, e alguns clientes e seus pais ou parceiros liam estas coisas e diziam imediatamente: “Oh, se você está mais zangado hoje do que no último dia, isso deve significar que você tem mudanças de humor, e isso significa que você é bipolar”.

Para mim, como terapeuta, trata-se de descobrir o contexto em que essas idéias surgiram. O que está acontecendo lá? Às vezes a mulher se sente justificadamente zangada, mas seu parceiro ou seus pais dizem: “há algo de errado com isso, e isso significa que você tem mudanças de humor”, o que significa um diagnóstico. É assim que a emoção é medicalizada.

Não estou dizendo que não exista tal coisa como bipolar. Quando se toma uma posição como esta, as pessoas sempre criticam; não é tão extremo quanto as pessoas supõem. Como terapeuta, você tem que se aprofundar o suficiente para entender o contexto do que o cliente está trazendo.

Dhar: Portanto, a cultura terapêutica não é apenas psiquiatria, mas uma narrativa social e cultural maior que existe, mudando a nossa autodefinição. Tenho estudantes que entram dizendo: “Sou isto ou sou aquilo (um diagnóstico), mas meu terapeuta não me dá um diagnóstico, mas sei que sou isto”.

Becker: Existem outros conceitos, também, não apenas diagnósticos. Eu tive clientes dizendo: “Estou me sentindo realmente terrível esta semana. Estou com pena de mim”. De onde vem a ideia de que as mulheres, quando estão tristes ou chateadas com algo que está acontecendo, devem ter pena de si mesmas? O aspecto ter pena de si próprio é depreciativo.

Para um terapeuta, não ficar curioso sobre isso é problemático. Se eu entendo algo sobre socialização de gênero, então eu vejo que aquela mulher que me traz essa ideia traz todo um mundo de associações de gênero.

Dhar: A primeira coisa que fazemos quando algo acontece é olhar para dentro e olhar para as nossas emoções e não para as questões maiores, externas, sistêmicas. Por que você acha que estas narrativas psicologizadas ou terapêuticas se tornaram tão poderosas e difundidas? É uma questão do que elas se beneficiam?

Becker: Em primeiro lugar, certamente há um benefício para as profissões psicológicas. Há um benefício na medicalização dos problemas humanos. Não há dúvida sobre isso. Quando o Manual de Diagnóstico e Estatística saiu pela primeira vez, ele tinha menos de um centímetro de espessura e agora está tão inchado que qualquer coisa pode ser chamada de problema psicológico. As profissões se beneficiaram muito, e o número de profissões psicológicas proliferou. Você tem aconselhamento profissional e assistente social, que costumavam ser um tipo diferente de profissão.

A outra parte é sobre a natureza do gênero das ideias sobre emoção, porque as mulheres sempre foram as principais candidatas à psicoterapia, aos livros de autoajuda e ao aconselhamento psicológico. Com a Oprah e outros, tornou-se popular falar sobre problemas que tinham sido ocultados do ponto de vista público. Além disso, há a veneração da ciência – a partir do século XIX, tem havido uma enorme cientificação de todos os fenômenos. Isto também influenciou a medicalização.

O próprio Freud nunca quis que a psiquiatria se tornasse uma profissão médica. Mas, nos Estados Unidos, foi decidido que era preciso se tornar um médico para se tornar um psiquiatra.

Dhar: Recentemente, você escreveu sobre a ausência de contexto na terapia feminista, a qual, você escreve, ficou desdentada. Você poderia falar mais sobre isso?

Becker: Em certo sentido, não existe hoje nenhuma terapia feminista, nenhuma pessoa que se intitula terapeuta feminista. Há pessoas que são feministas que fazem psicoterapia, mas isso é diferente.

No início, havia a conscientização – um fenômeno de classe média e branca. Esta era uma crítica à terapia para as mulheres – queremos realmente que as pessoas olhem para dentro e não para fora, para a origem de seus problemas? Muito rapidamente, as ideias que a conscientização trouxe para a terapia, que estava trazendo o contexto social para dentro do consultório de terapia e ajudando as mulheres a alcançar um maior ativismo fora do consultório, rapidamente se tornaram subsumidas à medida que a profissionalização tomou conta.

Foi um período bastante curto. Hoje, para as mulheres, o trauma tornou-se a palavra de ordem. Trauma e mulheres se tornaram um pacote que muitos terapeutas que se consideram feministas consideram estar juntos – “Vamos descobrir como você foi traumatizada”.

Agora, falar de eventos traumáticos se tornou muito mais estigmatizado, assim como ter problemas psicológicos, o que é muito útil. Mesmo nos anos 80, era raro que as terapeutas perguntassem a uma mulher se ela tinha sido abusada sexual ou fisicamente. Agora é rotina. É uma boa notícia que estes problemas saiam do armário e que o contexto social e social dos problemas psicológicos seja visível.

Dito isto, quando tudo no mundo é rotulado de traumático, há uma perda de sentido. Se eu estou traumatizada porque tenho muitas mensagens de texto em vez de ter sido prisioneiro de guerra… São coisas que hoje em dia são rotuladas de traumáticas, e a idéia de trauma perdeu sentido.

O outro problema é que aqueles que praticam terapia, particularmente nos Estados Unidos, assumem que todo desastre induz a traumas em todos. Este não é o caso. Por exemplo, depois dos tsunamis que aconteceram há uma década, os psicólogos americanos passaram a oferecer ajuda psicológica às vítimas de trauma. As pessoas diziam: “não temos casa, calor, e a família não tem comida”. E você está falando comigo sobre estar traumatizado!”.

Os acontecimentos do 11 de setembro foram lançados firmemente dentro da narrativa dos traumatismos. Mesmo dez anos mais tarde, o psicólogo americano da Associação Americana de Psicologia precisou colocar em questão uma apologia de pesquisa para todo o trabalho psicológico que insistia que todos iriam ficar traumatizados. Todos os que tinham testemunhado, ou visto na TV, ou as crianças expostas – todos iriam sofrer. A pesquisa descobriu que esta era na verdade uma porcentagem muito pequena da população. Mas agora, quando a pesquisa for feita, uma alta porcentagem da população dirá que passou por pelo menos um ou mais eventos traumáticos em sua vida.

Dhar: Está ligado à idéia de Ian Hacking do conceito de “looping” –  uma narrativa popular que muda a sua autodefinição e, em seguida, a sua experiência. Eu me pergunto se trauma é a próxima grande coisa depois da narrativa de medicalização. Você pode dar exemplos de como especificamente o trauma foi cooptado e usado para medicalizar ainda mais os problemas das mulheres?

Becker: No DSM III, os eventos que eram causadores do TEPT tinham que ser considerados fora do âmbito da experiência humana. Muitas feministas protestavam para que estes critérios fossem ampliados para que a experiência das mulheres em relação ao abuso sexual e físico fosse incluída. Inicialmente, eu me sentia realmente tomada por isso porque estava estudando o diagnóstico limite, que não podia aceitar, e o TEPT era o único diagnóstico com causas situacionais externas reais. Eu pensava, “isto é maravilhoso”. Então, expandimos o diagnóstico. E mudei a minha posição.

Eu fiz um giro completo 360º e fiquei horrorizada com a freqüência com que o diagnóstico de TEPT era apenas um tapa nas mulheres. Elas não preenchiam todos os critérios. Não quer dizer que não devamos tomar nota do abuso e de seus efeitos nocivos, mas se tornou mais uma ferramenta para medicar o sofrimento das mulheres. É assim que eu penso sobre a narrativa de trauma que alimenta o diagnóstico de TEPT.

Houve uma pesquisa fantástica feita por Jeanne Marecek e Diane Kravitz nos anos noventa, onde entrevistaram aquelas que se chamavam terapeutas feministas. Elas diziam: “Este é o único diagnóstico que eu já dei. Não é que eu o dê a todas as mulheres”. Eu digo às pessoas que você tem TEPT, e que esta é uma reação normal ao trauma”. Em primeiro lugar, os sintomas do TEPT não são uma reação normal ao trauma; caso contrário, não estaríamos chamando isso de transtorno. O TEPT como diagnóstico havia sido muito ampliado.

Dhar: O TEPT sendo uma reação normal ao trauma não se traduz quando olhamos para outros lugares do mundo.

Becker: Não, culturalmente é simplesmente um terrível absurdo

Dhar: E a segunda questão é que precisamos de verbalização – que falar de trauma é a única maneira saudável de lidar com ele e processá-lo. Você tem que ir a um profissional. Simplesmente, isso não funciona assim.

Becker: Não. Como culturas, nós decidimos o que é normal e o que não é. Derek Summerfield fala sobre isso – em uma sociedade, decidimos o que dizemos que devemos suportar ou não.

Após o bombardeio de Londres, os londrinos não estavam se chamando traumatizados. Não havia nenhuma linguagem, não havia nenhuma narrativa para isso. Havia uma atitude de manter a calma e continuar indo em frente. Mesmo na guerra, o bombardeio era considerado uma humilhação. Tudo isso era terrível, mas era tão diferente de nossa resposta ao 11 de setembro – um discurso diferente.

Dhar: Em Uma nação sob estresse, você escreve que as disciplinas-psi se concentram nos efeitos do estresse, em estar sob estresse, e não sempre nas causas. Você escreve que nossa cultura individualista desempenha um papel. Você poderia dizer mais?

Becker: Fazendo uma ponte entre o trauma e o estresse, ambos os conceitos agora compartilham o mesmo tipo de problema. A causa e o efeito são conjugados de uma forma que os torna um só, mas é na resposta emocional em que nos concentramos. Portanto, o que o estressa e sua reação a ele são ambos ‘estresse’, mas nós nos concentramos na sensação de estar estressado.

No livro, eu falo sobre esta louca ideia americana de equilíbrio. As mulheres são alvos deste discurso de estresse. Por exemplo, você é uma mãe trabalhadora que faz trabalho sem vínculos trabalhistas ou uma mulher profissional. Este discurso de equilíbrio se aplica a todas igualmente, mesmo que os estressores sejam bem diferentes. A mulher profissional que é CEO pode ter uma babá e não está na mesma posição que a mulher que trabalha em turnos loucos, sem aviso prévio e, portanto, não podendo cuidar das crianças. Mas devemos alcançar um equilíbrio entre o que estamos fazendo lá fora, o que estamos fazendo na família, e cuidar muito bem de nós mesmos, não importa quais sejam os estressores externos, qual seja o contexto de nossas vidas. A idéia é que, se pudermos fazer isso, não seremos estressados e irritados e seremos capazes de cuidar de tudo.

O cuidado tem sido uma província feminina neste país, particularmente desde a industrialização. Como as mulheres de classe média inundaram o local de trabalho nos anos 80 e posteriormente, a expectativa de cuidados não mudou. Mas agora, a expectativa de equilíbrio se tornou outro peso sobre os ombros das mulheres.

Eu posso me usar como exemplo. Eu nunca me chamei de estressada o tempo todo. Eu não tinha dinheiro. Eu era uma mãe solteira. Eu estava fazendo meu doutorado e cuidando do meu filho, de um cachorro, de uma tartaruga, de tudo o mais. E minha expectativa era de que eu fazia tudo perfeitamente. Assim, passamos a esta idéia de equilíbrio, de que deveríamos ser capazes de fazer malabarismos com várias coisas. Se não conseguirmos, a culpa é nossa. Culpamo-nos a nós mesmos e deveríamos comprar mais commodities para nos ajudar. Se você é pobre, você não tem tempo, dinheiro ou apoio para fazer as coisas de cuidado que a cultura de classe média nos diz que devemos fazer.

Dhar: É aí que entra a narrativa do autocuidado. Tenho que contar aos meus alunos que as velas em um banheiro não vão resolver os problemas que emergem da pobreza.

Becker: E quando chamamos isso de estresse, nós então achatamos isso. Se dizemos que estamos estressados, então é meu problema resolver.

Dhar: Então, o estresse é uma maneira de individualizar isto? E então o diagnóstico do limite para o TEPT também são maneiras?

Becker: Muitas das mulheres que são diagnosticadas no limite são mulheres que sofreram abuso extremo, negligência e invalidação. O estresse é uma ferramenta não-diagnóstica para aquelas mulheres que, como muitas de nós, tomam nossas deixas da cultura popular.

Dhar: Sim, eu tenho um bebê de três semanas, e sempre que me sinto sobrecarregada a minha mente vai para a depressão pós-parto. Tenho lido tantas críticas ao diagnóstico. Além disso, tenho um tornozelo quebrado, estou longe de casa, e preciso ir ao trabalho. Mas apesar de saber sobre estes importantes fatores externos, mesmo como psicóloga crítica, a depressão pós-parto é o conceito que continua voltando à minha cabeça. Mesmo se você estiver ciente deles, o poder destas narrativas é forte!

Becker: Se estamos apenas estressadas, nós nos culpamos por não cuidarmos melhor de nós mesmas. Então não há necessidade de ir lá fora e perguntar: “Por que ainda somos a única nação industrializada ocidental que não tem qualquer licença familiar remunerada”?

E as mulheres mais estressadas não têm tempo para o ativismo. Esta é outra parte do problema: “Estou muito estressada para ir lá fora”. Não tenho tempo para chamar o meu deputado”. É uma forma de aliviar as nossas consciências. Podemos dizer: “Estou estressada; vou colocar algumas velas, tomar o banho de espuma, tomar mais suco de couve”. Há mulheres em nosso país que não têm a opção de fazer essas coisas ou de ter qualquer ajuda. E como você sugere, não estamos olhando para a comunidade como você faria se estivesse de volta à Índia.

Dhar: Há uma conversa recente sobre os determinantes estruturais da saúde mental, sobre como coisas como pobreza, violência, racismo podem ser psicologicamente prejudiciais. Pergunto-me se isso será cooptado e absorvido – se for apenas um discurso simpático, e a resposta for novamente a terapia individual. O que você acha?

Becker: Isso é o que me preocupa. Veja o que aconteceu nos bairros pobres do sistema escolar público. Nós entendemos a discriminação, os efeitos da pobreza, do bullying. Sabemos que estas coisas contribuem para que uma criança não se saia bem na escola ou aja bem. O que fazemos? Chamamos a mãe, apenas a mãe.

É o problema da mãe. Ela tem que levar a criança à terapia, que muitas vezes não é uma terapeuta familiar. Então, a criança está com o terapeuta, que é muito compreensivo durante 45 minutos por semana e depois volta para o mesmo ambiente. Portanto, a mãe não tem apoio ou compreensão do que está acontecendo na terapia porque ela não está incluída nisso.

Ao estudar o estresse, encontrei alguns artigos populares realmente loucos sobre pobreza e depressão. Isto me preocupou muito ao ver como estas coisas estão sendo cooptadas pelo estabelecimento médico – “Vamos tratar a depressão. Tantas pessoas que são pobres estão deprimidas”. É o mesmo que o trauma e os problemas de estresse – a causa externa passa para segundo plano para os efeitos emocionais posteriores.

É muito mais fácil lidar com os efeitos. Não temos que lidar com discriminação, pobreza, racismo, com diferenças nos dólares dos impostos que vão à escola em bairros pobres. Isto cria um ambiente perfeito para individualizarmos estes problemas.

Dhar: Já que estamos falando em ignorar questões sistêmicas maiores, passemos à psicologia positiva, que costumava ser muito popular. Você tem levantado preocupações sobre a psicologia positiva. Você poderia elaborar?

Becker: Assim como com o TEPT, inicialmente com a psicologia positiva, você pensaria que a psicologia estaria se voltando para o contexto. Jeanne Marecek e eu argumentamos que a psicologia positiva reforçou a profissão de psicologia em um momento em que grandes avanços estavam sendo feitos através de cuidados administrados, assistentes sociais se tornando terapeutas, a profissionalização do aconselhamento etc. O problema era que a psicologia positiva é tão acontextual como qualquer outra forma de psicologia individual.

A psicologia positiva é mais uma das muitas “psicologias de ajuste” que amamos nos Estados Unidos. Por psicologia de ajuste, quero dizer aqueles movimentos como o movimento de higiene mental no qual o objetivo era de produzir estes indivíduos felizes, saudáveis e “bem ajustados”. Por exemplo, uma mulher que pode cuidar de si mesma e de sua família sem muitas reclamações e raiva. Isso seria um ajuste ideal.

Então o problema é que se você falar sobre “que tipos de famílias resultam em crianças que florescem”, e essa é a citação de Seligman sobre psicologia positiva, você não pode fazê-lo sem pensar no meio ambiente, nas instituições e no contexto social. A família nuclear é um ambiente muito pequeno demais para ser analisado.

Fui treinada em terapia familiar multidimensional, que olha para o contexto muito maior das famílias e suas conexões com instituições mais amplas. Não podemos simplesmente nos concentrar na dinâmica de uma família e depois dizer: “Vamos ajudar essa família a criar bem-estar entre as crianças”.

Outro exemplo é o enorme contrato de Martin Seligman com o governo dos Estados Unidos para trazer psicologia positiva para os militares. Por exemplo, você tem um soldado que vai para a guerra, que tem medo de ser morto, que presumivelmente vai matar outras pessoas e vê-las morrer. Você vai inoculá-los de alguma forma com psicologia positiva contra estes horrores. Mas não falamos de guerra ou socialização masculina e de como criamos guerreiros. Vamos apenas treinar pessoas para serem mais resilientes.

O conceito de dano moral é outra internalização de um problema muito maior. Quando os militares falam de dano moral, é individualizar um problema que é criado porque há a existência da guerra e essas decisões políticas. Falamos apenas do dano moral aos soldados, e qualquer coisa que use a linguagem medicalizada do dano nos traz para a terra do trauma. Mais uma vez, toda nossa discussão, em muitos aspectos, apenas se curva sobre si mesma.

A Necessidade de uma Formação em Psicoterapia Centrada na Pessoa no campo da Psiquiatria

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Um artigo recente publicado na revista World Psychiatry advoga por uma psicoterapia “de volta ao básico” que prioriza a expressão emocional. Contra o potencial de terapias baseadas na “exposição”, como a TCC, para se tornar demasiado intelectual, tecnicamente forte e esvaziada de emoções, o psiquiatra John Markowitz explora a eficácia clínica e a importância da Psicoterapia Breve de Apoio.

“As pessoas se deixam levar por aquilo que é funcional, porém às vezes é o básico o que importa”. Os psicoterapeutas, como seus pacientes, enfrentam o desconforto e podem se esquivar diante de emoções fortes. No entanto, o foco nas emoções fortes está no cerne da psicoterapia. Isso é o que uma boa terapia, e particularmente uma boa psicoterapia de apoio, deve fazer”, explica Markowitz.

Apesar da influência crescente das terapias cognitivo-comportamentais ( TCC), alguns profissionais ainda acreditam na eficácia terapêutica de abordagens centradas na pessoa ou humanistas, até mesmo criticando o status da TCC como o “padrão ouro”.

As formas de terapia centradas na pessoa ou humanistas tendem a privilegiar a autonomia e a dignidade do cliente, a relação terapêutica, a expressão emocional e a sua validação – atuando, essencialmente, como um guia de cuidado para a auto-exploração do cliente.

O artigo atual, do psiquiatra John Markowitz, defende um retorno a esses valores e práticas terapêuticas fundamentais. Markowitz examina as evidências para a eficácia da Psicoterapia Breve de Apoio (PBA) e afirma que abordagens mais “técnicas-pesadas” como a TCC podem drenar a emoção da terapia.

De acordo com Markowitz, de nove ensaios terapêuticos controlados e randomizados que foram feitos ao longo dos anos, sete descobriram que “a PBA funcionou bem como os tratamentos favorecidos”, apesar de ser uma “condição de comparação de baixo custo” usada principalmente para avaliar outras abordagens. Estes ensaios examinaram a eficácia terapêutica para transtornos de humor e ansiedade, incluindo a depressão.

Os dois estudos em que a PBA não funcionou tão bem quanto os tratamentos favorecidos ainda eram um “segundo lugar confiável e quase imperfeito”. Assim, Markowitz argumenta que a PBA deveria ser incluída nas diretrizes de tratamento da depressão.

Explicando os princípios da PBA, Markowitz afirma que ela se baseia em pesquisas sobre fatores comuns e compartilha semelhanças com outras formas de psicoterapia “de apoio”, tais como terapias centradas na pessoa e humanistas, que foram em tempos a forma mais comum de terapia. Carl Rogers e Jerome Frank são discutidos como figuras importantes nesta linhagem.

Pesquisas sobre fatores comuns sugerem que cinco elementos “centrais” diferentes tendem a ser responsáveis pelo sucesso da terapia:

  • A estimulação afetiva/emocional
  • Sentir-se compreendido pelo terapeuta e desenvolver uma aliança terapêutica
  • Fornecer uma estrutura para o entendimento, assim como um ritual terapêutico
  • Mostrar otimismo em torno da melhoria
  • Incentivar experiências de “sucesso

Em particular, Markowitz acredita que a psicoterapia deve retornar ao significado da emoção. Ele argumenta a importância das terapias que enfatizam a regulação e expressão emocional.

Em termos de técnica terapêutica, esta abordagem é simples, mas profunda e mais difícil de praticar do que de entender. Ela envolve a escuta ativa, normalizando e validando emoções difíceis, como a raiva, e encorajando a expressão emocional. O objetivo terapêutico é ajudar os indivíduos a se sentirem mais confortáveis e tolerarem emoções fortes.

A crença subjacente é que isto pode melhorar a qualidade de vida e reverter tendências que podem exacerbar coisas como a depressão – por exemplo, pessoas com ansiedade e depressão “frequentemente evitam confrontos interpessoais, tendo dificuldade em afirmar seus desejos e lutando para dizer não”.

Através da normalização e do incentivo à expressão emocional na terapia, os indivíduos podem se tornar mais confortáveis para se expressar e afirmar a si mesmos.

Abordagens baseadas no “efeito”, como a PBA, podem ser contrastadas com abordagens baseadas na “exposição”, como a TCC, que Markowitz acredita que às vezes pode ser problemática:

“Um perigo com psicoterapias mais sofisticadas e mais técnicas é que elas podem se tornar exercícios mecânicos, intelectualizados e com drenos de afeto. Uma razão para o aumento das chamadas “terceira onda” de terapias cognitivo-comportamentais tem sido o reconhecimento da sequela dos efeitos dos tratamentos baseados na exposição”.

Markowitz conclui:

“Existem outros tratamentos focados nos efeitos, incluindo a psicoterapia interpessoal, psicoterapias psicodinâmicas bem conduzidas e terapias baseadas na mentalização. O PBA é o cerne destas abordagens. Ele não tem e não precisa de adornos. Ela apenas se cola aos sentimentos.

Ao deixar o paciente liderar e concentrar-se em suas emoções, ela maximiza a autonomia do paciente. O terapeuta não atribui nenhum dever de casa e não aplica nenhuma estrutura além do foco afetado. Uma PBA transportável, disseminável, intervenção barata, focada no afeto merece um segundo olhar”.

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Markowitz, J. C. (2022). In support of supportive psychotherapy. World Psychiatry, 21(1), 59-60. (Link)

Você está mentalmente doente ou muito infeliz? Os psiquiatras não conseguem chegar a um acordo

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Para desenvolver algumas das questões que nos últimos anos têm sido objeto do meu interesse e investigação, eu resolvi tomar uma matéria recentemente publicada em um famoso veículo da impressa do Reino Unido.

Estamos nos últimos anos sofrendo dos retrocessos do processo de reforma psiquiátrica brasileira. A perspectiva é que a atual política para a assistência em saúde mental não perdure após as eleições de 2022.

Não obstante, as principais forças políticas em jogo, hoje, no campo da assistência em saúde mental, continuarão provavelmente presentes após as eleições.

Estamos nós preparados para enfrentar o modelo biomédico da psiquiatria, que é ontem e hoje o modelo dominante?

Será que iremos considerar que a “psiquiatria pós-asilar”, objeto da minha tese de doutorado na Universidade Católica de Louvain (Louvain-la-Neuve, Bélgique), em 1994, é essa com a qual estamos convivendo nas últimas décadas?

É possível haver a atenção psicossocial propriamente dita, mantendo o modelo biomédico como a sua referência hegemônica?

O que é o bio-psíquico-social?

O modelo biomédico da psiquiatria é nefasto, causa problemas incomensuráveis, conforme o que oficialmente é dito.

….

Em tela uma matéria publicada recentemente, em 9 de fevereiro de 2022, no respeitável jornal britânico The New Statesman. Uma matéria assinada pela jornalista Sophie McBain. A seguir, trechos dessa matéria intercalados por comentários meus.

“Numa tarde de dezembro de 2004, Samantha deixou a sua casa no norte da Inglaterra e caminhou até o rio vizinho. Ela tentou não pensar em seus cinco filhos pequenos, ficando sozinhos em casa. Ela queria se jogar nas águas; ela não sabia nadar.

“Alarmada pela ausência de sua mãe, a filha de 11 anos de Samantha discou o 999, e a polícia a encontrou na margem do rio. Ela foi transferida para um hospital psiquiátrico, onde passou quatro dias enroscada em uma bola, chorando. Ela já era conhecida pelos serviços sociais: Samantha teve um ex-namorado violento e havia sido abusada quando criança e aos 12 anos foi atendida. Era difícil saber como ser uma boa mãe quando ela mesma nunca tinha tido a mãe.

“Pouco tempo depois, um psiquiatra, solicitado pela autoridade local para avaliá-la, diagnosticou a Samantha com transtorno de personalidade limítrofe. No ano passado, Samantha leu o relatório para mim, via  Zoom. Por essa altura, já estávamos falando há três meses. Ela era calorosa e solícita – ‘Mas de qualquer forma, como você está?,  ela sempre me perguntava – mas agora a sua voz era cheia  de raiva. O relatório observava a sua ‘falta de senso de responsabilidade pessoal’ e ‘pobre controle de impulsos’; acusava-a de ‘fingir um transtorno mental enquanto se encontrava internada no hospital’.

” ‘Mas eu não sou assim, não sou assim’, ela se lembra de dizer ao seu advogado, aterrorizada. Uma assistente social lhe disse que ela precisava alcançar uma maior ‘estabilidade emocional’. (‘Se você pudesse fechar os olhos por um segundo e imaginar alguém levando os seus filhos embora’, perguntou-me Samantha, ‘como você se sentiria?’) Mas a psiquiatra considerou o seu transtorno ‘intratável’, e os seus filhos foram retirados dela.

“[…] Em 2015, dez anos depois que os seus filhos foram retirados dela, um psicólogo lhe deu um novo diagnóstico: o complexo transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Confirmou o que Samantha estava se dando conta: de que não havia nada de errado com a sua personalidade, que os seus problemas podiam estar todos ligados ao que havia acontecido com ela. ‘Apesar de ter sido um alívio, eu fiquei realmente furiosa’, disse-me ela. ‘Porque aquele rótulo foi usado para me prejudicar e a meus filhos. Ele destruiu as nossas vidas’.

“Por essa altura, ela voltou a entrar em contato com quatro dos seus filhos, que muitas vezes tinham fugido de seus lares adotivos para estar com ela. Ela fazia campanha sobre saúde mental e estava dirigindo um grupo de apoio de colegas. Ela também tinha se juntado ao Twitter, onde é uma presença com opiniões, e entrou em uma conversa – bem, uma discussão no início – com uma psicóloga que lhe deu uma nova visão de mundo. E se o diagnóstico de Samantha sobre o complexo TEPT também não estivesse correto? Ela tinha sido suicida, sim: mas quem em sua posição não teria se sentido desesperada? Alguma vez ela tinha estado mentalmente doente?”

A conversão do sofrimento psíquico de Samantha em doença mental é algo que sabemos ser a lógica da medicalização psiquiátrica. É o que ocorre em nosso cotidiano. Que é acentuada nesses tempos da pandemia do Covid-19. Como bem nos lembra Sophie McBain, a jornalista:

“[…] Recentemente, tem havido uma ampla cobertura de uma crise de saúde mental em desenvolvimento. Dados do governo sugerem que, desde o início da pandemia, o número de adultos com depressão dobrou para um em cada cinco. Os encaminhamentos de crianças também dobraram: 200.000 menores de 18 anos foram encaminhados aos serviços de saúde mental do NHS em Abril-Junho de 2021. Será que a Covid desencadeou uma onda paralela de doença mental – ou será que o sofrimento tão generalizado é uma resposta natural aos meses de isolamento, incerteza e contagem diária de mortes? O debate na psiquiatria é em parte uma discussão sobre como lidar com esta pandemia sombria: alguns argumentam que o que parece ser uma emergência sanitária é melhor entendido como infelicidade em massa.”

Quem é a psicóloga com quem Samantha entrou em contato? Ela é conhecida por nós aqui no Brasil, é a Dra. Lucy Jonhstone. Ela esteve conosco, na FIOCRUZ,  durante o 4 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátrica.

“A psicóloga Samantha encontrada no Twitter foi Lucy Johnstone. Ela faz parte de um grupo unido de psiquiatras, psicólogos e pacientes britânicos que rejeitam a ideia de doença mental. Eles/elas argumentam que os diagnósticos são cientificamente inválidos e prejudiciais porque patologizam reações compreensíveis e sugerem falsamente a existência de soluções médicas. ‘Doença mental não é um conceito válido’, disse-me Johnstone – em vez disso, deveríamos estar falando de ‘sofrimento psíquico’. Ela argumenta que a linguagem medicalizada dos transtornos e sintomas cria uma falsa distância entre os sentimentos de uma pessoa e a causa de seu sofrimento, seja trauma, abuso, pobreza, ou mesmo expectativas culturais irrealistas.”

Para que você tenha um melhor entendimento do que Lucy Johnstone está dizendo, recomendo a leitura da manifestação oficial da Divisão Clínica da Sociedade Britânica de Psicologia, um documento de mais de 400 páginas, o Power Threat Meaning Framework (PTMF).  Esse documento está fortemente fundamentado em centenas e centenas de evidências científicas.

A abordagem do PTMF tem como background um modo muito particular que psicólogo(a)s e terepeutas do Reino Unido compreendem e abordam os problemas dos pacientes, que é conhecido como “Formulações“.  A “formulação” é entendida como um processo dinâmico que explora o significado e a importância do processo colaborativo e reflexivo entre o clínico e o(a) s paciente(s) na construção da narrativa sobre o sofrimento psíquico em questão, dando conta dos contextos relacionais e sociais. Chama a atenção, pelo que eu saiba, ser uma forma de abordar clinicamente o sofrimento psíquico que é desconhecida entre nós. O PTMF é apresentado de forma mais sucinta no livro de Lucy Johnstone em coatoria com Mary Boyle.

“[…] Depois de falarmos pela primeira vez no Zoom, ela [Lucy Jonhnstone] me enviou um link para um artigo relatando o aumento da doença mental entre aqueles que haviam perdido renda durante a pandemia.  O governo respondeu afirmando planos de investimento na saúde mental; o ponto de vista de Johnstone é que se deveria enfrentar o problema raiz – a pobreza, não a doença. Ela enfatiza que as pessoas em dificuldade merecem apoio – mas que as doenças mentais não existem da mesma forma que as físicas. ‘Se você diz a alguém, como um fato estabelecido, você tem transtorno bipolar, você tem esquizofrenia, você tem um transtorno de personalidade’, realmente, você está dizendo algo falso. E isso tem consequências para a identidade das pessoas, para a vida, para os seguros, para os relacionamentos. Essa é a maior crise do nosso tempo, em alguns aspectos’ “.

A matéria da jornalista prossegue lembrando o quanto o Reino Unido é uma sociedade que em muitos aspectos é pioneira internacional em saúde mental: tem uma comunidade ativa de sobreviventes (uma rede de pacientes atuais e antigos), uma história de pensamento radical e um sistema de saúde que é receptivo a abordagens não-médicas. E o SUS? É ele receptivo a abordagens não-médicas no campo da saúde mental? Como?

Lá também há como ela diz “uma amarga guerra cultural – entre aqueles que querem abandonar o modelo da doença psiquiátrica e aqueles que usam de todos os meios para conservar esse modelo de abordagem do sofrimento psíquico.” Lembra que a mídia social tem dado aos usuários uma voz proeminente.

Ela lembra que há hoje uma forte polarização: de um lado os que acusam a quem questiona o modelo biomédico da psiquiatria de colocar os pacientes em risco; por outro lado os que acusam os partidários do modelo biomédico de estarem envolvidos em uma falsa ciência e de intimidarem os seus críticos. Muitos foram os que a aconselharam não fazer a matéria jornalística, porque ela estaria mexendo em um vespeiro. Abro um parêntesis para dize que eu como editor do Mad in Brasil sei bem o que é isso!

“[…] Fizemos progressos decepcionantes ao buscar descobrir a base neurobiológica para muitas doenças mentais [afirma a jornalista]. Encontramos explicações para doenças degenerativas como Alzheimer ou Parkinson; mas nenhum exame médico pode confirmar uma condição como depressão ou esquizofrenia. Em vez disso, os psiquiatras frequentemente fazem o que seus pacientes lhes dizem, ou o que eles observam. Eles fazem diagnósticos com referência ao Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, agora em sua quinta edição (DSM-5), ou a um manual similar compilado pela Organização Mundial da Saúde, que ambos agrupam os transtornos de acordo com grupos de sintomas. Os livros são deliberadamente neutros sobre as causas dos transtornos.

” ‘Quando usamos a palavra ‘diagnóstico’, as pessoas imaginam que você está identificando uma causa’, disse-me o psiquiatra Sami Timimi. Timimi é membro da Rede de Psiquiatria Crítica, que foi fundada em Bradford em 1999 e agora conta com cerca de 350 psiquiatras, a maioria dos quais estão no Reino Unido. Identificar uma causa nem sempre é o foco da medicina geral (por exemplo, uma condição como enxaqueca), mas muitas vezes é o objetivo: é por isso que você pode sentir alívio, ao apresentar dor no peito, saber que você está sofrendo de refluxo gástrico em vez de um ataque cardíaco. ‘Mas em psiquiatria, o diagnóstico é apenas um termo descritivo. E é um termo descritivo ruim. Portanto, acho que não podemos fazer nenhum progresso até nos livrarmos do termo diagnóstico’ , disse Timimi.

[…] O fator mais complicado a considerar é o que se sente ao ser informado de que se tem um transtorno mental. Como diz Timimi: ‘O objeto de estudo, que é a mente, não é o mesmo que o objeto de estudo quando se trata de um rim’. O rim não se preocupa com o futuro. O rim não vai me abandonar se eu ler um conjunto de resultados renais’. Ele observou que o uso da linguagem pelos psiquiatras pode ter um enorme impacto na autopercepção de uma pessoa: há uma grande diferença, por exemplo, entre ser-lhe dito que você é ambicioso e ser-lhe dito que você está sofrendo de ilusões de grandeza”.

A jornalista chama a atenção para as diferenças da contestação ao modelo biomédico da psiquiatria feita nos anos 60 e 70 do século passado com o que vem após os anos 1980. Reconhecer essa distinção é muito importante para nós brasileiros, se olharmos para uma parte significativa da literatura dominante que circula entre nós a respeito da reforma psiquiátrica.

A referência dominante entre nós têm sido as lutas por reforma psiquiátrica dos anos antes do DSM-III e da explosão do mercado de psicofármacos. Laing, Cooper, Basaglia, senão o filósofo M. Foucault, eles que não foram contemporâneos da reforma psiquiátrica oficial.

“[…] O modelo da doença psiquiátrica nunca foi incontestável, mas a influência dos movimentos críticos tem flutuado. Os antipsiquiatras dos anos 60 e 70 desenvolveram suas ideias em oposição à natureza opressiva da psiquiatria de então, com seus terríveis asilos. A partir dos anos 80, mais abordagens biológicas se tornaram ressurgentes. Uma nova geração de antidepressivos como o Prozac despertou esperanças de uma ‘cura química’; o Congresso dos EUA declarou a década de 1990 como a ‘Década do Cérebro’, investindo bilhões em pesquisas destinadas a resolver as doenças mentais.

“Os críticos de hoje apontam para o fracasso desta pesquisa e para a forma como as sucessivas edições do DSM continuam ampliando o escopo do diagnóstico. O argumento contra a doença mental é também um argumento contra o crepúsculo da missão da psiquiatria: outrora, apenas os mais desesperados eram vistos como sendo doentes mentais, mas se, como relata a ONG Mind, um em cada quatro britânicos experimenta um problema de saúde mental em um ano, será que agora estamos caracterizando mal os desafios da vida?”

A matéria fala da experiência piloto com o Diálogo Aberto que vem sendo patrocinada pelo próprio National Health System (NHS), o equivalente britânico do SUS. Eis algo para o futuro próximo, que o SUS patrocine experiências como a do Diálogo Aberto.

“[…]Os princípios são simples: a pessoa em crise, aquelas próximas a ela e um pequeno grupo de pessoal de apoio trabalham juntos para resolver o problema. O pessoal não discute os pacientes em sua ausência. E nas reuniões todas as perspectivas têm o mesmo peso. Pesquisas na Finlândia sugeriram que as pessoas apoiadas desta forma passam significativamente menos tempo no hospital, requerem menos medicação e têm menos probabilidade de recaída.”

Quanto ao uso de medicação. A matéria lembra, o que diz a psiquiatra britânica Joanna Moncrieff.  As drogas psiquiátricas podem ser usadas, não como medicamentos que tratam supostamente de algum transtorno psiquiátrico, mas sempre como substâncias psicoativas que podem funcionar para aliviar temporariamente o sofrimento.

“[…] Nisto, Johnstone é influenciada pela psiquiatra britânica Joanna Moncrieff, que é fortemente crítica da forma como os psicofármacos têm sido pesquisados e vendidos. Ela acredita que devemos pensar nos psicofármacos não como ‘tratamentos’, mas como substâncias embotadoras que podem ter efeitos úteis (como a melhoria do sono) a exemplo das substâncias nocivas. Neste sentido, os psicofármacos estão mais próximos de uma droga como o álcool: algumas bebidas podem aliviar a sua ansiedade social, mas com um custo. “

Sabemos que a questão da medicação psiquiátrica é um dos componentes mais controversos do atual modelo biomédico de tratamento psiquiátrico. Sophie McBain entrevistou a psicóloga american Nev Jones. O MIB  tem um artigo recentemente objeto de nossa resenha do que Nev Jones vem produzindo. Mas retornemos à matéria:

“A medicação continua a ser uma área litigiosa. A psicóloga americana Nev Jones observou que, dentro das comunidades ativistas, a ‘armadilha’ não é incomum. Jones, que está baseada na Universidade de Pittsburgh, sofreu psicose há mais de uma década quando se encontrava no final dos seus vinte anos e estudava para um doutoramento em filosofia, tendo-lhe sido diagnosticada a esquizofrenia. Levou anos para se recuperar, mas quando o fez, Jones decidiu dedicar a sua carreira ao estudo da psicose. Os profissionais de saúde mental não pareciam compreender a sua diversidade e estranheza, pensou ela, e eles presumem que o mesmo tratamento irá funcionar para todos.

“Quando falámos no Zoom, perguntei a Jones o que a tinha ajudado na sua recuperação. Ela não hesitou: ‘empowerment’ [empoderamento]. A pior parte de ficar doente tinha sido tornar-se uma doente psiquiátrica. ‘O problema não era: Você tem esquizofrenia, ou tem psicose … O mais profundo era perder todo o sentido na minha vida, todo o valor social. E a coisa que curava era poder entrar em conversas como um igual’.”

“Não foi a primeira experiência de esquizofrenia de Jones. Um parente também tinha sido diagnosticado com ela, e durante grande parte de sua vida foi incapaz de se comunicar. Jones ficou indignada porque aqueles críticos do diagnóstico e da medicação não consideravam os casos mais difíceis de resolver. ‘É preciso reconhecer que existe aqui um componente biológico. Estes pacientes não estão produzindo a extrema desorganização e associação que os psiquiatras descreveriam como as marcas de um distúrbio do pensamento realmente grave””.

O papel do biológico continua sendo problemático, disso todos nós sabemos. Negar pura e simplesmente o biológico é negar que as experiências traumáticas, por exemplo, literalmente remodelam tanto o corpo quanto o cérebro, comprometendo as capacidades de quem as sofre para o prazer, interações intersubjetivas, auto-contole e a confiança. Porém, uma coisa é afirmar que esse ou aquele transtorno psiquiátrico seja causado por um desequilíbrio químico no cérebro, outra coisa bem distinta é que as experiências de vida afetam positiva ou negativamente no cérebro e no corpo como um todo.

A respeito, recomendo a leitura de um livro que já figurou meses entre os bestseller do New York Times, The Body Keeps the Score [O Corpo Conserva as Marcas]. Como o subtítulo do livro diz: Cérebro, Mente e Corpo na Cura do Trauma. Considero que esse livro é da maior importância, é uma pena que não o tenhamos em português.

Por isso é que tratamentos como neurofeedback, meditação, esportes, artes, yoga, bem como psicoterapias que trabalham com as emoções e sua corporificação, para dar alguns exemplos, que são caminhos para recuperação – com forte base em evidências científicas -, ao ativarem a neuroplasticidade natural do cérebro.

As nossas experiências, muito em particular as primeiras, moldam as nossas vidas, enquanto corpo, mente e espírito, sabemos disso pelo menos desde Freud.

Como é muito bem é narrado pela famosa Ophra Winfrey, apresentando as suas experiências traumáticas na infância, e como elas impactaram todo o seu ser. Recomendo o seu livro em coautoria com o psiquiatra Bruce D Perry.

Mas voltemos à matéria jornalística em tela:

“Muitos psiquiatras concordam que é errado concluir que a biologia nunca é a causa subjacente da doença mental. Mas talvez o que causa mais dano seja quando um profissional impõe a sua visão de mundo a um paciente. Alguns ativistas me disseram [Sophe MacBain] que achavam que a psiquiatria crítica negligenciava (e até mesmo promovia) as pessoas que achavam útil um diagnóstico e tratamento médico; alguns acham que os debates acadêmicos ignoram as grandes questões enfrentadas por aqueles em crise – discriminação, pobreza, a luta para ter acesso a qualquer tipo de cuidado. Alguns psiquiatras já dizem que irão perguntar a seus pacientes se consideram útil um diagnóstico e seguir as suas orientações. O que parece ser uma questão científica – uma investigação sobre a natureza da doença – pode, em última análise, ser mais sobre o poder.”

Retornando ao papel do PTMF para a Samantha, ela com quem foi iniciada a matéria do The New Stateman. Como reconstruir uma narrativa que dê sentido ao que Samantha e os pacientes em geral sofrem? Como explorar os recursos disponíveis nas redes de interações sociais?

O PTMF é um exemplo para todos nós. Relembrando que não se trata de um discurso ideológico, do tipo de algo em moda atualmente entre nós: “ser contra a medicalização da vida”.  Abordar o sofrimento psíquico, tendo compromisso com as “evidências cientificas” é da maior importância. O PTMF tem esse compromisso com as “evidências”; não se trata em hipótese alguma de mais um discuros ideológico.

“[…] Logo após a publicação do Power Threat Meaning Framework, Samantha decidiu aplicá-lo a sua própria vida. Foi a primeira vez que ela foi levada a contar a sua própria história. Ela escreveu sobre o abuso que sofreu e como ela havia formado ‘uma relação subserviente com um sistema psiquiátrico controlador a fim de ter acesso a apoio’. Uma das perguntas do PTMF era: ‘O que é que ela tem?’ ‘Quais são seus pontos fortes?’ Ninguém lhe havia perguntado isso. Ela escreveu sobre sua ‘inteligência e resiliência’, e sobre a sua ‘bela família’.

“Quando falávamos, o neto de Samantha estava frequentemente com ela. Ele nasceu em 2010, e ela se lembra que a sua filha o entregou a ela quando ele tinha apenas três dias de idade. ‘Porque meus filhos tinham sido levados, eu tinha pavor de me apegar a qualquer um ou a qualquer coisa. Mas ele apenas olhou para mim e deu este pequeno ‘yap’ e foi isso’. Ele a ensinou a amar.

“Samantha não acredita mais no diagnóstico e rejeita a idéia de que ela tem o transtorno de estresse pós-traumático; o trauma a havia afetado profundamente, ela reconheceu, mas também as suas experiências de desigualdade.

“[…] Clinicamente vulnerável, Samantha raramente saiu de casa nos primeiros 18 meses da pandemia, e quando o fez, muitas vezes se sentiu ansiosa. Ela ainda fala freqüentemente com a sua terapeuta, mas agora elas usam uma linguagem diferente. ‘Eu não tenho sintomas’, disse-me ela. ‘Sou uma pessoa normal que está respondendo e reagindo de forma compreensível. Isso me faz sentir humano novamente'”.

Como editor do Mad in Brasil, eu recebo alguns relatos de experiências de vida de pessoas a mostrar como sobreviver ao modelo biomédico da psiquiatria. Infelizmente, quando se pede para que coloque a sua experiência para o conhecimento do público, a reação é em geral o medo de se expor.

Com certeza que há muitas e muitas experiências dos profissionais em saúde mental, em particular no SUS, que são alternativas ao modelo biomédico da psiquiatria.

A esperança minha é que futuramente apareçam usuários e ex-usuários/sobreviventes organizados, que ajudem a se construir novas condições estruturais para a assistência em saúde mental.

Quem sabe? A palavra de ordem deixe de ser “reforma psiquiátrica” e passe a ser “reforma da assistência em saúde mental”!

Para isso, “placas teutônicas” terão que ser mexidas. Há muitos interesses em jogo para a manutenção do “status quo”.

Que os que hoje são oprimidos pelo sistema criado se rebelem e passem a ter voz ativa.  Como a experiência dos que organizaram o suporte entre pares no Inner Compass Initiative ou Surviving Antidepressants.  A ciência, atualmente, cada vez mais busca dar conta do know-how dos usuários, como vemos mostrando aqui no Mad in Brasil.

Vem aí a Conferência Nacional de Saúde Mental. Uma ocasião muito importante para o debate e tomada de decisões. Algumas questões:

  • A Conferência Nacional de Saúde Mental irá enfrentar, de fato, o que é o “modelo biomédico” da psiquiatria entre nós? Como ele está institucionalizado?
  • Estarão os médicos/psiquiatras abertos a perder o seu atual “status quo”?
  • Estarão os usuários dispostos a mudar a sua condição de consumidores do modelo biomédico?
  • Que forças políticas contamos hoje para influir positivamente nesse debate?

É isso aí!!

……

Não deixe de ler o artigo da jornalista Sophie McBain.

Confira a matéria na íntegra →

O sentido na psicose: o antipsiquiatra RD Laing descreveu a loucura como um ajuste racional ao mundo. Foto de Ben Martin/Getty Images

 

 

 

 

Desigualdades Impulsionam a Depressão Estudantil Universitária Internacionalmente

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A pandemia exacerbou a prevalência e a gravidade dos sintomas da depressão em estudantes que frequentam instituições de ensino superior (IES). Para investigar como as mudanças nas expectativas sociais, financeiras, políticas e acadêmicas afetam os estudantes, Sarah Van de Velde e seus colegas estudaram fatores que afetam os sintomas da depressão em estudantes universitários de vários países.

Naturalmente, é incrivelmente comum que os estudantes lidassem com a depressão mesmo antes de a pandemia entrar em ação. Os estudantes que frequentam as IES são empurrados para novos ambientes sociais e experimentam expectativas diferentes, muitas vezes com menos envolvimento dos pais e novos arranjos de vida. Mas então, a pandemia da COVID-19 levou a uma grande mudança para os estudantes – decidir entre o aprendizado remoto, ficar sozinho em um quarto, despedir-se dos amigos, ou não poder voltar para casa quando vivem em casas estudantis, pois eles protegem os entes queridos da exposição potencial.

“A vulnerabilidade dos estudantes a problemas de saúde mental pode ter aumentado adicionalmente durante a pandemia da COVID-19 à medida que os estudantes foram confrontados com medidas governamentais de bloqueio, além das medidas implementadas por sua IES”, escrevem os autores. “Estas medidas levaram a uma reorganização completa do ensino superior, incluindo a conversão de aulas presenciais em aulas on-line, o cancelamento parcial ou total de estágios, de trabalhos nos laboratório e de campo, bem como a adaptação dos métodos de avaliação às medidas de proteção da COVID-19”.

Van de Velde e uma equipe de pesquisadores construída com base em estudos anteriores que apontavam para a vulnerabilidade dos estudantes que frequentavam IES antes e durante a pandemia, comparando a saúde mental dos estudantes entre países através do COVID-19 Estudo do Bem-estar do Estudante Internacional (C19 ISWS). O C19 ISWS foi uma pesquisa realizada em 2020 que viu 99.689 estudantes respondentes de 125 IES em 26 países diferentes.

O que diferencia o último estudo dos anteriores é a discriminação das razões pelas quais os estudantes podem estar deprimidos, chegando ao porquê de sua saúde mental. Isto incluiu fatores socioeconômicos e sociodemográficos como idade, sexo, nível de educação de seus pais, grau de apoio social e sua “origem migrante” (não ser imigrante ou ser de primeira ou segunda geração). Além disso, os pesquisadores controlaram se os estudantes tinham ou não COVID-19 anteriormente ou no momento da realização da pesquisa, para evitar que os resultados fossem completamente distorcidos simplesmente pelo fato de os entrevistados estarem ou não doentes.

O estresse relacionado à COVID-19 também foi contabilizado. Os estudantes foram questionados sobre mudanças na carga de trabalho e pedagogia, expectativas percebidas, preocupação com seu sucesso e satisfação com as reações e apoio de suas instituições. Afinal, ficar doente é/foi apenas uma peça do quebra-cabeça para os estudantes que frequentam a IES – os alunos podem estar pensando em seu futuro em conjunto com o futuro do mundo, especialmente porque a COVID-19 trouxe uma transformação contínua para todos, sem mencionar a perda de entes queridos devido à doença. Dito isto, a pandemia não foi a única força de mudança durante a C19 ISWS. Os pesquisadores apontam a Turquia, o país com o maior nível médio de sintomas depressivos, como um exemplo:

“Por exemplo, na Turquia, onde encontramos os maiores níveis de sintomas depressivos, os estudantes já eram confrontados com as instabilidades políticas existentes e condições econômicas em declínio. Entretanto, a Turquia também estava entre os países onde o governo forneceu a menor ajuda financeira a seus cidadãos durante o período da COVID-19, resultando em um dos mais fortes aumentos nas taxas de desemprego juvenil na Europa. Além disso, as decisões do governo turco quanto ao fechamento do ensino superior foram pouco claras e instáveis, o que pode ter reforçado o sentimento de incerteza entre os estudantes”.

Os países com os mais altos níveis médios de sintomas depressivos foram a Turquia, África do Sul, Espanha, EUA e Reino Unido, nessa ordem. Por outro lado, estudantes dos países nórdicos (Islândia, Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia) e Françarelataram os menores níveis médios de sintomas depressivos.

Mulheres, estudantes com menos de 26 anos de idade, estudantes com histórico migratório e estudantes com maior carga financeira tinham maior probabilidade de relatar sintomas depressivos. Os autores apontam então a consistência com que sintomas depressivos foram encontrados em estudantes antes e durante a pandemia da COVID-19, tanto dentro de grupos socioeconômicos e sociodemográficos como em diferentes países.

“Nosso estudo também confirma a relação entre estresse financeiro e sintomas depressivos como amplamente demonstrado nas populações geral e estudantil. Isto exige atenção às repercussões da COVID-19 e às medidas políticas associadas sobre a situação financeira dos estudantes a médio e longo prazo, particularmente em países com um desequilíbrio pronunciado entre os custos do ensino superior e a capacidade dos estudantes de arcar com o crescente endividamento”.

Após tanta agitação e transformação, os estudantes ainda estão sentindo sintomas depressivos pelas mesmas razões que sentiam antes do início da pandemia. A COVID-19 tem levado a saúde mental de mal a pior para muitos estudantes que frequentam as IES, mas não é apenas a culpa por seus sintomas. O problema é que os estudantes podem estar se perguntando se estarão ou não bem, não apenas no contexto da pandemia, mas no grande esquema de coisas como suas IES e até mesmo seus países atrapalham as respostas de segurança e os esforços para coordenar o apoio a algumas de suas populações mais vulneráveis. Os efeitos secundários da pandemia: o isolamento, o duro estresse financeiro, o grande desconhecimento de seu futuro, em um mundo alterado pela COVID-19, podem continuar a provocar sintomas depressivos na população estudantil.

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Van de Velde, S., Buffel, V., Van der Heijde, C., Çoksan, S., Bracke, P., Abel, T., Busse, H., Zeeb, H., Rabiee, F., Stathopoulou, T., Van Hal, G., Ladner, J., Tavolacci, M.-P., Tholen, R., & Wouters, E. (2021). Depressive symptoms in higher education students during the first wave of the COVID-19 pandemic. An examination of the association with various social risk factors across multiple high- and middle-income countries. SSM – Population Health, 16, 100936. https://doi.org/10.1016/j.ssmph.2021.100936 (Link)

Como fazer justiça à loucura na Filosofia?

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Em um artigo dado à série de Webinars de Filosofia da Psiquiatria da Universidade de Quebec Montreal em janeiro, a professora Nev Jones explica os aspectos políticos das abordagens filosóficas tradicionais da loucura e apela para um ajuste de contas ético com a abordagem dominante. Para Jones, a psicose é mais do que um objeto de teorização abstrata: é uma questão de experiência vivida significativa.

Ela argumenta que a psicose “nunca poderia ser divorciada dos vetores estruturais da pobreza, do encarceramento e de vários esquemas de bem-estar neoliberal, mas que sempre esteve intimamente ligada a eles”.

No entanto, incursões recentes no estudo da psicopatologia ou psiquiatria fenomenológica continuam a retratar os loucos como afetados por uma “moralidade deficiente” ou mesmo por uma “idiotice moral”. Embora talvez surpreendente no século XXI, esta abordagem da loucura certamente não é uma anomalia histórica.

Como Jones observa, tais “afirmações a respeito da moralidade diferente, alternativa ou prejudicada e da orientação existencial das pessoas com deficiência” têm sido, por pelo menos dois séculos, centrais às construções coloniais de raça e “nativos”, que por sua vez foram usadas para justificar inovações europeias como o genocídio colonial e o tráfico transatlântico de escravos (e, mais tarde, a eugenia americana, que influenciou significativamente os nazistas).

Há algo na relação entre loucura e filosofia que explica esta história contemporânea? Baseando-se no trabalho do filósofo desconstrucionista francês Jacques Derrida, Jones argumenta que “quando se trata de psicose mais especialmente, a posição da loucura como não somente uma outra, tanto a outra razão constitutiva ou logotipo”.

Relativamente, vemos na história da filosofia e da psicopatologia fenomenológica uma fetichização da psicose. As condições favoráveis desta abordagem do exótico e excludente da loucura (como outra e como um fetiche) certamente têm algo a ver com o problema de demografia da filosofia acadêmica ocidental, sua abordagem totalizante da verdade e do conhecimento e seu impulso animador para o domínio do desconhecido.

De fato, Jones escreve, numa tentativa de dominar o desconhecido, a prática da psiquiatria fenomenológica frequentemente resulta na “exclusão e subjugação dos próprios indivíduos com as experiências em questão, com exceção, é claro, dos informantes despojados de uma agência epistêmica que só pode pertencer verdadeiramente ao fenomenólogo treinado, com sua distância do assunto, com suas reivindicações particulares à … verdade”.

Tudo isso resulta em uma tradição de estudar a loucura e o louco “sem nunca pensar em [nós] como pessoas”. E, como vimos ao longo da história da psiquiatria – por exemplo, em condições brutais de institucionalização, experimentação médica e esterilização – a psicose fetichista se torna “uma condição e forma de desumanização adicional”.

Como conclui Jones:

“Quando se trata de subjugar historicamente os outros, os riscos morais são, é desnecessário dizer, sempre altos. Mas, no contexto da psiquiatria, eu daria este passo adiante e, como diz a expressão idiomática, chamaria isso de tempo não apenas para uma maior consciência do que está em jogo, mas para um maior acerto moral. E isso não acontecerá sem uma mudança real – estrutural e institucional, assim como individual”.

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Jones, N. (2022). “To do justice to madness: orienting to the politics of phenomenological psychopathology.” Unpublished paper presented at the UQAM Philosophy of Psychiatry Webinar Series. (Link)

Navegar no significado da psicose é importante para a recuperação

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Um artigo recente publicado na revista Psychosis procurou entender como o senso de autoestima das pessoas é afetado após a experiência do primeiro episódio de psicose. Os resultados do estudo qualitativo lançam luz sobre a possibilidade de crescimento pós-traumático, destacam os limites das atuais estruturas explicativas da psicose e apontam para abordagens de tratamento que apoiam a recuperação.

“A psicose pode afetar a identidade de forma fundamental”, aponta Phoebe Friesen, a principal autora do estudo e professora de Ética Biomédica na Universidade McGill. “Cada vez mais estão inscritos em serviços de intervenção precoce aqueles que sofrem de psicose pela primeira vez. Procuramos explorar como as pessoas inscritas em tais serviços sentiram que a sua identidade foi impactada por sua experiência de psicose”.

Como a identidade de alguém muda durante e após a experiência da psicose? Ainda se pode ser o mesmo após a experiência da psicose? A relação entre identidade e a experiência da psicose levanta questões filosóficas com implicações no mundo real para a prática clínica e o tratamento da saúde mental.

Serviços de intervenção precoce, tais como tratamentos de primeiro episódio de psicose e abordagens a pessoas em alto risco clínico de psicose, oferecem cuidados especializados para pessoas que experimentam psicose e sintomas de psicose pela primeira vez. Estes serviços estão recebendo mais reconhecimento e frequentemente se concentram em metas pessoais, recuperação e manutenção dos papéis que as pessoas desempenham em sua família, na escola ou no trabalho. Embora existam muitos entendimentos diferentes sobre a causa da psicose, a exploração da identidade com pessoas que sofrem de psicose é muitas vezes essencial para o tratamento.

“A relação entre identidade e psicose pode ser particularmente pronunciada durante experiências de primeiro episódio de psicose”, observam os autores. “Enquanto a maioria das pesquisas examinando a associação entre psicose e identidade tem se concentrado em indivíduos com um diagnóstico de esquizofrenia a longo prazo, alguns poucos estudos têm investigado as experiências das pessoas inscritas em um serviço de intervenção precoce”.

“À medida que nos afastamos de um sistema de cuidados no qual o diagnóstico de esquizofrenia é recebido como ‘um prognóstico de desgraça’ e em direção a um em que aqueles que experimentaram psicoses são encorajados a continuar estabelecendo metas e se engajando em atividades de significado pessoal, as identidades dos inscritos em serviços de intervenção precoce provavelmente serão significativamente afetadas”.

Como o senso de identidade das pessoas é frequentemente afetado pela experiência da psicose, como as identidades das pessoas mudam e como elas dão sentido a essas mudanças precisam ser estudadas. Uma maneira de entender as diferenças de identidade após a psicose do primeiro episódio é através do conceito de crescimento pós-traumático.

O crescimento pós-traumático é caracterizado por pessoas que fazem mudanças positivas após uma experiência de trauma ou tragédia significativa. Através do crescimento pós-traumático, as pessoas podem adquirir novos conhecimentos sobre si mesmas, ver suas vidas de forma diferente, desenvolver novos valores e adaptar novas estratégias para uma vida melhor.

Os autores destacam duas respostas comuns às mudanças que as pessoas experimentam após um episódio de psicose: integração e negação. As pessoas que adotam uma abordagem de integração tendem a acreditar que as suas experiências psicóticas são significativas e tentam entender como suas experiências se encaixam em suas vidas. Por outro lado, as pessoas que adotam o estilo de negação tendem a colocar as suas experiências psicóticas no passado para que possam voltar à sua vida exatamente como antes.

Embora alguns estudos sugiram que o estilo de integração da recuperação tem resultados mais positivos em termos de seus sintomas e qualidade de vida do que o estilo negação, são necessários mais estudos.

Para contribuir para este conjunto crescente de literatura, os pesquisadores realizaram entrevistas aprofundadas com vários indivíduos inscritos nos serviços de intervenção precoce em Nova York “para entender melhor como suas identidades foram afetadas por suas experiências de psicose”.

Os pesquisadores conduziram entrevistas semiestruturadas com dez pessoas com diversidade étnica inscritas nos serviços de intervenção precoce por pelo menos seis meses. Eles foram questionados sobre suas experiências de psicose, identidade e bem-estar.

Foram identificados quatro temas a partir da análise: (1) identidade durante e após a psicose, (2) psicose e significado, (3) conciliando experiências com explicações, e (4) mudanças positivas de identidade após a psicose. Cada tema também incluiu quatro subtemas (sublinhados abaixo).

Com base nestes temas, o estudo discutiu ainda os estilos de recuperação das pessoas, as estruturas explicativas e o crescimento pós-traumático.

Para o tema “identidade durante e após a psicose”, muitos participantes relataram ter uma identidade diferente durante a psicose, mas alguns relataram continuidade de identidade durante a psicose. Um participante sentiu que tinha que esconder quem era enquanto vivia a psicose. Além disso, muitos participantes mencionaram que parte de si mesmos estava faltando após a psicose.

Para o tema “psicose e significado”, como esperado, os participantes responderam ou caracterizando sua psicose como significativa ou sua psicose como sem sentido. Muitos acreditavam que tinham ganho mais autoconhecimento, enquanto alguns ainda estavam lutando para entender as experiências de psicose. Os autores explicam:

“Alguns participantes descreveram a psicose como ‘crucial’ para sua autocompreensão ou como ajudando-os a reconhecer um trauma que carregavam com eles há muito tempo. Outros descreveram a psicose como um tempo em que “eu me deixei e depois voltei” ou como algo que “adiou” a sua identidade, mas que não os havia mudado. Estas diferenças são semelhantes à distinção entre integrar e vedar”.

Entretanto, como as experiências de psicose são frequentemente complexas, os autores sugeriram um estilo de recuperação mista, combinando tanto a integração quanto a negação sobre os estilos. Além disso, o autor principal propôs o uso de narrativas pessoais e o desenvolvimento de uma explicação pessoalmente significativa da própria experiência para a recuperação a partir do primeiro episódio de psicose.

Para o tema “conciliar experiências com explicação”, os participantes tiveram uma variedade de respostas. Por exemplo, alguns participantes questionaram se tinham experimentado psicose, alguns apreciaram a explicação médica da psicose e alguns negociaram a sua própria compreensão da psicose entre as suas experiências e as explicações que lhes eram oferecidas. Além disso, alguns participantes enfatizaram que o diagnóstico de psicose não os definiu.

“Muitos usaram múltiplas estruturas explicativas para compreender as suas experiências, descrevendo a psicose como ‘uma reação química em meu cérebro’, mas também ‘crucial’ para sua auto-entendimento”, escrevem os autores. “Os participantes também se engajaram na bricolagem, utilizando uma variedade de estruturas explicativas, tais como estruturas biomédicas, espirituais e psicossociais, para descrever e compreender suas experiências de psicose”.

Para o tema “mudanças positivas de identidade após a psicose”, muitos participantes endossaram mudanças positivas em sua identidade, tais como maior maturidade, mais empatia e compaixão, e um maior senso de apreciação. Além disso, alguns relataram novos objetivos e prioridades na vida.

“Uma descoberta particularmente pronunciada foi a freqüência com que os participantes relataram mudanças positivas em sua identidade após a psicose. Isto se alinha com um corpo crescente de literatura documentando como as pessoas que experimentaram a psicose a veem como uma oportunidade de mudar e melhorar suas vidas, bem como a experiência de crescimento pós-traumático no contexto da recuperação do primeiro episódio de psicose”.

Os autores concluem:

“Entrevistas com indivíduos inscritos em um serviço de intervenção precoce revelaram que as identidades dos participantes foram impactadas por suas experiências de psicose de diversas maneiras… Alguns participantes pareciam assumir estilos de recuperação tanto de integração quanto de negação em resposta a sua experiência de psicose, enquanto os relatos da maioria dos participantes eram sugestivos de crescimento pós-traumático”.

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Friesen, P., Goldstein, J., & Dixon, L. (2021). A “blip in the road”: experiences of identity after a first episode of psychosis. Psychosis, 1-11. (Link)

Read Rejeita Defensores da ECT

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Em 2021, pesquisadores liderados por John Read publicaram um estudo constatando que as clínicas que aplicam ECT no Reino Unido não informaram seus resultados e operaram sem qualquer supervisão. Mais de um terço dos pacientes receberam ECT contra a sua vontade.

Em resposta, um breve comentário na Lancet Psychiatry argumentou que era “hora de reconhecer a boa pesquisa em terapia eletroconvulsiva” e acusaram Read et al. de serem tendenciosos contra o procedimento e criar estigma. Eles chamaram a ECT de “o mais eficaz dos tratamentos psiquiátricos”. Esse trabalho foi escrito por Tania Gergel, Robert Howard, Rebecca Lawrence, e Trudi Seneviratne. (Notavelmente, segundo Read, Robert Howard é consultor de uma das clínicas do ECT mencionadas no artigo anterior da Read).

Agora, Read junto com Christopher Harrop e Jim Geekie escreveram uma resposta publicada na Lancet Psychiatry. Tem o título “Time to acknowledge the bias of some electroconvulsive researchers and defenders” (É hora de reconhecer o preconceito de alguns pesquisadores e defensores eletroconvulsivos).

Sobre a alegação de Gergel de que a ECT é “o mais eficaz dos tratamentos psiquiátricos”, Read escreve:

“Na ausência de um único estudo, após 80 anos, mostrando superioridade ao placebo além do final do tratamento… Se a sua afirmação fosse verdadeira, o que diria isso sobre os outros tratamentos da psiquiatria”?

Read observa que a última vez que a ECT foi comparada a um tratamento com placebo foi em 1985. Desde então, todos os estudos do tratamento foram incapazes de controlar o efeito placebo e outros fatores de confusão.

Em outro estudo, Read e outros pesquisadores – incluindo o renomado pesquisador de Harvard Irving Kirsch – concluíram que “não há evidência de que o ECT seja eficaz para seu alvo demográfico – mulheres mais velhas, ou seu grupo alvo de diagnóstico – pessoas com depressão severa, ou para pessoas suicidas, pessoas que tentaram sem sucesso outros tratamentos primeiro, pacientes involuntários, ou adolescentes”.

Eles escreveram que a ECT “deve ser imediatamente suspensa até que uma série de estudos bem projetados, randomizados e controlados por placebo tenham investigado se realmente existem benefícios significativos contra os quais os riscos significativos comprovados podem ser ponderados”.

Eles argumentaram que o ECT precisava ser testado usando o padrão ouro dos estudos médicos, o ensaio aleatório e controlado.

No entanto, Read escreve, Gergel deixou escapar essa conclusão e acusou Read e seus coautores de aumentar o estigma em torno do ECT.

Read escreve que a evidência de Gergel para a segurança da ECT é enganosa. O estudo de Gergel cita um grande estudo observacional com mais de 100.000 participantes – constatou que 1 em 39 pacientes teve problemas cardíacos após o eletrocardiograma.

Gergel se refere a isto como evidência da segurança do procedimento, retirando meia citação do estudo: “Os grandes eventos cardíacos adversos após a terapia eletroconvulsiva são pouco frequentes”, deixando de fora os números reais.

Além disso, Read escreve: “Estamos igualmente preocupados com a persistente perda de memória relatada por 12% a 55% dos usuários, que é monitorada de forma inadequada por muitas clínicas de terapia eletroconvulsiva”.

Gergel não menciona essa descoberta.

O outro estudo citado por Gergel como evidência da segurança do procedimento é um estudo (novamente sem grupo de controle com placebo) que não encontrou diferença nas hospitalizações e mortes não suicidas entre a ECT e aqueles que recebem outros tratamentos. Esse estudo também encontrou uma leve redução nas mortes por suicídio para aqueles que receberam ECT-0,1% ao invés de 0,2%.

Entretanto, Read observa que outros estudos encontraram o efeito oposto e que a base de evidência é manchada por estudos extremamente antigos, enviesamentos em relatórios e metodologia, e falta de comparação após o término do tratamento.

Read observa que, ao invés de acolher a discussão científica em torno do teste de um procedimento controverso, “Gergel e colegas retratam os resultados da pesquisa que são contrários às suas opiniões como sendo de alguma forma estigmatizantes da terapia eletroconvulsiva”.

Em última análise, de acordo com Read, Gergel afirma erroneamente suas conclusões, cita a pesquisa e argumenta que um procedimento que não tem sido adequadamente testado desde 1985 – e que tem efeitos adversos preocupantes – é a melhor esperança da psiquiatria.

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Read, J., Harrop, C., & Geekie, J. (2022). Time to acknowledge the bias of some electroconvulsive therapy researchers and defenders. Lancet Psychiatry, 9(2), e9. https://doi.org/10.1016/S2215-0366(21)00506-X (Link)

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