O reconhecimento oficial de que os sintomas de abstinência dos antidepressivos são reais

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Graças aos esforços de campanha do Conselho de Psiquiatria Baseada em Evidências (Council for Evidence-based Psychiatry), o Royal College of Psychiatrists  – a principal organização profissional dos psiquiatrias do Reino Unido – mudou dramaticamente sua posição sobre a retirada de antidepressivos. Em uma grande reviravolta, eles pedem mudanças nas diretrizes do NICE (National Institute for Health and Care Excellence) e nos serviços de suporte à retirada de drogas psiquiátricas. Este desenvolvimento vem ganhando uma ampla cobertura da mídia, incluindo matérias como no The Times, Daily Mail e Guardian.

Um pequeno trecho da matéria do The Guardian:

“Um alívio ver diante de você, escrito em preto e branco, o que você sabe ser verdade há um longo tempo: neste caso, que os sintomas de abstinência de antidepressivos não estão todos na sua cabeça. Em uma mudança significativa de posição, o Royal College of Psychiatrists agora aceita que não prestou atenção suficiente aos pacientes que sofrem de sintomas graves de abstinência quando saem de antidepressivos.

Quando lhes são prescritos os medicamentos os pacientes devem ser avisados pelos médicos o quão difícil pode ser sair deles. Alguns passarão por isso durante anos. Eles terão tentado se afastar e ficaram tão alarmados com sintomas de abstinência – confundindo-os com o retorno dos sintomas de sua condição de saúde mental – que desistiram da luta. Eles agora passarão a ser aconselhados a usar um processo gradual de redução (…).”

 

 

 

 

 

Confira o que vem sendo publicado na imprensa britânica: Psychology TodayThe Times, Daily MailThe Herald, Guardian.

SAÚDE MENTAL: A CONVICÇÃO DE OSMAR TERRA E O ATAQUE DO FASCISMO EM VASSOURAS (RJ)

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O 3º Levantamento sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira foi uma extensa pesquisa, feita pela FIOCRUZ por ter ganhado processo de licitação, que envolveu 500 pesquisadores aplicando 16 mil entrevistas em mais de 100 municípios de todo o país. A pesquisa iniciou-se em 2014 e em 2017 foi enviado à Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), à época ligada ao Ministério da Saúde. Envolveu profissionais de diferentes áreas, dentre entrevistadores de campo, pesquisadores da área de epidemiologia e estatística, e “compreendeu as seguintes fases: planejamento, estruturação, logística, treinamento, coleta de dados, apuração, ponderação, calibração, tabulação, análise de dados, escrita de relatórios e tradução para outros idiomas”. Foram utilizados 7 milhões de reais de um total de 8 milhões disponibilizados pelo órgão financiador e a prestação de contas aconteceu em julho de 2018.

Portanto trata-se de uma pesquisa robusta e metodologicamente reconhecida pelos órgãos de controle do próprio Ministério da Saúde, mas nunca foi reconhecida pela SENAD, embora a direção da FIOCRUZ assegure que “o 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira cumpriu o proposto em edital, respeitando todo o rigor metodológico, científico e ético pertinentes a este tipo de estudo, produzindo informações de extrema importância para o país e a sociedade brasileira.”

Pois muito que bem, agora o ministro da Cidadania – onde a SENAD foi alojada, saindo do Ministério da Saúde – diz que não aceita o resultado da pesquisa da FIOCRUZ, por ter a “convicção” de que ela tem um “viés ideológico” para a liberação das drogas.

Temos diante da sociedade a convicção de um ministro proclamando a ignorância contra o resultado de uma pesquisa de um órgão competente e reconhecido, pelo motivo de que ele não concorda com os resultados da pesquisa. Dentre os resultados há a negativa de que existe uma epidemia de crack e a afirmação de que as drogas lícitas oneram muito mais que as drogas ilícitas o nosso sistema de saúde. Evidência, que para nós – que trabalhamos na área – a pesquisa só vem a confirmar.

O ministro Osmar Terra acaba de proclamar o reino da ignorância frente ao conhecimento científico. E já que o ministro, seguindo ao padrão ignorância desse governo, insiste em tentar esconder as evidências científicas, não há nada mais natural assistirmos, autorizados pelo fascismo reinante, os vereadores de Vassouras, cidade do Estado do Rio, destratarem os servidores do CAPS daquela cidade chamando-os de “vagabundos de esquerda”, proclamando não aceitar os dispositivos das residências terapêuticas e reafirmando o manicômio daquela cidade.

Embora todas as evidências científicas reconheçam a função dos dispositivos da Reforma Psiquiátrica em funcionamento há mais de 30 anos, o momento autoriza o ataque fascista e extemporâneo pela convicção fascista de que existe o “viés de esquerda” que eles vêm na diferença de entendimento da realidade. Ora, ser de esquerda é uma situação inaceitável para eles e em algum momento da sessão dos edis de Vassouras o orador conclama aos colegas a portarem fuzis (já que foram autorizados pela lei do Bolsonaro, mesmo que ainda não aprovada) para “dialogar” com a esquerda.

O ataque aos dispositivos da Reforma Psiquiátrica na cidade de Vassouras representa apenas o viés fascista que apareceu nas ruas na última manifestação a favor do autoritarismo (e não da reforma, como deturpou a mídia), um verdadeiro ataque ao conhecimento e à democracia.

Vivemos um momento muito perigoso. O fascismo se impõe pela força, não pelo diálogo. Não se iludam, só as ruas podem intimidar a canalha fascista. É necessária nossa reação política para defender a Reforma Psiquiátrica.

Neurocientistas tentam diagnosticar Leonardo Da Vinci com TDAH

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The statue of Leonardo da Vinci in front of the La Scala Theater, Milan.

Já se passaram 500 anos desde que Leonardo da Vinci morreu, em maio de 1519. Desde então, tem sido incomparável a fama daquele homem o mais renascentista. Produzindo algumas das pinturas mais famosas da tradição da arte ocidental – a Mona Lisa, a Última Ceia e o Homem Vitruviano, por exemplo – Da Vinci também foi um incansável inventor. Ele é conhecido por inventar paraquedas, tanques e helicópteros, séculos antes de esses dispositivos serem construídos. Muitas de suas invenções menos conhecidas, no entanto, tornaram-se comuns nos anos após a sua morte. Um cientista consumado, da Vinci fez descobertas em vários campos, e seus desenhos anatômicos foram reveladores para a época.

Agora, em um breve editorial na revista científica Brain, os neurocientistas Marco Catani e Paolo Mazzarello apresentam sua conjectura para animais de estimação: eles querem diagnosticar Da Vinci com TDAH. O artigo está escrito em um formato incomum para um periódico científico, sem as seções usuais que fornecem evidências para as alegações e justificando uma conclusão. No entanto, Catani e Mazzarello deixam clara a sua teoria:

“Sugerimos que a documentação histórica apoie as dificuldades de Leonardo com a procrastinação e o gerenciamento do tempo que são características do TDAH, uma condição que poderia explicar aspectos de seu temperamento e a forma estranha de seu gênio dissipativo”.

The statue of Leonardo da Vinci in front of the La Scala Theater, Milan.

Os autores não mencionam o que é considerado uma violação da ética na psiquiatria se fazer um diagnóstico sem encontrar o cliente – uma das razões pelas quais são desaprovados os diagnósticos de poltrona de presidentes e outras figuras públicas. Isso só pode ser mais sério se a pessoa em questão for apenas conhecida por meio de uma biografia póstuma e das palavras de outras pessoas de quinhentos anos atrás.

De uma maneira quase superficial, Catani e Mazzarello expõem seu caso. Leonardo estava continuamente pensando em coisas novas, fazendo descobertas e trabalhando em novas obras de arte. Seus patronos consideravam difícil controlá-lo. Quando ele lutava para pintar alguma coisa, ele desenvolvia materiais inteiramente novos para pintura – o que às vezes demorava demais. Ele lutou para ganhar dinheiro. Apesar de ter notas volumosas, lindamente ilustradas, ele raramente parecia se importar em publicar seu trabalho.

Assim é como os autores chegaram ao diagnóstico do TDAH. Eles não discutem teorias alternativas (como é o procedimento usual de diagnóstico diferencial na psiquiatria). Por exemplo, outro psiquiatra poderia desenvolver uma explicação diferente para o ininterrupto voo de ideias de Leonardo, a falta de sono e a capacidade de se concentrar intensamente em projetos: a hipomania. Novamente, para alguém morto por 500 anos, dos quais só temos biografias póstumas, é impossível fazer um diagnóstico, embora os autores não mencionem essa limitação.

Como o artigo não segue o formato padrão da literatura de pesquisa, não há seção de conclusão. No entanto, Catani e Mazzarello apresentam sua argumentação com a declaração final:

“Inegavelmente Leonardo realizou mais do que qualquer outro ser humano poderia sonhar em um tempo de vida, mas a gente se pergunta o que teria sido o impacto do seu trabalho na história se ele houvesse conseguido se aplicar de forma mais consistente à sua arte e eficaz para difundir as suas intuições e descobertas.”

De acordo com esses neurocientistas, parece que Leonardo poderia ter sido melhor se houvesse sido capaz de “se aplicar de maneira mais consistente”. Isto é, ele teria tido mais sucesso se pudesse se concentrar apenas em uma ou duas pinturas que seus patrocinadores queriam que ele fizesse, em vez de criar inovações de engenharia e fazer descobertas anatômicas enquanto também pintava obras lendárias como a Mona Lisa.

De acordo com Catani e Mazzarello, Leonardo também não conseguiu “divulgar efetivamente” todas as coisas que aprendeu. Presumivelmente, eles gostariam que ele tivesse gasto mais energia em publicar segundo a tradição acadêmica. É claro que Leonardo nunca se importou em publicar e divulgar seu trabalho. Era a alegria da descoberta e da arte que o motivava. É claro que Leonardo tomava notas copiosas e metódicas, altamente organizadas, muitas vezes em caligrafia codificada – mas os autores não mencionam isso.

Os autores também lamentam que Leonardo parecesse se importar mais com aprender, descobrir, fazer ciência e fazer arte do que com ganhar dinheiro. Eles escrevem que “há evidências de que Leonardo estava com pouco dinheiro e que era muito menos pago do que outros artistas de seu calibre”. Os autores apresentam isso como outro “sintoma” da doença mental de Leonardo.

Parece que Catani e Mazzarello desejam que Leonardo da Vinci – o mais renomado homem renascentista, cujo trabalho inspirou inúmeras gerações, que estava tão à frente de seu tempo ao inventar vários dispositivos que não poderiam sequer ser feitos até os anos 1900 – teria apenas que se acalmar e focalizar em tudo o que seus patrões da corte lhe pediram, e que ele poderia ter publicado e ganhado algum dinheiro. Talvez essa definição estreita de sucesso, contra a qual os autores medem a “normalidade” de Da Vinci, necessite ser interrogada.

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Catani, M. & Mazzarello, P. (2019). Leonardo da Vinci: a genius driven to distraction. Cérebro, awz131.https://doi.org/10.1093/brain/awz131 (Link)

Quem Ganha com a Nova Lei de Drogas são os Donos das Clínicas e Comunidades Terapêuticas

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A reportagem do jornal The Intercept Brasil, de Clarissa Levy e Thaís Ferraz, expõe as consequências da nova lei de drogas. Segundo a matéria, a nova lei fortalecerá as comunidades terapêuticas – em geral ligadas a grupos religiosos – e facilitará a internação involuntária dos dependentes químicos. Serão concedidos benefícios, como a possibilidade de dedução de 30% do Imposto de Renda em doações para essas comunidades, porém sem nem sequer determinar uma estrutura regulatória para esse tipo de clínica, mesmo com acusações de maus tratos contra algumas delas.

Leia a matéria na íntegra aqui → (link)

FDA aprova o uso da eletricidade no cérebro das crianças durante toda a noite

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Frente à nossa impotência para resistir a este último ataque aos direitos humanos feito às nossas crianças, totalmente vulneráveis e dependentes, promovido pela FDA, a psiquiatria, NAMI ( National Alliance on Mental Illness) e o big business, eu tive aquela terrível tipo de reação emocional de não saber se é para chorar ou para buscar um buraco na parede aonde se meter. É uma combinação de raiva e de pesar pelo ultraje enquanto pai, avô e terapeuta da infância e da adolescência já aposentado há um bom tempo.

A FDA acaba de aprovar a venda de um dispositivo elétrico chamado Monarch e TNS, fabricado pela empresa NeuroSigma de Los Angeles, para ser usado nos cérebros de crianças diagnosticadas com o chamado TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade).

O dispositivo Monarch eTNS tem o tamanho do seu celular, com um fio ligado a um eletrodo que fica preso na testa de uma criança de 7 a 12 anos, acima de suas sobrancelhas, durante toda a noite enquanto a eletricidade é liberada no nervo craniano do trigêmeo da criança e também ao seu vulnerável córtex pré-frontal – “ que envia sinais terapêuticos para as partes do cérebro que se acredita estarem envolvidas no TDAH ”, de acordo com o comunicado da FDA.

“Sinais terapêuticos”? É mesmo?

As “partes do cérebro que se acredita estarem envolvidas no TDAH”? É mesmo?

Meu deus, o distópico 1984 de Orwell ou o Admirável Mundo Novo de Huxley está agora aqui. Faça você mesmo a sua escolha.

Eu digo: FDA, você deve provar essas afirmações ultrajantes de pseudociência sobre exatamente como essa corrente elétrica aplicada diretamente afeta cientificamente os cérebros das crianças.

Quando eu comuniquei essa notícia para o meu amigo Dr. Peter Breggin, ele disse que eu precisava estar em seu programa da Rádio Pública (Public Radio Network) para ajudar a soar o alarme sobre esse pesadelo aprovado pela FDA e “falar sobre todas as atrocidades que cometemos com os nossos filhos.” O conteúdo dessa entrevista com o meu amigo Peter, em uma hora intensa, você encontra aqui.

Quando terminamos, Peter afirmou que, por causa dos efeitos colaterais relatados pela FDA, como dor de cabeça, fadiga, ranger dos dentes, sonolência, aumento do apetite e insônia, causados ​​pela imposição deste novo ataque elétrico psiquiátrico ao córtex pré-frontal do cérebro das crianças, “Eu concluí que, sob a cobertura da psiquiatria, nós estaremos infligindo em nosso filhos ‘mini-lobotomias’ de proporções epidêmicas”.

Contra a ECT e os medicamentos prejudiciais usados pela psiquiatria, ninguém lutou mais por décadas do que Peter. Por favor, veja os vastos recursos disponíveis em seu site breggin.com.

Desde o início dos anos 80, fui terapeuta trabalhando com crianças e adolescentes de 3 a 18 anos. Eu nunca diagnostiquei uma criança ou adolescente com o chamado TDAH, ou com o rótulo que muitas vezes vem em seguida, o chamado transtorno bipolar, no grande sistema de saúde mental do setor público, onde trabalhei por 28 anos – ou mesmo depois. (Veja meu artigo, “Will Psychiatry’s Harmful Treatment of Our Children Bring About Its Eventual Demise?”).

Eu nunca encaminhei nenhuma dessas crianças ou adolescentes para medicação psiquiátrica de qualquer tipo. (Veja ” “Why Parents Give Amphetamines and Other Risky Psychiatric Drugs to the Children They Love”).

Assim, quando os pais assustados vêm até a mim dizendo que os professores sobrecarregados estão exigindo que seu filho seja visto por um médico e avaliado para TDAH, e então que sejam colocados em estimulantes baseados em anfetaminas como Ritalina e Adderal, eu vou à escola com os pais para convencer os professores e o diretor de que os recursos psicossociais, como a terapia familiar e individual, poderiam ajudar a aliviar o comportamento inquieto e muito ativo da criança que estava perturbando o professor no ambiente caótico de sala de aula, muitas vezes superlotado e superestimulante. Eu também gostaria de obter apoio dos pais de grupos progressistas, não grupos de pais do NAMI – que não são confiáveis e promovem o modelo de doença psiquiátrica.

Além disso, quando os pais vêm até mim e dizem que o psiquiatra infantil a quem acabaram de levar seu filho para ver para uma avaliação do TDAH, que depois de cinco minutos abriu a gaveta da mesa e depois e macabramente tirou um modelo de plástico do cérebro de uma criança e disse: “Aqui é onde há um problema de TDAH com seu cérebro que a medicação que eu vou te dar hoje vai consertar”, eu contesto veementemente. Quando ouvi recentemente essa terrível história de um dos pais, pedi novamente que iniciassem a terapia familiar e infantil e que comparecessem aos grupos de apoio dos pais para ajudar a evitar que a medicação baseada na anfetamina fosse prescrita para o filho.

Os chamados “efeitos colaterais” prejudiciais das drogas estimulantes à base de anfetaminas que Peter Breggin documentou tão completamente são realmente os efeitos reais das drogas.

Mas o mesmo acontece com os chamados efeitos colaterais relatados no novo dispositivo de tratamento doméstico do cérebro elétrico da Monarch. Mais uma vez, esses efeitos reais inaceitáveis ​​são “sonolência, aumento do apetite, dificuldade em dormir, ranger dos dentes, dor de cabeça e fadiga ”.

A FDA também surpreendentemente declarou sobre o dispositivo Monarch eTNS: “Nenhum evento adverso grave foi associado ao uso do dispositivo.” O que eles querem dizer com “eventos adversos sérios” se os terríveis efeitos das correntes elétricas enviadas ao cérebro, listados acima, não são o suficientemente sérios? Para os apologistas psiquiátricos da FDA, a falta de um “evento adverso grave” significa que nenhuma das crianças no experimento de pesquisa Orwelliano entrou em convulsões, ficou cega ou morreu devido à eletricidade que atingiu seus cérebros vulneráveis ​​em desenvolvimento durante toda a noite? (Ver  “Should Children Have Consent Rights For Psychosurgery, ECT and Sterilization?”)

E obter isso – nos estudos de pesquisa onde apenas 30 crianças rotuladas e estigmatizadas receberam o tratamento elétrico em casa em vez do outro grupo que recebeu placebo; o FDA nem sequer reluta quando relata que a resposta terapêutica “pode levar até 4 semanas para se tornar evidente. ”

Assim, todas as noites durante um mês, os pais são instruídos e devem enviar eletricidade para o cérebro da criança em casa enquanto a criança dorme, e os pais esperam os supostos resultados enquanto o filho sofre os efeitos reais (não os chamados efeitos “colaterais” ) da eletricidade nociva. Receber essa corrente elétrica é descrito pelas crianças como sendo uma experiência desagradável, ao sentirem como tendo uma constante “sensação de formigamento” em suas testas, de acordo com o comunicado de imprensa da FDA.

Tudo isso está acontecendo contra o pano de fundo dos diagnósticos de TDAH, que cresceu em até 30% em oito anos, devido ao impulso de drogas baseadas em anfetaminas pelas empresas farmacêuticas e à cumplicidade da psiquiatria e de incontáveis ​​pediatras, além do ataque político do NAMI que tem pressionado para garantir que todas as crianças sejam avaliadas quanto aos distúrbios cerebrais biogenéticos psiquiátricos, o que a NAMI tão absolutamente acredita existir.

Uma em cada cinco crianças tem o diagnóstico de TDAH nos EUA agora. São seis milhões de crianças pequenas!

O Centro de Controle de Doenças emitiu um alerta nacional quando descobriu que mais de 10.000 crianças com menos de três anos de idade tinham sido diagnosticadas com TDAH e estavam sendo prescritas para uso off-label de drogas à base de anfetamina, como Ritalin e Adderal.

Inicialmente, fiquei surpreso com o fato de a grande indústria farmacêutica não haver bloqueado o desenvolvimento e a aprovação da FDA para o dispositivo elétrico doméstico da Monarch, que pensei que iria cortar o monopólio do mercado de TDAH das empresas, mas Peter Breggin disse que esse dispositivo elétrico está voltado para a própria indústria farmacêutica, para 20% das crianças que não respondem às drogas anfetamínicas. (No entanto, como ele apontou, “Não há evidências de que nenhuma das crianças seja ajudada pelas drogas”.)

Finalmente, a FDA relata inacreditavelmente que “o mecanismo exato do TNS ainda não é conhecido”. No entanto, eles ainda o aprovaram para venda e afirmam escandalosamente que ele envia “sinais terapêuticos” para as partes do cérebro associadas ao TDAH.

É uma séria tragédia ao fazer que esse dispositivo perigoso tenha sido aprovado para venda para uso pelo seu psiquiatra infantil local, pelo médico de clínica geral ou pelo pediatra.

Por favor, protestem contra o uso deste novo dispositivo em nossos filhos de qualquer maneira que esteja disponível para você.

Usuários dos Serviços Veem o Uso a Longo Prazo dos Antipsicóticos Comprometendo a Recuperação, Revisão Científica mostra

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Photo Credit: Pixabay

Uma extensa revisão sistemática e meta-análise qualitativa, publicada em acesso aberto no Journal of Mental Health, resume anteriores estudos qualitativos a respeito das perspectivas de pessoas diagnosticadas com psicose em suas experiências fazendo uso de medicação antipsicótica. Os pesquisadores identificaram quatro meta-temas em estudos anteriores: benefícios de curto prazo, efeitos adversos e processos de enfrentamento, rendição e autonomia, e comprometimento de longo prazo da recuperação funcional. Seus resultados sugerem que, embora as pessoas identifiquem benefícios positivos dos antipsicóticos para uso em situações de crise aguda e em curto prazo, elas geralmente experimentam efeitos adversos e acham que os antipsicóticos comprometem sua recuperação em longo prazo.

“Um desafio relatado na psicose é que um subgrupo substancial de pacientes para de tomar medicamentos antipsicóticos antes do que as recomendações indicam”, escrevem os autores. “Ao invés de assumir que esta decisão seja devida à negação ou à falta de insight, como é frequentemente sugerido, deve ser explorado se tal decisão resulta de um processo autônomo em que o paciente mais experiente precisa negociar o nível de liberdade percebido vis-à-vis as suas próprias experiências psicóticas ”.

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As diretrizes recomendam o tratamento com antipsicóticos para pessoas com psicose durante a fase aguda e durante toda a manutenção e recuperação. No entanto, embora os medicamentos antipsicóticos tenham demonstrado eficácia na redução dos sintomas em curto prazo, eles podem trazer efeitos colaterais graves e desafios quando usados em longo prazo, incluindo efeitos adversos no funcionamento cognitivo, redução da qualidade de vida, diabetes e síndrome metabólica, entre outros.

Para melhorar e destacar a importância da tomada de decisão compartilhada na área da saúde, os autores do presente estudo procuraram descrever sistematicamente e resumir as perspectivas qualitativas e subjetivas dos usuários do serviço em relação ao uso de drogas antipsicóticas.

O objetivo do estudo foi reanalisar e resumir estudos qualitativos sobre as perspectivas do paciente de usar drogas antipsicóticas. A busca por artigos foi concluída em 25 de setembro de 2018 e todos os critérios de reunião de artigos publicados anteriormente foram selecionados para triagem. Para serem incluídos na análise final, os artigos tiveram que ser publicados em revistas especializadas, revisadas por pares, conduzidas com amostras que atendem aos critérios do DSM ou do CDI para um transtorno psicótico, usando métodos qualitativos para explorar a experiência em primeira pessoa em estar a tomar medicação antipsicótica. Trinta e dois artigos foram incluídos na análise final.

A maioria dos estudos (30/32) foi classificada como de qualidade pelo menos satisfatória. Em todos os estudos, foram contabilizados 519 indivíduos, a maioria dos quais identificados como anglo-americanos. As idades dos participantes variaram entre 13 e 70 anos, 42% mulheres, e foram prescritos antipsicóticos de primeira e segunda geração.

Quatro temas foram identificados nos estudos. Estes incluem: (a) benefícios de curto prazo, (b) efeitos adversos e processos de enfrentamento, (c) conformismo e autonomia, e (d) o comprometimento de longo prazo da recuperação funcional.

Benefícios de curto prazo:

Durante a fase aguda, quando os sintomas psicóticos eram graves, os participantes relataram que os medicamentos antipsicóticos foram eficientes na redução dos sintomas de psicose. Os indivíduos ficaram mais confortáveis em se comprometer com o tratamento antipsicótico de curta duração do que com o uso a longo prazo.

 “Estou muito satisfeito com o tratamento que recebi. Ele me ajudou muito. Eu me sentia muito seguro no pavilhão. Eu confiei [na minha psiquiatra] Ela foi fantástica… todo o pessoal era realmente assim… Eu não era uma pessoa fácil de lidar, devo admitir, não era um paciente muito fácil. . .. Eu decidi usar meu medicamento antipsicótico por um ou dois anos, então pensei que seria capaz de me sustentar sem ele. Vou aderir à recomendação do meu médico.”

Efeitos adversos e processos de enfrentamento:

Este tema reflete as perspectivas dos participantes de que o tratamento antipsicótico veio com consequências desafiadoras. Apesar das dificuldades em encontrar uma dose ideal que minimize os efeitos colaterais enquanto alivia os sintomas psicóticos, os participantes sentiram principalmente que os benefícios superavam os efeitos colaterais durante o estágio agudo. No entanto, uma vez que os sintomas psicóticos se dissiparam, eles pensaram que os efeitos colaterais se tornaram prejudiciais à sua saúde mental.

 “O significado dessas experiências também foi enfatizado nos títulos dos artigos em que o tratamento de longo prazo foi descrito em termos como ‘a pior opção’, ‘o maior de dois males’ ‘, e ‘o uso contínuo dependia de efeitos positivos superando os negativos.’ ”

Efeitos colaterais significativos relatados incluíram declínio funcional, sedação, disfunção sexual e ganho de peso. Esses efeitos colaterais foram fortemente associados à não adesão à medicação.

 “A medicação me faz engordar de verdade, reduz minha motivação, altera as atitudes de outras pessoas em relação a mim para pior, me deixa deprimido, às vezes estou inquieto, às vezes tem um efeito negativo no meu dia-a-dia. Bem, só isso me deixa muito prejudicado fisicamente, então reduz minha capacidade de funcionar normalmente ”.

Rendição e Autonomia:

Os pacientes descreveram participar do tratamento como sentimento de rendição, de aceitação imposta. Os participantes relataram um processo estressante no qual eles tiveram que confiar que seus prescritores eram “conhecedores e (pelo menos) benignos”. Os pacientes não se sentiam envolvidos nas decisões do tratamento durante os estágios iniciais, o que levou a muitas experiências adversas dos pacientes.

Os pacientes sentiram que suas preferências pessoais de tratamento foram desconsideradas, que havia falta de confiança neles por parte de seus provedores e que sua personalidade era repetidamente invalidada. Isso leva a desafios na colaboração, sentimentos de impotência, resignação e término do tratamento antipsicótico. Em alguns casos, os pacientes relataram que os profissionais empregariam sanções se o paciente não se submetesse ao tratamento.

“Ele me disse que [a menos que eu tomasse a medicação] eu nunca seria capaz de ir para uma escola normal… e que eu nunca seria capaz de terminar o ensino médio normalmente. E que eu nunca iria me formar. E que eu precisava me acostumar com a ideia de que estaria tomando remédios pelo resto da vida … foi o que ele realmente me disse.”

Durante a fase aguda / inicial, quando os pacientes experimentam sintomas cognitivos significativos, eles acharam que ter sido importante que os provedores tenham tido um esforço e tempo extra para garantir que os pacientes entendessem as informações que compartilharam sobre os medicamentos antipsicóticos. Após a fase aguda, quando os sintomas psicóticos diminuíram, os pacientes consideraram essencial que as informações sobre a etiologia da psicose, efeitos e efeitos colaterais dos medicamentos antipsicóticos e a duração esperada do uso fossem apresentadas de forma verdadeira e de maneira que o leigo pudesse

No longo prazo, os pacientes relataram que é “essencial que a comunicação seja recíproca, respeitosa e envolva um alto grau de envolvimento do usuário tanto no planejamento do tratamento quanto no tratamento propriamente dito”. É importante ressaltar que os pacientes preferiam profissionais que encaravam a recuperação como um assunto individualizado e apreciado e que os antipsicóticos não são necessariamente o ingrediente principal na recuperação. Quando isso não acontece, a resistência e a não adesão são as mais prováveis reações. Os pacientes também relataram o uso de várias fontes para obter conhecimento sobre o diagnóstico que ajudou a passar da “rendição à autonomia”, uma vez que formaram uma opinião independente sobre o processo e um aumento no senso de agência pessoal.

Compromisso a Longo Prazo da Recuperação Funcional:

É importante ressaltar que os participantes perceberam o uso de antipsicóticos como uma barreira para seus esforços individuais e seu senso de autonomia na medida em que trabalham para a recuperação. Estar sob medicação foi visto como um obstáculo para ser capaz de separar as melhorias feitas em sua recuperação como provenientes de suas próprias decisões e ações ou dos medicamentos. Isso reduziu a quantidade de crédito que eles deram para seus próprios esforços. O uso a longo prazo também foi associado ao estigma, o que leva os participantes a sentir que não são adequados para inclusão social e cidadania.

 “Quando você deixa de tomar esses medicamentos, é como se estivesse sendo anunciado que você tem uma doença mental, então os efeitos colaterais chamam a atenção para que de fato você tem uma doença mental. E mesmo que você esteja bem mentalmente, os efeitos colaterais estigmatizam você… você não pode nem mesmo ir até a casa da sua irmã e sair para o quintal sem que os vizinhos pensem que ela tem alguém que está mentalmente doente… você sabe que suas pernas estão subindo e descendo o tempo todo e eles acham que você é um lunático. É como usar uma placa na testa.”

Os participantes também relataram sentimentos de ter que gerenciar um ato de equilíbrio entre ansiedades sobre recaída, mantendo-os nos medicamentos e se preocupar com os danos a longo prazo causados pelos medicamentos. No geral, essa tensão leva a sentimentos de estar em um “labirinto de drogas sem possibilidades de fuga, que deu origem a um sentimento de inadequação, lisonja emocional e medo”.

“Era como o menor de dois males. . . você pode ficar com medo e paranóico ou não ter saliva. Eu ia tomar a saliva, mas não. . . foi tentativa e erro. . . Estou feliz por ter chegado ao palco. . . onde eu realmente sinto que eles estão trabalhando.”

No entanto, alguns participantes tiveram sentimentos positivos sobre o uso a longo prazo e relataram tomar medidas para adaptar a sua dose para se adequar ao seu dia-a-dia, como reduzir a dose ou manipular os horários em que tomariam a medicação.

Os autores do estudo propõem um modelo experimental do uso de medicação antipsicótica em primeira pessoa. Com base na análise dos 32 estudos revisados, esse modelo fornece um quadro de desenvolvimento para entender a experiência dos usuários.

Figura

Percepções e experiências de uso de antipsicóticos foram diferentes entre aqueles em cuidados agudos de curto prazo versus perspectivas orientadas para a recuperação a longo prazo. Durante a fase aguda, o foco dos usuários estava na necessidade de silenciar o caos e as análises de custo-benefício e análise de gerenciamento de risco tornaram-se o foco central nos estágios posteriores do uso do serviço.

Além disso, o processo de desenvolvimento da autonomia seguiu um caminho de desenvolvimento similar, na medida em que o usuário desenvolveu um maior conhecimento e informações, ajudando a restabelecer os sentimentos de autonomia após a rendição inicial. Esse processo permitiu o eventual restabelecimento de sentimentos de pessoalidade e um sentido de Eu, que são centrais para o processo de recuperação. Os autores resumem que “. . . O conhecimento em evolução, as opiniões baseadas em valores e a necessidade de um senso de responsabilidade pessoal parecem constituir um processo abrangente ”.

Os autores deste estudo argumentam que os presentes resultados enfatizam a importância de se prescrever e usar drogas antipsicóticas adaptadas aos sintomas individuais, funcionamento e experiência do paciente. Isso pode sugerir uma compreensão do processo de tomada de decisão em que os usuários participam quando decidem interromper ou diminuir seu uso de antipsicóticos.

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Bjornestad, J., Lavik, K. O., Davidson, L., Hjeltnes, A., Moltu, C., & Veseth, M. (2019). Antipsychotic treatment–a systematic literature review and meta-analysis of qualitative studies. Journal of Mental Health, 1-11. (Link)

“Como as campanhas anti-estigma estão potencialmente piorando a vida – não melhorando – das pessoas em sofrimento psíquico

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From Psychologists for Social Change:  “Campanhas que aumentam a conscientização, normalizam as dificuldades de saúde mental e incentivam as pessoas a contar sua história, o que fazem em geral é permitir que as fontes subjacentes de estigma não sejam contestadas e que o status quo permaneça. (…) Acredito que este foco estreito no estigma interpessoal desvia a nossa atenção dos agentes subjacentes de estigma – que são os serviços de saúde mental e o modelo médico de sofrimento psíquico (…)

“[entre os responsáveis do estigma] … Estão os mesmos serviços de saúde mental que impõem um ‘modelo médico’ que determina que as experiências de sofrimento mental possam ser agrupadas em categorias separadas, a exemplo das doenças físicas, que supostamente são sintomas de ‘desequilíbrios químicos’ no cérebro. Há evidências crescentes apontando o dedo para isso.”

“… Podemos nos concentrar em construir nosso próprio caminho para descrever nossas experiências de uma maneira que nós mesmos achamos útil. Podemos tomar medidas diretas para destacar quem é o verdadeiro responsável por criar e manter o estigma, e podemos usar o poder de nossas relações pessoais e / ou profissionais para influenciar aqueles com quem interagimos dentro de sistemas opressivos.”

Artigo →

Circle Time: Criando espaços de compartilhamento na Malásia

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É da maior importância se entrar em contato com outros povos. Como é o povo da Malásia. Como lá são enfrentados os problemas com a saúde mental?

Assim como ocorre entre nós, o povo de Malásia é submetido à opressão do modelo ‘biomédico’ da Psiquiatria.

Os companheiros de madinasia.org trazem para os brasileiros seu testemunho: como enfrentar o modelo de doença da Psiquiatria?

“Esses sistemas de atenção silenciaram muitas vezes as vozes de pessoas com deficiências psicossociais, construíndo-as como usuários passivos do sistema médico. No entanto, pessoas com deficiências psicossociais em todos os lugares estão reivindicando seu direito de ter voz no sistema e determinar os contornos do cuidado. Na Mad na Ásia-Pacífico, pretendemos destacar os esforços na região da Ásia e Pacífico de assistência e apoiar iniciativas lideradas por pessoas com deficiências psicossociais.”

É importante que se tenha conhecimento dessa iniciativa do Mental Illness Awareness & Support Association (MIASA), com suas bases em Selangor, Malaysia. Assim como os hospitais psiquiátricos têm a tendência a serem universalmente “manicômios”, igualmente a Psiquiatria enquanto tal, mesmo fora dos ‘hospitais psiquiátricos”, tem a tendência a ser universalmente a mesma. Nos Estados Unidos, no Reino Unido, no Brasil, na Malásia, aonde for que a Psiquiatria biomédica está, o mesmo ocorre. As bases que sustentam a Psiquiatria são universalmente as mesmas: diagnóstico psiquiátrico e tratamento psicofarmacológico. Independente que o hospital psiquiátrico esteja ou não na retaguarda do exercício do poder psiquiátrico enquanto corporação, a opressão da Psiquiatria tende a ser a mesma.

“A iniciativa em foco faz parte do programa Circle Time da MIASA. Circle Time oferece um espaço para ‘pacientes e cuidadores compartilharem sua história, suas lutas, procurar ajuda, ver esperança, motivar e capacitar o eu e os outros e, mais importante, não se sentirem sozinhos nessa luta”.

 

O Estado Neoliberal Promove a Indústria Farmacêutica no Chile

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A revista Psicología, Conocimiento y Sociedad, da Universidad de la República – Uruguai, traz em sua recente edição o artigo de Juan Carlos Cea Madrid, entitulado “Estado neoliberal y gasto público en psicofármacos en el Chile contemporáneo”.  O artigo aborda o lugar do Estado neoliberal chileno nos gastos em saúde mental favoráveis ao mercado farmacêutico. Para tal, são usados  dois eixos articuladores: a extensão da atenção ambulatorial e o aumento da prescrição de psicofármacos.

O artigo inicia com informações sobre o desenvolvimento de políticas públicas de saúde mental no Chile. Houve a ampliação das consultas nos centros de atenção primária e a organização de serviços ambulatórios com raiz territorial, complementando serviços tradicionais. Porém, apesar do foco comunitário destas políticas públicas, a ampliação da rede de atenção se desenvolveu de acordo com critérios neoliberais de eficiência e racionalização do gasto, incentivando a mercantilização dos serviços sanitários no território e a privatização da gestão hospitalar. Conjuntamente, houve o aumento do consumo de psicofármacos.

Entre as poucas pesquisas que abordam o fenômeno do consumo de psicofármacos no Chile, o autor aponta para o trabalho de Jirón, Machado e Ruiz (2008). Segundo estes autores, o consumo total de doses diárias de antidepressivos para cada 1.000 habitantes sofreu um aumento de 470% em 12 anos, ou seja, passou de 2,5 em 1992 para 11,7 em 2004. Também detectou que o antidepressivo mais consumido é a Fluoxetina. Outro estudo, também realizado em 2004, demonstrou que 6,4% da população entrevistada em Santiago de Chile estavam consumindo algum psicofármaco no momento da entrevista. Um estudo mais recente, realizado entre 2009 – 2010 demonstrou que 7,8% da população disse consumir estimulantes e antidepressivos, assim como 5,6% ansiolíticos, hipnóticos e antipsicóticos. O autor também cita outras pesquisas a respeito.

Segundo o autor os psicofármacos são relevantes para entender os vínculos entre saúde mental e o neoliberalismo. Existe um predomínio do discurso psiquiátrico na sociedade de que os psicofármacos funcionam e ajudam as pessoas a levar uma vida “normal”. Porém, é sabido que ainda não foram estabelecidas as causas biológicas dos transtornos mentais e os medicamentos psiquiátricos não vem se mostrando benéficos dentro dos critérios da ciência médica.  No entanto, os psicofármacos expressam o cenário neoliberal, onde o bem estar é responsabilidade do próprio indivíduo, que deve ser autossuficiente. Dessa forma, o aumento do interesse pelos psicofármacos aumenta, já que a sociedade neoliberal é marcada pelo individualismo, consumismo, competitividade e produtividade. Além de o Estado neoliberal promover mercantilização do direito a saúde e a privatização dos serviços públicos.

“Para Moncrieff (2006), esta individualização e naturalização do mal estar social, se articula com as políticas neoliberais, possibilitando a proliferação de rótulos psiquiátricos e o expressivo aumento de pessoas diagnosticadas com ‘transtornos mentais’, assim como a expansão de serviços de saúde mental e o consumo de psicofármacos.”

O artigo então apresenta dados da Central Nacional de Abastecimento (CENABAST), durante o período de 2011-2017. A CENABAST é a responsável por realizar compras de insumos clínicos e medicamentos para hospitais, consultórios e centros de saúde administrados pelo Estado. Através desses dados, é possível observar que a soma de dinheiro usado para compra de antipsicóticos e antidepressivos sofreu crescimento, 119,9% no caso de antipsicóticos e 162,5% para antidepressivos. Em relação às empresas beneficiadas, 15 foram as beneficiadas por licitações públicas, das quais 4 foram as que mais lucraram com antidepressivos: Laboratório Chile S.A., Laboratórios Andromaco S.A., Opko Chile S.A. e Socofar S.A., representando 56,2% do gasto público em antidepressivos. Já em relação aos antipsicóticos, 18 empresas participaram de licitações públicas, das quais os laboratórios Pfizer Chile S.A. e Ascend Laboratories SPA representam 46,2% do total de compras efetuadas pelo Estado, entre os anos de 2011 e 2017. Nesse sentido, não houve uma diminuição da participação do Estado neoliberal no investimento em saúde, pelo menos em quanto ao incentivo e patrocínio da indústria farmacêutica, através da obtenção de psicofármacos.

Como conclusão, o autor considera que o aumento do consumo de medicamentos representa um grave problema de saúde pública. Ele cita Peter Gotzsche, ao se referir que mais de meio milhão de pessoas com mais de 65 anos morrem em consequência do uso de medicamentos psiquiátricos no mundo ocidental todo ano. Ou seja, o uso de psicofármacos é a terceira causa de morte, depois de doenças cardíacas e câncer. Ainda destaca que é possível reduzir o atual consumo de psicofármacos em 98% e aumentar os níveis de bem estar subjetivo com apoio psicossocial e comunitário.

“A respeito, é necessário articular ações consistentes e progressivas destinadas a diminuir radicalmente o gasto público como psicofármacos e reorientar esses recursos para serviços sociais, comunitários e participativos, com o objetivo de combater as injustiças e desigualdades que geram mal estar no campo da subjetividade em um contexto neoliberal.”

Outro elemento destacado pelo autor é a necessidade de se prevenir ou diminuir a incidência de iatrogenia, consequência de atividade desnecessária ou excessiva do sistema médico na população. Neste caso, o autor considera o consumo ampliado e prolongado dos psicofármacos como iatrogênico. Para tal, os atores da saúde mental devem conhecer os graves prejuízos que os medicamentos psiquiátricos podem causar no paciente, para que  dessa forma, possam adotar medidas a fim de minimizar esse dano.

Por último, é destacado o horizonte de autonomia que devem ter as comunidades. Para alcançar esse horizonte, é necessário um olhar crítico sobre o Estado neoliberal, principalmente as práticas e discursos institucionais que considera bem estar segundo os parâmetros do mercado e patrocina a indústria farmacêutica com recursos públicos. É necessário promover participação cidadã e dialogar com possibilidades alternativas aos psicofármacos. Participação comunitária e mais democracia são as chaves para a autonomia.

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MADRID, Juan Carlos Cea. Estado neoliberal y gasto público en psicofármacos en el Chile contemporáneo.Psicol. Conoc. Soc.,  Montevideo ,  v. 8, n. 2, p. 39-52,  nov.  2018 . (link)

Sobre a Natureza Humana e suas implicações para o problema Mente-Corpo

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Peter Hacker é um eminente filósofo e uma das principais autoridades do mundo em Wittgenstein. Publicou um comentário analítico em quatro volumes sobre Investigações filosóficas e um pequeno livro brilhante sobre a filosofia da mente de Wittgenstein, agora tristemente esgotado.[1] Ele também é conhecido por desmascarar o reducionismo neurocientífico em colaboração com vários neurocientistas.[2,3]

Em 2010, ele publicou o primeiro de uma série de livros sobre a natureza humana. A série é a exposição de todo o conhecimento que Hacker desenvolveu em sua carreira a partir da sua leitura de Wittgenstein e de muitos outros filósofos, incluindo, principalmente, Aristóteles. Hacker generosamente examinou essa revisão que estou aqui apresentando, assim como também consolidou meu próprio conhecimento. Espero poder também transmitir algo de sua compreensão reveladora da natureza da vida.

O primeiro volume da magnum opusdo Hacker é o começo de uma intrigante exploração do que significa ser humano.[4] Hacker interroga em detalhes o que é um ser vivo em um sentido geral, e o que significa ser esse tipo único de vida como os humanos são. Os dois outros subsequentes volumes já publicados abordam poderes intelectuais e emoções e paixões, e um quarto volume, ainda a ser publicado, cobrirá os assuntos de ‘moralidade, determinismo e uma vida que vale a pena”.

Em sua intenção de compreender a natureza humana através de uma análise da linguagem, Hacker está empreendendo o projeto implícito na visão de Wittgenstein do papel da filosofia – para elucidar os conceitos que usamos e para revelar a origem das confusões filosóficas em que nos enredamos ‘quando a linguagem vai de férias’.5 (§ 38) É um projeto de clarificação, mas nesta atividade um tanto quanto mundana há profundos insights sobre a natureza do ser humano, pois, como Wittgenstein percebeu, nossa linguagem expressa o tipo de criaturas que nós somos. Através da divulgação da estrutura conceitual dentro da qual pensamos, agimos e passamos a conhecer as coisas, nossa profunda e implícita compreensão de nós mesmos e de nosso mundo é revelada. “A essência é expressa pela gramática”, como disse Wittgenstein. (§ 371)

De certa forma, Hacker está apenas nos mostrando o que já sabemos, mas o brilhantismo e a necessidade de sua análise são duplos: primeiro ele examina conceitos e idéias que a maioria de nós nunca pensou em examinar, pelo menos não da maneira que o Hacker faz, e, em segundo lugar, ele destrói as confusões que surgiram do nosso desejo de explicar os conceitos de maneira errada. A psicologia científica e a neurociência nos levam ao erro, sugerindo que as confusões filosóficas, o ‘problema mente-corpo’, por exemplo, são questões empíricas a serem resolvidas pela ciência.

Para mim, a revelação do trabalho de Hacker é a simplicidade e o senso comum com os quais ele descreve a natureza dos seres vivos em geral e os seres humanos em particular. Ele nos lembra, por exemplo, que os seres humanos são ‘substâncias’, isto é, coisas materiais, ou, nas palavras de Hacker, ‘sensíveis, ocupando espaço, continuidade espaço-temporal de um certa espécie animal” (P 29). Não somos mentes ou agentes desencarnados, nem somos cérebros, como a filosofia da mente parece implicar. Somos seres materiais inteiros que, como outros organismos vivos, têm uma existência finita. Como todas as outras coisas materiais no mundo macroscópico, cada um de nós traça um caminho único através do tempo e do espaço. Hacker mostra como os conceitos de coisas ou substâncias materiais estão entre as partes mais fundamentais de nossa estrutura conceitual, nossa compreensão do mundo. Nossa experiência é, antes de mais nada, do material – tanto de nossos próprios corpos e ações, quanto do ambiente em que estamos imersos.

O assunto mais importante de Hacker, no entanto, é sua ênfase nas características únicas dos seres vivos e como eles diferem das entidades e substâncias inanimadas. Hacker segue Aristóteles ao enfatizar a natureza teleológica da vida. Teleologia é a explicação das coisas ou eventos em termos de seus objetivos ou propósitos. Ao contrário dos sólidos inorgânicos, dos líquidos e dos gases, os seres vivos crescem, desenvolvem-se, reproduzem-se e morrem. Eles podem ‘prosperar e florescer’ ou podem ‘declinar e decair’ (P 176). Por isso, é possível entender a biologia em termos do que é bom para um organismo e do que não é bom para ele. Ligada a isso, as coisas vivas se comportam de maneiras que são intencionais. Suas ações podem ser interpretadas em termos de como elas cumprem determinados objetivos. Os mais básicos deles são sobreviver, florescer e se reproduzir, mas seres complexos como nós podem ter propósitos próprios, como diversão, interesse e cuidado, que podem ou não ser consistentes com os ‘bens” biológicos’.

As coisas vivas têm ‘poderes’ característicos ou capacidades que dependem da estrutura física de seus corpos e do desenvolvimento de seus sistemas ou órgãos internos. Carvalhos podem se transformar em enormes árvores que sobrevivem por séculos. Uma gaivota, caracteristicamente, aprende a voar e a pescar nadando. Animais superiores têm capacidade de nutrir seus filhotes, fazer escolhas e alguns deles cooperarem uns com os outros para alcançar um objetivo. Os seres humanos têm capacidades físicas particulares, incluindo um alto grau de destreza, e também possuem habilidades mentais únicas.

Compreender os seres humanos como organismos com certos poderes é fundamental para abordar o problema criado por filósofos como Descartes e Lockesobre a relação entre mente e corpo, ou mente e mundo. Para Aristóteles, a psuche ou ‘psique’ não era uma parte separada do organismo com um certo tipo de relação com o seu corpo; a psuche de uma criatura pode ser vista como a capacidade do organismo, as coisas que ela é caracteristicamente capaz de fazer. Hacker sugere que, de maneira semelhante, o conceito de ‘mente’ pode ser entendido como o conjunto de capacidades mentais tipicamente possuídas pelos seres humanos. O mais importante entre essas capacidades exclusivamente humanas é o uso da linguagem. Nossa capacidade intelectual e facilidade de linguagem permite que os seres humanos estejam cientes das verdades gerais, ‘raciocinem e deliberem’ (p. 239), reflitam sobre suas próprias ações, pensamentos e sentimentos, para estarem cientes do passado e do futuro, para ter uma sensação de certo e errado, de imaginar coisas, de cooperar numa variedade de esforços e de ter emoções complexas como a esperança e o arrependimento.

Hacker também mostra como a forma como usamos o termo ‘mente’ no discurso coloquial reflete vários tipos de atividades intelectuais. Ter um pensamento a ‘cruzar a mente’, por exemplo, é ‘haver algo ocorrido a um” (p. 249). Chamar algo a mente é lembrar disso. ‘Conhecer a mente de alguém’ é formar uma opinião. Assim, Hacker conclui que na fala comum “falar da mente’. . . é meramente uma maneira conveniente de falar, um modo oblíquo de falar sobre as faculdades humanas e seu exercício ”(p. 250).

Portanto, a ‘mente’ não é algo dentro de nós. De fato, é importante perceber que não é uma ‘coisa’. São as várias capacidades que o organismo humano possui para responder de maneira particularmente sofisticada ao mundo que o rodeia. Essas capacidades não são separáveis do organismo humano como um todo, incluindo seu corpo físico. O problema mente-corpo é, para usar o exemplo do Hacker, como tentar relacionar a cor de uma nota de cinco libras ao seu valor:  “Uma nota de 5 libras é verde e tem um valor de 5 libras, mas a cor verde não tem qualquer relação com o valor de £ 5 “ (p. 283).

Em uma breve história da teleologia, Hacker descreve como as opiniões de Aristóteles foram adaptadas pelo cristianismo, que introduziu um criador divino, um designer. Doravante, o propósito da vida tornou-se manifestar as intenções do Criador, em vez de cumprir a natureza intrínseca do organismo em questão. O objetivo tornou-se entrelaçado com o design. Essa visão teleológica modificada foi então eliminada pela ciência moderna, que expungiu a teleologia de sua visão do Universo e tentou aplicar os princípios da física a todo entendimento, incluindo o estudo dos seres humanos – tanto sua biologia quanto sua atividade. O quadro científico moderno, portanto, analisa todos os aspectos do mundo como um sistema mecânico, em termos de causa e efeito. Em vez de olhar para os propósitos subjacentes dos organismos e como sua estrutura biológica lhes permite supri-los, há uma busca pelas ‘causas’ de certas situações ou resultados. Para Hacker, isso é um erro. Embora alguns aspectos da biologia possam ser entendidos em termos causais, uma compreensão rica e completa da vida depende da compreensão de sua natureza intencional.

Hacker, como outros pensadores [6], enfatiza a diferença entre formas de conhecimento nomotético e idiográfico. Onomotéticoé o modelo científico típico que busca generalidades e leis universais e analisa eventos em termos de causa e efeito. A abordagem idiográfica tenta entender ‘algo em particular’ (p. 162) por referência a suas circunstâncias e antecedentes singulares. Hacker distingue ainda as explicações teleológicas, nomotéticas, que são aquelas que são enquadradas em termos de função, às quais ele se refere como ‘teleonômicas’, por exemplo, as funções dos órgãos corporais ou o comportamento animal instintivo ou reflexivo. As explicações teleológicas das ações humanas, por outro lado, são idiográficas. Elas “tornam um ato inteligível, mas não o relacionando a uma regularidade ou lei” (p 162). A abordagem idiográfica procura generalidades, mas não universais e explica por referência a razões e não causas. Como Hacker sugere em seu terceiro volume da série sobre As Paixões, usamos arte e literatura para ilustrar e explorar várias formas de emoção e sentimento – tanto o familiar quanto o mais inusitado.[7] Não explicamos emoções construindo uma fórmula para predizer o sentimento que ocorrerá em um conjunto particular de circunstâncias, olhamos para a arte para nos ajudar a entender os aspectos da nossa experiência humana comum que são difíceis de descrever diretamente.

Para Hacker, portanto, compreender o comportamento humano não é uma ciência – é algo que todos alcançam em maior ou menor grau através da participação na comunidade de seres humanos que usa linguagem. Uma compreensão adequada do comportamento humano, que faz justiça à sua natureza, difere da forma de entendimento que é própria do mundo natural. No entanto, ao contrário de outros críticos do positivismo, Hacker distingue ainda mais o mundo vivo do não-vivo e sugere que a maneira como entendemos a vida, tanto a biologia do corpo quanto o comportamento dos organismos, é fundamentalmente diferente da forma como entendemos. o mundo inanimado, porque o primeiro é teleológico, e o segundo não é. As coisas vivas podem ser entendidas em termos de propósito, mas a matéria inorgânica não pode.

A distinção de Hacker entre o teleonômico e a idiográfico sugere, no entanto, que aspectos do estudo dos seres vivos podem ser abordados usando os métodos da ciência natural. Explicações causais são legítimas quando se estuda biologia, mas elas explicam como um organismo tem os poderes que ele tem e que mecanismos entram em ação quando ele faz certas coisas. Elas não explicam ou predizem o que exatamente um animal fará, para o qual precisamos ter uma noção dos propósitos do animal. No entanto, Hacker aponta ainda que muitas coisas animadas não têm um propósito; doença, por exemplo.

A abordagem teleológica é, no entanto, útil para esclarecer o que se tornou uma discussão tortuosa sobre a natureza da doença. Deixando de lado por um momento a questão contenciosa sobre se os transtornos mentais se qualificam como doenças, no que diz respeito às condições físicas, a saúde pode ser entendida como um estado do corpo que permite ao organismo realizar as atividades típicas da sua espécie. A doença é um estado que interfere com isso, incluindo todos os defeitos de órgãos e sistemas que os impedem de permitir que o organismo funcione como um membro de sua espécie normalmente o faria. De acordo com essas definições, que são simples, mas também convincentes, não há grande dificuldade em caracterizar a saúde e a doença. Não há necessidade de ficar a se torturar se os conceitos de saúde e doença são ou não socialmente construídos. Embora sempre haja debate nas margens, em geral os conceitos estão implícitos em uma compreensão adequada da natureza da biologia. Deixando de lado suas tentativas de incorporar o transtorno mental em um quadro de doença, elas coincidem aproximadamente com o filósofo, a definição naturalista de doença de Christopher Boorsecomo o colapso de uma função biológica. [8]

Concordo com Hacker que o conceito de Aristóteles de um ser humano como um organismo dotado de certos poderes característicos é correto e útil e, a partir disso, que a ‘mente’, ou as apacidades mentais, são necessariamente inseparáveis da substância material ou corpo do qual são as suas capacidades eles. No entanto, existe uma maneira em que nossos atributos mentais são mais centrais para nossa identidade do que nossas propriedades físicas ou corporais.

Nossas capacidades mentais, crenças, preferências e escolhas podem ser pensadas como nossa personalidade, e nossa personalidade é, eu sugeriria, o que pensamos ser o mais distintivo sobre nós próprios. Posso imaginar, por exemplo, ter um tipo diferente de corpo, embora isso seja, obviamente, uma impossibilidade lógica – um ‘absurdo’ para usar o termo do Hacker. Ainda não consigo imaginar ter uma personalidade diferente e ainda ser eu mesma. Minhas crenças, atitudes, inclinações, respostas emocionais e as atividades em que todas essas coisas se manifestam são essenciais para o meu senso de mim mesma, de uma forma tal que a minha altura e o meu cabelo não o são. Minhas crenças e inclinações podem mudar, é claro, mas neste caso também estou mudando.

Isso é relevante quando se pensa sobre a natureza do ‘transtorno mental’, que, como uma variedade de crenças e ações, tem, acredito, uma relação mais profunda e direta com nosso senso de nós mesmos do que com uma doença do corpo, exceto quando essa doença afeta o cérebro. Doenças que afetam o cérebro, como a demência avançada, podem mudar profundamente a personalidade, é claro, mas não pensamos mais que a pessoa seja ‘ela mesma’. Ter uma doença crônica de outra parte do corpo também pode afetar a personalidade de um indivíduo, mas indiretamente, pela forma como alguém tem que se adaptar à presença da condição, ou as lições de vida que podem ser aprendidas por meio dela. A doença não constitui uma mudança na personalidade por si mesma, leva a uma mudança. No entanto, uma mudança em suas crenças e ações, como ocorre com o início de um transtorno mental, como depressão ou esquizofrenia, é uma mudança na própria personalidade. Embora a doença cerebral possa causar mudança de personalidade, sugiro que a maioria das situações que rotulamos como transtornos mentais não é resultado de uma doença cerebral. Wittgenstein viu isso quando sugeriu que “a loucura não precisa ser considerada uma doença. Por que não uma súbita – mais ou menos – mudança de caráter? ” [9] (p. 62)

Do meu ponto de vista, nosso desespero de ver o transtorno mental como uma doença leva a suposições inúteis de que ele seja de alguma forma distinto do ‘verdadeiro’ self, como as condições corporais assim o são, e isso encoraja a suposição de que o transtorno mental pode ser tratado ou curado sem mudar a personalidade do indivíduo. Isso tem levado a um enorme programa de engenharia social com disfarce médico, no qual as pessoas são encorajadas a mudar a maneira como pensam e se comportam, ao serem persuadidas de que têm uma condição médica que precisa ser eliminada. Os antidepressivos e os medicamentos antiansiedade são prescritos ​​sem qualquer atenção sobre como eles alteram as capacidades intelectuais e emocionais normais, com base na justificativa de que estão retificando um déficit neuroquímico subjacente. Até mesmo a psicoterapia é apresentada, às vezes, como se fosse um remédio para uma doença médica. Embora possa ser desejável, ocasionalmente, que as pessoas mudem seu comportamento, seja para o próprio bem, seja para as outras pessoas, isso não deve ser algo que seja alcançado por meio de subterfúgios, mesmo que a maioria da população esteja comprometida com tais subterfúgios.

Agradecimentos: Gostaria de agradecer a Peter Hacker, que generosamente examinou esta revisão e me ajudou a esclarecer minhas ideias; também Steven Tresker por me ajudar a entender a visão de Boorse sobre doença.

Notas de pé de página:

  1. Hacker PMS. Wittgenstein. London: Phoenix; 1997.
  2. Bennett MR, Hacker PMS. Philosophical Foundations of Neuroscience. Oxford: Blackwell Publishing; 2003.
  3. Nachev P, Hacker P. The neural antecedents to voluntary action: a conceptual analysis. Cogn Neurosci. 2014;5(3-4):193-208.
  4. Hacker PMS. Human Nature: The Categorical Framework. Oxford: Wiley-Blackwell; 2010.
  5. Wittgenstein L. Philosophical Investigations. Oxford: Basil Blackwell; 1953.
  6. Lindlof TR. Nomothetic vs idiographic science. In: Donsbach W, editor. The Encyclopedia of Communication, First edition. 2008: John Wiley & Sons, Ltd; 2008. p. 1-5.
  7. Hacker PMS. The Passions: a study of human nature. Oxford: Wiley Blackwell; 2017.
  8. Boorse C. A Second Rebuttal On Health. Place of publication not identified: Oxford University Press; 2014. 1 online resource p.
  9. Wittgenstein L. Culture and Value. Oxford: Basil Blackwell; 1970.

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