A grande dificuldade para a retirada de antidepressivos são os sintomas de abstinência. A experiência de pacientes, ex-pacientes e profissionais sugere que essa redução deva ocorrer de forma gradual e bastante fracionada.
Na prática psiquiátrica, este fracionamento torna-se muito difícil já que os medicamentos comercializados e os fornecidos pelo SUS possibilitam na maioria das casos uma redução de no mínimo 50%, redução muito grande e produtora de muitos sintomas de abstinência.
Em março de 2019 iniciei o acompanhamento de 450 pacientes que usavam diversos medicamentos psiquiátricos prescritos por outros médicos. A fluoxetina era a droga mais utilizada por eles: aproximadamente 10.000 cápsulas mensalmente.
No primeiro contato com esses pacientes, procurei entender o motivo deles estarem usando tais medicamentos. A maioria das respostas vinha na forma de um diagnóstico: “…uso fluoxetina porque tenho depressão…”; “…tenho pânico…”. Quem eram afinal esses pacientes além de um diagnóstico? Precisava então escutá-los para além dos sintomas.
Meu desejo de escuta abriu então a possibilidade para que eles começassem a falar não só dos seus sintomas, mas também de suas angústias, perdas, inibições, medos diante da vida. Mas o que esses pacientes buscavam quando procuraram um serviço de saúde (afinal não são só os médicos que definem sua clientela com diagnósticos)?
Descobri que a grande maioria não buscava remédios no sentido de medicamentos, mas sim no sentido de “remediar”, aliviar um sofrimento, querendo também um entendimento sobre a verdadeira causa. E foi-lhes prescrito fluoxetina… E continuaram tomando fluoxetina, sem entenderem a si próprios e tornando-se “indiferentes” (como muitos definiram o efeito dos antidepressivos) para o lado bom e ruim de suas existências. Alguns desses pacientes queriam essa indiferença, mas a maioria continuava com seus remédios porque tinham fé. Uma fé no discurso amplamente divulgado pelas indústrias farmacêuticas em nome da ciência de que a causa dos transtornos mentais estaria num desequilíbrio neuroquímico.
Questionar essa crença para o paciente não traz uma mudança radical em sua fé. É preciso que sua fé seja abalada. Isso só pode acontecer se o questionamento partir do próprio paciente. Nesse sentido, a escuta qualificada vai possibilitar uma compreensão além das teorias sobre neurotransmissores, fazendo com que o paciente perceba por exemplo, que sua depressão poderia estar sendo causada por um medo de se deparar com as impossibilidades e faltas. Nesse ponto, já se torna difícil fazer com que o paciente acredite no poder mágico de um comprimido.
Muitos pacientes que atingiram o ponto acima começaram a querer diminuir seus medicamentos e alguns o fizeram por conta própria. Sempre que fui notificado sobre a
intenção de redução, orientei para que a mesma fosse gradual e sobre a dificuldade de fracionar as doses em nosso país. Explicava os possíveis sintomas e marcávamos retornos mais frequentes, gerindo a retirada de forma conjunta. Apostei no fato de que talvez os sintomas de abstinência fossem mais tolerados se os pacientes soubessem que não estariam desamparados.
Surpreendentemente, houve uma redução de 60% no consumo de fluoxetina no período de 6 meses, apesar das dificuldades com a retirada expostas acima.
Não tenho aqui a intenção de estabelecer conclusões científicas. São achados de minha prática, apesar de certamente merecerem um trabalho mais aprofundado de pesquisa dentro dos rigores da verdadeira ciência. Apesar dos sintomas de abstinência dos antidepressivos serem um fato comprovado, temos que admitir que os mesmos podem ser piorados ou atenuados pela auto-sugestão. Dessa forma, saber que os medicamentos não são tão resolutivos e que o profissional da saúde também pensa o mesmo e vai estar ao lado no desafio da retirada, pode gerar uma maior eficácia nessa diminuição da droga.
O presente texto é uma resenha do livro Uma sala tranquila: neurolépticos para uma biopolítica da indiferença de Sandra Caponi, professora do Departamento de Sociologia e Ciências Políticas da Universidade Federal de Santa Catarina. A proposta da autora foi realizar um recuo histórico para entender quais são as bases epistemológicas que sustentam a chamada “revolução psicofarmacológica”, que começou com a descoberta do primeiro antipsicótico, a Clorpromazina, em 1952. A autora se inspira na problemática atual da psiquiatrização da infância com objetivos preventivos, especificamente com a prescrição de antipsicóticos atípicos para diagnósticos ambíguos, para resgatar este contexto desde seus primórdios.
O objetivo da pesquisa é mostrar a fragilidade da tese que defende a ideia de uma revolução ou de uma ruptura epistemológica no campo da psiquiatria biológica, vigente a partir da descoberta da Clorpromazina. Para isso, Caponi, analisa os discursos e as estratégias de intervenção, observando-se as continuidades e as rupturas que ocorreram em relação às terapêuticas utilizadas antes e depois da descoberta dos neurolépticos.
A história farmacológica da Clorpromazina começa como anti-histamínico, logo passa a ser utilizada como anestésico e, posteriormente, no hospital psiquiátrico para o tratamento de pacientes psicóticos. A sua eficácia foi considerada nos estudos de Delay e Deniker para acalmar os pacientes nas salas de doentes psicóticos. A Clorpromazina começou a ser vendida com o nome de Thorazine, o qual se mantém até hoje. A licença do Thorazine foi concedida, à princípio, como um medicamento para controle de náuseas e vômitos, entretanto, o auge das vendas ocorreu como antipsicótico.
Caponi analisa as estratégias para a legitimação da Clorpromazina, ou seja, como os estudos clínicos e estatísticos avaliaram a funcionalidade deste medicamento e que efeitos terapêuticos deveriam apresentar para que fosse considerada eficaz. As pesquisas demonstram que as observações citadas são construídas a partir de parâmetros de avaliações pertinentes ao campo do social, em que são julgados mais os comportamentos do que a patologia propriamente dita. A partir de uma análise sob a perspectiva epistemológica e sociológica desses estudos, Caponi afirma que se constituem como uma estratégia biopolítica eficaz para garantir a reorganização e a gestão do campo da psiquiatria. Nesse contexto, a Clorpromazina aparece como uma estratégia de governo da loucura, dentro e fora dos hospitais psiquiátricos.
Depois de mais de setenta anos, ainda não foi possível comprovar as causas dos transtornos mentais, mas o modelo hegemônico permanece o modelo médico para compreender a ação dos psicofármacos, cujo foco está na doença e na cura. Assim, os psiquiatras, os neurologistas, entre outras especialidades médicas, detêm enorme poder de decisão sobre a vida dos pacientes, e transformam as narrativas de sofrimento em sintomas de transtornos mentais, passíveis de definir um diagnóstico e a terapêutica adequada. A partir deste suposto conhecimento científico, o médico especialista decide o fármaco que o paciente deve consumir, e como este não possui conhecimento científico para questionar, cabe a ele concordar.
No caso da Clorpromazina, tinha-se conseguido acalmar os pacientes, mantendo-os acordados. Ainda que os efeitos adversos estivessem associados à administração da droga, como dificuldades psicomotoras, motricidade perturbada, capacidade intelectual diminuída, etc. As reações provocadas pelo neuroléptico não deviam ser consideradas como efeitos secundários indesejáveis, mas como uma manifestação da ação do fármaco e de sua eficácia terapêutica. Mesmo assim, esta droga auferiu visibilidade internacional, na segunda metade da década de 1950, e foi considerada revolucionária, impulsionando o milionário mercado dos psicofármacos.
Os pacientes que tomavam esta medicação manteiam-se calmos e acordados, o que permitia realizar observações clínicas mais sistemáticas sobre os efeitos que a droga produzia no estado mental dos doentes medicados e os não medicados, permitindo a realização de estudos estatísticos comparativos. A ideia era que silenciados os gritos, controlada a agitação, a ruptura de portas e mobiliários, as tentativas de fuga, poderia ser dada maior atenção à persistência ou não dos sintomas da doença. Caponi afirma que se trata de uma estratégia que permite garantir o exercício do dispositivo disciplinar no interior do hospital psiquiátrico. Os neurolépticos garantem a organização das salas dos hospitais, permitem um controle do tempo de tratamento, normalizam as práticas e os comportamentos de acordo com o esperado, reforçam a submissão e a aceitação da autoridade, reforçam o poder do psiquiatra.
Segundo Caponi, os textos publicados na década de 1950, ressaltavam a calma no interior dos hospitais e a possibilidade dos pacientes de receber alta, mesmo continuando o tratamento em domicílio, ainda que os efeitos colaterais graves decorrentes do consumo do medicamento não eram completamente negados ou silenciados. Assim, a indústria farmacêutica, a partir da aparição do Thorazine, passou a investir em publicidade, cujo conteúdo informa sobre a redução da necessidade de reclusão, do uso de eletrochoques e da lobotomia, que a droga evita a destruição de bens e materiais, aumenta a moral dos pacientes e, fundamentalmente, promove a saída dos pacientes dos hospitais, isto é, permite que eles se insiram nessa nova modalidade terapêutica que então se inicia e que definimos como tratamento contínuo.
O início do processo de farmacologização da vida cotidiana se consolidará nas últimas décadas do século XX, a partir da generalização de psicofármacos como o Prozac. Esses medicamentos ampliam sua atuação desde as psicoses aos sofrimentos cotidianos e os comportamentos considerados desviantes. Esse processo vem de encontro com a reformulação dos diagnósticos psiquiátricos, iniciada em 1980, a partir de agrupamentos de sintomas publicados no DSM-III.
O Thorazine é publicitado como um fármaco cuja utilidade é direcionada ao controle e normalização de comportamentos. A publicidade ressalta o interesse de inserir no mercado, além das mulheres depressivas, fatigadas ou nervosas, amplia sua intervenção para a infância e os idosos. Na fase da infância, a publicidade (1956) propõe o consumo do Thorazine para reduzir a hiperatividade, a ansiedade, melhorar os hábitos de sono, aumentar a receptividade para a supervisão, ou seja, tornar as crianças mais disciplinadas e governáveis. Já no caso dos idosos, a publicidade (1959) se refere ao Thorazine como auxílio para gerir os comportamentos dos idosos, tais como agressividade, beligerância, falar muito, não obedecer aos cuidadores.
Desde o início da psicofarmacologia até hoje, as hipóteses etiológicas estabelecidas a partir do modelo centrado na doença continuam uma incógnita. Não há comprovações científicas sobre as redes causais, neuroquímicas, genéticas ou neuroelétricas, entretanto, os psicofármacos consumidos são os mesmos. A Clorpromazina, especificamente, continua sendo utilizadas com base em argumentos que a legitimam por promover a docilidade, a indiferença, a normalização dos comportamentos agitados dos pacientes psicóticos, a tranquilidade nas salas dos hospitais psiquiátricos.
É nessa lógica da segurança e da antecipação de riscos que surgem as novas patologias psiquiátricas da infância, como, o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno de Oposição Desafiante (TOD), bem como a ampliação de algumas categorias psiquiátricas, tais como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Assim, esse discurso legitimou uma especificidade denominada “psiquiatria do desenvolvimento”. Mesmo que não existam sintomas, nem evidências para identificar precocemente uma patologia psiquiátrica na infância, o argumento da prevenção de um possível quadro psiquiátrico grave quando adultos é uma estratégia que fomenta um grande mercado em prol da psiquiatrização em qualquer fase da vida.
No livro, Caponi apresenta as imagens do modo como divulgam os conhecimentos médicos, estatísticos, psiquiátricos por meio de publicidades veiculadas pela indústria farmacêutica, a partir dos primeiros neurolépticos, desde o Thorazine até a Risperidona, que circulam nas sociedades liberais e neoliberais.
Por fim, Caponi apresenta uma análise das transformações que ocorreram no DSM-5 (APA,2013), especificamente no campo dos transtornos mentais da infância, cujas alterações significativas ocorreram a partir da edição do DSM-III (APA,1980) até a última edição do manual, o DSM-5, publicado em maio de 2013. O capítulo do DSM-5 que era destinado aos transtornos diagnosticados na infância foi substituído pelos “Transtornos do Neurodesenvolvimento”, os quais se referem aos transtornos que são causados por uma deficiência neurológica específica, entretanto, essas supostas causas neurológicas permaneçam desconhecidas. Os transtornos que compõem este capítulo do DSM-5 são: Deficiências Intelectuais, Transtornos de Comunicação (de linguagem, de fala, gagueira, etc.), Transtornos do Espectro Autista, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtornos de Aprendizagem, Transtorno de Tique (Tourette), dentre outros. Caponi salienta que nos últimos anos aumentou a prescrição de medicamentos como Ritalina, Concerta e Risperidona para crianças, como medida para controlar o comportamento. Se por um lado permitem disciplinar e fixar a atenção, por outro lado, inibem a capacidade criativa, lúdica e questionadora pertinente a infância e adolescência.
Segundo a autora, existem certos modos de classificar os sofrimentos psíquicos que são considerados válidos, já outras classificações não deveriam ser legitimadas. Assim como, existem determinadas intervenções terapêuticas ou formas de definir um diagnóstico que podem ser consideradas adequadas, porém, outras que não deveriam. Caponi explica que as verdades da psiquiatria implicam na existência de tecnologias de governo sobre os sujeitos, desde as duchas geladas de Leuret à prescrição de antipsicóticos atípicos, cuja legitimidade está nas regras, normas, instituições e leis defendidas pela psiquiatria no decorrer da história.
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CAPONI, Sandra. Uma sala tranquila: Neurolépticos para uma biopolítica da indiferença. São Paulo: Liber Ars, 2019.
Saiu na Agência Fapesp: Pesquisadores da Columbia University e da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estudam os mecanismos de transmissão envolvidos no chamado trauma intergeracional.
“Sabe-se que as mães com histórico de experiências adversas na infância têm risco aumentado de gerar filhos que logo após o nascimento apresentam alteração em alguns circuitos cerebrais responsáveis pelo controle cognitivo. Aos 24 meses é possível identificar essas alterações no desenvolvimento. Por volta dos cinco ou seis anos, essas crianças apresentam risco aumentado de desenvolver comportamentos impulsivos”
A pesquisa apoiada pela Fapesp e pelos National Institute of Health (NHI) pretende avaliar 580 grávidas atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de Guarulhos – SP. Estas serão divididas ainda em dois grupos comparativos, mulheres que sofreram algum tipo de trauma na infância e aquelas que não vivenciaram tais problemas.
Um artigo publicado na semana passada no New England Journal of Medicine (NEJM) usa um estudo de caso no contexto brasileiro para explorar por que tantos jovens se sentem culpados e estigmatizados pelos cuidados de saúde mental. Os autores do estudo, Dominique Béhague, Raphael Frankfurter, Helena Hansen e Cesar Victora, criticam uma abordagem puramente cognitivo-comportamental e consideram como os médicos podem abordar a opressão estrutural por meio da terapia. Com base nas ideias da reforma brasileira da assistência em saúde mental, os autores mostram como os terapeutas podem resolver esse problema usando princípios da “práxis dialógica”, uma teoria da aprendizagem e mudança social extraída dos trabalhos do filósofo e especialista pedagógico brasileiro Paulo Freire.
“A práxis dialógica”, explica Béhague em uma entrevista em podcast dada ao NEJM, “não é uma abordagem clínica nem um método pedagógico, mas um compromisso de aprender com a teoria social e trazer o domínio social de maneira bastante central para a clínica e iniciativas de saúde pública. ”
“Geralmente, quando o domínio social é considerado na medicina e na política de saúde, é um complemento, quando um modelo mais biológico e clínico não está funcionando. Mesmo assim, as forças sociais tendem a ser entendidas como fatores de risco para doenças mentais, como no caso de pobreza, desigualdade, discriminação e assim por diante. Isso é importante, mas o que Freire nos incentiva a fazer também é imaginar como o engajamento ativo e a recriação do campo social – como nos relacionamos, que tipo de sociedade e instituições-chave que queremos – podem ser terapêuticos por si só.”
Os autores definem a práxis dialógica como “um processo elaborado a partir da teoria educacional de Paulo Freire, na qual clínicos e pacientes se envolvem em análises e aprendizados críticos bidirecionais”. É um processo pelo qual uma aliança terapêutica é estabelecida com ênfase na colaboração. Através da comunicação bidirecional da experiência e do conhecimento, os clientes são incentivados a tomar medidas para alterar os sistemas que contribuem para suas experiências de angústia e opressão.
Comparado às abordagens de mudança de comportamento mais populares, potencialmente limitadas pela minimização de forças externas complexas que influenciam a experiência diária, Béhague e a equipe relatam que a práxis dialógica coloca mais importância no papel dos estressores externos, promovendo a agência do cliente e o empoderamento no processo de alteração desses estressores. Não é um pacote pronto e nem uma abordagem mecânica – é uma orientação.
“Na clínica, a práxis dialógica reformula a relação terapêutica enquanto uma experiência educacional bidirecional que se concentra em uma definição de “insight ”diferente da usada na psiquiatria convencional. Enquanto o insight geralmente se refere à conscientização dos pacientes sobre seus processos psicológicos internos, a práxis dialógica enfatiza o processo de aprendizado do clínico e […] incentiva os pacientes a se tornarem importantes fontes de conhecimento sobre as causas situacionais de sua angústia e formas de modificá-las.”
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A noção de práxis dialógica tem suas raízes na teoria da aprendizagem e mudança social do educador e filósofo brasileiro Paulo Freire. Embora os termos e expressões específicos usados para descrever esse conceito variem, os apelos à reforma nos campos da psicologia, psiquiatria, medicina, educação e muito mais para integrar melhores determinantes sociais e estruturais da angústia individual não são novos. No entanto, uma apreciação maior por essa ideia que vem ocorrendo nos últimos anos aparece refletida na recente declaração do Relator Especial das Nações Unidas da necessidade urgente de iniciativas de saúde mental com foco em direitos humanos.
Modelos de treinamento foram projetados para preparar os profissionais a entenderem as maneiras diretas e diferenciadas pelas quais as forças externas influenciam a saúde individual. Algumas pesquisas indicaram que o “treinamento de competência estrutural”, para promover o entendimento das estruturas que contribuem para disparidades nas facetas da saúde, bem-estar e oportunidade, pode aumentar a empatia entre os residentes de psiquiatria.
Em outubro de 2019, os pesquisadores Rochelle Ann Burgess e seus colegas escreveram um comentário no Lancet Psychiatry, promovendo a mensagem de que [chegou] a hora do movimento global de saúde mental reconhecer a importância dos determinantes socioestruturais do sofrimento mental e trabalhar junto às comunidades e formuladores de políticas em seus esforços para enfrentá-los.”
No entanto, os detalhes de como a competência estrutural pode funcionar na prática ainda não foram totalmente explorados. Este artigo sugere que uma posição clínica essencial é que a relação terapêutica seja guiada pela humildade e pelo aprendizado fundamentado. No estudo de caso descrito por Béhague e colegas, um médico, o Dr. M estabelece um relacionamento terapêutico com um cliente de 16 anos, J, baseado no reconhecimento precoce de que o clínico não sabe como é ser J. Esta transparência acompanhada pela curiosidade em torno das percepções de J sobre as estruturas que impactam suas experiências cotidianas se presta à colaboração, permitindo que J influencie seu ambiente de forma construtiva.
No entanto, os detalhes de como a competência estrutural pode funcionar na prática ainda não foram totalmente explorados. Este artigo sugere que uma posição clínica essencial é que a relação terapêutica seja guiada pela humildade e pelo aprendizado fundamentado. No estudo de caso descrito por Béhague e colegas, um médico, o Dr. M estabelece um relacionamento terapêutico com um cliente de 16 anos, J, baseado no reconhecimento precoce de que o clínico não sabe como é ser J. Este a transparência emparelhada com a curiosidade em torno das percepções de J sobre as estruturas que impactam suas experiências cotidianas se presta à colaboração, permitindo que J influencie seu ambiente para o construtivo.
Os autores descrevem o histórico de ansiedade e comportamentos problemáticos de J na escola, levando à sua conexão com alguém de fora da escola que pudesse ajuda-lo. Antes de se conectar ao Dr. M, J se reuniu com a psicóloga de sua escola e ficou insatisfeito com as circunstâncias de seu encaminhamento para os serviços dela, bem como com as percepções dela sobre o caso. Sua interpretação era que ela se concentrava mais em seus déficits (ou seja, agressão e problemas de atenção), enfatizando as mudanças individuais que ele deveria fazer em vez das questões de maior escala que impediam seu progresso (por exemplo, seu status socioeconômico).
Tendo recusado os serviços continuados do psicólogo da escola, J concordou em procurar um suporte externo para expressar suas frustrações. Embora inicialmente hesitante em se envolver, J descobriu que a abordagem do Dr. M, integrando recursos da práxis dialógica, ressoava.
Com o tempo, os dois trabalharam para desvendar e explorar as fontes contextuais e sociais da angústia que J experimentara ao longo de sua vida. J aplicou essas novas ideias à militância política em sua escola, envolvendo-se no conselho estudantil da escola. Enquanto esteva no conselho estudantil, ele “advogou por melhores relações professor-aluno e trabalhou ao lado de funcionários da escola que executavam iniciativas para promover a participação dos alunos e práticas democráticas de ensino”.
Embora possa haver muitas características opressivas das circunstâncias sofridas por alguém e que estejam além do domínio de seu controle, Béhague e a equipe demonstram como um senso de propósito pode ser apoiado na terapia por meio de abertura, análise crítica e incentivo ao envolvimento no ativismo em nível comunitário.
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Mais informações sobre este artigo podem ser acessadas em uma entrevista em podcast com o primeiro autor e que está hospedado no New England Journal of Medicine.
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Béhague, D. P., Frankfurter, R. G., Hansen, H., & Victora, C. G. (2020). Dialogic Praxis — A 16-Year-Old Boy with Anxiety in Southern Brazil. New England Journal of Medicine, 382(3), 201–204. DOI: 10.1056/nejmp1909864 (Link)
Saúde mental na Atenção Básica é o tema do artigo recentemente publicado pela revista Physis. Os autores realizaram uma revisão sistemática da literatura, os artigos selecionados foram aqueles que datam de 2013 a 2018, além de apresentarem como temática o estudo sobre a atuação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) em saúde mental na Região Sudeste do Brasil. Foram no total 21 artigos encontrados.
O NASF foi criado a partir da necessidade de apoio técnico-pedagógico especializado e assistencial para a Equipe de Saúde da Família (ESF). A ESF é composta por um (a) médico (a) de família, um (a) enfermeiro (a), um auxiliar ou técnico (a) de enfermagem e Agentes Comunitários e Saúde (ACS), os quais nem sempre estão preparados para lidar com questões de saúde mental. Segundo a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), em 2002, 56% das ESFs disseram ter que lidar com algum tipo de demanda de saúde mental.
A partir desse estudo, foram encontradas algumas dificuldades para a atuação do NASF na atenção básica. A maioria dos profissionais do NASF foram inseridos na rede sem ter uma capacitação sobre o tipo de trabalho que realizariam. Portanto, principalmente na saúde mental, percebe-se um isolamento entre as equipes, ao invés de um trabalho conjunto, como é o preconizado pela política. Outro fator importante é o olhar dos profissionais da ESF ainda muito pautado no biomédico, o que dificulta o atendimento das demandas de saúde mental e as formas coletivas de tratamento.
Os autores propõem a educação permanente como possibilidade para auxiliar o NASF e ESF em suas ações coletivas. Assim como, convocam os profissionais da Atenção Básica a produzirem artigos e materiais sobre suas experiencias de atuação, visto que, a maioria dos artigos não foram produzidos por estes profissionais.
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ALVAREZ, ARIADNA PATRICIA ESTEVEZ; VIEIRA, ÁGATA CARLA DE DEUS; ALMEIDA, FAYLLANE ARAUJO. Núcleo de Apoio à Saúde da Família e os desafios para a saúde mental na atenção básica. Physis, Rio de Janeiro , v. 29, n. 4, e290405, 2019 . (LINK)
Em 23 de dezembro, a FDA aprovou um novo medicamento para esquizofrenia, a Lumateperona, que foi considerado um medicamento ‘de primeira classe’, sugerindo que seu mecanismo de ação difere dos antipsicóticos em uso atualmente. Um artigo publicado na JAMA Psychiatry concluiu que com este medicamento está “demonstrada a eficácia para melhorar os sintomas da esquizofrenia e com um bom perfil de segurança”.
Depois que a FDA deu seu selo de aprovação, o preço das ações da Intra-Cellular Therapies – empresa que trouxe a Lumateperona ao mercado – subiu em 23 de dezembro, passando de US $ 12,44 para US $ 36,51. A avaliação da empresa subiu US $ 1,3 bilhão naquele dia, dando aos investidores motivos para erguer uma taça de champanhe.
No comunicado de imprensa feito pela empresa, Jeffrey Lieberman, ex-presidente da Associação Americana de Psiquiatria (APA), quem foi um dos investigadores principais nos ensaios clínicos realizados, e quem também atuou como consultor da própria Intra-cellular Therapies, contou como a Lumateperona era uma adição bem-vinda ao armário de remédios para esquizofrenia.
“A esquizofrenia é uma doença complexa que afeta severamente os pacientes e suas famílias. O tratamento eficaz em tempo hábil pode mudar o destino das pessoas com esquizofrenia ”, afirmou ele. “O perfil de eficácia e segurança de Caplyta (nome comercial), aprovado pela FDA (Food and Drugs Adminstration dos EUA), oferece aos profissionais de saúde uma nova e importante opção para o tratamento de pessoas que vivem com esquizofrenia.”
Essa é a história geral que está sendo contada ao público, com o artigo JAMA Psychiatry, publicado on-line em 10 de janeiro, fornecendo um selo científico de aprovação para a decisão da FDA. Seria um novo medicamento que provou ser um tratamento seguro e eficaz para a esquizofrenia. Um editorial da JAMA Psychiatry resumiu o possível avanço terapêutico que isso representa.
“Embora não saibamos quais serão as principais vantagens comparativas da Lumateperona, é encorajador e potencialmente emocionante ver um novo medicamento com novas propriedades farmacológicas progredindo através da avaliação do desenvolvimento de medicamentos e da aprovação da Food and Drug Administration dos EUA”.
Uma Charada Científica
Embora essa seja a história pública, uma análise aprofundada das ‘evidências’ da Lumateperona revela que o teste clínico e a aprovação desse medicamento são melhor descritas como uma charada, um jogo de pretensão científica, onde o dito esconde os não-ditos fundamentais. Os ensaios clínicos, em seu design, serviram como o estudo de um medicamento para uso depois que pacientes crônicos parassem abruptamente de tomar seus medicamentos psiquiátricos, em oposição a um estudo de um ‘medicamento para esquizofrenia’. E mesmo nesse contexto, o medicamento em nenhum dos três estudos foi de forma confiável melhor do que placebo.
Tampouco a alegação de ser uma droga ‘nova’ é totalmente precisa.
Não há nada no design dos ensaios com Lumateperona que seja particularmente novo, ou até surpreendente, dada a história dos testes de novos medicamentos para a esquizofrenia e as influências comerciais nesse processo. Os testes clínicos da Lumateperona não se afastaram, de maneira significativa, da norma. No entanto, a aprovação deste medicamento oferece uma oportunidade para ver novamente que os testes de antipsicóticos para esquizofrenia é, de uma perspectiva científica, um processo fatalmente defeituoso, produzindo ‘descobertas’ que pouco dizem sobre a eficácia de um medicamento enquanto um ‘tratamento para a esquizofrenia’.
De fato, a descoberta mais interessante que surge nos ensaios clínicos com Lumateperona provoca uma pergunta surpreendente: por que os pacientes crônicos que foram abruptamente retirados de todos os seus medicamentos psiquiátricos e randomizados para placebo melhoraram, enquanto grupo, durante o período de 28 dias da pesquisa? Esse resultado contraria tudo o que se sabe sobre as dificuldades emocionais e físicas que as pessoas experimentam após a retirada abrupta de drogas psiquiátricas. Espera-se que os pacientes que interrompem abruptamente seus medicamentos piorem, pelo mens no período imediato após a retirada, e ainda assim isso não é verdade neste caso.
Uma droga como a Clozapina
A Lumateperona está sendo promovida como sendo um novo composto que não causa os efeitos colaterais dos antipsicóticos hoje existentes. Lumateperona, escreveram os autores do artigo em JAMA Psychiatry, “é um agente investigativo mecanicamente novo para a esquizofrenia. O mecanismo de ação é único na medida que modula simultaneamente a neurotransmissão da serotonina, dopamina e do glutamato, os principais neurotransmissores envolvidos em doenças mentais graves. . . Além disso, a Lumateperona carece de interação com os receptores fora do alvo que podem contribuir para os efeitos adversos comuns em outros medicamentos antipsicóticos.”
Em outras palavras, essa nova molécula é uma espécie de bala mágica. Ela ‘modula’ os mesmos transmissores que dizem ser a causa da esquizofrenia, mas – se se acredita no relatório no JAMA Psychiatry– não interage com outros neurotransmissores que causam os efeitos adversos que os outros antipsicóticos o fazem.
Isso lembra as reivindicações ‘revolucionárias’ feitas a respeito do Risperdal e do Zyprexa, quando essas drogas foram lançadas no mercado na década de 1990. No entanto, como o protocolo para o estudo de fase III da Intra-Cellular – usado para obter a aprovação da FDA – deixa claro, a Lumateperona é bastante semelhante à Clozapina em seus efeitos na dopamina e serotonina.
Todos os antipsicóticos bloqueiam os receptores D2, supostamente o mecanismo que reduz as alucinações e os outros sintomas psicóticos. Em uma dose terapêutica, a maioria dos antipsicóticos bloqueia mais de 60% dos receptores D2 estriados. No entanto, como observa o protocolo, a droga da Intra-Cellular também faz o mesmo. A dose de 120 mg. testada em seu estudo da fase II bloqueia 70% dos receptores estriados D2, enquanto que a dose de 60% mg bloqueia 50%.
Embora o bloqueio com a dose de 60 mg. seja ligeiramente mais baixo do que a maioria dos antipsicóticos, é semelhante ao bloqueio D2 com a Clozapina. A Clozapina e outros antipsicóticos de ‘segunda geração’ também bloqueiam os receptores serotoninérgicos (5HT2a), com a Clozapina – a mais potente das drogas nesse sentido – bloqueando 90% desses receptores.
Com a dose de 60 mg. , é exatamente isso o que a Lumateperona faz. A Lumateperona, afirma o protocolo, é “semelhante à Clozapina com saturação total dos receptores corticais de 5HT2a quando a ocupação do receptor estriado D2 é relativamente baixa”.
Os pesquisadores identificaram os efeitos colaterais característicos que fluem do bloqueio de um neurotransmissor de uma droga em particular. O bloqueio das vias de dopamina e de serotonina, embora creditado como um benefício terapêutico, causa uma série de efeitos colaterais. Um medicamento semelhante à Clozapina pode não causar sintomas extrapiramidais tão regularmente quanto um medicamento que bloqueia uma porcentagem maior de receptores D2, mas é provável que seja sedativo e cause alterações metabólicas que levam a um ganho de peso significativo.
Embora o editorial do JAMA Psychiatry tenha apontado a Lumateperona como tendo “novas propriedades farmacológicas”, também reconheceu que seu mecanismo de ação principal, o bloqueio da dopamina e da serotonina, era o que os antipsicóticos existentes já o fazem. “Se o seu mecanismo de ações é verdadeiramente novo isso permanece sem resposta”, afirmou o editorial. “Ainda é possível que a Lumateperona seja apenas mais um antipsicótico da segunda geração.”
Os elementos de uma charada
O protocolo
A Lumateperona foi testada em um estudo de fase II e em dois estudos de fase III, cada um com duração de 28 dias, com desenhos de pesquisa semelhantes. O artigo do JAMA Psychiatry relatou resultados do estudo 301, com um link para um pdf do protocolo.
No estudo 301, foi necessário que os participantes estivessem em um ‘ambiente de vida estável’ nos três meses anteriores e, enquanto nesse ambiente comunitário, sofreram uma ‘exacerbação’ dos sintomas da esquizofrenia. Eles precisavam ter um histórico prévio de resposta positiva a um antipsicótico. E, mais interessante ainda, os pesquisadores precisaram decidir que os pacientes poderiam ser “descontinuados com segurança da terapia com antipsicóticos, estabilizadores de humor, lítio, anticolinérgicos e medicamentos antidepressivos”.
Havia uma longa lista de critérios de exclusão. Os voluntários do estudo não podiam ser suicidas, não podiam abusar de substâncias químicas (de álcool ou outras drogas) e não podiam ter “valores laboratoriais clinicamente anormais”. Eles também não podiam estar sofrendo de nenhuma doença “hematológica, renal, hepática, endocrinológica, neurológica e (ou) cardiovascular”, e eles não poderiam ter um“ histórico de síndrome maligna dos neurolépticos ”.
Os recrutados para o estudo foram admitidos em uma unidade de internação e, no primeiro dia, foram retirados abruptamente de todos os medicamentos psiquiátricos. Se os investigadores clínicos decidissem que seria apropriado fazer uma avaliação da retirada dos medicamentos, isso poderia ser feito por um período máximo de quatro dias da retirada. Todos tiveram que tomar todos os medicamentos psiquiátricos por pelo menos três dias antes da randomização.
No final do período de triagem, que pôde durar até sete dias, os pacientes foram randomizados para o estudo no caso de obterem 70 ou mais pontos na Escala de Sintomas Positivos e Negativos (PANSS). Esse critério de inclusão selecionaria os pacientes que estavam pelo menos ‘levemente a moderadamente doentes’.
No estudo 301, os pacientes foram randomizados para 60 mg. ou 40 mg. de Lumateperona ou placebo. Durante o estudo de 28 dias, os investigadores foram autorizados a prescrever Lorazepam para “agitação, ansiedade ou para ajudar no sono”.
A principal medida de eficácia foi uma alteração na pontuação do PANSS na linha de base até o final do estudo no vigésimo oitavo dia. O estudo foi projetado, relataram os pesquisadores em seu artigo no JAMA, para ter o poder de demonstrar um “tamanho de efeito de 0,4”, o que corresponderia a uma diferença de seis pontos entre a droga e o placebo na redução dos sintomas.
A população do estudo
Como pode ser visto, os critérios de inclusão-exclusão foram projetados para inscrever um grupo seleto de pacientes com ‘esquizofrenia’. Os inscritos vieram de ambientes estáveis na comunidade, responderam anteriormente a um antipsicótico positivamente, não abusavam de álcool ou outras drogas e estavam com uma saúde relativamente boa, mesmo que possam ter tido anos de exposição a medicamentos antipsicóticos. Esses critérios foram os usados para selecionar pacientes com maior probabilidade de responder a um antipsicótico do que ocorreria com um recrutamento aleatório de pacientes com ‘esquizofrenia’ e, considerados os seus perfis relativamente saudáveis, apresentariam menor risco de sofrer efeitos adversos.
As empresas farmacêuticas usam regularmente critérios de inclusão e exclusão para selecionar um subconjunto de pacientes de um grupo de diagnóstico com uma maior probabilidade de responder bem ao medicamento. No entanto, é sabido que, devido a esse processo de seleção, os resultados podem não refletir a eficácia de um medicamento em uma população de pacientes no ‘mundo real’.
O exemplo mais dramático desse problema do ‘mundo real’ vem de ensaios clínicos com antidepressivos. Duas décadas atrás, o NIMH financiou dois estudos de antidepressivos em pacientes do ‘mundo real’ e, em ambos, um dos quais foi o grande estudo STAR * D, as taxas de resposta e remissão foram muito baixas e notavelmente inferiores às taxas de resposta dos ensaios clínicos com drogas comercialmente financiadas.
Este é o primeiro elemento da charada deste estudo com Lumateperona, sendo um elemento comum à maioria dos estudos sobre drogas psiquiátricas financiados pelo setor. O estudo usou critérios de inclusão-exclusão para inscrever um subconjunto de pacientes que poderiam ter taxas de resposta mais altas e menos eventos adversos do que um conjunto de pacientes no ‘mundo real’. Os voluntários do estudo não eram representativos de uma seção transversal de ‘pacientes do mundo real’, mas os resultados passam a ser promovidos como comprovação de eficácia e segurança para o uso no ‘mundo real’.
Exposição prévia a medicamentos
No estudo 301, os 449 pacientes randomizados para o estudo tinham, em média, 42 anos e haviam sido diagnosticados 17 anos antes. Pelo menos 94% estavam tomando medicamentos psiquiátricos antes do estudo, com quase dois terços em Lorazepam. Os antipsicóticos mais comuns que os pacientes estavam tomando eram Quetiapina, Risperidona, Haloperidol, Olanzapina e Aripiprazol. Por conseguinte, todos os pacientes tinham histórico de exposição a antipsicóticos.
Como é sabido, antipsicóticos e outras drogas psiquiátricas alteram o cérebro. As drogas psiquiátricas perturbam os sistemas de neurotransmissores e, em resposta, o cérebro passa por uma série de adaptações compensatórias, em um esforço para manter um ‘equilíbrio homeostático’. No final desse processo de adaptação, como o ex-diretor do NIMH, o Dr. Stephen Hyman escreveu em um artigo de 1996, o cérebro está operando de maneira “qualitativa e quantitativamente diferente do estado normal”.
Por exemplo, os antipsicóticos bloqueiam os receptores D2. Em resposta, o cérebro aumenta a densidade de seus receptores D2. Assim, qualquer pessoa que seja exposta a um antipsicótico por qualquer período de tempo terá essa densidade incomumente alta de receptores D2, e essa é apenas uma das muitas mudanças que serão induzidas por anos de exposição a antipsicóticos e a outras drogas psiquiátricas.
Como resultado dessa exposição a medicamentos, a Lumateperona não foi testada em ‘pessoas com esquizofrenia’, como se seus cérebros estivessem no momento no estado original da ‘doença’. A droga estava sendo testada em pessoas cujos cérebros haviam sido dramaticamente remodelados por seus anos de exposição a antipsicóticos e a outras drogas psiquiátricas e, se os pacientes deste estudo compartilharam alguma fisiologia comum, foram as anormalidades – como é um aumento nos receptores D2- induzida pela exposição aos medicamentos.
Todo mundo sabe disso. No entanto, este elefante científico na sala nunca é discutido. Em vez disso, o fingimento está em que um projeto de drug-washout * remova o efeito desse uso anterior e que devolva os participantes do estudo a uma fisiologia primitiva de ‘esquizofrenia’. Isso permite alegações de que um medicamento foi testado para uma ‘doença’, mesmo que esteja sendo testado em uma população de pacientes cujos cérebros são ‘anormais’ devido aos anos de exposição aos medicamentos.
Note-se que esse processo de faz de conta que permeia 65 anos dos ensaios clínicos randomizados que avaliam a eficácia a curto prazo dos antipsicóticos. Como Lieberman e colegas confessaram em um artigo de 2017, nunca houve um “estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo” de um antipsicótico em pacientes que não estejam tomando medicamentos. Em outras palavras, não há um bom registro científico de que esses medicamentos sejam eficazes, mesmo a curto prazo, em pacientes psicóticos cujos cérebros não foram alterados pela exposição prévia a antipsicóticos.
Sem controle placebo
Como é sabido, existe a possibilidade de as pessoas diagnosticadas com uma doença melhorarem sem tratamento; e isso é particularmente verdadeiro para as pessoas que recebem um diagnóstico psiquiátrico. Um controle placebo é projetado para fornecer uma medida dessa capacidade natural de recuperação, com o entendimento de que, para que um tratamento medicamentoso seja eficaz, o medicamento deve fornecer melhores resultados do que a ‘recuperação natural’ no grupo placebo.
Neste estudo, o desenho do projeto de promover uma retirada abrupta produz um ‘grupo placebo’ que está a sofrer de sintomas de retirada, em oposição à esquizofrenia ‘não medicada’; e há um longo registro de pesquisa documentando os riscos associados à retirada abrupta de antipsicóticos e outros medicamentos psiquiátricos . Esses riscos incluem um agravamento dos sintomas psicóticos, ansiedade, medo, depressão, agitação interna, alterações de humor, dores de cabeça, insônia, vômitos e um possível agravamento dos sintomas extrapiramidais.
De fato, o pensamento comum é que a retirada abrupta de pacientes crônicos de todos os seus medicamentos psiquiátricos seria negligência clínica, uma vez que é conhecido por colocar os pacientes em grande risco de deterioração do seu estado de saúde.
A charada aqui é óbvia. Um grupo de abstinência de drogas serve como substituto de um controle de placebo, fornecendo uma ‘comparação’ esperada que a droga apareça como sendo melhor.
Esse fato revelador também é ocultado regularmente dos leitores da literatura médica. No artigo da JAMA Psychiatry, não há menção ao fato de os participantes terem sido abruptamente retirados de seus medicamentos psiquiátricos imediatamente antes da randomização; esse detalhe revelador está ausente nas seções ‘Métodos’ e ‘Discussão’ do artigo.
Um estudo de restauração de medicamentos
Dada a retirada abrupta de todos os medicamentos durante o período de triagem, os ensaios clínicos com a Lumateperona são adequadamente descritos como estudos de ‘restauração do medicamento’. Aqueles que foram randomizados para a Lumateperona foram colocados de volta no mesmo tipo de medicamento – que bloqueia os receptores de dopamina – para o qual seus cérebros estavam já acostumados.
Em contextos clínicos, essa é obviamente a prática usual. Se um paciente com esquizofrenia parou abruptamente de tomar seus medicamentos e agora sofre de sintomas psicóticos, o paciente é rapidamente recolocado em um antipsicótico. O esperado é que essa restauração da droga ajude a aliviar os sintomas que surgiram após a retirada abrupta do antipsicótico.
Independentemente das expectativas, a questão é que os estudos com Lumateperona, como a maioria dos estudos financiados pela indústria farmacêutica que utilizam um plano de retirada de medicamentos, fornecem apenas uma avaliação dos possíveis méritos desse medicamento em uma situação clínica específica: Se os pacientes com esquizofrenia crônica pararem abruptamente os medicamentos, qual é o efeito a curto prazo de devolvê-los à Lumateperona? Nos próximos 28 dias, eles se saem melhor do que aqueles que não são postos de volta em um antipsicótico?
Os dados ausentes
O curso clínico estudado nos ensaios com a Lumateperona é o seguinte: pacientes com esquizofrenia que vivem na comunidade sofrem de algum grau de exacerbação enquanto estão a tomar seus medicamentos. Eles são retirados abruptamente de todos os seus medicamentos e randomizados para Lumateperona ou para placebo. Eles permanecem nesses grupos de tratamento pelas próximas quatro semanas.
A fim de fornecer uma avaliação clara desse curso de tratamento, o estudo deve apresentar três avaliações do PANSS para os participantes:
Pontuações na triagem inicial;
Pontuações após retirada abrupta de medicamentos (imediatamente antes da randomização);
Pontuações no final do período de estudo de 28 dias.
Nos ensaios com Lumateperona, não houve uso do PANSS na triagem inicial. Em vez disso, os recrutados em potencial foram rastreados com o uso de uma escala (CGI-S) que avalia rapidamente o estado clínico ‘global’, e aqueles que pontuaram pelo menos quatro foram vistos como potencialmente elegíveis, em termos de sintomas, para o ensaio clínico. No entanto, mesmo esses escores iniciais do CGI-S, avaliados antes da retirada do medicamento, nunca são relatados.
Portanto, não há informações que detalhem os sintomas dos pacientes antes que os medicamentos fossem retirados abruptamente. No entanto, espera-se que a retirada abrupta exacerbe os sintomas dos pacientes, pelo menos em pequeno grau. Essa exacerbação induzida pela retirada torna-se a medida inicial para avaliar a eficácia no final dos 28 dias.
Com esse desenho, um participante do estudo pode acabar sendo avaliado como tendo ‘respondido’ ao medicamento do estudo, embora esteja pior do que quando foi rastreado pela primeira vez para a pesquisa.
Por exemplo, no estudo com Lumateperona 301, a pontuação média do PANSS na linha de base para os pacientes foi de 89. Mas quais seriam as pontuações do PANSS antes da retirada abrupta? É possível que eles estivessem apenas levemente doentes, o que teria produzido escores do PANSS altos em torno de 60 ou baixos em torno de 70, com a retirada abrupta elevando a pontuação para 89 na ‘linha de base’. Vinte e oito dias depois, as pontuações do PANSS deles poderiam ter caído para mais ou menos 70 e agora seriam categorizadas como tendo respondido à droga, mesmo estando agora piores do que na triagem inicial.
Se esses estudos fossem realizados para fornecer informações clinicamente relevantes, os sintomas dos pacientes deveriam haver sido avaliados usando a escala PANSS nos três momentos: triagem inicial, após retirada abrupta de medicamentos e ao final do estudo. Em seguida, seria possível avaliar se a ‘melhoria’ com o medicamento era um artefato do projeto drug-washout ** Além disso, seria possível ver quanto dano havia sido causado aos voluntários do estudo pelo projeto abrupto de retirada de drogas.
O uso concomitante de um benzodiazepínico
Nos testes com Lumateperona, aproximadamente dois terços dos pacientes estavam tomando Lorazepam antes de serem retirados de seus medicamentos psicotrópicos e randomizados para o estudo. No entanto, após a randomização, o protocolo permitiu que os pesquisadores prescrevessem mais uma vez o Lorazepam para tratar ansiedade, agitação e insônia. Mais de 70% dos pacientes, nos grupos placebo e medicamentos, receberam esta benzodiazepina.
O uso de um segundo psicotrópico obviamente confunde a eficácia que pode ser atribuída ao medicamento do estudo. Como um especialista em projeto de ensaios clínicos testemunhou em um caso civil envolvendo o Prozac, o uso concomitante de benzodiazepina nos estudos do Prozac foi ‘cientificamente ruim’, pois ‘confundia os resultados’ e ‘interferia na análise de segurança e eficácia .”
Mais uma vez, todo mundo sabe disso. A prescrição de uma benzodiazepina nos estudos com Lumateperona pode ajudar a esconder efeitos adversos e diminuir muitos dos 30 sintomas avaliados com PANSS. E embora o emprego de um benzodiazepínico seja certamente de uso clínico quando as pessoas foram retiradas abruptamente de todos os medicamentos psiquiátricos e sofrem de sintomas de abstinência, a farsa é ignorar que seu uso confunde os resultados do estudo.
Essa farsa se estende ao artigo publicado na JAMA Psychiatry. Não há menção ao uso concomitante de Lorazepam. É preciso ler o protocolo e o suplemento online para descobrir isso.
A ética da retirada abrupta
É sabido, tanto por médicos quanto por pacientes, que a retirada abrupta de antipsicóticos e outras drogas psiquiátricas pode ser perigosa. Ela expõe o paciente a qualquer número de riscos físicos e emocionais e, em cuidados clínicos regulares, nunca isso é aconselhável.
No entanto, no estudo da Lumateperona, os pacientes poderiam ser incluídos se o investigador determinasse que eles poderiam ser ‘com segurança’ retirados de todos os seus medicamentos psicotrópicos.
Essa expressão ‘com segurança’ tem como objetivo fornecer uma cobertura ética para o estudo. Mas como isso deveria ser feito? O protocolo não forneceu nenhum método para os investigadores descobrirem quem entre os pacientes selecionados poderia ser ‘com segurança’ retirado de seus medicamentos. Tampouco foi dada explicação para o porquê de haver um subconjunto de pacientes crônicos poderem, de fato, ‘retirar com segurança’ todos os seus medicamentos psiquiátricos de uma só vez.
De fato, se existe um subconjunto de pacientes crônicos que podem ser retirados com segurança de todos os seus medicamentos, por que a ‘retirada abrupta de drogas’ não é vista como uma opção na prática clínica regular?
Este é mais um elemento da farsa. Os critérios de inclusão fornecem cobertura ética para um ato antiético.
A linha de base
Não havia nada de incomum no desenho do estudo 301 ou nos outros dois estudos clínicos de Lumateperona. Mas, de uma perspectiva científica, não se pode dizer que esses estudos fornecem um teste de segurança e eficácia desse medicamento para a ‘esquizofrenia’. O melhor que se poderia dizer dos ensaios clínicos é o seguinte: Em uma população de pacientes crônicos diagnosticados com esquizofrenia , com anos de exposição a antipsicóticos e outros medicamentos psiquiátricos, a Lumateperona proporcionou um benefício após a retirada abrupta dos medicamentos em que estiveram usando?
A farsa é fingir que os ensaios clínicos testaram algo diferente disso.
A eficácia da Lumateperona
O aspecto notável da aprovação da FDA deste medicamento, através de um processo acelerado de aprovação, é que, mesmo nesse contexto científico, como sendo um tratamento para pacientes retirados de todos os seus medicamentos psicotrópicos, o medicamento não proporcionou um benefício confiável.
A Intra-Cellular Therapies realizou um estudo de fase II e dois estudos de fase III como parte de seu pedido enviado a FDA. Forneceu resumos desses estudos em seu arquivo 10-K de 2019 à Comissão de Valores Mobiliários.
No estudo de fase II (estudo 005), 335 pacientes foram randomizados para um dos quatro tratamentos: 120 mg. de Lumateperona, 60 mg. de Lumateperona, 4 mg. de Risperidona ou placebo. O estágio final do processo foi a redução dos sintomas na escala PANSS desde o início até o final do estudo no dia 28. Enquanto que a dose de 60 mg. de Lumaterona e a dose de 40 mg. de Lumateperone e a dose de 4 mg. de Risperidona proporcionaram um benefício ‘estatisticamente significativo’, os 120 mg. dose de Lumateperona não. * *
Em um dos dois estudos de fase III (estudo 302), os pacientes foram randomizados para 60 mg. dose de Lumateperona, 40 mg. dose de Lumateperona, risperidona ou placebo, com redução dos sintomas na escala PANSS como desfecho primário. Nenhuma das doses de Lumateperona ‘se separou do placebo’ nesta fase final, enquanto a Risperidona o fez.
Assim, nesses três estudos, foram realizadas seis comparações entre uma dose de Lumateperona e placebo, e em quatro dos seis, o medicamento não proporcionou benefício superior ao placebo. A dose de 60 mg. foi a dose aprovada pela FDA e nas duas comparações com Risperidona forneceu resultados semelhantes no estudo de fase II, mas foi inferior à Risperidona no estudo de fase III.
Além disso, no estudo 301, a eficácia da dose dos 60 mg. sobre o placebo foi de um tipo mínimo. A pontuação inicial do PANSS para os participantes do estudo foi de 89 a 90 e, no final dos 28 dias, a redução média na pontuação do PANSS foi de 15,6 para o grupo dos 60 mg. versus 12,4 para o grupo placebo.
Embora essa diferença de três pontos seja ‘estatisticamente significativa’, ela não tem significado clínico algum. O PANSS avalia trinta sintomas em uma escala de 1 a 7, o que significa que as pontuações podem variar de 30 a 210. Em um artigo de 2012, os pesquisadores determinaram que era preciso haver uma diferença de 15 pontos na escala PANSS para que essa diferença ocorresse de forma clinicamente significativa. Uma diferença de três pontos em uma escala de 210 pontos não seria clinicamente perceptível.
Os pesquisadores do estudo 301, em seu artigo JAMA Psychiatry, também relataram taxas de resposta, afirmando que uma redução de 20% nas pontuações do PANSS seria evidência de que um paciente ‘melhorou minimamente’ até o final do estudo. Cinquenta por cento dos pacientes do grupo com a dose de 60 mg. respondeu por esta medida em comparação com 38 por cento no grupo placebo.
Isso produz um NNT de 8, o que significa que oito pessoas precisam ser tratadas com a droga para produzir uma resposta adicional ‘minimamente aprimorada’. Isso também significa que sete dos oito tratados com o medicamento sofrerão os efeitos adversos do medicamento sem receber nenhum benefício. Esses sete são compostos por não respondedores ao medicamento e aqueles que responderiam sem o tratamento (respondedores a placebo).
Assim, em suma:
Houve apenas dois casos – em seis tentativas – em que a Lumateperona se mostrou ‘estatisticamente superior’ ao placebo no desfecho primário de redução dos sintomas na escala PANSS.
No estudo 301 positivo, a superioridade da dose ‘efetiva’ de 60 mg. foi de um tipo tão marginal que não tinha significado clínico.
De acordo com o NNT “minimamente aprimorado” de 8, sete de oito pessoas tratadas com Lumateperona sofrerão os riscos de eventos adversos sem nenhum benefício, pois não responderão ao medicamento ou que teriam melhorado na mesma extensão sem ele.
A segurança da Lumateperona
Intra-Cellular Therapies, em sua promoção da Caplyta, a consideram a droga antipsicótica mais segura e que causa menos efeitos colaterais do que os antipsicóticos no uso atual. As reações adversas mais comuns nos ensaios clínicos, informou o Medscape Psychiatry, “seriam sonolência / sedação” e “boca seca”.
O artigo no JAMA Psychiatry, em sua conclusão, forneceu uma imagem igualmente otimista de seu perfil dos efeitos colaterais. “Os eventos adversos nos grupos de Lumateperona que ocorreram foram sedação, sonolência, fadiga e constipação, todos predominantemente leves”.
Aparentemente, isso mostra um grande avanço. Sem disfunção metabólica, sem ganho de peso dramático e aparentemente sem sintomas extrapiramidais.
Aqui está como esse perfil de segurança foi criado.
Lista de efeitos colaterais comuns
Primeiramente, de acordo com o protocolo do estudo 301, os únicos ‘eventos adversos’ que seriam registrados seriam aqueles que viessem a surgir durante os 28 dias de tratamento. Os participantes do estudo poderiam estar sofrendo efeitos adversos em seus anos anteriores de uso de drogas psiquiátricas, como sintomas extrapiramidais, com essa sintomatologia permanecendo ao longo dos 28 dias, mas esses sintomas não seriam relatados a menos que emergissem após a randomização. No relatório JAMA Psychiatry, estes foram descritos como “sintomas adversos emergentes do tratamento” (TEAS).
O protocolo foi projetado para minimizar o reconhecimento de tais eventos adversos. Não houve uso de uma lista de verificação de eventos adversos que exigisse que os investigadores perguntassem sobre possíveis efeitos negativos. Em vez disso, o protocolo dizia: “Eventos adversos podem ser espontaneamente serem relatados pelos sujeitos do estudo, ou descobertos pela equipe do estudo durante exames físicos ou fazendo uma pergunta aberta e não principal, como ‘Como você está se sentindo desde a última vez que foi perguntado? ‘”
Este é um método que as empresas farmacêuticas usam regularmente para minimizar os relatórios de efeitos adversos. Se você não procurar ativamente esses efeitos negativos, não os encontrará.
Este método produziu a seguinte lista de efeitos colaterais comuns, que pareciam bastante benignos.
O que está faltando claramente nesta lista é qualquer evidência de sintomas de EPS, e em seu relatório JAMA, os pesquisadores do estudo 301 enfatizaram esse ponto. “Nenhum TEAS relacionado ao EPS ocorreu em 5% ou mais dos pacientes em qualquer ramo de tratamento”, eles escreveram. “TEAS relacionados com EPS foram raros.”
Sintomas extrapiramidais
Os antipsicóticos de primeira geração – Clropromazina, Haloperidol e assim por diante – eram notórios por causar sintomas extrapiramidais (EPS). Os pacientes desenvolviam tiques, distonias, sintomas parkinsonianos, uma agitação interna conhecida como acatisia e assim por diante. Os antipsicóticos de segunda geração, como Olanzapina e Quetiapina, foram em grande parte vistos como drogas melhoradas, porque não bloqueiam os receptores D2 da mesma forma que as drogas da primeira geração, portanto induzindo sintomas extrapiramidais em menor grau.
Uma droga que não cause sintomas de EPS, mas que seja igualmente eficaz como os medicamentos existentes para melhorar os escores do PANSS, seria visto como uma melhoria notável. Embora a lista de eventos adversos pareça considerar que a Lumateperona não causa EPS, uma empresa que deseja fazer essa afirmação precisaria mostrar que avaliou ativamente os sintomas de EPS, em vez de apenas esperar para ver se esses sintomas aparecerão como efeitos adversos.
Intra-Cellular Therapies fez isso em seus ensaios. Os pacientes inscritos no estudo 301 receberam testes de linha de base para avaliar a presença e gravidade dos sintomas de EPS e a acatisia e, em seguida, essas mesmas avaliações foram feitas periodicamente durante o estudo e no último dia do estudo. Os pesquisadores relataram que, com base nessas medidas, “o tratamento com (qualquer dose) de Lumateperona não esteve associado ao aumento do EPS”.
A palavra-chave nessa frase, que pode ser facilmente perdida, é aumentada.
No artigo da JAMA Psychiatry, os pesquisadores relataram as alterações médias na sintomatologia da EPS desde o início até o dia 28, em oposição à porcentagem de pacientes que poderiam estar sofrendo desses sintomas. Os pacientes que apresentavam sintomas extrapiramidais na linha de base ainda poderiam estar exibindo esses sintomas no dia 28, mas desde que seus sintomas não piorassem, isso não produziria nenhuma ‘alteração média’ nas pontuações de EPS.
Além disso, os investigadores omitiram as informações que forneciam informações sobre a porcentagem de pacientes que estavam sofrendo de EPS durante o estudo.
O protocolo permitiu a prescrição de Lorazepam durante o estudo para tratar agitação, ansiedade e insônia. Todos estes são sintomas relacionados ao EPS, com agitação e ansiedade vistas como sinais cardinais de acatisia induzida por drogas (que geralmente aumenta após a retirada abrupta de drogas). Os investigadores não mencionaram esse fato em seu artigo. Mas o suplemento on-line diz: mais de 70% dos pacientes receberam Lorazepam durante o estudo para ansiedade, agitação e insônia.
No entanto, esses eventos adversos estão ausentes da lista de efeitos colaterais gerais.
Diante dessa apresentação dos dados de segurança, é impossível conhecer a porcentagem de pacientes no estudo 301 que estavam sofrendo de EPS. Parece que houve apenas alguns casos em que esses sintomas surgiram recentemente e, no geral, não houve ‘alteração média’ dos sintomas de EPS nos grupos de pacientes nesses 28 dias. No entanto, mais de 70% dos pacientes receberam Lorazepam para tratar agitação, ansiedade e insônia, sintomas que são um sinal de acatisia. Parece então que 70% ou mais estavam sofrendo com esse ‘evento adverso’.
A empresa, em seu comunicado de imprensa, afirmou que “a incidência de sintomas extrapiramidais foi de 6,7% para Caplyta e de 6,3% para placebo”, o que indicaria que seu medicamento não causaria esses efeitos adversos. Mas as informações no comunicado de imprensa da empresa e no artigo JAMA Psychiatrysobre o uso de Lorazepam nos estudos estão ausentes e, portanto, o público fica no escuro sobre o potencial desse medicamento para causar ‘agitação, ansiedade e insônia’.
Disfunção metabólica
Com os antipsicóticos de segunda geração, a disfunção metabólica – ganho de peso, diabetes e assim por diante – passou para a frente como sendo efeito adverso mais problemático. O estudo 301 investigadores relataram essa preocupação da mesma maneira que relataram sintomas de EPS.
O protocolo exigia que os investigadores avaliassem fatores metabólicos na linha de base e, novamente, durante o estudo e no dia 28. Mas no artigo JAMA, os pesquisadores relataram apenas ‘alterações médias’ da linha de base para o dia 28 e, portanto, se os pacientes tiveram leituras anormais nos fatores metabólicos na linha de base, desde que as medidas metabólicas não piorassem durante as quatro semanas, parece que a Lumateperona não causou esses problemas.
Como os pesquisadores escreveram em seu artigo JAMA, “não houve alterações significativas nos parâmetros metabólicos da linha de base no dia 28 em comparação com o placebo”.
No entanto, assim como o uso regular de Lorazepam no estudo 301 fala de pacientes que continuaram a sofrer de sintomas relacionados à acatisia, os dados de ganho de peso publicados no suplemento sugerem que a Lumateperona, assim como a Clozapina, pode causar problemas metabólicos, pelo menos para alguns pacientes. Doze dos 143 pacientes no grupo com 60 mg. teve um aumento de mais de 7% do seu peso corporal inicial em 28 dias, o que indica que eles ganharam de 5 kg a 7,5 kg (ou mais) nesse curto período.
A linha inferior
Pode ser que a Lumateperona tenha um perfil de segurança relativamente benigno em comparação aos medicamentos psiquiátricos existentes. No entanto, o que está claro é que a empresa e seus pesquisadores, em sua coleta e relato de dados de eventos adversos, não forneceram uma imagem da presença de disfunção metabólica e de sintomas de EPS nos participantes do estudo durante o estudo. O fato de não haver ‘alterações médias’ nesses domínios indica que pelo menos aqueles tratados com Lumateperona não pioraram nesses dois domínios durante seus 28 dias de uso do medicamento. Mas isso não se traduz em evidências de que a Lumateperona não cause efeitos negativos em uma porcentagem significativa de pacientes do mundo real.
A aprovação da Lumateperona pela FDA
Depois que a empresa concluiu seus testes de fase III, a FDA, em novembro de 2017, deu à Lumateperona sua designação de ‘trâmite rápido’. Isso foi concedido, declarou a empresa em um comunicado à imprensa, porque “a Lumateperona tem o potencial de atender às necessidades médicas não atendidas do tratamento da esquizofrenia com melhorias significativas em vários parâmetros de segurança clinicamente significativos, inclusive com relação a problemas metabólicos, motores e cardiovasculares associados com muitos agentes antipsicóticos atualmente disponíveis. ”
Depois que a empresa entrou com seu pedido de novo medicamento, a FDA agendou uma reunião do comitê consultivo para 31 de julho de 2019. Mas cancelou a reunião em 23 de julho, o que assustou a comunidade de investidores. Talvez a FDA não tenha achado os dados da Lumateperona muito convincentes.
Esses medos foram rapidamente sufocados. Em 10 de setembro, a FDA anunciou que não planejava mais realizar uma revisão do comitê consultivo e, três meses depois, em 23 de dezembro, aprovou o medicamento. Isso foi feito apesar da falta de dois ensaios positivos da fase III, que é o padrão usual para a aprovação de um medicamento.
No início de 2019, a FDA aprovou a Eskatamina como tratamento para a depressão, embora a evidência de eficácia fosse de um tipo igualmente pouco convincente e, com essa aprovação da Lumateperona, o analista financeiro Paul Matteis explicou o padrão que agora passava a ser evidente. “A FDA é mais flexível do que a norma quando se trata de medicamentos para a neurociência” e agora está adotando uma “abordagem que tanto pode ser vista com pessimismo quanto com otimismo” para aprovar esses medicamentos, escreveu ele.
O desenvolvimento da Lumateperona produziu benefícios financeiros para os envolvidos. É claro que os investigadores que conduziram os ensaios clínicos foram pagos por esse trabalho e, como observado acima, depois que a FDA anunciou sua decisão, a avaliação da Intra-Cellular saltou US $ 1,3 bilhão em um único dia. O CEO e o CFO da Intra-Cellular venderam ações de suas ações desde aquele dia, cada um recebendo mais de US $ 1 milhão com essas negociações.
Analistas disseram que a empresa deveria cobrar pelo Caplyta US $ 900 por mês quando o medicamento for lançado na primavera. Isso é mais de 200 vezes o custo mensal da Risperidona genérica no Walmarts ou em outras farmácias que vendem antipsicóticos genéricos a taxas reduzidas. Nesse campo do comércio, os custos serão suportados por quem compra os comprimidos.
A pergunta não respondida
Como mencionado anteriormente, há um resultado dos ensaios clínicos com a Lumateperona que justifica uma investigação mais aprofundada. Por que os escores do PANSS de pacientes crônicos que foram retirados abruptamente de seus medicamentos e depois randomizados para placebo melhoraram nos próximos 28 dias? Os estudos de recaída relatam regularmente pacientes retirados cujos sintomas psicóticos aumentam no primeiro mês, e o entendimento geral é que a retirada abrupta regularmente leva à erupção de muitos sintomas difíceis. Mas não neste caso, e essa melhoria no grupo placebo é vista regularmente em estudos financiados pelo setor, apesar de seu design de retirada de medicamentos.
A melhoria no grupo placebo neste estudo pode ser uma evidência que apoia o uso regular de protocolos de redução gradual. Se os pacientes crônicos podem melhorar após a retirada abrupta de todos os seus medicamentos psiquiátricos, que melhoria eles podem experimentar por períodos mais longos se os medicamentos psiquiátricos forem gradualmente retirados? No entanto, outra explicação possível é que, durante um estudo financiado pelo setor, os avaliadores esperam ver uma melhora nos participantes, um viés que se estende tanto aos pacientes tratados com medicamentos quanto aos pacientes tratados com placebo.
Mas essa não é uma questão que interessa aos financiadores comerciais de ensaios clínicos com drogas ou evidentemente aos investigadores nos ensaios com a Lumateperona. No relatório de psiquiatria da JAMA, eles nem sequer mencionaram o plano de abstinência. Não há discussão sobre essa melhora no grupo placebo, o que representa mais uma maneira pela qual esses estudos não ajudam a informar os cuidados clínicos de maneira significativa.
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** A molécula que foi testada no julgamento foi o tosilato de Lumateperona. A dose de 60 mg tinha 42 mg de Lumateperona, enquanto a dose de 40 mg tinha 28 mg de Lumateperona. No artigo JAMA Psychiatry, algumas das conclusões são apresentadas usando os 42 mg. e 28. mg.
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Nota do Editor:
O termo técnico “drug-washout” se refere a um recurso técnico utilizado muito em ensaios clínicos com drogas medicinais. Isso se refere a uma interrupção no tratamento em andamento. É frequentemente utilizado em ensaios cruzados, nos quais é definido um período definido antes de mudar para um novo medicamento. Nesse período, os níveis do medicamento anterior no organismo e os efeitos devem ser reduzidos a zero.
Depois de anos sonhando, planejando e pesquisando, o Peer Collective (peercollective.org), uma plataforma on-line para aconselhamento de baixo custo, agora está oficialmente em funcionamento.
Este lançamento acontece em um momento em que inúmeras pessoas no mundo estão sofrendo e não têm acesso suficiente a suporte emocional. O suicídio e a ‘incapacidade’ em saúde mental estão crescendo em todo o mundo, e muitas das principais figuras da profissão do campo da saúde saúde mental acreditam que o sistema está muito danificado, que não tem mais salvação.
O Sonho
Em 2015, cerca de uma semana depois da publicação do meu primeiro livro, Self-Compassion in Psychotherapy: Mindfulness-Based Practices for Healing and Transformation (Auto-compaixão em psicoterapia: práticas baseadas na atenção plena para curar e transformar), uma colega me fez uma pergunta desafiadora. Ela perguntou se eu acreditava que o campo como um todo seria mais eficaz se cada clínico lesse o meu livro. Com base no meu entendimento de que o treinamento não tende a melhorar os resultados do terapeuta, eu disse que não. Ela respondeu: “Então, o que seria necessário para o campo ser mais eficaz?”
Perdi um pouco de sono com essa questão, mas finalmente comecei a imaginar um mundo em que alguém pudesse pressionar um botão no telefone e se conectar a um ouvinte compassivo e empático. Imaginei que seria gratuito ou acessível o suficiente para que o custo não fosse uma barreira.
Na época, eu morava em um centro de retiro de meditação na floresta de New Hampshire e cuidava da minha esposa que estava morrendo de câncer. A criação de um novo projeto ambicioso como esse não parecia provável.
Na Barriga da Besta
Alguns anos depois, fui convidado para dar uma palestra de autor no campus do Google em Mountain View, CA. Após minha palestra, conheci David Yu Chen, um engenheiro de software do Google com um interesse apaixonado em saúde mental. Ele se aproximou de mim e disse que queria desenvolver um projeto de saúde mental. Eu nunca conheci um engenheiro de software antes e senti que essa provavelmente seria a minha única chance de tentar viabilizar a minha visão.
Finalmente, nós dois desenvolvemos e executamos durante oito meses um projeto de aconselhamento por pares no Google. Como um ex-manifestante do Occupy Wall Street, aparecer nos escritórios do Google todos os dias parecia nojento para mim. No entanto, eu aprendi muito durante esse tempo. Fizemos pesquisas sobre como rastrear e prever quais conselheiros de pares seriam eficazes e como tornar o aconselhamento de pares acessível a uma ampla gama de pessoas. Foi também durante esse período que alguns dos pesquisadores de terapia que eu mais idealizei ingressaram no projeto, incluindo o psicólogo Bruce Wampold, um especialista sobre o que torna a terapia eficaz. No entanto, ficou claro que o Google nunca patrocinaria algo radical ou voltado para comunidades carentes. Eles estavam mais interessados em como nosso projeto poderia ser usado para vender o Google Cloud para os empregadores.
Então, no verão de 2019, deixei o Google e fundei o Peer Collective. Até o momento em que este artigo foi escrito, havia 30 conselheiros de pares na plataforma, oferecendo sessões de aconselhamento de 30 minutos e por apenas US $ 14. As pessoas podem se conectar com um conselheiro que já passou por qualquer problema que essa pessoa esteja enfrentando. Eles podem encontrar conselhos de colegas disponíveis a qualquer hora e conversar via o Zoom (que oferece chamadas telefônicas ou de vídeo). Quase mil outros se candidataram a conselheiro e estamos crescendo devagar e cuidadosamente.
O aconselhamento online por pares pode transformar o campo da saúde mental?
Sim!
Vejamos alguns dos maiores obstáculos para as pessoas receberem atendimento de saúde mental de qualidade.
Primeiro, a pesquisa mostra que a terapia da fala é eficaz, mas é muito difícil se ter acesso. O preço médio de uma sessão de terapia nos EUA é de U$ 150 e, em áreas como Nova York e São Francisco, é mais próximo de U$ 250. Além disso, quase um terço dos americanos vive em áreas com escassez de profissionais de saúde mental. As pessoas que precisam de cuidados geralmente não podem pagar, não conseguem encontrar um médico ou precisam esperar meses para conseguir uma consulta.
O aconselhamento entre pares, por outro lado, geralmente é gratuito ou de baixo custo. Ao criar uma plataforma on-line para conselheiros de pares, o suporte pode estar disponível para qualquer pessoa com conexão à Internet, em qualquer momento pode funcionar. Acredito que a maior contribuição que o aconselhamento online por pares pode oferecer é melhorar o acesso.
Um segundo grande obstáculo a cuidados de saúde mental de qualidade é a escolha. Pesquisas mostram que uma má interação entre ‘cliente’ e profissional é um dos maiores fatores em pessoas que abandonam o tratamento em saúde mental. No Peer Collective, os usuários podem navegar por nossos conselheiros e agendar uma sessão com alguém que eles acham que possa ser útil. Eles podem tentar sessões com vários conselheiros até encontrar alguém de quem gostem. Eles podem ficar com uma única pessoa de forma consistente ou manter relacionamentos com vários conselheiros.
Um grande obstáculo final é o estigma. Nossa pesquisa no Google indicou que algumas pessoas que se encontram ‘incapacitadas’ pelo paradigma médico da saúde mental clínica estão muito mais abertas ao aconselhamento por pares. Na psicoterapia profissional, a base do relacionamento é o diagnóstico e o tratamento, enquanto no aconselhamento por pares é baseado em experiências compartilhadas. Acredito que combater o estigma é complicado. No entanto, os serviços baseados em pares podem ser uma maneira de combater o estigma, normalizando o sofrimento humano.
Outros benefícios do aconselhamento online por pares
Quando conversei pela primeira vez com Bruce Wampold, cujo trabalho de promover o modelo de fatores comuns da terapia eu admiro há anos, perguntei a ele: “Se você tivesse que contratar 100.000 terapeutas e desejasse que todos fossem bons, como iria ser isso? ”Ele respondeu que sabia exatamente o que faria”.
Ele me contou sobre a avaliação de Habilidades Interpessoais Facilitadoras (FIS), que é o único tipo de métrica demonstrada para prever a eficácia do terapeuta. Nossa equipe acabou criando nosso próprio processo – baseado no FIS – para avaliar as pessoas que estavam se candidatando a conselheiros. Em nossa abordagem, os candidatos assistem a sete vídeos de interações emocionais altamente desafiadoras enquanto suas respostas são gravadas em vídeo. Os conteúdos incluem situações como alguém dizendo: “Você está agindo muito bem, mas é pago para ser gentil, então isso é falso”. Os candidatos são classificados nas oito qualidades que compõem o SIF: fluência verbal, esperança e expectativa positiva, persuasão, expressão emocional, cordialidade e compreensão, empatia, capacidade da aliança e reparo da ruptura da aliança. Apenas cerca de 10% dos candidatos a conselheiros passam na avaliação.
Quando testamos esse método no Google, descobrimos que tínhamos um alto grau de concordância entre diferentes avaliadores e (o mais importante) podíamos prever rapidamente quais conselheiros seriam bons. Muitos pesquisadores sugeriram que, se os 25% menos eficazes dos terapeutas profissionais pudessem ser removidos do campo, o resultado geral melhoraria muito. Acredito que a razão de tantos terapeutas profissionais terem resultados tão ruins é que eles nunca precisam passar por uma avaliação que realmente preveja a eficácia.
Por fim, acreditamos que tornar o apoio emocional acessível é uma questão de justiça social. Nosso foco é equilibrar os cuidados menos caros quanto o possível e acessíveis a todos, garantindo que nossos conselheiros recebam um salário digno (atualmente U$ 20 / hora).
Atualmente, estamos alcançando comunidades carentes por meio de médicos e centros comunitários de saúde mental, para que possamos oferecer apoio às pessoas que mais precisam. Esperamos que, dentro de 5 a 10 anos, todos no mundo tenham, ao pressionar um botão, acesso fácil a conselheiros de pares compassivos e habilidosos.
Os usuários das drogas psiquiátricas costumam ter problemas significativos com o seu consumo. Muito em particular, quando buscam parar de tomar tais ditos medicamentos. Os médicos sabem prescrever um antipsicótico, um antidepressivo, um ansiolítico, qualquer droga psiquiátrica. Mas não sabem como ‘desprescrever’. O resultado é a produção de ‘dependentes’ químicos. Em números alarmantes.
No ano passado, 2019, o 3 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, trouxe ao Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), entre seus convidados, o holandês Peter Groot. Um cientista, com a experiência de haver sido diagnosticado com ‘depressão’ e ter sido prescrito antidepressivos, entre outras drogas psiquiátricas. Ele desenvolveu, junto com o seu colega Jim Van_Os, uma tecnologia de como reduzir as drogas psiquiátricas, de forma segura e eficaz. Trata-se das ‘tiras de redução’. O que é uma alternativa ao fracasso de como o ‘modelo biomédico’ lida com a problemática de redução e/ou interrupção das drogas psiquiátricas.
Traduzi este artigo de Peter Groot e Jim Van_Os. Ainda não foi publicado. Mas temos o direito, garantido pelo periódico aonde o artigo foi submetido e aprovado, de poder colocar o seu conteúdo para o conhecimento público. No final, você encontrará todas as referências necessárias.
Manuscrito em revisão para Therapeutic Advances in Psychofharmacology–
Tipo: revisão de perspectiva.
Boa leitura.
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Sair de medicamentos psicotrópicos pode causar sintomas de abstinência física e mental, resultando em tentativas frustradas de descontinuação e uso desnecessário de drogas a longo prazo. Os primeiros relatórios sobre abstinência apareceram na década de 1950, mas, embora os pacientes se queixem de problemas psicotrópicos de abstinência há décadas, o primeiro reconhecimento tardio pela psiquiatria só veio em 1997 com a introdução da “síndrome de descontinuação de antidepressivos”. Somente em 2019 o Royal College of Psychiatrists do Reino Unido, pela primeira vez, reconheceu que a retirada pode ser grave e persistente.
Dada a falta de uma resposta profissional sistemática, ao longo dos anos, os pacientes que estavam passando por abstinência começaram a descobrir maneiras práticas de interromper os medicamentos com segurança. Isso resultou em uma base de conhecimento baseada em experiências sobre abstinência que, em última análise, na Holanda, deu origem ao desenvolvimento de medicamentos afunilados específicos para cada pessoa (as chamadas tiras de redução). A redução gradual da medicação permite que os médicos prescrevam e adaptem com flexibilidade a medicação necessária para a redução gradual responsável e específica da pessoa, com base na tomada de decisão compartilhada e em total concordância com as recomendações das diretrizes existentes.
Olhando para trás, é óbvio que a solução prática simples das tiras poderia ter sido introduzida muito antes, e que a estratégia acadêmica tradicional de comparação de ensaios randomizados não é o primeiro passo lógico para ajudar pacientes individuais cuja extensa heterogeneidade escapa aos algoritmos baseados em grupo. Propomos um roteiro para um caminho mais produtivo, no qual pacientes e psiquiatria acadêmica trabalhem juntos para melhorar o reconhecimento e o gerenciamento específico de pessoas da retirada de drogas psicotrópicas.
Introdução
Nesta revisão de perspectiva, explicamos, do ponto de vista do usuário, como a questão da retirada de drogas psicotrópicas dividia – e até certo ponto continua a dividir – médicos e pacientes; como isso há muito tempo dificulta o desenvolvimento de soluções práticas; e como a colaboração mais próxima entre usuários e profissionais pode remediar essa situação.
Os primeiros relatos de sintomas de abstinência de drogas psicotrópicas – assim como de outras – têm mais de 60 anos [1-3]. Eles demonstraram que a retirada pode causar problemas físicos e mentais. Por sua vez, isso pode levar a fracassos nas tentativas de descontinuação de medicamentos como os antidepressivos e ao seu uso desnecessário, contribuindo para um número crescente de usuários de antidepressivos a longo prazo. Parece que, durante muitos anos, perguntas críticas sobre os efeitos de abstinência raramente eram feitas e, quando feitas, não eram tratadas adequadamente. A pesquisa sobre drogas sempre foi – e principalmente ainda é – focada na eficácia a curto prazo e não em efeitos adversos a longo prazo. As empresas farmacêuticas não eram e, surpreendentemente, ainda não são obrigadas a investigar se e como os pacientes podem interromper com segurança os medicamentos que desejam que sejam aprovados, por exemplo após o uso terapêutico a longo prazo.
Durante muito tempo, os problemas de abstinência não foram considerados uma questão central na psiquiatria acadêmica. Isso permaneceu assim até 2019, quando o Royal College of Psychiatrists, pela primeira vez, admitiu que a realidade para muitos pacientes era bem diferente: os sintomas de abstinência podiam ser mais graves e durar mais do que sempre se supunha. Além disso, não há base de evidências sobre como interromper os medicamentos com segurança [4]. O Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (National Institute for Health and Care Excellence), em um anúncio sobre a futura revisão das diretrizes de antidepressivos, chegou a conclusões semelhantes [5], assim como a American Food and Drug Administration(FDA) [6] e o Center for Disease Control [7] – no contexto de abstinência de opióides. Essas recentes atualizações de fato reconheceram o que muitos pacientes vem relatando há anos [8]: que têm grandes dificuldades quando tentam interromper os medicamentos e que seus médicos não parecem capazes de ajudá-los com isso. Como resultado, os pacientes começaram a encontrar soluções por conta própria e a aconselhar outros pacientes a parar com segurança [8-12].
Em suas respectivas declarações, RCPsych, NICE, FDA e CDC deixaram claro que, a partir de agora, os médicos deveriam deixar seus pacientes diminuir gradualmente, que não existem esquemas de redução padronizada e que a redução deve ser individualizada. No entanto, eles não vem deixando claro como isso pode ou deve ser feito. Mais pesquisas são consideradas como sendo necessárias.
Nesta revisão, discutiremos se é possível melhorar a prática clínica sem primeiro fazer novos estudos, usando os conhecimentos, informações e ferramentas que já possuímos. Para fazer isso, não basta apenas se recorrer ao conhecimento profissional. Em vez disso, reconhecemos que existe um corpo extenso e importante de conhecimento do usuário, baseado no trabalho de usuários que sofreram abstinência [8-13]. Esta área de conhecimento do usuário, no entanto, até o momento não foi apreciada e tem sido amplamente ignorada pela psiquiatria e pela ciência médica.
Na literatura científica médica, o foco tomado nas revisões é principalmente no desenvolvimento e teste de modelos teóricos, com o objetivo de reunir provas ‘baseadas em evidências’ para melhorar a prática clínica diária, estabelecendo diretrizes baseadas em evidências. Essas raramente são claras e geralmente são acompanhadas de declarações como “isso pode levar a” e “mais pesquisas são necessárias”. Os pacientes que procuram soluções, no entanto, geralmente adotam um curso muito mais pragmático, com um forte foco na experimentação prática, resultando em uma rica base de conhecimento fora da psiquiatria convencional [8-13] e em muitas sugestões concretas para estratégias novas e práticas de retirada de medicamentos [14,15].
Nesta revisão, a perspectiva do usuário tem um papel de liderança. Um dos autores (PCG) começou como paciente e escreveu sobre suas experiências [16], antes de se tornar, de fato, por acaso, envolvido no desenvolvimento de medicamentos ‘cônicos’ [14, 17, 18]. Ser paciente e não médico fornece uma perspectiva que facilita fazer perguntas que geralmente não são aquelas feitas por profissionais médicos. Os usuários do serviço desejam desenvolver soluções práticas para os problemas que encontram. As teorias continuam sendo um meio para um fim e se tornam um fim em si. Na literatura médica sobre abstinência, a conclusão usual é que ‘são necessárias mais pesquisas’, antes que a prática clínica possa ser melhorada posteriormente. Pode-se argumentar, no entanto, que, após mais de meio século de prática clínica de baixa qualidade que vem ignorando a retirada, o caso para encaminhar os pacientes para ‘pesquisas adicionais’ que podem nunca fornecer respostas em primeiro lugar e que levarão pelo menos uma década para serem feitas e interpretadas – caso algum financiamento seja encontrado, é ética e logicamente insustentável. Uma década a mais de espera para pacientes e médicos simplesmente não é aceitável.
As discussões sobre abstinência, na literatura científica e em outros lugares, têm sido confusas e polarizadas porque, durante muito tempo, a psiquiatria considerou a abstinência muito menos problemática do que os pacientes. Atualmente, no entanto, é seguro dizer que há consenso sobre o seguinte [4-7]: 1) a retirada pode ser grave e persistente; 2) há uma ampla variação na experiência de abstinência entre as pessoas e mesmo em cada um em termos de sintomas, gravidade, nível de persistência, recorrência e taxa de redução tolerada – tornando improvável que uma abordagem padrão ‘baseada em evidências’ venha a surgir; 3) a descontinuação deve envolver a dosagem sendo reduzida ou diminuída lentamente, o que pode ocorrer por vários meses ou muito mais tempo; 4) isso deve ser feito em uma taxa de redução tolerável para o paciente; 5) o monitoramento contínuo é indispensável; 6) a tomada de decisão compartilhada é essencial.
Nesta revisão em perspectiva, será discutido que não é necessário aguardar os resultados incertos de pesquisas futuras antes que a prática clínica possa ser aprimorada. De fato, demonstraremos que existem soluções válidas, baseadas no conhecimento do usuário e em estudos observacionais pioneiros até o momento.
Um racha entre pacientes e médicos sobre abstinência
Os primeiros sintomas de abstinência foram relatados na década de 1950 [1-3], mas foi apenas em 1997 quando, em uma conferência financiada por Eli Lilly, um ‘Painel sobre Consenso a respeito da Descontinuação’ definiu a chamada Síndrome da Descontinuação de Antidepressivo, ou ADS [19]. Esse nome foi criticado por obscurecer e minimizar a retirada, talvez por razões comerciais [20]. Fato é que, até 2019 [4], a psiquiatria permaneceu relativamente insensível aos sinais dos pacientes sobre abstinência.
Havia e provavelmente ainda existe uma divisão, um racha, entre o que muitos médicos pensavam ou pensam sobre a retirada e o que os pacientes experimentam. O aconselhamento em folhetos distribuídos aos pacientes e as diretrizes oficiais geralmente vão até à recomendação de diminuir gradualmente a dose por um período de várias semanas, de acordo com a necessidade do paciente, sem ser específico sobre o que isso significa com precisão e como isso deve ser tornado praticamente possível (ver Quadro 1: As recomendações dos fabricantes mostram, de fato, que a redução gradual é impossível).
Quando os pacientes começaram a tentar diminuir gradualmente a sua medicação em casa, aplicando a farmacoterapia do faça-você-mesmo (mexendo com medicamentos em casa para obter doses mais baixas) [8-12], deixaram claro que queriam (e precisavam [21]) ter acesso a dosagens mais baixas dos medicamentos que desejavam diminuir do que o que era o disponibilizado no mercado. Para uma empresa farmacêutica, disponibilizar um medicamento com uma dosagem química menos forte não é tecnicamente mais exigente ou mais caro do que qualquer das dosagens já registradas. Surge, portanto, a pergunta: por que as empresas farmacêuticas não disponibilizam as dosagens necessárias para os pacientes poderem fazer a redução? Por que associações médicas e os comitês que formulam as diretrizes para os clínicos não pedem às empresas farmacêuticas que façam isso, quando percebem que os pacientes costumam se voltar para uma farmacoterapia de bricolagem?
Por que mais pessoas não fazem perguntas críticas sobre o atual sistema de dosagem que impõe limites tão fortes às escolhas que médicos e pacientes podem fazer? Um sistema que está muito em desacordo com as escolhas que temos quando usamos produtos do dia a dia (consulte a Caixa 2: Peculiaridades do atual sistema de dosagem).
Experiências e iniciativas dos pacientes
Ao longo dos anos, em resposta à falha real ou percebida que seus médicos não os ajudam a tomar com segurança os medicamentos prescritos, um número crescente de pacientes começou a tentar encontrar soluções por conta própria, o que resultou em uma base de conhecimento fora da psiquiatria e da literatura científica, na forma de vários fóruns bem moderados na internet, com orientações não oficiais e, às vezes, muito elaboradas [9, 10, 13] e com relatos pessoais coletados sistematicamente, em alguns casos de milhares de pacientes [8]. Não é exagero se afirmar que muitos pacientes acham que foram ou que têm sido realmente melhor ajudados por essas iniciativas do que por seus próprios médicos.
Importante para o reconhecimento de problemas de abstinência é o fato de que entre aqueles que sofreram abstinência também tem havido profissionais médicos. Em 2019, dois deles, Mark Horowitz e David Taylor, publicaram talvez o artigo científico mais perspicaz até agora sobre como diminuir os antidepressivos [21].
Eles corretamente inferiram que o que haviam experimentado era muito diferente do que haviam aprendido e do que as diretrizes diziam. Horowitz disse sobre isso em uma entrevista: “Eu acho que se um paciente tivesse me procurado (antes de eu haver experimentado) e se dissesse que eles realmente tinham problemas com um antidepressivo, eu provavelmente estaria inclinado a não acreditar neles…. E acho que essa é uma das razões para os médicos serem céticos quanto a isso” [22]. Da mesma forma, Taylor disse: “Por que os médicos continuam dizendo às pessoas que os sintomas de abstinência são leves e realmente nada com que se preocupar? Talvez seja porque há uma tendência para os clínicos quererem acreditar que novos medicamentos são panacéias inócuas” [23]. O título de seu pequeno texto – “não é exatamente como os textos padrão dizem” – sublinhava claramente a necessidade de adaptar as diretrizes atuais. 20 anos para o reconhecimento oficial da possível gravidade e duração dos sintomas de abstinência pela psiquiatria [4].
Quantos pacientes sofrem com a abstinência?
Quantos pacientes sofrem de abstinência não está claro. Em dezessete estudos diferentes, variando de pequenos estudos sobre medicamentos financiados pela indústria a grandes pesquisas independentes online, foram relatadas taxas de incidência variando de 5 a 97% [24]. De acordo com a pesquisa on-line mais recente entre 867 pessoas de 31 países que tentaram interromper os antidepressivos, 61% relataram efeitos de abstinência, sendo 44% os que descrevem como graves [25]. Essas estimativas aproximadas não nos dizem quais são os números para um medicamento específico. Um dos problemas não é apenas o fato de não termos dados suficientes, mas que a incidência, a gravidade e a duração da retirada e recidiva provavelmente dependerem de como o paciente diminui: a interrupção abrupta causa mais problemas do que a diminuição gradual.
Muito pouco se sabe sobre a distribuição da gravidade da abstinência em grupos de pacientes. Na tentativa de encontrar uma resposta preliminar sobre essa distribuição, usamos dados de prescrição disponíveis para as tiras de redução em um grupo de pacientes que usaram Venlafaxina em tiras de afunilamento com sucesso – de 37,5 mg a zero. Dos 810 pacientes, 299 (36,9%) escolheram diminuir em 28 dias, 169 (20,9%) em 56 dias, 255 (31,5%) em 84 dias, 65 (8,0%) em 112 dias e 22 (2,9%) em 140 dias ou mais, usando 1, 2, 3, 4 ou 5 ou mais tiras de redução, respectivamente (Figura 1).
Esses dados preliminares devem ser interpretados com cautela, pois se baseiam na suposição de que 1) o tempo que os pacientes levaram para diminuir é uma proxy da gravidade da retirada; e 2) que a tomada de decisão compartilhada foi usada quando as tiras de retirada foram prescritas. Além disso, é provável que vários pacientes tivessem demorado mais tempo a diminuir se sua seguradora de saúde reembolsasse seus medicamentos.
A distribuição distorcida reconcilia visões opostas sobre a gravidade da retirada
O que foi observado na Figura 1 é que 90% dos pacientes diminuíram em 3 meses ou menos e cerca de 10% em 4 ou mais meses. Pensamos que este é precisamente o tipo de distribuição distorcida que esperaríamos se desejássemos conciliar visões atualmente opostas sobre a verdadeira gravidade da retirada. Por um lado, um período de redução gradual de 3 meses ou menos para a grande maioria dos pacientes corresponde bem às novas recomendações – mas não muito concretas – estabelecidas na declaração de posição do RCPsych [4]. Isto afirma que a redução gradual tolerável para os pacientes pode ocorrer durante vários meses. Por outro lado, períodos mais longos e talvez muito mais longos correspondem bem à retirada grave relatada por uma minoria de pacientes (auto-selecionados) em fóruns da Internet, bem como em estudos observacionais maiores recentes [24, 25].
Os resultados dos ensaios clínicos randomizados não são válidos para pacientes na cauda de uma distribuição distorcida
Também pode ser esperada uma distribuição distorcida para outros medicamentos que causam sintomas de retirada. Isso tem várias implicações. Para começar, os resultados de estudos randomizados para examinar propriedades muito desigualmente distribuídas em uma população produzirão resultados que podem ter significado para a maioria dos pacientes, mas não serão válidos para o subgrupo de pacientes no final de uma distribuição distorcida [26]. Qualquer tentativa de usar esses resultados para determinar qual será o tratamento adequado para um paciente individual no final da distribuição deve ser considerada uma prática clínica de baixa qualidade que pode ser potencialmente prejudicial para esses pacientes, assim como para os médicos que devem ajudá-los. No entanto, isso é, em nossa opinião, precisamente o que está acontecendo e o que ainda está acontecendo no caso de retirada.
Também podemos inferir que as recomendações sobre a retirada que constam das diretrizes médicas anteriores e atuais não têm sido úteis não apenas para esses pacientes ‘raros’, mas também foram e ainda são prejudiciais para a maioria. Um exemplo concreto de como esse dano é causado foi observado na Holanda, onde várias seguradoras de saúde se recusam a reembolsar remédios em dosagens reduzidas para pacientes para os quais os médicos desejam prescrever agendamentos mais graduais de maior duração, porque eles sofrem de sintomas severos de retirada. O argumento que essas seguradoras de saúde usam é que “não há evidências na literatura” de que o paciente em questão precisaria desse medicamento em dosagens reduzidas. No entanto, a seguradora de saúde não sabe e não pode saber qual é a posição do paciente na distribuição, mesmo que os dados sobre a distribuição fossem disponíveis, o que atualmente não é o caso.
Nessa situação, a única coisa razoável a ser feita seria confiar no julgamento do médico sobre a gravidade da retirada do paciente. Mas, em vez de fazer isso, o argumento de que não haveria ‘evidência’ tem sido considerado como a única declaração válida. Esse também foi o caso do Instituto Nacional de Saúde da Holanda, que aconselhou as seguradoras de saúde em todos os casos em que os pacientes apresentarem uma queixa oficial, mesmo quando seus médicos atestam a gravidade de suas queixas por retirada [27-31]. Ironicamente e infelizmente, o que vemos aqui é que o ‘modelo baseado em evidências’ da ciência médica tem levado a uma cultura de ignorar substancialmente as experiências dos pacientes [32].
Resistência institucional
As seguradoras de saúde holandesas e o Instituto Nacional de Saúde holandês não são as únicas partes que usam o argumento de que há uma falta de ‘evidência’ da necessidade de diminuir gradualmente – de maneira muito mais gradual -e por períodos de tempo muito mais longos do que o padrão da prática clínica. É seguro dizer que muitos dentro da psiquiatria usaram ou ainda estão usando o argumento de que precisamos primeiramente de mais ‘evidências’ de estudos aleatórios. Isso apesar do fato de que esses estudos, conforme explicado acima, não ajudarão a identificar pacientes que estão em maior risco, porque estão na cauda de uma distribuição distorcida.
Uma questão surpreendente com a qual tivemos que lidar na Holanda é o fato de que, nos últimos anos, foi difícil para nós informar ou discutir essas questões com as partes relevantes, como são nossas seguradoras de saúde, a Associação Psiquiátrica Holandesa, a Associação de Médicos Gerais, a organização guarda-chuva dos pacientes MIND, o Instituto Nacional de Saúde da Holanda e até o Ministério da Saúde. Em nossa opinião, experimentamos o que tantos pacientes experimentaram por tantos anos quando tentaram discutir seus problemas de abstinência. Teoria, suposições e uma interpretação restrita da literatura têm sido o que é levado em conta, outras coisas têm sido consideradas menos relevantes ou não relevantes em
Na Holanda, essa atitude não científica tem levado a várias audiências [33-35], processos judiciais [36-38], debates parlamentares [39-42] e até mesmo uma sessão pública parlamentar [43], cujo resultado foi ignorado pelo Ministro da Saúde [44], talvez por ter sido organizado pelos principais partidos da oposição. Uma interpretação errônea da teoria foi considerada como sendo mais importante do que o que os pacientes e seus médicos relataram. Como resultado, os pacientes a quem o reembolso de seus medicamentos foi recusado podem haver optado do seu próprio bolso ou diminuir mais rapidamente do que desejavam ou que os seus médicos consideravam o adequado, correndo o risco dos sintomas de retirada e as consequências indevidas associadas.
Em grande parte, pensamos que o que observamos aqui vem acontecendo, nos últimos 50 anos, para muitos pacientes que vem tendo problemas para interromper a medicação. Considerações teóricas e opinião de especialistas têm sido consideradas mais válidas do que as experiências dos próprios pacientes, talvez também como resultado de outros interesses – financeiros e institucionais – [45].
Para poder interromper essa situação indesejada, pensamos que é crucial ser mais honesto sobre as incertezas e lacunas existentes no conhecimento, muitas das quais provavelmente não desaparecerão tão cedo [46]. As experiências, ideias e iniciativas dos pacientes devem ser levadas muito mais a sério, também quando não são publicadas na literatura científica e mesmo quando são consideradas como contendo mensagens ‘críticas’. Isso exigirá outra atitude e outra maneira de avaliar as informações, mas valerá o esforço.
Como melhorar a prática de deixar de tomar medicamentos – de que estudos precisamos?
A ciência médica aprecia muito mais os estudos randomizados do que outros tipos de estudos. Para melhorar a prática de deixar de tomar medicamentos, isso tem sido altamente problemático, porque 1) poucos estudos randomizados sobre abstinência foram realizados até o momento [47-50]; 2) a maioria dos estudos tem sido pequenos demais, apresentando problemas metodológicos e usando palavras como ‘gradual’ de uma maneira confusa, que por exemplo tem levado à alegação errônea de que não haveria vantagem significativa da redução gradual em comparação à interrupção abrupta [48, 51-56]; 3) os efeitos amplamente desconhecidos na retirada da polifarmácia, que não são incomuns na prática clínica diária, não são levados em consideração; 4) talvez haja mais revisões [54,57-62] do que os estudos randomizados originais sobre abstinência, que levaram ao eco de resultados confiáveis; 5) os resultados não são significativos para os pacientes mais vulneráveis ao final de distribuições distorcidas (veja acima). Não surpreende que a contribuição combinada para melhorar a prática clínica diária de todos esses estudos tenha sido preocupantemente baixa [49-51].
O que é verdade para os estudos de abstinência também é verdadeiro para a maioria dos outros ensaios clínicos randomizados em psiquiatria. O produto de milhares de Estudos de Controle Randomizados que custaram bilhões de dólares tem sido decepcionante. Como John Ioannidis colocou: “Há um enorme investimento em pesquisa básica em neurociência e pesquisas intensivas por biomarcadores informativos de resposta ao tratamento e toxicidade. O rendimento é próximo a zero. . . . Até os otimistas reconhecem que, atualmente, ainda não existe uma maneira clinicamente útil de prever quais pacientes responderão melhor a medicamentos amplamente utilizados, como os antidepressivos” [63]. Não é realista esperar muito dos estudos randomizados para melhorar os modelos de previsão. Parece melhor aceitar as incertezas existentes e trabalhar com elas [46], conforme explicado abaixo.
Lidar com ou prevenir os sintomas de abstinência
É indiscutível que a orientação adequada, feita por um médico ou por outros profissionais de saúde, é importante e deve estar sempre disponível [64] e pode ajudar a suportar e superar os sintomas de abstinência, se eles ocorrerem, mas apenas a redução gradual e lenta ajuda a evitá-los. Portanto, o primeiro trabalho de um médico deve ser tornar possível a redução gradual, prescrevendo a medicação correta (reduzida). Todos os pacientes que tentaram ou ainda estão tentando conseguir isso através da farmacoterapia de bricolagem entenderam isso melhor do que muitos de seus médicos e muitos pesquisadores, que não abordaram a questão de como diminuir gradualmente.
Medicação afunilada (‘tiras de redução’)
A iniciativa de um paciente
Em 2010, um projeto foi iniciado na Holanda, com base na ideia para o desenvolvimento de uma ‘tira de retirada de medicamentos’ publicada em 2004 [15]. Em 2013, isso levou ao desenvolvimento das primeiras tiras cônicas para paroxetina e venlafaxina [14] (consulte o Quadro 3: Medicação cônica – como funciona).
Nos anos que se seguiram, foi desenvolvido um sistema flexível para a prescrição de medicação cônica para vários outros medicamentos: antidepressivos, antipsicóticos, sedativos como benzodiazepínicos, analgésicos de ação central como analgésicos opioides [65], antiepiléticos e alguns outros medicamentos [66]. A lista ainda está crescendo porque os pedidos de outros medicamentos que acabam causando sintomas de abstinência continuam chegando, tanto dos pacientes quanto dos clínicos. Uma indicação clara de que os problemas de abstinência não se limitam aos antidepressivos e que eles foram, e talvez ainda estejam sendo subestimados pela ciência médica.
Tolerando a incerteza – usando o conhecimento que os pacientes têm
Talvez a tomada de decisão compartilhada possa ser melhor prescrita enquanto uma suposição educada, necessária quando há incerteza [46]. Para a retirada, isso é menos um problema do que muitos pesquisadores que desejam primeiramente desenvolver modelos de previsão possam pensar. Uma das razões pelas quais isso ocorre é que os pacientes geralmente têm uma boa ideia do que querem ou precisam; indiscutivelmente ainda melhor do que seus médicos. Isso é especialmente verdadeiro para pacientes que tentaram diminuir o consumo de drogas no passado e falharam. Muitos desses pacientes sabem quão lenta e gradualmente eles querem diminuir, ou talvez quão rápido eles não querem diminuir. O uso desse conhecimento não está apenas alinhado à crescente ênfase na prática de tomada de decisão compartilhada, mas também faz muito mais sentido do que confiar em conselhos limitados e pouco concretos nos folhetos dos pacientes e nas diretrizes existentes, baseadas na opinião de especialistas e não em evidências. Nesta situação, devemos nos perguntar: quem é o especialista: o médico ou o paciente?
Qual a utilidade dos critérios de risco?
Os critérios de Risco foram definidos para tentar identificar pacientes com maior risco do que outros [67]. Isso pode ser útil, mas um determinado paciente sem nenhum fator de risco ainda pode estar em risco e vice-versa. Atualmente, não é possível prever isso para um paciente individual. Mais estudos em grupo randomizados (ECRs) não mudarão isso (veja antes apresentado). A disponibilidade de medicação ‘cônica’ torna possível lidar com essa incerteza de uma maneira muito prática. Permite que médico e paciente decidam juntos uma trajetória cônica, quer dizer, de redução lenta e gradual, usando todo o conhecimento (paciente) disponível. É nossa opinião que o paciente deve estar na liderança aqui, não o médico. Ambos não sabem – e não podem – saber se a escolha será pelo cronograma ideal de redução, mas sim como é praticamente possível se adaptar quando ocorrem os sintomas de abstinência, esse não é um grande problema. O importante aqui é que o (auto) monitoramento adequado também seja praticamente possível.
Auto-monitoramento simplificado
Anteriormente, testamos com êxito o automonitoramento em um experimento n = 1, usando um dispositivo digital que solicitou ao participante que respondesse às mesmas 40 perguntas 10 vezes por dia (Experience Sampling Methodology ou ESM) durante a redução gradual de um antidepressivo [18]. Esse número elevado de medições tornou possível detectar com sensibilidade os chamados sintomas de alerta precoce para uma transição crítica nas mudanças de humor. Essa experiência de prova de princípio mostrou que é possível capturar objetivamente o efeito de uma dose variável de medicamento por meio de medidas prospectivas de experiências subjetivas de um paciente.
Usamos esse conhecimento para desenvolver um formulário de auto-monitoramento de abstinência para capturar abstinência experimentada subjetivamente em função de uma dose de medicamento alterada ou inalterada ao longo do tempo. O formulário foi feito o mais simples possível, porque queríamos que fosse utilizável e útil para todos os pacientes que usavam medicação cônica e para seus médicos (o método abrangente usado no estudo n = 1 seria muito trabalhoso). A Caixa 3 (Monitoramento prospectivo de reclamações de retirada subjetivamente experientes) mostra os dois primeiros formulários de auto-monitoramento que nos foram devolvidos (apenas recentemente iniciamos um projeto piloto com esses formulários). Um por um paciente que reduziu a clomipramina de 75 a 50 mg em um dia e outro por um paciente que estabilizou o diazepam na dose de 0,3 mg. Instruções breves e simples permitiram que ambos os pacientes preenchessem o formulário sem problemas e tirassem suas próprias conclusões. O paciente que reduziu a clomipramina concluiu que a redução foi boa. O paciente que estabilizou o diazepam na dose baixa de 0,3 mg de diazepam concluiu que o sono havia sido completamente restaurado. Ambos os pacientes decidiram que desejavam diminuir ainda mais. Consideramos que isso é útil, além de capacitar o paciente e ser informativo para o médico, o que deve facilitar a conversa proveitosa sobre como prosseguir.
Experiências com o uso de tiras de redução
Que o uso de tiras de redução (também chamadas de tiras cônicas) funciona bem na prática clínica e que possibilita a tomada de decisões compartilhada praticamente possível, temos, em nossa opinião, demonstrado em nosso primeiro estudo observacional de um grupo de 1.194 pacientes que usaram medicamentos cônicos [17]. Nesse primeiro grupo, havia muitos pacientes que haviam sofrido abstinência e, portanto, procuravam ativamente maneiras melhores e mais seguras de diminuir. Quando descobriram que a medicação diminuía, eles precisavam explicar isso aos médicos, que muitas vezes não sabiam que isso existia. Como esses pacientes sabiam o que queriam, acreditamos que, nesse grupo, o uso de tiras cônicas frequentemente será o resultado de decisões compartilhadas e também que os pacientes estejam instruindo seus médicos sobre a redução gradual, em vez do contrário.
Que os esforços desses pacientes não foram desperdiçados é demonstrado pelo resultado de nosso estudo observacional. Esse primeiro grupo provavelmente conteve um grupo relativamente grande de pacientes auto-selecionados, difíceis de serem ajudados e vulneráveis, localizados no final da distribuição distorcida discutida anteriormente. O uso de medicação cônica permitiu que 70% deles diminuíssem completamente o antidepressivo, uma porcentagem muito maior do que qualquer estudo que conhecemos.
Em nossa opinião, isso mostra que muitos dos problemas atuais de abstinência não são o resultado infeliz da falta de conhecimento, mas o efeito iatrogênico adverso de um sistema que tem permitido a prescrição de novos medicamentos sem fornecer as ferramentas necessárias para sair com segurança deles .
Um roteiro para a redução lenta e gradual
A retirada do medicamento psiquiátrico pode se tornar um problema tão grande porque as empresas farmacêuticas têm – e ainda têm – permissão para trazer medicamentos ao mercado sem ter que investigar se podem ocorrer problemas quando os pacientes param de usá-los após o uso terapêutico e desenvolver soluções, quando isso vem a acontecer. A psiquiatria acadêmica também deve ser responsabilizada. Sempre houve e ainda há muita atenção para o desenvolvimento e (a curto prazo) da eficácia de novos medicamentos e para iniciar o tratamento farmacoterapêutico, mas não o suficiente para interromper o tratamento e causar efeitos adversos a longo prazo. O número muito limitado dos aspectos fortes registrados sobre as drogas tem sido questionado pelos pacientes, não pela psiquiatria. A prática clínica foi adaptada ao que as empresas farmacêuticas vendem e não o contrário. Como resultado, os pacientes que precisam de outras forças tem sido obrigados a recorrer à farmacoterapia de bricolagem, a pagar do próprio bolso ou a arriscar sintomas de abstinência que poderiam ter sido evitados.
A redução gradual da medicação possibilita prescrever e adaptar programas de redução e interrupção dos medicamentos psiquiátricos de maneira flexível, usando a tomada de decisão compartilhada. Mas é claro que isso não resolverá todos os problemas de retirada. Muitas perguntas ainda permanecem. Uma questão muito importante é se a redução gradual, que é gradual o suficiente para evitar os sintomas de abstinência durante e logo após a redução gradual, também é gradual o suficiente para evitar problemas de recaída ou retirada que ocorrem (muito) posteriormente. Saber disso é clinicamente altamente relevante. Após uma redução bem-sucedida (sem apresentar sintomas de abstinência), alguns pacientes começam a apresentar queixas mais tarde e, para alguns, esses sintomas podem ser muito graves e duradouros e talvez não desapareçam. Por que isso é assim não está completamente claro [52, 68]. Um processo de redução lento e gradual pode ajudar esses pacientes? Nós não sabemos. Para descobrir, precisamos de dados, especialmente sobre os pacientes (talvez raros) que são mais vulneráveis. Aqueles que estão localizados no final de uma distribuição distorcida. A disponibilidade do medicamento diminui a possibilidade de obter dados observacionais prospectivos para diferentes drogas da prática clínica diária de grandes grupos de pacientes dentro de alguns anos, se esses pacientes puderem escolher por si próprios (com base na tomada de decisão compartilhada) e se estiverem dispostos a compartilhar dados de auto-monitoramento durante e após a redução gradual. As metanálises podem ajudar a encontrar respostas para perguntas para as quais não há respostas agora.
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Na opinião do consagrado médico e cientista, Peter Gotzsche, nunca os antipsicóticos devem ser usados. Algo dito textualmente. Impactante.
“Há muitas pesquisas com antipsicóticos e os danos produzidos. Já sabemos muito sobre essas drogas psiquiátricas. Na minha opinião, não se deveria jamais usá-las. Não curam ninguém. Mas em muitos casos, os antipsicóticos produzem a psicose como um problema permanente. Quando são tomados por um longo período, é produzida uma ‘super-sensibilidade’ à psicose. Se desenvolve de fato uma psicose, porque se está tomando um antipsicótico. Sendo algo que supostamente estaria agindo na psicose (…) No máximo uma diazipina em crise (…) Quando eu pergunto aos meus pacientes o que preferem, uma diazipina ou um antipsicótico (…) Preferem diazipinas (…) O que é feito é desumano, discriminatório (…) A Psiquiatria é um tratamento forçado com drogas (…).”
Veja o depoimento, curto, de Peter Gotzsche na íntegra, clicando aqui →
Além das sucessivas contribuições de Peter Gotzsche à nossa comunidade do Mad, mais informações você pode ter clicando aqui →
É bem sabido que o número de disgnósticos de TDAH em crianças e adolescentes cresceu no mundo todo de maneira dramática. E como consequência, muitas delas veem sendo medicadas desde muito novas. Nesse sentido, o artigo Por que o diagnóstico biomédico do TDAH tem se tornado tão dominante? de Michael W. Corrigan, Robert Whitaker e Fernando Freitas, traz contribuições importantes.
Publicado na revista Práxis Educacional, o artigo faz uma revisão histórica de como o diagnóstico de TDAH vem sendo construído. O argumento principal utilizados pelos autores é que apesar de chegar ao grande público que o TDAH apresenta origem em fatores genéticos, neurobiológicos, ambientais e múltiplos genes associados, não existem evidências seguras e confiáveis de uma determinação biológica.
Para contribuir com a discussão, os autores analisam um estudo sobre TDAH, considerado um grande avanço científico, o qual conclui que o cérebro de crianças com TDAH seriam menores do que o de crianças que não apresentam o tal transtorno, publicado pelo Lancet Psychiatry. Os autores acharam várias falhas na análise do estudo, o que poem por terra que o estudo trouxe evidências definitivas sobre a base biológica do TDAH.
“O diagnóstico TDAH tem pouca evidência científica para dar suporte à ideia que ele representa um transtorno físico do cérebro e do sistema nervoso. A análise crítica das evidências científicas hoje existentes concluem que esse diagnóstico nos diz muito pouco (se não nada) a respeito da causa, do tratamento e resultados para tais problemas emocionais ou comportamentais.”
Na verdade, o motivo pelo qual foi patologizado alguns comportamentos infantis tem mais a ver com como nós interpretamos esses comportamentos e emoções das crianças/ adolescentes. Ou seja, é fruto de uma nova construção social da infância. Como resultado, teremos crianças/adolescentes potenciais consumidores da psiquiatria e das medicações psiquiátricas por toda a vida.
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CORRIGAN, M.W; WHITAKER, R.; FREITAS, F. Por que o diagnóstico biomédico do TDAH tem se tornado tão dominante? Revista Práxis Educacional, Vitória da Conquista – Bahia, v. 16, n. 37, p. 16-33, Edição Especial, 2020. (link)