Pesquisadores propõem que se fale de “abstinência”, não “síndrome de descontinuação”

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O termo “síndrome de descontinuação” é deliberadamente enganoso, de acordo com pesquisadores que escrevem no The British Journal of Psychiatry. Elia Abi-Jaoude e Ivana Massabki sugerem que o termo é apenas um eufemismo para o termo mais preciso “abstinência” (também conhecido no Brasil como “desmame” ou “retirada”).  Eles escrevem que o termo “síndrome de descontinuação” foi cunhado com o apoio da indústria farmacêutica para subestimar e desconsiderar o testemunho de pessoas que experimentam efeitos adversos após a interrupção dos antidepressivos ISRS (inibidores seletivos de recaptação de serotonina).

“O termo síndrome de descontinuação, que parece ter sido estabelecido e divulgado com o apoio das indústrias farmacêuticas para minimizar as preocupações dos pacientes com relação ao uso de medicamentos ISRS, é enganoso e deve ser abandonado em favor do termo mais apropriado que é síndrome do desmame dos ISRS”, eles escrevem.

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Uma atualização recente das diretrizes vigentes no Reino Unido reconheceu o potencial de sintomas graves e duradouros gerados pela retirada dos antidepressivos. Isso ocorreu depois de um artigo do BMJ publicado no ano passado, onde é feita uma forte crítica às diretrizes oficiais que minimizam os sintomas de abstinência. Nesse artigo, os pesquisadores escreveram que os pacientes estavam sendo diagnosticados erroneamente como tendo uma recaída de depressão quando, em vez disso, estavam sofrendo de sintomas de abstinência dos ISRS.

Um outro estudo constatou que mais da metade das pessoas que tomam antidepressivos apresentaram sintomas de abstinência – e cerca de 25% classificaram esses sintomas como “graves”. Ainda outro estudo descobriu que, em média, a retirada do ISRS durava 90,5 semanas, enquanto a retirada do ISRN (outra classe de antidepressivos) durava 50,8 semanas.

Em seu artigo, Massabki e Abi-Jaoude examinam a história do termo “síndrome de descontinuação” em artigos acadêmicos revisados por pares. Antes de 1997, o termo foi usado apenas uma vez. No entanto, em 1997, uma edição complementar do Journal of Clinical Psychiatry usou o termo – desencadeando uma reação em cadeia que resultou em 12 usos do termo apenas naquele ano. Essa edição foi patrocinada pela empresa farmacêutica Eli Lilly (fabricante do Prozac, Cymbalta e Zyprexa). Foi apresentada uma definição de “síndrome de descontinuação” que não era diferente da “abstinência”, podendo assim ser aplicada aos efeitos nocivos da interrupção de qualquer medicamento.

O próximo grande pico no uso do termo ocorreu em 2006 com a publicação de um segundo suplemento no mesmo periódico – este patrocinado pela empresa farmacêutica Wyeth (fabricante do Effexor, conhecido por Velanfaxina). Nessa edição, os autores sugeriram que os pesquisadores parassem de usar o termo “abstinência” e, em vez disso, usassem o termo “descontinuação”. Eles argumentaram que o termo “desmame” era assustador para pacientes preocupados em se tornar fisicamente dependentes de antidepressivos. Os autores também argumentaram que a “síndrome da descontinuação” era diferente da síndrome de abstinência – mas, novamente, sua definição não distinguia entre as duas. O suplemento de 2006 incluiu a seguinte lista de sintomas de abstinência de antidepressivos que eles usaram para definir a síndrome de descontinuação:

“Neurossensorial (por exemplo, vertigem, parestesias, reações semelhantes a choque, mialgia, outra neuralgia); neuromotor (por exemplo, tremor, mioclonia, ataxia, alterações visuais); gastrointestinal (por exemplo, náusea, vômito, diarreia, anorexia); neuropsiquiátrico (por exemplo, ansiedade, humor deprimido, intensificação de ideação suicida, irritabilidade, impulsividade); vasomotor (por exemplo, diaforese, rubor); e outros neurológicos (por exemplo, insônia, sonhos vívidos, astenia / fadiga, calafrios). ”

De acordo com Massabki e Abi-Jaoude, “os sintomas descritos são típicos dos pacientes que sofrem de abstinência e indicam as várias maneiras pelas quais os pacientes podem se tornar dependentes de seus ISRSs”. De fato, outra revisão recente descobriu que 37 dos 42 sintomas de abstinência ocorreram tanto para benzodiazepínicos quanto para ISRSs. Então, por que a mesma experiência é chamada de “abstinência” quando para benzodiazepínicos, mas “síndrome de descontinuação” quando para ISRSs?

Massabki e Abi-Jaoude escrevem que a resposta está na maneira sutil como é que a “síndrome de descontinuação” sataniza a dificuldade que as pessoas têm quando tentam parar o uso de ISRS. Eles escrevem que o termo “descontinuação” é enganoso, porque mesmo uma redução gradual pode resultar em sintomas de abstinência – a descontinuação total não é requerida. E o termo “síndrome”, que significa “doença”, é uma maneira de esconder o fato de que os danos são devidos ao efeito da própria droga.

Os pesquisadores concluem que o uso da terminologia de “desmame” promove um consentimento melhor informado. Quando os pacientes conhecem os riscos e benefícios do medicamento a eles oferecidos, eles têm mais autonomia sobre suas escolhas. Além disso, se eles reconhecerem os perigos da retirada, os profissionais médicos poderão ajudar mais as pessoas que desejam diminuir sua dose ou parar de usar os ISRSs.

“O reconhecimento transparente de que o uso de ISRS pode resultar em dependência e sintomas de desmame ou na síndrome de abstinência do ISRS permite que os pacientes sejam verdadeiramente informados sobre suas decisões e ajuda a informar estratégias para diminuir gradualmente esses medicamentos amplamente prescrito.”

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Massabki, I., & Abi-Jaoude, E. (2020). Selective serotonin reuptake inhibitor “discontinuation syndrome” or withdrawal. The British Journal of Psychiatry, 1–4. DOI:10.1192/bjp.2019.269 (Link)

Mensagem do New York Times para Bonnie Burstow: Que Você Não Descanse Em Paz

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Quando soube que o New York Times publicara um obituário de Bonnie Burstow, fiquei – antes de ler – bastante surpreso. Não é fácil para quem não é celebridade receber um obituário no New York Times, e mais ainda sendo um acadêmico canadense que, como dizia a legenda da versão on-line, “havia sido uma voz proeminente no movimento da anti-psiquiatria.

Esse era o subtítulo a dizer aos leitores que sua vida – e bolsa de estudos – eram de importância significativa. Isso emprestava legitimidade aos estudos em “anti-psiquiatria” criados por ela.

Ou pelo menos era isso o que parecia.

Os primeiros parágrafos do obituário foram todos muito bons e respeitosos. Parecia que o óbito seguiria um modelo como o qual estamos familiarizados, detalhando a natureza de seus escritos antes de mergulhar em sua história pessoal. Mas então veio este momento: “você deve estar brincando comigo”. No momento em que artigo descrevia a bolsa de estudos em “antipsiquiatria” que Burstow havia financiado na Universidade de Toronto, aparece de repente o comentário de seu colega Edward Shorter, que, segundo o jornal, era “um crítico da antipsiquiatria de longa data”.

Shorter não decepcionou.

“Eles estão tentando alegar que não existe doença psiquiátrica, e acho que ela causou muitos danos com a publicidade que recebeu sobre isso. . . (A universidade) cometeu um grande erro ao criar um fundo especial de bolsas de estudos em seu nome; é um fundo anti-psiquiatria que legitima o movimento “.

E Shorter não termina aí. O jornalista do Times voltou a ele uma segunda vez, mais adiante no obituário:

É claro que ela não teve um impacto positivo na saúde pública ou no tratamento de doenças. . . e é meio desanimador pensar no número de pessoas que poderiam ter sido tocadas pelo canto de sereia – pensando: ‘Oh, não existe doença psiquiátrica e tudo é apenas rotulagem e marginalização’ – e depois cometer suicídio, porque isso não é incomum. São doenças com riscos, com certeza.

Aparentemente, Shorter nunca recebeu de sua mãe a mensagem para não falar mal dos mortos. E o New York Times falhou com seus leitores, permitindo que ele o fizesse.

Difamando os mortos

Edward Shorter é talvez mais conhecido por seu livro de 1997, A History of Psychiatry. É uma história informativa, e eu pessoalmente fiz uso dele quando estava pesquisando para o meu primeiro livro, Mad in America. No entanto, o livro segue uma narrativa convencional, principalmente quando se trata dos méritos dos medicamentos antipsicóticos. A clorpromazina iniciou uma revolução na psiquiatria, comparável à introdução da penicilina na medicina geral”, escreveu ele. Graças a esse novo medicamento, os pacientes com esquizofrenia “podem levar uma vida relativamente normal e não ficar confinados às instituições”.

Agora, essa afirmação não é, como se costuma dizer, “baseada em evidências”. Pesquise na literatura científica e se descobrirá que as taxas de alta hospitalar para pacientes psicóticos em primeiro episódio não melhoraram quando a clorpromazina chegou como tratamento nos asilos psiquiátricos. Também se acha que o funcionamento social dos pacientes que receberam alta declinou depois que esse medicamento se tornou um dos pilares do tratamento.

Mas, para os propósitos deste blog, não cabe aqui entrar em detalhes, mas chamar a atenção que Shorter investe em uma narrativa amplamente aceita em nossa sociedade que Bonnie Burstow desafiou.

O movimento da “antipsiquiatria” na década de 1960 foi liderado por psiquiatras dissidentes (R.D. Laing, David Cooper e Thomas Szasz, para citar alguns) e acadêmicos (principalmente Michel Foucault e Erving Goffman). Bonnie Burstow seguiu essa tradição e, como observou o New York Times, ela desafiou a validade dos diagnósticos psiquiátricos e os méritos das drogas psiquiátricas. Ela escreveu criticamente sobre a natureza patriarcal da psiquiatria no diagnóstico das mulheres ao longo da história.

Bonnie Burstow

Como tal, seus escritos contrastavam com os de Shorter. Assim, quando o New York Times o chamou, ele poderia ter agido de forma elegante e contado como discordava de seus escritos sobre psiquiatria e como o estabelecimento de uma bolsa de estudos em “antipsiquiatria” na Universidade de Toronto havia se mostrado controverso.

Isso estaria ok. Os leitores teriam entendido que Burstow era uma intelectual que desafiava a narrativa convencional e também os “poderosos” dentro da psiquiatria. Mas Shorter fez algo bem diferente. Seus comentários de que os escritos de Burstow levaram as pessoas a cometer suicídio – e que isso não era “incomum” – foram uma acusação, que, na minha opinião, foi ao mesmo tempo vil e difamatória.

Como um amigo meu escreveu no dia em que o obituário do New York Times apareceu, “você viu os comentários de Shorter? Ele basicamente a descreveu como um monstro”.

Essa foi a parte vil. O aspecto calunioso é que Shorter, é claro, não tem evidências de que os escritos de Burstow levaram as pessoas a cometer suicídio. Essa é a acusação usual de “sangue nas mãos” que os defensores da narrativa convencional geralmente jogam contra os críticos da psiquiatria, mesmo que a ciência tenha uma história diferente para contar.

David Healy, em sua investigação sobre suicídio entre pessoas tratadas por esquizofrenia, descobriu que a taxa é 20 vezes maior hoje do que era antes da era dos antipsicóticos. Pesquisas também descobriram que as taxas de suicídio parecem aumentar quando uma população obtém maior acesso a cuidados psiquiátricos.

E esse é o ponto: se Burstow estivesse viva, ela poderia responder a um comentário como o de Shorter apontando para essa pesquisa. Ela poderia se defender de tal acusação. Mas como esse era um obituário, ela não teve essa oportunidade. Shorter difamando uma morta, e o New York Times fornecendo a ele uma plataforma para fazer isso.

O pecado jornalístico

Ao escolher escrever um obituário de Bonnie Burstow, o New York Times a identificou como uma estudiosa notável. O obituário observou com razão que ela desafiava as crenças convencionais e criticava os poderes patriarcais da psiquiatria. Mas quando chegou a hora de solicitar um comentário sobre o trabalho dela, não deveria ter chegado a um oponente conhecido do trabalho dela e publicado seus comentários ultrajantes.

Em vez disso, poderia ter solicitado um comentário de um historiador da psiquiatria que apreciasse essa batalha de narrativas e que, portanto, poderia fornecer informações sobre como o trabalho de Bonnie Burstow se encaixa nessa batalha. Essa é a paisagem social mais ampla que forneceu motivos para o Times escrever um óbito sobre ela. O que havia de novo em seus escritos? Que novo terreno ela iluminou? Apresentou ela os seus argumentos de maneira clara?

Por exemplo, o historiador Andrew Scull teria sido uma boa escolha. Não sei o que ele achou dos escritos de Burstow, mas ele certamente poderia ter falado com insights sobre as narrativas concorrentes. Se o Times tivesse pedido sua opinião, ele poderia ter ajudado os leitores a entender por que o trabalho de sua vida merecia um obituário. Ela era uma intelectual participando de uma discussão social mais ampla sobre os méritos dos cuidados psiquiátricos, passados e presentes.

Do mesmo modo, o Times poderia ter procurado um comentário de alguém da comunidade de “sobreviventes psiquiátricos”. Por que tantos ex-pacientes admiram seus escritos e seu trabalho de advocacia? Estou certo de que os leitores gostariam de ouvir a perspectiva deles.

O ponto jornalístico aqui é o seguinte: isto era um obituário. Muito do que o Times escreveu foi bom, respeitoso e informativo. Mas frustrou os leitores quando solicitou um comentário de um inimigo declarado de seu trabalho e publicou sua acusação infundada de que seus escritos causavam danos à “saúde pública” e provocavam muitos suicídios. O jornal tomou o partido da difamação de Shorter.

Há um velho ditado no jornalismo de que seu trabalho é afligir os que se sentem confortáveis e confortar os aflitos. Bonnie Burstow, em seus escritos, frequentemente dava conforto aos “aflitos”. O New York Times, ao publicar os comentários de Shorter, estava confortando os que estão em posições confortáveis.

E assim, de nós da comunidade do Mad, eu gostaria de enviar uma mensagem para Bonnie Burstow além do túmulo: Você fez o bem Bonnie. Você foi uma heroína para muitos. E não deixe esse obituário derrubá-la.

Pesquisa Sobre Sentidos e Práticas de Saúde Mental em Comunidades Quilombolas

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Os sentidos e as práticas em saúde mental produzidos por comunidades quilombolas do estado de Rondônia são o tema de um artigo publicado pela revista Psicologia: ciência e profissão.  Os autores Eraldo C. Batista e Katia B. Rocha realizaram entrevistas abertas e rodas de conversa com 18 participantes, todos pertencentes a duas comunidades quilombolas do Vale do Guaporé, de ambos os sexos. A análise do material foi realizada através da proposta da Análise do Discurso.

As comunidades quilombolas apresentam uma identidade social própria, sendo remanescentes dos antigos quilombos. São considerados pelo Ministério da Saúde como pertencentes a um grupo minoritário dentro da população negra. As comunidades estão espalhadas por todo o Brasil e são muito variadas, podendo ocupar áreas rurais ou urbanas. Principalmente as comunidades quilombolas que ocupam áreas rurais vivem em um certo isolamento geográfico e social em relação à sociedade urbana. O que implica em desigualdades sociais e de assistência à saúde, ainda mais graves no caso das comunidades estabelecidas na região amazônica.

As comunidades quilombolas amazônicas apresentam algumas especifidades em relação as demais espalhadas pelo restante do Brasil.  A partir do fim do poder dos jesuítas sobre os índios, aumentou o tráfico de Africanos para aquela localidade, resultando em quilombos formados por negros e índios. Baseado nisso, a relação das comunidades quilombolas com a população indígena sempre foi forte. Os autores ainda apontam a importância do estudo, visto que, existe uma escassez de publicações que abordem a questão da saúde mental da população quilombola.

A partir da análise do material foram organizados três repertórios interpretativos: reconhecimento e formas de lidar com os sintomas psiquiátricos; recursos utilizados pelos moradores da comunidade no cuidado em saúde mental: ervas e plantas medicinais e práticas religiosas; consumo excessivo de bebidas alcoólicas como problema de saúde mental.

Foi possível perceber no diálogo com os quilombolas que a sua percepção sobre o que é “doença mental” está baseada em saberes médicos, onde a doença mental é entendida principalmente como desordem emocional, assim como também está relacionada ao senso comum, associado principalmente àquelas pessoas que estão “fora da realidade”.

Algo que se destacou foi a utilização do termo “banza” e “landú” para descrever pessoas com sintomas identificados com o diagnóstico de depressão. Parece ser uma variação do termo “banzo” que se refere ao estado de tristeza causada pela desculturação, nostalgia e saudade da África, descrito pelos africanos escravizados recém chegados ao Brasil. Os participantes relatam que não se tomam medidas com relação a esses comportamentos, porque “logo passa”. Mas também relatam ser comum se isolar no meio da mata como forma de aliviar os sofrimentos.

“Como afirmam Teixeira e Xavier (2018), as matas foram o elemento principal de continuidade da vida após a escravidão, percebidas pelas comunidades negras como uma extensão da própria casa, e os vínculos existentes entre os membros das comunidades guaporeanas com o espaço natural florestal e fluvial são profundos.”

As plantas e chás são invocados, assim como as “rezas”, como sendo os principais tratamentos para saúde. Quando em contato com profissionais de saúde, o principal tratamento estabelecidos por estes são os medicamentos farmacológicos. No entanto, as práticas tradicionais ainda são as principais protagonistas na comunidade. Com isso, o rezador (a) possui uma relevância ímpar, sendo praticado principalmente por mulheres e ensinado de geração para geração.

“A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) destaca em seu texto o reconhecimento dos saberes e práticas populares de saúde, sobretudo os saberes de matrizes africanas.”

Os autores também destacam que o consumo de álcool parece ter uma conotação cultural e de sociabilidade nas comunidades. Alguns entrevistados relatam que o consumo de álcool é a única diversão disponível. Também foi destacado que o aumento da infraestrutura e acesso à cidade são facilitadores do maior consumo de bebidas alcoólicas. Além disso, pesquisas realizadas em outras comunidades quilombolas destacam o uso abusivo de álcool como um problema e agravo à saúde. Alguns autores associam isso à questões de relações de gênero, assim como ao racismo sofrido pelos quilombolas.

Como conclusão, o artigo relata algumas limitações da pesquisa, como o fato de realizar entrevistas apenas com duas das cinco comunidades quilombolas existentes no Vale Guaporé. Além disso, os autores esperam que essa pesquisa auxilie no enfrentamento das desigualdades e na redução da vulnerabilidade social dessas comunidades, de forma que as políticas públicas levem em consideração e respeitem os aspectos sócio-históricos e culturais dessas comunidades.

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BATISTA, Eraldo Carlos; ROCHA, Katia Bones. Sentidos e Práticas em Saúde Mental em Comunidades Quilombolas no Estado de Rondônia. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 39, n. spe,  e222123,    2019 .   Disponível em → (link)

A Importância das Entrevistas Preliminares para a Redução das Doses dos Antidepressivos

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A grande dificuldade para a retirada de antidepressivos são os sintomas de abstinência. A experiência de pacientes, ex-pacientes e profissionais sugere que essa redução deva ocorrer de forma gradual e bastante fracionada. 

Na prática psiquiátrica, este fracionamento torna-se muito difícil já que os medicamentos comercializados e os fornecidos pelo SUS possibilitam na maioria das casos uma redução de no mínimo 50%, redução muito grande e produtora de muitos sintomas de abstinência. 

Em março de 2019 iniciei o acompanhamento de 450 pacientes que usavam diversos medicamentos psiquiátricos prescritos por outros médicos. A fluoxetina era a droga mais utilizada por eles: aproximadamente 10.000 cápsulas mensalmente. 

No primeiro contato com esses pacientes, procurei entender o motivo deles estarem usando tais medicamentos. A maioria das respostas vinha na forma de um diagnóstico: “…uso fluoxetina porque tenho depressão…”; “…tenho pânico…”. Quem eram afinal esses pacientes além de um diagnóstico? Precisava então escutá-los para além dos sintomas. 

Meu desejo de escuta abriu então a possibilidade para que eles começassem a falar não só dos seus sintomas, mas também de suas angústias, perdas, inibições, medos diante da vida. Mas o que esses pacientes buscavam quando procuraram um serviço de saúde (afinal não são só os médicos que definem sua clientela com diagnósticos)? 

Descobri que a grande maioria não buscava remédios no sentido de medicamentos, mas sim no sentido de “remediar”, aliviar um sofrimento, querendo também um entendimento sobre a verdadeira causa. E foi-lhes prescrito fluoxetina… E continuaram tomando fluoxetina, sem entenderem a si próprios e tornando-se “indiferentes” (como muitos definiram o efeito dos antidepressivos) para o lado bom e ruim de suas existências. Alguns desses pacientes queriam essa indiferença, mas a maioria continuava com seus remédios porque tinham fé. Uma fé no discurso amplamente divulgado pelas indústrias farmacêuticas em nome da ciência de que a causa dos transtornos mentais estaria num desequilíbrio neuroquímico. 

Questionar essa crença para o paciente não traz uma mudança radical em sua fé. É preciso que sua fé seja abalada. Isso só pode acontecer se o questionamento partir do próprio paciente. Nesse sentido, a escuta qualificada vai possibilitar uma compreensão além das teorias sobre neurotransmissores, fazendo com que o paciente perceba por exemplo, que sua depressão poderia estar sendo causada por um medo de se deparar com as impossibilidades e faltas. Nesse ponto, já se torna difícil fazer com que o paciente acredite no poder mágico de um comprimido. 

Muitos pacientes que atingiram o ponto acima começaram a querer diminuir seus medicamentos e alguns o fizeram por conta própria. Sempre que fui notificado sobre a 

intenção de redução, orientei para que a mesma fosse gradual e sobre a dificuldade de fracionar as doses em nosso país. Explicava os possíveis sintomas e marcávamos retornos mais frequentes, gerindo a retirada de forma conjunta. Apostei no fato de que talvez os sintomas de abstinência fossem mais tolerados se os pacientes soubessem que não estariam desamparados. 

Surpreendentemente, houve uma redução de 60% no consumo de fluoxetina no período de 6 meses, apesar das dificuldades com a retirada expostas acima. 

Não tenho aqui a intenção de estabelecer conclusões científicas. São achados de minha prática, apesar de certamente merecerem um trabalho mais aprofundado de pesquisa dentro dos rigores da verdadeira ciência. Apesar dos sintomas de abstinência dos antidepressivos serem um fato comprovado, temos que admitir que os mesmos podem ser piorados ou atenuados pela auto-sugestão. Dessa forma, saber que os medicamentos não são tão resolutivos e que o profissional da saúde também pensa o mesmo e vai estar ao lado no desafio da retirada, pode gerar uma maior eficácia nessa diminuição da droga. 

Uma sala tranquila: neurolépticos para uma biopolítica da indiferença

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O presente texto é uma resenha do livro Uma sala tranquila: neurolépticos para uma biopolítica da indiferença de Sandra Caponi, professora do Departamento de Sociologia e Ciências Políticas da Universidade Federal de Santa Catarina. A proposta da autora foi realizar um recuo histórico para entender quais são as bases epistemológicas que sustentam a chamada “revolução psicofarmacológica”, que começou com a descoberta do primeiro antipsicótico, a Clorpromazina, em 1952.  A autora se inspira na problemática atual da psiquiatrização da infância com objetivos preventivos, especificamente com a prescrição de antipsicóticos atípicos para diagnósticos ambíguos, para resgatar este contexto desde seus primórdios.

O objetivo da pesquisa é mostrar a fragilidade da tese que defende a ideia de uma revolução ou de uma ruptura epistemológica no campo da psiquiatria biológica, vigente a partir da descoberta da Clorpromazina. Para isso, Caponi, analisa os discursos e as estratégias de intervenção, observando-se as continuidades e as rupturas que ocorreram em relação às terapêuticas utilizadas antes e depois da descoberta dos neurolépticos.

A história farmacológica da Clorpromazina começa como anti-histamínico, logo passa a ser utilizada como anestésico e, posteriormente, no hospital psiquiátrico para o tratamento de pacientes psicóticos. A sua eficácia foi considerada nos estudos de Delay e Deniker para acalmar os pacientes nas salas de doentes psicóticos. A Clorpromazina começou a ser vendida com o nome de Thorazine, o qual se mantém até hoje. A licença do Thorazine foi concedida, à princípio, como um medicamento para controle de náuseas e vômitos, entretanto, o auge das vendas ocorreu como antipsicótico.

Caponi analisa as estratégias para a legitimação da Clorpromazina, ou seja, como os estudos clínicos e estatísticos avaliaram a funcionalidade deste medicamento e que efeitos terapêuticos deveriam apresentar para que fosse considerada eficaz. As pesquisas demonstram que as observações citadas são construídas a partir de parâmetros de avaliações pertinentes ao campo do social, em que são julgados mais os comportamentos do que a patologia propriamente dita.  A partir de uma análise sob a perspectiva epistemológica e sociológica desses estudos, Caponi afirma que se constituem como uma estratégia biopolítica eficaz para garantir a reorganização e a gestão do campo da psiquiatria. Nesse contexto, a Clorpromazina aparece como uma estratégia de governo da loucura, dentro e fora dos hospitais psiquiátricos.

Depois de mais de setenta anos, ainda não foi possível comprovar as causas dos transtornos mentais, mas o modelo hegemônico permanece o modelo médico para compreender a ação dos psicofármacos, cujo foco está na doença e na cura. Assim, os psiquiatras, os neurologistas, entre outras especialidades médicas, detêm enorme poder de decisão sobre a vida dos pacientes, e transformam as narrativas de sofrimento em sintomas de transtornos mentais, passíveis de definir um diagnóstico e a terapêutica adequada. A partir deste suposto conhecimento científico, o médico especialista decide o fármaco que o paciente deve consumir, e como este não possui conhecimento científico para questionar, cabe a ele concordar.

No caso da Clorpromazina, tinha-se conseguido acalmar os pacientes, mantendo-os acordados. Ainda que os efeitos adversos estivessem associados à administração da droga, como dificuldades psicomotoras, motricidade perturbada, capacidade intelectual diminuída, etc. As reações provocadas pelo neuroléptico não deviam ser consideradas como efeitos secundários indesejáveis, mas como uma manifestação da ação do fármaco e de sua eficácia terapêutica. Mesmo assim, esta droga auferiu visibilidade internacional, na segunda metade da década de 1950, e foi considerada revolucionária, impulsionando o milionário mercado dos psicofármacos.

Os pacientes que tomavam esta medicação manteiam-se calmos e acordados, o que permitia realizar observações clínicas mais sistemáticas sobre os efeitos que a droga produzia no estado mental dos doentes medicados e os não medicados, permitindo a realização de estudos estatísticos comparativos. A ideia era que silenciados os gritos, controlada a agitação, a ruptura de portas e mobiliários, as tentativas de fuga, poderia ser dada maior atenção à persistência ou não dos sintomas da doença. Caponi afirma que se trata de uma estratégia que permite garantir o exercício do dispositivo disciplinar no interior do hospital psiquiátrico. Os neurolépticos garantem a organização das salas dos hospitais, permitem um controle do tempo de tratamento, normalizam as práticas e os comportamentos de acordo com o esperado, reforçam a submissão e a aceitação da autoridade, reforçam o poder do psiquiatra.

Segundo Caponi, os textos publicados na década de 1950, ressaltavam a calma no interior dos hospitais e a possibilidade dos pacientes de receber alta, mesmo continuando o tratamento em domicílio, ainda que os efeitos colaterais graves decorrentes do consumo do medicamento não eram completamente negados ou silenciados. Assim, a indústria farmacêutica, a partir da aparição do Thorazine, passou a investir em publicidade, cujo conteúdo informa sobre a redução da necessidade de reclusão, do uso de eletrochoques e da lobotomia, que a droga evita a destruição de bens e materiais, aumenta a moral dos pacientes e, fundamentalmente, promove a saída dos pacientes dos hospitais, isto é, permite que eles se insiram nessa nova modalidade terapêutica que então se inicia e que definimos como tratamento contínuo.

O início do processo de farmacologização da vida cotidiana se consolidará nas últimas décadas do século XX, a partir da generalização de psicofármacos como o Prozac. Esses medicamentos ampliam sua atuação desde as psicoses aos sofrimentos cotidianos e os comportamentos considerados desviantes. Esse processo vem de encontro com a reformulação dos diagnósticos psiquiátricos, iniciada em 1980, a partir de agrupamentos de sintomas publicados no DSM-III.

O Thorazine é publicitado como um fármaco cuja utilidade é direcionada ao controle e normalização de comportamentos. A publicidade ressalta o interesse de inserir no mercado, além das mulheres depressivas, fatigadas ou nervosas, amplia sua intervenção para a infância e os idosos.  Na fase da infância, a publicidade (1956) propõe o consumo do Thorazine para reduzir a hiperatividade, a ansiedade, melhorar os hábitos de sono, aumentar a receptividade para a supervisão, ou seja, tornar as crianças mais disciplinadas e governáveis. Já no caso dos idosos, a publicidade (1959) se refere ao Thorazine como auxílio para gerir os comportamentos dos idosos, tais como agressividade, beligerância, falar muito, não obedecer aos cuidadores.

Desde o início da psicofarmacologia até hoje, as hipóteses etiológicas estabelecidas a partir do modelo centrado na doença continuam uma incógnita. Não há comprovações científicas sobre as redes causais, neuroquímicas, genéticas ou neuroelétricas, entretanto, os psicofármacos consumidos são os mesmos. A Clorpromazina, especificamente, continua sendo utilizadas com base em argumentos que a legitimam por promover a docilidade, a indiferença, a normalização dos comportamentos agitados dos pacientes psicóticos, a tranquilidade nas salas dos hospitais psiquiátricos.

É nessa lógica da segurança e da antecipação de riscos que surgem as novas patologias psiquiátricas da infância, como, o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o Transtorno de Oposição Desafiante (TOD), bem como a ampliação de algumas categorias psiquiátricas, tais como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Assim, esse discurso legitimou uma especificidade denominada “psiquiatria do desenvolvimento”. Mesmo que não existam sintomas, nem evidências para identificar precocemente uma patologia psiquiátrica na infância, o argumento da prevenção de um possível quadro psiquiátrico grave quando adultos é uma estratégia que fomenta um grande mercado em prol da psiquiatrização em qualquer fase da vida.

No livro, Caponi apresenta as imagens do modo como divulgam os conhecimentos médicos, estatísticos, psiquiátricos por meio de publicidades veiculadas pela indústria farmacêutica, a partir dos primeiros neurolépticos, desde o Thorazine até a Risperidona, que circulam nas sociedades liberais e neoliberais.

Por fim, Caponi apresenta uma análise das transformações que ocorreram no DSM-5 (APA,2013), especificamente no campo dos transtornos mentais da infância, cujas alterações significativas ocorreram a partir da edição do DSM-III (APA,1980) até a última edição do manual, o DSM-5, publicado em maio de 2013. O capítulo do DSM-5 que era destinado aos transtornos diagnosticados na infância foi substituído pelos “Transtornos do Neurodesenvolvimento”, os quais se referem aos transtornos que são causados por uma deficiência neurológica específica, entretanto, essas supostas causas neurológicas permaneçam desconhecidas. Os transtornos que compõem este capítulo do DSM-5 são: Deficiências Intelectuais, Transtornos de Comunicação (de linguagem, de fala, gagueira, etc.), Transtornos do Espectro Autista, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Transtornos de Aprendizagem, Transtorno de Tique (Tourette), dentre outros. Caponi salienta que nos últimos anos aumentou a prescrição de medicamentos como Ritalina, Concerta e Risperidona para crianças, como medida para controlar o comportamento. Se por um lado permitem disciplinar e fixar a atenção, por outro lado, inibem a capacidade criativa, lúdica e questionadora pertinente a infância e adolescência.

Segundo a autora, existem certos modos de classificar os sofrimentos psíquicos que são considerados válidos, já outras classificações não deveriam ser legitimadas. Assim como, existem determinadas intervenções terapêuticas ou formas de definir um diagnóstico que podem ser consideradas adequadas, porém, outras que não deveriam. Caponi explica que as verdades da psiquiatria implicam na existência de tecnologias de governo sobre os sujeitos, desde as duchas geladas de Leuret à prescrição de antipsicóticos atípicos, cuja legitimidade está nas regras, normas, instituições e leis defendidas pela psiquiatria no decorrer da história.

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CAPONI, Sandra. Uma sala tranquila: Neurolépticos para uma biopolítica da indiferença. São Paulo: Liber Ars, 2019.

Pesquisa investiga como o trauma pode ser transmitido entre gerações

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Saiu na Agência Fapesp: Pesquisadores da Columbia University e da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) estudam os mecanismos de transmissão envolvidos no chamado trauma intergeracional.

“Sabe-se que as mães com histórico de experiências adversas na infância têm risco aumentado de gerar filhos que logo após o nascimento apresentam alteração em alguns circuitos cerebrais responsáveis pelo controle cognitivo. Aos 24 meses é possível identificar essas alterações no desenvolvimento. Por volta dos cinco ou seis anos, essas crianças apresentam risco aumentado de desenvolver comportamentos impulsivos”

A pesquisa apoiada pela Fapesp e pelos National Institute of Health (NHI) pretende avaliar 580 grávidas atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de Guarulhos – SP. Estas serão divididas ainda em dois grupos comparativos, mulheres que sofreram algum tipo de trauma na infância e aquelas que não vivenciaram tais problemas.

Leia matéria completa → (Link)

Estudo de caso da abordagem de libertação para os cuidados prestados na saúde mental

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Um artigo publicado na semana passada no New England Journal of Medicine (NEJM) usa um estudo de caso no contexto brasileiro para explorar por que tantos jovens se sentem culpados e estigmatizados pelos cuidados de saúde mental. Os autores do estudo, Dominique Béhague, Raphael Frankfurter, Helena Hansen e Cesar Victora, criticam uma abordagem puramente cognitivo-comportamental e consideram como os médicos podem abordar a opressão estrutural por meio da terapia. Com base nas ideias da reforma brasileira da assistência em saúde mental, os autores mostram como os terapeutas podem resolver esse problema usando princípios da “práxis dialógica”, uma teoria da aprendizagem e mudança social extraída dos trabalhos do filósofo e especialista pedagógico brasileiro Paulo Freire.

“A práxis dialógica”, explica Béhague em uma entrevista em podcast dada ao NEJM, “não é uma abordagem clínica nem um método pedagógico, mas um compromisso de aprender com a teoria social e trazer o domínio social de maneira bastante central para a clínica e iniciativas de saúde pública. ”

“Geralmente, quando o domínio social é considerado na medicina e na política de saúde, é um complemento, quando um modelo mais biológico e clínico não está funcionando. Mesmo assim, as forças sociais tendem a ser entendidas como fatores de risco para doenças mentais, como no caso de pobreza, desigualdade, discriminação e assim por diante. Isso é importante, mas o que Freire nos incentiva a fazer também é imaginar como o engajamento ativo e a recriação do campo social – como nos relacionamos, que tipo de sociedade e instituições-chave que queremos – podem ser terapêuticos por si só.”

Os autores definem a práxis dialógica como “um processo elaborado a partir da teoria educacional de Paulo Freire, na qual clínicos e pacientes se envolvem em análises e aprendizados críticos bidirecionais”. É um processo pelo qual uma aliança terapêutica é estabelecida com ênfase na colaboração. Através da comunicação bidirecional da experiência e do conhecimento, os clientes são incentivados a tomar medidas para alterar os sistemas que contribuem para suas experiências de angústia e opressão.

Comparado às abordagens de mudança de comportamento mais populares, potencialmente limitadas pela minimização de forças externas complexas que influenciam a experiência diária, Béhague e a equipe relatam que a práxis dialógica coloca mais importância no papel dos estressores externos, promovendo a agência do cliente e o empoderamento no processo de alteração desses estressores. Não é um pacote pronto e nem uma abordagem mecânica – é uma orientação.

“Na clínica, a práxis dialógica reformula a relação terapêutica enquanto uma experiência educacional bidirecional que se concentra em uma definição de “insight ”diferente da usada na psiquiatria convencional. Enquanto o insight geralmente se refere à conscientização dos pacientes sobre seus processos psicológicos internos, a práxis dialógica enfatiza o processo de aprendizado do clínico e […] incentiva os pacientes a se tornarem importantes fontes de conhecimento sobre as causas situacionais de sua angústia e formas de modificá-las.”

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A noção de práxis dialógica tem suas raízes na teoria da aprendizagem e mudança social do educador e filósofo brasileiro Paulo Freire. Embora os termos e expressões específicos usados para descrever esse conceito variem, os apelos à reforma nos campos da psicologia, psiquiatria, medicina, educação e muito mais para integrar melhores determinantes sociais e estruturais da angústia individual não são novos. No entanto, uma apreciação maior por essa ideia que vem ocorrendo nos últimos anos aparece refletida na recente declaração do Relator Especial das Nações Unidas da necessidade urgente de iniciativas de saúde mental com foco em direitos humanos.

Modelos de treinamento foram projetados para preparar os profissionais a entenderem as maneiras diretas e diferenciadas pelas quais as forças externas influenciam a saúde individual. Algumas pesquisas indicaram que o “treinamento de competência estrutural”, para promover o entendimento das estruturas que contribuem para disparidades nas facetas da saúde, bem-estar e oportunidade, pode aumentar a empatia entre os residentes de psiquiatria.

Em outubro de 2019, os pesquisadores Rochelle Ann Burgess e seus colegas escreveram um comentário no Lancet Psychiatry, promovendo a mensagem de que [chegou] a hora do movimento global de saúde mental reconhecer a importância dos determinantes socioestruturais do sofrimento mental e trabalhar junto às comunidades e formuladores de políticas em seus esforços para enfrentá-los.”

No entanto, os detalhes de como a competência estrutural pode funcionar na prática ainda não foram totalmente explorados. Este artigo sugere que uma posição clínica essencial é que a relação terapêutica seja guiada pela humildade e pelo aprendizado fundamentado. No estudo de caso descrito por Béhague e colegas, um médico, o Dr. M estabelece um relacionamento terapêutico com um cliente de 16 anos, J, baseado no reconhecimento precoce de que o clínico não sabe como é ser J.  Esta transparência acompanhada pela curiosidade em torno das percepções de J sobre as estruturas que impactam suas experiências cotidianas se presta à colaboração, permitindo que J influencie seu ambiente de forma construtiva.

No entanto, os detalhes de como a competência estrutural pode funcionar na prática ainda não foram totalmente explorados. Este artigo sugere que uma posição clínica essencial é que a relação terapêutica seja guiada pela humildade e pelo aprendizado fundamentado. No estudo de caso descrito por Béhague e colegas, um médico, o Dr. M estabelece um relacionamento terapêutico com um cliente de 16 anos, J, baseado no reconhecimento precoce de que o clínico não sabe como é ser J. Este a transparência emparelhada com a curiosidade em torno das percepções de J sobre as estruturas que impactam suas experiências cotidianas se presta à colaboração, permitindo que J influencie seu ambiente para o construtivo.

Os autores descrevem o histórico de ansiedade e comportamentos problemáticos de J na escola, levando à sua conexão com alguém de fora da escola que pudesse ajuda-lo. Antes de se conectar ao Dr. M, J se reuniu com a psicóloga de sua escola e ficou insatisfeito com as circunstâncias de seu encaminhamento para os serviços dela, bem como com as percepções dela sobre o caso. Sua interpretação era que ela se concentrava mais em seus déficits (ou seja, agressão e problemas de atenção), enfatizando as mudanças individuais que ele deveria fazer em vez das questões de maior escala que impediam seu progresso (por exemplo, seu status socioeconômico).

Tendo recusado os serviços continuados do psicólogo da escola, J concordou em procurar um suporte externo para expressar suas frustrações. Embora inicialmente hesitante em se envolver, J descobriu que a abordagem do Dr. M, integrando recursos da práxis dialógica, ressoava.

Com o tempo, os dois trabalharam para desvendar e explorar as fontes contextuais e sociais da angústia que J experimentara ao longo de sua vida. J aplicou essas novas ideias à militância política em sua escola, envolvendo-se no conselho estudantil da escola. Enquanto esteva no conselho estudantil, ele “advogou por melhores relações professor-aluno e trabalhou ao lado de funcionários da escola que executavam iniciativas para promover a participação dos alunos e práticas democráticas de ensino”.

Embora possa haver muitas características opressivas das circunstâncias sofridas por alguém e que estejam além do domínio de seu controle, Béhague e a equipe demonstram como um senso de propósito pode ser apoiado na terapia por meio de abertura, análise crítica e incentivo ao envolvimento no ativismo em nível comunitário.

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Mais informações sobre este artigo podem ser acessadas em uma entrevista em podcast com o primeiro autor e que está hospedado no New England Journal of Medicine.

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Béhague, D. P., Frankfurter, R. G., Hansen, H., & Victora, C. G. (2020). Dialogic Praxis — A 16-Year-Old Boy with Anxiety in Southern Brazil. New England Journal of Medicine, 382(3), 201–204. DOI: 10.1056/nejmp1909864 (Link)

Desafios para a Saúde Mental na Atenção Básica

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Saúde mental na Atenção Básica é o tema do artigo recentemente publicado pela revista Physis. Os autores realizaram uma revisão sistemática da literatura, os artigos selecionados foram aqueles que datam de 2013 a 2018, além de apresentarem como temática o estudo sobre a atuação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) em saúde mental na Região Sudeste do Brasil. Foram no total 21 artigos encontrados.

O NASF foi criado a partir da necessidade de apoio técnico-pedagógico especializado e assistencial para a Equipe de Saúde da Família (ESF). A ESF é composta por um (a) médico (a) de família, um (a) enfermeiro (a), um auxiliar ou técnico (a) de enfermagem e Agentes Comunitários e Saúde (ACS),  os quais nem sempre estão preparados para lidar com  questões de saúde mental. Segundo a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), em 2002, 56% das ESFs disseram ter que lidar com algum tipo de demanda de saúde mental.

A partir desse estudo, foram encontradas algumas dificuldades para a atuação do NASF na atenção básica. A maioria dos profissionais do NASF foram inseridos na rede sem ter uma capacitação sobre o tipo de trabalho que realizariam. Portanto, principalmente na saúde mental, percebe-se um isolamento entre as equipes, ao invés de um trabalho conjunto, como é o preconizado pela política. Outro fator importante é o olhar dos profissionais da ESF ainda muito pautado no biomédico, o que dificulta o atendimento das demandas de saúde mental e as formas coletivas de tratamento.

Os autores propõem a educação permanente como possibilidade para auxiliar o NASF e ESF em suas ações coletivas. Assim como, convocam os profissionais da Atenção Básica a produzirem artigos e materiais sobre suas experiencias de atuação, visto que, a maioria dos artigos não foram produzidos por estes profissionais.

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ALVAREZ, ARIADNA PATRICIA ESTEVEZ; VIEIRA, ÁGATA CARLA DE DEUS; ALMEIDA, FAYLLANE ARAUJO. Núcleo de Apoio à Saúde da Família e os desafios para a saúde mental na atenção básica. Physis,  Rio de Janeiro ,  v. 29, n. 4,  e290405,    2019 . (LINK)

A charada da aprovação de um novo medicamento para a esquizofrenia

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Robert Whitaker
Robert Whitaker

Em 23 de dezembro, a FDA aprovou um novo medicamento para esquizofrenia, a Lumateperona, que foi considerado um medicamento ‘de primeira classe’, sugerindo que seu mecanismo de ação difere dos antipsicóticos em uso atualmente. Um artigo publicado na JAMA Psychiatry concluiu que com este medicamento está “demonstrada a eficácia para melhorar os sintomas da esquizofrenia e com um bom perfil de segurança”.

Depois que a FDA deu seu selo de aprovação, o preço das ações da Intra-Cellular Therapies – empresa que trouxe a Lumateperona ao mercado – subiu em 23 de dezembro, passando de US $ 12,44 para US $ 36,51. A avaliação da empresa subiu US $ 1,3 bilhão naquele dia, dando aos investidores motivos para erguer uma taça de champanhe.

No comunicado de imprensa feito pela empresa, Jeffrey Lieberman, ex-presidente da Associação Americana de Psiquiatria (APA), quem foi um dos investigadores principais nos ensaios clínicos realizados, e quem também atuou como consultor da própria Intra-cellular Therapies, contou como a Lumateperona era uma adição bem-vinda ao armário de remédios para esquizofrenia.

“A esquizofrenia é uma doença complexa que afeta severamente os pacientes e suas famílias. O tratamento eficaz em tempo hábil pode mudar o destino das pessoas com esquizofrenia ”, afirmou ele. “O perfil de eficácia e segurança de Caplyta (nome comercial), aprovado pela FDA (Food and Drugs Adminstration dos EUA), oferece aos profissionais de saúde uma nova e importante opção para o tratamento de pessoas que vivem com esquizofrenia.”

Essa é a história geral que está sendo contada ao público, com o artigo JAMA Psychiatry, publicado on-line em 10 de janeiro, fornecendo um selo científico de aprovação para a decisão da FDA. Seria um novo medicamento que provou ser um tratamento seguro e eficaz para a esquizofrenia. Um editorial da JAMA Psychiatry resumiu o possível avanço terapêutico que isso representa.

“Embora não saibamos quais serão as principais vantagens comparativas da Lumateperona, é encorajador e potencialmente emocionante ver um novo medicamento com novas propriedades farmacológicas progredindo através da avaliação do desenvolvimento de medicamentos e da aprovação da Food and Drug Administration dos EUA”.

Uma Charada Científica

Embora essa seja a história pública, uma análise aprofundada das ‘evidências’ da Lumateperona revela que o teste clínico e a aprovação desse medicamento são melhor descritas como uma charada, um jogo de pretensão científica, onde o dito esconde os não-ditos fundamentais. Os ensaios clínicos, em seu design, serviram como o estudo de um medicamento para uso depois que pacientes crônicos parassem abruptamente de tomar seus medicamentos psiquiátricos, em oposição a um estudo de um ‘medicamento para esquizofrenia’. E mesmo nesse contexto, o medicamento em nenhum dos três estudos foi de forma confiável melhor do que placebo.

Tampouco a alegação de ser uma droga ‘nova’ é totalmente precisa.

Não há nada no design dos ensaios com Lumateperona que seja particularmente novo, ou até surpreendente, dada a história dos testes de novos medicamentos para a esquizofrenia e as influências comerciais nesse processo. Os testes clínicos da Lumateperona não se afastaram, de maneira significativa, da norma. No entanto, a aprovação deste medicamento oferece uma oportunidade para ver novamente que os testes de antipsicóticos para esquizofrenia é, de uma perspectiva científica, um processo fatalmente defeituoso, produzindo ‘descobertas’ que pouco dizem sobre a eficácia de um medicamento enquanto um ‘tratamento para a esquizofrenia’.

De fato, a descoberta mais interessante que surge nos ensaios clínicos com Lumateperona provoca uma pergunta surpreendente: por que os pacientes crônicos que foram abruptamente retirados de todos os seus medicamentos psiquiátricos e randomizados para placebo melhoraram, enquanto grupo, durante o período de 28 dias da pesquisa? Esse resultado contraria tudo o que se sabe sobre as dificuldades emocionais e físicas que as pessoas experimentam após a retirada abrupta de drogas psiquiátricas. Espera-se que os pacientes que interrompem abruptamente seus medicamentos piorem, pelo mens no período imediato após a retirada, e ainda assim isso não é verdade neste caso.

Uma droga como a Clozapina

A Lumateperona está sendo promovida como sendo um novo composto que não causa os efeitos colaterais dos antipsicóticos hoje existentes. Lumateperona, escreveram os autores do artigo em JAMA Psychiatry, “é um agente investigativo mecanicamente novo para a esquizofrenia. O mecanismo de ação é único na medida que modula simultaneamente a neurotransmissão da serotonina, dopamina e do glutamato, os principais neurotransmissores envolvidos em doenças mentais graves. . . Além disso, a Lumateperona carece de interação com os receptores fora do alvo que podem contribuir para os efeitos adversos comuns em outros medicamentos antipsicóticos.”

Em outras palavras, essa nova molécula é uma espécie de bala mágica. Ela ‘modula’ os mesmos transmissores que dizem ser a causa da esquizofrenia, mas – se se acredita no relatório no JAMA Psychiatry– não interage com outros neurotransmissores que causam os efeitos adversos que os outros antipsicóticos o fazem.

Isso lembra as reivindicações ‘revolucionárias’ feitas a respeito do Risperdal e do Zyprexa, quando essas drogas foram lançadas no mercado na década de 1990. No entanto, como o protocolo para o estudo de fase III da Intra-Cellular – usado para obter a aprovação da FDA – deixa claro, a Lumateperona é bastante semelhante à Clozapina em seus efeitos na dopamina e serotonina.

Todos os antipsicóticos bloqueiam os receptores D2, supostamente o mecanismo que reduz as alucinações e os outros sintomas psicóticos. Em uma dose terapêutica, a maioria dos antipsicóticos bloqueia mais de 60% dos receptores D2 estriados. No entanto, como observa o protocolo, a droga da Intra-Cellular também faz o mesmo. A dose de 120 mg. testada em seu estudo da fase II bloqueia 70% dos receptores estriados D2, enquanto que a dose de 60% mg bloqueia 50%.

Embora o bloqueio com a dose de 60 mg. seja ligeiramente mais baixo do que a maioria dos antipsicóticos, é semelhante ao bloqueio D2 com a Clozapina. A Clozapina e outros antipsicóticos de ‘segunda geração’ também bloqueiam os receptores serotoninérgicos (5HT2a), com a Clozapina – a mais potente das drogas nesse sentido – bloqueando 90% desses receptores.

Com a dose de 60 mg. , é exatamente isso o que a Lumateperona faz. A Lumateperona, afirma o protocolo, é “semelhante à Clozapina com saturação total dos receptores corticais de 5HT2a  quando a ocupação do receptor estriado D2 é relativamente baixa”.

Os pesquisadores identificaram os efeitos colaterais característicos que fluem do bloqueio de um neurotransmissor de uma droga em particular. O bloqueio das vias de dopamina e de serotonina, embora creditado como um benefício terapêutico, causa uma série de efeitos colaterais. Um medicamento semelhante à Clozapina pode não causar sintomas extrapiramidais tão regularmente quanto um medicamento que bloqueia uma porcentagem maior de receptores D2, mas é provável que seja sedativo e cause alterações metabólicas que levam a um ganho de peso significativo.

Embora o editorial do JAMA Psychiatry tenha apontado a Lumateperona como tendo “novas propriedades farmacológicas”, também reconheceu que seu mecanismo de ação principal, o bloqueio da dopamina e da serotonina, era o que os antipsicóticos existentes já o fazem. “Se o seu mecanismo de ações é verdadeiramente novo isso permanece sem resposta”, afirmou o editorial. “Ainda é possível que a Lumateperona seja apenas mais um antipsicótico da segunda geração.”

Os elementos de uma charada

O protocolo

A Lumateperona foi testada em um estudo de fase II e em dois estudos de fase III, cada um com duração de 28 dias, com desenhos de pesquisa semelhantes. O artigo do JAMA Psychiatry relatou resultados do estudo 301, com um link para um pdf do protocolo.

No estudo 301, foi necessário que os participantes estivessem em um ‘ambiente de vida estável’ nos três meses anteriores e, enquanto nesse ambiente comunitário, sofreram uma ‘exacerbação’ dos sintomas da esquizofrenia. Eles precisavam ter um histórico prévio de resposta positiva a um antipsicótico. E, mais interessante ainda, os pesquisadores precisaram decidir que os pacientes poderiam ser “descontinuados com segurança da terapia com antipsicóticos, estabilizadores de humor, lítio, anticolinérgicos e medicamentos antidepressivos”.

Havia uma longa lista de critérios de exclusão. Os voluntários do estudo não podiam ser suicidas, não podiam abusar de substâncias químicas (de álcool ou outras drogas) e não podiam ter “valores laboratoriais clinicamente anormais”. Eles também não podiam estar sofrendo de nenhuma doença “hematológica, renal, hepática, endocrinológica, neurológica e (ou) cardiovascular”, e eles não poderiam ter um“ histórico de síndrome maligna dos neurolépticos ”.

Os recrutados para o estudo foram admitidos em uma unidade de internação e, no primeiro dia, foram retirados abruptamente de todos os medicamentos psiquiátricos. Se os investigadores clínicos decidissem que seria apropriado fazer uma avaliação da retirada dos medicamentos, isso poderia ser feito por um período máximo de quatro dias da retirada. Todos tiveram que tomar todos os medicamentos psiquiátricos por pelo menos três dias antes da randomização.

No final do período de triagem, que pôde durar até sete dias, os pacientes foram randomizados para o estudo no caso de obterem 70 ou mais pontos na Escala de Sintomas Positivos e Negativos (PANSS). Esse critério de inclusão selecionaria os pacientes que estavam pelo menos ‘levemente a moderadamente doentes’.

No estudo 301, os pacientes foram randomizados para 60 mg. ou 40 mg. de Lumateperona ou placebo. Durante o estudo de 28 dias, os investigadores foram autorizados a prescrever Lorazepam para “agitação, ansiedade ou para ajudar no sono”.

A principal medida de eficácia foi uma alteração na pontuação do PANSS na linha de base até o final do estudo no vigésimo oitavo dia. O estudo foi projetado, relataram os pesquisadores em seu artigo no JAMA, para ter o poder de demonstrar um “tamanho de efeito de 0,4”, o que corresponderia a uma diferença de seis pontos entre a droga e o placebo na redução dos sintomas.

A população do estudo

Como pode ser visto, os critérios de inclusão-exclusão foram projetados para inscrever um grupo seleto de pacientes com ‘esquizofrenia’. Os inscritos vieram de ambientes estáveis na comunidade, responderam anteriormente a um antipsicótico positivamente, não abusavam de álcool ou outras drogas e estavam com uma saúde relativamente boa, mesmo que possam ter tido anos de exposição a medicamentos antipsicóticos. Esses critérios foram os usados para selecionar pacientes com maior probabilidade de responder a um antipsicótico do que ocorreria com um recrutamento aleatório de pacientes com ‘esquizofrenia’ e, considerados os seus perfis relativamente saudáveis, apresentariam menor risco de sofrer efeitos adversos.

As empresas farmacêuticas usam regularmente critérios de inclusão e exclusão para selecionar um subconjunto de pacientes de um grupo de diagnóstico com uma maior probabilidade de responder bem ao medicamento. No entanto, é sabido que, devido a esse processo de seleção, os resultados podem não refletir a eficácia de um medicamento em uma população de pacientes no ‘mundo real’.

O exemplo mais dramático desse problema do ‘mundo real’ vem de ensaios clínicos com antidepressivos. Duas décadas atrás, o NIMH financiou dois estudos de antidepressivos em pacientes do ‘mundo real’ e, em ambos, um dos quais foi o grande estudo STAR * D, as taxas de resposta e remissão foram muito baixas e notavelmente inferiores às taxas de resposta dos ensaios clínicos com drogas comercialmente financiadas.

Este é o primeiro elemento da charada deste estudo com Lumateperona, sendo um elemento comum à maioria dos estudos sobre drogas psiquiátricas financiados pelo setor. O estudo usou critérios de inclusão-exclusão para inscrever um subconjunto de pacientes que poderiam ter taxas de resposta mais altas e menos eventos adversos do que um conjunto de pacientes no ‘mundo real’. Os voluntários do estudo não eram representativos de uma seção transversal de ‘pacientes do mundo real’, mas os resultados passam a ser promovidos como comprovação de eficácia e segurança para o uso no ‘mundo real’.

Exposição prévia a medicamentos

No estudo 301, os 449 pacientes randomizados para o estudo tinham, em média, 42 anos e haviam sido diagnosticados 17 anos antes. Pelo menos 94% estavam tomando medicamentos psiquiátricos antes do estudo, com quase dois terços em Lorazepam. Os antipsicóticos mais comuns que os pacientes estavam tomando eram Quetiapina, Risperidona, Haloperidol, Olanzapina e Aripiprazol. Por conseguinte, todos os pacientes tinham histórico de exposição a antipsicóticos.

Como é sabido, antipsicóticos e outras drogas psiquiátricas alteram o cérebro. As drogas psiquiátricas perturbam os sistemas de neurotransmissores e, em resposta, o cérebro passa por uma série de adaptações compensatórias, em um esforço para manter um ‘equilíbrio homeostático’. No final desse processo de adaptação, como o ex-diretor do NIMH, o Dr. Stephen Hyman escreveu em um artigo de 1996, o cérebro está operando de maneira “qualitativa e quantitativamente diferente do estado normal”.

Por exemplo, os antipsicóticos bloqueiam os receptores D2. Em resposta, o cérebro aumenta a densidade de seus receptores D2. Assim, qualquer pessoa que seja exposta a um antipsicótico por qualquer período de tempo terá essa densidade incomumente alta de receptores D2, e essa é apenas uma das muitas mudanças que serão induzidas por anos de exposição a antipsicóticos e a outras drogas psiquiátricas.

Como resultado dessa exposição a medicamentos, a Lumateperona não foi testada em ‘pessoas com esquizofrenia’, como se seus cérebros estivessem no momento no estado original da ‘doença’. A droga estava sendo testada em pessoas cujos cérebros haviam sido dramaticamente remodelados por seus anos de exposição a antipsicóticos e a outras drogas psiquiátricas e, se os pacientes deste estudo compartilharam alguma fisiologia comum, foram as anormalidades – como é um aumento nos receptores D2- induzida pela exposição aos medicamentos.

Todo mundo sabe disso. No entanto, este elefante científico na sala nunca é discutido. Em vez disso, o fingimento está em que um projeto de drug-washout * remova o efeito desse uso anterior e que devolva os participantes do estudo a uma fisiologia primitiva de ‘esquizofrenia’.  Isso permite alegações de que um medicamento foi testado para uma ‘doença’, mesmo que esteja sendo testado em uma população de pacientes cujos cérebros são ‘anormais’ devido aos anos de exposição aos medicamentos.

Note-se que esse processo de faz de conta que permeia 65 anos dos ensaios clínicos randomizados que avaliam a eficácia a curto prazo dos antipsicóticos. Como Lieberman e colegas confessaram em um artigo de 2017, nunca houve um “estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo” de um antipsicótico em pacientes que não estejam tomando medicamentos. Em outras palavras, não há um bom registro científico de que esses medicamentos sejam eficazes, mesmo a curto prazo, em pacientes psicóticos cujos cérebros não foram alterados pela exposição prévia a antipsicóticos.

Sem controle placebo

Como é sabido, existe a possibilidade de as pessoas diagnosticadas com uma doença melhorarem sem tratamento; e isso é particularmente verdadeiro para as pessoas que recebem um diagnóstico psiquiátrico. Um controle placebo é projetado para fornecer uma medida dessa capacidade natural de recuperação, com o entendimento de que, para que um tratamento medicamentoso seja eficaz, o medicamento deve fornecer melhores resultados do que a ‘recuperação natural’ no grupo placebo.

Neste estudo, o desenho do projeto de promover uma retirada abrupta produz um ‘grupo placebo’ que está a sofrer de sintomas de retirada, em oposição à esquizofrenia ‘não medicada’; e há um longo registro de pesquisa documentando os riscos associados à retirada abrupta de antipsicóticos e outros medicamentos psiquiátricos . Esses riscos incluem um agravamento dos sintomas psicóticos, ansiedade, medo, depressão, agitação interna, alterações de humor, dores de cabeça, insônia, vômitos e um possível agravamento dos sintomas extrapiramidais.

De fato, o pensamento comum é que a retirada abrupta de pacientes crônicos de todos os seus medicamentos psiquiátricos seria negligência clínica, uma vez que é conhecido por colocar os pacientes em grande risco de deterioração do seu estado de saúde.

A charada aqui é óbvia. Um grupo de abstinência de drogas serve como substituto de um controle de placebo, fornecendo uma ‘comparação’ esperada que a droga apareça como sendo melhor.

Esse fato revelador também é ocultado regularmente dos leitores da literatura médica. No artigo da JAMA Psychiatry, não há menção ao fato de os participantes terem sido abruptamente retirados de seus medicamentos psiquiátricos imediatamente antes da randomização; esse detalhe revelador está ausente nas seções ‘Métodos’ e ‘Discussão’ do artigo.

Um estudo de restauração de medicamentos

Dada a retirada abrupta de todos os medicamentos durante o período de triagem, os ensaios clínicos com a Lumateperona são adequadamente descritos como estudos de ‘restauração do medicamento’. Aqueles que foram randomizados para a Lumateperona foram colocados de volta no mesmo tipo de medicamento –  que bloqueia os receptores de dopamina – para o qual seus cérebros estavam já acostumados.

Em contextos clínicos, essa é obviamente a prática usual. Se um paciente com esquizofrenia parou abruptamente de tomar seus medicamentos e agora sofre de sintomas psicóticos, o paciente é rapidamente recolocado em um antipsicótico. O esperado é que essa restauração da droga ajude a aliviar os sintomas que surgiram após a retirada abrupta do antipsicótico.

Independentemente das expectativas, a questão é que os estudos com Lumateperona, como a maioria dos estudos financiados pela indústria farmacêutica que utilizam um plano de retirada de medicamentos, fornecem apenas uma avaliação dos possíveis méritos desse medicamento em uma situação clínica específica: Se os pacientes com esquizofrenia crônica pararem abruptamente os medicamentos, qual é o efeito a curto prazo de devolvê-los à Lumateperona? Nos próximos 28 dias, eles se saem melhor do que aqueles que não são postos de volta em um antipsicótico?

Os dados ausentes

O curso clínico estudado nos ensaios com a Lumateperona é o seguinte: pacientes com esquizofrenia que vivem na comunidade sofrem de algum grau de exacerbação enquanto estão a tomar seus medicamentos. Eles são retirados abruptamente de todos os seus medicamentos e randomizados para Lumateperona ou para placebo. Eles permanecem nesses grupos de tratamento pelas próximas quatro semanas.

A fim de fornecer uma avaliação clara desse curso de tratamento, o estudo deve apresentar três avaliações do PANSS para os participantes:

  • Pontuações na triagem inicial;
  • Pontuações após retirada abrupta de medicamentos (imediatamente antes da randomização);
  • Pontuações no final do período de estudo de 28 dias.

Nos ensaios com Lumateperona, não houve uso do PANSS na triagem inicial. Em vez disso, os recrutados em potencial foram rastreados com o uso de uma escala (CGI-S) que avalia rapidamente o estado clínico ‘global’, e aqueles que pontuaram pelo menos quatro foram vistos como potencialmente elegíveis, em termos de sintomas, para o ensaio clínico. No entanto, mesmo esses escores iniciais do CGI-S, avaliados antes da retirada do medicamento, nunca são relatados.

Portanto, não há informações que detalhem os sintomas dos pacientes antes que os medicamentos fossem retirados abruptamente. No entanto, espera-se que a retirada abrupta exacerbe os sintomas dos pacientes, pelo menos em pequeno grau. Essa exacerbação induzida pela retirada torna-se a medida inicial para avaliar a eficácia no final dos 28 dias.

Com esse desenho, um participante do estudo pode acabar sendo avaliado como tendo ‘respondido’ ao medicamento do estudo, embora esteja pior do que quando foi rastreado pela primeira vez para a pesquisa.

Por exemplo, no estudo com Lumateperona 301, a pontuação média do PANSS na linha de base para os pacientes foi de 89. Mas quais seriam as pontuações do PANSS antes da retirada abrupta? É possível que eles estivessem apenas levemente doentes, o que teria produzido escores do PANSS altos em torno de 60 ou baixos em torno de 70, com a retirada abrupta elevando a pontuação para 89 na ‘linha de base’. Vinte e oito dias depois, as pontuações do PANSS deles poderiam ter caído para mais ou menos 70 e agora seriam categorizadas como tendo respondido à droga, mesmo estando agora piores do que na triagem inicial.

Se esses estudos fossem realizados para fornecer informações clinicamente relevantes, os sintomas dos pacientes deveriam haver sido avaliados usando a escala PANSS nos três momentos: triagem inicial, após retirada abrupta de medicamentos e ao final do estudo. Em seguida, seria possível avaliar se a ‘melhoria’ com o medicamento era um artefato do projeto drug-washout ** Além disso, seria possível ver quanto dano havia sido causado aos voluntários do estudo pelo projeto abrupto de retirada de drogas.

O uso concomitante de um benzodiazepínico

Nos testes com Lumateperona, aproximadamente dois terços dos pacientes estavam tomando Lorazepam antes de serem retirados de seus medicamentos psicotrópicos e randomizados para o estudo. No entanto, após a randomização, o protocolo permitiu que os pesquisadores prescrevessem mais uma vez o Lorazepam para tratar ansiedade, agitação e insônia. Mais de 70% dos pacientes, nos grupos placebo e medicamentos, receberam esta benzodiazepina.

O uso de um segundo psicotrópico obviamente confunde a eficácia que pode ser atribuída ao medicamento do estudo. Como um especialista em projeto de ensaios clínicos testemunhou em um caso civil envolvendo o Prozac, o uso concomitante de benzodiazepina nos estudos do Prozac foi ‘cientificamente ruim’, pois ‘confundia os resultados’ e ‘interferia na análise de segurança e eficácia .”

Mais uma vez, todo mundo sabe disso. A prescrição de uma benzodiazepina nos estudos com Lumateperona pode ajudar a esconder efeitos adversos e diminuir muitos dos 30 sintomas avaliados com PANSS. E embora o emprego de um benzodiazepínico seja certamente de uso clínico quando as pessoas foram retiradas abruptamente de todos os medicamentos psiquiátricos e sofrem de sintomas de abstinência, a farsa é ignorar que seu uso confunde os resultados do estudo.

Essa farsa se estende ao artigo publicado na JAMA Psychiatry. Não há menção ao uso concomitante de Lorazepam. É preciso ler o protocolo e o suplemento online para descobrir isso.

A ética da retirada abrupta

É sabido, tanto por médicos quanto por pacientes, que a retirada abrupta de antipsicóticos e outras drogas psiquiátricas pode ser perigosa. Ela expõe o paciente a qualquer número de riscos físicos e emocionais e, em cuidados clínicos regulares, nunca isso é aconselhável.

No entanto, no estudo da Lumateperona, os pacientes poderiam ser incluídos se o investigador determinasse que eles poderiam ser ‘com segurança’ retirados de todos os seus medicamentos psicotrópicos.

Essa expressão ‘com segurança’ tem como objetivo fornecer uma cobertura ética para o estudo. Mas como isso deveria ser feito? O protocolo não forneceu nenhum método para os investigadores descobrirem quem entre os pacientes selecionados poderia ser ‘com segurança’ retirado de seus medicamentos. Tampouco foi dada explicação para o porquê de haver um subconjunto de pacientes crônicos poderem, de fato, ‘retirar com segurança’ todos os seus medicamentos psiquiátricos de uma só vez.

De fato, se existe um subconjunto de pacientes crônicos que podem ser retirados com segurança de todos os seus medicamentos, por que a ‘retirada abrupta de drogas’ não é vista como uma opção na prática clínica regular?

Este é mais um elemento da farsa. Os critérios de inclusão fornecem cobertura ética para um ato antiético.

A linha de base

Não havia nada de incomum no desenho do estudo 301 ou nos outros dois estudos clínicos de Lumateperona. Mas, de uma perspectiva científica, não se pode dizer que esses estudos fornecem um teste de segurança e eficácia desse medicamento para a ‘esquizofrenia’. O melhor que se poderia dizer dos ensaios clínicos é o seguinte: Em uma população de pacientes crônicos diagnosticados com esquizofrenia , com anos de exposição a antipsicóticos e outros medicamentos psiquiátricos, a Lumateperona proporcionou um benefício após a retirada abrupta dos medicamentos em que estiveram usando?

A farsa é fingir que os ensaios clínicos testaram algo diferente disso.

A eficácia da Lumateperona

O aspecto notável da aprovação da FDA deste medicamento, através de um processo acelerado de aprovação, é que, mesmo nesse contexto científico, como sendo um tratamento para pacientes retirados de todos os seus medicamentos psicotrópicos, o medicamento não proporcionou um benefício confiável.

A Intra-Cellular Therapies realizou um estudo de fase II e dois estudos de fase III como parte de seu pedido enviado a FDA. Forneceu resumos desses estudos em seu arquivo 10-K de 2019 à Comissão de Valores Mobiliários.

No estudo de fase II (estudo 005), 335 pacientes foram randomizados para um dos quatro tratamentos: 120 mg. de Lumateperona, 60 mg. de Lumateperona, 4 mg. de Risperidona ou placebo. O estágio final do processo foi a redução dos sintomas na escala PANSS desde o início até o final do estudo no dia 28. Enquanto que a dose de 60 mg. de Lumaterona e a dose de 40 mg. de Lumateperone e a dose de 4 mg. de Risperidona proporcionaram um benefício ‘estatisticamente significativo’, os 120 mg. dose de Lumateperona não. * *

Em um dos dois estudos de fase III (estudo 302), os pacientes foram randomizados para 60 mg. dose de Lumateperona, 40 mg. dose de Lumateperona, risperidona ou placebo, com redução dos sintomas na escala PANSS como desfecho primário. Nenhuma das doses de Lumateperona ‘se separou do placebo’ nesta fase final, enquanto a Risperidona o fez.

Assim, nesses três estudos, foram realizadas seis comparações entre uma dose de Lumateperona e placebo, e em quatro dos seis, o medicamento não proporcionou benefício superior ao placebo. A dose de 60 mg. foi a dose aprovada pela FDA e nas duas comparações com Risperidona forneceu resultados semelhantes no estudo de fase II, mas foi inferior à Risperidona no estudo de fase III.

Além disso, no estudo 301, a eficácia da dose dos 60 mg. sobre o placebo foi de um tipo mínimo. A pontuação inicial do PANSS para os participantes do estudo foi de 89 a 90 e, no final dos 28 dias, a redução média na pontuação do PANSS foi de 15,6 para o grupo dos 60 mg.  versus 12,4 para o grupo placebo.

Embora essa diferença de três pontos seja  ‘estatisticamente significativa’, ela não tem significado clínico algum. O PANSS avalia trinta sintomas em uma escala de 1 a 7, o que significa que as pontuações podem variar de 30 a 210. Em um artigo de 2012, os pesquisadores determinaram que era preciso haver uma diferença de 15 pontos na escala PANSS para que essa diferença ocorresse de forma clinicamente significativa. Uma diferença de três pontos em uma escala de 210 pontos não seria clinicamente perceptível.

Os pesquisadores do estudo 301, em seu artigo JAMA Psychiatry, também relataram taxas de resposta, afirmando que uma redução de 20% nas pontuações do PANSS seria evidência de que um paciente ‘melhorou minimamente’ até o final do estudo. Cinquenta por cento dos pacientes do grupo com a dose de 60 mg. respondeu por esta medida em comparação com 38 por cento no grupo placebo.

Isso produz um NNT de 8, o que significa que oito pessoas precisam ser tratadas com a droga para produzir uma resposta adicional ‘minimamente aprimorada’. Isso também significa que sete dos oito tratados com o medicamento sofrerão os efeitos adversos do medicamento sem receber nenhum benefício. Esses sete são compostos por não respondedores ao medicamento e aqueles que responderiam sem o tratamento (respondedores a placebo).

Assim, em suma:

  • Houve apenas dois casos – em seis tentativas – em que a Lumateperona se mostrou ‘estatisticamente superior’ ao placebo no desfecho primário de redução dos sintomas na escala PANSS.
  • No estudo 301 positivo, a superioridade da dose ‘efetiva’ de 60 mg. foi de um tipo tão marginal que não tinha significado clínico.
  • De acordo com o NNT “minimamente aprimorado” de 8, sete de oito pessoas tratadas com Lumateperona sofrerão os riscos de eventos adversos sem nenhum benefício, pois não responderão ao medicamento ou que teriam melhorado na mesma extensão sem ele.

A segurança da Lumateperona

Intra-Cellular Therapies, em sua promoção da Caplyta, a consideram a droga antipsicótica mais segura e que causa menos efeitos colaterais do que os antipsicóticos no uso atual. As reações adversas mais comuns nos ensaios clínicos, informou o Medscape Psychiatry, “seriam sonolência / sedação” e “boca seca”.

O artigo no JAMA Psychiatry, em sua conclusão, forneceu uma imagem igualmente otimista de seu perfil dos efeitos colaterais. “Os eventos adversos nos grupos de Lumateperona que ocorreram foram sedação, sonolência, fadiga e constipação, todos predominantemente leves”.

Aparentemente, isso mostra um grande avanço. Sem disfunção metabólica, sem ganho de peso dramático e aparentemente sem sintomas extrapiramidais.

Aqui está como esse perfil de segurança foi criado.

Lista de efeitos colaterais comuns

Primeiramente, de acordo com o protocolo do estudo 301, os únicos ‘eventos adversos’ que seriam registrados seriam aqueles que viessem a surgir durante os 28 dias de tratamento. Os participantes do estudo poderiam estar sofrendo efeitos adversos em seus anos anteriores de uso de drogas psiquiátricas, como sintomas extrapiramidais, com essa sintomatologia permanecendo ao longo dos 28 dias, mas esses sintomas não seriam relatados a menos que emergissem após a randomização. No relatório JAMA Psychiatry, estes foram descritos como “sintomas adversos emergentes do tratamento” (TEAS).

O protocolo foi projetado para minimizar o reconhecimento de tais eventos adversos. Não houve uso de uma lista de verificação de eventos adversos que exigisse que os investigadores perguntassem sobre possíveis efeitos negativos. Em vez disso, o protocolo dizia: “Eventos adversos podem ser espontaneamente serem relatados pelos sujeitos do estudo, ou descobertos pela equipe do estudo durante exames físicos ou fazendo uma pergunta aberta e não principal, como ‘Como você está se sentindo desde a última vez que foi perguntado? ‘”

Este é um método que as empresas farmacêuticas usam regularmente para minimizar os relatórios de efeitos adversos. Se você não procurar ativamente esses efeitos negativos, não os encontrará.

Este método produziu a seguinte lista de efeitos colaterais comuns, que pareciam bastante benignos.

O que está faltando claramente nesta lista é qualquer evidência de sintomas de EPS, e em seu relatório JAMA, os pesquisadores do estudo 301 enfatizaram esse ponto. “Nenhum TEAS relacionado ao EPS ocorreu em 5% ou mais dos pacientes em qualquer ramo de tratamento”, eles escreveram. “TEAS relacionados com EPS foram raros.”

Sintomas extrapiramidais

Os antipsicóticos de primeira geração – Clropromazina, Haloperidol e assim por diante – eram notórios por causar sintomas extrapiramidais (EPS). Os pacientes desenvolviam tiques, distonias, sintomas parkinsonianos, uma agitação interna conhecida como acatisia e assim por diante. Os antipsicóticos de segunda geração, como Olanzapina e Quetiapina, foram em grande parte vistos como drogas melhoradas, porque não bloqueiam os receptores D2 da mesma forma que as drogas da primeira geração, portanto induzindo sintomas extrapiramidais em menor grau.

Uma droga que não cause sintomas de EPS, mas que seja igualmente eficaz como os medicamentos existentes para melhorar os escores do PANSS, seria visto como uma melhoria notável. Embora a lista de eventos adversos pareça considerar que a Lumateperona não causa EPS, uma empresa que deseja fazer essa afirmação precisaria mostrar que avaliou ativamente os sintomas de EPS, em vez de apenas esperar para ver se esses sintomas aparecerão como efeitos adversos.

Intra-Cellular Therapies fez isso em seus ensaios. Os pacientes inscritos no estudo 301 receberam testes de linha de base para avaliar a presença e gravidade dos sintomas de EPS e a acatisia e, em seguida, essas mesmas avaliações foram feitas periodicamente durante o estudo e no último dia do estudo. Os pesquisadores relataram que, com base nessas medidas, “o tratamento com (qualquer dose) de Lumateperona não esteve associado ao aumento do EPS”.

A palavra-chave nessa frase, que pode ser facilmente perdida, é aumentada.

No artigo da JAMA Psychiatry, os pesquisadores relataram as alterações médias na sintomatologia da EPS desde o início até o dia 28, em oposição à porcentagem de pacientes que poderiam estar sofrendo desses sintomas. Os pacientes que apresentavam sintomas extrapiramidais na linha de base ainda poderiam estar exibindo esses sintomas no dia 28, mas desde que seus sintomas não piorassem, isso não produziria nenhuma ‘alteração média’ nas pontuações de EPS.

Além disso, os investigadores omitiram as informações que forneciam informações sobre a porcentagem de pacientes que estavam sofrendo de EPS durante o estudo.

O protocolo permitiu a prescrição de Lorazepam durante o estudo para tratar agitação, ansiedade e insônia. Todos estes são sintomas relacionados ao EPS, com agitação e ansiedade vistas como sinais cardinais de acatisia induzida por drogas (que geralmente aumenta após a retirada abrupta de drogas). Os investigadores não mencionaram esse fato em seu artigo. Mas o suplemento on-line diz: mais de 70% dos pacientes receberam Lorazepam durante o estudo para ansiedade, agitação e insônia.

No entanto, esses eventos adversos estão ausentes da lista de efeitos colaterais gerais.

Diante dessa apresentação dos dados de segurança, é impossível conhecer a porcentagem de pacientes no estudo 301 que estavam sofrendo de EPS. Parece que houve apenas alguns casos em que esses sintomas surgiram recentemente e, no geral, não houve ‘alteração média’ dos sintomas de EPS nos grupos de pacientes nesses 28 dias. No entanto, mais de 70% dos pacientes receberam Lorazepam para tratar agitação, ansiedade e insônia, sintomas que são um sinal de acatisia. Parece então que 70% ou mais estavam sofrendo com esse ‘evento adverso’.

A empresa, em seu comunicado de imprensa, afirmou que “a incidência de sintomas extrapiramidais foi de 6,7% para Caplyta e de 6,3% para placebo”, o que indicaria que seu medicamento não causaria esses efeitos adversos. Mas as informações no comunicado de imprensa da empresa e no artigo JAMA Psychiatrysobre o uso de Lorazepam nos estudos estão ausentes e, portanto, o público fica no escuro sobre o potencial desse medicamento para causar ‘agitação, ansiedade e insônia’.

Disfunção metabólica

Com os antipsicóticos de segunda geração, a disfunção metabólica – ganho de peso, diabetes e assim por diante – passou para a frente como sendo efeito adverso mais problemático. O estudo 301 investigadores relataram essa preocupação da mesma maneira que relataram sintomas de EPS.

O protocolo exigia que os investigadores avaliassem fatores metabólicos na linha de base e, novamente, durante o estudo e no dia 28. Mas no artigo JAMA, os pesquisadores relataram apenas ‘alterações médias’ da linha de base para o dia 28 e, portanto, se os pacientes tiveram leituras anormais nos fatores metabólicos na linha de base, desde que as medidas metabólicas não piorassem durante as quatro semanas, parece que a Lumateperona não causou esses problemas.

Como os pesquisadores escreveram em seu artigo JAMA, “não houve alterações significativas nos parâmetros metabólicos da linha de base no dia 28 em comparação com o placebo”.

No entanto, assim como o uso regular de Lorazepam no estudo 301 fala de pacientes que continuaram a sofrer de sintomas relacionados à acatisia, os dados de ganho de peso publicados no suplemento sugerem que a Lumateperona, assim como a Clozapina, pode causar problemas metabólicos, pelo menos para alguns pacientes. Doze dos 143 pacientes no grupo com 60 mg. teve um aumento de mais de 7% do seu peso corporal inicial em 28 dias, o que indica que eles ganharam de 5 kg a 7,5 kg (ou mais) nesse curto período.

A linha inferior

Pode ser que a Lumateperona tenha um perfil de segurança relativamente benigno em comparação aos medicamentos psiquiátricos existentes. No entanto, o que está claro é que a empresa e seus pesquisadores, em sua coleta e relato de dados de eventos adversos, não forneceram uma imagem da presença de disfunção metabólica e de sintomas de EPS nos participantes do estudo durante o estudo. O fato de não haver ‘alterações médias’ nesses domínios indica que pelo menos aqueles tratados com Lumateperona não pioraram nesses dois domínios durante seus 28 dias de uso do medicamento. Mas isso não se traduz em evidências de que a Lumateperona não cause efeitos negativos em uma porcentagem significativa de pacientes do mundo real.

A aprovação da Lumateperona pela FDA

Depois que a empresa concluiu seus testes de fase III, a FDA, em novembro de 2017, deu à Lumateperona sua designação de ‘trâmite rápido’. Isso foi concedido, declarou a empresa em um comunicado à imprensa, porque “a Lumateperona tem o potencial de atender às necessidades médicas não atendidas do tratamento da esquizofrenia com melhorias significativas em vários parâmetros de segurança clinicamente significativos, inclusive com relação a problemas metabólicos, motores e cardiovasculares associados com muitos agentes antipsicóticos atualmente disponíveis. ”

Depois que a empresa entrou com seu pedido de novo medicamento, a FDA agendou uma reunião do comitê consultivo para 31 de julho de 2019. Mas cancelou a reunião em 23 de julho, o que assustou a comunidade de investidores. Talvez a FDA não tenha achado os dados da Lumateperona muito convincentes.

Esses medos foram rapidamente sufocados. Em 10 de setembro, a FDA anunciou que não planejava mais realizar uma revisão do comitê consultivo e, três meses depois, em 23 de dezembro, aprovou o medicamento. Isso foi feito apesar da falta de dois ensaios positivos da fase III, que é o padrão usual para a aprovação de um medicamento.

No início de 2019, a FDA aprovou a Eskatamina como tratamento para a depressão, embora a evidência de eficácia fosse de um tipo igualmente pouco convincente e, com essa aprovação da Lumateperona, o analista financeiro Paul Matteis explicou o padrão que agora passava a ser evidente. “A FDA é mais flexível do que a norma quando se trata de medicamentos para a neurociência” e agora está adotando uma “abordagem que tanto pode ser vista com pessimismo quanto com otimismo” para aprovar esses medicamentos, escreveu ele.

O desenvolvimento da Lumateperona produziu benefícios financeiros para os envolvidos. É claro que os investigadores que conduziram os ensaios clínicos foram pagos por esse trabalho e, como observado acima, depois que a FDA anunciou sua decisão, a avaliação da Intra-Cellular saltou US $ 1,3 bilhão em um único dia. O CEO e o CFO da Intra-Cellular venderam ações de suas ações desde aquele dia, cada um recebendo mais de US $ 1 milhão com essas negociações.

Analistas disseram que a empresa deveria cobrar pelo Caplyta US $ 900 por mês quando o medicamento for lançado na primavera. Isso é mais de 200 vezes o custo mensal da Risperidona genérica no Walmarts ou em outras farmácias que vendem antipsicóticos genéricos a taxas reduzidas. Nesse campo do comércio, os custos serão suportados por quem compra os comprimidos.

A pergunta não respondida

Como mencionado anteriormente, há um resultado dos ensaios clínicos com a Lumateperona que justifica uma investigação mais aprofundada. Por que os escores do PANSS de pacientes crônicos que foram retirados abruptamente de seus medicamentos e depois randomizados para placebo melhoraram nos próximos 28 dias? Os estudos de recaída relatam regularmente pacientes retirados cujos sintomas psicóticos aumentam no primeiro mês, e o entendimento geral é que a retirada abrupta regularmente leva à erupção de muitos sintomas difíceis. Mas não neste caso, e essa melhoria no grupo placebo é vista regularmente em estudos financiados pelo setor, apesar de seu design de retirada de medicamentos.

A melhoria no grupo placebo neste estudo pode ser uma evidência que apoia o uso regular de protocolos de redução gradual. Se os pacientes crônicos podem melhorar após a retirada abrupta de todos os seus medicamentos psiquiátricos, que melhoria eles podem experimentar por períodos mais longos se os medicamentos psiquiátricos forem gradualmente retirados? No entanto, outra explicação possível é que, durante um estudo financiado pelo setor, os avaliadores esperam ver uma melhora nos participantes, um viés que se estende tanto aos pacientes tratados com medicamentos quanto aos pacientes tratados com placebo.

Mas essa não é uma questão que interessa aos financiadores comerciais de ensaios clínicos com drogas ou evidentemente aos investigadores nos ensaios com a Lumateperona. No relatório de psiquiatria da JAMA, eles nem sequer mencionaram o plano de abstinência. Não há discussão sobre essa melhora no grupo placebo, o que representa mais uma maneira pela qual esses estudos não ajudam a informar os cuidados clínicos de maneira significativa.

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** A molécula que foi testada no julgamento foi o tosilato de Lumateperona. A dose de 60 mg tinha 42 mg de Lumateperona, enquanto a dose de 40 mg tinha 28 mg de Lumateperona. No artigo JAMA Psychiatry, algumas das conclusões são apresentadas usando os 42 mg. e 28. mg.

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Nota do Editor:

  • O termo técnico “drug-washout” se refere a um recurso técnico utilizado muito em ensaios clínicos com drogas medicinais. Isso se refere a uma interrupção no tratamento em andamento. É frequentemente utilizado em ensaios cruzados, nos quais é definido um período definido antes de mudar para um novo medicamento. Nesse período, os níveis do medicamento anterior no organismo e os efeitos devem ser reduzidos a zero.

Tornando o aconselhamento de pares radicalmente acessível

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Depois de anos sonhando, planejando e pesquisando, o Peer Collective (peercollective.org), uma plataforma on-line para aconselhamento de baixo custo, agora está oficialmente em funcionamento.

Este lançamento acontece em um momento em que inúmeras pessoas no mundo estão sofrendo e não têm acesso suficiente a suporte emocional. O suicídio e a ‘incapacidade’ em saúde mental estão crescendo em todo o mundo, e muitas das principais figuras da profissão do campo da saúde saúde mental acreditam que o sistema está muito danificado, que não tem mais salvação.

O Sonho

Em 2015, cerca de uma semana depois da publicação do meu primeiro livro, Self-Compassion in Psychotherapy: Mindfulness-Based Practices for Healing and Transformation (Auto-compaixão em psicoterapia: práticas baseadas na atenção plena para curar e transformar), uma colega me fez uma pergunta desafiadora. Ela perguntou se eu acreditava que o campo como um todo seria mais eficaz se cada clínico lesse o meu livro. Com base no meu entendimento de que o treinamento não tende a melhorar os resultados do terapeuta, eu disse que não. Ela respondeu: “Então, o que seria necessário para o campo ser mais eficaz?”

Perdi um pouco de sono com essa questão, mas finalmente comecei a imaginar um mundo em que alguém pudesse pressionar um botão no telefone e se conectar a um ouvinte compassivo e empático. Imaginei que seria gratuito ou acessível o suficiente para que o custo não fosse uma barreira.

Na época, eu morava em um centro de retiro de meditação na floresta de New Hampshire e cuidava da minha esposa que estava morrendo de câncer. A criação de um novo projeto ambicioso como esse não parecia provável.

Na Barriga da Besta

Alguns anos depois, fui convidado para dar uma palestra de autor no campus do Google em Mountain View, CA. Após minha palestra, conheci David Yu Chen, um engenheiro de software do Google com um interesse apaixonado em saúde mental. Ele se aproximou de mim e disse que queria desenvolver um projeto de saúde mental. Eu nunca conheci um engenheiro de software antes e senti que essa provavelmente seria a minha única chance de tentar viabilizar a minha visão.

Finalmente, nós dois desenvolvemos e executamos durante oito meses um projeto de aconselhamento por pares no Google. Como um ex-manifestante do Occupy Wall Street, aparecer nos escritórios do Google todos os dias parecia nojento para mim. No entanto, eu aprendi muito durante esse tempo. Fizemos pesquisas sobre como rastrear e prever quais conselheiros de pares seriam eficazes e como tornar o aconselhamento de pares acessível a uma ampla gama de pessoas. Foi também durante esse período que alguns dos pesquisadores de terapia que eu mais idealizei ingressaram no projeto, incluindo o psicólogo Bruce Wampold, um especialista sobre o que torna a terapia eficaz. No entanto, ficou claro que o Google nunca patrocinaria algo radical ou voltado para comunidades carentes. Eles estavam mais interessados em como nosso projeto poderia ser usado para vender o Google Cloud para os empregadores.

Então, no verão de 2019, deixei o Google e fundei o Peer Collective. Até o momento em que este artigo foi escrito, havia 30 conselheiros de pares na plataforma, oferecendo sessões de aconselhamento de 30 minutos e por apenas US $ 14. As pessoas podem se conectar com um conselheiro que já passou por qualquer problema que essa pessoa esteja enfrentando. Eles podem encontrar conselhos de colegas disponíveis a qualquer hora e conversar via o Zoom (que oferece chamadas telefônicas ou de vídeo). Quase mil outros se candidataram a conselheiro e estamos crescendo devagar e cuidadosamente.

O aconselhamento online por pares pode transformar o campo da saúde mental?

Sim!

Vejamos alguns dos maiores obstáculos para as pessoas receberem atendimento de saúde mental de qualidade.

Primeiro, a pesquisa mostra que a terapia da fala é eficaz, mas é muito difícil se ter acesso. O preço médio de uma sessão de terapia nos EUA é de U$ 150 e, em áreas como Nova York e São Francisco, é mais próximo de U$ 250. Além disso, quase um terço dos americanos vive em áreas com escassez de profissionais de saúde mental. As pessoas que precisam de cuidados geralmente não podem pagar, não conseguem encontrar um médico ou precisam esperar meses para conseguir uma consulta.

O aconselhamento entre pares, por outro lado, geralmente é gratuito ou de baixo custo. Ao criar uma plataforma on-line para conselheiros de pares, o suporte pode estar disponível para qualquer pessoa com conexão à Internet, em qualquer momento pode funcionar. Acredito que a maior contribuição que o aconselhamento online por pares pode oferecer é melhorar o acesso.

Um segundo grande obstáculo a cuidados de saúde mental de qualidade é a escolha. Pesquisas mostram que uma má interação entre ‘cliente’ e profissional é um dos maiores fatores em pessoas que abandonam o tratamento em saúde mental. No Peer Collective, os usuários podem navegar por nossos conselheiros e agendar uma sessão com alguém que eles acham que possa ser útil. Eles podem tentar sessões com vários conselheiros até encontrar alguém de quem gostem. Eles podem ficar com uma única pessoa de forma consistente ou manter relacionamentos com vários conselheiros.

Um grande obstáculo final é o estigma. Nossa pesquisa no Google indicou que algumas pessoas que se encontram ‘incapacitadas’ pelo paradigma médico da saúde mental clínica estão muito mais abertas ao aconselhamento por pares. Na psicoterapia profissional, a base do relacionamento é o diagnóstico e o tratamento, enquanto no aconselhamento por pares é baseado em experiências compartilhadas. Acredito que combater o estigma é complicado. No entanto, os serviços baseados em pares podem ser uma maneira de combater o estigma, normalizando o sofrimento humano.

Outros benefícios do aconselhamento online por pares

Quando conversei pela primeira vez com Bruce Wampold, cujo trabalho de promover o modelo de fatores comuns da terapia eu admiro há anos, perguntei a ele: “Se você tivesse que contratar 100.000 terapeutas e desejasse que todos fossem bons, como iria ser isso? ”Ele respondeu que sabia exatamente o que faria”.

Ele me contou sobre a avaliação de Habilidades Interpessoais Facilitadoras (FIS), que é o único tipo de métrica demonstrada para prever a eficácia do terapeuta. Nossa equipe acabou criando nosso próprio processo – baseado no FIS – para avaliar as pessoas que estavam se candidatando a conselheiros. Em nossa abordagem, os candidatos assistem a sete vídeos de interações emocionais altamente desafiadoras enquanto suas respostas são gravadas em vídeo. Os conteúdos incluem situações como alguém dizendo: “Você está agindo muito bem, mas é pago para ser gentil, então isso é falso”. Os candidatos são classificados nas oito qualidades que compõem o SIF: fluência verbal, esperança e expectativa positiva, persuasão, expressão emocional, cordialidade e compreensão, empatia, capacidade da aliança e reparo da ruptura da aliança. Apenas cerca de 10% dos candidatos a conselheiros passam na avaliação.

Quando testamos esse método no Google, descobrimos que tínhamos um alto grau de concordância entre diferentes avaliadores e (o mais importante) podíamos prever rapidamente quais conselheiros seriam bons. Muitos pesquisadores sugeriram que, se os 25% menos eficazes dos terapeutas profissionais pudessem ser removidos do campo, o resultado geral melhoraria muito. Acredito que a razão de tantos terapeutas profissionais terem resultados tão ruins é que eles nunca precisam passar por uma avaliação que realmente preveja a eficácia.

Por fim, acreditamos que tornar o apoio emocional acessível é uma questão de justiça social. Nosso foco é equilibrar os cuidados menos caros quanto o possível e acessíveis a todos, garantindo que nossos conselheiros recebam um salário digno (atualmente U$ 20 / hora).

Atualmente, estamos alcançando comunidades carentes por meio de médicos e centros comunitários de saúde mental, para que possamos oferecer apoio às pessoas que mais precisam. Esperamos que, dentro de 5 a 10 anos, todos no mundo tenham, ao pressionar um botão, acesso fácil a conselheiros de pares compassivos e habilidosos.

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