Atualização sobre Marci Webber: o pesadelo terminará?

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Em 2010, Marci Webber era uma mãe solteira de uma filha de três anos de idade e era estudante de direito. Foi quando lhe foi prescrito uma crescente gama de medicamentos psiquiátricos para lidar com o seu estresse. O médico continuou a prescrever sem o devido acompanhamento médico e negligenciando a renovação da prescrição de Zoloft. Marci experimentou um episódio psicótico induzido por medicação. Sob a ilusão de que sua filha de quatro anos, Maggie, estava prestes a encontrar um destino terrível, ela a matou para “salvá-la” e, depois tentou, sem sucesso, se matar. Ela foi considerada inocente – por motivo de insanidade –  e foi internada em uma instituição mental estadual no estado de Illinois, uma pena de 99 anos.

A história de Marci foi publicada anteriormente em Mad in Brasil em 13 de dezembro de 2016 (“Um Pesadelo de Mãe: terrível”), e atualizada em 21 de fevereiro de 2018 (“O pior pesadelo de uma mãe continua“).

Durante seu confinamento, Marci tem regularmente se envolvido com o pessoal do manicômio judiciário. Marci tem sido muito sincera sobre a causa real de seu crime. Ela se recusa a concordar com a equipe de que ela está mentalmente doente. Em resposta, os funcionários confiscaram todos os seus bens pessoais há mais de um ano, e se recusam a devolvê-los. A equipe intencionalmente a priva de tudo, nega que se exercite, a pegar ar fresco, a lanches, a visitas e qualquer outra coisa que tornaria sua vida tolerável. Eles retêm sua correspondência e a sujeitam a frequentes buscas no quarto e buscas em suas cavidades corporais. Pior de tudo, eles mentem sobre seu comportamento e status mental para o tribunal, em um esforço para mantê-la trancada indefinidamente.

De acordo com a lei, quando um paciente em um manicômio judiciário não é mais mentalmente doente e perigoso, ele deve ser liberado. Marci tem se recusado a tomar qualquer medicação psiquiátrica, há mais de cinco anos,  e não tem demonstrado sinal algum de psicose ou periculosidade. Agora temos um psiquiatra e dois psicólogos, de fora da instituição, que avaliaram Marci de forma independente e não encontraram evidências de doença mental.

Eu também posso garantir a sanidade de Marci. Eu tratei Marci de 2002-2008 para o estresse quando ela estava passando por uma longa batalha de divórcio e custódia. Eu tenho mantido contato com Marci por telefone várias vezes por semana, desde a sua prisão. Eu nunca detectei qualquer evidência de psicose ou qualquer outra doença mental grave.

Marci solicitou a alta e tem uma audiência de alta marcada para este mês de junho de 2019. É fundamental convencer o juiz de que Marci deveria ser liberada. Marci está achando cada vez mais difícil tolerar sua vida nas circunstâncias atuais. O ônus da prova é alto, e o manicômio e o Estado de Illinois estão se opondo à sua libertação.

Acreditamos que precisamos de mais um psiquiatra para avaliar Marci e testemunhar por ela, mas estamos sem fundos. Também estamos com falta de fundos para pagar os provedores de saúde mental atualmente programados para testemunhar. Eu criei um fundo para a defesa legal dela.

Marci também recebe de bom grado orações e apoio emocional das pessoas. É um momento muito difícil para ela. Você pode contatá-la pelo correio:Elgin Mental Health Center, 750 S. State St. Elgin, IL 60123. Ela não tem acesso a e-mail ou à internet. Você também pode ligar para ela no telefone (847) 429-5748. Ela geralmente está limitada a telefonemas limitados a alguns minutos.

Comunidades Terapêuticas: aceitar Jesus ou porrete

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Em seu 10º. Episódio da 3ª. temporada do Greg News, com Gregório Duvivier. O tema é as Comunidades Terapêuticas. Com muito humor, Gregório nos apresenta uma contundente crítica do que representam as Comunidades Terapêuticas para o tratamento de dependentes químicos.

As Comunidades Terapêuticas (CTs), como espaço de tratamento para dependentes químicos, passaram a ser prioridade do Governo Bolsonaro. Cerca de 82% das comunidades terapêuticas são vinculadas a igrejas e a organizações religiosas. Nomes como ‘Comunidade Jesus Luz do Mundo’, ‘Fazenda do Senhor Jesus’’, ‘Jesus em Damasco’, ‘Dr. Jesus’.  É verdade que desde o governo Lula, uma das prioridades das comunidades evangélicas têm sido assegurar que o dinheiro público financie essas comunidades terapêuticas. Exemplo disso, a ‘Dr. Jesus’, do deputado federal pastor sargento Isidório, recebe R$ 10 milhões do Estado por ano do governo da Bahia. Isidório se diz “ser apenas laranja de Deus”.

A destinação pública de recursos públicos para sustentar as CTs não é recente.  Desde 2013, vem ocorrendo o financiamento federal das CTS. Em 2013, a então chefe da Casa Civil do governo Dilma, Gleise Hoffman, fazia lobby para a liberação de R$ 230 milhões para as CTs.

Sabe-se bem que práticas terapêuticas são as dominantes nas CTs. Denúncias de maus tratos se multiplicam. Como é bem lembrado por Gregório Duvivier, não é apenas Jesus a quem se recorre para a cura dos dependentes químicos, mas à violência física propriamente dita. O deputado federal pastor sargento Isidório faz da missionária Tereza como a principal técnica terapêutica em sua CT. E quem é Tereza? Um porrete de madeira que ele diz ser a responsável pela recuperação dos dependentes químicos. Essa orientação terapêutica é mais comum do que se pode imaginar nas CTs: castigos físicos, trabalho análogo à escravidão, medicação injustificada, privação de liberdade e eletrochoque. Quem ganha com a nova lei de drogas do governo Bolsonaro? Os donos das clínicas e das comunidades terapêuticas, como é bem mostrado nesta reportagem do Intercept.

Enquanto isso, os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-AD) que fazem atendimento diário com supervisão médica e psicológica, que praticam a redução de danos recomendada pela própria OMS, estão sendo desativados por falta de suporte financeiro e pela carência de profissionais.

Veja o vídeo na íntegra aqui.

Dois anos reduzindo um antidepressivo – uma experiência de mudança de vida que eu não queria

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Comecei a redução do meu antidepressivo em 12 de maio de 2017. Pouco mais de dois anos depois, através de uma determinação muito séria e severa, consegui chegar hoje a 25% da minha dose inicial. Os últimos 755 dias têm sido uma batalha quase que constante, enfrentando uma série de desafios físicos e psicológicos. Eu acordo de manhã sentindo-me completamente exausto e tão fatigado que não consigo pensar direito, e o dia geralmente se passa desse modo.

Meus próprios desafios de saúde mental têm sido terríveis para mim e para a minha família. Luto com pensamentos ansiosos, uma intensa sensação de desolação e uma fobia de vômito, e essas questões me custaram a minha carreira, a nossa família em casa, a perda de amigos e colegas, juntamente com minha dignidade e qualquer auto-respeito. Em retrospecto, minha experiência de retirada parece muito pior do que aqueles momentos duros e cheios de terror de antes. Meus sentimentos de desespero absoluto ou pânico absoluto e irracional não são constantes, eles diminuíram, há vezes em que desaparecem completamente. A experiência de abstinência não é algo a ser simplesmente abatido, é um companheiro indesejável, quase que enjoativo e permanente, e que passou a dominar minha vida e a afetar fundamentalmente a minha família.

Embora eu perceba que nem todo mundo experimenta tanta dificuldade saindo das drogas, tem ficado evidente que a retirada do antidepressivo necessita de mais atenção. Uma revisão sistemática recentemente feita pelo professor John Read e o doutor James Davies descobriu que, em média, em vários estudos, 56% dos usuários de antidepressivos relataram sintomas de abstinência. Críticos (principalmente pesquisadores psiquiátricos proeminentes) foram rápidos em apontar que pesquisas auto-selecionadas não são necessariamente livres de preconceitos e que uma pequena amostra não prova que o problema seja considerável. No entanto, aqui está a coisa, essas drogas estão em uso há décadas, milhões de libras foram gastas investigando-as para tentar entender como elas funcionam. Então, por que não sabemos mais sobre os efeitos a longo prazo, incluindo as dificuldades de retirada e a capacidade desses medicamentos de resultar em dependência? Efeitos de abstinência foram observados durante o estágio de uso da técnica de ‘washout placebo’,  em ensaios clínicos de drogas psiquiátricas. No início do estudo, os participantes são retirados de medicamentos ativos e recebem um placebo. A intenção é reduzir a influência de drogas concorrentes e identificar os respondentes ao placebo. O que isso realmente faz é colocar os participantes do estudo em retirada quando eles já estavam a usar uma droga psiquiátrica. Sabemos que esses efeitos foram observados em ensaios clínicos, ainda que os defensores dos pacientes muitas vezes enfrentem denúncias e acusações falsas de terem ‘vergonha da droga’ ou de serem adeptos da anti-ciência.

Os artigos que discutem a retirada são quase impossíveis de serem encontrados nos destacados periódicos médicos, muitas vezes aparecendo em publicações menores e independentes. Quando um artigo aparece, como o recente estudo do Doutor Mark Horowitz em Lancet Psychiatry, fica claro que as únicas respostas permitidas são aquelas críticas ao que o artigo mostra. Eu sei porque enviei minha própria resposta e auxiliando a redação de uma outra resposta feita por vários colegas profissionais; ambas apoiando o estudo e ambas foram recusadas, pois só o que desejavam era publicar respostas críticas ao artigo do Dr. Horowitz. Isso apesar de Lancet Psychiatry querer encorajar mais ‘opiniões de pacientes’, com a sessão Service User Reviewers (‘Revisões feitas por Usuários dos Serviços’), em seu número de setembro de 2018,  ao ser feia a seguinte pergunta:

“Como se pode garantir que aqueles com maior participação nas decisões tomadas sobre o futuro da psiquiatria – pessoas com experiência pessoal de problemas de saúde mental – sejam uma parte substancial, na verdade, uma parte importante do impulso em direção a um melhor atendimento?”

Em toda a Inglaterra, em 2018, foram prescritos 71 milhões de antidepressivos, quase o dobro em uma década. Esta figura surpreendente não apresenta de fato a história completa, pois exclui a prescrição em prisões, hospitais e clínicas psiquiátricas privadas. O The Guardian informou recentemente que existem 4 milhões de usuários de antidepressivos a longo prazo na Inglaterra. Algumas dessas pessoas podem querer confiar nas drogas para o resto de suas vidas, essa é a escolha delas e que deve ser respeitada, mas algumas pessoas terão tentado e não conseguiram sair dos antidepressivos. Elas podem ter visitado seu médico ou psiquiatra, reclamando de sintomas de abstinência, mas foram informadas de que haviam tido recaída e que seus problemas de saúde mental haviam ressurgido. É uma cruel ironia que os sintomas de abstinência sejam, às vezes, muito difíceis de serem distinguidos dos problemas de saúde mental, pois abrangem uma gama muito ampla de efeitos físicos e psicológicos adversos. Muitas pessoas que experimentaram a abstinência, no entanto, descreverão sintomas indicadores que nunca apareceram como parte de sua condição originalmente diagnosticada, mas que só se tornaram manifestados quando começaram a reduzir as drogas. Para mim, isso significa dores de cabeça esmagadoras e visão turva, um sinal claro de que meu corpo está a implorar para que eu ‘diminua a velocidade’.

Agora é geralmente aceito pelos médicos que as drogas benzodiazepínicas, como Valium e Lorazepam, podem muito rapidamente resultar em dependência e que deve-se ter cuidado ao prescreve-las. Muitos psiquiatras proeminentes têm insistentemente afirmado que os antidepressivos não resultam em dependência. Recentemente o Royal College of General Practitionersfez circular um guia para os ‘Dez Medicamentos que mais criam Dependência’, do qual os medicamentos antidepressivos estão omitidos. Na minha opinião, nunca foi provado que os antidepressivos não criam dependência quando tomados por mais de alguns meses. Cabe, portanto, à psiquiatria provar o que ela diz é evidentemente verdadeiro. Em 2014, o professor Peter Gøtzsche na época diretor da Cochrane Collaboration, escrevendo para Lancet Psychiatry, fez a seguinte declaração:

“Notamos que os sintomas de abstinência foram descritos em termos semelhantes para benzodiazepínicos e ISRSs (Inibidores Seletivos de Recaptação da Serotonina) e foram muito semelhantes em 37 dos 42 sintomas identificados. No entanto, eles não foram descritos como dependência para ISRSs. Definir problemas semelhantes como ‘dependência’ no caso dos benzodiazepínicos e como ‘reações de abstinência’ no caso dos ISRSs é irracional. Para os pacientes, os sintomas são os mesmos; pode ser muito difícil para eles interromper qualquer tipo de droga. ”

Em 29 de maio, o Royal College of Psychiatrists emitiu um comunicado de imprensa que sinalizou uma mudança de posição, ao aceitar que algumas pessoas lutam com experiências difíceis de retirada. Também publicou uma declaração de revisão da política, pedindo ao NICE (National Institute for Care and Health Excellence) para atualizar suas diretrizes de retirada. Este desenvolvimento, que é bem-vindo, segue os muitos meses de trabalho do Council for Evidence-based Psychiatry (Conselho de Psiquiatria Baseada em Evidências), junto com membros da comunidade de antidepressivos prescritos. Embora devamos celebrar esse significativo progresso, precisamos estar cientes do posicionamento das declarações formais. No final da declaração de posição sobre antidepressivos e declaração de política revista para a depressão, há uma seção que observa que a dependência de antidepressivos é uma questão de ‘percepção pública’. Portanto, embora essa mudança de posição seja bem-vinda, ainda há claramente um abismo entre o conhecimento experiencial adquirido ao tomar e tentar parar as drogas e aquele conhecimento adquirido através da leitura de artigos e da observação clínica. No entanto, pontes estão sendo construídas e eu gostaria de reconhecer publicamente todos os esforços que têm sido feitos para nos levar a esse ponto.

“Se não há luta, não há progresso” – Frederick Douglass

Ao longo de minha própria retirada, eu tenho me interessado por soluções para esse problema e tenho feito ativamente campanhas por uma maior conscientização e compreensão, lançando um podcast e iniciando uma petição que agora tem mais de 10.000 assinaturas. Aplaudo em voz alta o excelente trabalho realizado pelo doutor Peter Groot, na Holanda, para desenvolver as tiras de afunilamento. Uma solução baseada em evidências, desenvolvida a partir de uma perspectiva de experiência vivida e independente dos fabricantes de medicamentos. Esperemos que possamos ir adiante, pensando o suficiente para adotar soluções, em vez de fazer grandes declarações e, ao mesmo tempo, alcançar pouco valor prático para aqueles que estão sofrendo.

Nos meus esforços de campanha, ao lado de outros, eu defendo:

  • Suporte para aqueles afetados pela dependência aos antidepressivos.
  • Verdadeiro consentimento informado e discussão no momento da prescrição, que ajude a minimizar as chances de alguém se tornar dependente.
  • Adequadas ao propósito, que existam diretrizes baseadas em evidências que forneçam fatos não adulterados, não meramente teóricos.
  • Maior conhecimento entre médicos e psiquiatras, permitindo-lhes reconhecer e responder à retirada difícil.
  • Que o uso de medicamentos antidepressivos seja proporcionado com as pessoas controlando o que elas tomam e seu processo de parar de tomar.

Acredito que tais objetivos sejam ações de senso comum que minimizem os danos e levem a uma melhor prescrição. Certamente, um objetivo louvável tanto para a medicina quanto para a sociedade.

Quanto a mim, ainda tenho a parte mais difícil da minha retirada frente a mim, estou cansado além das palavras e desanimado além da crença. Eu não me sinto preparado para o desafio que está por vir. Minha vida foi em grande parte reduzida a ver os outros seguirem suas vidas, mais ou menos como a observar o mundo de dentro de um aquário. Tenho muita sorte de poder trabalhar com colegas que me dão apoio, que entendem que eu posso estar trabalhando um dia e acamado no dia seguinte. Meu coração se apega a qualquer um que esteja sofrendo de abstinência, mas especialmente aqueles cercados por pessoas julgadoras que negam apoio, e aqueles que estão tão doentes que não podem trabalhar e que estão lutando ao navegar por um sistema de ‘benefícios” insincero e cínico . A negação e a minimização da retirada tornam ainda mais difícil o acesso para ajuda àqueles que sofrem, somos tantos os que buscam apoio ou entendimento. O único crime deles é estarem experimentando dificuldades criadas por um tratamento prescrito, e que são tratados como párias dos médicos.

Se você confiar mesmo em seu médico ou psiquiatra para a retirada ou aconselhamento para a redução, você pode experimentar uma abordagem muito imprevisível. Retirada de drogas antidepressivas pode ser um desafio significativo e precisa ser abordada com cuidado, com compreensão e uma abordagem de tomada de decisão compartilhada. Quero agradecer aos corajosos clínicos gerais, psiquiatras, psicólogos e pesquisadores que se afastaram da linha de partida para apresentar a verdade crua e inalterada sobre as drogas psiquiátricas, incluindo sua capacidade de resultar em experiências de abstinência, por vezes, excruciantes.

Não tenho o menor desejo de amedrontar ninguém, por isso é importante saber, ao ler isto, que nem todos experimentarão uma retirada tão difícil. No entanto, essa questão se resume a mais do que uma diferença de opinião: temos que avaliar cuidadosamente se a falta de uma discussão completa e franca entre prescritores e pacientes está causando danos à sociedade.

Para qualquer pessoa que esteja lendo isso e que não consiga encontrar ajuda e suporte, há alguns recursos on-line que podem ser recomendados. Mad in America mantém um Diretório de Provedores, listando os terapeutas que estão dispostos a apoiar as pessoas que fizeram a escolha de parar. O site bem conhecido Surviving Antidepressants tem há anos fornecido suporte para a redução e interrupção. Outra excelente fonte de informação é o Inner Compass e o Withdrawl Project de Laura Delano.

Eu sinceramente espero que eu não esteja escrevendo outro blog em 1.095 dias, mas estou longe de estar confiante.

“Sem desvios da norma, o progresso não é possível” – Frank Zappa

Antidepressivos e a Reinternação Psiquiátrica

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Um grupo de pesquisadores liderados por Michael P. Hengartner, pesquisador sênior em psicologia da Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique, publicou recentemente um artigo no Frontiers in Psychiatry investigando a relação entre o uso de antidepressivos e a reinternação em hospitais psiquiátricos. Os autores descobriram que os usuários de antidepressivos foram hospitalizados em uma taxa maior do que os pacientes semelhantes que não tomaram as drogas, e que eles permaneceram no hospital por mais tempo após a readmissão. Os antidepressivos, concluem os autores, podem impactar negativamente a recuperação, por meio de hospitalizações psiquiátricas cada vez mais prolongadas.

“Nossos dados sugerem que o uso de antidepressivos durante o internamento na fase aguda, em comparação com o não uso, pode aumentar o risco e a duração de reinternações subsequentes ao longo de 12 meses de follow-up em pacientes com transtornos principalmente afetivos e não afetivos”, escrevem os autores. autores.

 “Nossas descobertas, portanto, desafiam o suposto benefício de longo prazo dos antidepressivos e levantam a possibilidade de que, a longo prazo, os antidepressivos podem fazer mais mal do que bem.”

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Tem havido um aumento contínuo na prescrição de antidepressivos nos últimos 30 anos, um aumento que não se correlacionou com a queda da prevalência global de ansiedade e depressão, que se manteve estável. Incapacidade por transtornos afetivos, entretanto, tem aumentado, levando muitos a questionar os benefícios da farmacoterapia antidepressiva.

Grande parte da evidência da eficácia dos antidepressivos vem das pesquisas de descontinuação, em que os pacientes que tomam antidepressivos mantêm seu uso típico da droga ou recebem uma mudança repentina para o placebo. A partir dessas pesquisas, os pesquisadores concluíram que a continuação dos antidepressivos previne a recaída da depressão, embora essas conclusões se baseiem em motivos incertos.

Primeiro, sugerem os autores, esses estudos incluem apenas indivíduos que responderam ao tratamento medicamentoso agudo, ignorando aqueles que se recuperam espontaneamente ou que não respondem às drogas. Em segundo lugar, o grupo de controle – o grupo que mudou de repente para placebo – consiste em indivíduos que naturalmente experimentam sintomas de abstinência ao interromper a medicação.

Os sintomas de abstinência podem ser diagnosticados erroneamente como recaída depressiva, ou podem, eles próprios, causar uma deterioração da depressão. Finalmente, os antidepressivos alteram a função neurobiológica de tal forma que a densidade de receptores é diminuída devido ao aumento da concentração de neurotransmissores. Isso pode causar problemas emocionais e psicossomáticos após o uso de antidepressivos a longo prazo, que são de natureza iatrogênica, devido às adaptações neurobiológicas relacionadas à droga.

Outros estudos ainda observam que apenas cinco por cento dos indivíduos tratados continuamente apresentaram remissão sustentada, que os antidepressivos podem não melhorar as taxas de remissão ou que os antidepressivos não diferiram do placebo, mas foram significativamente piores que a psicoterapia na melhora do comprometimento funcional, dos sintomas de depressão e das tendências suicidas.

Muitos experimentos não têm grupos de controle não medicados ou contêm amostras não representativas. Enquanto esta lacuna é preenchida por uma variedade de estudos observacionais naturalistas que sugerem que a eficácia do uso de antidepressivos em pessoas com transtornos afetivos é limitada, estudos observacionais recebem críticas empiricamente infundadas de especialistas em psiquiatria sobre vieses de seleção e outras afirmações desse tipo.

Os autores construíram o atual estudo deles sobre a ideia de que o uso de antidepressivos tem mostrado, às vezes, uma relação negativa com os resultados do tratamento da depressão, e os autores postularam que poderia haver uma relação entre o uso de antidepressivos após a alta e a reinternação. Para investigar isso, eles fizeram uma combinação de 45 usuários de antidepressivos com 45 não usuários de dois hospitais psiquiátricos em Zurique, combinando os pares em uma variedade de resultados clínicos, incluindo gravidade da doença, déficit funcional e comprometimento psicossocial.

O presente estudo teve como objetivo expandir pesquisas anteriores, ao ampliar as amostras passadas de pacientes com depressão, bem como concentrando suas análises em resultados objetivos e imparciais, tais como os registros de hospitalização. Para fazer isso, os autores extraíram dados de um estudo projetado para testar o resultado de uma intervenção de gerenciamento de caso em dois hospitais psiquiátricos suíços. Os participantes foram avaliados enquanto estavam internados, assim como aos três e 12 meses após a alta. Os resultados primários do estudo foram frequência e duração das readmissões em hospitais psiquiátricos, bem como uso de antidepressivos e variáveis sociodemográficas.

Os resultados foram impressionantes: os autores descobriram que o uso de antidepressivos durante a internação aguda levou a um aumento de 350% no risco de reinternação e a um aumento de 250% nos dias reinternados.

“Nossos resultados até levantam a possibilidade de que a farmacoterapia antidepressiva pode aumentar as taxas de recaída e prejudicar a recuperação a longo prazo”, escrevem os autores.

“Estas descobertas estão de acordo com uma metanálise abrangente de ensaios clínicos de longo prazo … e conflitam com os resultados dos ensaios de descontinuação, que visam estimar a prevenção de recaída em longo prazo em pacientes tratados com drogas continuamente em comparação com pacientes cuja medicação foi descontinuada rapidamente e substituída por placebo.”

Existem vários pontos fortes do estudo, incluindo ser prospectivo, controles para evitar vieses de seleção e apresentar resultados imparciais. No entanto, também existem fragilidades, incluindo falta de causalidade, devido ao fato de os grupos não serem randomizados, possíveis confusões não mensuradas, uma modesta combinação em n = 90, razões desconhecidas para reinternação e não ter informações sobre quanto tempo os antidepressivos foram usados após a alta hospitalar.

“As taxas de reinternação nos usuários de antidepressivos podem ser devidas a reações adversas ao uso prolongado de antidepressivos ou a reações graves de abstinência após a interrupção da droga”, escrevem os autores.

“Esses mecanismos potenciais são provisórios e ainda inconclusivos, mas fornecem uma importante via para futuras pesquisas sobre os efeitos a longo prazo dos antidepressivos”.

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Hengartner M.P., Passalacqua S., Andreae A., Heinsius T., Hepp U., Rössler W., & von Wyl A. (2019). Antidepressant Use During Acute Inpatient Care Is Associated With an Increased Risk of Psychiatric Rehospitalisation Over a 12-Month Follow-Up After Discharge. Frontiers in Psychiatry, 10:79. doi: 10.3389/fpsyt.2019.00079 (Link)

Psiquiatras reivindicam mais atenção aos danos iatrogênicos

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Photo Credit: Creative Commons

Um recente editorial em Psicoterapia e Psicossomática chama a atenção para os danos iatrogênicos que os usuários podem experimentar como resultado do tratamento psiquiátrico. Os autores definem a iatrogenia como sendo os efeitos colaterais e os riscos associados à intervenção médica, incluindo erro médico, reações adversas a medicamentos e negligência.

A iatrogênese psiquiátrica normalmente se manifesta como complicações do tratamento com drogas psicotrópicas, como discinesia tardia, resistência à insulina, distúrbios cardíacos / metabólicos e resultado de toxicidade direta, intoxicação, abstinência ou interação medicamentosa.

O editorial observa que, tradicionalmente, a psiquiatria tem sido avaliada apenas em relação à melhoria dos sintomas psiquiátricos, com pouco foco, no entanto, nos impactos psicológicos e comportamentais negativos do tratamento e nos efeitos colaterais considerados inevitáveis. Os autores, Giovanni Fava, psiquiatra e professor da Universidade de Buffalo, e Chiara Rafanelli, psiquiatra e professora da Universidade de Bolonha, escrevem:

“Os atuais sistemas de classificação em psiquiatria não consideram os componentes iatrogênicos da psicopatologia relacionados à toxicidade comportamental. Distúrbios afetivos causados ​​por medicamentos, bem como efeitos paradoxais, manifestações de tolerância (perda de efeito clínico, o caráter refratário), distúrbios de abstinência e pós-abstinência, são cada vez mais comuns devido ao uso disseminado de drogas psicotrópicas na população em geral. Essa negligência é séria, uma vez que as manifestações de toxicidade comportamental dificilmente respondem aos tratamentos psiquiátricos convencionais e podem ser responsáveis ​​pelo amplo espectro de perturbações incluídas na rubrica genérica de resistência ao tratamento.”

Há muito os médicos estão conscientes da necessidade de considerar os efeitos das drogas psicotrópicas nos sintomas do distúrbio que estão tratando. Não obstante, foi apenas a partir dos anos 90 que passou a surgir uma revisão da sintomatologia residual do tratamento com drogas psiquiátricas, perguntando-se como um número limitado de sintomas duradouros em usuários de antidepressivos a longo prazo, insuficientes para o diagnóstico clínico, deveria ser avaliado.

Detre e Jarecki propuseram o conceito de ‘fenômeno da reversão’, em que, à medida que a doença remite, ocorre uma progressiva repetição de sintomas e estágios em ordem inversa sobre como ela se desenvolveu. Desde então, tem sido argumentado que a redução ou a remoção de sintomas residuais pode resultar em melhores resultados a longo prazo, o que favorece o tratamento sequencial.

DiMascio e colegas definiram a ‘toxicidade comportamental’ como sendo a ação de uma droga que, dentro da faixa de utilidade clínica, produz mudanças no humor, percepção, cognição e função psicomotora, limitando assim a capacidade de um indivíduo ou constituindo um risco para seu bem-estar. Eles também introduziram o conceito ‘efeitos paradoxais das drogas’, que são alterações de humor opostas ao resultado clinicamente desejado, bem como são os efeitos pendulares das drogas, que inicialmente seguem na direção pretendida, mas que agem de tal forma que o estado do indivíduo se move para a condição oposta para a qual a droga havia sido prescrita.

Estes conceitos, afirmam os autores , receberam pouca atenção na literatura científica até muito recentemente. Argumentam ainda que a abstinência pode constituir uma forma de ‘toxicidade comportamental’ e que pode variar desde sintomas leves, de recuperação espontânea até sintomas prevalentes e duradouros. A ocorrência de abstinência parece não ser afetada pelo processo de redução da dose e, após a perda do efeito clínico, é improvável que o aumento da dose restaure uma resposta.

Há muito se discute como os medicamentos podem ter impacto na farmacodinâmica muito tempo após a cessação da medicação, embora Baldessarini tenha observado que mudanças a longo prazo podem ocorrer nos níveis da plasticidade do receptor, do disparo neuronal, da síntese do transmissor e do controle genético da função neuronal. O acompanhamento desses conceitos tem sido escasso, e ainda não está claro se as alterações farmacodinâmicas da medicação são reversíveis.

Há ‘a tolerância oposicionista’, que consiste em forças que se desenvolvem quando um mecanismo homeostático, sujeito a perturbação farmacológica prolongada, tentando trazer o sistema de volta ao equilíbrio.  Por conseguinte, o modelo oposicionista de tolerância argumenta que a continuação do tratamento medicamentoso pode levar a processos que se opõem aos efeitos iniciais de um medicamento, o que pode fazer com que a doença se torne mais maligna e não responda ao tratamento. Se o tratamento for interrompido, os processos de oposição não terão mais resistência, o que resulta em novos sintomas de abstinência, sintomas de rebote e resistência ao tratamento.

A definição de comorbidade de Feinstein é ‘qualquer entidade clínica distinta que exista ou que ocorra durante o curso clínico, além da doença em estudo’. A ‘comorbidade iatrogênica’, por sua vez, refere-se a modificações no curso, nas características e respostas ao tratamento em relação à terapia prévia, e pode explicar a resistência a um fármaco anteriormente efetivo, a persistência de efeitos colaterais assim como o surgimento de novos sintomas.

“O conceito mal definido de resistência ao tratamento está baseado na suposição não comprovada de que o tratamento estava certo inicialmente e a incapacidade de responder é inteiramente transferida (e implicitamente responsabilizada) pelas características do paciente”, escrevem os autores.

A ‘iatrogênese em cascata’ é o conceito de que o desenvolvimento de múltiplas complicações médicas pode progredir após um primeiro evento inofensivo, que despertou pouca atenção. Quando os sintomas de toxicidade comportamental são mal interpretados ou ignorados, os eventos em cascata podem levar à deterioração da doença, simplesmente a partir das escolhas do clínico.

À medida que a atual frequência de uso de drogas e que a polifarmácia aumenta, o acesso aos danos dos medicamentos e à polifarmácia torna-se cada vez mais crucial nas avaliações psiquiátricas. As definições atuais do DSM e do CID assumem que exista um paciente livre de drogas, um paciente que é cada vez menos provável que exista de fato, já que a maioria dos casos psiquiátricos na prática clínica envolve algum tratamento medicamentoso. Isso pode resultar em uma falta de ênfase na coleta de informações relacionadas ao tratamento anterior, o que reflete a razão da crescente necessidade de tratamento psiquiátrico.

Um primeiro passo crucial deve ser avaliar a eficácia, bem como a ‘toxicidade comportamental’ dos medicamentos psicotrópicos anteriores. Em seguida, o clínico colocar essa informação no contexto da morbidade psiquiátrica e médica. A taxonomia clínica tradicional não inclui considerações iatrogênicas, na medida que estão relacionadas à ‘toxicidade comportamental’. Os autores advogam, em vez disso, por um modelo de vias concêntricas, em que fatores psicológicos, biológicos, sociais e iatrogênicos formem uma teia concêntrica, todos contribuindo para a condição clínica. A partir daí os autores sugerem a ‘macroanálise’ que assuma as relações funcionais entre áreas problemáticas que irão flutuar durante o curso da sintomatologia.

A incorporação de fatores iatrogênicos, anteriormente ignorados na psiquiatria, exigirá um renascimento da psicopatologia e um exame minucioso dos modelos conceituais atuais. Para fazer isso, os autores fazem vários comentários orientadores.

  • Em primeiro lugar, os autores argumentam que os sintomas de abstinência muitas vezes podem ser mal interpretados como sendo um sinal de recaída, isto é, mal interpretados. Seu diagnóstico, ao contrário, requer a coleta de novos sintomas que não fazem parte da sintomatologia anterior, embora essa questão seja complicada pela coexistência de sintomas de recaída e abstinência.
  • Em segundo lugar, é importante distinguir a não resposta do novo tratamento da tolerância à terapia prévia ou à perda de resposta durante a terapia de manutenção.
  • Terceiro, a identificação de distúrbios afetivos secundários ou sintomáticos pode ter implicações críticas para as síndromes psiquiátricas induzidas por drogas; os autores sugerem considerar essas síndromes relacionadas a drogas até que se prove o contrário – nos casos em que os agentes produzem sintomas psiquiátricos concordantes.
  • Em quarto lugar, os autores argumentam que devemos considerar se é o tratamento antidepressivo ou a depressão o que está na causa dos distúrbios pós-abstinência.
  • Finalmente, como Richardson e Doster sugerem, os autores propõem que sejam considerados: o risco inicial do transtorno sem tratamento, a falta de resposta ao tratamento e a vulnerabilidade a efeitos adversos do tratamento, ao ser tomada uma decisão médica. Isso deve ser adaptado a cada paciente, afastando-se assim da estrita dependência aos critérios diagnósticos convencionais.

“A noção de doença psiquiátrica não está mais de acordo com o espectro de saúde hoje conhecido e com a interação complexa de fatores biológicos, iatrogênicos e psicossociais”, observam os autores.

“A consideração de fatores iatrogênicos desafia a maioria das práticas atuais de prescrição de drogas psicotrópicas. O reconhecimento de fatores iatrogênicos na psicopatologia contraria os principais interesses comerciais e, não surpreendentemente, é censurado em revistas médicas convencionais, nas reuniões científicas e pelas diretrizes oficiais. ”

Finalmente, os autores declaram que o compromisso com a medicina baseada em falsas evidências e o marketing da indústria farmacêutica são atualmente os principais responsáveis ​​pela tomada de decisão dos psiquiatras. Em contrapartida, pedem aos psiquiatras que para entenderem os componentes iatrogênicos da psicopatologia, usem o seu já complexo julgamento clínico bem como as suas habilidades de entrevista.

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Fava, GA, & Rafanelli, C., (2019). Fatores Iatrogênicos em Psicopatologia. Psicoterapia e Psicossomática, 14 , 1-12. doi: 10.1159 / 000500151 (Link)

Abordagem do Diálogo Aberto Reduz a Necessidade Futura de Serviços de Saúde Mental

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Um estudo recente, publicado no International Journal of Nursing Studies, investiga os resultados da saúde mental dinamarquesa associados à abordagem do Diálogo Aberto ao tratamento psiquiátrico. Os resultados do estudo da juventude de coorte baseada em registros sugerem que o Diálogo Aberto pode levar a um risco reduzido a longo prazo de hospitalização psiquiátrica de emergência, bem como à redução da utilização de serviços gerais de saúde.

Os pesquisadores, liderados por Niels Buus da Universidade de Sydney, escrevem que “enquanto a relação entre fatores sociais e saúde mental está bem estabelecida, as intervenções biopsicossociais tendem a se concentrar em mecanismos psicológicos e farmacológicos em vez de ampliar o apoio social e a intervenção comunitária”.

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O Diálogo Aberto (D.A.) é uma abordagem ao tratamento psiquiátrico que enfatiza a colaboração, a transparência e as intervenções não-diretivas, envolvendo uma variedade de profissionais de saúde, bem como familiares e outros membros da comunidade. O D.A. foi proposto como uma alternativa aos modelos psiquiátricos padronizados, que mantêm separadas as atividades dos profissionais de saúde e, muitas vezes, consistem em tomada de decisão hierárquica com base na expertise assumida de psiquiatras, enfermeiros e terapeutas.

“Na abordagem do D.A. os terapeutas se esforçaram para adotar um uso de linguagem aberta, não-diretiva e não patologizante e, se possível, todas as decisões importantes, como o início do tratamento médico ou a internação hospitalar, foram discutidas da maneira colaborativa durante as reuniões para otimizar transparência no processo ”, explica a equipe de pesquisa.

“O tratamento e o planejamento do tratamento também foram adaptados às necessidades e os vários outros métodos de intervenção em saúde mental foram organizados em um processo de tratamento integrado. As reuniões da rede geralmente aconteciam na casa do paciente, mas também podiam acontecer na escola do paciente, no local de trabalho ou na associação de moradores da comunidade. ”

Embora a abordagem, originada na Finlândia, tenha relatado resultados extremamente promissores para o tratamento precoce e colaborativo  da psicose e tenha iniciado a implementação do programa piloto nos Estados Unidos, uma crítica tem sido a falta de amostras de dados diversificados para apoiar a eficácia internacional do Open Dialogue.

No presente estudo, Buus e colegas examinaram dados de vários registos dinamarqueses nacionais, comparando as intervenções do D.A. com modelos padrão de tratamento psiquiátrico para jovens em risco, com idades entre os 14 e os 19 anos. Os pesquisadores compararam os dois modelos em vários resultados, incluindo a utilização de serviços de saúde psiquiátrica e serviços de clínicos gerais pelos pacientes, bem como tentativas de suicídio e outras medidas relacionadas à saúde e ao status social.

Embora os pacientes do D.A. inicialmente tivessem uma taxa de contato ambulatorial 24% maior após um ano em comparação com o grupo de modelos padrão, esse número caiu nos acompanhamentos subsequentes. A assistência psiquiátrica de emergência na marca de um ano foi 79% mais baixa do que o grupo de comparação.

Para os serviços de clínica geral, o grupo D.A. apresentou uma taxa de utilização 10% mais baixa do que o grupo de comparação, que aumentou para 15% mais baixa após dez anos. Os autores oferecem uma explicação especulativa desses resultados, afirmando que “é possível que a intervenção tenha influenciado o comportamento da doença dos jovens usuários e sua rede social; potencialmente, eles podem ter aprendido a acessar e usar os serviços de emergência psiquiátrica de maneira diferente ”.

“As reduções de longo prazo nos serviços de tratamento de emergência psiquiátrica e de medicina geral indicam que o uso excessivo de serviços de saúde foi evitado a probabilidade de excesso de medicalização de jovens que sofrem problemas de saúde mental .”

A equipe de pesquisa descobriu que o grupo D.A. experimentou mudanças positivas no status de emprego em períodos posteriores do follow-up, e eles sugerem que isso pode ser resultado de uma melhor integração social. Curiosamente, Buus e colegas não encontraram diferença estatisticamente significativa entre as tentativas de suicídio dos dois grupos ou o tempo de internação psiquiátrica. Eles observam, no entanto, que isso poderia ser o resultado do “escopo limitado da intervenção, que não estava especificamente direcionada para essas questões, ou o próprio tamanho da amostra”.

Buus e seus colegas acrescentam, neste estudo, o conjunto de dados que apoiam a eficácia do D.A. como um modelo psiquiátrico alternativo. Os estudos originais finlandeses eram promissores, mas permanecia inconclusivo se o modelo poderia ser efetivamente traduzido em um contexto sociocultural diferente.

Embora as descobertas atuais não tenham mostrado melhora estatística em todos os resultados e este estudo não tenha sido experimental, impedindo uma demonstração de causalidade, as reduções significativas na utilização de serviços psiquiátricos e clínicos gerais de emergência sugerem que o Diálogo Aberto (D.A.) pode ser mais rentável e mais eficaz no incentivo às formas comunitárias de cuidado.

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Buus, N., Kragh, JE, Bojesen, AB, Bikic, A., Müller-Nielsen, K., Aagaard, J., & Erlangsen, A. (1 de Março de 2019). The association between Open Dialogue to young Danes in acute psychiatric crisis and their use of health care and social services: A retrospective register-based cohort study. International Journal of Nursing Studies, 91, 119-127. (Link)

O reconhecimento oficial de que os sintomas de abstinência dos antidepressivos são reais

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Graças aos esforços de campanha do Conselho de Psiquiatria Baseada em Evidências (Council for Evidence-based Psychiatry), o Royal College of Psychiatrists  – a principal organização profissional dos psiquiatrias do Reino Unido – mudou dramaticamente sua posição sobre a retirada de antidepressivos. Em uma grande reviravolta, eles pedem mudanças nas diretrizes do NICE (National Institute for Health and Care Excellence) e nos serviços de suporte à retirada de drogas psiquiátricas. Este desenvolvimento vem ganhando uma ampla cobertura da mídia, incluindo matérias como no The Times, Daily Mail e Guardian.

Um pequeno trecho da matéria do The Guardian:

“Um alívio ver diante de você, escrito em preto e branco, o que você sabe ser verdade há um longo tempo: neste caso, que os sintomas de abstinência de antidepressivos não estão todos na sua cabeça. Em uma mudança significativa de posição, o Royal College of Psychiatrists agora aceita que não prestou atenção suficiente aos pacientes que sofrem de sintomas graves de abstinência quando saem de antidepressivos.

Quando lhes são prescritos os medicamentos os pacientes devem ser avisados pelos médicos o quão difícil pode ser sair deles. Alguns passarão por isso durante anos. Eles terão tentado se afastar e ficaram tão alarmados com sintomas de abstinência – confundindo-os com o retorno dos sintomas de sua condição de saúde mental – que desistiram da luta. Eles agora passarão a ser aconselhados a usar um processo gradual de redução (…).”

 

 

 

 

 

Confira o que vem sendo publicado na imprensa britânica: Psychology TodayThe Times, Daily MailThe Herald, Guardian.

SAÚDE MENTAL: A CONVICÇÃO DE OSMAR TERRA E O ATAQUE DO FASCISMO EM VASSOURAS (RJ)

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O 3º Levantamento sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira foi uma extensa pesquisa, feita pela FIOCRUZ por ter ganhado processo de licitação, que envolveu 500 pesquisadores aplicando 16 mil entrevistas em mais de 100 municípios de todo o país. A pesquisa iniciou-se em 2014 e em 2017 foi enviado à Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), à época ligada ao Ministério da Saúde. Envolveu profissionais de diferentes áreas, dentre entrevistadores de campo, pesquisadores da área de epidemiologia e estatística, e “compreendeu as seguintes fases: planejamento, estruturação, logística, treinamento, coleta de dados, apuração, ponderação, calibração, tabulação, análise de dados, escrita de relatórios e tradução para outros idiomas”. Foram utilizados 7 milhões de reais de um total de 8 milhões disponibilizados pelo órgão financiador e a prestação de contas aconteceu em julho de 2018.

Portanto trata-se de uma pesquisa robusta e metodologicamente reconhecida pelos órgãos de controle do próprio Ministério da Saúde, mas nunca foi reconhecida pela SENAD, embora a direção da FIOCRUZ assegure que “o 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira cumpriu o proposto em edital, respeitando todo o rigor metodológico, científico e ético pertinentes a este tipo de estudo, produzindo informações de extrema importância para o país e a sociedade brasileira.”

Pois muito que bem, agora o ministro da Cidadania – onde a SENAD foi alojada, saindo do Ministério da Saúde – diz que não aceita o resultado da pesquisa da FIOCRUZ, por ter a “convicção” de que ela tem um “viés ideológico” para a liberação das drogas.

Temos diante da sociedade a convicção de um ministro proclamando a ignorância contra o resultado de uma pesquisa de um órgão competente e reconhecido, pelo motivo de que ele não concorda com os resultados da pesquisa. Dentre os resultados há a negativa de que existe uma epidemia de crack e a afirmação de que as drogas lícitas oneram muito mais que as drogas ilícitas o nosso sistema de saúde. Evidência, que para nós – que trabalhamos na área – a pesquisa só vem a confirmar.

O ministro Osmar Terra acaba de proclamar o reino da ignorância frente ao conhecimento científico. E já que o ministro, seguindo ao padrão ignorância desse governo, insiste em tentar esconder as evidências científicas, não há nada mais natural assistirmos, autorizados pelo fascismo reinante, os vereadores de Vassouras, cidade do Estado do Rio, destratarem os servidores do CAPS daquela cidade chamando-os de “vagabundos de esquerda”, proclamando não aceitar os dispositivos das residências terapêuticas e reafirmando o manicômio daquela cidade.

Embora todas as evidências científicas reconheçam a função dos dispositivos da Reforma Psiquiátrica em funcionamento há mais de 30 anos, o momento autoriza o ataque fascista e extemporâneo pela convicção fascista de que existe o “viés de esquerda” que eles vêm na diferença de entendimento da realidade. Ora, ser de esquerda é uma situação inaceitável para eles e em algum momento da sessão dos edis de Vassouras o orador conclama aos colegas a portarem fuzis (já que foram autorizados pela lei do Bolsonaro, mesmo que ainda não aprovada) para “dialogar” com a esquerda.

O ataque aos dispositivos da Reforma Psiquiátrica na cidade de Vassouras representa apenas o viés fascista que apareceu nas ruas na última manifestação a favor do autoritarismo (e não da reforma, como deturpou a mídia), um verdadeiro ataque ao conhecimento e à democracia.

Vivemos um momento muito perigoso. O fascismo se impõe pela força, não pelo diálogo. Não se iludam, só as ruas podem intimidar a canalha fascista. É necessária nossa reação política para defender a Reforma Psiquiátrica.

Neurocientistas tentam diagnosticar Leonardo Da Vinci com TDAH

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The statue of Leonardo da Vinci in front of the La Scala Theater, Milan.

Já se passaram 500 anos desde que Leonardo da Vinci morreu, em maio de 1519. Desde então, tem sido incomparável a fama daquele homem o mais renascentista. Produzindo algumas das pinturas mais famosas da tradição da arte ocidental – a Mona Lisa, a Última Ceia e o Homem Vitruviano, por exemplo – Da Vinci também foi um incansável inventor. Ele é conhecido por inventar paraquedas, tanques e helicópteros, séculos antes de esses dispositivos serem construídos. Muitas de suas invenções menos conhecidas, no entanto, tornaram-se comuns nos anos após a sua morte. Um cientista consumado, da Vinci fez descobertas em vários campos, e seus desenhos anatômicos foram reveladores para a época.

Agora, em um breve editorial na revista científica Brain, os neurocientistas Marco Catani e Paolo Mazzarello apresentam sua conjectura para animais de estimação: eles querem diagnosticar Da Vinci com TDAH. O artigo está escrito em um formato incomum para um periódico científico, sem as seções usuais que fornecem evidências para as alegações e justificando uma conclusão. No entanto, Catani e Mazzarello deixam clara a sua teoria:

“Sugerimos que a documentação histórica apoie as dificuldades de Leonardo com a procrastinação e o gerenciamento do tempo que são características do TDAH, uma condição que poderia explicar aspectos de seu temperamento e a forma estranha de seu gênio dissipativo”.

The statue of Leonardo da Vinci in front of the La Scala Theater, Milan.

Os autores não mencionam o que é considerado uma violação da ética na psiquiatria se fazer um diagnóstico sem encontrar o cliente – uma das razões pelas quais são desaprovados os diagnósticos de poltrona de presidentes e outras figuras públicas. Isso só pode ser mais sério se a pessoa em questão for apenas conhecida por meio de uma biografia póstuma e das palavras de outras pessoas de quinhentos anos atrás.

De uma maneira quase superficial, Catani e Mazzarello expõem seu caso. Leonardo estava continuamente pensando em coisas novas, fazendo descobertas e trabalhando em novas obras de arte. Seus patronos consideravam difícil controlá-lo. Quando ele lutava para pintar alguma coisa, ele desenvolvia materiais inteiramente novos para pintura – o que às vezes demorava demais. Ele lutou para ganhar dinheiro. Apesar de ter notas volumosas, lindamente ilustradas, ele raramente parecia se importar em publicar seu trabalho.

Assim é como os autores chegaram ao diagnóstico do TDAH. Eles não discutem teorias alternativas (como é o procedimento usual de diagnóstico diferencial na psiquiatria). Por exemplo, outro psiquiatra poderia desenvolver uma explicação diferente para o ininterrupto voo de ideias de Leonardo, a falta de sono e a capacidade de se concentrar intensamente em projetos: a hipomania. Novamente, para alguém morto por 500 anos, dos quais só temos biografias póstumas, é impossível fazer um diagnóstico, embora os autores não mencionem essa limitação.

Como o artigo não segue o formato padrão da literatura de pesquisa, não há seção de conclusão. No entanto, Catani e Mazzarello apresentam sua argumentação com a declaração final:

“Inegavelmente Leonardo realizou mais do que qualquer outro ser humano poderia sonhar em um tempo de vida, mas a gente se pergunta o que teria sido o impacto do seu trabalho na história se ele houvesse conseguido se aplicar de forma mais consistente à sua arte e eficaz para difundir as suas intuições e descobertas.”

De acordo com esses neurocientistas, parece que Leonardo poderia ter sido melhor se houvesse sido capaz de “se aplicar de maneira mais consistente”. Isto é, ele teria tido mais sucesso se pudesse se concentrar apenas em uma ou duas pinturas que seus patrocinadores queriam que ele fizesse, em vez de criar inovações de engenharia e fazer descobertas anatômicas enquanto também pintava obras lendárias como a Mona Lisa.

De acordo com Catani e Mazzarello, Leonardo também não conseguiu “divulgar efetivamente” todas as coisas que aprendeu. Presumivelmente, eles gostariam que ele tivesse gasto mais energia em publicar segundo a tradição acadêmica. É claro que Leonardo nunca se importou em publicar e divulgar seu trabalho. Era a alegria da descoberta e da arte que o motivava. É claro que Leonardo tomava notas copiosas e metódicas, altamente organizadas, muitas vezes em caligrafia codificada – mas os autores não mencionam isso.

Os autores também lamentam que Leonardo parecesse se importar mais com aprender, descobrir, fazer ciência e fazer arte do que com ganhar dinheiro. Eles escrevem que “há evidências de que Leonardo estava com pouco dinheiro e que era muito menos pago do que outros artistas de seu calibre”. Os autores apresentam isso como outro “sintoma” da doença mental de Leonardo.

Parece que Catani e Mazzarello desejam que Leonardo da Vinci – o mais renomado homem renascentista, cujo trabalho inspirou inúmeras gerações, que estava tão à frente de seu tempo ao inventar vários dispositivos que não poderiam sequer ser feitos até os anos 1900 – teria apenas que se acalmar e focalizar em tudo o que seus patrões da corte lhe pediram, e que ele poderia ter publicado e ganhado algum dinheiro. Talvez essa definição estreita de sucesso, contra a qual os autores medem a “normalidade” de Da Vinci, necessite ser interrogada.

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Catani, M. & Mazzarello, P. (2019). Leonardo da Vinci: a genius driven to distraction. Cérebro, awz131.https://doi.org/10.1093/brain/awz131 (Link)

Quem Ganha com a Nova Lei de Drogas são os Donos das Clínicas e Comunidades Terapêuticas

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A reportagem do jornal The Intercept Brasil, de Clarissa Levy e Thaís Ferraz, expõe as consequências da nova lei de drogas. Segundo a matéria, a nova lei fortalecerá as comunidades terapêuticas – em geral ligadas a grupos religiosos – e facilitará a internação involuntária dos dependentes químicos. Serão concedidos benefícios, como a possibilidade de dedução de 30% do Imposto de Renda em doações para essas comunidades, porém sem nem sequer determinar uma estrutura regulatória para esse tipo de clínica, mesmo com acusações de maus tratos contra algumas delas.

Leia a matéria na íntegra aqui → (link)

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