MEDICINA NO VAREJO, SAÚDE NO ATACADO

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enspO filósofo Paul Ricouer, em texto antológico (1), defende que a prática da medicina contém em si três inescapáveis paradoxos.

O primeiro diz respeito ao paciente. Diz ele: “a pessoa humana não é uma coisa e, todavia, o seu corpo é uma parte da natureza física observável”. Nesse ponto, teríamos todo o corpo crítico de textos sobre a biomedicina e seus limites. Daquilo que fala sobre o poder sobre os corpos, e também de sua objetificação – ou reificação – na relação médico-paciente. A integralidade do sujeito que não deveria ser reduzida à sua dimensão anátomo-patológica. Mas, tampouco prescindir de considera-la. E o embate epistemológico da saúde mental no dualismo mente-corpo. Como superar a biologia?

Então, expandimos a visão para a coletividade com o segundo paradoxo: “a pessoa não é uma mercadoria, nem a medicina um comércio; mas a medicina tem um preço e tem custos para a sociedade”. E, juntamente com o terceiro paradoxo, abrangemos os dois precedentes: “o sofrimento é privado, mas a saúde é pública”.

Costumo utilizar essa chave para a leitura de questões relativas à medicina e sua inserção no amplo campo da saúde coletiva.

O ano de 2018 começou com o anúncio, em janeiro, da entrada da Amazon no sistema de saúde americano (2). A gigante varejista do mercado virtual se associou ao J P Morgan e ao fundo de investimentos Berkshire Hathaway. A ideia divulgada é reduzir os custos de saúde com melhora da entrega de serviços para os usuários.

Passamos o ano com o anúncio de vários novos modelos de gestão direta de saúde de seus empregados por grandes empresas como Microsoft (3) e Google (4). O ano termina, então, com outra notícia da chegada dos serviços médicos ao mercado varejista: a rede Walmart anuncia a primeira clínica de saúde mental alojada em um ambiente de varejo (5).

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Essas duas notícias, vindas do maior mercado – literalmente – de saúde do mundo, nos dão um bom mote para a reflexão. O texto de Ricouer pode nos ajudar a pensar nesse modelo e considerar se estamos realmente ainda na vigência desses paradoxos.

O terceiro paradoxo ainda persiste?  Ou poderíamos dizer que a saúde pública estaria sendo assumida por monopólios de mercado no atacado, para cuidar do sofrimento no varejo?

E depois, o domínio da condução pelo preço e pelo custo, embutidos na questão do valor (6), já não estão nos conduzindo diretamente para o comércio da saúde como mercadoria?

Quanto ao primeiro inicial paradoxo: ainda há espaço, na quantificação plena da transformação da medicina digital, para um sujeito que escape aos limites de um conjunto de dados?

Referências Bibliográficas:

1- Ricouer, P. Os Três Níveis do Juízos Médicos. Universidade da Beira Interior. Covilhã, 2010

2- https://www.cnbc.com/2018/01/30/amazon-berkshire-hathaway-and-jpmorgan-chase-to-partner-on-us-employee-health-care.html

3- https://www.healthcareitnews.com/news/microsoft-hires-two-healthcare-leaders-teases-future-projects

4- https://www.theverge.com/2018/11/9/18079420/google-health-care-strategy-fit-home-nest-deepmind-verily-ceo-geisinger

5- https://www.medscape.com/viewarticle/906664

6- http://www.huffingtonpost.com/entry/what-is-value-based-care_us_58939f9de4b02bbb1816b892

Este blog foi originalmente publicado em Observatório da Medicina →

Estudo destaca as consequências para a saúde mental da supressão da emoção dos pais

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Em um estudo publicado recentemente pela Associação Americana de Psicologia, as pesquisadoras Helena Rose Karnilowicz, Sara F. Waters e Wendy Berry Mendes exploraram os efeitos da supressão das emoções dos pais nas interações sociais sobre os padrões sociais da criança. Karnilowicz e sua equipe instruíram um grupo de pais a completar uma tarefa estressante e, em seguida, dividiram-nos em condições de controle e supressão para trabalhar em outro projeto desafiador com seus filhos de 7 a 11 anos de idade. Os resultados indicaram que a supressão da emoção dos pais comprometia o calor e a eficácia das crianças na comunicação.

“A supressão, uma estratégia de regulação de emoções que envolve a inibição da expressão emocional, é frequentemente associada a resultados fisiológicos, sociais e cognitivos negativos”, escrevem os pesquisadores. Embora a supressão efetivamente diminua as expressões emocionais negativas, a supressão deixa as experiências emocionais negativas intactas, diminui a memória e aumenta a ativação do sistema nervoso simpático”.

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A supressão da emoção, um processo que pode ser desafiador para se desvencilhar de sua regulação, e que ocorre quando alguém age de uma maneira que é inconsistente com seus sentimentos, sendo um esforço para se adequar melhor a uma situação. Essa estratégia pode ser empregada quando uma pessoa considera suas emoções incompatíveis com o conjunto de circunstâncias que ela está vivenciando. Algo substancial: a supressão pode ser deliberada ou subconsciente.

Os ideais ocidentais, incluindo o racionalismo e a objetividade, promovem a tentação dos pais de proteger seus filhos de suas reações autênticas e impensadas, para evitar que eles tenham que testemunhar reações exageradas , ou “para protegê-los de reações adversas”.

Em alguns casos, o estresse pode ser útil . Muitas vezes, não obstante, é útil reconhecer e lidar com o desconforto em vez de negar ou embaralhar para substituí-lo. Tendências perfeccionistas e o impulso de parecer perfeitamente equilibrado têm sido associados a um sofrimento significativo , e uma fixação com apresentação pode comprometer a autenticidade nas interações. E, no entanto, o autocontrole e a resistência ao impulso são enfatizados tão intensamente na educação pública nos Estados Unidos. Pode ser difícil dizer quando a regulação emocional se torna supressão e quando o perfeccionismo reflete um sintoma de expectativas impostas externamente.

Karnilowicz e equipe lançam as bases para sua investigação delineando estudos passados nos quais a supressão foi encontrada para desafiar a qualidade da interação social. Eles destacam um desses estudos em que a memória do que foi discutido no contexto de uma briga entre parceiros românticos foi encontrada comprometida na condição de supressão e outra em que a supressão reduziu a consciência e a sensibilidade às necessidades de um parceiro na conversa. Eles observam que as conseqüências da supressão podem ser mais extremas no relacionamento interpessoal a longo prazo, impactando mais dinamicamente a dinâmica familiar do que conexões sociais mais casuais.

Com relação às relações pai-filho e supressão, os autores identificam dois estudos anteriores: um relacionou a supressão habitual entre pais com práticas parentais mais punitivas e desdenhosas, e outro concluiu que a supressão de emoções inibia a responsividade dos pais aos filhos. O trabalho de Karnilowicz e seus colegas é o primeiro a olhar para a supressão dos pais dentro das interações entre pais in vivo, e seus efeitos sobre o comportamento infantil.

No presente estudo, os pesquisadores se propuseram a examinar o papel da supressão na interação entre pais e filhos e quaisquer efeitos diferenciais da supressão sobre a socialização em função do gênero. Os participantes incluíram uma amostra de 104 díades de pais e filhos, em que os pais representaram uma divisão pai-mãe parecida (48%: 52%). Embora houvesse alguma diversidade étnica e socioeconômica, os participantes eram predominantemente brancos e asiáticos com diplomas de bacharelado ou mais, e a maioria tinha uma renda familiar de US $ 75.000 ou mais.

Os procedimentos do estudo envolveram a exposição dos pais a um estressor laboratorial validado, seguido pela interação um-a-um entre pais e filhos no contexto de uma tarefa que exigia cooperação. Os pais foram divididos aleatoriamente em um grupo de controle (sem quaisquer instruções para aplicar estratégias específicas de regulação emocional) ou em uma condição de supressão (com instruções para “tentar se comportar de tal maneira que seu filho NÃO SABE que você está sentindo alguma coisa. Tente NÃO mostrar qualquer emoção em seu rosto ou sua voz ”).

As díades pai-filho foram encarregadas de construir um edifício Lego com os pais como construtores e crianças como instrutores. Desconhecendo a designação da condição (controle ou supressão), os assistentes de pesquisa observaram e classificaram o humor positivo e negativo dos pais e da criança, a capacidade de resposta e o calor, bem como a qualidade da relação diádica e a orientação dos pais.

A análise de Karnilowicz resultou nas seguintes conclusões:

  1. “Não somente fez com que a supressão diminuísse o humor positivo, a capacidade de resposta, o calor e a orientação dos pais, mas também teve efeitos negativos no humor positivo, capacidade de resposta e calor das crianças e diminuiu a qualidade geral da interação.
  2. O sexo dos pais desempenhou um papel significativo na moderação desses efeitos. Os pais eram menos responsivos e calorosos ao reprimir suas emoções, embora seus filhos não apresentassem decréscimos em sua capacidade de resposta ou calor. Em contraste, os filhos de mães supressoras pareciam menos calmas do que os filhos de mães na condição de controle, embora suas mães não apresentassem decréscimos em seu calor ou capacidade de resposta.
  3. A supressão pode não ter influenciado o humor negativo dos pais devido a um efeito negativo negativo – pais e filhos expressaram relativamente pouco humor negativo durante a tarefa cooperativa. ”

Embora futuras pesquisas sejam necessárias para replicar essas descobertas e determinar até que ponto os resultados são mantidos em vários contextos culturais e socioeconômicos, os resultados destacam o valor da expressão emocional no processo de regulação emocional, particularmente entre os pais. As crianças podem estar especialmente sintonizadas com os padrões de expressão emocional da mãe, o que, por sua vez, pode afetar significativamente a natureza dos padrões de expressão emocional de uma criança. As descobertas de Karnilowicz e seus colegas sugerem que a supressão pode ter não apenas efeitos danosos em nossas experiências internas, mas também nossas relações interpessoais e os padrões de comportamento das crianças ao nosso redor.

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Karnilowicz, HR, Waters, SF e Mendes, WB (2018). Não na frente das crianças: Efeitos da supressão parental nos comportamentos de socialização durante as interações cooperativas entre pais e filhos. (Link)

O tráfico violento de drogas no Brasil chega ao Paraguai: “cenas que você só vê em filmes”

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Um oficial da agência antidrogas do Paraguai em uma fazenda de maconha. Gangues violentas do vizinho Brasil estão estabelecendo uma posição mais permanente no comércio de drogas do país.CreditCreditSanti Carneri

Na edição do The New York Times, de 15/12/18: o caos no Brasil da nossa política de guerra contra as drogas ilícitas rompe as fronteiras, chega ao Paraguai, nosso vizinho, com consequências sociais das mais nefastas do que a nossa imaginação pode alcançar.

Um trecho da matéria:

“Esses crimes têm uma coisa em comum: o caos está transbordando do Brasil. Depois de alimentar um nível recorde de violência no Brasil, a guerra às drogas está se espalhando para além da fronteira, atacando as instituições já fracas do Paraguai.

Grande parte do caos na região tem sido alimentado por armas americanas. Tantas armas americanas estavam sendo enviadas para o Paraguai que as autoridades dos Estados Unidos deram o passo raro de suspender as exportações de armas comerciais para o país este ano.”

Um oficial da agência antidrogas do Paraguai em uma fazenda de maconha. Gangues violentas do vizinho Brasil estão estabelecendo uma posição mais permanente no comércio de drogas do país.CreditCreditSanti Carneri
Um oficial da agência antidrogas do Paraguai em uma fazenda de maconha. Gangues violentas do vizinho Brasil estão estabelecendo uma posição mais permanente no comércio de drogas do país.CreditCreditSanti Carneri

 

 

 

 

 

 

 

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Ministro de Bolsonaro ataca CAPS e defende tratamento de dependentes em instituições religiosas

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Publicado em Esquerda Diário: Mandetta, futuro ministro da Saúde, atacou os Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS) reafirmando o caráter reacionário e neoliberal do governo Bolsonaro: estigmatizou os dependentes químicos, exaltou a participação da Igreja em contraposição ao CAPS e retomou elementos do modelo manicomial. Um imenso retrocesso para as políticas de saúde mental e um projeto de governo que quer acelerar ainda mais o sucateamento do SUS.

“ O que a saúde oferece para essas pessoas? Ambulatórios de rua e CAPS. Qual o índice de recuperação? Não chega a 5 ou 6% nos CAPS. Você tem 94% de recidiva. Onde estão nossas cabeças? O que nos dá melhor chance estatisticamente para retirar o indivíduo das drogas? É no CAPS? Não.”, declarou o futuro ministro. Os CAPS não existem somente para atender dependentes químicos, fazendo parte de uma rede que se propõe também à oferecer tratamentos e cuidados para usuários que sofram dos mais diversos transtornos psicológicos, como depressão e ansiedade.

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Novo estudo explora abordagens para suspender antidepressivos

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Photo Credit: Pixabay

O trauma da infância deve ser tratado como uma crise de saúde pública?

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De NPR : “O estudo [publicado no Jornal da Associação Médica Americana ] é “provavelmente o teste mais rigoroso que temos até hoje da hipótese de que o trauma na primeira infância tem esses efeitos fortes e independentes sobre os resultados adultos “[William Copeland, professor de psiquiatria da Universidade de Vermont] diz.

Para Copeland, os impactos abrangentes do trauma exigem soluções políticas de base ampla, além de intervenções individuais.”Tem que ser uma discussão a ser feita em nível de política de saúde pública”, diz ele. […]

“Eu acho que deveria se acabar com qualquer tipo de especulação sobre o trauma da primeira infância e as dificuldades da vida posterior”, [ Kathryn Magruder , epidemiologista e professora de psiquiatria da Universidade de Medicina da Carolina do Sul] diz.

Embora a ligação tenha sido mostrada em pesquisas anteriores, Magruder diz que este novo estudo pode ajudar a direcionar futuras pesquisas e políticas. “Por que estamos revisitando isso? Porque é hora de pensar em prevenção ”, diz ela. O trauma é um problema de saúde pública, acrescenta, e deve ser tratado com uma abordagem de saúde pública.

O psicólogo  Marc Gelkopf  concorda. Em  um editorial  publicado junto com o estudo, ele escreve: “Se os males de nossas sociedades, incluindo o trauma, devem ser enfrentados seriamente, então a injustiça deve ser responsabilizada”. […]

Propostas de lei como o SUPPORT Act são compartilhadas pelo bipartidarismo nosso estadunidense e são um começo promissor, diz Purtle – mas  ainda não vão longe o suficiente. Para realmente reduzir os traumas e mitigar seus efeitos, diz ele, os formuladores de políticas devem buscar políticas e investimentos comunitários, como leis de salário mínimo, que reduzam a pressão econômica sobre as pessoas que estão com dificuldades.

“É mais do que apenas” endurecer e lidar com isso “”, diz ele. “Muito disso se resume a pessoas que não deveriam viver suas vidas em um estado de estresse crônico e constante”.

Artigo →

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‘Antidepressivos em Xeque’

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imagesA revista Radis de nº 195 traz a matéria ‘Antidepressivos em Xeque’, referente ao 2º Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas: As Evidências Científicas para a Desmedicação Segura e Eficaz, que ocorreu em outubro deste ano na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca – ENSP/Fiocruz, quando o  pesquisador Irving Kirsch, Professor de Harvard e diretor do Programa de Estudos do Placeborelata que são poucas as evidências demonstrando a eficácia dos antidepressivos, o que não sustentaria a crescente indicação desses medicamentos. A matéria também cita Laura Delano, militante do movimento de ex-usuários e sobreviventes da psiquiatria, quem luta pela autonomia e singularidade dos pacientes psiquiátricos.

Matéria Completa aqui → ‘Antidepressivos em Xeque’

A retirada dos antidepressivos: uma entrevista na BBC Radio 4

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Os antidepressivos são um tratamento útil para muitos, mas algumas pessoas têm problemas quando param de tomá-los. Uma revisão recente das evidências sobre os sintomas de abstinência de antidepressivos descobriu que mais pessoas podem vivenciar vários sintomas por mais tempo do que se pensava até hoje; e não são poucas as pessoas que descrevem esses sintomas de ‘abstinência’ como sendo graves. E, o mais importante: não são hoje aqueles sintomas da suposta doença que justificaram originalmente seu tratamento psicofarmacológico com antidepressivos.

Não obstante, esse estudo que aqui está em tela – e que você poderá ter acesso – tem sido objeto de críticas a respeito dos dados analisados, e pelo fato de que os sintomas de abstinência também podem variar de acordo com o tipo de antidepressivo.

Então, o que isso significa na prática? Eis aí uma questão de interesse público.

Claudia Hammond, da BBC radio 4, entrevistou o autor da pesquisa, John Read, professor de Psicologia Clínica da Universidade de East London, e o Dr. Sameer Jauhar, pesquisador sênior do King’s College London.

John Read foi um dos nossos convidados internacionais do 2 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, evento realizado recentemente no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), na última semana de outubro.

O estudo aqui tomado como referência foi apresentado ao Parlamento Britânico:  “Retirada dos antidepressivos: um levantamento da experiência dos pacientes pelo Grupo Parlamentar de Todos os Partidos para a Dependência Prescrita de Drogas.”  Por conseguinte, não se trata de ‘fake news’!

Fora do Brasil, há um crescente movimento que busca obrigar à ‘medicina’ – aos prescritores de antidepressivos – comunicar aos seus pacientes sobre os riscos do uso a médio e longo prazos das drogas por eles prescritas.

No Brasil, muito poucas informações a respeito chegam ao público sobre dependência química aos antidepressivos. Aqui os pacientes começam a tomar antidepressivos, por uma razão ou outra – em termos de eventos adversos da vida -, e os prescritores não costumam informar que tal tratamento psicofarmacológico deva ser, necessariamente, por um ‘prazo delimitado’ de uso.

Levando em consideração que o Brasil é um dos países aonde há o maior número de pessoas em tratamento com antidepressivos no mundo, o que há de dependentes químicos de antidepressivos é certamente o que coloca o Brasil entre os campeões mundiais de dependentes químicos de antidepressivos. Com graves consequências para a saúde pública, e muito em particular para o SUS.

Para ter acesso ao documento apresentado ao Parlamento Britânico e tomado como referência, clique aqui.

E para ouvir a entrevista na íntegra basta clicar no link abaixo:

BBC radio 4

Não são os transtornos emocionais realmente transtornos do amor?

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Peter BregginAgora sabemos o suficiente sobre a evolução biológica humana para entender que nossa natureza social é construída em nosso núcleo biológico instintivo. Nós não somos entidades separadas vagamente conectadas; somos por nossa própria natureza moldados e motivados pela mutualidade, cooperação e amor.

Ao contrário da maioria das criaturas, nós humanos nascemos com um cérebro essencialmente fetal, o que nos deixa totalmente dependentes dos outros e que dobra de tamanho durante o primeiro ano de vida. Esse crescimento enormemente rápido do tamanho e da complexidade assegura que nosso cérebro se desenvolva fora do corpo de nossa mãe como um órgão social, um órgão cuja estrutura e função são formadas pelas influências socializadoras que o cercam.

Nós humanos somos literalmente feitos um do outro, fisicamente, psicologicamente e socialmente. A socialização nos primeiros anos de vida orienta o desenvolvimento e expressão de nossa natureza social e o nosso poder como espécie para sobreviver e prosperar; e a falta desse cuidado leva a prejuízos psicológicos e sociais. Mas nós não somos seres desamparados à mercê da natureza e da criação; podemos fazer escolhas e aprender a superar quaisquer emoções legadas negativas que trazemos da nossa evolução biológica e da socialização infantil.

Amor e empatia são fundamentais para nossa natureza social. Através dos espectros psicológicos, espirituais e políticos, muitas pessoas conscientes concluíram que o amor e sua expressão como empatia são os princípios centrais de uma vida boa e produtiva.

Historicamente, a importância do amor e da empatia teve sua expressão inicial e talvez ainda mais plena no ensino de Cristo: amar a Deus, amar uns aos outros e seguir a Regra de Ouro – tratar os outros como gostaríamos que eles nos tratassem. O Antigo Testamento, o Budismo e muitos outros documentos religiosos também expressaram variações na Regra de Ouro.

A surpreendente verdade sobre Charles Darwin e Adam Smith

Ao contrário da crença comum, o grande cientista evolucionista Charles Darwin não colocou ênfase na sobrevivência do mais apto, mas sim na ajuda mútua e no amor como a chave para o sucesso humano como indivíduos e como espécie. Darwin descreveu o conceito de um Deus amoroso e a Regra de Ouro como a mais alta conquista da história humana, emanando em parte de nossos instintos sociais embutidos, mas que, em última análise, requeriam raciocínio consciente:

Fazer o bem em troca do mal, amar o inimigo, é o auge da moralidade à qual se pode duvidar se os instintos sociais, por si mesmos, nos levariam. É necessário que esses instintos, juntamente com a simpatia, tenham sido altamente cultivados e ampliados pela ajuda da razão, da instrução e do amor ou temor de Deus, antes que qualquer regra de ouro fosse alguma vez pensada e obedecida.

Adam Smith, autor de A riqueza das nações e grande defensor da liberdade econômica no século XVIII, queria mais do que um mercado livre de cães e gatos. Em seu grande trabalho sobre a Teoria dos Sentimentos Morais , ele via a empatia e o amor como sentimentos sociais necessários para temperar a cobiça. Ele elogiou o “sentimento de companheirismo” humano e os “princípios em sua natureza, os interesses do homem pela sorte de outros, e tornam a felicidade dos demais necessária para ele”. Ele escreveu “É o primeiro preceito amar o Senhor nosso Deus com todo o nosso coração, com toda a nossa alma e com todas as nossas forças, assim como é o segundo amar o próximo como amamos a nós mesmos…”

Apesar da importância que Charles Darwin e Adam Smith deram ao amor e à cooperação no sucesso individual e social, esses temas recebem pouca ênfase na maioria das discussões do trabalho deles. A maioria de nós foi enganada pela nossa educação e pelos escritores contemporâneos a acreditar que o Darwin e Smith defendiam a competição e a sobrevivência dos mais aptos. As pessoas ficam surpresas ao saber que suas respectivas teorias da evolução e da economia enfatizam o amor, a empatia e a cooperação.

Amor e Empatia em Psicologia e Psiquiatria

A ênfase no amor e na empatia é abundante em fontes aparentemente divergentes dos temas do judaísmo e do cristianismo, nos quais Darwin e Smith estavam imersos. Uma das análises mais ricas do papel do amor na vida humana é a obra The Art of Loving, de Erich Fromm . Fromm, um psicólogo e humanista secular de tendências marxistas, estava aparentemente tão distante quanto se poderia pensar de homens como Charles Darwin e Adam Smith; mas isto não foi assim com relação à centralidade do amor.

Fromm descreveu o amor como “a resposta para o problema da existência humana”. Ele declarou:

A consciência da separação humana, sem reunião pelo amor, é a fonte da vergonha. É ao mesmo tempo a fonte da culpa e da ansiedade. A necessidade mais profunda do homem, então, é a necessidade de superar sua separação para deixar sua prisão de solidão. O fracasso absoluto para alcançar este objetivo significa insanidade …

RD Laing, o psiquiatra crítico mais lido na década de 1960 e uma inspiração contínua para a reforma psiquiátrica, colocou o amor no centro das qualidades curativas do terapeuta. Laing estava se referindo ao papel do terapeuta na reintegração do “eu dividido”, um aspecto da psicose e da chamada esquizofrenia, quando escreveu:

“O principal agente em unir o paciente, ao permitir que as peças se juntem e formem um todo, é o amor do médico, um amor que reconhece o ser total do paciente e o aceita, sem amarras.”

E se isso fosse verdade?

E se os ensinamentos de tantos observadores sábios fornecerem um conceito holístico direto para o sucesso e fracasso pessoal, emocional ou psicológico? Será que o bem-estar psicológico e espiritual do ser humano está em se tornar uma fonte crescente de amor e em aceitar o amor mais profundamente, enquanto o mal-estar psicológico e espiritual está em vários graus de ser incapaz de amar e de ser amado?

Poderia toda a gama de categorias de diagnóstico psiquiátrico, na medida em que eles têm alguma validade, ser expressões do fracasso em amar e aceitar o amor? Poderia a ampla gama de psicoterapias bem sucedidas realmente funcionar por meio da capacidade do terapeuta de encorajar as pessoas a experimentarem o amor através de quão positivamente ele se relacionam com elas?

Focando mais no amor

Comecei a pensar e a tentar implementar esses conceitos como estudante universitário (1954-1958) como voluntário em um hospital psiquiátrico estadual. Eu os explorei em dois dos meus primeiros livros, A Psiquiatria Tóxica: Por que terapia, empatia e amor devem substituir as teorias de drogas, eletrochoque e bioquímica da “nova psiquiatria” (1991) e Além do conflito: da auto-ajuda e psicoterapia à pacificação (1992).

Agora quero resumir o papel do amor em nossas vidas em uma simples observação: quase todo o sucesso pessoal ou emocional humano depende de ser capaz de dar e aceitar o amor, e quase todo fracasso humano reflete uma incapacidade de fazê-lo.

Minha própria definição de trabalho de amor é “consciência alegre” – a experiência da felicidade sobre a existência de algo ou alguém, incluindo o que quer que seja que nos inspira, da família e dos amigos à natureza e à Deus. Do experimentar amor romântico ao admirar heróis que elevam nossos ideais; do apreciar os pássaros que voam sobre nós em nosso quintal ao ver crianças ou animais a brincar – o amor é um compromisso entusiasmado com a vida. Quando amamos pessoas e animais de estimação, assim como Deus, nos tornamos capazes não apenas de dar amor, mas também de recebê-lo.

E se focássemos a terapia em ajudar nossos clientes e pacientes a dar e aceitar o amor mais plenamente? Poderíamos ajudá-los a ver a importância do amor e como eles podem superar seus entrincheirados medos e dúvidas em dar e receber? Suponha que nós mesmos tenhamos feito isso em nosso cotidiano, tentando, quando possível, dar e receber amor, juntamente com qualquer outra atividade que estivéssemos compartilhando?

Como membros de família, como terapeutas ou médicos, e se nunca mais promovêssemos ou prescrevêssemos drogas enquanto um “tratamento”, porque elas enfraquecem nossos lobos frontais e, consequentemente, nossa capacidade de amar? Poderíamos descartar todos os nossos diagnósticos feios, pré-fabricados e desamorosos – TDAH, transtorno de conduta, transtorno obsessivo-compulsivo, TEPT? Poderíamos, ao contrário, ajudar os outros a descobrir onde o envolvimento amoroso deles com a vida foi desencorajado ou perdido e como revivê-lo ou mesmo experimentá-lo pela primeira vez?

Na minha vida e na minha prática clínica, essas questões não são conjecturas abstratas. Desde meus primeiros dias como estagiário em um hospital psiquiátrico até hoje, tentei guiar as pessoas para um envolvimento mais amoroso com as pessoas básicas em suas vidas e com a própria vida. Eu também tentei me guiar da mesma maneira, muitas vezes com passos vacilantes e até mesmo fracassados.

Aqui está a formulação do que ficou cada vez mais claro para mim:

Quase todos os distúrbios emocionais são distúrbios do amor, e nos curamos desses distúrbios na medida em que aprendemos a dar e a aceitar o amor.

Esta é uma formulação inicial do que espero compartilhar com vocês em mais detalhes e com maior clareza nos próximos meses e anos através de meus escritos, cursos, conferências, programas de rádio, vídeos e filmes.

Medicalização da Vida e TDAH

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CAMILAO diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) tem atingido cada vez mais a população infanto-juvenil em diversos continentes, sendo a principal opção de tratamento o uso de metilfenidato (Ritalina).

Nesse contexto, a pesquisadora Fernanda Martinhago, pós-graduanda da Universidade Federal de Santa Catarina, lançou recentemente o artigo TDAH e Ritalina: neuronarrativas em uma comunidade virtual da Rede Social Facebook, publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva. O artigo surge como resultado de uma pesquisa realizada por Martinhago, cujo objetivo, é compreender como os conteúdos das redes sociais influenciam os familiares, membros dessas comunidades virtuais, em seu entendimento sobre o TDAH e seu tratamento, bem como lidam com seus filhos que apresentam suspeita ou que já receberam tal diagnóstico. A pesquisa no campo virtual ocorreu no período de maio de 2015 a setembro de 2016.

A metodologia utilizada foi a etnografia virtual, desenvolvida na perspectiva da Antropologia Médica. A etnografia é um método da Antropologia, seu intuito segundo Polivanov (2013 ) [1], é a criação de descrições de práticas sociais de indivíduos ou redes de indivíduos (coletividades), com o propósito de entender diferentes aspectos de uma cultura. Já a Antropologia médica é uma perspectiva que considera a saúde e o que se relaciona a ela (conhecimento de risco, ideias sobre prevenção, ideias de tratamentos adequados, etc.) como fenômenos culturalmente construídos e culturalmente interpretados. (Uchôa &Vidal, 1994) [2].

O Artigo aponta para um discurso neurocientífico e biomédico presente em nossa cultura e nos meios de comunicação, que privilegiam explicações sobre disfunções cerebrais do sofrimento humano, sem levar em consideração as dimensões sociais que atravessam estas aflições, fenômeno conhecido como medicalização da vida. Neste contexto, demarcado pela ‘cerebralidade’, surge uma epidemia de transtornos mentais. A autora faz referência ao jornalista Robert Whitaker, que através de seu estudo investigativo, demonstrou uma verdadeira epidemia de transtornos mentais. 

“Por exemplo, nos Estados Unidos, em 1955, uma em cada 468 pessoas sofria de algum transtorno mental. Em 1987, uma em cada 184 pessoas estava diagnosticada com um transtorno mental. Em 2007, o número passou a ser um diagnosticado para cada 76 estadonidenses.”

Mas não acaba por aí, Martinhago ressalta que essa epidemia se expandiu a tal ponto, que crianças e adolescentes também começaram a fazer parte destas estatísticas, isto se devendo às últimas versões do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM). O diagnóstico mais comum dado à crianças e adolescentes é o de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). O diagnóstico desse transtorno é clínico, já que não existem exames laboratoriais que comprovem a patologia. Assim sendo, a possibilidade de qualquer pessoa receber facilmente este diagnóstico, e como consequência, uma prescrição para tratamento medicamentoso, é muito grande.

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O que Martinhago percebe através desta pesquisa é que apesar do medicamento controlado causar angústia aos pais, cientes dos malefícios causados pela medicação – dependência física ou psíquica -, eles irão preferir o tratamento medicamentoso aos riscos citados pelo DSM – 5 do não tratamento do TDAH, dentre eles o posterior desenvolvimento de transtornos por uso de substâncias. Dessa forma, a adesão do tratamento medicamentoso pelas mães é reforçada por outras mães da comunidade virtual.

Diversas mães também queixaram –se das reações adversas da Ritalina, mas mesmo assim os demais membros apoiam a insistência com o uso do medicamento.

“Não fique lendo bula de remédio, faz a gente surtar. ”  (LES)

 “Faça o tratamento, é melhor vc se arrepender de ter tentado do que pagar o preço pra ver o resultado na adolescência. ” (CPJ)

“Minha filha tem TDAH e transtorno de humor, ela toma Ritalina, 4 comprimidos de 10mg, toma Risperidona e toma Lítio, mas continua muito ansiosa, não consegue aprender nada na escola, ela tem 10 anos. ” (CPJ)

 Dessa forma, a autora observou que a comunidade virtual interage para que os pais aceitem a medicação, superando suas angustias relativas à mesma. Parecem acreditar que somente com o uso da medicação seus filhos conseguirão ter êxito na escola, bem como a crença de que a medicina e os medicamentos são meios de intervenção divina. Mas o fato é que a Ritalina causa efeitos adversos, e alguns depoimentos e relatos de mães são verdadeiros pedidos de socorro para o estado crítico de saúde de seus filhos, originados pelos medicamentos. É possível notar como a medicalização da vida, a tutela da infância e adolescência, juntamente com o controle dos corpos, fenômenos percebidos através desta pesquisa, podem causar graves consequências às crianças e aos adolescentes diagnosticados com TDAH e seus familiares.

Martinhago conclui que há um grande descaso com relação às consequências que estes medicamentos podem causar nas crianças, tanto por parte dos familiares como dos profissionais. Parece que há uma dificuldade dos pais lidarem com seus filhos, dessa forma recorrem aos diversos profissionais e técnicas para dar conta de uma função que, não faz muito tempo, era exercida naturalmente pelas famílias. Existe uma hiper patologiação dos percalços e dificuldades da vida.

Leia o artigo na íntegra → MARTINHAGO, Fernanda. TDAH e Ritalina: neuronarrativas em uma comunidade virtual da Rede Social Facebook. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 23, n. 10, p. 3327-3336,  out.  2018 .

[1] POLIVANOV, Beatriz. Etnografia virtual, netnografia ou apenas etnografia? Implicações dos conceitos. Esferas, Ano 2, n. 3, jul- dez. 2013.

[2] UCHOA, Elizabeth; VIDAL, Jean Michel. Antropologia médica: elementos conceituais e metodológicos para uma abordagem da saúde e da doença. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 10, n. 4, p. 497-504,  Dec.  1994.

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