MEDICANDO O NORMAL

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MEDICANDO O NORMAL (Medicating Normal)

No dia 06 de Novembro, sexta-feira, das 9:00-11:30, o filme Medicando o Normal será exibido. É uma das atividades do 4 Seminário Internacional A EPIDEMIA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS. O filme tem a duração de 1h15minutos. Haverá um debate após o filme. A sala para a exibição do filme comporta no máximo 1.000 pessoas. O convite para a inscrição na Webinar será disponibilizado aqui no MIB e nas redes sociais. Clicando aqui você pode ver o trailer do filme. Esperamos que o filme seja exibido normalmente nas salas comerciais.

Sinopse do filme

Um em cada cinco estadunidenses está tomando um medicamento psiquiátrico prescrito, incluindo milhões de crianças. Embora essas drogas possam fornecer alívio eficaz de curto prazo para problemas emocionais, as empresas farmacêuticas têm escondido dos médicos e pacientes seus efeitos colaterais perigosos e danos a longo prazo. Combinando cinema-verdade e jornalismo investigativo, Medicando o Normal acompanha as histórias de cinco estadunidenses que foram prejudicados por medicamentos que eles acreditavam que os ajudariam.

Angie, uma veterana da Guerra do Iraque, passou de “super soldado” a paciente mental e a certa altura esteve tomando dezoito medicamentos diferentes. Dave, um oficial da Marinha e graduado pela M.I.T. com um duplo mestrado, viu sua carreira descarrilada pelos efeitos colaterais adversos de seus medicamentos psiquiátricos prescritos. Rebecka, uma estudante temperamental do ensino médio, preocupados seus pais a levaram a um médico que aconselhou o início do tratamento com antidepressivos. Shalamar, que trabalhava até altas horas da noite como garçonete, ela simplesmente tinha problemas para adormecer. Os medicamentos prescritos causaram danos graves para suas vidas e nós ao longo do filme os acompanhamos enquanto eles recuperavam suas vidas.

Cada um lamenta a fé cega que colocaram em um sistema que assume que sentimentos desconfortáveis como estresse ou tristeza são evidências de um transtorno mental que pode ser “consertado” com uma pílula. Como Shalamar repreende seu psiquiatra: “Se você apenas tivesse me falado sobre os perigos de tomar esta droga, eu diria ‘não estou afim!’ ”A resposta dela ressalta para os espectadores a realidade de que hoje, em tratamento de saúde mental, raramente os médicos ou seus pacientes estão totalmente cientes dos riscos versus benefícios de tomar esses medicamentos, ou possíveis alternativas que podem permitir que seus pacientes façam decisões mais bem informadas.

Embora reconheça que a medicação psiquiátrica pode ser muito útil para alguns pacientes, o filme expõe como as empresas farmacêuticas com fins lucrativos contribuíram para um sistema em que vasta somas de dinheiro corrompem as evidências médicas e ocultam riscos, perigos e a eficácia limitada de drogas psiquiátricas. Somos bombardeados diariamente com mensagens na mídia exaltando os benefícios desses medicamentos. Mas a realidade não é assim tão romântica. Medicando o Normal compartilha a história não contada de um número significativo de pessoas gravemente prejudicadas.

HISTÓRIA DA PRODUÇÃO

Uma entrevista com as diretoras Lynn Cunningham e Wendy Ractliffe

P: O que as inspirou a fazer este filme?

Lynn: Por motivo pessoal. Tenho um membro da família – graduada em Harvard e atleta famosa, que foi diagnosticada com doença mental há muitos anos. Ela foi aos melhores psiquiatras. Seu tratamento subsequente resultou em um fluxo constante de médicos dando diferentes diagnósticos e um regime cada vez maior de medicamentos. Agora, 25 anos depois, ela ainda está medicada e luta contra efeitos colaterais desafiadores. Sua experiência me levou a questionar se esses remédios poderosos estão realmente ajudando ou se há outra maneira melhor. Então, comecei a pesquisar.

Wendy: E então nos deparamos com este livro de Bob Whitaker, Anatomia de uma Epidemia, no qual ele fala sobre este mistério médico: agora temos mais e mais pessoas sendo tratadas para doenças mentais e mais e mais drogas sendo prescritas. Se fossem doenças físicas, você pensaria que a taxa de doenças deveria estar diminuindo, porque mais pessoas estão recebendo tratamento. Em vez disso, há cada vez mais pessoas com incapacidades devido a doenças mentais. Ele começou a suspeitar que esse aumento nas doenças mentais era causado pelas mesmas drogas que deveriam ajudar as pessoas. Em particular, Bob analisou pesquisas de longo prazo que comparam pacientes tratados e não tratados. Os pacientes não tratados melhoram.

Lynn: Quanto mais pesquisas fazíamos, mais percebíamos que a história de um membro da minha família não era única; a mesma coisa estava acontecendo com milhares e milhares de pessoas; os medicamentos prescritos as estavam deixando mais doentes. Ouvimos, e continuamos a ouvir, de muitas pessoas que começaram bem normais e acabaram perdendo suas casas, seus empregos, suas famílias – tantas vidas destruídas. Percebemos que essa é uma grande história que deveria ser contada.

Wendy: Depois de falar com literalmente centenas de pessoas, percebemos que há um padrão para todas essas histórias e algo que está realmente errado com todo o sistema de assistência. Por exemplo, quando você vai a um médico com uma doença física, você pega uma receita específica, se você tem uma infecção, você toma um antibiótico e com sorte está curado. Com essas drogas psiquiátricas, muitas pessoas acabam em coquetéis. Elas começam com Prozac e se isso não funcionar os médicos aumentam a dose ou mudam para Zoloft. Quando você atinge a dose mais alta permitida, eles adicionam outro medicamento. Se você está se sentindo nervoso com tudo isso, você receberá uma pílula para relaxar, um benzo como o Xanax. Você também pode usar um estabilizador de humor para se acalmar, mas se estiver tonto, pode obter uma receita de Adderall. Esse processo nunca para, as pessoas parecem nunca melhorar e os médicos continuam adicionando ou alterando o coquetel de drogas quase ao acaso. Essas drogas são psicotrópicas, não pílulas de vitaminas, e devem ser prescritas com cautela. Abrimos nosso filme com a esposa de Dave, Bri, que nos mostra uma mala inteira com os diferentes medicamentos que lhe foram prescritos, e ainda assim ele ficava cada vez pior. É uma história que ouvimos inúmeras vezes.

P: Por que vocês escolheram o título, Medicando o Normal?

Lynn: Queríamos que nossos espectadores entendessem que este não é um filme sobre doenças mentais graves, como esquizofrenia ou doença bipolar.

Wendy: De certa forma, nosso título, Medicando o Normal encapsula toda a ideia de como nossa sociedade medicalizou o que antes era considerado parte da gama normal de experiências emocionais humanas. Seu namorado termina com você e você fica arrasada. Você tem um trabalho estressante e se sente sobrecarregado. Mas hoje em dia você vai ao médico reclamando dessas emoções fortes, desagradáveis, porém normais e, bum, sai com uma receita. Esquecemos que essas emoções são normais e que talvez as pessoas só precisem de tempo para se curar naturalmente.

P: Que coisas novas vocês aprenderam durante a produção deste filme?

Lynn: Que essas drogas são fisiologicamente viciantes. É uma realidade da qual muitos médicos não estão cientes. Uma vez que você está tomando esses antidepressivos ou ansiolíticos comumente prescritos, é extremamente difícil para algumas pessoas abandoná-los. Eles são tão viciantes quimicamente quanto opioides e narcóticos o são.

Wendy: Nós ouvimos uma história horrenda após a outra de pessoas tentando diminuir essas drogas e sofrendo alucinações, psicose ou pensamentos suicidas durante a abstinência – pessoas que nunca tiveram nenhum desses sintomas antes. E quando elas reclamam com seus médicos, muitas delas ouvem: “Não, não, isso não é possível” ou “É sua culpa” ou “Não é abstinência, é a doença subjacente que você está enfrentando”. Elas não recebem suporte de seus médicos ou apenas recebem uma receita de algum outro medicamento. Parte do problema é que o assunto da retirada não é ensinado nas escolas de medicina. Pode-se levar anos diminuindo lentamente algumas dessas drogas e não posso dizer quantas vezes ouvimos falar de pessoas cujos médicos fizeram uma retirada abrupta de drogas benzodiazepínicas como o Xanax. A interrupção repentina dessas drogas pode ser fatal.

Lynn: Eles aprendem na escola de medicina que todos esses sintomas insuportáveis não são resultado de abstinência, mas sim devido a novos transtornos mentais ou agravamento. No entanto, há pesquisas médicas significativas que sugerem que muitas pessoas experimentarão graves sintomas de abstinência ao abandonar as drogas psiquiátricas, especialmente se as drogas foram tomadas por mais de alguns meses.

Wendy: Muitos desses medicamentos são extremamente eficazes em curto prazo. No entanto, o que é minimizado é que eles deixam de funcionar a longo prazo. A outra coisa que vimos é toda a corrupção do sistema.

Grandes empresas farmacêuticas estão comercializando esses medicamentos e querem vender mais. São elas que financiam as pesquisas de novas drogas psiquiátricas e escondem as consequências desastrosas de se consumir essas drogas a longo prazo. Elas também financiam escolas de medicina e influenciam os currículos, e então pagam aos melhores médicos para escrever artigos promovendo esses medicamentos. Seu dinheiro também tem corrompido legisladores e reguladores.

P: Fale sobre algumas das reações das pessoas ao ver este filme.

Lynn: Nas prévias exibições, muitas pessoas ficaram muito chateadas e elas nos têm dito: “sim, isso aconteceu comigo”. Muitas estão muito gratas por sua história finalmente estar sendo contada. Ninguém – nem seus médicos, nem suas famílias – acreditou nelas quando elas insistiram que eram seus medicamentos que as estavam deixando doentes. Assistindo a esse filme, elas sentem que, finalmente, alguém está contando sua história.

Wendy: Depois de uma exibição, um homem veio até mim e disse: “Sou médico de família. Eu prescrevo esses medicamentos o tempo todo e não tenho ideia da extensão desses efeitos colaterais”.

Lynn: Temos visto alguma resistência da profissão. Um psiquiatra admitiu que o filme o deixou muito na defensiva, mas também disse que o achou útil, dizendo: “As drogas podem ser úteis, mas nós, como profissionais, precisamos dar um passo atrás e entender que há verdade na afirmação de que temos prejudicado alguns de nossos pacientes. ”

Wendy: Não nos importamos com a resistência, embora isso nos faça sentir um pouco na defensiva também, mas temos que nos lembrar que nosso objetivo desde o início foi aumentar a conscientização e iniciar uma conversa.

Equipe:

  • LYNN CUNNINGHAM, Diretora / Produtora, Produtora Executiva

Lynn começou sua carreira de cineasta editando filmes no final dos anos 1980 e 1990 para a PBS, Middlemarch Films, Michael Blackwood e o History Channel. Créditos de edição incluem: Walter Reuther e o Sindicato dos Trabalhadores de Automóveis, um documentário de uma hora para American Experience, Behind the Scenes, uma série infantil sobre as artes para a PBS, bem como Butoh: Body on the Edge of Crisis, Tadao Ando e Mel Bochner: pensamento tornado visível. No final da década de 1990, como bolsista Asahi Shimbun, Lynn dirigiu e produziu A Quiet Revolution: The Emergence of Alternative Education in Japan sobre o movimento japonês ‘School Refusal’ que ganhou o prêmio Japan Times de 1997 por filmes e vídeos sobre o Japão. Lynn é bacharel em Arquitetura pela Yale University em 1983.

  • WENDY RACTLIFFE, Diretora / Produtora, Produtora Executiva

Medicando o Normal é o primeiro filme que Wendy dirigiu e produziu. Tornou-se cineasta com o objetivo de aumentar a conscientização sobre problemas sociais que são ignorados ou inadequadamente cobertos pela grande mídia. Foi produtora associada do documentário Beyond Measure de Vicki Abeles. Profissões anteriores incluem analista de ações, mãe que fica em casa e professora em uma escola internacional Waldorf na França. Ela está ligada à agricultura orgânica e à criação de comunidades sustentáveis há duas décadas.

  • MUFFIE MEYER, Produtora

Muffie foi uma dos diretores (com os irmãos Maysles e Ellen Hovde) do documentário icônico Gray Gardens. Ela e Ellen também produziram e dirigiram a premiada série Peabody, Liberty! A Revolução Americana e a série ganhadora do Emmy Nacional, Benjamin Franklin e muitos outros. Seus filmes foram distribuídos nacional e internacionalmente em cinemas, na televisão e nos mercados de vídeo doméstico e educacional, pelos quais ela ganhou vários outros prêmios: Emmys, Cine Gold Eagles, o Japan Prize, Christopher Awards, o Freddy Award, o Prêmio Columbia-DuPont de Excelência em Jornalismo de Radiodifusão. Seu trabalho foi selecionado para festivais no Japão, Grécia, Londres, Edimburgo, Cannes, Toronto, Chicago e Nova York. Ela foi homenageada duas vezes pelo Directors Guild of America.

  • DAVID DAWKINS, Editor

David Dawkins começou sua carreira cinematográfica na Pennebaker Associates filmando e editando os seguintes filmes: The War Room (indicado ao Oscar), Delorean, Jimi Plays Monterey, Otis at Monterey, Woodstock Journals, Depeche Mode 101, Dance Black America e Rockaby. Ele fez parte da equipe que filmou o documentário vencedor do Oscar I Am A Promise e do filme Doing Time: Life Inside the Big House (indicado ao Oscar), ambos dirigidos por Alan Raymond. Ele editou duas premiadas séries de documentários para a ABC News, Johns Hopkins 24/7 e NYPD 24/7. Outros créditos incluem Power Struggle (produtor / editor), um documentário que traça o perfil de comunidades na África, Mongólia  e nos EUA em seus esforços para instalar fontes de energia renováveis; The Wedding Contract (diretor / editor), que é uma narrativa pessoal ambientada na Indonésia, produzida por D.A. Pennebaker e Chris Hegedus; e Hate Rising (editor), uma co-produção da HBO e da Univision, dirigida por Catherine Tambini.

  • JOAN CHURCHILL, Diretora de Fotografia e cineasta.

Joan Churchill se dedica a fazer filmes experimentais. Churchill começou sua carreira rodando uma série de filmes musicais, incluindo Gimme Shelter, No Nukes e Jimi Plays Berkeley, que ela dirigiu. Seus créditos incluem An American Family, o estudo-verdade definitivo de uma família disfuncional e Punishment Park e Pumping Iron, apresentando ao mundo um desconhecido Arnold Schwarzenegger. Em colaboração com Nick Broomfield, Churchill fez 10 filmes, incluindo Soldier Girls, Lily Tomlin, Aileen: Life & Death of a Serial Killer, Kurt & Courtney, Biggie & Tupac e Sarah Palin: You Betcha !. Mais recentemente, ela criou com Alan Barker duas séries de TV verité́, produzindo e filmando The Residents e American High. Seus créditos recentes incluem Last Days in Vietnam, Citizen Koch, Inventing David Geffen para American Masters e Bedlam sobre os horrores de nosso sistema de saúde mental falido. Churchill é a primeira diretora de fotografia de documentário puro verité a ser aceito na American Society of Cinematographers. Seus elogios incluem o BAFTA (British Academy Award), DuPont Columbia Award, Prix Italia, Prêmio da International Documentary Association para Melhor Cinematografia; Realização Notável da CamerImage; Prêmios dos festivais Sundance, Chicago, Tribeca e IDFA; Prêmio Doen da Anistia Internacional e Prêmio Visão da Mulher no Filme, entre outros.

  • ALAN BARKER, Location Sound

Alan Barker começou a trabalhar no cinema como cinegrafista de jornal aos 17 anos. Fundou e dirigiu o grupo de teatro improvisado Raw Material no início dos anos 80. Durante a maior parte dos anos 80, ele trabalhou como freelancer como câmera de documentário e pessoa de som para emissoras britânicas, holandesas, japonesas e outras emissoras estrangeiras. Ele trabalhou extensivamente na África, Ásia e América do Sul. No final dos anos 80, ele se associou a Joan Churchill, especializado em produção de cinema verité. Ele trabalhou extensivamente em comerciais durante esse período. Ele continua a trabalhar em documentários, agora tendo trabalhado em mais de 350 produções no estilo documentário. Alan foi professor adjunto no Art Center College e agora dá palestras sobre tópicos relacionados a documentários. Ele e Joan Churchill conduzem workshops sobre teoria e técnica Verité. Alan e Joan estão casados desde 2004.

  • Nathan Halpern, Compositor

Nathan Halpern é um compositor indicado ao Emmy, nomeado um dos “Compositors to Watch” de Indiewire.  Ele é o compositor por trás de dois dos filmes mais aclamados de 2018: o longa-metragem narrativo vencedor de Cannes, The Rider (Sony Pictures Classics) e o Oscar- documentário  Minding The Gap (HULU). Os filmes receberam o prêmio de Melhor Filme e Melhor Documentário, respectivamente, do Prêmio da Sociedade Nacional de Críticos de Cinema e figuraram na lista de Barack Obama dos melhores filmes de 2018. Outros créditos incluem Swallow, Goldie, One Child Nation, One And Two, Rich Hill, Marina Abramovic: The Artist Is Present (HBO Films); e Hooligan Sparrow e The Witness. Indicado para o Emmys 2018: What Haunts Us (STARZ); The Witness; Joan Didion: The Center will not Hold (NETFLIX); e Abortion: Stories women tell (HBO FILMS.) Ele foi recentemente nomeado para o Prêmio Hollywood Music in Media de Melhor Canção Original por “Calling to Me” de One Percent More Humid (Sony Pictures), estrelado por Juno Temple e Julia Garner.

Experts Consultados

  • Peter Gotzsche

M.D., médico dinamarquês e pesquisador médico. O Dr. Gotzsche foi cofundador da Cochrane Collaboration, considerada a mais proeminente organização de pesquisa médica independente do mundo. Em 2010, Gøtzsche foi nomeado Professor de Design e Análise de Pesquisa Clínica na Universidade de Copenhagen. Gotzsche publicou mais de 70 artigos nas “cinco grandes” revistas médicas (JAMA, Lancet, New England Journal of Medicine, British Medical Journal e Annals of Internal Medicine). Gotzsche é autor de quatro livros sobre questões médicas. Após muitos anos sendo um crítico declarado da corrupção da ciência pelas empresas farmacêuticas, a participação de Gotzsche no conselho administrativo da Cochrane foi encerrada por seu Conselho de Curadores em setembro de 2018. Metade do conselho renunciou em protesto.

  • David Cohen

PhD., Pesquisador e professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles. Professor e Reitor Associado de Pesquisa e Desenvolvimento na Luskin School of Social Work, University of California Los Angeles (UCLA), a pesquisa de David Cohen analisa drogas psicoativas (prescritas, lícitas e ilícitas) e seus efeitos desejáveis ​​e indesejáveis ​​como fenômenos socioculturais “construídos” por meio de linguagem, política, atitudes e interações sociais. Ele conduziu pesquisas sobre os efeitos colaterais dos medicamentos psiquiátricos e sobre a abstinência. Instituições públicas e privadas nos EUA, Canadá e França o financiaram para conduzir estudos clínico neuropsicológicos, investigações qualitativas e levantamentos epidemiológicos de pacientes, profissionais e da população em geral. Ele é autor ou coautor de mais de 100 capítulos de livros e artigos. Livros recentes em coautoria incluem Your Drug May be Your Problem (1999/2007), Critical New Perspectives on ADHD (2006) e Mad Science (2013). Ele ocupou a cadeira Fulbright-Tocqueville na França em 2012. David recebeu prêmios por suas publicações, pesquisas, ensino, orientação e defesa de direitos humanos.

  • Kelly Brogan

M.D., psiquiatra americana Kelly Brogan, M.D. é uma psiquiatra holística da saúde feminina, autora do livro mais vendido do NY Times, A Mind of Your Own e, mais recentemente, Own Your Self. Ela foi coeditora do livro de referência, Integrative Therapies for Depression. Ela completou seu treinamento psiquiátrico e bolsa de estudos no NYU Medical Center depois de se formar na Cornell University Medical College e se formou em B.S. do Massachusetts Institute of Technology in Systems Neuroscience. Ela é certificada em psiquiatria, medicina psicossomática e medicina holística integrativa, e é especializada em uma abordagem de resolução de causa raiz para síndromes e sintomas psiquiátricos. Ela publicou vários artigos em revistas médicas respeitadas, incluindo JAMA.

  • Allen Frances

M.D., psiquiatra e acadêmico americano. Allen J. Frances passou seu início de carreira no Cornell University Medical College, onde chegou ao posto de professor. Em 1991, ele se tornou presidente do Departamento de Psiquiatria da Duke University School of Medicine. Frances foi o editor-fundador de duas revistas médicas conhecidas: The Journal of Personality Disorders e o Journal of Psychiatric Practice. Frances presidiu a força-tarefa que produziu a quarta revisão do Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM-IV) e tornou-se crítico em relação à versão atual, DSM-5. Em seu livro Salvando o Normal, ele adverte que a expansão dos limites da psiquiatria está transformando o sofrimento humano comum em transtornos mentais. Ele também denuncia a influência da indústria farmacêutica na formação da prática médica e no incentivo à prescrição excessiva de medicamentos psiquiátricos para aumentar os lucros. Dr. Frances bloga para o Huffington Post.

  • Anna Lembke 

M.D., Professora,em Psiquiatria e Ciências do Comportamento, Stanford University Medical School. A Dra. Anna Lembke recebeu seu diploma de graduação em Humanidades pela Yale University e seu diploma de medicina pela Stanford University. Atualmente é Professora Associada e Diretora Médica de Medicina do Vício da Escola de Medicina da Universidade de Stanford. Ela também é diretora de programa da Stanford Addiction Medicine Fellowship e chefe da Stanford Addiction Medicine Dual Diagnosis Clinic. Ela é diplomata do American Board of Psychiatry and Neurology e também do American Board of Addiction Medicine. Ela publicou vários artigos revisados ​​por pares, capítulos e comentários, incluindo no New England Journal of Medicine, no Journal of the American Medical Association, no Journal of General Internal Medicine e Addiction. Ela é a autora de um livro best-seller sobre a epidemia de medicamentos prescritos: “Drug Dealer, MD: How Doctors Were Duped, Patients Got Hooked, and Why is so hard to stop” (Johns Hopkins University Press, outubro de 2016). Dra. Lembke atende pacientes, ensina e faz pesquisas. Ela adota uma abordagem holística de redução de danos para cada paciente e incentiva terapias espirituais e alternativas no processo de cura.

  • Robert Whitaker

Jornalista e autor. Robert Whitaker foi jornalista do Albany Times Union e diretor de publicações da Harvard Medical School. Uma série de artigos do Boston Globe de 1998 que ele coescreveu sobre pesquisa psiquiátrica foi finalista do Prêmio Pulitzer de Serviço Público de 1999. Em 1994, ele co-fundou uma editora, CenterWatch, que cobria a indústria de ensaios clínicos farmacêuticos. Ele escreveu dois livros sobre a história da psiquiatria, Mad in America e Anatomia de uma Epidemia, este último vencedor do prêmio IRE 2010 de melhor jornalismo investigativo, e publicado pela Editora FIOCRUZ. Como membro do Laboratório Edmond J. Safra sobre Corrupção Institucional da Universidade de Harvard, ele escreveu Psychiagtry under Influence com Lisa Cosgrove, professora da Universidade de Massachusetts. Whitaker é o fundador do www.Madinamerica.com e continua a escrever e falar sobre os problemas com drogas psiquiátricas e psiquiatria.

  • Kristian Rasmussen

Advogado, Cory Watson, Acionista e Principal, Co-Presidente da Prática de Litígio de Drogas e Dispositivos Médicos. Como co-presidente do grupo de litígios de responsabilidade civil em massa da empresa, sua prática é especializada em representar aqueles que foram prejudicados por drogas farmacêuticas perigosas ou dispositivos médicos defeituosos. Os juízes federais frequentemente selecionam Rasmussen para liderar vários casos complexos multiestaduais. Recentemente, o Sr. Rasmussen foi nomeado Advogado Principal para o Litígio de Responsabilidade de Produtos da In Re: Abilify (Aripiprazol), MDL No. 2734. Ele foi homenageado como um dos 100 melhores advogados de cortes de julgamento pelo American Trial Lawyers Association. Antes de ingressar na empresa, o Sr. Rasmussen serviu na Marinha dos Estados Unidos como Oficial JAG e trabalhou como Advogado Assistente Especial dos Estados Unidos em vários processos criminais. O Sr. Rasmussen formou-se em The Citadel, The Military College of South Carolina, Mississippi College of Law e The United States Naval War College.

  • Mary Vieten

PhD., Psicóloga. Comandante Vieten, uma psicóloga clínica formada, serviu na ativa de 1998 a 2008, com consultas no Naval Medical Center Portsmouth, Roosevelt Roads (Porto Rico) e Naval Air Station Patuxent River. Em 2014, ela foi chamada de volta ao serviço ativo e nomeada ao estado-maior do Chefe dos Capelães da Marinha, onde treinou mais de 1000 capelães militares em todo o mundo em resposta pastoral a traumas sexuais operacionais e militares. Dra. Vieten é a Diretora Executiva do Warfighter ADVANCE, que oferece programas intensos de treinamento, como o The ADVANCE 7-Day, para combatentes da ativa e veteranos com problemas de estresse operacional e reintegração. Sua prática civil, Soluções de Psicologia Operacional, atende clientes que são militares, paramilitares (por exemplo, polícia, EMS, empreiteiros), veteranos e civis que trabalham ou trabalharam em ambientes operacionais de alto risco. Ela encoraja ativamente seus clientes a buscarem a recuperação do trauma e a resiliência fora do modelo médico, e os educa proativamente sobre os perigos da psicofarmacologia. A Dra. Vieten é a Presidente do Conselho de Diretores da Sociedade Internacional de Psicologia Ética e Psiquiatria e do Conselho de Diretores da Operation Grateful Nation.

UMA BREVE LISTA DE LINKS PARA ARTIGOS RECENTES NA GRANDE MÍDIA:

O New York Times, o Guardian e o jornal Independent do Reino Unido fizeram reportagens investigativas sobre o problema da retirada de medicamentos antidepressivos;

Muitas pessoas que tomam antidepressivos descobrem que não podem desistir

Sintomas de abstinência de antidepressivos graves, diz novo relatório | Sociedade

Do Independent no Reino Unido, sobre a eficácia: 

Antidepressants are risky and ineffective – so why are we prescribing them to children?

Do The New Yorker, um longo artigo sobre a retirada das drogas psiquiátricas: Fr

The Challenge of Going Off Psychiatric Drugs

Do Stat, alguns artigos sobre os perigos dos benzodiazipínicos (ansiolíticos):

Benzodiazepines: our other prescription drug epidemic

Da CNN, Essa é a Vida com Lisa Ling, episódio de uma hora chamado “Benzos”, a respeito dos perigos com os benzodiazipínicos (Xanax, Ativan, Klonopin, Valium, etc):

This is Life with Lisa Ling

Do British Medical Journal, um dos periódicos científicos mais prestigiaos, publicou um artigo em 2015 com o título “Does long term use of psychiatric drugs cause more harm than good?” (Dr. Peter Gotzsche, o autor, aparece no filme).

Does long term use of psychiatric drugs cause more harm than good?

Medicina Insana, Capítulo 1: O Modelo Médico da Saúde Mental que Está Falido

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Nota do editor: Nos próximos meses, com a sua autorização, MadinBrasil publicará uma versão seriada do livro de Sami Timimi, Medicina Insana (Insane Medicine). Neste capítulo, ele fornece uma visão geral de como o modelo médico da saúde mental falhou. Todas as quartas-feiras, uma nova seção do livro será publicada, e todos os capítulos serão em breve disponibilizados em um único arquivo.

 

Dê uma olhada nas perguntas abaixo. Apenas para ver o que você pensa com base no que costuma ouvir em quaisquer fontes ou meios de comunicação que você segue:

  1. Em geral, qual dos seguintes fatores tem o maior impacto nos resultados do tratamento de problemas comuns de saúde mental?
  • A qualidade da relação entre o terapeuta e o paciente
  • Fatores externos à terapia, tais como as circunstâncias sociais da pessoa
  • Ter um tratamento específico para o diagnóstico dado, seja medicação ou psicoterapia
  • O número de sessões de tratamento assistidas
  1. Qual dos seguintes fatores (entre aqueles específicos do tratamento) tem o maior impacto nos resultados?
  • Ter um tratamento específico para o diagnóstico, seja medicação ou psicoterapia
  • Treinamento profissional do médico / terapeuta
  • Anos de experiência do médico / terapeuta
  • A qualidade da relação entre médico / terapeuta e paciente
  1. De acordo com a pesquisa, a seguinte percentagem de pessoas que entram nos centros comunitários de saúde mental nos EUA ou não estão a responder ao tratamento ou estão a deteriorar-se durante a prestação de cuidados:
  • 20-30%
  • 30-40%
  • 60-70%
  • 70-80%
  1. Os programas de educação pública que promovem a compreensão de que as doenças mentais são como as doenças físicas têm ajudado a diminuir o estigma:
  • Verdade
  • Falso
  1. Nas populações ocidentais, a relação entre o uso de tratamentos de saúde mental e pedidos de benefícios por invalidez como resultado de uma condição de saúde mental é que:
  • Maior uso de tratamentos de saúde mental está associado a taxas decrescentes de reivindicações de deficiência
  • Maior uso de tratamentos de saúde mental está associado ao aumento das taxas de reivindicações de deficiência
  • Não há correlação consistente entre os dois
  1. Em ensaios que compararam a eficácia de diferentes terapias, a terapia cognitiva comportamental (a forma de psicoterapia mais amplamente promovida e recomendada) foi considerada globalmente superior a outras psicoterapias para o tratamento da depressão:
  • Verdadeiro
  • Falso
  1. Os diagnósticos psiquiátricos são perturbações biológicas que foram estabelecidas através de investigação científica médica adequada:
  • Verdade
  • Falso
  1. O autismo não é uma condição médica estabelecida causada por anomalias no desenvolvimento do cérebro e do sistema nervoso:
  • Verdadeiro
  • Falso
  1. Há uma forma confiável de distinguir entre a depressão clínica e a tristeza comum:
  • Verdade
  • Falso
  1. De acordo com a investigação, publicada em 2015, de um projeto nacional do Reino Unido para melhorar os resultados do tratamento para as crianças e adolescentes que frequentam os Serviços de Saúde Mental da comunidade, a percentagem que mostrou “melhoria clínica” do tratamento foi:
  • 16-43%
  • 26-53%
  • 6-36%
  • 36-63%
  1. De acordo com um estudo de 2018 que reavaliou pacientes que tinham completado o tratamento num dos serviços nacionais de psicoterapia ambulatorial do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (UK NHS), a percentagem avaliada como “recuperada” foi:
  • 33%
  • 9%
  • 6%
  • 53%
  1. Num inquérito de 2019 feito com 1000 jovens no Reino Unido, a percentagem seguinte acreditava que eles tinham atualmente ou anteriormente um transtorno mental:
  • 38%
  • 68%
  • 58%
  • 48%
  1. De acordo com um artigo com resultados de investigação feita em 2019, comparando os resultados do tratamento de doenças psiquiátricas infantis comuns em estudos realizados entre Janeiro de 1960 e maio de 2017, os resultados obtidos ao longo das quase seis décadas de estudos:
  • Os resultados dos estudos dos anos 60 foram os mesmos em termos de taxas de melhoria até 2017
  • Mais pacientes melhoraram nos estudos posteriores em vez de nos anteriores
  • Menos pacientes melhoraram nos estudos posteriores em vez de nos anteriores
  1. Em termos de taxas de recuperação e níveis de funcionamento, de acordo com o Estudo Piloto Internacional da Esquizofrenia da Organização Mundial de Saúde, os melhores resultados foram os seguintes:
  • EUA
  • Índia
  • Dinamarca
  • França
  1. A depressão clínica é causada por um baixo nível químico da “serotonina” que os antidepressivos podem corrigir:
  • Verdadeiro
  • Falso
  1. A relação entre os medicamentos comercializados como “antipsicóticos” e o tamanho do cérebro é:
  • Um encolhimento do tecido cerebral está associado ao uso de uma dose mais elevada de antipsicóticos durante mais tempo
  • Aumento do tecido cerebral está associado ao uso de uma dose mais elevada de antipsicóticos durante mais tempo
  • A inversão da perda de tecido cerebral observada numa doença psicótica está associada ao uso de uma dose mais elevada de antipsicóticos durante mais tempo
  • Não há associação entre o tamanho do tecido cerebral e o uso de uma dose mais elevada de antipsicóticos durante mais tempo.
  1. Aqueles categorizados como tendo uma Doença Mental Grave a longo prazo, em média, vivem:
  • 5-10 anos menos do que a média da população
  • 15 anos mais do que a média da população
  • 15-25 anos a menos do que a média da população
  • 5-10 anos a mais do que a média da população
  • O mesmo que a média da população.
  1. A ciência psiquiátrica não ajudou a avançar a nossa compreensão científica do sofrimento psíquico e não conseguiu descobrir quaisquer anomalias baseadas no cérebro:
  • Verdade
  • Falso
  1. A psiquiatria clínica tem ajudado a melhorar os resultados do tratamento da angústia mental:
  • Verdade
  • Falso

Continue a ler para começar a encontrar as respostas às perguntas acima.

O modelo médico da saúde mental está esgotado

Os principais serviços de saúde mental são um desastre. O problema não é o subfinanciamento ou a escala do desafio da saúde mental na sociedade. Não são as redes sociais, o estigma, a falta de educação, a falta de formação, a falta de médicos, ou a falta de terapeutas.

O problema que deve ser enfrentado antes de haver qualquer hipótese real de melhorar a prestação de cuidados de saúde mental é a ideologia dominante. São os conceitos de saúde mental, bem-estar mental, doença mental e transtorno mental que permeiam os nossos debates públicos. É a forma como viemos a falar e pensar sobre a saúde mental. São as narrativas a que o público é exposto, dia após dia, popularizando uma ideia iletrada e cientificamente iletrada de que sabemos que tipo de “coisa” é um transtorno mental, que é generalizado, e que necessita de diagnóstico, para que tratamentos eficazes possam ser fornecidos. É a expansão e comercialização sem fim dos chamados diagnósticos psiquiátricos, para que funcionem como marcas lucrativas em vez de categorias legítimas que ajudam a construir o conhecimento e a melhorar a prática clínica. É a ideologia que orienta os quadros de referência que organizam os serviços de saúde mental e as formações profissionais que aqueles que neles trabalham recebem.

A adaptação a estas ideologias dominantes e aos sistemas criados a partir delas não irá ajudar. Para limpar esta confusão abominável, temos primeiro de nos livrar das nossas formações, serviços, e cultura da pseudociência que nos proporcionou os resultados diabólicos que temos, onde os serviços são melhores para criar pacientes para o longo prazo, sendo lentamente envenenados com neurotoxinas erroneamente rotuladas como “medicação”, do que para aliviar o sofrimento compreensível.

É ainda pior do que isto. As nossas ideologias dominantes são diariamente gotejadas na nossa consciência, transformando-nos em doentes potenciais, alienando-nos das emoções comuns e compreensíveis, convencendo-nos de que temos transtornos mentais que precisam de especialistas, e aterrorizando-nos de que as nossas experiências (ou as experiências daqueles que amamos) são defeitos de um problema profundamente obscuro que espreita nas nossas mentes destroçadas e disfuncionais.

De que outra forma se explica uma pesquisa recente feita com uma amostra de mil jovens que revelou que 68% acreditavam que tinham ou haviam tido em algum momento um transtorno mental? Esqueça o falso [fake] 1 em 4 amplamente anunciado, isto está a aproximar-se do ponto em que apenas 1 entre 4 não terá experimentado um transtorno mental quando for um jovem adulto. Criámos, com as nossas ideologias astrológicas de saúde mental, um vasto mar de pessoas que acreditam estar quebradas, que veem a sua intensidade emocional como perigosa e como um corpo estranho a precisar de ser removido cirurgicamente, em vez de uma experiência humana a precisar de compreensões mais comuns.

Os serviços de saúde mental tornaram-se os porta-vozes de uma indústria de descontextualização e individualização da dor, do medo, da tristeza e da raiva, transformando tantas pessoas em encarnação das caricaturas com as quais as rotulamos. A indústria da saúde mental cria e solidifica os transtornos mentais que afirma aliviar. Está horrivelmente doente. Sente falta da resiliência natural das pessoas face a todo o tipo de adversidades (acreditando que a resiliência é algo que se pode ensinar em vez de inata e à espera de ser descoberta) e, em vez disso, esculpe abismos abertos de vulnerabilidade ao mesmo tempo que com condescendente paternalismo e simpatia.

As terapias que utilizamos (talvez com exceção de alguns aspectos da teoria psicanalítica e sistêmica) são apenas versões sistematizadas da “psicologia popular” ocidental; variantes com algumas regras e mudanças da linguagem para ser criada uma aura de perícia, profissionalismo e ciência. Como é desafiar o seu “pensamento disfuncional” para enfrentar os seus medos; como é criar um espaço de consideração positiva incondicional para acalmar as suas emoções (tal como através da “atenção plena” – “mindfulness”); assim como é focalizar os aspectos positivos até identificar traumas; tudo isto são, quando colocado em termos mais simples do quotidiano, coisas que reconheceríamos como do senso comum no cotidiano das culturas ocidentais.

De longe o pior modelo é a ideia de que os nossos transtornos mentais estão enraizados nos nossos genes e expressos em invasões alienígenas do nosso cérebro pela nossa biologia. Esta é apenas uma versão grosseira dos estados de possessão que criticamos em outras culturas pela sua estúpida superstição; a diferença é que nesta versão iluminada ocidental algo invisível irrompe da sua biologia e assume o seu corpo e mente. A nossa teoria modernista do vudu é indiscutivelmente mais sinistra, pois pelo menos a ideia de que um espírito externo toma conta da sua mente e do seu corpo cria espaço potencial para recuperação de um eu autónomo.

Mas este problema não vai durar. O atual “diagnóstico dominante seguido de um modelo de tratamento específico” que utilizamos está em seu fim.  Quer demore 5, 10, ou 50 anos, não há salvação para esses modelos. Desafios e alternativas estão a surgir de todas as direções, e embora ainda haja muito dinheiro a ser ganho com a comercialização de “rótulos” de diagnóstico e, portanto, poderosos interesses  envolvidos, a enganação não pode durar para sempre.

Da mesma forma que as economias neoliberais escrevem o seu próprio epitáfio através das contradições criadas pela desigualdade que geram, também a psiquiatria e os segredos sujos da indústria da saúde mental estão a ser expostos e o disparate pseudocientífico dos que governam o império está a tornar-se visível. Sem testes, sem marcadores biológicos, com resultados horríveis, com drogas que causam a morte precoce, com mais pessoas ficando incapacitadas após acessarem tratamentos de saúde mental, com uma cultura confusa quanto ao que é um transtorno mental e o que é a saúde mental. Tais evidências não podem dar sustentação às suas instituições para sempre, se não forem reconstruídas. E não serão.

Os fundamentos das nossas ideologias estão construídos sobre a ideia de que existe algo como um “diagnóstico psiquiátrico”. Para além das demências (onde também existem questões problemáticas, mas não as irei abordar neste livro), tecnicamente não existe tal coisa como um diagnóstico psiquiátrico. Ele existe no nosso discurso diário como um fato de cultura, moldando a forma como imaginamos o que é o funcionamento e a experiência “normal”, “vulgar” ou “compreensível”. Não existe da mesma forma que, digamos, uma perna partida ou uma pneumonia que existem como fatos da natureza.

Na medida em que você lê, você irá entender por que estou afirmando isso como um fato, em vez de uma opinião. Esse erro básico terrível tem tido consequências enormes, determinando nossas noções dicotomizadas de saudável e doentio, normal e anormal, esperado e desordenado.

Não há mais discussão ou debate a ser tido. Qualquer que seja a métrica que se utilize, pode-se ver que a ideologia fracassou. Mais do que fracassada – torna as coisas ainda piores. É tempo de seguir em frente e começar a imaginar o paradigma da saúde mental pós-médico/técnico.

Temos rótulos, não diagnósticos

Os diagnósticos psiquiátricos não são diagnósticos; são rótulos. Funcionam como rótulos de produtos como qualquer outro produto nos nossos mercados de exploração de consumidores com fins lucrativos. Apelam aos clientes com a promessa de que se comprar (literal e metaforicamente) e se identificar com esta ou aquela marca, os seus problemas de vida farão sentido e serão melhorados de alguma forma.

Como a maioria dos consumíveis de mercado, são objetos de fantasia e desejo; eles devem ter um prazo de validade limitado. Para que os mercados continuem a crescer é necessário convencer os seus clientes de que precisam dos seus produtos, e que irão continuar a precisar deles, esperançosamente com as atualizações regulares, para se manterem felizes. Os mercados desenvolvem-se então em torno de rótulos psiquiátricos; alguns rótulos criam enormes mercados no valor de milhares de milhões, desde produtos farmacêuticos, a serviços de “especialistas”, a terapias particulares, a institutos de investigação, a cursos, a formações, a livros, a diferentes materiais de autoajuda, e muito mais. Faça com que a sua marca cubra uma área de interesse público comum e o dinheiro e o costume fluirão.

Nesta cultura McDonaldizada há alguma satisfação imediata, mas a maioria tem a suspeita correta de que a utilização destes produtos para satisfazer é problemática a longo prazo.

Alguns rótulos psiquiátricos são mais rentáveis e mais difíceis de serem popularizados (tais como transtornos de personalidade e esquizofrenia), mas onde o mercado pode atingir as classes profissionais em número suficiente para permitir que o rótulo crie raízes, então também pode, em certa medida, influenciar o discurso público. Contudo, os rótulos que visam o humor, o stress e as inseguranças sobre si próprias nos adultos têm um enorme potencial. Da mesma forma, os rótulos que visam o comportamento e o desenvolvimento das crianças também têm um enorme potencial (a menos que estejam associados à culpa dos prestadores de cuidados).

Assim, rótulos fortes como Transtorno Bipolar, Depressão, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e Autismo, demonstram a sua popularidade pela sua rápida expansão na ausência de QUALQUER descoberta cientificamente tangível.

São as lacunas sociais e culturais de significado, a negação da ubiquidade da luta humana, a fantasia de Hollywood “se pode ter tudo aquilo com que se sonha”, numa economia orientada para o desempenho e, portanto, em um sistema de valores, que insuflam vida e dão vigor a estas ideologias de saúde mental, de resto fracassadas. Elas aproveitam as nossas experiências humanas universais de angústia e sofrimento, desde o mundano ao catastrófico, e sobrecarregam-nas com o nosso desejo de prazer e a ausência do sofrimento.

Sim, não é preciso sofrer nunca. O mundo das nossas emoções, intenções, pensamentos e crenças são apenas neurotransmissores que podem ser alterados, emoções desreguladas que podem ser reguladas, pensamentos disfuncionais que podem ser corrigidos. Os comportamentos são as manifestações destes processos internos e por isso são passíveis de manipulação por parte de especialistas. O sofrimento mental e os “desvios” comportamentais podem ser curados e eliminados. Os múltiplos significados que podem ser ligados a experiências humanas mais intensas e perturbadoras podem ser reduzidos a categorias simples para as quais existem remédios “especiais” contra o óleo de cobra. Como é que isso não poderia atrair?

Embora eu tenha reduzido a uma caricatura o discurso e a prática moderna da saúde mental, é isto que tem sido, na verdade, o que tem estado no processo de tentar ganhar forma no século passado; um sistema técnico, científico, de categorização, baseado em causas (isto é, diagnóstico) que fornece uma explicação para o sofrimento mental ou comportamento aberrante da pessoa e, portanto, uma base racional para um tratamento que tem uma especificidade que remedeia a anomalia particular que se descobriu através da aplicação do tratamento correto para um diagnóstico.

Não há dúvida que muitas das pessoas que trabalham nos serviços e que contribuíram ao longo dos anos para desenvolver os conceitos, a investigação, e as práticas que gerou, têm um desejo genuíno, profundo e sincero de melhorar a vida das pessoas. Mas como diz o famoso ditado, “O caminho para o inferno está pavimentado com boas intenções“.

Os “líderes de opinião” cujo trabalho de vida foi tentar realizar isto não podem enfrentar a realidade do monstro que ajudaram a criar. O seu Frankenstein, nascido de um desejo de ajudar, mas que agora semeia a destruição por todo o mundo onde quer ele apareça (e é um “ele” mesmo enquanto sujeito ativo) é difícil de encarar. Por isso, não o fazemos. Já não é desculpável evitar olhar para o caos que isto causou, mas pior ainda é continuar a defender uma tal força destrutiva, argumentando que ela deveria ser ainda mais expandida.

Quando se trata de imaginar como é uma vida boa, só temos ideologia. Embora as ideologias nos possam libertar, também nos podem escravizar. Neste livro, explicarei como as nossas atuais ideologias dominantes em matéria de saúde mental nos escravizaram nos sistemas em que trabalhamos, desde os profissionais que prestam os serviços até aos pacientes que se encontram no extremo receptor. Isto não é porque as pessoas que trabalham com os pacientes tinham ou têm más intenções ou desejam fazer outra coisa que não seja ajudar, mas porque os pressupostos ideológicos que organizam as nossas respostas aos dilemas, lutas e confusões das pessoas, longe de permitir o florescimento da diversidade humana, hipnotizam os indivíduos para verem a sua vida mental através de um prisma de suspeita, desconfiança e alienação.

Alheios às evidências

Há dois títulos principais que ilustram o meu argumento de que os nossos sistemas atuais falharam e falharam de forma espetacular. O primeiro é a falta de progresso na ciência/conhecimento e o segundo é a falta de progresso nos resultados da prática clínica. Neste livro, exploro as evidências empíricas para mostrar como e por que falhamos, tanto na ciência como na prática clínica, para demonstrar que os sistemas atuais ou têm uma base científica sólida ou uma utilidade clínica eficaz.

Mostrarei, contrastando com outras áreas da medicina, como um sistema de diagnóstico, que por definição se destina a ser baseado em uma explicação da apresentação do paciente, falhou na psiquiatria. Embora subsistam controvérsias profundas e importantes em toda a medicina relacionadas com a nossa glorificação da técnica e o impulso para a medicalização através de disciplinas, a psiquiatria e a saúde mental têm um caso único a responder.

Outros ramos da medicina fizeram progressos, e continuam a fazer progressos, na compreensão dos mecanismos fisiológicos que contribuem para os sintomas do paciente, e por isso existe uma série de testes e procedimentos médicos que podem ser realizados para obter uma visão de como estes processos fisiológicos se estão a manifestar potencialmente em qualquer corpo.  Estes são instrumentos empíricos que fornecem algum tipo de medição ou insight sobre acontecimentos biológicos que são independentes da opinião subjetiva do médico.

É claro que tais investigações requerem interpretação e que o médico ponha em jogo o seu raciocínio subjetivo, mas os próprios testes proporcionam uma descoberta factual do mundo objetivo lá fora. Os médicos numa variedade de ramos da medicina podem encomendar raios-X, diferentes tipos de exames, fazer análises de sangue à procura de uma variedade de marcadores, examinar biópsias, cultura de expectoração, testar urina para várias substâncias, e assim por diante.

Isto não significa que o resto da medicina não esteja em si sem problemas profundos. Muitos diagnósticos utilizados na prática médica diária não são apoiados por provas empíricas; há muitos problemas em torno da gestão de condições crónicas, problemas de sobre e subtratamento para certas populações e subtratamento para outras, dilemas sobre fronteiras, conflitos de interesse que levaram a muitas intervenções duvidosas com fracas provas sobre resultados a longo prazo e segurança geral, juntamente com pouca formação para médicos sobre como retirar medicamentos ou racionalizá-los.

No entanto, existe pelo menos uma base de diagnóstico no resto da medicina que permite compreender as causas proximais, estudar uma doença, e avaliar a especificidade de tratamentos particulares.

A ciência psiquiátrica tem esperado, e gastou a maior parte dos seus fundos de investigação na ideia, que o que estamos a classificar como diagnósticos psiquiátricos são os produtos de funcionamento anormal do cérebro. Isto tem se assentado predominantemente em dois tipos de investigação que tentam estabelecer um quadro causal semelhante ao resto da medicina, apontando para processos corporais. O primeiro tipo de investigação é de genética e o segundo é de vários tipos de estudos de imagem cerebral.

Tais esforços criam uma imagem da ciência e ajudam a popularizar a crença de que o que fazemos na prática do diagnóstico psiquiátrico tem uma base sólida na ciência. O absoluto e total fracasso destas linhas de investigação em produzir qualquer coisa útil para a ciência da psiquiatria será ainda discutido com exemplos neste livro.

Os sinais de tal fracasso são a ausência de descobertas genéticas moleculares concretas que possam explicar fatores hereditários para qualquer condição psiquiátrica (apesar de amostras de dezenas de milhares de pacientes) e que não dispomos de tecnologia de varredura [scanning] cerebral que identifique anomalias ou diferenças específicas associadas a qualquer condição psiquiátrica em particular (para além das demências, cuja evidência pode ser vista com certos tipos de tecnologia de imagem do cérebro).

De fato, é a única área da prática médica em que não temos nenhum teste fisiológico ou outro teste disponível, independentemente da opinião do médico. A prática da psiquiatria e da saúde mental é, portanto, inteiramente subjetiva. Baseia-se no juízo clínico e nada mais. Isto significa que, ao contrário do resto da medicina, não só existem debates sobre os limites de uma condição, mas que, além disso, na psiquiatria, os parâmetros para definir uma condição também requerem uma interpretação subjetiva.

Os fenómenos psiquiátricos não podem ser medidos por meio de provas verificáveis que sejam independentes da interpretação dos profissionais. Os rins não têm ambições, sonhos, dúvidas, e crenças em torno da natureza do sofrimento. Mas não se pode escapar a estas realidades subjetivas na tentativa de delinear se existe ou não uma condição psiquiátrica. Não há nenhuma parte da prática psiquiátrica que utilize testes para fornecer provas empíricas sobre uma quantidade que seja independente da opinião do praticante.

Os fenómenos que utilizamos para classificar os sintomas em psiquiatria são tão subjetivos como os limites que fazemos para eles. Humor, comportamento impulsivo, timidez, comportamento obsessivo; podem estes ser sintomas “médicos”? Pode o humor baixo persistente ser uma parte normal da experiência humana? De fato, para muitas culturas, o crescimento pessoal e a perspicácia não podem acontecer sem sofrimento. Poderá, portanto, o baixo humor, em alguns contextos, ser visto como desejável, em vez de patológico a qualquer nível de severidade?

A prática da saúde mental só pode ser construída socialmente. O pressuposto de que os fenómenos que o praticante encontra são o resultado de uma disfunção cerebral é tão científico como os médicos gregos que assumiram que os fenómenos que enfrentavam se deviam a desequilíbrios dos quatro humores corporais – sangue, bílis amarela, bílis negra, e catarro.

Há um problema mais profundo

Os resultados, a nível populacional, do tratamento nos serviços de saúde mental nas sociedades ocidentais são perturbadores. Para onde quer que olhemos, há um quadro angustiante de piores resultados que parecem estar associados a serviços de saúde mental mais desenvolvidos e/ou a sistemas de economia de mercado mais desenvolvidos.

Vou delinear, a partir de várias fontes, como têm vindo a aumentar os números para aqueles que são considerados deficientes devido a um problema de saúde mental. Também analisarei os números que temos para o que acontece nos serviços de saúde mental na vida real em termos de resultados, e algumas das provas que temos para as classes de medicamentos que utilizamos. Ao contrário de outros ramos da medicina, onde a investigação e o conhecimento crescente conduzem frequentemente a melhores resultados para os pacientes, a investigação de resultados em saúde mental não tem mostrado tal melhoria. Na verdade, algumas investigações sugerem que os resultados foram de fato melhores após o tratamento no passado do que são hoje. Tal como o fracasso de qualquer avanço científico, a dependência de um paradigma médico/técnico para moldar os serviços de saúde mental também tem sido um profundo fracasso.

O meu conhecimento da literatura científica e clínica de resultados, juntamente com a minha experiência, ao longo de muitos anos, como consultor de crianças e adolescentes psiquiatras, despertou a minha consciência para um problema mais profundo. A nossa linguagem tem-nos aprisionado num medo e alienação da riqueza e intensidade das nossas vidas emocionais. A nossa forma de falar da saúde mental como se fosse uma “coisa” que sabemos, ou pelo menos que os médicos sabem, encoraja as pessoas a acreditar que as nossas experiências emocionais, especialmente quando se tornam intensas, são sinais de uma anormalidade, de algo que corre mal, de sintomas, de fraqueza, de algum tipo de desregulamentação, disfunção e desordem.

Chegamos a acreditar que tais experiências são perigosas e desprovidas de significado, que devem ser eliminadas, expulsas, ignoradas, distraídas, encaradas até ao limite, mas particularmente que são algo que precisa de ser “tratado”; que estão para além do normal. Estamos tão longe da cotidianidade do sofrimento, da infelicidade e da luta que criámos uma cultura de moralidade divertida onde há um problema se não nos estamos a divertir, se não somos felizes numa espécie de versão superficial da felicidade de Hollywood.

E pensamos que todos os outros menos nós o são. Que só nós estamos a sofrer desta forma horrível que não pode ser admitida. Mesmo a instrução cultural para se falar sobre os seus sentimentos tem uma superficialidade mecanicista – fale sobre eles, mas não os mostre.

A rotulagem das nossas experiências com rótulos de pseudo-diagnósticos enraíza este medo e a alienação das nossas experiências emocionais. Extrai a possibilidade de significado e cria uma relação antagônica em relação a aspectos do eu. As nossas campanhas de educação para a saúde mental têm agravado esta situação.

Longe de normalizar a diversidade das nossas experiências emocionais e ajudar a criar uma consciência da variedade de reações a todas as coisas que acontecem na nossa vida sendo comuns e/ou compreensíveis, mesmo nesses estados mais extremos, fizemos com que mais pessoas suspeitassem que as suas experiências são um sinal de que há algo de profundamente errado com elas. Que precisam de profissionais de saúde para compreenderem o que está errado e para fornecerem a intervenção certa. Será que os médicos modernos são melhores curandeiros do que os sacerdotes?

Os conceitos que utilizamos minaram a nossa resiliência natural, sensibilizaram-nos para uma ideia da nossa vulnerabilidade, e encorajaram-nos a transferir a nossa capacidade para agir aos profissionais que utilizam um sistema como se este tivesse validade científica e fosse clinicamente útil. Parece-me indiscutível que criámos todo um sistema e uma linguagem que é proficiente na criação de pacientes a mais longo prazo, em vez de ajudar as pessoas a fazer sentido criativo da angústia. Esta é uma catástrofe que deve ser combatida e invertida.

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A comunidade Mad recebe blogs de um grupo diversificado de escritores. Estes posts são concebidos para servir de fórum público para uma discussão-psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são as próprias dos escritores.

[trad. Fernando Freitas]

As transformações da infância: o lugar social da criança e a medicalização

No mês em que se comemora o dia das crianças cabe retomarmos brevemente as transformações ocorridas no lugar social da infância, que vem desembocando na mistura entre o cuidado, a medicalização, a otimização de habilidades valorizadas pelo nosso código cultural e a patologização de comportamentos infantis.

As formas de constituição  familiar  nas  últimas  décadas  têm  nos  surpreendido tanto pela polivalência de expressões como pelo aumento da complexidade das relações. Embora as metamorfoses da família venham ocorrendo com certa rapidez, elas são fruto de signos culturais engendrados ao longo da história. Os deslocamentos de lugares e funções de cada membro da família, assim como para a determinação de um espaço privilegiado no que diz respeito à criança têm implicações afetivas que se desenrolam entre os indivíduos do grupos.

A infância se tornou um tempo particular da constituição para o qual é necessário preparo, com o intuito de produzir indivíduos capazes para o trabalho e adultos saudáveis. O discurso sobre a infância tem sido orientado à prevenção, ao aprimoramento, à saúde mental plena e às políticas educativas que legitimam a intervenção médica na esfera privada, especialmente em se tratando das relações familiares e da criação das crianças.  A maternidade científica vem sendo confundida com os cuidados dispensados aos filhos. Os critérios científicos (como marcadores biológicos e a observação de sinais e sintomas) são utilizados como norte para a detecção das diversas etapas do  desenvolvimento fisiológico e psicológico “normal” dos indivíduos, com vistas a descobrir uma possível inadaptação infantil ao ambiente escolar, familiar e social. A partir de critérios tecnicistas são decretados os estados de normal e patológico.

Para além do discurso e desejo parentais com os quais as crianças devem se confrontar para, enfim, ascender ao seu lugar de sujeito, o período cronológico da infância se transformou em um período particular da constituição humana, assolado por inúmeras expectativas e demandas. Todavia, autores como Ariès (2003) e Donzelot (1986) salientam que historicamente a infância nem sempre ocupou este lugar social. Ariès (2003)  pontua que aquilo que se compreende por infância e adolescência foram invenções marcantes do Ocidente ocorridas na passagem do século XVIII para o século XIX, posto que a produção da qualidade de vida da população dependeria do investimento massivo nestas etapas do desenvolvimento, sobretudo nos registros da saúde e da educação. Para tanto, seria indispensável preparo técnico e prevenção com vistas a forjar indivíduos produtivos, capazes para o trabalho e saudáveis.

Ariès (1978) afirma que o sentimento de infância praticamente só ocorreu  a partir da Renascença. Até o século XVII, a  criança ocupava  um papel periférico na família, não havia lugar para a infância no mundo ocidental, no sentido de uma particularidade infantil diferenciada do mundo do adulto. Os pintores ocidentais retratavam as crianças como pequenos adultos, assim, a criança não era ontologicamente diferente do adulto. O sentimento de infância só surgiu no final do século XVII, quando a criança começou a ser vista como centro do grupo familiar. Para  Casey  (1992),  a  criança  na  Idade  Média  mantinha  um relacionamento especial com a comunidade e não com os pais. As pessoas assumiam posições de poder em idade prematura, tornando-se adultas muito cedo.
Tal atitude de indiferença em relação à infância é justificada como consequência direta da demografia da época, a infância era vista como uma fase sem importância já que se faziam muitas crianças para se conservar apenas algumas. Ou seja, a criança mantinha-se em um lugar anônimo e  intercambiável.

Conforme Donzelot (1986), a partir de meados do século XVIII, floresceu uma abundante literatura sobre a conservação das crianças.

Badinter (1985) e Ariès (1978) observam que a atitude de indiferença em relação à infância só se modificou a partir de um discurso econômico e pedagógico do final do século XVIII. Tal discurso apontou para a importância da população para um país. Ao se preocuparem com a produção,  os  economistas  atribuíram  à  criança  um  valor  mercantil, ela  passou a  ser potencialmente uma riqueza econômica.

O  advento  da  modernidade  e  o  aparecimento  da  criança  na  estrutura  familiar  coincidem com uma preocupação moral e educacional visando o seu desenvolvimento em nome do ideal de um adulto moldado de acordo com as normas sociais. Na  modernidade,  a  família  se  reduziu  em  relação  ao  número  de  seus  membros  e  se  condensou  em torno dos pais e dos filhos, ou seja, a família fechou-se em seu núcleo. A mulher ganhou poderes em função da valorização da maternidade e dos denominados “instintos maternos”. Cabia à mulher ser o agente de investimento na prole e fazer a mediação entre a criança, a escola e os cuidados médicos. A partir do século XVIII e com a organização da família baseada em laços mais estreitos se iniciou o combate à tradição patriarcal.

De  acordo  com Foucault  (1988),  nesse  momento  histórico,  uma  população  qualificada passou  a  ser  considerada  a  riqueza  de  uma  nação.  Nesse  sentido,  boas  condições  de  saúde  e educação seriam critérios fundamentais para forjar uma população qualificada. Por esse motivo, a criança se tornou objeto de grande investimento, tendo em vista que ela condensaria a concepção de que a criança é o futuro da nação. A figura da mãe, sendo complementar a essa perspectiva, seria aquela que cuidará das crianças e, por isso, passou a ser valorizada.  No  final do  século  XIX,  o  homem  viu-se reduzido  a  provedor  econômico  da  família, deixando para a mulher o papel de educar, amar e cuidar dos filhos. Assim, a cada carência paterna o Estado se propunha a substituir o faltoso criando novas instituições. Pode-se notar uma mudança do patriarcado familiar para o patriarcado estatal.

Todos colocavam em questão os costumes educativos do seu século, se preocupavam com a administração do abandono de menores e os altos índices de mortalidade infantil. Valendo-se destes índices de mortalidade infantil e das precárias condições de saúde dos adultos, a higiene conseguiu impor às famílias uma educação física, moral, intelectual e sexual, inspirada nos preceitos sanitários da época. Esta educação, dirigida sobretudo às crianças, deveria revolucionar os costumes familiares. Por seu intermédio, os indivíduos aprenderiam a cultivar o gosto pela saúde.

Em consequência disso, o Estado aceitou “medicalizar” suas ações políticas reconhecendo o valor político das ações médicas. A noção chave que selou este acordo foi a salubridade. Entre os trunfos da superioridade médica, um dos mais importantes consiste na técnica de higienização das populações, que suscitou o interesse do indivíduo por sua própria saúde. A saúde da população passou a se inscrever nas políticas de Estado e se configurar como uma forma de controle social (Costa, 1999). Assim, foi através da medicalização de suas ações que o Estado passou a intervir na esfera privada com vistas a regular os corpos dos indivíduos.

Desde a década de 1840 até o final do século XIX, as leis que editam normas protetoras da infância se multiplicaram. Para compreendermos o alcance estratégico desse movimento de normalização da relação adulto-criança é preciso observar que o que essas medidas visavam era de natureza indissociavelmente sanitária e política, procurando corrigir a situação de abandono das crianças das classes trabalhadoras como também reduzir a capacidade sócio-política dessas camadas, a transmissão autárquica dos saberes práticos, a liberdade do movimento e de agitação que resulta do afrouxamento das antigas coerções comunitárias. Diante desse panorama, nota-se que a luta filantrópica contra o abandono e a exploração de crianças era também uma luta contra os enclaves populares que permitiram a autonomia dos laços entre as gerações.

Na família contemporânea, a crescente  democratização  da  esfera  privada  está  atualmente  na  ordem  do  dia.  A  democracia significa que  a oportunidade  para  que  a  força do  melhor  argumento  seja  preponderante,  em contraposição  a  outros  modos  de  se  tomar  decisão (Giddens, 1993).  Na  contemporaneidade,  tem  ocorrido  a democratização da vida pessoal e familiar, incluindo a relação pais-filhos.

As pesquisas voltadas para novas configurações familiares ressaltam as mudanças no funcionamento da família, destacando a convivência concomitante de lógicas tradicionais e modernas, que aumentam o grau de complexidade das  relações  familiares.  A  renegociação  de  posições  e  papéis  na  família  sofre influência  de  modelos  igualitários,  transformando  a  estrutura  familiar  em  uma  espécie  de  rede fraterna,  na  qual  a  hierarquização  e  a  autoridade  tendem  a  ser  constantemente  questionadas.  A  parentalidade  passa  a  ser  definida  não  somente  pela  biologia,  mas  por  fatores  sócio-afetivos e civis, sendo determinada cada vez mais pelo social que age por meio de especialistas. O social  passa a modelar  a  relação  entre  pais  e  filhos  intermediado  pela  ação  dos  profissionais  de  saúde, educadores e representantes da lei, figuras do terceiro social.

Um exame  aprofundado  do lugar social da  infância na  contemporânea  não  pode  desconsiderar fatores importantes como a terceirização dos cuidados com as crianças, a medicalização e a patologização da infância, a epidemia de diagnósticos que recaem sobre as crianças, a complexidade dos sintomas infantis, o bullying, TDAH e as patologias compulsivas infantis. É fundamental ter em mente que as fronteiras entre o normal e o patológico são porosas, não são estáticas, sobretudo em se tratando de saúde mental.

Diante disso, não se pode perder de vista que as crianças vêm sendo convocadas a se enquadrarem em padrões e exigências sociais rígidas que demandam agendas cheias, o desempenho de múltiplas tarefas e habilidades específicas em períodos cada vez mais precoces da sua existência. O desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais, assim como o tempo necessário a constituição psíquica, têm sido solapados por uma exigência de aquisição de competências que se ancora e se fixa no discurso da medicalização da infância.

Referências

ARIÈS, P. (1978). A história social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC.

BADINTER,  F.  (1985). Um  amor  conquistado:  o  mito  do  amor  materno. Rio  de  Janeiro: Nova Fronteira.

DONZELOT, J. (1986). A política das famílias. Rio de Janeiro: Graal.

FOUCAULT, M. (1988). Madness and civilization: A history of insanity in the age of reason.  Vintage.

GIDDENS, Anthony. (1993). A transformação da intimidade. São Paulo: Editora Unesp.

MEDICALIZAÇÃO AO VIVO E A CORES: SAÚDE MENTAL NOS REALITY SHOWS BBB E A FAZENDA

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Espaços vigiados, pessoas confinadas, um prêmio e muita polêmica são os principais ingredientes de um reality show. O primeiro programa do gênero a ser transmitido no Brasil foi o No limite, que foi ao ar na Rede Globo de Televisão em julho de 2000. O formato ganhou as graças do público e vinte anos depois são inúmeros os programas ou quadros nesse formato que foram ao ar no país, alguns originais e muitos como versões de programas estrangeiros. Em 2020, o ano em que o confinamento chegou para todos, os reality shows ganharam ainda mais audiência

Em sua 20ª edição, o Big Brother Brasil 20 teve início em 21 de janeiro e ficou no ar 27 de abril de 2020, tendo começado antes da quarentena e terminado na primeira fase do isolamento mais rígido. O BBB20 chamou a atenção do público com um elenco de famosos e anônimos, e conforme a pandemia chegou ao brasil e cresceu o isolamento social, virou um sucesso. Para muitos torcer pelos ‘Brothers e Sisters’ se tornou uma válvula de escape para a impossibilidade de interação social física gerada pela pandemia.

O BBB20 bateu recordes de audiência. Como é de praxe, foram muitas as polêmicas, mas uma delas chamou a atenção do público e dos profissionais de saúde mental: o descontrole emocional da cantora Gabriela Martins.  Ela se envolveu em um romance conturbado com o modelo Guilherme Napolitano. A dependência emocional do parceiro e o choro excessivo viraram tema de debate depois que ela mesma revelou aos colegas de programa que estava tomando medicação psiquiátrica e teve que parar o tratamento para entrar na casa do BBB.

O debate sobre saúde mental de participantes de reality shows televisivos voltou à tona em setembro, após as constantes explosões da modelo Raíssa Barbosa no confinamento da 12ª edição do reality show A Fazenda, programa produzido e transmitido pela Rede Record de Televisão desde 2009. Logo na primeira semana a situação emocional de Raíssa chamou atenção por causa uma crise de choro muito intensa na qual ela teve que ser tranquilizada por outras participantes. Após esse episódio a situação se agravou com vários rompantes de agressividade, no mais sério deles ela chutou, deu murros e quebrou objetos.

Após o episódio agressivo do dia 16 de outubro, o debate atingiu o ápice nas redes sociais e na mídia, chegando aos assuntos mais comentados do twitter.  Milhares de pessoas passaram a questionar a presença dela no programa e exigir da emissora uma resposta à situação. Com a polêmica a todo vapor, seu empresário, Cacau Oliver, afirmou Raíssa possui o diagnóstico de Borderline e isso foi informado para a produção do programa antes de sua entrada, mas que não sabe se ela interrompeu a medicação.

Até o momento, em ambos os casos de 2020, nada foi dito pelas emissoras acerca da entrada de participantes em sofrimento mental e da continuidade ou não do tratamento psiquiátrico. No caso de Gabi a Globo se pronunciou dizendo que ela tinha acesso a suporte médico e psicológico dentro do programa.

O caso de Gabi abriu as portas para um debate que posteriormente cresceu com a participação de Raíssa no A Fazenda, porém esse assunto não é novo. A modelo Fani Pacheco, que participou das 7ª e 12ª edições do BBB, afirmou em entrevistas que em sua segunda participação no programa, em 2012, ela sofria de depressão e foi impedida pela produção de entrar na casa com os medicamentos que tomava, tendo que interromper o tratamento medicamentoso.  Em 2016, em entrevista a Luciana Gimenez no programa Superpop, Fani afirmou que em caso de doenças crônicas a participação sem a medicação é desumana.

Constantemente é apontado pelo público e pela mídia que é difícil diferenciar o que é sofrimento e o que é atuação por parte dos participantes de reality shows, já que a construção de personagens se tornou mais comum conforme esse formato de programa ganhou audiência. Contudo, é importante pontuar uma questão: não importa o formato do programa, na mídia de forma geral um certo nível o descontrole emocional vende e é até esperado.

O Tipo Certo de Loucura

No capítulo “o tipo certo de loucura” do livro “O teste do psicopata”, o jornalista Jon Ronson entrevista a Inglesa Charlotte Scott, uma ex produtora de televisão que era responsável por agendar convidados para um programa “em que pessoas de uma mesma família envolvidas em dramas e tragédias gritam umas com as outras diante de uma plateia em um estúdio”, como o próprio autor define, algo não muito diferente de alguns programas de auditório que temos no Brasil. O trabalho de Charlotte era semelhante ao de inúmeros profissionais de comunicação e do entretenimento pelo mundo, porém um detalhe a diferencia: ela admite que utilizava medicamentos psiquiátricos como critério para seleção dos convidados. Em um determinado ponto ela explica o seu método:

“Eu perguntava a eles que remédios tomavam. Eles me davam uma lista. Então eu acessava um site de medicina para ver para que [os remédios] serviam. E avaliava se eles eram loucos demais para participar do programa ou apenas loucos o bastante.”

Ela ainda complementa que “loucos o bastante” eram pessoas com esquizofrenia ou que mostrassem algum risco de surto psicótico no palco e “loucos o suficiente” eram pessoas que tomavam Prozac, o que garantiria um show televisivo, sem grandes riscos de suicídio. O capítulo é completamente chocante e ao ler essa entrevista é fácil pensar que Charlotte foi longe demais e que é uma exceção; porém, trazendo para a realidade da mídia de massa brasileira podemos perceber que não estamos tão distantes assim, inclusive falando dos mesmos programas.

A produtora cita uma série de programas ingleses para os quais ela e seus colegas sabiam que tipo de sofrimento mental seria o ideal, entre eles o Big Brother e o Troca de esposas, dois programas que possuem uma versão brasileira. Ela aponta que o segundo programa é “particularmente perverso” por envolver relações familiares. Produzido no Brasil pela Rede Record de Televisão, o Troca de esposas está no ar desde 2019 e se assemelha com outro sucesso da emissora, o Troca de famílias, que ficou no ar de 2006 a 2011, voltado ao ar entre 2015 e 2016. Ambos promovem a troca de lares entre as mães de duas famílias. Em meio à adaptação das mulheres são debatidas questões familiares dos participantes.

Foi na segunda fase do Troca de Famílias, em 2015, que ocorreu um episódio que ilustra essa fala de Charlotte: a gravação de uma edição do programa foi interrompida após uma das mães ter um surto psicótico e ser internada. Ainda sim o episódio foi ao ar. No site da Record uma matéria da época a caracteriza como “uma mulher bagunceira, que adora beber, fumar e curtir a vida de todas as formas”.

Nos casos aqui citados temos ainda outro ponto em comum: todas são mulheres. Cabe questionar o quanto a questão de gênero e os estereótipos femininos influenciam no que se espera da participação das mulheres nesses programas e na forma como as respostas emocionais ao confinamento são patologizadas ou colocadas na conta da histeria feminina.

Além da questão de gênero, o debate sobre a saúde mental de participantes de reality shows é interessante para pensar uma outra faceta da medicalização em saúde mental: o interesse das pessoas na performance midiática do adoecimento mental e como isso pode ser convertido em dinheiro. No caso do BBB e do A Fazenda a falta de acompanhamento psicológico, a interrupção da medicação e o confinamento longo, que é uma situação atípica mesmo para uma pessoa que não é acometida de sofrimento mental, são uma bomba relógio. Mas não é exatamente isso que se espera das pessoas nos reality shows? No BBB foi inclusive cunhada a expressão “planta” para designar aqueles que se mantém alheios às polêmicas da casa e criada (e repetida) a prova do quarto branco, que em 2009 foi investigada pelo Ministério Público por suspeita de tortura psicológica com os participantes. A verdade é que, por mais absurdo que seja, precisamos assumir que, de forma intencional ou não, na mídia o sofrimento mental na medida “certa” é moeda corrente.

RONSON, Jon. O teste do psicopata. tradução Bruno Casotti. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Best Seller, 2013.

Resultados de quebra do duplo cego de testes de antidepressivos são reveladores

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Os estudos que comparam a eficácia de diferentes antidepressivos não são fiáveis, de acordo com as novas investigações da BMC Psiquiatria. Efeitos de quebra do cego – quando os investigadores e participantes podem dizer quem está a tomar o medicamento ativo e não o placebo – podem influenciar os resultados.

Os efeitos secundários imediatos óbvios dos medicamentos antidepressivos mais antigos (por exemplo, amitriptilina e trazodona), tais como sonolência, tonturas, e boca seca, tornaram óbvio quais os participantes num ensaio de drogas é que estavam tomando a droga, e quais os que estavam a tomar o placebo inerte. Porque a “depressão” é uma experiência fenomenológica subjetiva, é muito suscetível a vieses. Os clínicos que sabem que o paciente está a tomar o placebo podem interpretar afirmações ambíguas como indicando uma falta de melhoria,

Segundo os investigadores, isto explica por que é que os antidepressivos mais antigos pareciam inicialmente altamente eficazes em ensaios clínicos.

“É assim plausível que os Ensaios Clínicos Randomizados parecessem altamente eficazes, porque os indicadores dos resultados eram capazes de quebrar a cegueira e assim adivinhar acertadamente quem estava em tratamento ativo e quem estava em placebo inerte”.

Essencialmente, quando o cego para um estudo é quebrado, o placebo parece muito menos eficaz.

Pharmaceutical company promotional item for Etrafon 2-10 (perphenazine 2 mg & amitriptyline hydrochloride 10 mg). Photo from the PharmaBait archive and PharmedOut

Lisa Holper conduziu o estudo na Universidade de Zurique e Michael P. Hengartner na Universidade de Zurique de Ciências Aplicadas. Holper e Hengartner utilizaram uma meta-análise da rede Bayesiana para comparar o efeito placebo em estudos de antigos antidepressivos tricíclicos (amitriptilina e trazodona) versus o efeito placebo em estudos de ISRSIs, ISRNs, e outros novos tipos de antidepressivos.

Os efeitos adversos dos antidepressivos mais recentes são mais subjetivos e não aparecem necessariamente de imediato, o que torna mais difícil quebrar o cego de um estudo. Segundo os investigadores, isto deveria significar que o placebo é muito mais eficaz em estudos mais recentes – e foi precisamente isso que encontraram.

“A presente NMA exploratória indica que os efeitos secundários distinguíveis das drogas mais antigas podem ser mais facilmente perceptíveis, resultando assim numa superestimação da diferença média entre a droga e o placebo”, escrevem eles.

“Se confirmado em estudos prospectivos, estes resultados sugerem que a classificação da eficácia dos antidepressivos é susceptível de enviesamento e deve ser considerada não fiável ou enganosa”.

Este resultado é consistente com investigações anteriores. Uma meta-análise revelou que a resposta do placebo foi duas vezes mais elevada em 2005 do que em 1980.

Curiosamente, as classificações dos pacientes da sua própria experiência não demonstraram este aumento – foram apenas as classificações do clínico que foram enviesadas por estudos não cegos.

Do mesmo modo, uma revisão da Cochrane concluiu que quando se utilizavam placebos ativos (placebos com efeitos secundários), a eficácia comparativa dos antidepressivos diminuía consideravelmente.

Outra revisão concluiu que os ensaios devidamente cegos mostraram que os antidepressivos eram apenas cerca de 25% tão eficazes como nos ensaios não cegos, por classificação clínica. Esse estudo também descobriu que os doentes não classificaram os antidepressivos melhor do que placebo.

Embora Holper e Hengartner tenham tentado descartar alterações na metodologia dos ensaios de investigação ao longo do tempo como explicação possível (contabilizando o ano de estudo), esta pode ainda ser outra explicação para a razão pela qual a resposta placebo foi tão baixa nos anos 70 e 80. Além disso, o seu estudo deve ser considerado exploratório e requer mais confirmação. Quando a sua metodologia estatística foi alterada, os seus resultados tornaram-se menos convincentes.

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Holper L & Hengartner, MP. (2020). Comparative efficacy of placebos in short-term antidepressant trials for major depression: A secondary meta-analysis of placebo-controlled trials. BMC Psychiatry, 20, 437. (Link)

Os maiores especialistas em psiquiatria reconhecem os danos duradouros da abstinência de antidepressivos

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Um artigo de opinião novo e inovador publicado no The BMJ Opinion (blog do British Medical Journal) exorta a comunidade médica a fornecer apoio e ajuda para aqueles que estão deixando de tomar antidepressivos.

Escrito por Wendy Burn, ex-presidente do Royal College of Psychiatrists (RCPsych), este artigo marca um passo em direção ao reconhecimento da comunidade médica dos danos potenciais dos antidepressivos. Burn também anuncia o lançamento de um novo RCPsych Patient Information Resource sobre como interromper o uso desses medicamentos.

Grupos de usuários de serviços e pacientes em todo o mundo lutam há décadas para que a comunidade psiquiátrica perceba que os antidepressivos podem ter efeitos de abstinência graves e de longo prazo. Até mesmo os especialistas notaram que a contribuição do usuário do serviço é essencial na criação de diretrizes para a suspensão dos antidepressivos.

No ano passado, seus esforços foram concretizados quando o Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidado (NICE) do Reino Unido mudou suas diretrizes para reconhecer que a abstinência de antidepressivos pode ser longa e severa. Esta atualização das diretrizes foi em resposta a um pedido de liberdade de informação, que contestou as evidências anteriores de que os sintomas de abstinência são de curta duração e leves.

Nos últimos dois anos, uma quantidade crescente de evidências surgiu em torno dos danos causados pelos antidepressivos e sua abstinência. Frequentemente, o que parece ser uma recidiva dos sintomas depressivos é, na verdade, uma consequência da interrupção do antidepressivo; isso pode, por sua vez, levar ao uso crônico de antidepressivos. Os efeitos potencialmente fatais da polifarmácia e do uso crônico de drogas psiquiátricas tornaram-se uma questão de preocupação para a comunidade médica global.

Burn começa o artigo de opinião compartilhando sua experiência após assinar uma carta ao The Times em 2018; a carta observou que os sintomas de abstinência do antidepressivo eram leves e de curta duração – a maior parte resolvida em duas semanas. Em sua própria experiência, os pacientes não relataram experiências adversas após a descontinuação do antidepressivo – algo que ela atribui à prática de aconselhar os pacientes a diminuí-lo lentamente.

Em seguida, ela fala sobre as consequências da carta, onde suas opiniões e afirmações foram contestadas por pacientes, grupos de usuários de serviços e outros psicólogos e psiquiatras. A mencionada liberdade de solicitação do consentimento informado e esclarecido, junto com reclamações formais e furor nas redes sociais, levou Burn a revisitar seu julgamento e suposições.

Burn decidiu aprender mais sobre isso conversando com usuários do serviço e grupos de sobreviventes que se autodenominavam a “comunidade do dano prescrito”; isso incluiu o Altostrata, que é um fórum que fornece suporte de pares para aqueles que estão diminuindo os antidepressivos. Ela também se reuniu com grupos como “Abandone o transtorno”, que contesta o uso prematuro de diagnósticos psiquiátricos.

“Embora os sintomas de abstinência que surgem após a interrupção dos antidepressivos sejam frequentemente leves e autolimitados, pode haver uma variação substancial na experiência das pessoas, com sintomas durando muito mais tempo e sendo mais graves para alguns pacientes. O monitoramento contínuo também é necessário para distinguir as características da retirada do antidepressivo dos sintomas emergentes, que podem indicar uma recaída da depressão.”

A mudança nas diretrizes do NICE foi uma consequência dessa mudança na posição do Royal College of Psychiatrists. A posição atual urge que o apoio seja fornecido para aqueles que estão saindo dos antidepressivos. Consequentemente, o College abriu um Recurso de Informação ao Paciente que fornecerá informações relevantes e ajudará os pacientes a suspender os antidepressivos com cuidado.

Burn observa que o recurso foi escrito por “um farmacêutico e um psiquiatra com suas próprias experiências pessoais, bem como profissionais, com sintomas de abstinência, juntamente com a contribuição de várias partes interessadas.” O recurso inclui informações gratuitas sobre planos de redução gradual, tipos de sintomas, informações sobre a diferença entre recaída e abstinência, etc.

Embora esta seja uma etapa inovadora e promissora, resta saber como ela repercutirá na comunidade psiquiátrica mais ampla. Apesar das observações de Burn sobre a redução lenta, uma revisão recente de documentos mostrou que mesmo com a redução lenta, o transtorno pós-abstinência com antidepressivos pode continuar até um ano após a interrupção.

Medicina insana: como a indústria de saúde mental cria armadilhas de tratamento prejudiciais e como você pode escapar delas

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Nota do Editor: Nos próximos meses, Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Sami Timimi, Insane Medicine (Medicina Insana). Neste blog, ele apresenta o livro. A cada quarta-feira, uma nova seção do livro será publicada, e todos os capítulos serão arquivados em uma pasta que em breve disponibilizaremos aqui no site.

Prefácio: Porque escrevi este livro e sobre o que ele é

No final de uma discussão após uma sessão de ensino, um colega meu de residência psiquiátrica fez comigo uma aposta de que dentro de 25 anos haveria um teste físico para a esquizofrenia. Na medida em que eu progredia no treinamento, as escamas foram caindo dos meus olhos. Eu estava ficando cada vez mais desconfiado das promessas de um futuro promissor para a tecnologia psiquiátrica.

Era o início dos anos 90, e a conversa da “década do cérebro” estava provocando uma grande excitação entre os nossos professores. O discurso académico febril que apontava para esta ou aquela região do cérebro ou este e aquele receptor neurotransmissor existia num mundo diferente ao das enfermarias psiquiátricas onde eu trabalhava. Os pacientes, demasiadas vezes, eram objeto de medo, aversão, ou simpatia paternalista. Os psiquiatras atuavam como farmacêuticos glorificados, geralmente adicionando medicamentos e diagnósticos aos prontuários de alguém, enquanto as enfermeiras e enfermeiros lutavam para lidar com a intensidade emocional destes ambientes profundamente em nada terapêuticos, tentando determinar quais os pacientes que tinham problemas de comportamento (e que, portanto, não passavam de “transtornos de personalidade”) a fim de fazer lobby para a sua alta e definir quais os que estavam “doentes” e que, portanto, mereciam simpatia e mais medicação.

Para sobreviver como psiquiatra, vários dos meus supervisores aconselharam-me que eu necessitava de aprender a lidar com as minhas emoções ao lidar com os pacientes. Sendo objetivo: eu deveria me tornar um profissional sem empatia. Nunca fui capaz de dominar essa habilidade.

Esses 25 anos vieram e se foram. Nenhum teste surgiu, para esquizofrenia e tampouco para qualquer outro diagnóstico psiquiátrico. Para escapar do mundo opressor de diagnósticos falsos e de sedativos para entorpecer os cérebros, tornei-me um psiquiatra infantil, para ver a psiquiatria infantil ser sugada pelo cientificismo da pseudociência e as crianças se tornarem as últimas vítimas dos sistemas de saúde mental cruéis, violentos e desumanizantes que nós criamos.

Escrevi este livro como um aviso a todos os que estão a considerar vir a envolver-se em serviços de saúde mental, os que já se engajaram em serviços de saúde mental, ou que continuam a se engajar em serviços de saúde mental, e àqueles que amam e cuidam dos serviços de saúde mental.

Cuidado: Os serviços de saúde mental podem ser maus para a sua saúde mental.

Espero que este livro o ajude a compreender o porquê, que ele lhe dê algum conhecimento sobre a ciência, história e cultura das tecnologias da saúde mental, e forneça alguns indicadores a ter em mente quando tentar dar sentido à sua própria trajetória. Este livro é também dirigido àqueles que trabalham nos serviços de saúde mental, políticos, meios de comunicação social e público em geral: Os problemas e tratamentos de saúde mental não são o que se possa pensar que são.

Espero que este livro o ajude a reimaginar esta área de prática, e que influencie, o mínimo que seja, qualquer coisa que você possa fazer para ajudar a mover a teoria e a prática para fora da idade das trevas em que a psiquiatria está presa.

O livro escava através do matagal podre que fica por baixo dos jardins de plástico artificialmente perfumados, o que chamamos jardins de saúde mental, que parecem e cheiram tão bem na superfície, mas que liberam um mau cheiro se metemos a cabeça demasiado fundo. À medida que as fundações se deterioram e desmoronam, a realidade do edifício monstruoso que produzimos revela-se a si própria. Espero que haja alguns suspiros e sacudidas de cabeça dos leitores ao serem expostos à horrível realidade que os principais serviços de saúde mental criaram.

Mas este livro é mais do que uma mera crítica; também aponta para os rebentos verdes de esperança que se juntam à nossa volta. Sim, precisamos de reformar drasticamente os pressupostos fundacionais que regem as ideologias que permeiam os nossos sistemas, mas muitos conhecem agora a verdade sobre o que está a acontecer, e as abordagens transformacionais têm vindo a germinar organicamente nos ricos solos da criatividade humana.

Este não é um livro que critique psiquiatras, psicólogos, ou terapeutas individuais. Tenho conhecido e trabalhado ao lado de muitos que não compartilham as minhas opiniões. Apesar disto, e com muito poucas exceções, encontrei pessoas que trabalham em serviços de saúde mental bondosas, atenciosas, e genuinamente motivadas para ajudar as pessoas.

Penso que o trabalho de saúde mental atrai pessoas com tendências altruísticas; afinal, não é glamoroso nem particularmente lucrativo (a menos que se decida ser um serviçal para a indústria farmacêutica). Como a maioria dos sistemas, quando a gente se torna uma peça das suas engrenagens, eles engolir-nos-ão e teremos de aderir à sua lógica. Ficar no exterior ou recusar-se a virar na mesma direção que as peças das engrenagens pode causar sofrimento pessoal, críticas, e mesmo arriscar a sua carreira e a sua subsistência.

No entanto, nos bastidores, as conversas que tenho com os colegas convencem-me que o que apresento neste livro não está muito longe da opinião majoritária da maioria dos que trabalham na saúde mental (talvez com exceção dos psiquiatras, que podem recear ter mais a perder por uma mudança que venha a diminuir o seu poder). A maioria também compreende que o nosso bem-estar mental é fortemente influenciado pelos sistemas políticos e econômicos que ditam as lógicas que estruturam as nossas vidas materiais. Quase universalmente (pelo menos onde trabalho no Reino Unido), a política que os trabalhadores da saúde mental apoiam é, tal como a minha, deixada fora do centro das políticas de redistribuição da riqueza.

Eu não me vejo como um antipsiquiatra, tampouco. Antipsiquiatria é um rótulo usado contra os críticos enquanto uma forma fácil de os silenciar e ignorar fatos incômodos.

Compreendo por que é que a psiquiatria recebe o peso das críticas dirigidas à indústria da saúde mental, dado o seu poder relativo em comparação com outras profissões. A psiquiatria tem uma história sombria que a envolveu com algumas das piores atrocidades dos direitos humanos, incluindo o conluio ativo com o movimento eugénico e depois com os nazis, onde foram os psiquiatras que primeiro construíram e operaram câmaras de gás para eliminar vidas que consideravam não valer a pena viver.

Como psiquiatras, temos o dever de não colocar esses episódios debaixo do tapete, mas de enfrentá-los, compreendê-los, e aprender com eles, para que nunca repitamos esses horrores. Embora desde então não se tenha afundado nesses terríveis níveis de desumanidade, a prática psiquiátrica continua a ser cúmplice do encarceramento das pessoas e do policiamento da população, o que impossibilita os esforços clínicos para se desembaraçar das abordagens dos regimes políticos comprometidos com a regulação e autoridade.

Contudo, a minha experiência pessoal dos psiquiatras que conheço é que há um punhado de psiquiatras de mente biologicamente obstinada; um grupo maior que é majoritariamente simpático (de pelo menos alguns dos pontos de vista expressos neste livro), mas que se sentem demasiadamente exauridos e sobrecarregados para saber o que devem fazer e como mudar alguma coisa; e um grupo pequeno, porém crescente, de psiquiatras “críticos” que, tal como eu, fazem perguntas mais incisivas sobre o sistema e permanecem esperançosos de que a mudança não é apenas desejável, mas também possível e inevitável.

Não sou antipsiquiatra; sou anti-psiquiatria-ruim e acredito que é minha responsabilidade chamá-la onde quer que a veja.

A história da psiquiatria não é apenas uma história de abusos e violações dos direitos humanos. Os médicos (os psiquiatras são formados primeiro como médicos antes de se especializarem em psiquiatria) têm frequentemente liderado o caminho na tentativa de lançar luz sobre as vidas dos alienados e marginalizados. A maioria das principais escolas de psicoterapia foram desenvolvidas com a influência, observações, e reflexões atenciosas dos médicos.

Embora nas últimas décadas o modelo biomédico comercializado e estreito tenha assumido um papel central, a profissão tem também uma longa história de colaboração com campos de estudo tão diversos como a filosofia, antropologia, sociologia, e estudos culturais, bem como as ciências naturais. O pensamento crítico da teoria e práticas aceites tem sido sempre uma parte vital e enérgica. De todos os campos da medicina, a psiquiatria, talvez juntamente com a saúde pública, tem o maior potencial para reunir as diversas influências que moldam o bem-estar nas nossas vidas.

Para mim, um sistema de saúde mental reformado terá no seu coração uma prática psiquiátrica reformada, não só porque isso melhorará os cuidados prestados às pessoas com problemas mentais, mas também porque melhorará os cuidados prestados em todos os serviços de saúde e de assistência social.

O filósofo da ciência americano Thomas Kuhn entendeu que a ciência e o conhecimento são construídos por humanos e, portanto, vulneráveis a serem moldados pelos apegos emocionais que aqueles que têm o poder de nos dizer a “verdade” científica têm com suas teorias favoritas. Ele observou que o arcabouço teórico existente (que frequentemente chamamos de “paradigma”) no qual um grupo de cientistas trabalha às vezes gera anomalias, resultados que não se enquadram no que o arcabouço espera. Eles geralmente são ignorados ou eliminados.

No entanto, chega-se a um ponto em que a acumulação destas anomalias coloca questões difíceis para o paradigma vigente. Começam a corroer a viabilidade e a capacidade explicativa desse quadro de referências. Isto acaba por resultar numa crise de confiança e, por fim, numa revolução, em que o paradigma não dominante é descartado por não ter sido capaz de apoiar as novas descobertas.

Mas para que uma revolução seja bem sucedida deve substituir, derrubar, ou reformar radicalmente as instituições existentes que apoiam e têm um interesse declarado em manter o paradigma falhado. Isto implica em um período de incerteza no qual não existe uma autoridade clara e em que grupos se dividem em vários campos, alguns defendendo as antigas instituições, outros defendendo novas instituições ou reformas significativas das antigas. É no momento em que tal polarização se dá que ou ocorre uma revolução ou a oposição é reprimida (pelo menos durante algum tempo), porque não existe uma linguagem comum através da qual um debate possa ter lugar.

Isto acontece porque os proponentes de diferentes paradigmas são incapazes de compreender os pontos de vista uns dos outros, uma vez que as mudanças de significado entre quadros teóricos antigos e novos são tão profundas que os conceitos empregados por um novo paradigma são simplesmente inexprimíveis nos termos utilizados por um pré-revolucionário.

Você acompanhou essa linha de pensamento? As observações de Kuhn sobre como as mudanças da verdade científica aceitada o levaram a estabelecer uma comparação com a forma como a mudança social ocorre. A ciência, ao que parece, não é imune às dinâmicas sociais que afligem qualquer grupo organizado de pessoas. A sua utilização da palavra “revolução” para descrever como um quadro teórico dominante é substituído por outro diz-lhe que tais mudanças não ocorrem devido ao que a ciência lhe está a dizer. Um processo mais humano está envolvido com poder, hierarquia e, no mundo de hoje, sob o império do dinheiro, todos desempenhando o seu papel. Os paradigmas falhados podem permanecer dominantes durante longos períodos antes que uma revolução seja eventualmente bem sucedida.

A tensão e o conflito que uma tal revolução produz é inevitável. Os sistemas de saúde mental estão agora a tremer com os murmúrios dos seus críticos. Serviços e indivíduos que rejeitaram o atual paradigma dominante já estão a operar em muitos lugares.  Segmentos de usuários dos serviços e sobreviventes do sistema organizaram-se e encontraram vozes que levantam objeções que não podem ser facilmente rejeitadas.

Estas bolsas de resistência irão, a uma dada altura, criar uma massa crítica inamovível. A mudança está a chegar. Está a ser formado um terremoto. Devemos estar prontos para abraçá-lo e ajudar a moldá-lo em direções humanas e esclarecidas, colocando os contextos e relações reais das pessoas (incluindo aquelas com os serviços) no centro do que fazemos. Podemos então ficar entusiasmados com a forma como a próxima geração de críticos verá os buracos e problemas nas novas formas de prática que criamos.

A maior parte da primeira metade deste livro explica porque o atual paradigma dominante que usamos na prática da saúde mental está quebrado, é empiricamente insustentável, e tão errado que ele é que se tornou perigoso para a nossa saúde mental. Explica porque é que, científica e eticamente, é um paradigma fracassado. No meio do livro, examino o papel da política e da cultura na formação das nossas ideias sobre problemas e tratamentos de saúde mental. Nos capítulos finais compartilho algumas ideias sobre o que pode ser útil para algumas pessoas e para os pais que procuram entendimentos que não provêm da utilização dos serviços dos modelos de diagnóstico dominantes.

O capítulo um introduz o leitor na paisagem do resto do livro, propondo que, longe de um quadro de progresso iluminado, a indústria da saúde mental e as campanhas de sensibilização nos colocaram em um caminho que conduz para uma profunda alienação das nossas vidas emocionais e para uma falta de curiosidade sobre o sofrimento.

O capítulo dois interroga sobre os pressupostos implícitos na forma como a saúde mental é apresentada ao público: desde campanhas de sensibilização para a saúde mental a avisos de pandemias de saúde mental, falta de serviços, e a importância de um tratamento precoce. Este capítulo escava a linguagem e ideologias escondidas na promoção da saúde mental ocidental, que pretende que os transtornos/doenças mentais são objetos concretos como outras “coisas” médicas, tais como uma perna partida ou diabetes. Eu explico por que é que, num sentido técnico, não existe tal coisa como um diagnóstico psiquiátrico.

Contrasto algumas posições filosóficas orientais e ocidentais sobre o eu e a infância, e exploro as consequências que decorrem das diferentes formas como construímos as nossas expectativas em relação a nós próprios e aos nossos filhos. Também apresento ao leitor a literatura empírica mostrando quão pouco progresso fizemos, científica ou clinicamente, na melhoria da nossa compreensão ou do tratamento daqueles que rotulamos como mentalmente disfuncionais.

O capítulo três é o primeiro de três capítulos com exemplos de casos, com cada um deles a seguir uma estrutura semelhante: a visão dominante, a história do desenvolvimento do conceito, uma discussão sobre os motores culturais e políticos do conceito, um exame das provas científicas, e uma conclusão sobre o que esta revisão nos diz sobre o conceito. O capítulo três explora assim os pressupostos, provas e consequências do conceito de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o capítulo quatro faz o mesmo com o conceito de Transtornos do Espectro Autista (TEA).

No terceiro e último dos capítulos de exemplo de caso, o capítulo cinco se afasta de nossa preocupação cultural com o comportamento das crianças para se envolver com nossas atitudes culturais em relação ao sofrimento e a migração da medicalização do humor e do sofrimento mental para a infância. Examino as nossas atitudes com a mudança no século passado para o crescimento e a “McDonaldização” gradual (como chamo) do desenvolvimento infantil, onde os desafios e incertezas ligados ao crescimento podem ser colocados em categorias de coisas “erradas” com crianças individuais, que podem então ser fixadas com um simples tamanho único, fáceis de consumir e satisfatórias a curto prazo.

Examino as evidências empíricas sobre o uso e eficácia dos antidepressivos nos jovens, mostrando como o seu uso em crianças e adolescentes se expandiu em paralelo com o aumento da narrativa de que a depressão infantil é como a depressão adulta, generalizada, e passível de tratamento com medicamentos. Tendo examinado a base empírica e cultural das reviravoltas e mudanças na criação da narrativa da depressão infantil, concluo que devemos resistir a esta McDonaldização do crescimento.

O capítulo seis analisa a política neoliberal e o impulso que ela deu à criação de uma sociedade “comparativa e competitiva”. Desloca a discussão para o contexto político a partir do qual a ideologia da saúde mental se desenvolveu e se perpetua. Começando com uma descrição das origens e das bases da política e economia neoliberal, exploro que tipo de conceito de ser humano tal sistema assume e promove.

O neoliberalismo vê a competição do tipo darwiniano como a característica que define as relações humanas. Redefine os cidadãos como consumidores, cujas escolhas democráticas são melhor exercidas através da compra e venda. Desenvolve-se uma alienação rasteira uns dos outros à medida que o nosso instinto de vínculo social é remodelado enquanto um veículo para obter vantagens pessoais. A competição é um motor econômico fundamental nas economias neoliberais e, por isso, torna-se um valor social e cultural proeminente. Muitos estão então sujeitos ao medo permanente de ficar para trás e de se tornarem definidos (e/ou autodefinidos) como sendo membros de uma classe de “perdedores”. Definir as pessoas como “vulneráveis” ou “doentes” permite a mercantilização e exploração da dor mental que uma tal cultura produz.

No capítulo sete explico como a maior parte da psicoterapia utilizada e promovida nos serviços se limita a empacotar e depois comercializar a psicologia popular ocidental. Há um preconceito inerente ao que designamos por “psicologia”, pois é realmente a psicologia das sociedades ocidentais e, em grande parte, da sociedade com educação ocidental. A psicologia corrente é realmente um ramo da filosofia que expõe uma visão particular de mente que está centrada no Ocidente.

Examino as provas da eficácia de diferentes modelos de psicoterapia que utilizam ideias retiradas da psicologia convencional. A proliferação de modelos psicoterapêuticos não teve como resultado a melhoria dos resultados. Também discuto a viragem para formas de psicoterapia “industrializadas” (grande número se guiando pelas estreitas “vias de cuidados” normalizados) e os resultados chocantemente pobres que elas produzem.

Estes resultados banais são de esperar como base teórica dos modelos de terapias dominantes que utilizamos que apenas são extensões do “senso comum” ocidental. Sugiro que os profissionais da saúde mental sejam melhor considerados como guias filosóficos que adotam quadros interpretativos (paradigmas) que utilizam para construir uma narrativa particular para descrever a natureza de um problema e o processo de mudança.

O capítulo oito é extraído principalmente das minhas décadas de experiência clínica. Esboço algumas ideias que me ajudaram a desenvolver uma filosofia particular que utilizo para orientar a minha prática. Os aspectos centrais deste quadro são:

  1. Desconstruir o diagnóstico,
  2. Entender a relevância do dano psicológico,
  3. Trabalhar a relação terapêutica,
  4. Consciência da cultura e do contexto, e
  5. Como um problema uma vez estabelecido perpetua-se em um processo que chamo “o problema se torna o problema”.

Esta última visão requer que o foco terapêutico se desvie da tentativa de resolver, de se livrar, ou mesmo de mudar o problema (como quer que isto seja definido), e se volte para ajudar a pessoa, e aqueles que a rodeiam, a mudar a sua relação para e/ou o sentimento sobre o problema. O processo de “o problema torna-se o problema” explica potencialmente porque é que tanto os diagnósticos de saúde mental como os tratamentos (seja medicação ou terapia) correm o risco de incorporar o problema, alienando as pessoas das suas experiências emocionais legítimas, minando a sua resiliência, e criando pacientes a longo prazo fora delas.

Em vez disso, tento adotar um paradigma que permite que as pessoas experimentem crescimento e significado através das suas experiências adversas e angústias, capacitando-as a lidar com estados de espírito alterados e angustiantes. Também discuto medicação e faço sugestões para um modelo de trabalho com medicação que não leva a que a pessoa que recebe medicação se torne desprovida de poder e que fique alienada da sua resiliência natural.

No Capítulo nove esboço uma “caixa de ferramentas” de ideias para pais preocupados ou frustrados com o comportamento dos seus filhos. Descrevo alguns conceitos e quadros que podem ser utilizados de uma forma flexível para se adaptarem a diferentes circunstâncias. Muitas das ideias são extraídas de uma abordagem que utilizei com sucesso durante muitos anos chamada “Programa de Sensibilização Relacional” (PSR).

O PSR concentra-se em dar prioridade à melhoria dos aspectos relacionais sobre as manifestações comportamentais de uma criança com as quais os pais se preocupam. Utiliza um sistema de analogias para ajudar os pais a compreender melhor o “fluxo emocional” que ocorre na sua relação com o seu filho. O capítulo guia então os pais através de uma série de narrativas enganosamente simples que os podem ajudar a estruturar formas mais úteis de compreender e intervir na vida familiar quando esta se encontra carregada de stress e conflitos.

O décimo capítulo final propõe que uma mudança de paradigma para os cuidados de saúde mental é inevitável. Incluo exemplos de pessoas, projetos, e organizações que criaram mudanças na forma como a saúde mental é entendida e como os serviços são prestados. O impulso que criaram está aumentando.

A razão, a verdade e a ética estão todas do lado dos críticos. Não sabemos quando será atingida uma massa crítica suficiente. Quando isso acontecer, a mudança pode acontecer rapidamente e terá lugar uma revolução. Temos de estar preparados para isso.

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A comunidade Mad recebe blogs de um grupo diversificado de escritores. Estes posts são concebidos para servir de fórum público para uma discussão-psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são as próprias dos escritores.

[trad. Fernando Freitas]

Vozes desmedicalizantes: “Amor, ódio e respeito” pelos psicofármacos

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Letícia Hummel do Amaral
Sandra Caponi

As pesquisas em saúde mental – especialmente aquelas que investigam os efeitos positivos e negativos de psicofármacos na vida dos usuários – de meados do século XX até os dias de hoje, privilegiam o monopólio da visão da psiquiatria, dos chamados especialistas. Menos de 1% dos estudos contempla a experiência subjetiva dos usuários que são aqueles                            efetivamente afetados pelo consumo dessas drogas.  Portanto, tudo o que sabemos hoje sobre as drogas psiquiátricas foi contado pela visão daqueles que as prescrevem e não daqueles que as consomem, dentro de um sistema que, de antemão, aparece fechado a contestações e cuja legitimidade se impõe como inquestionável.

Porém, a partir do final do século XX, um movimento internacional de usuários e sobreviventes da Psiquiatria começou a ganhar força no mundo e pudemos assistir hoje à abertura de espaços onde outras vozes conseguem emergir. São as vozes daqueles que até então eram silenciados, considerados passivos, “pacientes”, mas que agora lutam para assumir o protagonismo de suas vidas, como cidadãos de direitos. No Brasil, isso só foi possível a partir da Reforma Psiquiátrica e da criação do modelo de assistência psicossocial. Representantes de associações locais e municipais, normalmente vinculados a um CAPS, integram as discussões em saúde mental no campo das ciências e da formação de políticas públicas.

Assim, o lema “Nada sobre nós, sem nós”, tornou-se uma importante bandeira de luta que define o protagonismo da pessoa com deficiência nos debates científicos e institucionais do campo da saúde mental. Muitos são aqueles que vêm contar um pouco de suas histórias na expectativa de que seus relatos venham a contribuir de alguma forma com a vida de outras pessoas que também passam por situações de sofrimento psíquico. Vanessa é uma delas.

O início do “problema”: o primeiro contato com a psiquiatria e com os psicofármacos

Usuária da RAPS – rede de atenção psicossocial, e vinculada à “Associação AlegreMente”, Vanessa, atualmente com 28 anos, vivenciou situações difíceis na vida desde muito nova. Ainda aos 6 anos de idade foi molestada sexualmente por um adolescente de sua comunidade, fato que escondeu de todos durante toda sua infância e que apenas agora na vida adulta conseguiu revelar a um psicólogo. Seu pai tinha problemas sérios de alcoolismo e após o trabalho ia sempre para o bar, enquanto sua mãe trabalhava o dia inteiro, retornando para a casa apenas por volta das 22h. O casal brigava muito na frente dos filhos, que com a Vanessa somam seis.  Os mais velhos começaram a trabalhar muito jovens para ajudar no orçamento doméstico e, então, os mais novos se criaram um cuidando do outro. Ainda assim, Vanessa considera ter sido sempre uma boa aluna na escola, mesmo que sentisse dificuldade muitas vezes pra manter a atenção. Mas enquanto as suas irmãs brincavam na rua, ela preferia ficar dentro de casa mexendo no computador. Sentia-se muito fechada para o mundo. Nunca teve muitos amigos. Sentia dificuldades no processo de socialização.

A primeira vez que Vanessa sentiu estar vivenciando uma experiência mais intensa de sofrimento psíquico e emocional foi aos 15 anos, quando foi designada pela família para cuidar de sua avó materna, diagnosticada com demência e Alzheimer. Vanessa relata que nem sua mãe, nem seus outros dez filhos pareciam se importar muito com a situação: “Só criticavam e infernizavam!”, disse ela. Em seu relato, é marcante a preocupação com o bem-estar e o amor pela avó, mesmo que tenha vivenciado muitas situações de violência em que a avó a batia ou a beliscava. Já no último ano do ensino médio, não conseguindo mais conciliar a difícil rotina como cuidadora e todas as exigências da vida escolar, Vanessa abandonou os estudos e passou a se dedicar, então, integralmente à avó. Da hora de acordar à hora de dormir.

Foi quando, aos 19 anos após um grande surto da avó, Vanessa sentiu-se tomada por uma profunda tristeza e ficou por três dias sem conseguir se levantar da cama, nem mesmo para tomar banho. Só queria dormir, só conseguia chorar e dizer que não aguentava mais: “Foi quando eu estourei minha panela de pressão!”. Passados alguns dias, sua mãe já preocupada a levou ao posto de saúde local onde Vanessa teve o seu primeiro contato com um psiquiatra e sua primeira experiência com psicofármacos. A avó, por sua vez, foi encaminhada pelos filhos para uma clínica de cuidados, onde veio a falecer uma semana depois. Este evento foi especialmente traumático para Vanessa que, como se não bastasse o sentimento de luto e toda a situação de sofrimento psíquico que já atravessava, passou também a se culpar pela morte da avó.

Quem primeiramente lhe receitou uma medicação psiquiátrica, a fluoxetina (antidepressivo), foi o médico de família que a recebeu no posto. Entretanto, Vanessa não apresentou melhoras no decorrer das semanas, pelo contrário, sentia-se cada vez pior, machucava a si própria e tentou algumas vezes o suicídio. Apenas após muita insistência da mãe, então, encaminharam-na ao psiquiatra do posto que logo lhe conferiu o diagnóstico de depressão, e uma nova medicação foi receitada: o diazepam (ansiolítico). Pouco tempo depois, Vanessa foi encaminhada ao CAPS – Centro de atenção psicossocial.

A sobremedicalização no CAPS:  psicofármacos e efeitos colaterais

Nos dois primeiros anos como usuária do sistema de saúde mental, Vanessa não conseguia fazer absolutamente nada sozinha. Estava sempre acompanhada da mãe e da irmã. No CAPS, a primeira psiquiatra que a atendeu prescreveu-lhe uma porção de remédios.  Lá recebeu também o diagnóstico de transtorno bipolar com surtos psicóticos. Passou pela experiência de ouvir vozes: às vezes eram vozes que a mandavam se matar, sobretudo quando via o pai alcoolizado, e outras, eram vozes que contra argumentavam, que pediam para ela não o fazer. Essas vozes a seguiram para todos os lados. Vanessa chegou a tomar entre 10 a 12 comprimidos por dia nesse período.

Vanessa relata ter vivido um verdadeiro drama por conta dos efeitos colaterais das medicações prescritas. Lembra-se, por exemplo, que tinha muito sono durante o dia e não sentia o menor ânimo para participar das atividades propostas no CAPS, enquanto de noite não conseguia dormir, por vezes, dormia não mais do que 2 horas por noite. Segundo ela, a risperidona (antipsicótico) lhe causava tremor no pescoço, torção na boca, dentre outras sensações desagradáveis. O ácido valpróico, uma vez engolido, Vanessa sentia como se algo explodisse em seu estômago causando-lhe náuseas e vômitos constantes: “Eu só andava com o balde!”. Esse balde, que aparece várias vezes em nossa conversa, refere-se a um recipiente com o qual ela devia sair para a rua, pois era comum que ela tivesse sensações de náusea e vômitos, como efeito da medicação. No decorrer do tratamento, essa mesma bela jovem que estava narrando sua história, tinha ganhado muito peso. Mais de 70 kg, chegando ao ápice de 155 kg. Um excesso de peso que logo conseguiu perder junto com a redução da medicação. Vanessa lidava na época, portanto, com forte ansiedade e compulsão alimentar, enquanto estava sob o efeito de diversas medicações psiquiátricas. Embora critique o excesso de medicamentos que recebeu no CAPS, dá muita importância a esse espaço, assim como à associação, que lhe permitiu conhecer os seus colegas, companheiros de tratamento e de militância.

Vanessa nos apresenta, de maneira espontânea, uma narrativa de elaboração subjetiva a respeito de sua experiência com os psicofármacos. Ela se refere à tríade: Amor, Ódio e Respeito. Admite, nesse sentido, ter vivenciado 3 fases ao longo dos últimos 5 anos: a do amor, já que acredita que sem a intervenção medicamentosa muito provavelmente ela teria se suicidado. Desse modo, ela admite que em um dado momento a medicação salvou a sua vida. A fase do ódio, que começou em 2017, dois anos após o início do tratamento, que foi devido aos problemas decorrentes dos efeitos colaterais das diversas medicações que tomava. Vanessa conta que, nessa época, começou a questionar o uso dos psicofármacos, ficou curiosa a respeito dos seus benefícios e malefícios, e começou a se informar melhor a respeito.

Também nesse período, Vanessa fez algumas leituras do filósofo Foucault, um grande crítico da psiquiatria moderna, e começou a se interessar pelas bulas dos remédios ingeridos e a relacionar certas sensações que tinha com os efeitos colaterais listados:

Aí eu comecei a questionar a psiquiatra. Eu continuo a vomitar, eu continuo ansiosa, eu continuo triste, eu continuo não fazendo nada da minha vida.

Ela sentia que os remédios estavam lhe fazendo mais mal do que bem. A psiquiatra, entretanto, não considerava suas queixas, e apenas lhe pedia para seguir com “a sua tabelinha”, ameaçando-a de ser responsabilizada sozinha caso lhe acontecesse algo de ruim.

Iniciativa desmedicalizante e início da superação: empoderamento, auto-governança e militância

Em 2018, Vanessa afirma ter iniciado sua fase de respeito pelos psicofármacos, momento em que começou a redução dos remédios, mas sempre se sentindo advertida da possibilidade de ter que voltar a tomá-los na ocorrência de crises maiores. Nunca motivou, nesse sentido, nenhum de seus colegas usuários da rede a parar com as medicações, pois reconhece a seriedade da questão: são vidas que estão em jogo, mas também sabe que inspira outras pessoas pelo seu processo de crescimento e conquista de autonomia (fala de empoderamento e auto-governança). Ainda assim, Vanessa acredita veementemente que as medicações psiquiátricas, por conta dos fortes efeitos colaterais, apenas deveriam ser tomadas em épocas de crise e não de forma contínua, tal como é praticado muitas vezes no CAPS.

Foi no começo de 2018 que eu comecei a me cuidar, esse cuidar que eu digo é de fazer todo um tratamento certinho desde psicólogo, com nutricionista, a caminhada, a auricu (auriculo-terapia), tudo certinho. Durante um ano todo me cuidando, eu consegui emagrecer, mas daí sem nada de remédio, comendo certinho, nos horários certinho, sem pressão, cuidando do peso, da alimentação, cuidando da minha cabeça.

Contrariando, portanto, as prescrições dos médicos e às escondidas também da família, Vanessa decidiu diminuir as medicações sozinha, mas o fez de forma bastante gradativa, demonstrando forte conexão com seus processos subjetivos e com suas vulnerabilidades. “Eu ia me testando.” Retirou primeiramente aqueles que causavam efeitos colaterais mais severos, como o ácido valpróico. Vanessa lamenta profundamente ter que ter feito isso sozinha, e defende que teria sido bem melhor se a psiquiatra, que lhe atendia na época, tivesse considerado e acolhido suas queixas, sentimentos e opiniões, e tivesse estabelecido juntamente com ela uma estratégia de retirada. Questiona:

Por que não me ouvir, se era eu que estava ali com o balde (vômitos), querendo só saber de dormir (…) sentindo a dor de quase não conseguir passar mais na catraca (do ônibus)? Eu ouvia apenas: “Aqui quem é o médico sou eu e você vai ter que tomar o que eu estou dando pra você!”.

Conta que a passagem, o momento de virada (turning point) para o processo de desmedicalização se deu com a entrada de uma voluntária no CAPS, que se aproximou do grupo por meio da associação AlegreMente e que ensinou a Vanessa e seus colegas o tal do empoderamento. A voluntária nunca lhes recomendou a retirada dos remédios, mas era uma pessoa muito acolhedora e incentivadora, conversava muito com todos usuários, ajudando-lhes a traçar sonhos, planos e metas. Vanessa acredita, assim, que foi devido ao seu trabalho com Alessandra e à “um PTS bem feito”: um plano de atividades terapêuticas (PTS) diversificadas e em grupo, que ela conseguiu parar com as constantes “reclamações da vida” e  começar a buscar atividades em que se sentia útil.

Relata que tinha muito medo, pois ouvia constantemente de profissionais do CAPS que se os usuários parassem de tomar o remédio, iriam surtar. Era uma forma de constrangê-los a tomar as medicações conforme a tabela prescrita. Entre o grupo, falava-se muito dos maus-tratos no IPQ (hospital psiquiátrico) e todos temiam uma eventual internação. Então, Vanessa ponderou e decidiu por um processo bastante gradativo na retirada dos remédios. Mas esse processo teve que fazê-lo sozinha. Conta que sentia, como efeito de retirada das medicações, bastante palpitação no peito, mas que estava advertida desse sintoma por conhecer melhor as bulas dos remédios.

Durante e após o processo de retiradas das drogas, Vanessa continuou as sessões de psicoterapia individual, a participação nos grupos terapêuticos e se envolveu fortemente com a militância, buscando espaços para falar de saúde mental no intuito de sensibilizar as pessoas por meio de sua história e de poder ajudar outros que passaram por problemas parecidos. Atualmente cursando Arquivologia na UFSC, conta que está fazendo um trabalho onde utiliza como teórico de referência Michel Foucault e que está usando todos os espaços que pode para falar de saúde mental.

Práticas de liberdade e construção de subjetividades mais autônomas: traçando novos caminhos

Atualmente, Vanessa admite que a loucura foi a melhor coisa que lhe aconteceu na vida, pois agora ela se sente ela mesma. Valoriza sua história e enxerga a experiência da loucura como algo estruturante de sua identidade, experiência a partir da qual ressignificou sua existência. Foi psiquiatrizada ainda adolescente, induzida a tomar inúmeras medicações que não lhe trouxeram melhoras efetivas, pelo contrário, prejudicaram-na em diversos aspectos: fisiológico, psíquico, emocional e social.

Da curiosidade ao senso-crítico, Vanessa começou a questionar a relação de saber-poder em que o médico psiquiatra se situa. Tentando impor seu discurso como única verdade, uma verdade que se atribui como uma forma de dominação. Foi contra tal relação de dominação e opressão que Vanessa acredita ter se rebelado e aprendido a tecer caminhos mais autônomos na construção de sua subjetividade. Algo do qual ela tem muito orgulho e que deseja compartilhar.

A possibilidade de participar dos grupos terapêuticos, de compartilhar pensamentos e sentimentos com outros e também de ouvir outras experiências de pessoas em sofrimento psíquico-emocional foi fundamental para seu tratamento. Esses grupos acontecem em diversos espaços: nos CAPS, nas associações de usuários, familiares e simpatizantes, e também no CESUSC. Destaca, por exemplo, o efeito terapêutico do grupo de yoga, que lhe ensinou sobre a importância da respiração no controle da ansiedade, e que por consequência, trouxe-lhe melhoras significativas em sua relação com os alimentos e com seu corpo. Afirma que tem ansiedade até hoje. Porém, agora com um novo entendimento da situação, ela se recolhe, faz um exercício de respiração, reflete, tenta buscar a origem, e se não consegue, apenas afirma a si mesma que a ansiedade vai passar, assim consegue aos poucos ir se acalmando. Utiliza também um colar que contém óleo essencial de lavanda, outra ferramenta que tem promovido seu bem-estar.

Em relação à militância, sua principal luta é, portanto, pelo crescimento e fortalecimento desses espaços e também pelos direitos e deveres dos usuários da rede. Admite, ainda, que a militância foi muito terapêutica para ela: “Foi onde eu me reergui!”. Como sempre gostou de computador e de pesquisa, Vanessa passou a buscar e a levar novas informações aos grupos, o que a ajudou a sentir-se cada vez mais útil. Admite ter, nesse processo, desenvolvido um senso-crítico e faz questão de sempre expor a sua opinião.

Há mais de um ano sem ingerir medicações psiquiátricas, mas ainda presente no CAPS e fazendo tratamentos alternativos, recentemente Vanessa foi convidada a integrar uma mesa-redonda no Encontro Catarinense de Saúde Mental (2019 – Florianópolis), composta além dela por acadêmicos/as e profissionais desse campo de estudos. A partir de sua fala, naquela ocasião, tivemos a oportunidade de conhecer um pouquinho de sua história. Posteriormente, considerando a importância dos estudos em desmedicalização no campo da saúde mental, sentimo-nos impelidas a convidar Vanessa para uma entrevista e ela aceitou o convite prontamente.

Uma reflexão importante em torno do atual modelo de assistência em saúde mental

A medicalização, já analisada por autores como Ivan Illich, Peter Conrad, Robert Whitaker e Thomas Szasz entre outros, pode gerar processos iatrogênicos severos, tal como pudemos observar com o relato sobre os efeitos colaterais das medicações psiquiátricas realizado por Vanessa. Esses efeitos podem ser extremamente perturbadores e podem afastar qualquer chance de uma melhora efetiva em termos de saúde mental e bem-estar para aqueles que estão obrigados ou constrangidos a aceitar a prescrição de drogas psiquiátricas. Se a RAPS e os CAPS foram construídos para substituir o modelo asilar, com o objetivo de desinstitucionalizar a loucura e o louco, e nesse sentido possibilitar uma vida mais digna àqueles que padecem de algum tipo de sofrimento psíquico maior, é válido questionar a partir do relato biográfico de Vanessa, em que medida pode-se afirmar que estamos conseguindo atingir tais objetivos e fazer frente à lógica da medicalização. A narrativa de Vanessa deixa claro que, em seu caso, foram vários anos de sofrimento, justamente em consequência das prescrições psicofarmacológicas recebidas. Ela desconhece, em seu universo social, outras pessoas que conseguiram abandonar completamente as medicações.

Exemplos como o de Vanessa, que superam em certa medida a lógica medicalizante pela subversão do saber-poder imposta na relação psiquiatra-paciente e pelo engajamento na luta (coletiva) por construções mais autônomas de subjetividades, só podem vir a reforçar a importância dos estudos em desmedicalização no campo da saúde mental. Ao trazer à tona a voz e, portanto, a experiência subjetiva que pacientes psiquiátricos tiveram ao longo de sua história com os psicofármacos e com o sistema de saúde mental em geral, pensamos poder contribuir com o enriquecimento do debate em torno desta temática.

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Este texto resulta de entrevista realizada com Vanessa pela Profª Drª Sandra Caponi e a doutoranda Letícia H. Amaral*, ambas integrantes do núcleo NESFHis – Núcleo de Estudos em Sociologia, Filosofia e História das Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

* Letícia Hummel do Amaral é socióloga, mestre em sociologia e atualmente realiza doutorado em Sociologia na Universidade Federal de Santa Catarina.

A Crise da Psiquiatria

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O capítulo A crise da psiquiatria contemporânea e o poder das psicoterapias, parte de livro Você não é o seu Cérebro!, apresenta o artigo do psiquiatra Richard Friedman, Psychiatry’s Identity Crisis, publicado pelo New York Times.

Felipe S. Lisboa, autor do livro, nos traz os elementos mais importantes desse artigo. Friedman afirma que a psiquiatria contemporânea se encontra em uma crise, mais uma em sua extensa. Os dois pilares da atual psiquiatria mostraram pouco retorno em seus resultados: as pesquisas em neurociências e os remédios psiquiátricos. As neurociências não trouxeram respostas práticos para a prática clínica da psiquiatria, e os remédios psiquiátricos evoluíram muito pouco desde a sua criação nas décadas de 50 e 60. A “década do cérebro” desmoronou.

Friedman defende um retorno às psicoterapias. Segundo ele, diversos estudos apontam que o tratamento psicoterápico são tão eficazes quanto as medicações psicotrópicas para os transtornos psiquiátricos comuns (mas sem efeitos colaterais), como depressão e ansiedade. Além disso, pesquisas apontam que a maioria dos estadunidenses preferem psicoterapia à medicação.

No entanto, apesar da maior preferência pela psicoterapia, cada vezes menos estadunidenses têm se dedicado a esse tipo de tratamento, além disso o uso de medicamentos psiquiátricos vem aumentando entre eles. Friedman defende que esse fenômeno é resultado dos elevados custos da psicoterapia e da baixa disponibilidade desses profissionais nos ambulatórios.

“O fato de todos os sentimentos, pensamentos e comportamentos necessitarem da atividade do cérebro para acontecer não significa que a única ou a melhor forma de mudá-los – ou entendê-los – é com a medicina.”

O Brasil não é citado pelo do artigo de Friedman, mas podemos nos perguntar se algo similar não ocorre por aqui. Quantos psicólogos, terapeutas ocupacionais ou musicoterapeutas encontramos nos serviços de saúde? É suficiente para a demanda? Qual o acesso mais fácil para o usuário, psicofármacos gratuitos ou psicoterapia no serviço público? Os planos de saúde dificultam o acesso de seus clientes à psicoterapia?

Continuando, Friedman destaca que muitos dos pacientes que chegam aos consultórios psiquiátricos apresentam um histórico de trauma, abuso sexual, pobreza ou privação. E afirma que estes são problemas para os quais não há qualquer solução biológica possível. Além disso, ele questiona problema como depressão e ansiedade serem tratados puramente como problemas do cérebro.

Os remédios podem até, segundo o psiquiatra, melhorar o humor de alguns pacientes graves, mas nunca existirá uma pílula mágica para todos os nossos problemas emocionais dolorosos e perturbadores, os quais estamos sujeitos enquanto seres humanos. Muitas vezes não existe um substituo para a autocompreensão que vem da terapia.

Friedman é a favor das pesquisas em neurociências, e acredita que tais pesquisas poderiam ajudar no entendimento de transtornos mentais, ainda sim, afirma que somos mais que um cérebro em um frasco. Segundo ele, podemos confirmar isso perguntando a qualquer um que tenha se beneficiado de uma psicoterapia.

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LISBOA, F. S. Você não é o seu cérebro. In: ____. Você não é o seu cérebro: e outros ensaios sobre psicologia, neurociências e cinema. Curitiba: Appris, 2020. p. 15-20.

Tiras afiladas ajudam as pessoas a parar de usar antidepressivos: um novo estudo

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Um novo estudo de Peter Groot e Jim van Os investigou se as tiras afiladas podem ajudar as pessoas a parar de usar antidepressivos. Eles entrevistaram 408 pessoas que haviam usado tiras afiladas nos últimos cinco anos. Descobriram que as tiras afiladas ajudaram 66% dos participantes a parar de usar antidepressivos com sucesso.

“A abordagem baseada em evidências de afilamento personalizado para dar conta do processo de retirada […] pode representar uma solução simples para um importante problema de saúde pública relacionado a antidepressivos, sem custos adicionais”, escrevem eles.

Muitas pessoas sentem sintomas de abstinência quando tentam interromper o uso de antidepressivos, e em algumas essas experiências podem ser bastante graves. A abstinência pode impedir que as pessoas deixem de usar a droga.

Groot e van Os escrevem: “É amplamente reconhecido que uma proporção significativa de usuários de modernos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS) e de inibidores de recaptação de serotonina e norepinefrina (IRSN) experimentam dificuldades para sair da medicação”.

“A retirada e a incapacidade de descontinuar os medicamentos antidepressivos representam um problema significativo de saúde pública”, acrescentam eles.

Recentemente, um novo método utilizando tiras afiladas foi habilitado na Holanda pela organização sem fins lucrativos Cinderella Therapeutics. Este método de gerenciamento personalizado da dose usada permite ao paciente selecionar reduções de dose muito pequenas para prolongar a sua descontinuidade por meses. Em um estudo recente de resultados a curto prazo (também realizado por Groot e van Os), 71% das pessoas que utilizaram este método conseguiram parar de usar antidepressivos.
O novo estudo de Groot e van Os (publicado em Therapeutic Advances in Psychopharmacology) confirma este resultado a longo prazo, com uma taxa de sucesso comparável de 66%. Também é importante notar que a maioria das pessoas tanto neste estudo quanto no estudo anterior tentaram, sem sucesso, parar de usar antidepressivos no passado. Outras haviam experimentado efeitos de abstinência após perderem apenas uma ou duas doses diárias. Estas são as pessoas que têm mais dificuldade em parar os medicamentos, portanto uma taxa de sucesso de 66-71% é bastante impressionante.
Groot e van Os chamam isso de “método Horowitz-Taylor”, que se refere aos pesquisadores Mark Horowitz e David Taylor. Em um artigo do ano passado na Lancet Psychiatry, Horowitz e Taylor explicaram como um afilamento “hiperbólico” proporciona a melhor opção. O artigo foi escrito por Mark Horowitz no Prince of Wales Hospital, Sydney, Austrália, e David Taylor no King’s College London.
Os participantes do estudo atual foram identificados como participantes potenciais da pesquisa por seus médicos, que haviam prescrito tiras afiladas. Cerca da metade dos participantes em potencial responderam ao questionário dos pesquisadores. Devido a isso, é possível que tenha havido algum viés de seleção na resposta dos participantes. Entretanto, Groot e van Os observam que mesmo que isso seja verdadeiro, uma taxa de sucesso mais baixa (como 50%) ainda seria impressionante para as pessoas que tentaram e não conseguiram descontinuar os antidepressivos antes.
De acordo com Groot e van Os, embora as tiras afiladas possam ajudar as pessoas a parar de usar antidepressivos, o uso mais cuidadoso de antidepressivos desnecessários – pode impedir que esta situação difícil surja em primeiro lugar.

“A maneira mais eficaz de enfrentar o problema, entretanto, é a prevenção, usando medicamentos psicotrópicos de forma mais conservadora e levando em conta o fato de que alguns compostos provavelmente estão mais associados às dificuldades com a retirada do que outros”, eles escrevem.

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Groot PC, & van Os J. (2020). Outcome of antidepressant drug discontinuation with tapering strips after 1–5 years. Therapeutic Advances in Psychopharmacology, 10, 1–8. doi: 10.1177/2045125320954609 (Link)

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