Entrevista inédita com a Dra. Joanna Moncrieff

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A seguir, apresentamos a entrevista que a Dra. Joanna Moncrieff recentemente deu para o madinbrasil. A Dra. Joanna estará apresentando a palestra inaugural do 5 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas. O Seminário ocorrerá nos dias 04 e 05 de novembro próximo. O Evento será promovido pelo LAPS/ENSP/FIOCRUZ. Abaixo você poderá fazer a inscrição no Seminário.

Nesta entrevista a Dra. Joanna Moncrieff fala do tema da sua palestra – O passado e o futuro da psiquiatria e suas drogas. Em termos gerais, a mensagem é que o papel da psiquiatria tem sido predominantemente de ‘medicalizar’ os problemas psicológicos e o sofrimento psíquico. A problemática das drogas psiquiátricas ganha destaque ao longo da entrevista, na medida em que o tratamento psicofarmacológico está baseado em uma falsa ideia de que o medicamento age em uma suposta base biológica do transtorno mental.

Dra. Joanna questiona se é justificável que problemas psicológicos e o sofrimento psíquico sejam tratados em dispositivos assistenciais do sistema de saúde, como é a prática atual.

A transcrição abaixo foi editada para maior extensão e clareza. Veja aqui a entrevista na íntegra.

 

Fernando: Bom dia, Joanna. Esta entrevista será uma prévia do que você irá nos apresentar no 5 Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas. Em 04 de novembro, você irá falar a respeito do ‘passado e o futuro da Psiquiatria e suas Drogas’.  Você sabe que você é a convida ilustre do Seminário. Primeiramente, você poderia nos dizer algo sobre as principais questões que irá nos apresentar?

Joanna: Obrigado pela sua introdução. Irei falar sobre o passado e o futuro da psiquiatria. Há alguns anos que venho refletindo sobre o que a profissão psiquiátrica vem fazendo, o que no passado foi realizado e o que vem ocorrendo. É sobre isso o que eu quero falar no Seminário. Em termos gerais, a mensagem é que o papel da psiquiatria tem sido a medicalização dos problemas psicológicos e o sofrimento mental. Isso ocorre por razões específicas. Isso acontece porque há os interesses da corporação psiquiátrica e os interesses da indústria farmacêutica. Mas também, particularmente, o que é muito importante, porque tem sempre havido um apoio político por detrás do projeto de medicalização. Na minha opinião, a medicalização dos complexos problemas humanos seria porque tornaria mais fácil manejá-los, isso dito de uma forma nua e crua. Contudo, não necessariamente essa é a melhor forma de se lidar com as pessoas envolvidas.

Se por exemplo pensarmos nas drogas, no uso das drogas prescritas para tratar problemas de saúde mental, isso tem sido apresentado cada vez mais como tratamento médico que visa uma doença subjacente. E isso evidentemente ajuda a dar suporte à essa ideia da medicalização do sofrimento psíquico. É a ideia de que os transtornos mentais são doenças como quaisquer outras doenças, como um câncer de pulmão ou a asma. E isso é uma maneira equivocada de ver, porque se a gente entende as drogas dessa maneira a gente entende equivocadamente o que se passa. Porque não é isso o que se passa na realidade, nós não temos realmente evidências de que um transtorno psíquico seja produzido por alguma patologia biológica específica. Não temos evidências de que as drogas agem dessa maneira. E o que é o pior: se pensamos que é assim o que ocorre, nós perdemos o fato de que essas drogas estão fazendo uma outra coisa. Elas estão alterando o modo como as pessoas normalmente pensam, sentem e se comportam. E se algumas dessas alterações podem em algumas circunstâncias ser úteis, em outras podem não o ser. Nós necessitamos entender é que o que as drogas estão fazendo é alterar o estado normal de como o cérebro funciona, para se decidir se é uma boa coisa ou uma má coisa.

Isso se aplica aos pacientes assim como aos profissionais que necessitam saber que as drogas podem estar alterando os modos de pensar e sentir, para que possam tomar decisões informadas se essa ou aquela droga pode ser ou não útil. Igualmente, os profissionais precisam entender que as drogas estão alterando o funcionamento do corpo e do cérebro, caso contrário não entendem por que elas podem ser muito negativas. São consequências que podem provavelmente ser duradouras ou permanentes. Se se põe uma química no corpo que não seja útil, isso reage contra o equilíbrio químico do corpo e produz danos.

O que eu estou tentando dizer é que precisamos ter uma visão mais transparente sobre os danos com tratamento com drogas em psiquiatria. E usar o consentimento informado de modo seguro.

E necessitamos entender que se o uso de drogas pode ser útil, isso não quer dizer que necessariamente estamos agindo em um transtorno biológico. Sabemos que as drogas alteram a nossa forma de sentir as coisas. O álcool faz isso, a heroína faz isso. Mas o álcool e a heroína – agindo sobre formas de sentir – não estão agindo em doenças subjacentes.

Precisamos entender melhor as drogas psiquiátricas e como lidamos com as drogas recreativas.

E estar mais atentos para não cair na armadilha da ideia de que os efeitos das drogas confirmam o fato de que os transtornos mentais tenham uma base biológica subjacente, de que as drogas agem sobre os problemas psicológicos com base em um determinado suporte biológico.

Acho que foi uma longa resposta que eu dei.

Fernando: Há algo que sempre vem à mente quando se fala a respeito do papel da psiquiatria hoje em dia. Como psiquiatra, você pensa possível ser psiquiatra sem fazer o uso do diagnóstico e da prescrição? O que dizer do status do médico, sem o poder de diagnosticar e prescrever?

Joanna: Essa é uma outra excelente questão.  É a questão que está na base de todos esses problemas, assim é como eu penso. Considero ser difícil, mas não é impossível.

A dificuldade é que se a profissão médica tem um papel predominante no tratamento e manejo da saúde mental e dos problemas psicológicos, haverá uma tendência para se entender esse problemática a partir da ótica médica.

Mas eu não penso que a profissão médica tenha esse papel tão necessário. Penso ser possível que pessoas qualificadas em termos médicos possam estar envolvidas no cuidado das pessoas com transtornos mentais, a fim de, por exemplo, ajudar as pessoas a usar drogas de um modo cauteloso, no modo como há pouco falamos. E ajudar a reconhecer todas as complicações potenciais advindas com o uso de drogas prescritas e outras substâncias.

Não estou segura de que para fazer isso as pessoas necessitem de ter uma formação médica propriamente dita. Talvez muito mais pessoas de muitas profissões diferentes poderiam ter algum treinamento médico, de modo a ajudá-las no cuidado das pessoas para o uso de drogas prescritas de um modo sensível. Bem como preparadas para saber identificar, por exclusão, doenças neurológicas demonstráveis, porque isso é um outro tipo de atividade médica que hoje é necessária, embora pessoas de outras profissões possam ser treinadas e capazes de fazer essa distinção.

Minha visão pessoal é que temos que repensar a formação das pessoas que ajudam os indivíduos com problemas de saúde mental. Temos que repensar a formação, temos que repensar onde os problemas de saúde mental estão hoje situados e localizados, visto que muitos dos problemas não são necessariamente médicos. Não há evidências com base biológica para a maioria dos casos de transtorno mental. Nesse sentido, eles não são problemas médicos.

Se não são problemas médicos, por que são eles assim tratados hoje na assistência em saúde? Por que não são tratados em serviços de assistência social, de prevenção?

O que talvez necessitemos é de novos serviços com equipes com uma variedade de habilidades para ajudar as pessoas com uma variedade de dificuldades. Ajudar as pessoas a negociar em seu ambiente social, como lidar com as dificuldades financeiras, de emprego, todas essas coisas que vemos que ocorrem com a maioria das pessoas no cotidiano dos serviços em saúde mental. Em muitos casos é o que está na raiz dos problemas delas.

Fernando: Por exemplo, qual é o papel do psiquiatra nesse processo de desprescrição?  Porque há um know-how dos usuários, sobreviventes ou ex-usuários. E vocês, médicos, nesse processo de desprescrição, de antipsicóticos por exemplo?

Joanna:  Uma outra boa questão. Se você aceita que as drogas não estão tratando doenças, mas que podem ter efeitos úteis e que podem produzir alterações benéficas em estados mentais, cabe então aos indivíduos avaliarem a sua utilidade para situações particulares.

E os psiquiatras ou os médicos em geral não deveriam dizer a alguém que a pessoa deve tomar uma droga por ter uma doença determinada. Ou que um médico diga que isso pode ajudar numa determinada situação, embora que o que sabemos de outras pessoas, das pesquisas, é que as mudanças positivas podem ser acompanhadas por efeitos colaterais e consequências negativas. E assim deve caber ao indivíduo decidir ser irá fazer uso da droga e avaliar se a droga lhe está sendo útil.

Creio também ser útil ao prescritor, mas também para as outras pessoas que estão ajudando o indivíduo, que todos reflitam sobre as mudanças que estão ocorrendo devido às drogas prescritas, de uma perspectiva objetiva. Porque sabemos que uma das características das drogas que alteram a mente é que elas mudam os estados mentais das pessoas. Assim sendo, as pessoas nem sempre estão em condições para avaliar como elas estão ao estarem sob a influência das substâncias.

É importante que as pessoas que deixam de tomar a substância olhem para trás e que avaliem se elas pensam que estavam melhor ou não quando sob influência da substância. Mas também penso ser o papel de um observador objetivo dar um retorno de como elas se sentiam quando estavam tomando a substância.

Fernando: A última pergunta, por favor. O futuro da psiquiatria está intimamente entrelaçado com o futuro da nossa sociedade. Para você, quais seriam alguns dos desafios que você vê em uma sociedade como a brasileira? Com uma história de colonização, escravidão, com profundas desigualdades sociais e econômicas. Eu sei que há muitos desafios, mas você poderia dizer algo? Você tem um livro escrito com colegas, sobre a medicalização da miséria. O que você falaria disso?

Joanna:  Vocês teriam uma melhor resposta para essa pergunta. Eu penso que os problemas brasileiros são similares aos problemas ao redor do mundo. Os problemas que as pessoas trazem aos serviços de saúde mental são problemas causados pela insegurança financeira, as pessoas não conseguirem um emprego sustentável, a degradação do meio ambiente … A maioria dos empregos pedem baixa qualificação, são desprovidos de sentido de vida, não são gratificantes. Isso leva a dificuldades nas relações. Há a insegurança habitacional, as autoridades não atendem à necessidade de programas de moradia popular na medida em que as pessoas não têm renda suficiente.

Eu sei que todas essas coisas levam as pessoas ao sofrimento psíquico, levam a problemas relacionais, a como manter a família delas. Têm efeitos nas crianças. Criam insegurança e ansiedade.

Todos esses problemas sociais se acumulam. E no topo, as dificuldades entre grupos étnicos, desigualdade na segurança social e a desigualdade de oportunidades entre grupos étnicos.

Como no Brasil, há uma história de colonização (…) Com muitas consequências psicológicas para as pessoas.

Eu penso que se pudéssemos criar uma sociedade capaz de dar segurança financeira, acesso à habitação, emprego estável, oportunidades para fazer coisas com sentido, isso eliminaria a grande maioria dos problemas de saúde mental.

Fernando: Eu penso que temos que saber como enfrentar os traumas intergeracionais, históricos. Porque eles estão incorporados nas pessoas, em nossa cultura. Como enfrentar um trauma coletivo? Individualmente é difícil. O que dizer dos traumas coletivos?

Joanna: O trauma está incorporado nas estruturas políticas. E nós vivemos nelas. O que influencia na vida cotidiana das pessoas.

 

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Este é o link para o Formulário de Inscrição: https://forms.gle/mY6gQdj3kHkvpeE57

Instagram: https://www.instagram.com/epidemia.drogaspsiquiatricas/

 

 

Relatório sobre a recente conferência organizada por Mad na Itália

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Recentemente foi realizada a “Conferência MAD” sobre as questões de mudança no sistema de saúde mental em Trieste, sobre a censura às críticas ao modelo biológico da psiquiatria e sobre o risco de reabrir os asilos.

Reflexões e planejamento para o futuro

A recente conferência on-line promovida pela MAD IN ITALY se propôs a desenvolver os temas descritos acima, a fim de obter indicações para o desenvolvimento do planejamento com objetivos claros e concretos. O resumo dos principais temas e a análise que se segue acompanham esta intenção de concretização.

A conferência se desenvolveu focalizando os dois temas relacionados acima, mas ao mesmo tempo bem circunscritos: a necessidade de acesso a práticas de desprescrição e suspensão de drogas psicotrópicas e a necessidade de se criar uma rede de ajuda mútua no território nacional, incluindo o desenvolvimento do papel do ‘especialista entre pares’.*

Com relação ao tema de Trieste, a impressão que emerge dos testemunhos de alguns dos participantes é que o modelo de Trieste, embora inclua aspectos de intervenção psicossocial que ainda são bastante válidos, na verdade é um modelo que recorre a um uso pronunciado de intervenções farmacológicas, ao mesmo tempo em que não oferece nenhum espaço concreto para o processo de desprescrição ou suspensão de drogas psicotrópicas.

Neste contexto, as mudanças muito recentes na liderança do sistema de saúde mental de Trieste foram discutidas como sendo provas concretas desta involução e, portanto, de um crescente afastamento progressivo do modelo basagliano.

Os outros dois temas: A possibilidade de reabertura dos asilos e a da censura ao modelo biomédico da psiquiatria, foram recebidas com uma certa incredulidade, provavelmente porque foram consideradas como questões implícitas à problemática sobre as deficiências em geral do sistema de saúde mental no país.

Então, o que de fato surgiu sobre as questões, que apareceram como as principais, a saber: a suspensão das drogas e o papel dos especialistas entre pares?

Com relação à desprescrição e suspensão, foi destacada a necessidade de se desenvolver e refinar as habilidades dos profissionais de saúde sobre como administrar o processo de suspensão com competência farmacológica. Entretanto, ficou muito claro que o processo de desprescrição e retirada necessita de uma rede psicossocial, que pode ser criada ou ampliada com a introdução da figura do especialista entre pares no sistema de saúde italiano.

Deve-se lembrar que o especialista entre pares é um usuário ou ex-usuário que demonstra uma estabilidade emocional e as habilidades necessárias para ajudar outros usuários. Este personagem vem desempenhando um papel fundamental nos serviços de saúde de vários países (EUA, Canadá, Reino Unido) durante décadas, com resultados notáveis na prevenção de crises emocionais, nas consultas de emergência e nas internações hospitalares.

Além disso, os especialistas entre pares freqüentemente ajudam outros usuários durante o processo de retirada das drogas psicotrópicas, fornecendo conselhos valiosos a partir da sua própria experiência. Neste contexto, a falta de conhecimento adequado por parte da maioria dos profissionais de saúde para iniciar e seguir um processo de desprescrição e retirada foi destacada mais de uma vez pelos participantes, sugerindo a necessidade de cursos de treinamento profissional sobre o assunto.

Com relação à criação de uma rede de especialistas entre pares no território, alguns dos participantes mencionaram experiências já existentes (Modena, Trento), que merecem, portanto, consideração.

Entretanto, o fato mais relevante é que essas iniciativas estão isoladas em um número limitado de cidades e regiões. Os participantes também ressaltaram a necessidade de que a rede de especialistas em pares seja independente da psiquiatria e que tenha a capacidade de se gerenciar sem perder de vista os objetivos de recuperação, que não se baseiem no modelo biomédico, mas que sigam um modelo psicossocial que vise alcançar pelo menos um nível aceitável de qualidade de vida.

É também evidente, pela soma das intervenções sobre o assunto, que há necessidade de maior clareza sobre o trabalho dos especialistas entre pares, que poderia ser proporcionada através de outras conferências on-line com a participação, se possível, da rede internacional MAD.

Finalmente, a experiência italiana com o Diálogo Aberto foi discutida durante algumas intervenções, que destacaram a natureza positiva da iniciativa, mas também o fato de que ainda não há dados suficientes disponíveis para fazer uma análise clara sobre a eficácia do modelo no terreno.

As questões descritas acima serão desenvolvidas por meio de um plano de ação que, por enquanto, pode ser resumido nos pontos principais a seguir, mas que são suscetíveis a mudanças e atualizações, se necessário:

  • Organização de uma conferência do MAD sobre o tema “Caminho psicossocial, desprescrição / suspensão com o uso de “Especialistas pares”.
  • Coleta de dados on-line sobre o assunto de desprescrição / suspensão (dados sobre aqueles que gostariam de empreender um processo de desprescrição, mas não o fazem).
  • Envolvimento da rede internacional MAD como um sistema de apoio a iniciativas no terreno.
  • Consideração do desenvolvimento de projetos-piloto para a suspensão de drogas psicotrópicas.
  • Identificação de redes interessadas na criação de projetos-piloto.
  • Obtenção de mais dados sobre a eficácia dos projetos do Diálogo Aberto na Itália.

Confira o texto original publicado no Mad in Italy →

Nota do Editor: * “Especialista entre pares”.  Refere-se ao reconhecimento do know-how daqueles que foram usuário/paciente da psiquiatria, por uma razão ou outra, e que deixando de sê-lo passam a integrar o sistema de assistência enquanto “especialista”, trabalhando lado-a-lado com os profissionais formais da saúde mental. É algo que nós aqui no Brasil carecemos em nossos serviços assistenciais.

O meio ambiente é um fator primordial na transição para a psicose

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Pesquisadores (incluindo Jim van Os) constatam, em um estudo de coorte de três anos de 1272 pessoas com possível risco genético de psicose, que “a maioria das transições (para psicose) pode ser atribuída a poderosos efeitos ambientais que se tornam detectáveis quando analisados frente a um risco genético de antecedentes elevados, indicando a interação gene-ambiente”. Os autores concluem que “o risco ambiental associado à transição para transtorno psicótico é semi-ubíquo, independentemente do status genético de alto risco”.

van Nierop, M., Janssens, M., Bruggeman, R., Cahn, W.; Evidence That Transition from Health to Psychotic Disorder Can Be Traced to Semi-Ubiquitous Environmental Effects Operating against Background Genetic Risk. PLoS One. Nov 06, 2013; DOI: 10.1371/journal.pone.0076690 (article)

Atualizações para o entendimento atual da Psicose e Esquizofrenia

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Brain medical research concept with a science doctor on a brain steering with a harness the direction through a maze of three dimensional neurons as an icon of finding a cure with a proper diagnosis for autism and alzeimers disease.

Em um novo editorial publicado em Psychosis, o editor Jan Olav Johannessen e o seu colega do Hospital Universitário Stavanger, Inge Joa, oferecem uma visão geral dos modernos conhecimentos sobre psicose.

De acordo com os autores, a maioria dos livros apresenta teorias ultrapassadas sobre psicose, e uma grande quantidade de novas pesquisas surgiram na última década, lançando luz sobre esta experiência. Em seu artigo, eles apresentam sua compreensão das causas e do tratamento adequado da psicose em 2021.

“Na última década, houve um desenvolvimento significativo em nossa compreensão da psicose. Chegamos a reconhecer uma lógica mais clara no desenvolvimento dos transtornos mentais através de estágios e fases, e compreendemos melhor como os transtornos mentais se desenvolvem gradualmente, e como resultado do estresse percebido”, escrevem eles.

“Ganhamos novos conhecimentos sobre as nossas reações ao estresse, mentais e físicos, e agora entendemos mais nossas experiências mentais como impressões internas de eventos externos. Compreendemos ainda mais como o estresse e os sistemas imunológicos se inter-relacionam, como resultado de tensões externas e eventos da vida, tanto no passado como no presente”.

As disciplinas-psi têm numerosos entendimentos das causas e múltiplos protocolos de tratamento da psicose. Alguns psiquiatras têm uma visão quase puramente biológica da psicose como uma doença cerebral que requer intervenções sob a forma de medicamentos. Outros têm apontado para fatores ambientais e sistêmicos e recomendado intervenções sociais e maior acesso a recursos para remediar episódios psicóticos. Muitos psiquiatras e psicólogos estão divididos sobre esta questão, resultando em recomendações extremamente diferentes para os usuários dos serviços, dependendo de onde obtêm suas informações.

Enquanto muitas abordagens para o tratamento da psicose enfatizam a “falta de discernimento” dos pacientes e, portanto, recomendam o tratamento sem muita contribuição do usuário do serviço (que pode incluir o uso dos principais tranquilizantes e a institucionalização involuntária), novas compreensões de doenças mentais tentam colocar o usuário do serviço e sua situação única no centro tanto das compreensões causais como do tratamento.

Há uma grande discrepância entre a forma como os usuários do serviço e os profissionais da saúde mental vêem as causas da doença mental, com os usuários do serviço preferindo explicações psicossociais causais e os profissionais da saúde mental preferindo as bio-genéticas. Esta discrepância entre a forma como os usuários dos serviços e os profissionais de saúde mental entendem as causas de doenças mentais pode afetar a utilidade do tratamento.

A preferência por explicações biogenéticas de doenças mentais, como visto em muitos profissionais da saúde mental, está associada ao aumento do estigma e da discriminação em relação àqueles com diagnósticos de saúde mental. Em contrapartida, a preferência por explicações psicossociais está associada à redução do estigma.

Recentemente, a principal explicação biogenética da psicose (a hipótese da dopamina) sofreu um golpe quando uma meta-análise não encontrou apoio para ela na literatura. À medida que as explicações biogenéticas se tornam cada vez mais tênues, os pesquisadores têm encontrado mais evidências apontando para fatores psicossociais. Por exemplo, estudos encontraram fortes combinações entre trauma relacionado à infância e aos cuidados com a saúde e psicose. As pesquisas também mostraram que a psicose nos Estados Unidos é inseparável do racismo e da desigualdade estrutural.

O trabalho atual tenta explicar brevemente os entendimentos mais atuais da psicose desde as causas até o tratamento e a recuperação. Os autores começam traçando a mudança nas explicações das psi-disciplinas para doenças mentais ao longo dos últimos 80 anos. As explicações ambientais dos anos 40 até os anos 60 deram lugar aos entendimentos biológicos dos anos 70 até os anos 90. Nos anos 2000, os avanços epigenéticos sugeriram que os próprios genes são influenciados pelo ambiente, empurrando assim o pêndulo de volta para as explicações ambientais das doenças mentais.

De acordo com as modernas pesquisas de hereditariedade, a genética pode ser responsável por apenas 5-6% do risco de desenvolvimento de doenças mentais. Com o afastamento das explicações genéticas das doenças mentais, os autores afirmam que, ao invés de doenças cerebrais que são gravadas na pedra, a doença mental é um estado mental transitório em constante evolução. Os autores argumentam que os usuários de serviços individuais não se encaixarão facilmente em nenhuma categoria de diagnóstico específica.

Os autores explicam que, ao invés de existir em categorias diagnósticas discretas, a doença mental se desenvolve em fases que desafiam nossas tentativas de diagnóstico, normalmente se manifestando em sintomas observáveis entre 15 e 24. A primeira é a fase pré-mórbida, antes que o transtorno se apresente. Em seguida, a fase prodromal, ou “fase de alerta”, coincide com os primeiros sinais da doença mental, mais tipicamente ansiedade e sintomas depressivos. Se não iniciarmos o tratamento de alguma forma durante a fase prodromal, pode ocorrer psicose ou outros sintomas mais extremos.

O trabalho atual compreende a psicose em termos do modelo de vulnerabilidade ao estresse. Este modelo explica que os estressores ambientais agem sobre nossas vulnerabilidades para causar psicose. Os autores traçam como, dentro deste modelo, o meio ambiente e nossa biologia estão inextricavelmente ligados. Por exemplo, o estresse do meio ambiente desencadeia a produção de hormônios de estresse. Esses hormônios do estresse podem levar à produção excessiva de alguns neurotransmissores como a dopamina. Esta superprodução faz com que o sistema imunológico ataque os locais de produção de dopamina, enfraquecendo-os e eventualmente destruindo-os.

Os autores argumentam que para tratar da melhor maneira possível doenças mentais que poderiam, em última instância, se transformar em psicose, devemos nos esforçar para uma intervenção precoce, de preferência durante a fase prodrómica, quando os sintomas são tipicamente ansiedade e depressão. Devido às idades típicas dos primeiros sintomas da doença mental (15-24) e ao aumento exponencial da cascata de efeitos adversos à medida que a doença mental não é tratada, a detecção precoce e o tratamento são de suma importância.

Para este fim, Johannessen propõe que os programas de tratamento que enfatizam coisas como aconselhamento educacional, aconselhamento jurídico, escritórios de emprego, clínicos gerais e serviços especializados dentro da comunidade sejam facilmente acessíveis aos jovens.

Seu trabalho atual também recomenda que os serviços de tratamento baseados no envelhecimento sejam divididos de forma diferente. Por exemplo, em vez de ter um conjunto de serviços para pessoas de 0-18 anos e outro para todos, os autores propõem um plano de tratamento 0-12 e um plano de tratamento 13-25, com o objetivo de desenvolver um plano de tratamento 0-100.

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Jan Olav Johannessen & Inge Joa (2021) Modern understanding of psychosis: from brain disease to stress disorder. And some other important aspects of psychosis…, Psychosis, DOI: 10.1080/17522439.2021.1985162

Uma nova meta-análise de dados de indivíduos com alto risco de esquizofrenia não encontra evidências para a hipótese da dopamina.

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Um artigo recente publicado na revista World Psychiatry analisa as evidências existentes sobre o funcionamento dopaminérgico e glutaminérgico em indivíduos considerados de “alto risco” para o desenvolvimento da “esquizofrenia”. Os autores não encontraram diferenças significativas entre populações de alto risco e grupos de controle ao analisar estudos de neuroimagem de 1960 a 2020, colocando em questão a hipótese da dopamina da causa da “esquizofrenia”.

“A interrupção da neurotransmissão dopaminérgica e glutamátrica foi proposta para ser central na fisiopatologia da esquizofrenia. As descobertas indicam que a dopamina e a disfunção do glutamato ocorrem na esquizofrenia, mas levantam a questão de se ela é anterior ao aparecimento do transtorno. É possível investigar mudanças neuroquímicas antes do início da esquizofrenia, estudando pessoas em maior risco de desenvolver o distúrbio”, Robert McCutcheon e os co-autores Kate Merritt e Oliver D. Howes escrevem.

Embora há muito tempo haja críticas à hipótese da “esquizofrenia” provocada pela dopamina como causa da condição, incluindo uma meta-análise anterior que não encontrou suporte para a hipótese após analisar os processos neuroquímicos relevantes, a hipótese continua a manter um status proeminente na psiquiatria.

Muitos sugerem que é mais exato localizar a causa da “esquizofrenia” em traumas e eventos adversos da vida como um contraponto.

O estudo atual realiza uma meta-análise estatística abrangente de estudos de 1 de janeiro de 1960 a 26 de novembro de 2020. A meta-análise visa examinar se “existe uma maior variabilidade de medidas de dopamina e glutamato em indivíduos de alto risco em comparação com os controles”. Além disso, os autores afirmam que comparar indivíduos de alto risco contra uma amostra de controle ajudará a determinar se os fatores dopaminérgicos e glutaminérgicos precedem o início da “esquizofrenia”, o que poderia dar ou reduzir a legitimidade à hipótese da dopamina causal.

A questão não é se a “esquizofrenia” envolve mudanças no funcionamento dopaminérgico e glutaminérgico, o que já foi demonstrado em pesquisas anteriores, mas se esses processos neuroquímicos causam “esquizofrenia”.

“No presente trabalho, realizamos estudos de meta-análise de neuroimagem dos sistemas de dopamina e glutamato em indivíduos com alto risco clínico ou genético de psicose para fornecer a melhor estimativa da magnitude e variabilidade das diferenças de grupo entre amostras e ambientes”.

Como diz a passagem citada, tanto as populações de “risco clínico” quanto as de “risco genético” foram analisadas na meta-análise. Os indivíduos com alto risco clínico são definidos como:

  • transtorno esquizotípico mais deficiência funcional recente
  • e/ou breves sintomas psicóticos intermitentes
  • e/ou sintomas psicóticos atenuados

Enquanto que aqueles de “alto risco genético” são definidos como:

  • parentes não psicóticos de indivíduos com esquizofrenia
  • indivíduos com variantes de número de cópias, como a eliminação do número de cópias de 1,5-5 megabases a 22q11.2 – um marcador genético associado a um “~45% de risco vitalício de desenvolver psicose e ~35% de risco vitalício de desenvolver esquizofrenia”.
    Metanálises separadas foram realizadas para indivíduos com CHR (alto risco clínico) e GHR (alto risco genético). A idade média do participante do estudo era de 26,5 anos, e 52,6% eram homens.

Estudos que incluíram indivíduos com dependência de substâncias comorbidas foram excluídos porque o uso de substâncias pode afetar o sistema de dopamina.

5.454 artigos foram identificados na literatura de pesquisa disponível para potencial inclusão. Apenas quarenta e oito destes preencheram os critérios de inclusão, que incluíam os fatores de risco acima mencionados, bem como vários alvos de neuroimagem, como a função pré-sináptica da dopamina striatal, a disponibilidade de receptores D2/D3 striatais e as concentrações de glutamato ou Glx (glutamina-glutamato). Para serem incluídos, os estudos necessários para analisar estes processos tanto para indivíduos de alto risco como para indivíduos de controle.

Oito estudos de indivíduos CHR preencheram os critérios de inclusão, incluindo 188 indivíduos CHR e 151 controles. De acordo com os autores, “os dois grupos não diferiram significativamente em termos de função pré-sináptica estriatal dopaminérgica”. Além disso, também não foi encontrada uma variabilidade estatística significativa entre eles.

Seis estudos incluíram indivíduos com alto risco genético. Quatro destes examinaram parentes de indivíduos com “esquizofrenia”, enquanto dois relataram indivíduos com a síndrome de deleção 22q11. Estes incluíam 81 indivíduos com GHR e 105 controles. Novamente, os autores não encontraram diferença significativa na função pré-sináptica estriatal dopaminérgica entre os grupos e nenhuma variabilidade estatística significativa entre eles.

Uma história semelhante surgiu para cada um dos alvos específicos de neuroimagem, desde a disponibilidade de receptores D2/D3 striatais até o funcionamento do glutamato. Os autores descobriram que as concentrações de Glx (glutamina-glutamato) eram significativamente maiores em indivíduos de alto risco genético do que nos controles, com um tamanho de efeito pequeno a moderado (g=0,36). Entretanto, eles não encontraram tais diferenças em indivíduos com alto risco clínico.

Curiosamente, estudos anteriores incluídos na meta-análise tinham maior probabilidade de encontrar diferenças significativas na função pré-sináptica estriatal dopaminérgica e na disponibilidade de receptores D2/D3 em indivíduos de alto risco clínico. Isto não foi confirmado pela meta-análise geral, no entanto. Além disso, o funcionamento do glutamato não tinha esta variabilidade de acordo com a data de publicação.

Os autores concluem:

“Estudos iniciais da função dopaminérgica pré-sináptica estriatal em indivíduos com CHR forneceram evidências de hiperatividade dopaminérgica estriatal. A falta de uma diferença significativa entre sujeitos de CHR e controles na meta-análise atual é, portanto, potencialmente surpreendente.
As concentrações aumentadas de Glx talâmico são encontradas em indivíduos com risco genético aumentado de psicose. Não há diferenças significativas entre indivíduos de alto risco e controles na função dopaminérgica pré-sináptica estriatal, disponibilidade de receptores D2/D3 estriais, glutamato de córtex pré-frontal ou Glx, glutamato hipocampal ou Glx, ou Glx de gânglios basais. Também não há evidência de maior variabilidade de medidas de dopamina ou glutamato em indivíduos de alto risco em comparação com os controles.
Entretanto, existe uma heterogeneidade significativa entre os estudos, o que não permite descartar um aumento na síntese e na capacidade de liberação de dopamina striatal em indivíduos com maior risco clínico”.

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McCutcheon, R. A., Merritt, K., & Howes, O. D. (2021). Dopamine and glutamate in individuals at high risk for psychosis: A meta-analysis of in vivo imaging findings and their variability compared to controls. World Psychiatry, 20(3), 405-416. (Link)

A triagem para depressão na atenção primária não melhora os resultados

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African American gynecologist talking to patient with tablet

Um novo artigo investigou as evidências para a triagem da depressão na atenção primária. Os pesquisadores descobriram que muito poucos estudos foram realizados para testar esta idéia, e a pesquisa existente não mostra melhorias nos resultados dos pacientes.

Os pesquisadores escrevem que “em vez de triar rotineiramente todos os pacientes na atenção primária, [os médicos] devem envolver os pacientes em discussões sobre seu bem-estar geral, incluindo a saúde mental, e estar atentos aos sinais clínicos que possam sugerir depressão”.

A pesquisa foi liderada por Brett D. Thombs da Universidade McGill, que investigou anteriormente a base de evidências para a triagem de problemas de saúde mental. (Divulgação completa: fui coautor de um trabalho sobre este assunto com Thombs e outros pesquisadores em 2016).

Embora as diretrizes britânicas e canadenses não recomendem a triagem para depressão na atenção primária, as diretrizes americanas promovem a triagem. Esta discrepância parece ser devida ao fato de que as diretrizes do Reino Unido e do Canadá procuraram evidências diretas de que a triagem beneficie os pacientes – e não encontraram nenhuma. Entretanto, as diretrizes americanas analisaram evidências indiretas – estudos que analisaram a viabilidade da triagem sem olhar para os resultados, por exemplo – e concluíram que isso deveria ser feito.

Uma questão é que a triagem é geralmente vista como positiva – mesmo que não melhore os resultados. Mas os pesquisadores expressaram repetidamente a preocupação de que a triagem pode levar ao sobrediagnóstico e ao tratamento excessivo, desperdiçando recursos de saúde e prejudicando potencialmente os pacientes.

Uma revisão da Cochrane de 2008 resumiu as evidências para a triagem para depressão: os pesquisadores descobriram que a triagem não resultou em nenhuma mudança nos resultados dos pacientes. Ao pesquisar nosso trabalho de 2016, encontramos seis estudos que compararam adequadamente a triagem com a não triagem. Cinco deles constataram que não houve benefício na triagem. O sexto descobriu resultados ambíguos, mas certamente não apoiaram fortemente o benefício da triagem.

O documento atual expande essas descobertas. Thombs e os outros pesquisadores procuraram novos estudos que comparassem a triagem com a não triagem (ou “cuidado habitual”). Eles encontraram quatro estudos desse tipo, todos para grupos específicos de pacientes (portanto, nenhum deles realmente abordou a triagem da população normal que usa os cuidados primários).

Os estudos examinaram “mulheres pós-parto, pacientes com osteoartrite, pacientes após uma síndrome coronariana aguda e pessoal militar pós-desemprego”.

No estudo sobre a triagem da depressão na osteoartrite, os pesquisadores relataram que o grupo de controle (não triagem) realmente se saiu melhor do que o grupo triado:

“Os resultados secundários foram consistentes com a medida do resultado primário ao refletir melhores resultados como um todo para o grupo de controle do que para o grupo de intervenção. As notas de ansiedade e depressão não diminuíram após a intervenção”.

No estudo sobre triagem de depressão em síndromes coronarianas agudas, os pesquisadores relataram que a triagem não fez diferença. De fato, mesmo depois de dar ao grupo de triagem um regime de tratamento “melhorado”, não houve diferença entre os grupos:

“Não houve diferenças nos anos de vida ajustados pela qualidade ou dias livres de depressão naqueles que foram e não foram rastreados para depressão, mesmo quando a triagem para depressão foi seguida de um tratamento melhorado para depressão”.

A triagem para depressão também não melhorou os resultados para os militares pós-desemprego:

“A triagem pós-desemprego para transtornos mentais baseada em conselhos personalizados não foi eficaz para reduzir a prevalência de transtornos de saúde mental nem aumentou a procura de ajuda”.

Finalmente, o estudo sobre a triagem para depressão em mulheres pós-desemprego relatou resultados positivos, mas Thombs e os outros pesquisadores expressaram preocupação sobre a veracidade dos dados. O resumo do estudo não relata o resultado primário pré-registrado (que não mostrou nenhum efeito), mas apenas um resultado secundário (que encontrou um efeito positivo) para que o estudo parecesse mais positivo.

Além disso, o tamanho do efeito foi enorme – seis a sete vezes maior do que intervenções similares em outros estudos. Thombs e seus co-autores escrevem que isto “[levanta] a preocupação sobre se estes resultados representam o que ocorreria na prática clínica real”.

Em resumo, não há novas evidências convincentes de que a triagem para depressão na atenção primária poderia ser útil. De fato, em alguns casos (como o estudo da osteoartrite), foi constatado que ela era prejudicial.

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Thombs, B. D., Markham, S., Rice, D. B., & Ziegelstein, R. C. (2021). Does depression screening in primary care improve mental health outcomes? BMJ, 374, n1661. DOI: 10.1136/BMJ.n1661 (Link)

“Nada menos que um desastre”: Começam os cortes no sistema pioneiro de saúde mental de Trieste

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Publicado em Independent, matéria de Mark S. Smith: “O governo regional de direita do nordeste A Itália, como se temia, começou a desmantelar seu sistema global de famoso sistema de psiquiatria comunitária, conhecido como o “modelo de Trieste”, amplamente celebrado como um dos os modelos mais bem sucedidos do mundo para a recuperação de doenças mentais. Apesar dos protestos e assinaturas de petições, aos milhares, incluindo muitos dos psiquiatras mais proeminentes do mundo, o governo local em Trieste e na região de Friuli- Venezia Giulia cumpriu com as ameaças anteriores para reduzir o serviços de saúde mental da região em um plano que visa abrir caminho para investidores privados. Trieste tem sido um farol da reforma psiquiátrica holística desde a 1970, sob a liderança do falecido e mundialmente conhecido Franco Basaglia. Seu trabalho acabou levando à abolição de todos os asilos mentais na Itália.”

“(…) O trabalho do Basaglia tem sido replicado em mais de 30 países, incluindo partes do Reino Unido – com pelo menos meia dúzia de NHS em toda a Inglaterra e País de Gales. Mais recentemente, o modelo de Trieste foi adotado na Polônia e na República Tcheca. Basaglia estabeleceu um modelo de cuidado integrado baseado em um rede de centros comunitários de saúde mental, que funcionam 24 horas por dia, a partir dos quais ele desenvolveu seus princípios terapêuticos de liberdade e modelos de recuperação individualizados, conectados com o apoio de família, amigos, vizinhos e a comunidade.
Mas apesar da aclamação por seus métodos, o trabalho de Basaglia está agora sendo desmontado.”

” (…) A nova política do governo regional sobre saúde mental – chamada Resolução Regional No. 1466/2, que foi emitida no início de outubro – revelou planos para fechar sete dos 22 CMHCs em toda a Friuli-Venezia Giulia, e para cortar horas nos restantes centros. Também estão sendo feitos cortes drásticos no pessoal. considerado. A política revisada também exige a duplicação do número de de leitos hospitalares gerais para pacientes mentais em Trieste.”

Os planos horrorizaram alguns especialistas. Disse o Dr. Mezzina: “Esta redução dos serviços públicos de saúde mental em Trieste e Friuli- Venezia Giulia é nada menos que um desastre. A idéia de fechar vários de nossos centros, reduzindo as horas e aumentar o número de leitos hospitalares é um anátema total para o conceito de psiquiatria comunitária e recuperação.

Toda a sua política não se baseia em fatos, mas sim na ideologia da direita e o desejo de controle autoritário sobre a saúde ignorando as necessidades dos cidadãos. Trazendo de volta o velho sistema de leitos hospitalares, instalações residenciais de longo prazo e visitas ambulatoriais baseadas em medicamentos, eles estão criando um ambiente favorável à especulação e ao capital privado.

“Não tem nada a ver com custo, Covid-19 ou beneficiar as pessoas com doença mental. Há um fantasma que assombra esta região, cujo objetivo é destruir os serviços de saúde mental considerados os mais brilhantes do mundo. Construímos aqui um modelo de recuperação psiquiátrica de classe mundial e ficamos horrorizados ao vê-los desmontá-lo”.

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PELA SUPERAÇÃO DO MODELO CONSERVADOR : Em tempos sombrios, vamos falar de saúde mental

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Matéria escrita por Raquel Gouveia Passos, recentemente publicada no Le Monde Diplomatique-Brasil:

“[…] Precisamos compreender as múltiplas concepções de saúde mental que estão em disputa e representam diferentes projetos políticos e econômicos. Não podemos nos permitir a ingenuidade, uma vez que a produção de doenças e adoecimento não está restrita aos olhares e atenção do campo da saúde mental. O controle dos corpos e subjetividades de mulheres, pobres, negros, LGBTs e usuários de drogas sempre perpassou a patologização, medicalização e institucionalização, o que vem sendo atualizado, inclusive, pela suposta ‘guerra às drogas’ ”

“[…] Nesse caminho, afirmamos que abordar saúde mental é falar de vida. Em outras palavras, a negação das possibilidades de realizar escolhas concretas e subjetivas ocasiona sofrimento e pode levar ao adoecimento. Não ter um salário digno, condições de moradia e saneamento básico, alimentação adequada, transporte público, lazer e cultura, saúde, educação etc. impacta na existência dos indivíduos podendo ocasionar tristeza, angústia, insônia, irritabilidade, ansiedade e outros sentimentos que prejudicam o bem-estar em sua integralidade. Portanto, em tempos sombrios nada mais relevante do que retomarmos estratégias de cuidado em saúde/saúde mental para a promoção de ações coletivas de resistência. Afinal, de qual saúde mental interessa falar?”

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A Psiquiatria se preocupa com a sua “Marginalização” no novo Documento da OMS

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closeup of the hands of a young man with a piece of paper with the text human rights written in it, with a dramatic effect

Um editorial foi publicado recentemente no British Journal of Psychiatry para abordar as preocupações que alguns psiquiatras têm levantado em relação à iniciativa QualityRights da Organização Mundial da Saúde (OMS). O editorial, intitulado “The WHO QualityRights initiative, building partnerships among psychiatrists, people with lived experience, and other key stakeholders to improve the quality of mental healthcare” [“A iniciativa QualityRights da OMS, construindo parcerias entre psiquiatras, pessoas com experiência vivida e outros atores-chave para melhorar a qualidade da saúde mental”], aborda o papel da psiquiatria na promoção dos direitos humanos na saúde mental global.

“Em um editorial recente no BJPsych, Hoare & Duffy expressaram a preocupação de que as ferramentas de treinamento e orientação QualityRights possam ‘marginalizar’ a psiquiatria e comprometer os direitos das pessoas com condições de saúde mental”, escrevem os autores.

“É importante abordar essas preocupações e outras percepções errôneas e destacar como QualityRights está causando um grande impacto melhorando a qualidade do atendimento psiquiátrico em diferentes países, construindo parcerias e colaboração entre psiquiatras, pessoas com experiência vivida de doenças mentais e outros atores-chave”.

O objetivo principal da iniciativa QualityRights da Organização Mundial da Saúde é mudar tanto as mentalidades quanto as práticas para promover direitos e recuperação para indivíduos com deficiências psicossociais, intelectuais e cognitivas. A OMS já implementou a iniciativa QualityRights em alinhamento com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CRPD) em países de todo o mundo através de um treinamento abrangente que utiliza abordagens educacionais distintas e módulos que ilustram tanto a necessidade de abordagens baseadas em direitos na saúde mental quanto a sua urgência.

Os autores do editorial, Maria Francesca Moro, Soumitra Pathare, Martin Zinkler, Akwasi Osei, Dainius Pūras, Rodelen C. Paccial, e Mauro Giovanni Carta, são todos psiquiatras; sua principal intenção por trás deste editorial é assegurar a seus colegas psiquiatras que a iniciativa de QualityRights foi concebida tendo em mente os psiquiatras.

“Os psiquiatras estiveram envolvidos em cada etapa da produção dos materiais QualityRights, e sua colaboração foi fundamental para o sucesso desta iniciativa. No total, 8 dos 26 especialistas internacionais que contribuíram para a elaboração dos módulos e 31 dos 151 revisores foram psiquiatras. Além disso, na realização do treinamento para psiquiatras, pelo menos um psiquiatra é envolvido como instrutor e ajuda a liderar a discussão sobre os tópicos mais desafiadores”.

Embora algumas vinhetas não dêem a melhor luz sobre a psiquiatria, elas dão um brilho preciso. Uma que faz justiça à experiência vivida daqueles que foram prejudicados pelo sistema de saúde mental de seu país e sua dependência excessiva em psiquiatria, medicação e outras práticas coercitivas de saúde mental. Dito isto, os autores observam que QualityRights ainda reconhece a importância das drogas psicotrópicas no tratamento, mas que estas opções de tratamento não devem vir desprovidas de alternativas.

Em particular, os autores incitam os psiquiatras a procurar e defender alternativas às práticas involuntárias e a serem cautelosos quanto ao perigo de criminalizar pessoas com condições de saúde mental, mesmo em sistemas com recursos limitados. Eles escrevem:

“Há provas crescentes de que as práticas involuntárias são deletérias e minam a dignidade e o bem-estar das pessoas com condições de saúde mental”. As práticas involuntárias freqüentemente também têm impactos negativos sobre a confiança, incluindo a falta de vontade de buscar ajuda e de se envolver com os profissionais”.

Os autores esclarecem que os psiquiatras têm desempenhado um papel essencial na realização contínua da CRPD e são necessários para promover a realização e a promoção da iniciativa QualityRights.

No entanto, também é evidente que discussões francas sobre as realidades coercitivas e abusivas do campo, da ciência e da profissão precisam ser discutidas e aprendidas, pois a falta de conversa é muito provavelmente mais prejudicial do que as conseqüências potenciais da marginalização da psiquiatria.

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Moro, M. F., Pathare, S., Zinkler, M., Osei, A., Puras, D., Paccial, R. C., & Carta, M. G. (2021). The WHO QualityRights initiative: building partnerships among psychiatrists, people with lived experience and other key stakeholders to improve the quality of mental healthcare. The British Journal of Psychiatry, 1-3. (Link)

Quinta edição do Seminário Internacional sobre a Epidemia das Drogas Psiquiátricas

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“Crise Planetária: Pandemia, Desigualdades, Neoliberalismo e Patologização” será o tema da quinta edição do Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas, que acontece nos dias 4 e 5 de novembro. Realizado desde 2017 sob a coordenação do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial da ENSP/Fiocruz, a edição deste ano pretende discutir as consequências da crise planetária – agravada pela pandemia de Covid-19 – na patologização da vida. O seminário será transmitido pela VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz.
O evento será coordenado pelos pesquisadores Paulo Amarante e Fernando Freitas, do Laps/ENSP. A abertura acontecerá no dia 4 de novembro, às 9h, e terá a presença de dirigentes da Fiocruz e da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), da presidência da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), do Centro de Estudos Brasileiros de Saúde (Cebes), do Conselho Federal de Psicologia e do GT de Saúde Mental da Abrasco.
“A pandemia do Covid 19 tem agravado a crise que as sociedades contemporâneas estão sofrendo. É a crise de um modelo de produção e reprodução da sociedade que está levando à morte do planeta, à destruição das instituições de suporte e proteção ao bem-estar social, ao aprofundamento das desigualdades, enfim, que está pondo em risco a própria humanidade. O modo como temos enfrentado a pandemia do Covid-19 explicita bem isso: uma sociedade que carece de recursos de compaixão e solidariedade para garantir as condições de vida para todos. Esse modelo de sociedade hoje dominante é o chamado neoliberalismo. O 5o. Seminário Internacional A Epidemia das Drogas Psiquiátricas não poderia deixar de contribuir para melhor entendermos o momento em que vivemos e debater soluções”, afirmou o pesquisador Fernando Freitas.
Paulo Amarante destaca a consolidação do evento na agenda institucional:
“O seminário acontece há cinco anos, de forma ininterrupta, e já está consolidado na agenda política não apenas da Fiocruz e da Escola Nacional de Saúde Pública, mas também em âmbito nacional e internacional. Em 2021, daremos ênfase ao debate sobre como a crise planetária, que foi agravada com a pandemia de Covid-19, trouxe consequências para o aumento das desigualdades sociais e os processos de patologização e mercantilização da vida”.
A palestra principal do evento será proferida pela Dra. Joanna Moncrieff, psiquiatra, cientista, professora sênior da University College London, autora de vários livros e inúmeros artigos científicos. O título da sua apresentação “O Passado e o Futuro da Psiquiatria e as suas Drogas” dá continuidade a uma problemática que vem sendo abordada nos seminários anteriores: a medicalização psiquiátrica da miséria humana e suas alternativas.
A experiência dos ex-usuários da psiquiatria com a retirada das drogas psiquiátricas de suas vidas, o know-how desenvolvido por eles e as experiências de mútua ajuda que eles estão criando, será objeto de uma mesa-redonda com Peter Lehmann, co-fundador de associações de proteção contra a Violência Psiquiátrica e de Sobreviventes da Psiquiatria; Doutor Honoris causa/Universidade Aristóteles Salônica/GR, Ordem do Mérito/Alemanha.
Para debater o papel do neoliberalismo na construção de nossas identidades e as patologias da razão neoliberal, haverá uma mesa-redonda com o Prof. James Davies, antropólogo, professor de Antropologia Social e Saúde Mental na Universidade de Roehampton, Londres/UK, e Esther Solano, cientista social, Profa. Adjunta da UNIFESP/SP, e da Universidad Complutense de Madrid/Espanha.
Confira aqui →
Acompanhe aqui, no MIB, as informações que serão dadas para que você esteja por dentro do Seminário. Em breve: uma entrevista que a Dra. Joanna Moncrieff deu ao MIB.

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