Maior publicação sobre ‘Antipsicóticos Afilados’ acaba de ser lançada

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Um novo artigo, publicado no Schizophrenia Bulletin, é o primeiro artigo científico a destacar uma perspectiva de descontinuação gradual dos medicamentos antipsicóticos que mostra ser promissora na redução dos sintomas negativos de abstinência e recaída. O autor principal, Mark Horowitz, da UCL Psychiatry, explicou o ímpeto da publicação:

“Surpreendentemente, não há diretrizes publicadas sobre como sair dos antipsicóticos. Pela minha própria experiência, sei o quão difícil pode ser desabituarmo-nos aos medicamentos psiquiátricos – por isso, propusemos escrever orientações sobre como retirar com segurança os antipsicóticos. Suspender os medicamentos é uma parte importante do trabalho de um psiquiatra, mas tem recebido relativamente pouca atenção.”

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A pesquisa mostra que mais de metade dos indivíduos que têm tomado antipsicóticos relataram experiências negativas, não se limitando ao suicídio, como o entorpecimento emocional, sedação, aumento de peso e dificuldades cognitivas. O uso de antipsicóticos a longo prazo tem sido associado a efeitos negativos no corpo, tais como perturbações do movimento, aumento da mortalidade, e impactos duradouros no cérebro, incluindo a atrofia cerebral.

Dados os efeitos adversos dos antipsicóticos, é imprescindível o desenvolvimento e a implementação de abordagens seguras para reduzir e colocar um fim ao uso de antipsicóticos. A investigação sugere que as pessoas diagnosticadas com perturbações psicóticas sejam gradualmente retiradas dos seus antipsicóticos, para que possam melhorar o seu funcionamento e os resultados do tratamento a longo prazo.

Considerando que o nosso cérebro se adapta ao uso a longo prazo de drogas como é o caso dos antipsicóticos, a descontinuação abrupta dos medicamentos antipsicóticos é susceptível de levar a recaídas e a sintomas de abstinência. Os sintomas de abstinência podem consistir em sintomas somáticos, como náuseas e sudorese, problemas motores e psicológicos, incluindo a própria psicose. Os sintomas somáticos normalmente começam em dias e duram algumas semanas. Em contraste, os sintomas motores podem se manifestar durante um período de semanas após a redução da dose e podem se prolongar por meses ou mesmo anos.

O Professor David Taylor, do King’s College London, que é um dos autores, explicou o seguinte:

“Os antipsicóticos são tão familiares aos prescritores que é tentador assumir serem simultaneamente eficazes e inofensivos. Ainda que sejam talvez o tratamento mais útil para doenças mentais graves como a esquizofrenia, a sua natureza tóxica torna-os impróprios para as condições menos graves. Os antipsicóticos induzem alterações duradouras nas células nervosas do cérebro, e precisam de ser retirados muito lentamente (e de uma forma adequada às particulares de cada usuário) para dar tempo ao cérebro para se restabelecer.”

Embora a distinção entre as recidivas associadas à abstinência e as que refletem um curso típico de um transtorno psicótico seja um desafio, os sintomas de abstinência associados à recidiva podem ser evidenciados no aumento das taxas de recidiva após a cessação antipsicótica.

A investigação também descobriu que os indivíduos a quem foram prescritos antipsicóticos durante períodos mais longos têm um risco acrescido de recaída, incluindo sintomas psicóticos, após uma interrupção da sua medicação – com o risco a duplicar após 1-2 anos de uso de antipsicóticos, triplicando após 2-5 anos, e aumentando 7 vezes após 8 anos de uso.

Os autores salientam que a recaída após uma interrupção da medicação ocorre com os medicamentos psicotrópicos, em geral:

“Este padrão de recidiva precoce, consistente com os efeitos relacionados com a descontinuação, não se restringe aos antipsicóticos, mas é também evidente no caso dos antidepressivos na ansiedade, bem como do lítio e outros estabilizadores do humor no transtorno afetivo-bipolar, também persistindo durante meses.”

Existe uma falta de informação e orientação no que diz respeito ao processo de redução gradual dos antipsicóticos, o que contribui para a hesitação dos psiquiatras em ajudar os clientes a descontinuar a sua medicação. O afilamento gradual parece ser uma forma eficaz de reduzir a recidiva após a cessação, visto que as alterações neurológicas feitas pelos antipsicóticos se têm mostrado persistentes durante anos após o fim do uso de antipsicóticos. Presentemente, as diretrizes sugerem que a afilação a doses mínimas é eficaz, mas não indicam especificamente como fazer uma afilação.

O coautor Sir Robin Murray, do King’s College London acrescentou:

“Alguns psiquiatras estão relutantes em discutir a redução de antipsicóticos com os seus pacientes. Infelizmente, a consequência é que os pacientes param subitamente a medicação por si próprios, com o resultado de que há uma recaída. Muito melhor será que os psiquiatras se tornem especialistas em quando e como aconselhar os seus pacientes a reduzirem lentamente o seu antipsicótico.”

Os autores oferecem diretrizes sobre como deixar de tomar antipsicóticos em segurança, o que também se alinha com uma investigação recente que publicaram sobre como interromper o uso de antidepressivos em segurança.

Eles identificam os seguintes princípios quando se afunila: “fazê-lo cautelosamente por pequenas quantidades, e assegurar uma estabilidade dos pacientes (com sugestões de intervalos de três até seis meses entre as reduções de dose, ou pequenas reduções feitas a cada mês) antes de fazer mais outras. É necessário haver versões líquidas do fármaco ou formulações em doses pequenas, para ajudar os pacientes a fazer a redução e evitar o esmagamento dos comprimidos como é feito hoje em dia.

Outros peritos de renome na matéria sublinham a importância destas recomendações. Joanna Moncrieff, da psiquiatria da UCL, que está na liderança do ensaio RADAR, o primeiro estudo em Inglaterra para analisar o efeito de reduzir lentamente os antipsicóticos em pessoas com um diagnóstico de esquizofrenia, disse:

 “Muitas pessoas querem desesperadamente tentar parar os seus antipsicóticos, e por boas razões, mas os psiquiatras estão muitas vezes relutantes em ajudá-los. Este artigo irá melhorar a confiança dos psiquiatras em ajudar as pessoas a reduzir e parar os antipsicóticos, o que dará às pessoas mais escolha sobre o seu tratamento.”

O Professor John Read, da Universidade de East London, Presidente do International Institute for Psychiatric Drug Withdrawal, declarou:

“Este documento é um avanço histórico que proporcionará uma orientação há muito esperada por milhares de pessoas que estão atravessando, há décadas, este difícil processo com pouco apoio ou informação. Os psiquiatras envolvidos são verdadeiros pioneiros na caminhada para uma abordagem mais baseada na evidência dos medicamentos psiquiátricos.”

Os autores concluem enfatizando a necessidade de mais investigação e de diretrizes formais para o emprego de antipsicóticos afilados. Uma implementação de tais diretrizes poderia ser transformadora para as pessoas a quem são prescritos antipsicóticos, tal como salientado por aqueles com experiência de vida:

Sandra Jayacodi, que faz parte do painel consultivo de experiência vivida e membro do processo RADAR, disse:

“Os efeitos secundários dos medicamentos antipsicóticos são extremamente desagradáveis, e reduziram a qualidade da minha vida, e as hipóteses são de que a minha esperança de vida também tenha sido reduzida. Por vezes, parece uma sentença de prisão perpétua. Se me fosse dada uma escolha com o apoio e orientação adequados, eu teria deixado de os tomar. Sim, é, portanto, uma questão de tempo, os psiquiatras receberão orientações para ajudar as pessoas a reduzir ou a parar os seus medicamentos antipsicóticos. Saber que existe uma tal orientação também dará às pessoas a confiança para iniciar uma conversa com o seu psiquiatra sobre a redução ou interrupção dos medicamentos antipsicóticos.”

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Horowitz, M. A., Jauhar, S., Natesan, S., Murray, R. M., & Taylor, D. (2021). A method for tapering antipsychotic treatment that may minimize the risk of relapse. Schizophrenia Bulletin. doi:10.1093/schbul/sbab017 (Link)

Estudo Brasileiro Relata o que Pesquisadores Acham da Retirada das Drogas Psiquiátricas

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Um importante estudo que procurou investigar o que pesquisadores e profissionais da área pensam sobre os psicofármacos no cuidado em Saúde Mental. O artigo que saiu na revista internacional Journal of Critical Psychology, Counselling and Psychotherapy investigou profissionais dos cinco continentes do planeta e foi resultado de uma parceria entre o Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS) e o Centro de Estudos Estratégicos (CEE), ambos da FIOCRUZ.

O que motivou a pesquisa foi o crescente número de pessoa no Brasil e no mundo que consomem alguma categoria de droga psiquiátrica, bem como a dificuldade que estas mesmas pessoas, e os próprios médicos, sentem em realizar a descontinuação farmacológica. Como bem-sabido, a retirada da dose psicofármacos em uso pode ser um processo muito difícil de ser suportado pelos usuários, especialmente devido aos sintomas de abstinência e a falta de tecnologias para que essa descontinuação seja realizada de maneira segura. A indústria farmacêutica não disponibiliza doses personalizadas ou com variações que permitam um processo de redução lento e gradual para evitar que o sofrimento com sintomas de abstinência seja o mínimo possível.

O método empregado foi um questionário ‘online’, com 10 perguntas objetivas, enviado para o endereço de correio eletrônico de autores de publicações científicas sobre o tema. Foram enviados convites da pesquisa para 14. 981 ‘e-mails’, dos quais foram obtidas 384 respostas válidas. A amostra consistiu em 318 questionários totalmente respondidos, o que significa um nível de confiança de 95%, com margem de erro de 5%.

O questionário foi estruturado em duas partes. O primeiro qualificou os respondentes de acordo com seu nível de conhecimento sobre o assunto (‘Bom’, ‘Algum’ ou ‘Nenhum’ conhecimento). Foram excluídos da investigação aqueles que responderam não ter ‘Nenhum’ conhecimento. Na segunda parte da pesquisa, respondentes com ‘Algum’ ou com um ‘Bom’ conhecimento passaram para as demais 9 perguntas do questionário. As respostas eram restritas a “Concordo”, “Discordo” ou “Não sei”.

A ocorrência de sintomas relacionados à retirada dos psicofármacos foi reconhecida pela maioria dos respondentes, bem como a controvérsia sobre a eficácia do tratamento psicofarmacológico. A maioria dos respondentes também concordou sobre a necessidade de proporcionar a descontinuação personalizada das drogas psiquiátricas, respeitando cada características e necessidades individuais e permitindo, assim, uma maior oportunidade de sucesso no procedimento.

“A literatura científica e a experiência de vida dos usuários indicam que quanto mais tempo os indivíduos usam uma droga psiquiátrica, é maior a probabilidade de graves sintomas de abstinência (M. Harrow et al., 2012; M. Harrow & Jobe, 2013; Martin Harrow & Jobe, 2007; Moncrieff, 2006). A maioria dos entrevistados concordou com esta posição.”

Apesar da crescente pesquisa e da abundante quantidade de relatos de experiências de vida de ex-usuários de medicamentos psiquiátricos sobre a dependência química e os sintomas de abstinência, a maioria dos entrevistados (a Academia) disse não ter conhecimento sobre a problemática de abstinência dos medicamentos. No entanto, a maioria concordou sobre a importância da retirada das drogas psiquiátricas para o bem-estar do paciente, isso significa que há o reconhecimento dos efeitos dessa retirada, demandando uma assistência adequada durante o processo.

Os resultados do estudo sugerem a importância de se desenvolver tecnologias para garantir a disponibilidade de medicamentos psiquiátricos em doses adequadas, para assim permitir haver a descontinuação sob medida às singularidades de cada usuário.

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FREITAS, F., MOTA, F.,  BRAGA L.A.M. and GOMES, Camila M.  Attitudes of researchers
concerning discontinuation of psychopharmacological treatment. Journal of Critical Psychology, Counselling and Psychotherapy, Vol. 20, No. 4, 55-65. (link).

Kit de Sobrevivência em Saúde Mental e Retirada de Drogas Psiquiátricas, cap. 5, parte 1

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religious fanatic woman. Pop art retro vector vintage illustrations

 

KIT DE SOBREVIVÊNCIA EM SAÚDE MENTAL E RETIRADA DAS DROGAS PSIQUIÁTRICAS

 

Nota do Editor: Por permissão do autor, o Mad in Brasil (MIB) está publicando o recente livro do Dr. Peter Gotzsche, Kit de Sobrevivência em Saúde Mental . Os capítulos estão ficando disponíveis em um arquivo aqui.

CAPÍTULO 5, PARTE 1

Kit de sobrevivência para jovens psiquiatras em um sistema doente

Escrevi este livro para os pacientes e seus parentes para ajudá-los a evitar que fiquem presos pela psiquiatria e fiquem ofuscados pelas drogas psiquiátricas, desperdiçando assim anos de suas vidas, ou, no pior dos casos, morrendo. Mas e a psiquiatria como uma especialidade médica; ela pode ser salva de si mesma?

Não pode. Muitos livros, incluindo este, documentaram que os líderes psiquiátricos desistiram do pensamento racional em favor dos benefícios que eles próprios adquirem ao apoiar um sistema totalmente doente. A única esperança que temos é se o povo protestar tão vigorosamente que isso se torne uma revolução imparável.

Dada a doutrinação generalizada, isto é improvável que venha acontecer. Sempre haverá muitos pacientes que acham que as drogas psiquiátricas têm sido boas para eles e que ficarão do lado da corporação psiquiátrica, e esta força, juntamente com a riqueza e o poder obsceno que a indústria farmacêutica acumulou ao nos vender comprimidos inúteis, é tão grande que nossos políticos, mesmo que tenham percebido o quanto tudo isso é ruim, não se atrevem a agir de acordo. O sistema está bloqueado, como se tivesse sido forçado a entrar em uma camisa de força.

Também é muito conveniente para os políticos que haja uma profissão que lide com os elementos mais perturbadores de nossas sociedades e que exerça um controle social rígido sobre eles, muito mais rígido do que o sistema criminoso permite, às vezes com penas indefinidas, num sistema fechado onde os gritos das vítimas não são ouvidos, como no sistema Gulag soviético ou nos campos de concentração nazistas, onde as mortes causadas por aqueles que detinham o poder eram chamadas de mortes naturais, e onde o sistema de apelação era uma farsa total. Qual é a diferença para a psiquiatria, que também chama as suas mortes de “mortes naturais”, onde o sistema de apelação é uma total farsa, onde a lei está sendo violada sistematicamente, e onde pesquisadores independentes acabam sendo demitidos após um julgamento de fachada, se eles tentarem descobrir por que as pessoas morreram?

Mas temos outra fonte de esperança que são os jovens psiquiatras em treinamento cujos cérebros ainda não foram bloqueados com todas as falsas crenças. Alguns deles haviam ficado tão desesperados que me contataram, embora eu não os conhecesse de antemão, para discutir as suas frustrações intensas a respeito de um sistema que tão claramente torna as coisas piores para os seus pacientes.

Um deles, a médica chefe Klaus Munkholm, de 46 anos, do departamento psiquiátrico do meu próprio hospital, que tinha percebido, ao ler os livros de Robert Whitaker e de mim mesmo, que aquilo em que ela acreditava há tantos anos era claramente errado. Ela me escreveu em julho de 2017 e me explicou que estava preocupada que a psiquiatria biológica não tinha sido útil para o entendimento do transtorno bipolar, o que era o seu principal interesse de pesquisa. Ela tinha preocupações semelhantes a respeito das outras doenças psiquiátricas e queria fazer uma pesquisa nesse sentido.

Sou muito rápido para julgar as pessoas e imediatamente marquei uma reunião que foi muito boa. Iniciamos uma frutífera colaboração em pesquisa, mas ela teve repercussões para Klaus. Já um mês após a nossa primeira reunião, ela havia sido desencorajada – tanto em um e-mail quanto em uma reunião – a colaborar com o meu grupo de pesquisa, e ela havia sido avisada de que isso teria consequências para a sua carreira. Eu respondi: “Você consegue ver a semelhança com o fanatismo religioso? É exatamente assim que as Testemunhas de Jeová, a Cientologia, e todas as outras reagem. Isto é inaudito em um contexto acadêmico, mas nos diz muito sobre onde está a psiquiatria”.

Klaus não cedeu e, a partir de dezembro de 2017, eu a empregava um dia por semana, para o grande desgosto do seu chefe, o professor Lars Kessing.

No mesmo mês, outro psiquiatra chefe, Kristian Sloth, também desconhecido para mim, pediu para ter uma reunião, e ele chamou a minha atenção para um anúncio da Psiquiatria na Região da Capital de que as pílulas da depressão poderiam prevenir a demência. É claro que elas não podem fazer isso; pesquisas mostraram que é mais provável que elas causem demência (ver Capítulo 2). Kristian também observou que ele tinha reduzido as despesas com medicamentos em 35% em apenas um ano desde que começou a trabalhar no departamento. Ele me contou sobre uma paciente que foi diagnosticada com esquizofrenia, recebeu uma dose alta de Leponex (clozapina), tornou-se psicótica, recebeu ainda mais Leponex e que acabou em uma enfermaria de segurança máxima. Quando pararam o Leponex, todos os sintomas psicóticos dela desapareceram.

Kristian abriu uma seção em sua unidade assistencial que ele chama de “espaço livre de força”, onde os seus pacientes têm a garantia de que nenhuma força será aplicada a eles.

Klaus era um tesouro. Brilhante e bondosa, um grande trunfo para todos os projetos psiquiátricos que eu havia iniciado. Não demorou muito até que eu lhe dissesse que queria empregá-la em tempo integral. Ela finalmente abandonou a psiquiatria e se tornou empregada em tempo integral, um ano depois de ter me contatado pela primeira vez. Alguns dos “gorilas” da psiquiatria, que antes a tinham em grande consideração, agora a tratavam como as Testemunhas de Jeová e a Cientologia tratam os desertores.

Uma psiquiatra deixou seu trabalho em um serviço onde o médico-chefe Lars Søndergård tinha prescrito uma overdose tão monstruosa aos pacientes, e contra as diretrizes, que ela não podia mais trabalhar como psiquiatra por causa de sua periculosidade. [1] Ela foi para um outro hospital, mas enquanto isso, Søndergaard foi autorizado a praticar novamente, sob supervisão próxima, e ele apareceu no hospital onde ela estava agora.

Søndergaard continuava a prescrever doses excessivas aos seus pacientes de forma monstruosa. Seu chefe, Michael Schmidt, não o supervisionou, e foi por pura sorte que todos os seus pacientes sobreviveram às enormes overdoses, muitas vezes com vários neurolépticos tomados simultaneamente. As enfermeiras e seus colegas psiquiatras estavam muito preocupados com o que viram e contataram Schmidt sobre isso, mas nada aconteceu. Schmidt respondeu que, “Muitos dos pacientes que encontramos hoje na unidade de emergência são muito extrovertidos e extremamente difíceis de tratar dentro das diretrizes correntes”. Como a cultura no serviço era de medo e intimidação, as enfermeiras decidiram envolver o seu sindicato.

A negligência médica de Søndergaard incluía a suspensão do tratamento correto de delírio alcoólico prescrito por outro médico, que é uma condição muito perigosa, bem como a prescrição de dois neurolépticos, na medida em que aumentam acentuadamente o risco de convulsões, arritmias cardíacas repentinas e morte. [3] Um paciente recebeu metadona, que pode causar arritmias letais, razão pela qual o Conselho Nacional de Saúde recomenda contra o tratamento concomitante com neurolépticos, mas a este paciente foram prescritos três neurolépticos simultaneamente, e recebeu alto no mesmo dia. [3]

A resposta de Schmidt foi extremamente arrogante. [4] Ele não conseguiu reconhecer nenhum dos exemplos horríveis de overdose do jornalista que a ele havia sido enviado.

Levou quatro meses para que a Autoridade de Segurança do Paciente respondesse. O veredicto foi duro.[5] Schmidt foi colocado sob supervisão rigorosa e Søndergård não podia mais trabalhar como psiquiatra. Schmidt tinha aprovado uma proposta de Søndergård que significava que os pacientes ficavam extremamente overdosados, e ele não tinha sido capaz de interpretar um artigo científico profissionalmente, mas concluiu o oposto do que o artigo dizia sobre a dosagem. Schmidt não tinha informado a Autoridade sobre as doses excessivas, embora tivesse o dever de fazê-lo, e ainda que o pessoal o tivesse informado várias vezes. Schmidt tinha até escrito à Autoridade que Søndergård “tem uma abordagem analítica apurada” e tinha “levado o serviço a um nível profissional muito elevado”, ao contrário da opinião da Autoridade, que era de que Søndergård em vários casos tinha exposto os pacientes a sérios perigos.

O Diretor Adjunto Søren Bredkjær, a Gerência de Psiquiatria na Região Zelândia, emitiu imediatamente um comunicado de imprensa enfatizando que eles ainda tinham plena confiança em Schmidt e que ele tinha recebido apenas uma “punição suave”.

A jovem psiquiatra em treinamento que havia relatado Schmidt à Autoridade depois de ter tentado durante meses resolver os problemas por conta própria, Schmidt a rotulou como “uma pessoa rabugenta e insana”, na frente dos colegas. [5]

Por fim, ela desistiu e foi até Bredkjær, a quem ela encorajou a examinar os arquivos relevantes dos pacientes. Ela lhe mostrou uma lista dos pacientes que foram admitidos em um dia em que ela estava de plantão e o deixou ver as suas anotações pessoais. Ela pediu que ele investigasse o caso, mas nada aconteceu. Então ela não viu outra opção a não ser ir à imprensa.

Para o jornalista, Bredkjær brigava o tempo todo e não queria pedir desculpas às enfermeiras e médicos que constantemente avisavam sobre os problemas, mas que haviam sido ignorados também por ele.

Todos os jovens psiquiatras que vieram me ver apreciavam muito trabalhar com os seus pacientes. Eu lhes disse que eles eram exatamente o tipo de médicos que os pacientes e a psiquiatria precisavam, e que eles não deveriam deixar a psiquiatria.

Uma delas foi seriamente repreendida pelo seu chefe quando começou a retirar lentamente os medicamentos de que os pacientes não precisavam mais, após os haver iniciado no ambulatório.

Outro me escreveu: “Você consegue imaginar como é compartilhar café e almoço com essas pessoas dia após dia, durante semanas, meses e anos? Sou forçado a ouvir as divagações loucas dos puristas prescritores até não poder mais suportá-los e pedir-lhes as suas referências científicas para o que afirmam, e isso só os deixa irritados. Sou forçado a ouvir aqueles que sempre querem falar sobre algum psiquiatra que os irrita porque ele é ruim em fazer diagnósticos corretos, até que eu pergunte como eles sabem que a sua marca particular de diagnóstico é a correta, o que os deixa com raiva. O pior de tudo é que preciso ouvir as conversas dos psiquiatras norteadas para o estilo de vida a respeito dos seus últimos apartamentos, carros e viagens, e eles ficam com raiva se eu puxar o assunto para a psiquiatria. O que eu aprendi dolorosamente sobre essas pessoas é que a maioria delas está completamente desinteressada em ler os artigos reais sobre os ensaios clínicos que temos. Em vez disso, eles simplesmente seguem o seu líder.”

Como observado no Capítulo 2, a cineasta dinamarquesa Anahi Testa Pedersen recebeu o diagnóstico de esquizotipia quando ficou estressada por causa de um divórcio difícil. Ela fez piada sobre este diagnóstico em seu filme, e como eu não tinha ideia do que esta coisa estranha deveria ser, procurei na Internet e encontrei um teste para o transtorno de personalidade esquizotípica. [6] Ele é definido de várias maneiras em diferentes fontes, mas o teste reflete muito bem como esta coisa é descrita no site da Mayo Clinical, [7] e como dizem que os sintomas são publicados pelo Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Americana, [6] eu fui adiante. Havia nove perguntas e você deveria responder verdadeiro ou falso, ou sim ou não, a cada uma delas.

1: “Interpretações incorretas dos eventos, como a sensação de que algo que é realmente são e salvo ou inofensivo tem um significado pessoal direto”. Esta é uma pergunta muito vaga, e muitas pessoas interpretam os eventos de forma incorreta, particularmente os psiquiatras.

2: “Crenças estranhas ou pensamento mágico inconsistente com as normas culturais”. Essa é uma pergunta interessante. Quando um jovem psiquiatra discorda das estranhas “normas culturais” do serviço sobre o tratamento preventivo da esquizotipia, será que ele é anormal? E quanto às monstruosas overdoses de Søndergård, que era uma “norma cultural”, como seu chefe a aceitou? De acordo com a pergunta 2, parece que as pessoas normais da equipe que protestaram deveriam ser consideradas anormais.

3: “Percepções inusitadas, incluindo ilusões”. Eu forneci provas neste livro e em livros anteriores de que a maioria dos psiquiatras precisariam dizer sim a esta pergunta. Basta pensar sobre a ilusão chamada desequilíbrio químico.

4: “Estranhos padrões de pensamento e fala”. Certamente, a maioria dos psiquiatras demonstra um pensamento estranho, mantendo a mentira sobre o desequilíbrio químico e muitas outras mentiras, e também negando totalmente o que outras pessoas veem claramente, incluindo os seus próprios pacientes, por exemplo, que as drogas psiquiátricas fazem mais mal do que bem.

5: “Pensamentos suspeitos ou paranoicos, tais como a crença de que alguém está querendo lhe pegar”. Se você for detido em um serviço psiquiátrico, tal reação é totalmente normal e compreensível. O pessoal certamente quer “pegá-lo”, ou seja, quer tratá-lo energicamente com neurolépticos contra a sua vontade. Quando os líderes psiquiátricos usam termos sobre seus oponentes tais como “antipsiquiátricos” e “conspiração”, pode então ser considerado um “sim” à pergunta 5?

6: “Emoções planas, parecendo distantes e isoladas”. Isto é o que as drogas psiquiátricas fazem às pessoas, portanto, se elas não eram anormais para começar, os psiquiatras se assegurarão de que elas se tornem anormais.

7: “Comportamento ou aparência estranha, excêntrica ou peculiar”. Como observado no Capítulo 2, uma definição de loucura é fazer sempre a mesma coisa, esperando um resultado diferente, que é o que os psiquiatras fazem o tempo todo. Eu chamaria isso de um comportamento estranho, excêntrico e peculiar.

8: “Falta de amigos próximos ou de confidentes, além de parentes”. Isto é o que as drogas psiquiátricas fazem às pessoas, particularmente com os neurolépticos; elas isolam as pessoas e podem fazer delas zumbis.

9: “Excessiva ansiedade social que não diminui com a familiaridade”. Se você for detido em um serviço psiquiátrico, tal reação é totalmente normal e compreensível.

Há um divertido erro ortográfico no site. [6] Diz: “Nosso teste calculará com clareza e precisão seus pontos e dará uma sugestão impotente”. Concordo que o teste é impotente. É inútil e falso. Muitos, talvez até mesmo a maioria dos psiquiatras testariam positivo. Talvez eles devessem tentar um neuroléptico preventivo para a sua esquizotipia?

O que é menos divertido é que o teste fornece provas circulares para os pacientes que, mesmo que sejam normais, podem dar positivo quando tiverem sido tratados de forma desumana por psiquiatras, inclusive sendo tratados à força com neurolépticos.

Um debate na reunião anual de jovens psiquiatras suecos

 Em novembro de 2016, dei uma palestra em Estocolmo e me encontrei com Joakim Börjesson, um psiquiatra em treinamento que queria fazer pesquisa comigo. Ele ficou muito impressionado durante os seus estudos de medicina quando um psiquiatra disse aos estudantes que os psiquiatras sabiam tanto sobre o cérebro e as drogas que podiam usar drogas especificamente destinadas a trabalhar na origem biológica de um transtorno, o chamado desequilíbrio químico. Ele achou isso tão fascinante que decidiu tornar-se psiquiatra.

Mais tarde, quando Joakim trabalhou nessa unidade psiquiátrica, foi solicitado a ele que produzisse relatórios falsos que produziriam benefícios sociais para os compatriotas deste psiquiatra (ele não era da Suécia). Joakim estava em uma situação difícil, pois este psiquiatra era quem deveria aprovar a sua estada no serviço como parte da sua formação, mas ele encontrou uma forma de contornar isso onde ele evitava cometer uma fraude social.

Depois de ter lido os livros de Robert Whitaker e os meus, Joakim percebeu que havia sido totalmente enganado e considerou deixar a psiquiatria. Ele não o fez e veio me ver por três meses em Copenhague onde trabalhamos em uma revisão sistemática dos efeitos do lítio sobre o suicídio e o total de mortalidade. [8]

Em janeiro de 2018, Joakim organizou uma sessão em Götenborg durante a conferência anual de 150 psiquiatras suecos em treinamento, onde debati com o farmacologista clínico e professor Elias Eriksson.

Nossas conversas foram: “Os ISRSs têm um bom efeito e efeitos colaterais leves” e “Por que os ISRSs e antidepressivos similares não devem ser usados para a depressão” nessa ordem. Joakim tinha investido muito em diplomacia para ter isto arranjado, tanto internamente como ao lidar com Eriksson, que tem a reputação de atacar brutalmente os seus oponentes.

Havia outras questões. Durante a discussão, mencionei que Eriksson havia firmado um acordo secreto com a Lundbeck (que vende três ISRSs diferentes) contra as regras de sua universidade, o que significava que a Lundbeck poderia impedir a publicação de sua pesquisa se não gostassem dos resultados. [9,10] Eu disse isto porque Eriksson rotineiramente “esquece” de declarar os seus conflitos de interesse, [10] mas fui imediatamente parado pela presidência. Mais tarde, o Ombudsman criticou a universidade por encobrir o caso. [11] Eriksson declarou que não podia entregar a correspondência da Lundbeck a um jornalista, porque tinha ocorrido em um servidor da Lundbeck, uma arranjo altamente incomum, para dizer o mínimo, e mentiu sobre o que tinha sido o pedido de Liberdade de Informação.[9,10]

As regras para o debate incluíam que cada um de nós deveria escolher cinco artigos, que seriam os únicos que poderíamos discutir. Eriksson quebrou as regras ao me perguntar de repente sobre detalhes minuciosos em uma metanálise que eu havia publicado e que mostrava que a psicoterapia reduz pela metade o número de tentativas de suicídio.12 Felizmente, eu me lembrei dos detalhes e respondi. Eriksson não apenas quebrou as regras, a meta-análise também foi totalmente irrelevante para o debate, que era sobre os ISRSs. Obviamente, Eriksson usou truques sujos em suas tentativas de convencer o público de que eu não podia ser confiável. Joakim me escreveu três semanas antes da reunião que, “Elias Eriksson tinha o seu livro sobre psiquiatria em sua lista de artigos. Quando falei com Elias Eriksson por telefone e lhe perguntei por que ele o havia colocado lá (eu lhe disse que ele não poderia ter encontrado nenhuma evidência em benefício do ISRS em seu livro) ele me disse que tinha a intenção de ‘revelar que Peter Gøtzsche é um charlatão’ durante a sua palestra. Discutimos isto durante cerca de uma hora e eu tentei convencê-lo, sem sucesso, a aderir às regras do debate”.

Eriksson alegou em seu resumo para a reunião que não havia razão para acreditar que qualquer um dos efeitos colaterais dos comprimidos fosse irreversível e também que eles não eram viciantes. Ele opinou que as críticas às pílulas eram “fundadas ideologicamente” e que o uso de suas pílulas de acordo com os críticos era o resultado de uma conspiração mundial que incluía psiquiatras, pesquisadores, autoridades e empresas farmacêuticas. Cinco meses antes, quando debati com Eriksson na rádio sueca, ele disse que as pílulas ajudaram dramaticamente e poderiam evitar o suicídio em muitos casos.[15]

Após a reunião, um psiquiatra me escreveu que você não pode convencer as pessoas religiosas de que não há provas da existência de Deus, mas pode fazê-las perder a confiança em seu padre se você puder mostrar provas de que ele usou doações para a igreja para comprar cocaína em um bar gay. Ele escreveu ainda: “Elias Eriksson é um simples lobista que fez fortuna fazendo jogos políticos ao invés de fazer pesquisas honestas e ele mesmo sabe disso. É por isso que ele pode mentir sobre coisas que ele muito bem sabe que não são verdadeiras, como se houvesse boas evidências de que os antidepressivos funcionam”.

Também me disseram que muitos dos psiquiatras não haviam entendido as minhas explicações sobre as pílulas da depressão como causadoras de suicídio. Isto ilustra a dissonância cognitiva generalizada entre os psiquiatras. Quando eu apresento os mesmos slides para um público leigo, eles sempre os entendem. Os psiquiatras NÃO QUEREM entender o que eu lhes digo, pois é muito doloroso para eles.

Em 2013, quando Robert Whitaker foi convidado para falar em uma reunião em Malmö que os psiquiatras infantis tinham organizado, outros psiquiatras intervieram e conseguiram o controle da reunião. Eles disseram que Bob deveria falar apenas sobre a teoria da supersensibilidade à dopamina e não apresentar quaisquer dados sobre os resultados a longo prazo. Embora isto fosse claramente uma armadilha, Bob concordou em ir. Quando chegou, foi-lhe dito que Eriksson seria o seu “oponente”, e ele gastou o seu tempo denunciando Bob de uma forma inacreditavelmente desonesta. Nas próprias palavras de Bob: “A coisa toda foi uma montagem nojenta que se destaca por sua desonestidade, do início ao fim”. Eriksson declarou que considerava Bob como sendo um “charlatão que tortura os pacientes”.

Eu havia planejado ir, mas Eriksson havia declarado que não participaria se eu aparecesse!

É estranho como os apologistas da psiquiatria constantemente chamam aos seus oponentes de charlatães ou pior e usam falácias de palhaço o tempo todo. Nenhum de nós jamais postulou nada sobre uma “conspiração” ou usou esta palavra, mas ao fazê-lo, os apologistas se associam a um passado recente deplorável. A propaganda nazista falava constantemente de uma conspiração judaica mundial inexistente.

Os Conselhos Nacionais de Saúde não respondem aos suicídios em crianças

 Em 2018-19, alertei os Conselhos de Saúde dos países nórdicos, Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido para o fato de que duas simples intervenções, a lembrança do Conselho de Saúde dinamarquês aos médicos de família e as minhas constantes advertências no rádio e na TV, e em artigos, livros e palestras, fizeram com que o uso de pílulas da depressão em crianças fosse quase que reduzido pela metade na Dinamarca, de 2010 a 2016, enquanto que em outros países nórdicos havia aumentado.[14]

Notei que este era um assunto sério porque as pílulas da depressão duplicam o risco de suicídio em comparação com o placebo nos ensaios randomizados e porque os principais professores de psiquiatria continuam a desinformar as pessoas dizendo-lhes que os comprimidos protegem as crianças contra o suicídio. Portanto, exortei os conselhos a agirem: “A consequência da negação coletiva e profissional é que tanto crianças quanto adultos cometem suicídio por causa das pílulas que tomam, na falsa crença de que os ajudarão”.

Não recebi respostas, respostas tardias, ou respostas sem sentido que parecessem besteira para mim, o que o filósofo Harry Frankfurt considera como quase mentindo.  [15] Após cinco meses, o Ministério Finlandês de Assuntos Sociais e Saúde respondeu da forma típica de um “lengalenga” que os funcionários públicos usam quando elogiam um sistema que claramente não funciona, mas se recusam a reconhecê-lo e a tomar medidas: “o aumento dos pensamentos suicidas tem sido relacionado com os ISRSs em alguns estudos”. Isto é terrivelmente enganoso. Quando todos os estudos são tomados em conjunto, fica claro que as pílulas da depressão aumentam tudo, pensamentos suicidas, comportamento, tentativas e suicídios, mesmo em adultos (ver Capítulo 2).

Após seis meses, a Agência Sueca de Drogas respondeu. Foi tudo sobre processos, e me disseram que a agência havia emitido as diretrizes do tratamento em 2016. Fui procurá-las.[16] Sob efeitos colaterais, não havia absolutamente nada sobre o suicídio. Nem uma única palavra. Mais abaixo no documento, foi mencionado que as pílulas da depressão aumentam ligeiramente o risco de suicídio, mas também nos foi dito que “elas não aumentam o risco de suicídio, e há algumas evidências de que o risco é diminuído”. Estas informações contrastam com o texto da bula sueca para a fluoxetina, que menciona que, “o comportamento relacionado ao suicídio (tentativa de suicídio e pensamentos suicidas), hostilidade, mania e sangramento nasal também foram relatados como efeitos colaterais comuns em crianças”. Alguns dos chamados especialistas que a agência havia utilizado, por exemplo, Håkan Jarbin, tinham laços financeiros com os fabricantes de pílulas da depressão, mas nada disso foi declarado no relatório.

Após seis meses, em junho de 2019, a Diretoria de Saúde da Islândia respondeu que havia pedido uma opinião de especialista, mas não tive mais notícias deles.

Em 2020, escrevi novamente aos conselheiros, desta vez anexando o meu trabalho sobre a inação deles. [14] A Direção de Saúde da Islândia respondeu que eles tinham pedido aos psiquiatras encarregados da psiquiatria infantil e da adolescência que dessem a sua opinião, nove meses antes, mas que eles não tinham respondido apesar de um lembrete, e que tinham dito há alguns dias antes que simplesmente não tinham tempo. Eu respondi: “Eles deveriam ter vergonha de si mesmos. As crianças se matam por causa das pílulas e não têm tempo para se preocupar com isso. Que tipo de pessoas são elas? Por que eles se tornaram psiquiatras? Que tragédia para as crianças que eles supostamente devem ajudar”.

Informei Whitaker sobre isso, que respondeu que ele sempre disse que a inação da profissão médica em relação à prescrição de drogas psiquiátricas para crianças e adolescentes é uma forma de abuso e negligência infantil, e de traição institucional.

Não recebi nenhuma resposta da Austrália ou do Reino Unido. Uma carta sem data do Ministério da Saúde da Nova Zelândia disse que a agência reguladora de drogas não havia aprovado o uso da fluoxetina para pessoas com menos de 18 anos de idade. Entretanto, a falta de aprovação das pílulas da depressão em crianças não é um obstáculo para o seu uso, que aumentou em 78% entre 2008 e 2016,17 e um relatório da UNICEF de 2017 mostrou que a Nova Zelândia tem a maior taxa de suicídio do mundo entre adolescentes entre 15 e 19 anos, duas vezes maior do que na Suécia e quatro vezes maior do que na Dinamarca.[18] Quando visitei John Crawshaw, Diretor de Saúde Mental, Psiquiatra-Chefe e Conselheiro- Chefe do Ministro da Saúde, em fevereiro de 2018, pedi-lhe que tornasse ilegal o uso dessas drogas em crianças para evitar alguns dos muitos suicídios. Ele respondeu que algumas crianças estavam tão severamente deprimidas que as pílulas da depressão deveriam ser experimentadas. Quando perguntei qual era o argumento para levar algumas das crianças mais deprimidas ao suicídio com pílulas que não funcionavam para a sua depressão, Crawshaw se sentiu desconfortável e a reunião terminou logo depois.

Os chamados especialistas em prevenção do suicídio parecem ser altamente tendenciosos em relação ao uso de drogas e na forma como escolhem os estudos que decidem citar, apesar de chamarem a sua revisão de sistemática.[19] As estratégias de prevenção de suicídios parecem sempre incorporar o uso de pílulas da depressão, [19] embora aumentem os suicídios, como também foi o caso em um programa de prevenção de suicídios para veteranos de guerra dos EUA.[20]

O título de um dos capítulos do meu livro sobre o crime organizado na indústria farmacêutica é: “Empurrar as crianças para o suicídio com pílulas da felicidade”. [21] Pode ser pior do que isso na área da saúde, dizendo às crianças e aos seus pais que as pílulas são úteis quando elas não funcionam e levam algumas crianças ao suicídio?

Censura nas revistas médicas e na mídia

 É muito difícil publicar qualquer coisa em uma revista psiquiátrica que a corporação psiquiátrica perceba ameaçadora por mostrar as suas ideias errôneas. Os editores de revistas estão frequentemente na folha de pagamento da indústria farmacêutica e os proprietários das revistas têm muitas vezes relações muito próximas com a indústria farmacêutica, o que pode ameaçar retirar o seu apoio se as revistas não prosseguirem com os seus esforços de marketing. Quando o BMJ em 2004 dedicou uma edição inteira a conflitos de interesse e teve uma página de capa mostrando médicos vestidos como porcos empanturrando-se em um banquete com vendedores de drogas como lagartos, a indústria farmacêutica ameaçou retirar a publicidade, e os Annals of Internal Medicine perderam uma receita de publicidade estimada em US$ 1-1,5 milhões depois de publicar um estudo que foi crítico em relação aos anúncios da indústria.[21]

Quando Robert Whitaker deu uma palestra no simpósio inaugural do meu novo Instituto para a Liberdade Científica em 2019, “Censura científica em psiquiatria”, ele apresentou dois tópicos de grande importância para a saúde pública: “Os antidepressivos pioram os resultados a longo prazo?” e “O que sabemos sobre disfunção sexual pós-ISRS?”. [22] Bob observou que nenhum dos 13 e 14 estudos centrais, respectivamente, sobre esses temas havia sido publicado nas cinco principais revistas psiquiátricas. Estas cinco revistas nem sequer pareciam ter discutido os assuntos.

O professor de psiquiatria Giovanni Fava achou tão desesperado publicar resultados que seus pares não gostaram que fundou a sua própria revista, Psychotherapy and Psychosomatics.

A censura nos principais meios de comunicação é enorme. Quando o meu primeiro livro de psiquiatria saiu em sueco, fui convidado a dar uma palestra em Estocolmo e fui entrevistado por jornalistas de dois grandes jornais. Eles estavam muito interessados, mas como nada foi publicado, eu perguntei pelo por quê. Inger Atterstam da Svenska Dagbladet não respondeu aos meus repetidos e-mails, enquanto Amina Manzoor da Dagens Nyheter respondeu que o seu editor achava que seria muito perigoso explicar aos cidadãos suecos que os comprimidos da depressão são perigosos, pois podem causar suicídio! Felizmente, houve uma fenda na censura sueca que nunca dorme, pois um terceiro jornal nacional, Aftonbladet, me permitiu publicar um artigo que preencheu toda a última página.

Quando o meu livro sobre a indústria do crime organizado, que alguns chamam de indústria de drogas, embora cometa crimes mais graves que qualquer outra indústria, [21,23] foi publicado em espanhol em 2014, fui entrevistado por um jornalista do jornal número um de Barcelona, La Vanguardia. A entrevista foi planejada para preencher a última página, que os leitores acham mais atraente do que a primeira página, mas ela nunca foi publicada, embora o jornalista estivesse muito entusiasmado com isso. Soube mais tarde que existiam relações financeiras pouco saudáveis entre o jornal e a indústria farmacêutica.

Também é muito difícil conseguir documentários críticos na TV nacional e, se você for bem sucedido, pode ter certeza de que as melhores partes foram removidas, “para não aborrecer ninguém ou receber demasiadas queixas dos psiquiatras, da indústria farmacêutica ou do ministro”. Eu sei que este é o caso porque tenho aparecido em muitos documentários e falado com muitos cineastas frustrados sobre este tipo de censura. Mesmo depois que os cineastas mataram todos os seus queridos, de modo que o que resta parece tal como o episódio 27 de uma novela britânica inofensiva, haverá uma narração dizendo à plateia que “muitas pessoas estão sendo ajudadas por drogas psiquiátricas”. Realmente?

Também pode ser difícil publicar livros altamente relevantes, como ilustra a próxima história.

Silje Marie Strandberg é uma menina norueguesa que sofria de bullying na escola a partir dos 12 anos de idade e foi admitida em uma enfermaria psiquiátrica com 16 anos de idade,24 mas os psiquiatras a diagnosticaram com depressão moderada e lhe deram Prozac (fluoxetina).

Eles dobraram a dose após três semanas. Silje começou a se cortar, no estômago e nos braços. Ela se tornou agressiva, ouvia uma voz interior e tinha pensamentos suicidas. Foi-lhe receitado Truxal (clorprotixeno), um neuroléptico, e apenas três dias depois ela viu um homem com uma túnica e um capuz negro que disse que ela estava prestes a morrer e ordenou que ela se afogasse em um rio. Ela lutou e chorou quando ele falou com ela; ela disse que não queria morrer, mas ele estava lá o tempo todo, dizendo- lhe que ela não merecia viver. Ela foi para o rio chorando e dizendo que não o faria. Ela voltou a subir.

Ela nunca tinha tido tais sintomas até ter tomado drogas, nem depois de ter deixado de tomá-las.

A psiquiatria roubou 10 anos da vida de Silje onde ela só piorou cada vez mais, com graves danos pessoais e muitas tentativas de suicídio. Ela foi colocada em cintos 195 vezes, foi diagnosticada com transtorno esquizoafetivo, foi isolada e recebeu eletrochoques.

Após 7 anos em psiquiatria, ela conheceu uma cuidadora que viu uma garota por detrás do diagnóstico e cuidou dela. Este esforço humano é a razão pela qual Silje é saudável hoje em dia.

Em 2016, Silje e uma cineasta vieram a Copenhague para me filmar para um documentário sobre a sua vida. Silje tinha um acordo com uma editora de livros sobre o que ela percebia ser uma das histórias de sucesso da psiquiatria. Ela queria me fazer algumas perguntas, incluindo se a depressão é devida a um desequilíbrio químico e sobre o que era a teoria da serotonina.

Eu disse a Silje que o seu percurso era tudo menos uma história de sucesso e que ela havia sido seriamente prejudicada pela psiquiatria. Ela aceitou as minhas explicações, mas quando a sua “carreira” psiquiátrica deixou de ser uma história de sucesso, e sim um escândalo, a editora não quis publicar o seu livro! A editora não queria que ela contasse que os medicamentos que lhe foram prescritos foram o motivo pelo qual ela ficou tão doente durante a sua estada no hospital psiquiátrico.

Silje foi medicada por 95 médicos diferentes. Ela recebeu 21 medicamentos psiquiátricos diferentes: 5 pílulas da depressão, 9 neurolépticos, lítio, 2 antiepilépticos e 4 sedativos/ hipnóticos. Esta não é uma medicina baseada em evidências:

Nome comercial Nome genérico Tipo de droga
Fontex fluoxetina pílula da depressão
Cipramil citalopram pílula da depressão
Effexor venlafaxine pílula para depressão
Zoloft sertralina pílula da depressão
Tolvon mianserin pílula da depressão
Risperdal risperidone neuroléptico
Leponex clozapina neuroléptico
Largactil clorpromazina neuroléptico
Seroquel quetiapina neuroléptico
Zeldox ziprasidone neuroléptico
Abilify aripiprazole neuroléptico
Zyprexa olanzapina neuroléptico
Truxal clorprothixene neuroléptico
Trilafon perfenazina neuroléptico
Lítio lítio “estabilizador de humor”
Tegretol carbamazepina anti-epiléptico
Orfiril valproate anti-epiléptico
Alopam oxazepam sedativo/hipnótico
Stesolid diazepam sedativo/hipnótico
Imovane zopiclone sedativo/hipnótico
Stilnoct zolpidem sedativo/hipnótico
Vallerga alimemazina anti-histamínico

 

O documentário é muito bom, informativo e profundamente comovente. [24] Ele pode ser visto gratuitamente. Seu título é “A pílula da felicidade”: Ela sobreviveu 10 anos de ‘tortura’ na psiquiatria. Silje e a cuidadora que a salvou das garras da psiquiatria viajam ao redor do mundo e dão palestras em conexão com a exibição do filme.

Aqui está outro relato de censura, que envolveu a dinamarquesa Lundbeck, fabricante de medicamentos, que vende várias pílulas da depressão e neurolépticos. [25]

O festival de documentários de Copenhague, CPH: DOC, o maior do mundo, mostrou um filme norueguês muito comovente, “Causa da morte: desconhecida”, em 2017. [26] Esta é uma forma alternativa de disfarçar as mortes em psiquiatria com neurolépticos, sendo uma outra “morte natural”. O filme teve estreia mundial em Copenhague. É sobre a irmã da cineasta que morreu muito jovem depois o que seu psiquiatra prescreveu uma overdose de olanzapina (Zyprexa), o que a transformou num zumbi, como o filme mostra claramente. O psiquiatra dela era tão ignorante que nem sabia que a olanzapina pode causar morte súbita. Eu apareci no filme e a cineasta, Anniken Hoel, pediu aos organizadores que me colocassem no painel de discussão. Meu nome foi o único no anúncio: “Medicina ou manipulação? Filme e debate sobre a indústria de medicamentos psiquiátricos com Peter Gøtzsche.

Sete dias antes do filme ser exibido, fui expulso do painel sob o pretexto de que os organizadores não conseguiam encontrar um psiquiatra disposto a debater comigo. Aconteceu que a Fundação Lundbeck havia concedido uma importante subvenção ao festival. Parece ser um fundo independente, mas não é. Seu objetivo é apoiar as atividades comerciais da Lundbeck. CPH: DOC nunca me contatou sobre isso, mesmo que eu pudesse ter nomeado vários psiquiatras dispostos a debater comigo.

O painel incluiu Nikolai Brun, chefe de pessoal, recentemente empregado pela Agência Dinamarquesa de Medicamentos após uma longa carreira na indústria de drogas, e o psiquiatra Maj Vinberg, que tinha conflitos de interesse financeiros em relação com quem? Sim, é claro: Lundbeck (e AstraZeneca). Ela é muito positiva em relação às drogas psiquiátricas e publicou um completo disparate sobre a depressão ser hereditária e observável nos escaneamentos cerebrais.

No início daquele ano, eu havia respondido a declarações que ela havia feito em uma revista dinamarquesa financiada pela indústria, onde ela havia caracterizado a mais completa meta-análise das pílulas da depressão já feita [27] como sendo “uma campanha de difamação contra as drogas antidepressivas… discussões populistas duvidosas… ginástica na poltrona… realizada por um grupo de médicos, estatísticos e estudantes de medicina sem conhecimentos especiais sobre psiquiatria e, portanto, transtornos depressivos” (o que não era verdade). Esta meta-análise nos disse que as pílulas da depressão não funcionam e são prejudiciais.

Respondi aos delírios de Vinberg na mesma revista [28] explicando que eu havia publicado o artigo, “A reunião foi patrocinada por comerciantes de morte”,[29] que incluía AstraZeneca, um dos benfeitores de Vinberg.

O debate do painel foi uma farsa total. Depois de 25 minutos chatos, exceto as contribuições da cineasta, restaram apenas cinco minutos. Um ex-paciente interrompeu Brun, que havia falado sem parar, gritando: “Perguntas!”. Muitas pessoas na plateia haviam perdido entes queridos, mortos por drogas psiquiátricas, e tinham ficado cada vez mais zangadas porque os painelistas só discutiam entre si e não queriam envolver a plateia. Havia tempo para apenas três perguntas.

Uma mulher perguntou por que os neurolépticos não haviam sido retirados do mercado, pois matavam pessoas. Brun respondeu que não era especialista em drogas psiquiátricas e depois embarcou em outra conversa interminável, sobre drogas cancerígenas.

Eu gritei: “Perguntas do público“! Um jovem disse que havia tentado sair de seus comprimidos da depressão várias vezes sem sucesso e sem qualquer ajuda dos médicos. Anders, mais tarde, o ajudou a se retirar.

A última pergunta foi feita pela cineasta dinamarquesa Anahi Testa Pedersen, que tinha feito um filme sobre mim e suas próprias experiências como paciente psiquiátrica, que teve estreia mundial no mesmo cinema sete meses depois. [30] Anahi perguntou por que eu fui retirado do painel já que eu poderia ter dado uma boa contribuição. Um porta-voz do festival respondeu que eles tinham perguntado a “muitas pessoas”, mas que ninguém queria debater comigo. Anahi interrompeu e nomeou um psiquiatra que gostaria de ter vindo. O porta-voz não respondeu, mas disse que como o filme era crítico, não havia necessidade da minha presença; eles precisavam de alguém para debater as mensagens do filme.

No meio dessas intermináveis desculpas, alguém na plateia gritou: “Não há debate!” O porta-voz respondeu que me convidariam para “o debate de amanhã”, o que eu não aceitei porque tinha sido expulso da estreia mundial do filme.

Segundos antes que o tempo previsto acabasse, eu me levantei e gritei (porque eu duvidava, eu iria pegar o microfone): “Estou realmente aqui. Debato com psiquiatras de todo o mundo, mas não estou autorizado a fazer isso em minha cidade natal”. Houve uma grande gargalhada e aplausos, mas a plateia ficou furiosa. Foi um insulto profundo para eles mostrar um filme sobre uma jovem morta por uma overdose de Zyprexa, sem permitir que qualquer pessoa que tivesse perdido um membro da família da mesma maneira dissesse alguma coisa. Foi uma rejeição brutal e uma prostração total para a Lundbeck.

Anahi escreveu sobre o caso em uma revista jornalística. [31] Ela apontou que antes de eu ser removido, os organizadores haviam anunciado que haveria um forte foco no consumo excessivo de drogas psiquiátricas e se as drogas seriam o melhor tratamento para os transtornos psiquiátricos. Após a minha remoção, o foco passou a estar nas relações entre médicos, pacientes e indústria, o que não poderia ser uma razão para me remover, pois este foi o assunto do meu livro premiado de 2013 que apareceu em 16 idiomas. [21]

CPH:DOX escreve em seu site: “Temos muitos anos de experiência com acordos de patrocínio que atendem tanto a empresas individuais quanto ao festival. Todas as colaborações são criadas em estreito diálogo com essas iniciativas individuais e são baseadas em visões, desafios e oportunidades comuns”. [31]

Em resposta ao artigo de Anahi, Vinberg escreveu que era uma pena que um debate, que deveria ser sobre a melhoria do tratamento futuro das pessoas que sofrem de um transtorno mental grave na forma de esquizofrenia, terminasse em um debate bastante indiferente sobre os indivíduos (eu). [31] Sua declaração não concordou com as suas respostas evasivas durante o debate do painel.

Outro exemplo de censura envolveu a televisão pública dinamarquesa. O documentarista independente Janus Bang e sua equipe haviam me seguido ao redor do mundo por quatro anos, pois queriam que eu desempenhasse um papel central em seus documentários sobre como a psiquiatria é horrível e mortal. Janus encontrou um bloqueio de estrada tão grande que ele precisava se comprometer amplamente para conseguir alguma coisa na TV. Ele conseguiu trazer três programas interessantes em 2019, “O dilema da psiquiatria”, mas o debate público que ele tanto desejava para que grandes reformas fossem introduzidas estava totalmente ausente. Havia locuções de voz totalmente embaraçosas e totalmente falsas fazendo um serviço para a Lundbeck e psiquiatras (a exportação de drogas é a nossa maior fonte de renda). E eu? Eu não tinha permissão para aparecer.

Os jornalistas me disseram que a razão pela qual a TV pública dina- marquesa não ousa desafiar a psiquiatria ou a Lundbeck hoje é devido a dois programas enviados em abril de 2013.

Fui entrevistado para o primeiro programa, “Dinamarca em comprimidos”, em três partes, onde o comediante e jornalista Anders Stjernholm informou aos telespectadores sobre a depressão e o TDAH.

Esta foi a introdução: [32]

“No programa sobre antidepressivos … vamos encontrar Anne, que já aos 15 anos de idade lhe receitaram pílulas da felicidade e hoje vive com efeitos colaterais maciços. E Jimmy aos 53 anos, que, após 4 anos  tomando pílulas da felicidade, perdeu o seu impulso sexual. Agora acontece que ele não deveria ter tomado as pílulas. Jimmy não estava deprimido, mas sofria de estresse. No programa sobre drogas TDAH, Anders Stjernholm questiona a forma como o diagnóstico é feito. Ele se encontra com o menino Mikkel, que foi diagnosticado com TDAH por um psiquiatra que nunca o havia conhecido”.

A mensagem geral era que os comprimidos da felicidade são perigosos e são prescritos com muita frequência. Mas já no dia seguinte, o golpe do império psiquiátrico voltou. Em uma revista para jornalistas, o professor de psiquiatria Poul Videbech disse: [33] “É uma campanha de medo que pode custar a vida das pessoas. Conheço vários exemplos de suicídio depois que amigos e familiares aconselharam o paciente a largar a medicação antidepressiva. É claro que não posso dizer com certeza que foi por causa da mídia, mas enquanto a oportunidade existir, a mídia deve ser muito matizada em sua cobertura deste tópico”.

Videbech comparou isto com os jornalistas que faziam programas aconselhando os pacientes com diabetes a largar a sua insulina. Mesmo que ele, ao mesmo tempo, negue ferozmente que acredita na mentira sobre o desequilíbrio químico (ver Capítulo 2). Parece uma dissonância cognitiva.

Videbech ficou furioso por ter sido deixado de fora do programa e se queixou sobre isso no Facebook e na TV dinamarquesa: “Ficou claro … que eles não queriam informações reais sobre esses problemas – algo do qual os telespectadores podiam realmente se beneficiar – mas, em vez disso, tinham escolhido antecipadamente algumas opiniões que procuravam confirmar”. Videbech descreveu como o jornalista voltou a fazer-lhe perguntas de acordo com a sua própria agenda, que era que “os antidepressivos não funcionam”; “se funcionam, causam suicídio”; e “quando se os interrompe, causam sintomas horríveis de abstinência”.

Videbech é considerado como uma figura de destaque na psiquiatria dinamarquesa quando se trata de depressão e é muito frequentemente entrevistado. Isto lhe dá status de oráculo, que ele usa para influenciar a agenda pública e para moldar o que as pessoas pensam sobre a depressão e as pílulas da depressão. Ele não está acostumado a ser contraditado ou contornado, e isto o deixou furioso.

Fui eu quem documentou para Stjernholm que as pílulas da depressão não funcionam; que elas aumentam o risco de suicídio; e que os pacientes podem ter sintomas horríveis de abstinência quando tentam detê-los.

Houve muitos comentários ao artigo sobre a Videbech na revista. Um observou que eu estava certo que a mídia tem sido acrítica em sua cobertura das drogas psiquiátricas. Ele apontou que muitas pessoas haviam tentado advertir contra elas por muitos anos, mas que haviam sido silenciadas ou demitidas de suas posições de onde podiam chegar à população.

Como já observado, isto também aconteceu comigo, sobre o qual escrevi um livro. [33] Não me afetou economicamente na medida em que estou bem, em contraste com tantos outros que foram injustificadamente demitidos quando falaram a verdade ao poder. Gosto do meu trabalho como pesquisador em tempo integral, palestrante, escritor e consultor indepen- dente, por exemplo, em processos judiciais contra psiquiatras ou empresas farmacêuticas.

Outro comentador achou incrivelmente manipulador que Videbech tenha afirmado que as pessoas cometeram suicídio depois de parar a droga e tenha comparado isto com diabéticos que precisam de insulina: “Este é um exemplo típico da retórica que tem atormentado o debate sobre os compri- midos da depressão durante anos … É razoável prejudicar muitas pessoas para ajudar as poucas”?

Um comentário observou que era interessante ver que não havia praticamente nenhum programa sobre a afilação das drogas na psiquiatria e que cabe exclusivamente à opinião do médico o que pode acontecer com o paciente. Observou que as pessoas muitas vezes acabam tomando medicamentos por toda a vida.

Outro mencionou que era membro de um grande e diversificado grupo de pessoas que haviam advertido durante anos contra o uso acrítico de drogas e que dispensam o seu tempo ajudando as vítimas, seja porque haviam perdido um ente querido, ter visto a vida de uma pessoa próxima a elas ser destruída, seja porque as haviam experimentado em seu próprio corpo. “MAS!! toda vez que abrimos um debate sobre este tema, somos acusados de não pensar naqueles que se beneficiam dos remédios; somos confrontados com o argumento que você [Videbech] também usa, que nós não nos importamos com as vítimas da boa causa e que as nossas informações podem ter consequências fatais!! Pelo amor de Deus, como devemos conseguir daí um debate matizado??? … Quase diariamente, somos contatados por pessoas que, também por médicos especialistas, estão sendo pressionadas a tomar antidepressivos para todos os tipos de indicações. Portanto, algo drástico tem que acontecer para que não hajam mais vítimas”.

Uma pessoa se perguntava porque não ouvimos nada da  psiquiatria sobre os suicídios e as tentativas de suicídio que as drogas causam. “Porque são descartadas como não ocorrendo. No entanto, estava na lista de efeitos colaterais na bula do medicamento que recebi. E eu senti o impulso em meu próprio corpo. MAS me foi dito que era a minha depressão que era o gatilho para pensamentos e planos suicidas. O estranho nisso foi que o impulso veio logo após eu ter começado a tomar o medicamento … Mas a conclusão do médico e de outros envolvidos foi que a minha dose deveria ser aumentada, o que eu felizmente declinei e decidi afilar a droga por conta própria. Que as pessoas mudam totalmente sua personalidade – tornam-se agressivas e de cabeça quente, paranoicas, etc., também é descartado”.

Apenas quatro dias depois, o jornalista Poul Erik Heilbuth mostrou o seu fabuloso documentário de 70 minutos, “A sombra escura da pílula”, que já havia sido exibido internacionalmente.[35] Sua pesquisa foi excelente, e ele documentou em detalhes como Eli Lilly, GlaxoSmithKline e Pfizer esconderam que as suas pílulas da depressão causam algumas pessoas a se matarem ou a cometerem assassinatos, ou que fazem com que pessoas completamente normais e pacíficas comecem de repente uma onda de roubos violentos em lojas e postos de gasolina, sobre os quais eles não conseguiram se explicar depois e ficaram confusas a respeito. As pílulas mudaram totalmente a personalidade dessas pessoas.

Sobre a teoria do desequilíbrio químico, disse o material de fundo (não mais disponível): “Há muito poucos especialistas que mantêm a teoria de hoje em dia. O professor Tim Kendall – o chefe do órgão governamental que aconselha todos os médicos ingleses – chama a teoria de bobagem e disparate. O professor Bruno Müller-Oerlinghausen – o líder da Comissão de Médicos alemães por 10 anos – chama a teoria de uma loucura e de uma simplificação irracional. Ambos os professores dizem que a teoria tem funcionado como uma pura estratégia de marketing para as empresas porque elas poderiam vender às pessoas a percepção de que sua depressão tem algo a ver com um desequilíbrio químico – e que tomar um comprimido pode ajudar a corrigir esse desequilíbrio. Os dinamarqueses que visitarem o site oficial dinamarquês sobre saúde (escrito por professores dinamarqueses de psiquiatria) verão a essência da teoria: Os antidepressivos afetam a quantidade de mensageiros químicos no cérebro e neutralizam o desequilíbrio químico encontrado na depressão”.

Heilbuth tinha Blair Hamrick em seu filme, um vendedor americano da GlaxoSmithKline que disse que a sua palavra de ordem para a paroxetina era que se tratava da droga da felicidade, do tesão e do corpo esbelto. Disseram aos médicos que ela fará você mais feliz, perder peso, parar de fumar, aumentar a sua libido – todos deveriam estar a tomar esta droga. Hamrick copiou secretamente documentos, e GlaxoSmithKline recebeu uma multa de US$ 3 bilhões em 2011 por pagar propinas aos médicos e pela comercialização ilegal de várias drogas, também para crianças.[21]

Um editorial em um dos jornais nacionais da Dinamarca, Politiken, condenou o documentário de uma forma invulgarmente hostil, e Heilbuth respondeu.36 Politiken chamou o seu documentário de “imensamente manipulador”, “sensacionalista”, “simplesmente procurando confirmar ou verificar a tese que o programa tinha concebido como premissa”, e chamaram Müller-Oerling-hausen de “pensador confuso”.

O “pensador confuso” dá palestras em todo o mundo, inclusive em um simpósio organizado meio ano antes pelo Grupo Antidepressivo da Universidade Dinamarquesa. Ele foi muito claro e bem articulado durante todo o filme, e o que ele disse foi absolutamente correto.

David Healy é o professor de psiquiatria que viu os documentos mais secretos nos arquivos das empresas farmacêuticas, como especialista em processos judiciais, e foi também uma das principais fontes do filme.

Heilbuth contou as histórias de várias pessoas que haviam se matado ou de outras pessoas. Já dois dias depois de seu documentário, debati com o professor de psiquiatria Lars Kessing na TV ao vivo no programa noturno sobre suicídios causados pelas pílulas da depressão. Trechos aparecem no filme de Anahi.30 Kessing negou totalmente as advertências da ciência e das agências de drogas, dizendo que sabemos com grande certeza que os ISRSs protegem contra o suicídio. Ele acrescentou que o risco de suicídio é grande quando as pessoas param os ISRSs, mas deixou de mencionar que isso se deve aos efeitos nocivos dos comprimidos, pois os pacientes ficam com os terríveis sintomas da abstinência quando os interrompem subitamente.

Três dias depois, eu estava novamente em um debate na TV com Kessing, desta vez sobre como poderíamos reduzir o consumo das pílulas da depressão. Kessing alegou que eles não são perigosos. O diretor de pesquisa da Lundbeck, Anders Gersel Pedersen, também estava no estúdio e disse que o mais perigoso não é tratar os pacientes, e ele afirmou que os pacientes não se tornam viciados, mas que têm uma recaída da doença quando param de tomar os comprimidos. Kessing alegou que talvez apenas 10% daqueles que visitam o médico de família não são ajudados pelo medicamento, um comentário em tanto sobre os medicamentos que não funcionam e onde os testes defeituosos mostraram um efeito não de 90%, mas apenas de 10%. Quando Kessing foi perguntado pelo entrevistador como o consumo de pílulas poderia ser reduzido – não importa o que ele possa pensar sobre o seu tamanho – ele não respondeu à pergunta. Ele disse que tínhamos certeza de que havia uma incidência crescente de depressão moderada a grave nos últimos 50 anos. Eu respondi que não podíamos dizer porque os critérios para o diagnóstico da depressão haviam sido reduzidos o tempo todo durante este período.

Tenho experimentado que quando os jornalistas reagem violentamente e vão diretamente contra as evidências científicas e as advertências das autoridades, é praticamente sempre porque pensam que os comprimidos os ajudaram ou a alguém próximo a eles, ou porque um parente trabalha para Lundbeck ou é psiquiatra. Tenho sido exposto a muitos ataques extremamente rancorosos. É triste que os jornalistas joguem ao mar tudo o que aprenderam na escola de jornalismo e explodam numa cascata de raiva e ataques ad hominem, mas isso pode acontecer se você disser a verdade sobre as pílulas da depressão. Você está atacando uma religião.

Como exemplo, uma jornalista estampou em sua manchete: “Eu tomo pílulas da felicidade, senão eu estaria morto”.[37] Ela me chamou de uma pessoa em risco de vida, desiludida, não em completo equilíbrio comigo mesmo, mas uma pessoa que poderia precisar de consultar um psiquiatra, e que deveria ter vergonha de mim mesmo e ser privado do meu título de professor. “Meu desejo é que alguém possa deter o professor louco”. Ela escreveu isto em um jornal tabloide, mas eles não deveriam publicar tais delírios.

Em um debate de rádio, o Presidente Nacional da MIND, Knud Kristensen, argumentou que alguns de seus pacientes haviam dito que as pílulas da depressão haviam salvado as suas vidas. Eu respondi que era um argumento injusto porque todos aqueles que as pílulas tinham matado não podiam levantar da sepultura e dizer que as pílulas os mataram.

Vou terminar com a pior parte. Nunca tinha visto uma instituição admitir voluntariamente que ela educa os jornalistas para escrever artigos com erros, repetindo sem críticas as narrativas fortemente enganosas criadas pela indústria das drogas e por psiquiatras corruptos, para o grande mal de nossos pacientes e sociedades.[21,38] Mas lá estava, em 2020, em um país que já negociava abundantemente em notícias falsas.

O Carter Center’s Guide for Mental Health Journalism [o Guia do Centro Carter para o Jornalismo em Saúde Mental] é o primeiro de seu  tipo nos EUA.[39] Os repórteres são instruídos a escrever que as condições de saúde comportamentais são comuns e que as pesquisas sobre as causas  e tratamentos dessas condições levaram a importantes descobertas na última década. Eles devem informar ao público que os esforços de prevenção e intervenção são eficazes e úteis. Isto significa drogas, é claro, e é a mesma mensagem que a Associação Psiquiátrica Americana vem promovendo há mais de 40 anos.

Tudo isso é claramente errado. Mas continua: Os jornalistas devem identificar exatamente o que um profissional diz que está errado com um paciente e usar essa informação para caracterizar o estado mental de uma pessoa. Não há incentivo para que os jornalistas considerem como as pessoas assim diagnosticadas se veem, ou se aceitam o seu rótulo de diagnóstico.

Alguns dos fatos que os jornalistas são chamados a incluir são: “Os transtornos de uso de substâncias são doenças do cérebro”. O guia explica que, “embora a ciência não tenha encontrado uma causa específica para as muitas condições de saúde mental, uma complexa interação de fatores genéticos, neurobiológicos, comportamentais e ambientais muitas vezes contribuem para essas condições”. Os repórteres não são encorajados a explorar o porquê de a carga da saúde pública de transtornos mentais ter aumentado dramaticamente nos últimos 35 anos, ao mesmo tempo em que o uso de drogas psiquiátricas explodiu.[40]

Segundo o Centro Carter, o DSM-5 é um guia confiável para a realização de diagnósticos. Não há menção ao fato de que os diagnósticos são construções totalmente arbitrárias criadas por consenso entre um pequeno grupo de psiquiatras, ou que eles não têm validade, ou que os psiquiatras discordam totalmente quando solicitados a examinar os mesmos pacientes, ou que a maioria das pessoas saudáveis obteriam um ou mais diagnósticos se testadas.

O Guia leva os repórteres a fazer eco da mensagem da Associação Psiquiátrica Americana [APA] de que as condições psiquiátricas muitas vezes não são diagnosticadas e não são tratadas, e que o tratamento psiquiátrico é eficaz. O “tratamento psiquiátrico” é um eufemismo para as drogas, mas evita qualquer discussão sobre quão eficazes e prejudiciais elas são e faz com que todos mordam a isca porque o “tratamento” finge cobrir também a psicoterapia, embora esta raramente seja oferecida.

O Guia afirma que entre 70% e 90% das pessoas com um problema de saúde mental experimentam uma redução significativa nos sintomas e melhora na qualidade de vida após receberem tratamento. A fonte desta informação horrivelmente falsa é a Aliança Nacional de Saúde Mental [National Alliance on Mental Illness], uma organização de pacientes fortemente corrompida.[38] É verdade que a maioria das pessoas melhora, mas isso também teria acontecido sem nenhum tratamento. O Centro Carter parece ter “esquecido” por que fazemos ensaios controlados por placebo e, como expliquei no Capítulo 2, as pílulas psiquiátricas não melhoram a qualidade de vida; elas a pioram.

Os repórteres são aconselhados a enfatizar o positivo e evitar o foco nos fracassos dos cuidados psiquiátricos. O Guia não fornece nenhum recurso para obter as perspectivas das pessoas com experiência vivida, a maioria das quais falaria criticamente da sabedoria convencional. Além disso, não há “usuários de serviços” ou grupos sobreviventes discerníveis nos dois principais conselhos consultivos do Centro.

Infelizmente, o Centro Carter é visto como um líder no treinamento de jornalistas sobre como relatar sobre saúde mental. Ele incentiva os jornalistas a agirem como estenógrafos que repetem o dogma convencional.

É difícil ver muita esperança para a América. O Centro Carter foi fundado pela ex-primeira-dama, Rosalynn Carter.

Referências bibliográficas (Capítulo 5)

 1. Drachmann H. Klinikchef må ikke længere arbejde som psykiater. Politiken 2013; Feb 1.

2. Hildebrandt S. Lars Søndergård mistænkes atter for at overmedicinere. Dagens Medicin 2015; Oct 23.

3. Hildebrandt S. ”Det er monstrøse doser af medicin.” Dagens Medicin 2015; Oct 23.

4 Schmidt M. Svar fra ledelsen i Psykiatrien Vest. Dagens Medicin 2015; Oct 13.

5.  Hildebrandt S. Derfor er Lars Søndergårds supervisor sat under skærpet Dagens Medicin 2016; Mar 3.

6. https://illnessquiz.com/schizotypal-personality-disorder-test/.

7 Mayo Clinic. Schizotypal personality disorder. https://www.mayoclinic.org/dis- eases-conditions/schizotypal-personality-disorder/symptoms-causes/syc- 20353919.

8. Börjesson J, Gøtzsche PC. Effect of lithium on suicide and mortality in mood disorders: A systematic review. Int J Risk Saf Med 2019;30:155-66.

9. Svensson P. Så stoppade GU-professor allmänhetens insyn i läkemedelsforskning. Göteborgs-posten 2018; Jan 20. http://www.gp.se/nyheter/g%C3%B6teborg/ s%C3%A5-stoppade-gu-professor-allm%C3%A4nhetens-insyn-i-l%C3%A4ke- medelsforskning-1.5069930.

10 Sternbeck P. Brallorna nere på professorn Elias Eriksson. Equal 2018; Jan 16.

11. Riksdagens Ombudsman. Kritik mot Göteborgs universitet for handläggningen av en begäran om utlämnande av allmänna handlingar m.m. 2017; Dec 20:Dnr 7571-2016.

12. Gøtzsche PC, Gøtzsche PK. Cognitive behavioural therapy halves the risk of repeated suicide attempts: systematic review. J R Soc Med 2017;110:404-10.

13. Sveriges radio. Striden om de antidepressiva medlen. 2017; Aug 28. http://sverigesradio.se/sida/avsnitt/943828?programid=412.

14. Gøtzsche PC. National boards of health are unresponsive to children driven to suicide by depression pills. Mad in America 2020; Mar 15. https:// madinamerica.com/2020/03/children-driven-suicide-depression-pills/.

15. Frankfurt HG. On bullshit. New Jersey: Princeton University Press; 2005.

16. Läkemedelsbehandling av depression, ångestsyndrom och tvångssyndrom hos barn och vuxna. Läkemedelsverket 2016; Dec 8.

17. Barczyk ZA, Rucklidge JJ, Eggleston M, Mulder RT. Psychotropic medication prescription rates and trends for New Zealand children and adolescents 2008- 2016. J Child Adolesc Psychopharmacol 2020;30:87-96.

18. UNICEF Office of Research. Building the future: children and the sustainable development goals in rich countries. Innocenti ReportCard 14; 2017.

19. Hjelmeland H, Jaworski K, Knizek BL, Ian M. Problematic advice from suicide prevention experts. Ethical Human Psychology and Psychiatry 2018;20:79-85.

20. Whitaker R, Blumke D. Screening + drug treatment = increase in veteran Mad in America 2019; Nov 10. https://www.madinamerica.com/2019/11/ screening-drug-treatment-increase-veteran-suicides/.

21. Gøtzsche PC. Medicamentos mortais e crime organizado. Porto Alegre: Bookman; 2016.

22. Videos of talks presented at the inaugural symposium for the Institute for Scientific Freedom. 2019; Mar 9. https://www.youtube.com/playlist?list=PLoJ5D4KQ1G0Z_ZQo5AIIiuuspAKCn c49T.

23. Medawar C, Hardon A. Medicines out of Control? Antidepressants and the conspiracy ofgoodwill. Netherlands: Aksant Academic Publishers; 2004.

24. Stordrange IL. The happy pill. She survived 10 years of ”torture” in https://www.youtube.com/watch?v=T4kVpNmYzBU&t=1s. Version with Norwegian subtitles: https://ingerlenestordrang.wixsite.com/lykkepillen.

25. Gøtzsche PC. Survival in an overmedicated world: look up the evidence Copenhagen: People’s Press; 2019.

26. Hoel A. Cause of death: unknown. 2017; Mar 24. https://www.imdb.com/title /tt6151226/.

27. Jakobsen JC, Katakam KK, Schou A, et al. Selective serotonin reuptake inhibitors versus placebo in patients with major depressive disorder. A systematic review with meta-analysis and Trial Sequential Analysis. BMC Psychiatry 2017;17:58.

28. Gøtzsche PC. Antidepressiva skader mere end de gavner. Dagens Medicin 2017; Mar 15.

29. Gøtzsche P. The meeting was sponsored by merchants of death. Mad in America 2014; July 7. http://www.madinamerica.com/2014/07/meeting-sponsored-mer- chants-death/.

30. Pedersen AT. Diagnosing Psychiatry. https://vimeo.com/ondemand/diagnosingpsychiatryen.

31. Pedersen AT. Debat: Vi har ret til at undre os. Journalisten 2017; May 8.

32 Christensen AS. DR2 undersøger Danmark på piller. 2013; Mar https://www.dr.dk/presse/dr2-undersoeger-danmark-paa-piller.

33. Ditzel EE. Psykiatri-professor om DR-historier: ”Skræmmekampagne der kan koste liv.” Journalisten 2013; Apr 11. https://journalisten.dk/psykiatri-professor- om-dr-historier-skraemmekampagne-der-kan-koste-liv/.

34. Gøtzsche PC. Death of a whistleblower and Cochrane’s moral collapse. Copen- hagen: People’s Press; 2019.

35. Heilbuth PE. Pillens mørke skygge. DR1 2013; Apr 14.

36. Heilbuth PE. Dårlig presseetik, Politiken. Politiken 2013; Apr 19.

37. Thisted K. Jeg tager lykkepiller, ellers var jeg død! Ekstra Bladet 2015; Oct 24. 38 Gøtzsche PC. Deadly psychiatry and organised denial. Copenhagen: People’s Press; 2015.

38. Spencer M. The Carter Center’s guide for mental health journalism: don’t question, follow the script. Mad in America 2020; Feb 23. https://www.madinamerica.com/ 2020/02/carter-center-guide-mental-health- journalism/.

39. Whitaker R. Anatomy of an epidemic, 2nd edition. New York: Broadway Paper- backs; 2015.

40. Gøtzsche PC. Psychiatry gone astray. 2014; Jan 21. https://davidhealy.org/psychi- atry-gone-astray/.

41. Gøtzsche PC. Unwarranted criticism of “Psychiatry cone astray.” Mad in America 2014; Feb 20. https://www.madinamerica.com/2014/02/unwarranted-criticism- psychiatry-gone-astray/

42. Jorm AF, Korten AE, Jacomb PA, et al. ”Mental health literacy”: a survey of the public’s ability to recognise mental disorders and their beliefs about the effect- tiveness of treatment. Med J Aus 1997;166:182-6.

43. Gøtzsche PC, Vinther S, Sørensen A. Forced medication in psychiatry: Patients’ rights and the law not respected by Appeals Board in Denmark. Clin Neuro- psychiatry 2019;16:229-33.

44. Gøtzsche PC, Sørensen A. Systematic violations of patients’ rights and lack of safety: cohort of 30 patients forced to receive antipsychotics. Ind J Med Ethics 2020. Published online Aug 12. Free access

 

[trad. e edição Fernando Freitas]

A ‘loucuralização’ do Fascismo é a Absolvição da Política Genocida

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Nos últimos meses alguns assuntos ligados à saúde mental têm mobilizado as pautas jornalísticas e as conversas do dia-a-dia. Porém, desde a publicação do chamado “revogaço” em dezembro de 2020, nenhum tema tem me causado mais incômodo do que a insistente ideia de um processo de interdição do presidente da república.

Alguns partidos da chamada “esquerda” têm tentado essa estratégia e não é de agora, no entanto, mais recentemente deu-se entrada em um processo cujo mérito é justamente a interdição do presidente. Cresce o número de movimentos sociais e entidades coletivas apoiando os argumentos e o discurso ganha força na mídia, ainda mais após a entrevista de um reconhecido psiquiatra forense afirmando um possível diagnóstico de personalidade de Bolsonaro.

Minha análise sobre esta situação é que, para esses setores, parece que não houve nenhum crime (de improbidade, corrupção, ligação com milícias, genocídio etc.) que este homem tenha cometido que seja mais passível de julgamento ou mais grave do que ser supostamente um “louco”. Portanto, só por este motivo conseguiríamos retirar o presidente de seu cargo e ficaríamos livres da tragédia que vive o país.

Esse debate facilmente caiu na conversa do povo e não é incomum as pessoas se referirem ao presidente como um “louco genocida”, “insano” ou qualquer outro adjetivo que possa caracterizá-lo como alguém que está em sofrimento psíquico. Porque pensando bem, que tipo de ser humano seria capaz de deixar mais de 300 mil pessoas morrerem, sem se horrorizar ou se sensibilizar com essas mortes? Só alguém que é “louco”, responderão.

Esta resposta – seja de especialistas em saúde mental ou não – ocorre porque somos socializadas e ensinadas a pensar que a maldade e a falta de sensibilidade são coisas de pessoas que devem ter algum tipo de patologia. E, assim, apoiadas nos ombros dos preconceitos historicamente construídos sobre as pessoas em sofrimento psíquico, esse discurso ganha força. Inclusive, ganha materialidade nas vozes de especialistas da área.

Não é incomum encontrar na internet postagens de pessoas explicando passo a passo as razões de um diagnóstico psicopatológico para o presidente. Diagnósticos estes, que, por sua vez, apoiam-se em um modelo retrógrado, eugênico e que listam uma série de comportamentos considerados inadequados e os denominam “sintomas”, que postos lado a lado formam uma “doença”. São considerados inadequados comportamentos que quebram com a ideologia hegemônica, que escancaram as violências cometidas pelo Estado a serviço da burguesia branca para manutenção dos status quo. A burguesia é violenta e mata trabalhadoras e trabalhadores que atrapalham a manutenção de seu poder e lucro.

As raízes sociais que fazem o Sr. Jair Bolsonaro agir como um genocida, portanto, são as mesmas que acabaram com as políticas assistenciais, são as mesmas que tentam destruir a nossa política de Saúde Mental. Essa é a mesma lógica das pessoas que chamam o genocida da presidência de “louco”, mas denominam de doutores os profissionais da área da saúde adeptos de formas de atuação pautadas em políticas historicamente genocidas e que apoiam as práticas de tortura e modelos manicomiais. O que no Brasil foi expresso na política desumanizadora e violenta dos hospitais psiquiátricos, denunciada no “Holocausto Brasileiro” (Arbex, 2019).

Como escreveu Pinheiro (2020) a patologização do fascismo é um terraplanismo dos setores de esquerda, pois é preciso afirmar que “os delírios de Bolsonaro não são fantasias de um surto, mas reprodução de uma ideologia violenta, sua incompetência e apelo ao senso-comum não tem nada de doentio, pois é tão somente a premiação da ignorância e da lógica formal-abstrata promovida pela decadência ideológica da hegemonia que se apega a qualquer forma tosca para a manutenção do poder e do lucro.”

Usar de instrumento de interdição psiquiátrica, para combater um projeto político em curso, é escoar pelo ralo as pautas da Luta Antimanicomial. É se negar ao efetivo e necessário combate político à ideologia burguesa, é patologizar e, portanto, desresponsabilizar o fascista por seus atos articulados para aumentar a superexploração da classe trabalhadora brasileira. É absolvê-lo das mortes – pela COVID-19 ou pela bala da PM – de grande parte de seu “exército industrial de reserva” e a “massa marginal” que, segundo Lélia Gonzalez (1979/2020), são as subdivisões da classe trabalhadora, composta, majoritariamente, por mulheres negras.

Por fim, patologizar o fascismo é novamente abandonar as lutas fundamentais para a manutenção de nossa existência! É optar por não enfrentar política e ideologicamente (repito), os problemas estruturais de nossa sociedade, é abrir mão da possibilidade da construção de uma nova sociedade com distribuição de renda, de terra, moradia, educação… que não nos enlouqueça!

Referências Bibliográficas

ARBEX, Daniela (2019). Holocausto Brasileiro: Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil. Intrínseca.

GONZÁLEZ, Lélia. (1979/2020). Cultura, etnicidade e trabalho: efeitos lingüísticos e políticos da exploração da mulher[1]. In: Por um Feminismo Afro Latino Americano. Org. Rios, F. & Lima, M. Zahar.

PINHEIRO, Wescley (2020). A Loucura de Jair Bolsonaro. In: Mad In Brasil. Disponível em: https://madinbrasil.org/2020/08/a-loucura-de-jair-bolsonaro/

[1] Trabalho originalmente apresentado como comunicação no 8º Encontro Nacional da Latin American Sutidies Association, em Pittsburgh em 1979.

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Mad in Brasil recebe blogs de um grupo diversificado de escritores. Estes posts são concebidos para servir de fórum público para uma discussão – em termos gerais – sobre a psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são as dos próprios escritores.

Taxa de recuperação seis vezes maior para aqueles que param os antipsicóticos dentro de dois anos

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Um novo estudo de Martin Harrow, Thomas Jobe e Liping Tong descobriu que as chances de recuperação de “doenças mentais graves” eram seis vezes maiores se o paciente interrompesse os antipsicóticos dentro de dois anos. O estudo seguiu os diagnósticos de pacientes com esquizofrenia e psicose afetiva (bipolar e depressão com características psicóticas) por 20 anos. O estudo foi publicado em Medicina Psicológica.

Especificamente, os pesquisadores descobriram que aqueles que pararam de tomar a medicação antipsicótica dentro de dois anos após a primeira ingestão da droga tinham quase seis vezes (5.989) mais chances de se recuperar de “doença mental grave” e tinham apenas 13,4% de probabilidade de serem re-hospitalizados.

“Independentemente do diagnóstico, após o segundo ano, a ausência de antipsicóticos previu uma maior probabilidade de recuperação e menor probabilidade de re-hospitalização nos seguimentos de acompanhamento subseqüentes após o ajuste para os fatores que confundem”, escrevem os pesquisadores.

Que “após o ajuste para os fatores que confundem” é importante. Os críticos de descobertas como estas argumentam que os dados são explicados por pessoas com sintomas mais graves estarem tomando a droga, enquanto pessoas com psicose menos grave deixam de tomar a droga – apesar de não haver evidência de que este seja o caso.

Entretanto, os pesquisadores deram o melhor de si para explicar esta possibilidade, ajustando seu modelo para levar em conta fatores tais como o diagnóstico específico e/ou a gravidade básica dos sintomas. Isto é chamado de “controle para” ou “ajuste para” o fator de confusão.

Harrow et al. controlaram esta confusão, ao exercerem controle sobre os “potenciais prognósticos”. Na primeira interação, os participantes foram avaliados em várias medidas de “prognóstico” (o Valliant, o Symptomatic Prognostic Index de Stephen e o Prognostic Index de Zigler). Estas medidas permitiram aos pesquisadores classificar os participantes em potencial de prognóstico fraco versus potencial moderado – ou probabilidade de recuperação. As medidas incluíram itens como gravidade dos sintomas e nível de educação; idade, sexo, raça, uso de drogas e álcool, estado civil, e o número de hospitalizações anteriores também foram contabilizados.

“Mesmo quando a confusão por indicação para prescrição de medicamentos antipsicóticos é controlada, os participantes com esquizofrenia e psicose afetiva fazem melhor do que os grupos medicados”.

De acordo com os pesquisadores, alguns estudos mostraram que alguns pacientes obtêm um benefício a curto prazo com o uso de medicamentos antipsicóticos. A maioria desses estudos ocorre durante algumas semanas a meses. No entanto, pessoas diagnosticadas com esquizofrenia, transtorno bipolar e até mesmo depressão são frequentemente prescritos medicamentos antipsicóticos para uso a longo prazo para o resto de suas vidas, em muitos casos.

Mas a pesquisa sobre resultados a longo prazo encontrou um quadro perturbador. De acordo com Harrow et al., “Estudos múltiplos indicam que após 2/3 anos de tratamento antipsicótico, pessoas com esquizofrenia e psicose afetiva não medicada começam a ter melhor desempenho do que pacientes com aqueles medicamentos antipsicóticos prescritos”.

Então, por que tomar um medicamento antipsicótico está associado a resultados piores? De acordo com Harrow et al., a psicose super-sensível induzida por dopamina anti-psicótica pode ter um papel importante. Como os antipsicóticos bloqueiam os receptores de dopamina, o organismo pode compensar aumentando a sensibilidade à dopamina. Isto, por sua vez, pode causar um aumento da psicose.

De acordo com Harrow et al., 30% das pessoas com esquizofrenia que tomam antipsicóticos podem experimentar psicose super-sensitiva; 70% das pessoas diagnosticadas com esquizofrenia “resistente ao tratamento” podem experimentar isso.

As descobertas de Harrow, Jobe e Tong são consistentes com um conjunto crescente de literatura que considera o uso de antipsicóticos a longo prazo mais prejudicial do que protetor. Harrow e Jobe publicaram anteriormente os resultados de 15 e 20 anos deste estudo, ambos consistentes com este resultado.

O estudo de Wunderink sobre pacientes com psicose do primeiro episódio também descobriu que pacientes que interromperam o uso de antipsicóticos tinham duas vezes mais probabilidade de recuperação do que aqueles que continuaram a tomá-los. Os pesquisadores também descobriram que uma grande porcentagem de pacientes não experimenta mais episódios psicóticos apesar de não tomar antipsicóticos; isto levou ao reconhecimento de que os antipsicóticos são desnecessários para pelo menos alguns grupos de pacientes.

Em resumo, Harrow, Jobe e Tong escrevem:

“Estes e os dados anteriores indicam que após 2 anos, os antipsicóticos não mais reduzem os sintomas psicóticos e os participantes que não tomam antipsicóticos têm melhor desempenho”.

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Harrow M, Jobe TH, Tong L. (2021). Twenty-year effects of antipsychotics in schizophrenia and affective psychotic disorders. Psychological Medicine, 1–11. https://doi.org/10.1017/S0033291720004778 (Link)

Fórum na Internet para a Retirada das Drogas Psiquiátricas Fornece Novas Percepções

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Um novo artigo publicado na revista Therapeutic Advances in Psychopharmacology revela como a Internet, e o website SurvivingAntidepressants.org em particular, se tornou a principal fonte de informação para a retirada de medicamentos psiquiátricos. O website criou um espaço virtual para o apoio de pares e aconselhamento para o afilamento da medicação, onde milhares de indivíduos com sintomas de abstinência de medicamentos psiquiátricos encontraram ajuda, quando os seus prestadores de cuidados de saúde não podem atender às suas necessidades.

Adele Framer, a autora, é a fundadora do website e do espaço virtual de apoio chamado de SurvivingAntidepressants.org. Ela é também conhecida pelo seu pseudônimo, Altostrata. Framer foi previamente entrevistada por Mad in America – entrevista publicada no MIB – sobre a sua experiência de vida com os sintomas prolongados de abstinência (PWS) após a descontinuação da medicação psicotrópica.

“Aos 50 anos de idade”, escreve Framer, “gozando de excelente saúde física, receitaram-me 10mg de paroxetina para estress laboral, após o que desenvolvi disfunção sexual, anestesia emocional, e após alguns anos, desmotivação. Depois de uma desastrosa mudança psiquiátrica para escitalopram, procurei conselhos para o afilamento … Não recebendo nenhum, em 2004, deixei de tomar paroxetina durante algumas semanas. Sem paroxetina, experimentei inicialmente hipomania, suor, e sensação eléctrica ‘zapping cerebral’, este último continuando durante vários meses. Após várias semanas, o meu padrão agudo de sintomas de abstinência mudou para outros sintomas estranhos, entre eles desorientação, despersonalização, insônia, intolerância à luz e ao calor, indigestão, palpitações e mal-estar, pontuado por episódios de choro espontâneo, ataques de puro terror, ou mergulhos repentinos em ‘buracos negros’ onde sentia um enorme pavor… Não parecia uma ‘recaída’ “.

Framer não está sozinha. Estima-se que metade dos indivíduos que interrompem a medicação psiquiátrica experimentam sintomas de abstinência. No entanto, estes sintomas são muitas vezes mal diagnosticados como sendo uma perturbação funcional ou “recaída” de uma doença mental. Acredita-se que os sintomas de abstinência resultam de adaptações neurofisiológicas induzidas por drogas e podem ser refreados com um cronograma lento e gradual, em vez de uma súbita cessação da droga.

No entanto, a informação sobre o afilamento e a lenta descontinuação das drogas psicotrópicas é difícil de se obter, razão pela qual há atrás Framer começou o site SurvivingAntidepressants.org.

“As pessoas que têm problemas que não são bem compreendidos pela medicina procuram respostas na Internet”, ela explica.” Gostaríamos muito de nos referir a profissionais médicos com conhecimentos, mas os membros do website não os têm conseguido encontrar”.

Framer relata o que aprendeu com a comunidade online ao longo dos anos:

  • Pessoas de todos os estratos sociais solicitam assistência para o afilamento de todos os tipos de medicamentos psiquiátricos. Contudo, SurvivingAntidepressants.org surgiu devido a que quem estava tomando medicamentos psiquiátricos (um em cada seis adultos dos EUA), 95% estavam/estão em antidepressivos.
  • Diferenciar a “recaída” dos sintomas de abstinência requer escuta e paciência. Os sintomas emocionais de abstinência podem ser confusos. Mas Framer salienta que os sintomas emocionais de abstinência aguda são repentinos, ao contrário de uma recaída que é gradual. Os pacientes descrevem frequentemente os seus sentimentos de abstinência como “novos ou excepcionalmente graves”. Por exemplo: “Nunca tinha sentido isto antes”. Causando sensações eléctricas no cérebro, frequentemente descritas como “zaps”, entre outras condições fisiológicas, incluindo tonturas, dores, náuseas e insônias.
  • O processo de afilamento também deve levar em conta os medicamentos mais complicados para o processo, em particular, os antipsicóticos e a paroxetina.
  • Muitas vezes o que torna desafiador todo o processo são as reações adversas e a polifarmácia. Estes fatores tornam difícil determinar qual a droga está causando cada sintoma. De fato, existem inúmeras narrativas em SurvivingAntidepresants.org que recordam as dificuldades com as cascatas de prescrição, reações adversas a drogas e com as interações medicamentosas.

“Muitos que vêm ao site para obter ajuda com a síndrome de afinamento ou de abstinência parecem também sofrer reações adversas, tais como insônia, disfunção sexual, agitação e reações alérgicas”, escreve ela. “Embora estivessem infelizes com os medicamentos, estas pessoas foram aconselhadas a continuar a tomá-los para benefício terapêutico, e assim o fizeram, durante anos”.

  • -Os sintomas de abstinência indicam instabilidade neurológica, necessitando de mais cautela quando os profissionais consideram novos medicamentos ou dosagens de melhoria.
  • Nunca se pode saltar as doses programadas no processo de retirada.

“Qualquer paciente corre o risco de apresentar sintomas psicotrópicos de abstinência e o agravamento do seu estado de saúde devido aos efeitos adversos não reconhecidos, e os sintomas de abstinência podem ser muito fortes. Os doentes precisam de médicos prescritores que revejam as suas suposições e práticas para o bem dos nossos sintomas nervosos”, argumenta Framer.

O artigo de Framer, “O que aprendi ao ajudar milhares de pessoas a afilar os antidepressivos e outros medicamentos psicotrópicos”, e o seu Website abrem portas para os clínicos compreenderem melhor como entender a retirada de medicamentos psicotrópicos. O seu trabalho também dá uma autoridade científica única e poderosa à experiência viva daqueles que tenham visitado SurvivingAntidepressants.org em busca de conselhos e sabedoria comunitária quando os canais mais formais não têm as respostas para ajudar.

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Framer, A. (2021). What I have learned from helping thousands of people taper off antidepressants and other psychotropic medications. Therapeutic Advances in Psychopharmacology11, 2045125321991274. (Link)

A origem dos serviços de saúde mental no Reino Unido

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A fim de explorar o atual contexto político dos serviços de saúde mental, como farei em alguns blogs que se seguirão, é necessário estabelecer em que consiste realmente o moderno sistema de saúde mental e qual a sua função. Apenas traçando o desenvolvimento histórico dos serviços de saúde mental, e analisando como e por que o sistema surgiu, é que somos capazes de compreender plenamente o seu verdadeiro propósito.

Até ao século XIX, na Inglaterra, a gestão dos problemas colocados por aqueles que perderam o juízo era principalmente da responsabilidade da família, apoiada pelo sistema de assistência social conhecido como as Leis dos Pobres.

Cuidar dos doentes mentais não era muito diferente de cuidar dos doentes físicos. Ambos os grupos precisavam de alimentação, vestuário e alojamento. Se a família fosse razoavelmente rica, as necessidades de um indivíduo poderiam ser suportadas pelo resto da unidade familiar. Como alternativa, a família podia providenciar cuidados privados, tais como pagar a um outro familiar ou a um vizinho para que levasse o indivíduo doente para a sua casa. No século XVIII surgiram “manicômios” privados para atender às famílias que procuravam alguém para cuidar de um parente mentalmente perturbado. Estas casas de loucos acolhiam “pensionistas”, como eles eram referidos, à custa da família do pensionista. Os proprietários podiam empregar “guardas” para vigiar os residentes, e no século XVIII um conjunto de escândalos públicos revelou a natureza inescrupulosa deste “comércio da loucura” (1).

Se a família era pobre, no entanto, ele era dependente da assistência dos contribuinteslocais, especialmente se o doente fosse o ganha-pão da família. As Leis dos Pobres que foram promulgadas a partir do século XVI tornaram as paróquias locais responsáveis pelo cuidado dos pobres, e obrigavam a que todas as áreas cobrassem um imposto para a assistência das pessoas incapazes de se sustentarem a si próprias. O sistema substituiu o sistema medieval de cuidados caritativos prestados por instituições religiosas, tais como os mosteiros.

Os registros da Lei dos Pobres proporcionam uma rica visão sobre como as pessoas eram tratadas antes do surgimento da instituição especializada do asilo de loucos. Indicam uma variedade de disposições para os cuidados e contenção dos doentes mentais, que faziam parte de uma tentativa coerente das comunidades locais de proverprestar assistência aos seus membros dependentes, equilibrando as “prioridades de bem-estar e ordem social com as despesas colocadas aos pagadores de taxas ou impostos” (2) (pp 50).

Quando um indivíduo adoecia ou enlouquecia, a família podia requerer às autoridades paroquiais locais que administrassem assistência ao “pobre”. As autoridades paroquiais podiam conceder ajuda financeira à família, ou ajuda em espécie em termos de alimentação e vestuário. Podiam também pagar aos outros membros da comunidade local para prestar assistência ao indivíduo em causa. No século XVIII, pelo menos nas paróquias maiores, havia um “pequeno exército de pessoas (tanto homens como mulheres) empregadas para ‘vigiar’ os doentes, incluindo os doentes mentais” (2) (pp 43). Os funcionários da paróquia, bem como os magistrados do condado mais próximo, eram também responsáveis por garantir a paz e a segurança da sua jurisdição. Se o doente fosse considerado perigoso, e se os funcionários não ficassem satisfeitos por poder ser tratado em segurança em casa, poderiam tomar medidas alternativas. Inicialmente estas poderiam consistir no confinamento temporário por vizinhos ou funcionários locais, mas nos casos em que tal fosse considerado inadequado, o indivíduo poderia ser encarcerado numa prisão ou “Casa de Correção” mais próxima (3). Este era também o destino de alguns dos vagabundos e mendigos que povoavam cada vez mais a Inglaterra dos séculos XVII e XVIII.

O custo de manter um indivíduo numa instituição como a Casa de Correção, ou mais tarde a ‘Casa de Trabalho’, tinha de ser suportado pelos paroquianos locais, a menos que a família pudesse ser obrigada a pagar. Havia, portanto, um incentivo para que tais indivíduos fossem libertados e devolvidos à comunidade local o mais rapidamente possível.

Nessa época, como agora, os pagadores de taxas queixavam-se de que os funcionários estavam sendo demasiado generosos com o seu dinheiro, e que muitos dos pobres não mereciam os pagamentos que lhes eram concedidos. Esta atitude tornou-se mais estridente com as crescentes exigências de bem-estar causadas pela deslocação e empobrecimento que se seguiram às revoluções agrícola e industrial. A Lei Elizabetana dos Pobres tinha distinguido entre os pobres capazes e os pobres não-capazes, com uma orientação para que os pobres capazes recebessem trabalho. No início do século XIX, com o país sob o domínio da recessão pós-guerra napoleônica, havia quase histeria sobre o fardo dos ‘indigentes pobres’. uma Emenda de Alteração da Lei de 1834 foi concebida para dissuadir os preguiçosos e os trabalhadores indecisos de reclamar aos pagadores de impostos locais.

Contudo, por muito draconiana que a lei possa ter se tornado, o que confrontava os funcionários locais era a necessidade e o sofrimento. O grande número de pobres capazes que iam ser empurrados de volta ao trabalho nunca se concretizou, e as Casas de Trabalho ficaram cheias em grande parte com os velhos e frágeis,bem como com os doentes e os loucos (4).

As exigências do sistema capitalista emergente exacerbaram problemas naturais como a doença. As pessoas tinham de estar aptas a trabalhar em turnos longos e árduos para produzir mais-valia. Havia poucos papeis produtivos para os não capazes para o trabalho, como havia em comunidades agrícolas menores. Além disso, com todos os membros da família capazes indo a trabalhar, menos pessoas eram deixadas em casa para prestar cuidados àqueles que precisavam.

Assim, a era Vitoriana assistiu ao aparecimento e consolidação de uma assistência social em larga escala para aqueles que não eram capazes de se manterem. O sistema incluía a Casa de Trabalho (Workhouse) e, as pobres enfermarias sob a lei, frequentemente conectadas à Casa de Trabalho e ao asilo. A Lei de 1834 exigia que todas as regiões construíssem uma Casa de Trabalho local, e proibia o pagamento de ‘alívio ao ar livre’ àqueles que eram capazes de ser postos a trabalhar. As novas Casas de Trabalho foram concebidas como lugares onde os pobres seriam colocados em trabalhos forçados, e dotadas de condições espartanas tais que dissuadissem qualquer pessoa, exceto os verdadeiramente desesperados (5).

Os trabalhos do filósofo Michel Foucault e do historiador Andrew Scull delinearam como o sistema moderno de saúde mental, inicialmente incorporado ao asilo, surgiu da necessidade de sequestrar a loucura do ambiente de trabalho (ou da instituição anterior, mas semelhante do Hôpital Général em França) (6;7). De fato, a Lei de 1834 aprovou especificamente a separação dos loucos, com o fundamento de que deveriam receber tratamento num ambiente especializado. O início do século XIX foi um período de otimismo terapêutico, e os requerentes de asilo tocaram na apelativa ideia de que o seu tratamento poderia curar uma insanidade, reduzindo assim o fardo de proporcionar cuidados a longo prazo para os dependentes crônicos. Mais importante ainda, talvez, as pessoas mentalmente perturbadas fossem difíceis de serem contidas no local de trabalho, e perturbadoras do regime laboral (8). Os loucos tinham de ser afastados do local de trabalho caso afetassem o esforço de motivar e disciplinar os pobres indigentes; aqueles que precisavam de ser convencidos da necessidade de trabalho.

O asilo era mais caro do que a casa de trabalho, e um asilo com um regime humanitário que evitava o uso de restrições físicas era ainda mais caro (8).

Consequentemente, muitos dos mentalmente perturbados continuavam a definhar no local de trabalho, especialmente se fossem silenciosos e pouco exigentes. Apesar da imagem de que os antigos asilos eram lugares que ninguém saia vivo, havia um incentivo financeiro para libertar as pessoas sempre que fosse possível. Pesquisas históricas ao longo das últimas décadas mostraram que até 60% das pessoas admitidas nos asilos eram libertadas no espaço de um ano. No final do século XIX, dois terços dos doentes ficavam menos de dois anos em um asilo psiquiátrico (9;10).

Assim, os asilos vitorianos, que constituíam o primeiro sistema reconhecível especificamente concebido para atender às pessoas mentalmente perturbadas, surgiram de, e fizeram parte de, arranjos sociais financiados publicamente para proporcionar bem-estar e manter a ordem social. Os asilos proporcionavam simultaneamente um santuário para os temporariamente perturbados, contenção para os agressivamente loucos, e cuidados para aqueles considerados incuravelmente insanos que não eram alojados noutro lugar.

A complexa teia de assistência que consistia na família, comunidade local e em locais de confinamento foi substituída no século XIX por cuidados especializados prestados no âmbito do sistema de asilo, supervisionados a partir de meados do século pela profissão médica. Com o recente desaparecimento do asilo em larga escala, as suas funções foram substituídas por uma rede de instituições e serviços que prestavam uma mistura de assistência financeira, cuidados e controle. Embora as despesas sejam agora em grande parte amparadas pelo Estado ou pelo setor dos seguros de saúde, e não diretamente pela família do doente, a introdução de licitações concorrenciais e o papel crescente do setor privado recriaram um “comércio da loucura”.

Contudo, desde o século XIX que os serviços de saúde mental têm vindo a afirmar que fornecem algo mais do que cuidados e contenção. Como a loucura começou a ser conceitualizada como uma condição médica, a sua gestão tem sido retratada como um esforço terapêutico que visa curar ou corrigir o problema subjacente. Os especialistas que se dedicavam ao negócio no século XIX afirmavam serem capazes de efetuar curas através de um tratamento ‘moral’. No século XX, a atenção voltou-se para vários procedimentos físicos, tais como a insulinoterapia e a ECT, seguidos dos tratamentos medicamentosos que conhecemos hoje em dia. Embora os tratamentos modernos possam efetivamente subjugar algumas das manifestações mais extremas da loucura, há poucas provas de que qualquer uma das numerosas intervenções administradas aos usuários ao longo dos anos influencie o curso natural da condição. O que fizeram, contudo, é obscurecer as funções subjacentes que os serviços de saúde mental ainda servem, sem dúvida. E se quisermos pensar em como abordar os problemas colocados pela perturbação mental da forma mais racional, econômica e humanitária, precisamos de não deixar de considerar atentamente essas  funções.

Referências

(1) Parry-Jones WLI. The Trade in Lunacy: a study of private madhouses in England in the eighteenth and nineteenth centuries. London: Routledge and Kegan Paul; 1972.
(2) Rushton P. Lunatcis and Idiots: mental disability, the community, and the Poor Law in North East England, 1600-1800. Medical History 1988;32:34-50.
(3) The House of Correction was a place of confinement and enforced labour most often used for those who had committed petty offences that threatened the social order. http://www.londonlives.org/static/HousesOfCorrection.jsp
(4) http://www.english-heritage.org.uk/discover/people-and-places/disability-history/1832-1914/the-changing-face-of-the-workhouse/
(5) For information on workhouses and the Victorian Poor Law see http://www.workhouses.org.uk/poorlaws/1834intro.shtml
(6) Foucault M. Madness and Civilisation. London: Tavistock; 1965.
(7) Scull A. The Most Solitary of Afflictions. New Haven: Yale University Press; 1993.
(8) Forsythe B, Melling J, Adair R. The new Poor Law and the county pauper lunatic asylum- the Devon experience. Social History of Medicine 1996;9:335-55.
(9) Ellis R. The asylum, the Poor Law, and a reassessment of the four-shilling grant: admissions to the county asylums of Yorkshire in the nineteenth century. Soc Hist Med 2006 Apr;19(1):55-71.
(10) Wright D. Getting out of the asylum: understanding the confinement of the insane in the nineteenth century. Soc Hist Med 1997 Apr;10(1):137-55.

Medicina Insana, Capítulo 8: Armadilhas de Tratamento e Como Sair Delas (Parte 2)

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Man hands tied with thread playing cats cradle game with birds standing like on a wire and flying around. Trying to lure birds. Some birds are not meant to be caged

 

 

 

Nota do editor: Ao longo de vários meses, Mad in Brasil está publicando uma versão seriada do livro de Sami Timimi, Insane Medicine. Na Parte 1, ele discutiu a desconstrução do diagnóstico, a natureza do dano psicológico, e como a identificação de um problema pode tornar-se uma profecia auto-cumprida. Na Parte 2, ele discute o trabalho com medicação e o abandono da medicação. Todos os capítulos estão aqui arquivados.

Trabalhar com medicamentos

Já devem ter percebido que eu não sou um grande fã de medicação psiquiátrica (também conhecida como medicação psicotrópica). Há muitas décadas que os médicos não são capazes de os utilizar com uma compreensão adequada das suas limitações. Acabam por ser usados durante demasiado tempo com uma dose muito elevada e com um número excessivo de pessoas.

Fomos treinados de uma forma que acaba por nos levar a que nós, médicos, os utilizemos de forma bastante liberal, mas não fomos treinados em como ver a sua utilização no contexto mais amplo da vida de uma pessoa – nem fomos treinados em como ajudar as pessoas a sair deles.

Também pertencemos a sistemas que nos encorajam a sentir que deveríamos ter de oferecer algo concreto aos nossos pacientes (como uma receita médica). Além disso, os nossos pacientes estão numa cultura que os treina a imaginar que o sofrimento mental não tem qualquer significado e pode ser eliminado com os remédios McDonald’s. Tais características da oferta e da procura levaram a uma utilização excessiva de medicamentos psicotrópicos, que é um dos maiores contribuintes para os resultados terríveis e para a redução da esperança de vida daqueles que se tornam doentes de saúde mental a longo prazo.

Isso não significa que os medicamentos não possam ser úteis para algumas pessoas em alguns aspectos, particularmente quando utilizados para intervenções de curto prazo. Embora a maior parte da minha prática relacionada com medicamentos envolva ajudar alguém a reduzir ou retirar completamente os medicamentos psicotrópicos prescritos originalmente por outra pessoa, há também ocasiões em que sou a pessoa que inicia a prescrição. Isto pode ser para ajudar a manter uma aliança terapêutica, devido à pressão compreensível de uma pessoa jovem e/ou da sua família, ou porque eu a sugiro.

Abaixo estão alguns dos contextos que tenho em mente quando trabalho com estes medicamentos psiquiátricos:

  • Os diagnósticos em psiquiatria não são diagnósticos – são descritores fracos e que não explicam.
  • Do mesmo modo, os medicamentos psiquiátricos não têm efeitos específicos sobre a doença – não existe um “antidepressivo”, “anti-psicótico”, “estabilizador do humor”, etc.
  • Medicamentos psicotrópicos, como o álcool ou as drogas de rua, estimulam ou deprimem certos neurotransmissores e têm como resultado efeitos gerais no nosso estado mental.
  • Provocam alterações/desequilíbrios químicos em vez de remediar qualquer desbalanceamento químico.
  • O estado mental alterado resultante que uma droga psiquiátrica produz pode ajudar uma pessoa a lidar com uma situação ou melhorar uma situação a curto prazo.
  • Há poucas provas que sugiram que qualquer medicação psicotrópica conduza a uma melhoria sustentada dos resultados a longo prazo.
  • Todas as substâncias psicoativas podem produzir tolerância se tomadas durante tempo suficiente. Em linguagem corrente, isto significa que todas elas podem ser viciantes e causar sintomas de abstinência se paradas repentinamente.

Este plano de fundo ajuda a orientar-me para o que preciso de ter em mente quando trabalho com indivíduos que tomam medicação psiquiátrica e as suas famílias. Dado que a maior parte do efeito do medicamento é imitado por um comprimido placebo, a narrativa que usamos quando prescrevemos tem um impacto muito maior na forma como o paciente experimenta então o que lhe acontece do que os efeitos químicos do próprio medicamento. Estes são aspectos da prescrição que médicos como eu tiveram de descobrir por nós próprios, uma vez que não nos ensinam isto.

A história principal que utilizo para receitar psicotrópicos é que eles são ” facilitadores” que criam janelas de oportunidade. Lembro aos pacientes que um medicamento não pode tomar uma decisão ou iniciar uma ação; são as pessoas que o fazem. Explico que as drogas psiquiátricas funcionam como qualquer substância que afeta as substâncias químicas do nosso sistema nervoso.

Eles não corrigem nenhum desequilíbrio químico. Ninguém pode encontrar qualquer evidência de que aquilo a que chamamos transtornos mentais sejam o resultado de um desequilíbrio químico. Tal como o álcool, as drogas psiquiátricas fazem-nos sentir um pouco diferentes e isso pode ser útil a curto prazo. Por exemplo, o álcool pode ajudá-lo a superar a sua timidez com os outros, mas a maioria de nós concordaria que o uso de álcool a longo prazo para esse efeito pode levar a todo o tipo de problemas. Isto significa que a droga funciona melhor quando tiramos partido de nos sentirmos um pouco diferentes para fazer as mudanças que pudermos.

Utilizo analogias para acompanhar a narrativa. Se espero que a droga tenha um efeito mais ativador e energizante para alguém que está deprimido, posso usar uma analogia tal como “É como um óleo que ajuda as nossas engrenagens a girar mais livremente novamente”. As engrenagens são você e é você que vai conduzir a mudança, não as drogas“. Se eu estiver esperando um efeito mais calmante, posso usar uma analogia do tipo: “Temos muitas intervenções na medicina que não atuam diretamente sobre o problema. Por exemplo, um molde em gesso à volta de um braço com um osso partido não tem efeito direto sobre o osso, apenas ajuda o osso a ficar parado para que o corpo possa fazer o seu processo natural para curar o osso“.

Estas formas de conceitualizar o trabalho do medicamento ajudam a preparar uma pessoa para a sua participação na cura como agente e dão uma base para a ajudar a compreender porque é que provavelmente só precisarão do medicamento a curto prazo, digamos durante 6 a 12 meses, e depois podem ser gradualmente desmamados.

Uma vez que a pessoa tenha concordado com este enquadramento você pode ajudá-la a desenvolver a sua capacidade de agir utilizando uma simples visualização. Isto é conhecido como a “questão milagrosa”. Quando estamos sobrecarregados com um problema, tendemos a concentrar-nos em como esse problema está a dominar e a tornar a nossa vida pior. Compreensivelmente, pensamos que para a vida melhorar temos de nos livrar ou eliminar esse problema.

Infelizmente, a maioria dos tratamentos que subscrevem a crença de que se trata de um tratamento específico para um diagnóstico específico reforça esta ideia. A “questão milagrosa” ajuda-o a imaginar o que gostaria de ver acontecer se o problema fosse menos dominante. Ajuda-o a concentrar os seus esforços em vez de se livrar de algo em direção ao que se espera em seu lugar.

Assim, como uma forma de introduzir a capacidade de agir do paciente, posso perguntar algo do tipo,

” Considere que eu tenho a prescrição perfeita para dar, só que isto é tão bom que tudo o que você tem de fazer é tomá-la uma vez antes de ir para a cama esta noite. Enquanto se dorme, este medicamento faz a sua magia, para que pela manhã este milagre tenha acontecido e tudo o que se esperava que mudasse tenha mudado. Porque este milagre aconteceu enquanto dormia, não se dá conta de que a mudança tenha acontecido. O que é que poderia reparar que poderia primeiro alertá-lo de que algo parece diferente? O que é que outros que o conhecem podem notar? O que poderia você fazer de diferente?”

Você pode então acompanhá-los durante o dia, tendo o cuidado de os ajudar a passar da ausência de negativismos e generalizações para a presença de comportamentos específicos. Por exemplo: ” Então, assim você se sentirá mais feliz. Estou vendo, você está conseguindo descrever o que eu o veria você fazendo se se sentisse mais feliz.” e “Então, se você não estivesse perdendo a calma, o que estaria a fazer em vez disso?” e assim por diante. Isto ajuda a pessoa a começar a visualizar a alternativa, o esperado para o futuro.

Isto deve dar aos pacientes uma lista de diferentes comportamentos que eles imaginam que irão fazer. Você pode agora ajudá-los, introduzindo outro conceito: Não é raro tentarmos agir demasiado depressa quando queremos ver-nos livres de um problema. Acordamos de manhã em alguns dias e dizemos a nós próprios: “OK, eu vou fazer isto e aquilo e o outro hoje, sem mais lamentos, recomeço, tenho de mudar“.

Mantemos as coisas a funcionar durante um tempo, mas despenhamo-nos em poucas horas ou no dia seguinte. Isto apenas reforça o nosso sentimento em relação ao problema de que ele é demasiado forte para nós e não o podemos derrotar ou superar. O desespero entra e gera os nossos sentimentos de fracasso.

É melhor concentrarmo-nos em pequenas mudanças que são concretas e mais fáceis de notar. Pode pedir à pessoa para escolher um dos comportamentos da sua lista de milagres que pode ser um ponto de partida que ela gostaria de se concentrar em fazer uma pequena, minúscula e quase imperceptível mudança, se a medicação a ajudar a sentir-se um pouco mais livre.

Também observo qualquer exemplo de funcionamento que eles já conseguiram fazer, apesar de se sentirem tal como em: “Como é que você ainda conseguiu levar o seu filho à escola, apesar de se sentir tal como se sente? É a isso que chamamos resiliência, ainda a funcionar apesar de como nos sentimos. Você é claramente uma pessoa resiliente“.

Pode também, em vez de um determinado objetivo de comportamento, pedir-lhes apenas que reparem na diferença, e esse pode ser o seu objetivo. Por exemplo, “eu gostaria que você tomasse nota, mental ou escrita, de qualquer coisa, por mais pequena ou temporária que seja, que é um momento em que você se sente um pouco melhor, algo foi diferente, você fez algo por mais pequeno que não tenha feito durante algum tempo, seja ele qual for. Anote-o porque lhe perguntarei sobre isto da próxima vez que nos encontrarmos“.

Esta é outra forma de ajudar a pessoa a começar a notar a presença de algo e não a ausência de algo.

Também pode ser útil para ajudar essa pessoa a pensar na sua rede de apoio social. As relações de apoio podem ser vitais para a recuperação. É tão simples como perguntar quem mais existe que a pode apoiar e de que forma. “Quem sabe pelo que você está a passar? Quem gostaria de saber sobre o que está a passar? Quantos deles poderão participar numa reunião ou duas conosco?” E assim por diante.

Nas reuniões de acompanhamento, tento ajudar o doente a reconhecer que ele e os seus acompanhantes são os agentes de mudança. Procuro exemplos que os pacientes fornecem e que sugerem que algo diferente aconteceu, quer eles comuniquem ou não qualquer mudança no objetivo que estabeleceram e se notaram ou não algo diferente.

Se ouvir com atenção suficiente, há normalmente algo diferente que pode ser notado. Nunca aceito qualquer inferência de que o medicamento tenha sido o agente de mudança. Lembrarei ao paciente que a medicação não pensa e não pode tomar decisões.

Posso perguntar-lhes algo como, “com que qualidades em si mesmo a medicação o ajudou a reconectar-se?” e depois podemos passar algum tempo a falar sobre esta qualidade (por exemplo, determinação, coragem, paciência, bondade, etc.) e como esta qualidade está ganhando vida novamente e pode continuar a desenvolver-se nas próximas semanas. Isto ajuda os pacientes a reconectarem-se com os seus recursos internos e a resiliência que aí tem estado, ainda que um pouco adormecida, durante todo o tempo.

Não tomar medicamentos psiquiátricos

POR FAVOR, NÃO PARE DE REPENTE QUALQUER MEDICAÇÃO PSIQUIÁTRICA – ISTO É PERIGOSO E PODE SER FATAL.

Infelizmente, os bons conselhos profissionais dos médicos são escassos no terreno, devido à muito pouca formação ou conhecimento que temos sobre a retirada de medicamentos psiquiátricos. A minha abordagem vem de uma mistura de experiência clínica, fontes acadêmicas – e ouvir a experiência daqueles que tiveram problemas em se retirar da medicação psiquiátrica.

Ao desmamar qualquer medicação psiquiátrica, deve ter em mente que alguns sintomas de abstinência são prováveis. Isto porque os medicamentos psiquiátricos atuam nas extremidades nervosas das células cerebrais, e o resultado da sua ação é aumentar ou diminuir a quantidade de um determinado composto químico envolvido na transmissão de sinais de uma célula cerebral para outra (um neurotransmissor).

O que acontece frequentemente depois de algum tempo desta mudança na quantidade de neurotransmissor é que as células cerebrais começam a mudar para se ajustarem aos novos níveis desse neurotransmissor. Por exemplo, se uma droga tiver causado um aumento nos níveis de neurotransmissor, então, com o tempo, a célula cerebral que recebe este neurotransmissor começará a reduzir o número de receptores (que recebem o sinal deste neurotransmissor) que ele tem, em reação ao aumento deste elemento químico.

É por isso que, para muitas pessoas, os efeitos psicológicos dos medicamentos psiquiátricos tendem a passar com o tempo, levando frequentemente à administração de doses gradualmente crescentes. Também significa que não é recomendado retirar a droga de repente, fazendo a “frio,”

A minha regra geral é que se estiver a consumir um medicamento psiquiátrico há mais de um par de meses, então desmame gradualmente durante um período de meses, com doses gradualmente decrescentes. Quanto mais tempo se estiver tomando a medicação, mais longo poderá ser o período de abstinência.

Lembre-se, os sintomas de abstinência podem facilmente ser confundidos com o problema original e normalmente incluem sentimentos de ansiedade, agitação, inquietação, confusão e dificuldade em dormir, mas por vezes incluem também sintomas físicos tais como sensação de gripe, dores musculares e tremores, fadiga, bem como choques muitas vezes referidos como “abanões cerebrais” ou “zaps cerebrais”.

No entanto, sintomas evidentes de abstinência podem aparecer aleatoriamente por vezes com ondas e crises repentinas quando o paciente se sentiria relativamente bem caso contrário.

Os sobreviventes de medicamentos psiquiátricos são frequentemente as melhores fontes de conhecimento sobre esta questão. Seguem-se três recursos em linha que considerei úteis e informativos:

Há alguns livros que podem ajudar no processo de retirada da medicação, como o livro do renomado pesquisador Peter Gøtzsche Mental Health Survival Kit and Withdrawal from Psychiatric Drugs, que vem sendo publicado pelo Mad in Brasil em sua versão em português.

Aqui estão algumas dicas que podem ajudar:

  • Falar abertamente sobre o assunto. Estar preparado para ser flexível no programa de retirada.
  • Sempre que possível, trabalhar com um profissional de saúde, de preferência (mas não necessariamente) um médico, que compreenda os fenômenos de abstinência e possa ajudá-lo a reconhecer e gerir os sintomas de abstinência e as possíveis interações medicamentosas.
  • Envolva pessoas de confiança e de apoio na sua rede social nas discussões e decisões que tomar. Deixar que as pessoas saibam o que está a fazer e descobrir de que forma poderão ser capazes de o apoiar pode ser vital.
  • Se alguém estiver a tomar o psicotrópico há menos de dois meses, pode ser possível retirar rapidamente durante algumas semanas, embora mesmo após algumas semanas com um fármaco, alguns ainda possam sentir sintomas de retirada.
  • A regra geral para reduzir a probabilidade de sintomas de abstinência é pequena (pequenas reduções) e lenta (durante um período prolongado).
  • Para aqueles que tomam o psicotrópico durante mais de alguns meses, então deve-se planejar uma retirada cuidadosamente preparada que pode durar meses, ou mesmo anos. Quanto mais tempo se tiver tomado o psicotrópico, mais longa poderá ser a fase de retirada. Se sentir quaisquer sintomas de abstinência após qualquer redução, então poderá desejar voltar à dose anterior por mais algum tempo antes de tentar uma nova redução. Geralmente trabalha-se com reduções de 10% na dose cada vez que se reduz, embora se possa fazer reduções maiores nas doses mais elevadas e pode ser necessário fazer reduções menores nas doses mais baixas.
  • Como princípio geral, só fazer a próxima redução na dose diária quando quaisquer sintomas de abstinência tiverem estabilizado.
  • Meia-vida mais longa (por exemplo, alguns dias – pode procurar meia-vida de medicamentos no google) os medicamentos tendem a causar menos sintomas de abstinência do que os medicamentos de meia-vida mais curtos.
  • Quando se lida com aquilo a que chamamos “polifarmácia”, que é onde alguém está a tomar mais do que um medicamento psicotrópico, deixar para mais tarde, no programa de retirada, uma quantidade maior de sedativos ou medicamentos prescritos para os efeitos secundários dos outros.
  • Devido à forma como os psicotrópicos atuam nos receptores das células cerebrais, é muito mais provável que surjam sintomas de abstinência à medida que se desabitua das doses mais baixas. Se alguém começar a sentir sintomas de abstinência nas doses mais baixas, tente proceder em cerca de 10% de redução dos intervalos de dose, o que significa que poderá ter de ir para doses muito pequenas. Isto pode significar o corte de comprimidos, ou a separação de cápsulas e a utilização de balanças sensíveis para pesar quantidades, embora se estiver disponível uma preparação líquida isto torne muito mais fácil a realização destes pequenos passos.
  • É sensato evitar transições significativas/eventos de vida e ter uma situação de vida relativamente estável quando se retira.

Fontes de Referência:

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                                                                             [trad. e edição Fernando Freitas]                                                                                         O

Antidepressivos ainda associados ao aumento do risco de suicídio

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Uma nova metanálise de estudos observacionais, incluindo 1,45 milhões de indivíduos, descobriu que os antidepressivos ainda estão associados ao aumento do suicídio. Embora isto tenha sido em grande parte motivado por descobertas de antidepressivos não-ISRS como a venlafaxina, bupropiona, e mirtazapina, os investigadores descobriram que o enviesamento de publicações e pesquisas com um conflito de interesses financeiro (fCOI) também contribuem provavelmente para a subestimação dos estudos de risco e ISRS são especialmente propensos a estes enviesamentos.

“A exposição a antidepressivos da nova geração está associada a um maior risco de suicídio em pacientes adultos com depressão e com outras indicações de tratamento. O viés de publicação e o fCOI provavelmente contribuem para a subestimação sistemática do risco na literatura publicada”, escrevem eles.

O estudo foi conduzido por Michael Hengartner, Simone Amendola, Jakob Kaminski, Simone Kindler, Tom Bschor, e Martin Plöderl e publicado no Journal of Epidemiology and Community Health.

Public Domain

Os defensores do uso de antidepressivos sugerem que uma das suas principais funções é a de proteger contra o suicídio. Se as drogas pudessem salvar vidas, isso seria um argumento substancial a seu favor. Contudo, as provas são, na melhor das hipóteses, pouco claras. Estudos têm encontrado resultados inconsistentes, sendo que muitos sugerem que as drogas aumentam efetivamente o suicídio, especialmente em crianças e jovens adultos. Contudo, alguns estudos encontraram resultados pouco claros, sugerindo que os fármacos podem não aumentar ou diminuir o suicídio.

Em um outro estudo recente, Simone Amendola, Martin Plöderl e Michael Hengartner analisaram as taxas de suicídio a longo prazo em vários países. Verificaram que as alterações na taxa de suicídio não correspondiam às épocas em que grande número de pessoas começou a usar antidepressivos.

Contudo, a maioria destes estudos foram limitados por serem ensaios controlados aleatoriamente (RCTs), que muitas vezes excluem deliberadamente pessoas que já experimentaram suicídio e pessoas com outras condições com comorbidades, tais como o uso de substâncias. Assim, alguns investigadores argumentam que estes estudos não representam com precisão os pacientes realmente vistos na prática da vida real.

Devido a isto, estudos observacionais podem fornecer melhores provas sobre se os antidepressivos reduzem – ou aumentam – o risco de suicídio na vida real. Os estudos deste tipo são grandes e incluem pessoas observadas na prática clínica real, o que os torna importantes para testar a validade dos resultados dos RCTs.

De acordo com Hengartner et al., a última metanálise que incluiu estudos observacionais foi publicada em 2009, incluiu apenas oito estudos com cerca de 200.000 participantes, e não incluiu antidepressivos não-ISRS como venlafaxina, bupropion e mirtazapina. Este estudo também não conseguiu controlar o enviesamento de publicações e o enviesamento de estudos financiados pela indústria farmacêutica (fCOI).

Esse estudo de 2009 concluiu que o risco de suicídio era quase o dobro nos adolescentes que tomavam ISRSs, mas que as drogas reduzem efetivamente o risco de suicídio em adultos. No entanto, esse estudo foi limitado por um tamanho menor, não controlando os vieses, e não incluindo todos os medicamentos que são considerados antidepressivos.

Agora Hengartner et al. atualizaram esse estudo, incluindo 27 estudos com 1,45 milhões de participantes, entre os quais antidepressivos não-ISRS e antidepressivos utilizados para outras indicações que não a depressão, e controlando enviesamentos como publicações seletivas e estudos patrocinados pela indústria farmacêutica.

Descobriram que os antidepressivos estavam associados ao aumento do risco de suicídio em adultos, bem como em adolescentes. Além disso, mesmo considerando apenas os ISRSs estes não reduziram o risco de suicídio – na melhor das hipóteses, o risco de suicídio permaneceu o mesmo.

“Ao contrário de afirmações de pessoas com destaque, não encontramos provas fiáveis de que os antidepressivos protejam contra o suicídio. Pelo contrário, parece que o uso de antidepressivos pode mesmo aumentar o risco de suicídio”.

Hengartner et al. também foram capazes de avaliar o efeito do viés de publicação e do fCOI nos resultados. Quando controlaram para estes enviesamentos, os resultados foram ainda mais fortes, e mesmo os ISRSs foram significativamente associados ao aumento do suicídio. Os estudos financiados pela indústria farmacêutica tinham muito mais probabilidades de encontrar taxas de suicídio mais baixas do que os estudos realizados por investigadores independentes. Os estudos que fazem com que os antidepressivos pareçam pobres têm muito menos probabilidades de serem publicados.

Eles escrevem: “Encontrámos ainda provas empíricas de enviesamento de publicação. Vários estudos com provas de maior risco de suicídio com antidepressivos de nova geração provavelmente permanecem inéditos. Assim, descobrimos que os estudos com fCOI referem estimativas de risco significativamente mais baixas do que os estudos sem fCOI”.

Uma prova fácil de identificar para este efeito é que, em média, estudos financiados pela indústria farmacêutica descobriram que os antidepressivos não tiveram qualquer impacto no risco de suicídio (razão de risco 0.96). Em contraste, estudos realizados por investigadores independentes descobriram que os antidepressivos duplicaram o risco de suicídio (razão de risco 2,02).

Em suma, eles escrevem que os seus resultados verificam o conjunto substancial de investigações que constatam que os antidepressivos aumentam o suicídio:

“Os nossos resultados são, portanto, consistentes com várias análises de sumários de segurança da FDA para ensaios sobre depressão aguda que revelaram um aumento do risco de suicídio com antidepressivos de nova geração como grupo relativo ao placebo. Um risco significativamente maior de eventos suicidas foi também demonstrado meta-analiticamente com ISRS em geral e especificamente com paroxetina em ensaios a curto prazo controlados por placebo. Os nossos resultados também correspondem a duas metanálises de ensaios de depressão a longo prazo, que constataram um aumento do risco de suicídio com qualquer antidepressivo”.

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Hengartner, M. P., Amendola, S., Kaminski, J. A., Kindler, S., Bschor, T., & Plöderl, M. (2021). Suicide risk with selective serotonin reuptake inhibitors and other new-generation antidepressants in adults: a systematic review and meta-analysis of observational studies. J Epidemiol Community Health, Epub ahead of print doi:10.1136/jech-2020-214611 (Link)

COVID-19 e Saúde Mental: Sentir angústia é normal e não é um transtorno mental

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De The Conversation: “Não concordo com o fato de se ter tornado rotina medicar o sofrimento humano, anexando-lhe um diagnóstico de saúde mental. Isto não aborda a origem da angústia das pessoas. Um rótulo de diagnóstico também não permite algo que é essencial para a capacidade das pessoas de lidar e adaptar-se: obter significado a partir das suas próprias experiências.

… Globalmente, tem havido um apelo crescente para uma nova narrativa na saúde mental – e novas abordagens interpretativas para compreender a angústia humana“.

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