Como as Síndromes de Saúde Mental Surgem das Mudanças Sociais

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Um capítulo recente publicado no livro Perspectivas para uma Nova Teoria Social da Sustentabilidade(Perspectives for a New Social Theory of Sustainability) explora uma perspectiva da “teoria dos sistemas” sobre como as síndromes da saúde mental surgem e evoluem ao longo do tempo. Os autores discutem como o surgimento de síndromes está vinculado às alterações nos padrões de migração, tecnologia, normas sociais, medicina, desigualdade econômica e assim por diante. Essas síndromes variam do “rapidamente mutante” ao “lento mutante mimético”. Eles sugerem que algumas síndromes podem ser vistas como “arautos” para as mudanças sociais no horizonte.

“Nós propomos um modelo para explicar as possíveis cibernéticas das síndromes. Consideramos a tradição cultural e os processos de transformação que vinculam os efeitos da migração ao processo de globalização. Tentamos descobrir como as síndromes psiquiátricas estão ligadas ao contexto social e ao ecossistema em que estão inseridas”, explicam os autores, liderados pelo psiquiatra italiano Paolo Cianconi.

“As síndromes destacam indiretamente as escolhas feitas quando certas condições se espalham no corpo social. É possível ver suas consequências expressadas na psicopatologia da população em geral, especialmente entre os grupos vulneráveis. ”

Dynamic Systems Theory, Flickr

Há um movimento crescente na psiquiatria e nos campos adjacentes em direção a um entendimento ecológico da saúde mental social e economicamente baseado, e não apenas como surgindo nos cérebros individuais, como é no modelo médico.

Especificamente, muitos pesquisadores argumentam que síndromes tão diversas como “esquizofrenia”,ouvir vozes e “luto ecológico” devem ser entendidas em contextos históricos e sociais mais amplos.

Em seu capítulo, os autores fornecem uma ampla visão geral de como sistemas ecológicos e sociais não lineares complexos podem levar a novos desenvolvimentos nas síndromes psicopatológicas, bem como a mudanças nas existentes. Os autores começam falando sobre “síndromes culturais” em relação à migração. Em seguida, discutem como as mudanças nos sistemas sociais e ambientais existentes podem afetar até mesmo aqueles que “permanecem no local”.

Os autores teorizam que a mente humana está sempre buscando estabilidade e coerência, mas as mudanças em nossos ecossistemas podem apresentar desafios à sustentabilidade mental e emocional. Essa sustentabilidade requer nossa capacidade para “evitar ameaças”, assim como as lacunas no poder e a falta de acesso aos recursos.

Discutindo síndromes culturais, eles argumentam que, à medida que os indivíduos migram de uma cultura para outra, mudanças podem ocorrer na natureza das síndromes patológicas. Eles observam que “os novos imigrantes na Europa mostraram uma resposta positiva baixa, mesmo às terapias tradicionais”, de modo que os métodos de cura da cultura original podem não ser capazes de lidar com a síndrome à medida que ela evolui. Pode haver uma “mutação” que ocorre quando as pessoas são expostas a diferentes ambientes. Fatores ambientais específicos que levam a dificuldades enfrentadas pelos migrantes incluem discriminação racial, falta de pertencimento, dificuldades de linguagem, precariedade no emprego e muito mais.

Em termos de mudanças nos contextos existentes, os autores acreditam que as formas tradicionais de entender a psicopatologia podem facilmente se confundir com a complexidade das mudanças sociais. Os processos de industrialização e globalização, levando à nossa atual era tecnológica “pós-moderna”, podem mudar o terreno sob nossos pés:

“Se é o território social que se move sob nossos pés, tal como uma plataforma deslizante, a situação objetiva é a de estar em outro lugar, apesar do fato de não termos nos movido geograficamente”.

Essas mudanças ambientais podem levar a mudanças nas síndromes patológicas, que a disciplina da psiquiatria, assim como os terapeutas individuais, podem ter dificuldade em reconhecer. Os autores listam várias questões como exemplos desse fenômeno, como síndromes de mudança climática, sociedades em colapso devido a desastres naturais e síndromes de paranoia social. Eles observam que as sociedades que enfrentam “crises econômicas rápidas ou declínio” mostram taxas mais altas de angústia, suicídio, abuso de álcool e jogos de azar.

Os autores discutem a Síndrome de Transtorno Pós-Traumático como um exemplo de uma “síndrome rapidamente mutante”. Os veteranos do Vietnã enfrentaram não apenas a violência da guerra, mas também um conflito cultural com o pacifismo emergente ao voltarem para casa.

“Terrorismo por atiradores por vingança” é uma outra síndrome rapidamente mutante que é discutida pelos autores, na qual indivíduos – “jovens adultos, em sua maioria homens, inteligentes, geralmente ricos, com frequência exibindo problemas sociais, isolamento social seletivo, raramente sociáveis e com pouca vida íntima” – tentam “vingar-se” de um mundo em rápida mudança do qual eles se sentem privados de direitos. Os autores argumentam que essa população pode ser uma “contra-insurgência contra a globalização”, pois alguns grupos se sentem alienados e deixados de fora pelas rápidas mudanças sociais pós-modernas.

As síndromes também podem se desenvolver em um ritmo mais lento, devido a fatores como “acesso insuficiente aos recursos”, “racismo e opressão”, “disponibilidade de novas drogas”, “imprevisibilidade ambiental” e muito mais.

Essas “síndromes mutantes miméticas lentas” são frequentemente confundidas por psiquiatras e terapeutas com as síndromes existentes. Os autores listam aqui as epidemias de “histeria” e “controle” no século XIX, bem como a evolução dessas síndromes no “transtorno de personalidade borderline” burguês nos anos 50. Alguns sintomas permaneceram os mesmos, enquanto a síndrome geral mudou significativamente de forma.

Os autores observam que todas as síndromes são dinâmicas e sofrerão “modelagem e facilitação”, de acordo com a forma como a cultura médica e outras forças ambientais interagem com elas.

Finalmente, eles argumentam que as síndromes podem servir como um “arauto” de mudanças sociais imprevistas, como um canário em uma mina de carvão. À medida que nossas mentes e culturas absorvem as mudanças no ambiente, isso leva a mudanças nas síndromes existentes, bem como à violenta erupção de novas síndromes.

Os autores concluem sugerindo a necessidade de entender contextos mundiais mais amplos, se os terapeutas quiserem entender síndromes e sintomas psicológicos:

“Síndromes são funções dinâmicas. Seus sintomas são expressões de um claro mal funcionamento dos sistemas biológico, cognitivo, emocional e social (o núcleo), influenciados por um contexto ou condição cultural. Quando um sistema social (seja globalização, migração ou qualquer outra crise social) muda, o equilíbrio dinâmico necessário para a sobrevivência é comprometido, o que é evidenciado em certa fenomenologia psicopatológica.

Os terapeutas de hoje devem ter uma sólida compreensão da evolução do nosso mundo para estudar as mutações que ocorrem na comunicação. As entidades biológicas geralmente lutam para alcançar a homeostase, mesmo em ambientes desejáveis. ”

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Cianconi P., Tomasi F., Morello M., Janiri L. (2020). Toward an understanding of psychopathological syndromes related to social environments. In Nocenzi M. & Sannella A. (eds), Perspectives for a new social theory of sustainability. Springer: New York. (Link)

Pesquisadores questionam a validade do tratamento da depressão resistente

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Um novo editorial em Psicoterapia e Psicossomática questiona a validade do conceito de depressão resistente ao tratamento. Liderados por Giovanni Fava, da Universidade de Buffalo, os autores traçam a história da resistência ao tratamento na depressão e revelam suas suposições problemáticas. Eles sugerem que um estudo informado sobre transtornos depressivos levaria em conta o julgamento clínico, o comportamento da doença, as condições de comorbidade, as condições de vida e o histórico anterior de tratamento.

Um paciente é chamado de resistente ao tratamento quando não responde bem ao medicamento em estudo. Este artigo afirma que o conceito é enganoso, pois pressupõe erroneamente que o medicamento é eficaz, e que são as características de um paciente que causam esse fracasso.

Pixabay

A resistência ao tratamento implica que as pessoas que não estão respondendo bem a um determinado tratamento o fazem por causa de seus atributos pessoais, e não pela ineficácia do tratamento ou efeitos colaterais. Pesquisas anteriores sobre resistência ao tratamento têm sido controversas, com algumas sugerindo que os antidepressivos podem causar resistência ao tratamento e que o mesmo pode se aplicar aos antipsicóticos.

Os autores deste artigo escrevem que historicamente a definição de resistência ao tratamento tem sido contestada, com alguns sugerindo que ela só deve ser usada quando a melhor intervenção terapêutica for aplicada. Mas a superioridade de uma dada intervenção não é fácil de ser definida.

Um conjunto de pesquisadores insistiu que a resistência ao tratamento só deveria ser usada para falta de sucesso em ensaios com altas doses de antidepressivos tricíclicos, que se supunha serem superiores aos outros. No entanto, uma recente meta-análise não revelou tal superioridade. Outros desafios a esse conceito incluem avaliar o que significa a resposta a um tratamento e como medir sua diferença em relação à não resposta.

Inúmeros fatores são negligenciados nesses ensaios clínicos. Por exemplo, muitas abordagens à resistência ao tratamento concentram-se apenas na ‘resposta’, na ‘resposta parcial’ e em ‘nenhuma resposta’ ao tratamento e desconsideram completamente a deterioração clínica ativa causada pelo referido tratamento. Em outras palavras, enquanto se concentram em se o paciente está ou não melhorando, estão a ignorar aqueles que estão piorando ativamente por causa do tratamento. Os pacientes que pioram são frequentemente incluídos na categoria de ‘resposta insuficiente’ ao tratamento.

Os autores argumentam que, embora qualquer boa avaliação deva considerar os benefícios e malefícios do tratamento, na realidade, danos iatrogênicos como discinesia tardia, resistência à insulina e distúrbios cardíacos / metabólicos são frequentemente ignorados. Eles afirmam que certos resultados do estudo, embora comuns, não recebem a devida atenção. Esses resultados incluem:

  1. A resistência que ocorre depois que um medicamento é descontinuado e depois readministrado.
  2. A perda do efeito clínico – sintomas depressivos voltando mesmo quando os pacientes estão tomando o antidepressivo.
  3. O efeito paradoxal – o aparecimento de novos sintomas e a piora da condição basal quando os pacientes estão a tomar o antidepressivo.
  4. Apenas melhora temporária quando a dose é aumentada.
  5. Melhoria dos sintomas quando o antidepressivo é interrompido.

Mais importante ainda, muitos pacientes que participam dos estudos interromperam o tratamento com um antidepressivo, e os efeitos de abstinência da interrupção podem influenciar negativamente os estudos que estão sendo feitos. A retirada do antidepressivo tem tradicionalmente sido subestimada, mas pesquisas mais recentes revelam que o impacto pode ser grave e duradouro. Consequentemente, as vozes dissidentes na disciplina, especialmente em referência à retirada de antidepressivos, são frequentemente silenciadas ou manipuladas.

Os autores insistem que um dos poucos estudos (estudo ADAPT) que levou em consideração esses fatores não revelou diferença significativa entre o aripiprazol e o placebo na depressão resistente ao tratamento. Novas pesquisas também desafiaram a validade dos testes de prevenção de recaídas tomando antidepressivos, sugerindo que o que parece ser deterioração do paciente quando eles são retirados do antidepressivo experimental é realmente o efeito de abstinência.

Afirmando que subjacentes a esses problemas conceituais são as questões de metodologia defeituosa, Fava e colegas traçam a história de ensaios clínicos randomizados. O estudo duplo-cego controlado por placebo, que tem suas raízes na ciência agrícola e foi de grande utilidade para doenças agudas como a tuberculose, não se aplica a muitas condições atuais. Ao contrário de muitas doenças anteriores, a maioria das queixas clínicas em psiquiatria são atualmente de problemas crônicos e inespecíficos com histórico de tratamento anterior.

Os tratamentos anteriores também foram relacionados à morbidade iatrogênica, que é definida como “modificações desfavoráveis no curso, características e capacidade de resposta do tratamento a uma doença que podem estar relacionadas a terapias administradas previamente”. Assim, a maioria dos ensaios clínicos randomizados em larga escala ignora esses fatores e possui um amplo critério de inclusão que negligencia a história clínica. Os autores sugerem ensaios menores com critérios de inclusão mais específicos que atendam a condições comórbidas e tratamento prévio são o caminho a seguir.

Todas essas questões têm duas implicações clínicas importantes: administração de drogas ineficazes, como a c(k)etamina, para o tratamento da resistência ao tratamento e a crença de que a resistência ao tratamento é uma função das características do paciente e não devido a problemas com a droga (ineficácia, efeitos colaterais, etc.) Muitas vezes, isso resulta em psiquiatras aumentando e trocando o tratamento, mas nunca questionando a eficácia do tratamento que está se adotado.

Os autores sugerem que isso resulta em “iatrogênese em cascata”, onde os pacientes continuam recebendo mais e mais medicamentos que eventualmente têm efeitos adversos graves e contribuem para a cronicidade da doença. Recentemente, tem havido um movimento global para tratar dos problemas com essa polifarmácia e suas consequências perigosas.

Os autores escrevem que existem conceituações mais novas e eficazes do que significa resistência ao tratamento. Uma solução é o modelo sequencial de tratamento que implica que uma:

“A sequência é executada independentemente do resultado do primeiro componente (se houve falha no tratamento ou não) como uma estratégia pré-planejada. Na depressão unipolar, o uso sequencial de farmacoterapia e psicoterapia melhorou os resultados a longo prazo. ”

Assim, eles sugerem que talvez a resistência ao tratamento deva ser reservada para os casos em que o tratamento sequencial (farmacologia e terapia) tenha sido utilizado.

Além disso, a eficácia de um tratamento baseia-se em vários fatores que têm efeitos positivos e negativos (efeitos terapêuticos e contra-terapêuticos): condições de vida, características pessoais, ambiente de tratamento, nível de autogestão da doença, comportamento da doença (percepção, experiência e comportamento do paciente em relação ao plano de tratamento) e experiência anterior com o tratamento. Esses fatores são geralmente ignorados no estudo da depressão resistente ao tratamento.

Eles concluem que a abordagem atual para a resistência ao tratamento é um produto do modelo médico reducionista, que tem sido repetidamente desafiado na disciplina.

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Fava, G. A., Cosci, F., Guidi, J., & Rafanelli, C. (2020). The Deceptive Manifestations of Treatment Resistance in Depression: A New Look at the Problem. Psychotherapy and Psychosomatics, Published online first: April 23, 2020. DOI: 10.1159/000507227 (Link)

Como o Japão passou a acreditar na depressão

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Você pode estar interessado em saber que a “doença mental” que nós chamamos “depressão” não existia no Japão até o final dos anos 1990, quando uma empresa farmacêutica deu a ela o nome “resfriado da alma” (kokoro no kaze) a fim de poder criar mercado para os antidepressivos lá.  Um pouco da história de como foi introduzida essa “doença mental” no Japão você pode conhecer lendo essa matéria recentemente publicada pela BBC News, com o título ‘Como o Japão passou a acreditar na depressão’.

Lendo a matéria fica-se sabendo:

  • Que a depressão não era reconhecida como doença no Japão, até a década de 90.
  • Quando uma campanha publicitária chamou de “resfriado da alma”, as vendas de antidepressivos cresceram.
  • Hoje em dia há uma ‘epidemia’ de antidepressivos no Japão.

O jornalista que escreveu a matéria fala de um personagem de mangá que ilustra bem o processo de como a depressão passou a ser considerada no Japão como sendo ‘doença mental’. A partir dos anos 1990. O personagem Watashi (cujo nome significa ‘Eu’ em japonês) está a trabalhar horas a fio em seu emprego como servidor público, com frequência sem dormir, quem começou de repente a ter uma ideia que insistia em circular em sua mente: “Eu tenho que morrer”.  Na verdade, o que se passava com personagem era o que estava ocorrendo com o próprio autor desse mangá, Torisugari, com a idade de 29 anos.  Sem o reconhecimento do seu sofrimento por parte dos seus pais, ele foi a um médico e ele lhe disse que nada errado estava ocorrendo com ele. Foi a um outro que lhe disse que o que se passava com ele era uma doença chamada “depressão”, um transtorno mental ainda pouco conhecido no Japão.

“Não havia nada incomum nisso. Até o final dos anos 90 no Japão, ‘depressão’ era uma palavra raramente ouvida fora dos círculos psiquiátricos. Alguns alegam que isso acontecia porque as pessoas no Japão simplesmente não sofriam de depressão. As pessoas encontravam maneiras de acomodar esses sentimentos enquanto, de alguma forma, continuavam com a vida. E eles davam uma expressão estética ao baixo humor – na arte, no cinema, no prazer da flor de cerejeira e de sua beleza fugaz.”

Uma razão mais provável é a tradição médica do Japão, na qual a depressão vinha sendo considerada primariamente como física, em vez de uma combinação de física e psicológica, que seria mais comum no Ocidente. Enquanto o diagnóstico em si raramente era usado, era provável que as pessoas que apresentavam sintomas clássicos fossem informadas por seus médicos de que simplesmente precisavam descansar.

Tudo isso fez do Japão uma perspectiva tão ruim para um mercado de antidepressivos que os fabricantes do Prozac já haviam desistido do país. Mas, no final do século 20, uma notável campanha de marketing encomendada por uma empresa japonesa de medicamentos ajudou a mudar as coisas.”

A palavra espalhada sobre a depressão foi kokoro no kaze – um resfriado da alma. Isso poderia acontecer com qualquer pessoa e a medicação poderia tratá-la.

O número de pessoas diagnosticadas com um transtorno de humor no Japão dobrou em apenas quatro anos, à medida que o mercado de antidepressivos crescia – em 2006, vendeu seis vezes o que havia sido apenas oito anos antes.

Em um país tão aberto quanto qualquer outro para a confissão de celebridades, todos, desde atores a leitores de notícias, agora pareciam dispostos a sair e dizer que haviam tido uma experiência de depressão. Esta nova doença não era apenas aceitável – estava até na moda.

Como ocorreu em todo o mundo onde o marketing dos antidepressivos foi agressivo, a exemplo do que ocorre no Brasil, o diagnóstico de depressão passou a ser comum, a depressão passando a fazer parte das doenças com maior incidência, com impactos nos sistemas de saúde, na área escolar, no campo jurídico e no mundo do trabalho.

“As limitações da campanha “resfriado da alma” estão ficando claras. Foi criticado na época por fazer ligações enganosas entre o resfriado comum e a depressão. Mas, além disso, a experiência do Japão com a depressão mostra como algumas formas de doença física e mental estão intimamente ligadas a atitudes culturais mais amplas – sobre o trabalho, por exemplo, e níveis de responsabilidade com relação aos outros. Aumentar a conscientização pública acaba sendo uma tarefa complicada e delicada.”

Leia a matéria da BBC News na íntegra clicando aqui → 

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Há um filme muito interessante mostrando como a depressão enquanto doença mental foi introduzida no Japão: Does Your Soul Have a Cold?  Você encontrará esse filme on line.

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Texto e trad. Fernando Freitas

O uso da terapia eletroconvulsiva (ECT) para tratar a depressão deve ser imediatamente suspenso, diz um estudo.

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A eletroconvulsiva terapia (ECT) é ainda frequentemente usada. Os psiquiatras defendem ECT como sendo um procedimento médico baseado em evidências científicas.

Uma nova revisão, um estudo publicado em Ethical Human Psychology and Psychiatry, avaliou a qualidade dos estudos que comparam ECT para tratamento da depressão com ECT-placebo. A análise também avalia as únicas cinco meta-análises existentes e que afirmam que a ECT é mais eficaz do que a terapia eletroconvulsiva simulada.

A conclusão dos autores é que não há evidência alguma que a ECT é efetiva para os seus principais alvos: as pessoas gravemente deprimidas, as pessoas suicidas e/ou as pessoas que tentaram sem sucesso tratamentos medicamentosos.

John Read, um dos autores e professor de Psicologia Clínica na University of East London, explica:

“Em combinação com o alto risco de danos cerebrais da ECT, essa ausência de evidência de eficácia significa que a relação custo-benefício é tão assustadora que não há lugar para a ECT na medicina baseada em evidências”.

Mesmo sendo uma intervenção clínica tão perigosa para a integridade do cérebro, mesmo não havendo evidências de eficácia, a ECT é ainda usada em aproximadamente um milhão de pessoas anualmente, muito particularmente aqui no Brasil.

Na atual revisão, os autores examinaram a qualidade de 11 estudos, por terem sido os únicos que compararam ECT com tratamento placebo, e cinco meta-análises que examinaram esses estudos. Os autores desenvolveram uma escala de qualidade de 24 pontos, combinando os domínios de “risco de viés” da Cochrane Handbook Risk of Bias Tool (randomização, ocultação, dados de resultados incompletos e relatórios seletivos) com outros critérios relacionados à qualidade do projeto e dos relatórios, e alguns critérios específicos de pesquisa com ECT.

Os resultados dessa atual revisão são impactantes. Primeiramente, ao se verificar que é baixo o escore de qualidade desses 11 estudos: 12.3 de 24 pontos; apenas 3 estudos obtiveram algum escore acima de 13.  Mas também ao se saber que as pesquisas disponíveis são muito antigas, com o estudo mais recente ocorrendo no Reino Unido em 1985. E o estudo mais recente comparando ECT com tratamento com placebo nos Estados Unidos tem 57 anos. Não há outras pesquisas comparáveis realizadas fora do Reino Unido e dos EUA. Em um comunicado de imprensa, J. Read afirma:

Este corpo de pesquisa é da mais baixa qualidade que eu já vi em meus 40 anos de carreira.”

Os autores apontam questões importantes sobre como os estudos revisados foram conduzidos. A primeira é quanto à qualidade da literatura que supostamente dá sustentação científica para tal tipo de terapêutica: a literatura como um todo é inexpressiva e claramente incapaz de determinar se a ECT é mais ou menos eficaz do que a ECT placebo para a redução da depressão. A segunda questão importante é que nenhum dos 11 estudos é duplo-cego – o que significa que nem os participantes nem os pesquisadores sabiam quem estava no grupo de tratamento versus quem estava no grupo placebo. Ora, como os autores chamam a atenção, estudos duplo-cegos são cruciais para evitar mudanças reais equivocadas – nesse caso, sintomas depressivos reduzidos – para o que é, na realidade, efeito placebo. Os participantes dos ensaios clínicos feitos há décadas tinham conhecimento que dores de cabeça e confusão temporária seguem as sessões de ECT; portanto, sabiam se haviam sido colocados na ECT ou no grupo placebo, invalidando o estudo.

O professor Irving Kirsch, diretor associado de estudos sobre placebo na Harvard Medical School, é o segundo autor deste estudo. Kirsch é um renomado pesquisador de placebo, bem conhecido por suas pesquisas que explodiram o mito dos antidepressivos, já havendo apresentado seus estudos aqui entre nós no Brasil.  Recentemente uma equipe de pesquisadores poloneses publicou um estudo sobre a obra de referência de Irving Kirsch de 1998, “Ouvindo Prozac, mas escutando o placebo: uma meta-análise de medicação antidepressiva”. Para se entender o impacto da ECT como oposto ao placebo, a exemplo do que havia sido demonstrado por ele com referência aos antidepressivos, é crucial que os ensaios clínicos sejam feitos de uma maneira rigorosa – o que não é o caso com nenhum dos estudos que são disponíveis a respeito da ECT. Kirsch afirma:

“Eu não acho que muitos defensores da ECT entendam quão fortes são os efeitos do placebo para um procedimento importante como a ECT”.

Portanto, nenhum dos estudo pode ser dito que tenha sido submetido ao “double-bind”. Além disso, embora ECT seja usado principalmente em mulheres e com a média de idade entre 60 e 65 anos, apenas três estudos tiveram amostras que refletiram a demografia dos que são submetidos à ECT.  Em seus achados, nenhum dos estudos examinou o papel da idade ou de gênero, nem tampouco a etnia dos participantes, quando o esperado é que os estudos sejam representativos das variáveis demográficas da população.

Uma outra flagrante falha metodológica é que embora ECT seja uma intervenção recomendada aos indivíduos gravemente deprimidos enquanto um último recurso, a maioria dos estudos não fornece uma clara informação para dar suporte que tenham incluído participantes gravemente deprimidos. Na verdade apenas seis dos estudos mencionam a inclusão de pessoas gravemente deprimidas; dois claramente nada mencionam. Quanto a pacientes suicidas, embora esses pacientes tenham provavelmente sido incluídos por acaso em alguns estudos, apenas dois relataram se pacientes suicidas foram de fato incluídos.  Isso deixa às claras a falta de evidências que dão sustentação ao uso de ECT com indivíduos gravemente deprimidos. Kirsch explica:

“A falha em encontrar benefícios significativos em longo prazo em comparação com os grupos placebo é particularmente angustiante. Com base nos dados dos ensaios clínicos, a ECT não deve ser usada em indivíduos deprimidos. ”

Outras falhas metodológicas incluem os relatos seletivos dos resultados, as amostras com tamanho reduzido, em média apenas 37 pessoas, assim como não examinam os efeitos da ECT na qualidade de vida dos participantes. Menos que a metade (46%) dos participantes haviam tentado antidepressivos antes da ECT – embora ECT seja suposto a ser usado apenas quando outros tratamentos tenham fracassado, conforme as diretrizes vigentes pelo National Institute of Clinical and Health Excellence (NICE).

Os resultados dos estudos são inexpressivos: quatro dos onze encontraram ECT significativamente superior ao ECT placebo no final do tratamento, cinco não encontraram diferença significativa e dois encontraram resultados mistos (incluindo um em que os psiquiatras relataram diferença, mas os pacientes não o fizeram).  Apenas dois estudos relatam dados de acompanhamento (follow-up). Um produziu um tamanho de efeito quase zero a favor da ECT, e o outro um tamanho de efeito pequeno em favor da ECT placebo.

Esses pífios resultados terapêuticos da ECT são preocupantes levando em consideração os graves efeitos colaterais prejudicais. Efeitos colaterais que em muitos casos são irreversíveis, que incluem perda de memória permanente, dano cerebral, trauma cerebral, assim como morte em alguns casos.

Infelizmente, apesar dos riscos da ECT, pesquisas anteriores de John Read apontam práticas preocupantes associadas à administração da ECT na Inglaterra – com destaque para seu uso desproporcional em mulheres mais velhas e para pessoas fora do seu público alvo e fora da base de evidências, como as diagnosticadas com transtornos de personalidade.

As meta-análises que examinam esses estudos ignoram muitas dessas limitações, e a maioria das meta-análises também é datada, com apenas uma realizada nos últimos 15 anos. Os pesquisadores concluem que as falhas nos desenhos do estudo, o número pequeno de estudos e o tamanho pequeno da amostra tornam impossível concluir que a ECT é melhor que o placebo no curto ou no longo prazo, ou com seu público-alvo. Read chegou a conclusões semelhantes, citando pouca ou nenhuma evidência disponível para apoiar o uso da ECT a curto ou longo prazo, ou para tratar a depressão ou prevenir o suicídio. A revisão conclui:

A pretensão das cinco meta-análises existentes de que ECT seja eficaz na depressão está baseada em estudos que como já vimos são de péssima qualidade. Das cinco meta-análises existentes, a única feita nos últimos 15 anos, a que foi conduzida pelo Instituto de Psiquiatria de Londres, em 2019, é bastante problemática. Seus autores reivindicam fortemente a eficácia da ECT tomando como base apenas um estudo comparando ECT propriamente dito com ECT placebo. Os próprios autores desta meta-análise avaliaram que a pesquisa tinha um “alto risco” de viés pelos critérios da Cochrane.

Read e Kirsch concluem que é impossível se dizer que ECT é melhor do que placebo tanto em termos de curto quanto de longo prazo. Read já havia chegado a conclusões similares, citando as escassas evidências existentes para dar sustentação científica para o uso da ECT em curto ou longo prazo, ou para tratar a depressão ou para prevenir o suicídio. A revisão conclui:

“A qualidade da maioria dos estudos  ECT placebo vs. ECT é tão ruim que as metanálises estiveram erradas ao concluir qualquer coisa sobre eficácia, durante ou após o período de tratamento. Não há evidências de que a ECT seja eficaz para o seu alvo demográfico – mulheres mais velhas ou seu grupo-alvo de diagnóstico – pessoas gravemente deprimidas ou suicidas, pessoas que tentaram sem sucesso outros tratamentos primeiro, pacientes hospitalizados ou adolescentes.”

Finalmente, os autores defendem o fim do uso da ECT, argumentando que os custos superam quaisquer benefícios potenciais, considerando que mesmo os chamados benefícios (redução da depressão) da ECT não foram suficientemente validados por evidências:

“Dado o alto risco de perda permanente de memória e o pequeno risco de mortalidade, essa falta de evidências científicas em determinar se a ECT funciona ou não significa que o seu uso deve ser imediatamente suspenso”.

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Read, J., Kirsch, I., & McGrath, L. (2020). Electroconvulsive therapy for depression: A review of the quality of ECT versus sham ECT trials and meta-analyses. Ethical Human Psychology and Psychiatry, 21(2), 1-40. (Link)

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Matéria da BBC NEWS a respeito dos resultados desse artigo de Read e Kirsch: “ECT depression therapy should be suspended, study suggests”.

Matéria publicada no The Telegraph: “ECT therapy for depression should be ‘immediately suspended’, study suggests”.

Publicado em UK News: “No evidence that ECT works for depression – new research“.

Considerações para pesquisa com comunidades marginalizadas durante o COVID-19

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Um novo artigo, publicado na revista AIDS and Behavior, identifica desafios para pesquisas com comunidades marginalizadas durante a pandemia e o bloqueio devido ao COVID-19. Os pesquisadores, liderados por Jae Sevelius, do Centro de Excelência em Saúde Transgênero da Universidade da Califórnia, também propõem estratégias para apoiar pesquisas e participantes marginalizados. O artigo insta as instituições e os financiadores a fornecer um apoio robusto a esses pesquisadores e participantes da pesquisa. Eles escrevem:

“O recente surto de COVID-19 causou muitos problemas na vida das pessoas em todo o mundo e tem levado ao aumento de pesquisas focadas no tratamento das iniquidades em saúde. A pandemia e o fechamento de muitos sistemas, incluindo clínicas comunitárias, estratégias e serviços de de apoio, estão exacerbando ainda mais a experiência de marginalização de muitas comunidades.”

Tem sido negado às comunidades marginalizadas a participação plena nas principais atividades sociais, econômicas e culturais. No momento da pandemia atual, as desigualdades preexistentes são exacerbadas e a pesquisa sobre como lidar com as iniquidades em saúde tem sido igualmente afetada negativamente. Em particular, as pesquisas em comunidades de transgêneros e de diversidade de gêneros, bem como pesquisas sobre o HIV, enfrentam mais desafios do que nunca.

O artigo destaca três desafios centrais para a realização de pesquisas com comunidades marginalizadas durante a pandemia: desafios tecnológicos, desafios econômicos e comprometimento da segurança.

“Estamos vendo isso acontecer em nossa capacidade reduzida de manter conexão com os participantes das pesquisas e manter a continuidade de nossos esforços de pesquisa”, acrescentaram os autores.

Primeiro, muitas pessoas de comunidades marginalizadas não têm acesso a tecnologia ou habilidades tecnológicas para participar de pesquisas sob o bloqueio. Com as atuais políticas de saúde pública e diretrizes de distanciamento social, a maioria das atividades de pesquisa é forçada a ser conduzida on-line. No entanto, a pesquisa sugeriu que a pesquisa on-line e as abordagens de eSaúde são menos acessíveis para populações marginalizadas, como jovens LGBT, pessoas sem-teto e pessoas de cor. Os pesquisadores explicam:

“Eles podem ter o serviço telefônico ou o acesso à Internet interrompidos repetidamente devido à incapacidade de pagar as contas. Mesmo entre aqueles que podem ter acesso à Internet e a um smartphone ou computador, devido à marginalização educacional, muitas em nossas comunidades não possuem as habilidades tecnológicas necessárias para navegar em estudos on-line, assinar documentos eletrônicos ou ler e responder a pesquisas autoadministradas.”

A falta de acesso à pesquisa pode levar a desafios econômicos devido à perda de recursos financeiros. Mesmo que eles possam participar do estudo, o processo de reembolso por meio de sistemas on-line como PayPal tem sérias barreiras institucionais. Além disso, de acordo com o artigo, a maioria das pessoas de comunidades marginalizadas pode não ser elegível para programas como benefícios de desemprego, de modo que a interrupção de seus serviços de apoio habituais também está causando um impacto financeiro substancial.

Por fim, muitas pessoas de comunidades marginalizadas estão vivendo em condições em que não conseguem seguir as diretrizes de saúde e segurança pública do COVID-19. Por exemplo, os membros da comunidade que moram em abrigos ou se envolvem em trabalho sexual de sobrevivência estão expostos a um maior risco para sua saúde física e mental. A saúde física pode ser prejudicada pelo compartilhamento de espaços e, de outra forma, pode haver consequências para a saúde mental devido ao isolamento e à falta de serviços disponíveis durante o bloqueio.

Em resposta a esses desafios, os autores do artigo também propuseram várias maneiras de minimizar o impacto do COVID-19 em pesquisas com comunidades marginalizadas. Por exemplo, eles pediram colaboração com agências comunitárias na prestação de serviços de emergência e na adaptação de intervenções em telessaúde.

Para enfrentar as barreiras ao uso da tecnologia, eles sugerem a realização de intervenções de capacitação e o ajustamento do método para coletar dados de pesquisas on-line feitas por ligações telefônicas, o que provavelmente será mais acessível. Eles também recomendam o uso de mapeamento para identificar comunidades vulneráveis e os recursos disponíveis. As iniciativas de desenvolvimento de instrumentos e de suporte em saúde mental também são essenciais neste momento específico para as comunidades marginalizadas.

No final do artigo, os autores pediram um apoio sólido de suas instituições e seus financiadores para apoiar os participantes e pesquisadores da pesquisa. Eles concluem:

“Existem barreiras novas e intensificadas para a manutenção da continuidade da pesquisa com populações marginalizadas devido à pandemia global do COVID-19. É fundamental que as equipes de pesquisa não apenas sejam criativas sobre maneiras de alcançar, envolver e reembolsar nossos participantes durante esta crise, mas também encontrem maneiras de se reunir com as comunidades para criar, identificar e disseminar recursos para os mais necessitados. ”

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Sevelius, J. M., Gutierrez-Mock, L., Zamudio-Haas, S., McCree, B., Ngo, A., Jackson, A., … & Stein, E. (2020). Research with Marginalized Communities: Challenges to Continuity During the COVID-19 Pandemic. AIDS and Behavior, 1. (Link)

Pesquisa Mapeia como a Pandemia Afetou os Brasileiros

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A Fiocruz mapeou como a pandemia vem afetando a vida dos brasileiros. Considerando estudos realizados em diferentes países atingidos pela pandemia do COVID-19, o atual contexto traz consigo a perda de liberdade, incerteza sobre a doença, mudanças na rotina, perdas financeiras, gerando angústia, estresse e sofrimento às pessoas. Alguns desses estudos já foram mostrados pelo Mad in Brasil.

A pesquisa foi uma parceria entre Fiocruz, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e teve como objetivo verificar como a pandemia afetou ou mudou a vida das pessoas, e assim, poder orientar as ações de saúde, minimizando os efeitos adversos decorrentes das medidas de isolamento social.

Foi utilizado um questionário virtual. Para a sua elaboração foi utilizado o aplicativo RedCap (Research Eletronic Data Capture), uma plataforma para coleta, gerenciamento e disseminação de dados de pesquisas. As informações são coletadas diretamente pela internet e armazenadas no servidor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (ICICT/FIOCRUZ). A primeira etapa contou com 40.000 pessoas de diferentes lugares do Brasil, obedecendo a estratificação por sexo, faixa etária e nível de escolaridade.

O questionário contém perguntas sobre o isolamento social, infecção pelo novo Coronavírus, impactos socioeconômicos, atividades de rotina e trabalho, cuidados com idosos, efeitos no estado de saúde, acesso aos serviços de saúde, estado de ânimo e comportamentos saudáveis.

Em relação ao estado de ânimo, 40% das pessoas relataram sentir-se tristes ou deprimidas nas primeiras semanas da quarentena. Enquanto 54% relataram se sentirem ansiosas ou nervosas frequentemente. Chama a atenção que na faixa dos 18 aos 29 anos, esses percentuais foram ainda maiores, chegando a 54% de tristes e deprimidos e 70% ansiosos ou nervosos.

Enquanto ao gênero, as mulheres relataram maior mudança no estado de ânimo do que os homens, 50% delas sentiram-se tristes ou deprimidas durante a pandemia, enquanto 30% dos homens relataram o mesmo. Além disso, 60% das mulheres relataram estarem ansiosas/nervosas, contra 43% dos homens.

Também constatou-se que a maior das pessoas tiveram queda na renda familiar, alcançando o índice de 55% das pessoas. Enquanto 7% ficou sem rendimento. Aqueles que ganhavam menos de meio salário mínimo sofreram mais prejuízos, 64% delas perderam a renda e 11% ficaram sem renda alguma. Além disso, 58% dos autônomos disseram ter ficado sem trabalho.

O sedentarismo também aumentou, 46% dos entrevistados relataram que interromperam os exercícios, quando antes da pandemia, realizavam exercícios cerca de cinco dias ou mais por semana. Enquanto isso, o tempo em frente à tv, computador ou tablet aumentou em uma hora e meia. Entre fumantes, 23% relataram o aumento de 10 cigarros por dia e 5% aumentou mais de 20 cigarros ao dia.

A alimentação também sofreu variação durante a pandemia, o consumo de alimentos saudáveis diminuiu e aumentou o consumo de chocolates e doces, principalmente entre adultos jovens. Quanto as bebidas alcoólicas, 18% da população relatou aumento no consumo, sendo maior o índice entre adultos de 30-39 anos. O maior consumo foi associado à frequência em sentir-se triste ou deprimido.

A pesquisa selecionou uma amostra bem ampla e variada da população brasileira e constatou efeitos da pandemia sobre a saúde física e mental das pessoas, que já vinham sendo apontados por outras pesquisas. Com esses resultados, cabe agora pensar em como amenizar os efeitos negativos e projetar possibilidades futuras para o pós-pandemia, já pensando nas possíveis consequências à longo-prazo.

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Para ler a pesquisa completa → (Link)

Associação Metamorfose Ambulante: 13 anos associada com a liberdade

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No dia 17 de maio, data que antecede o dia nacional da Luta Antimanicomial, a Associação Metamorfose Ambulante de Usuários e Familiares do Sistema de Saúde Mental do Estado da Bahia (AMEA), em 2020, comemora 13 anos de luta e resistência. No cenário baiano, a AMEA, ao longo dos anos, vem impulsionando a apropriação dos direitos humanos e o seu potencial político pelos usuários e familiares de saúde mental, exercendo sua função legítima de mobilização e controle social. Sobretudo, se levarmos em consideração o atual cenário de retrocessos vivenciados nos últimos anos, no que tange as politicas públicas voltada para a saúde mental. Entendemos que a participação política de grupos historicamente discriminados é fundamental dentro do processo de construção de uma sociedade mais democrática e mais equânime.

Para festejar essa data tão significativa, foi elaborada uma Cartilha [1] que revisita a trajetória da Associação. Uma das missões da Amea é promover a inclusão social das pessoas em sofrimento mental, através da afirmação dos seus direitos humanos e apoio às suas famílias, reivindicando a efetivação dos seus direitos, a garantia do acesso aos diversos serviços e a melhoria da assistência no Sistema Único de Saúde da Bahia.

Aos longos desses anos não foram raras as vezes que testemunhamos, com alegria, a luta das pessoas em sofrimento mental para a efetivação da Reforma psiquiátrica e para  sua afirmação como sujeitos sociais e como protagonistas das suas histórias e demandas.

Podemos enquadrar os objetivos da Amea em um perfil de associação de “defesa de direitos”, pois tem o compromisso de combater a discriminação, os preconceitos e coibir a violência social e institucional. Além disso, fomenta e participa de diversas iniciativas junto ao poder público, universidades e organizações sociais.

Alguns projetos foram desenvolvidos nesse caminhar antimanicomial, podemos destacar o projeto Loucura Cidadã (2009) que partiu de uma discussão coletiva que envolveu integrantes da AMEA, profissionais de saúde e militantes da Luta Antimanicomial.  Este projeto teve objetivo geral de assegurar que os direitos humanos dos usuários dos serviços de Saúde Mental e os de seus familiares sejam respeitados no mais amplo espaço possível do território baiano, orientando e indicando tal público aos locais e às formas de acesso a tais direitos.

Destaca-se como resultados deste primeiro trabalho coletivo, o curso de capacitação em direitos humanos e a construção do Guia de Direitos Humanos Loucura Cidadã (2011). [2] Para chegar à elaboração deste material, a AMEA realizou uma série de oficinas junto a usuários e familiares dos serviços de saúde mental, levantando as principais dúvidas e desconhecimentos sobre os direitos humanos deste público. As oficinas foram sistematizadas e serviram como subsídio para a elaboração do Guia.

Para fortalecer a dimensão sociocultural da luta antimanicomial, ou seja,  modificar a concepção e o estereótipo que se mantém  acerca do o louco e a loucura, a Amea participa e constrói junto com o Coletivo Baiano da Luta Antimanicomial a Parada do Orgulho Louco, desde 2008 ocupando as ruas da capital baiana com alegria e delicadeza buscando alterar padrões de sociabilidade que por vezes apresentam traços autoritários, discriminatórios e opressivos.

O estatuto social da Associação (2007) preconiza que a Amea é constituída por número ilimitado de associados. A diretoria é composta por um Diretor Geral, um Diretor Financeiro e um Secretário, tendo um mandato de dois anos, com apenas uma reeleição. A AMEA é administrada pelos seguintes órgãos: Assembleia Geral, Diretoria e Conselho Fiscal.  Sua diretoria é eleita ordinariamente em processo eleitoral previsto no estatuto da entidade. O voto é direto, secreto e individual. As reuniões de diretoria são abertas aos associados e ocorrem semanalmente, às quartas-feiras na sede da Casa Gerar de Economia Solidária em Saúde Mental.

A história da Amea é atravessada por muito afeto, apresento alguns depoimentos de atores muito significativos nos caminhos percorrido até então:

“A Amea é agente de transformação. É espaço de tolerância, surge para ofertar outras condições de vida para que cada um possa ter a sua própria luz. Pra mim foi um momento de aceitação da minha loucura, é o que te me dado base para seguir em outros espaços como o Conselho Estadual e Municipal de Saúde.” Eduardo Calliga (atual Diretor Geral da Amea e militante da Luta Antimanicomial).

“DISCURSO AMEA”

Nós somos AMEA – Associação MEtamorfose Ambulante.

Associação porque estamos a nos juntar numa sociedade que nos representa com legitimidade;

porque viemos a nos associar como um grupo que se quer UNIDO pra se fazer mais forte

(ainda que não seja tão fácil nos mantermos juntos).

Metamorfose porque descobrimos que somos sujeitos da nossa transformação e,

como a lagarta tece seu casulo e se faz borboleta – como sai da condição de quem rasteja e alça voo entre as flores –

queremos passar da penumbra da dor da nossa tristeza à claridade da alegria que vivenciamos hoje.

Somos agentes da nossa libertação, quando rompemos os limites de um mundo entre muros

e encontramos a atenção dos cuidados, que possibilitam que exerçamos a cidadania.

Ambulante porque não estamos mais “institucionalizados”, preso a ambientações ou fardamentos;

podemos encontrar um jeito de conviver com as diferenças;

podemos estar em diferentes espaços, e agir do modo mais adequado;

poderemos achar o melhor modo de nos cuidarmos.

Somos AMEA – ASSOCIAÇÃO METAMORFOSE AMBULANTE

         DE USUÁRIOS E FAMILIARES DO SISTEMA DE SAÚDE MENTAL DA BAHIA.

Estamos a nos conscientizar dos nossos direitos, para que possamos agir de modo a efetivá-los em nosso cotidiano.

Queremos ser reconhecidos como cidadãos, ou reconhecidas como cidadãs:

– cumprir nossos deveres – trabalhar com nossas habilidades

– receber os benefícios assistenciais que forem necessários

– tocar a vida como uma pessoa de bem, que pratica o que for possível, contente com aquilo que tem, conquistando tudo que pode.

DE PERTO, NINGUÉM É NORMAL”, a gente sabe disso bem, por experiência própria.

Mas, a gente também sabe que as “normas” regem as relações entre as pessoas e os relacionamentos em todas as instituições.

Portanto, enquanto indivíduos, todos estão sujeitos a conflitos, com a própria identidade, com outras personalidades,

com perdas & ganhos, ou fracassos ou vitórias. Estamos vivendo!

Assim, vez por outra pode ser que nos afastemos da norma.                                                  

E quem foi que disse que somos NORMAIS?

Não assinamos nenhum atestado com o tal de CID? Será que a gente tem que aceitar isso?

Aceitamos a ATENÇÃO aos nossos comportamentos, como se houvesse a prática de um CUIDADO para conosco. 

Até que cheguemos ao lugar do AUTOCUIDADO, onde possamos cuidar de nós mesmos, do nosso bem estar!

NÓS SOMOS AMEA PELO SIMPLES ATO DE AMAR

 – AMAR A NÓS MESMOS – AMAR A VIDA                                                                

– AMAR A SAÚDE – AMAR A BELEZA DE ESTAR BEM.                             

AMAR = AMEA = A AME, AME ELA = AME-A = AMEA.

O EXERCÍCIO DE APRENDER A AMAR

VEM NOS TRAZER A ARTE DO OFÍCIO DE AMAR.

Sérgio Pinho dos Santos (Poeta, Membro Fundador da Amea, Militante da Luta Antimanicomial).

          “Me chamo Silas Lima fui diretor financeiro da Amea numa época onde a efervescência política e cultural do movimento social contava com expressiva adesão de usuários do serviço em substituição aos manicômios. Existia forte ação de empoderamento e, um desejo de ser o ator da própria história. Costumávamos nos reunir no CRP no intuito de estudar a história do SUS, para nos apropriarmos desse vasto conhecimento empírico. Marcus Vinicius era o mentor de um grupo de universitários intitulado coletivo antimanicomial e, esses jovens sempre mediavam nossos encontros trazendo um pouco de organização as reuniões e, instigando o aprendizado através de pautas, mas sem nos tirar a autonomia. Nas ações e demandas diárias aprendíamos a tecer uma rede de saberes e se exercitar o respeito mútuo. Não era fácil acalmar os ânimos então criamos regras de conduta durante as reuniões semanais.  Os verdadeiros militantes do movimento precisam relembrar para construir uma Amea verdadeiramente forte e com autonomia, pois é fruto do sonho de muitos.                                – Silas Lima (ex-Diretor Financeiro da Amea, estudante de psicologia, militante da Luta Antimanicomial)

“Quero contar como cheguei na Amea. Eu estava no Hospital Juliano Moreira, fui transferida pro Hospital Dia de lá. Ia pela manhã, fazia as atividades lá, até que um dia fui levada por Edna Amado e Eliana Brito para uma reunião da Amea. Isso aconteceu uma semana antes da I Marcha de Usuário para Brasília. Fiquei encantada quando cheguei na reunião, vários usuários falando, construindo a militância, e eu nesse momento ainda estava muito medicalizada, sem entender direito. Acabou que eu fui uma das pessoas que foram escolhidas para ir pra Marcha. Depois disso despertei minha militância e virei membro Amea. Entrei em outros movimentos. A Amea é fruto do amor, me revigora. A quarta-feira é um dia de ir pra reunião de elaborar projetos, de articular outras pessoas para estarem lá. Nunca vou deixar de ser Amea, é o meu lugar!                                    –  Helisleide Bomfim (Técnica de enfermagem, atriz, militante da luta antimanicomial e coordenadora do Papo de Mulher).

 “A Amea é o que deu sentido a vida, é um sonho antigo que a gente tinha de ter uma associação desde que nos reuníamos no ISBA. Eu, Vera, Eduardo Araújo, Marcus Vinicius, Edna Amado… Foi aí que percebi que a luta e os direitos seriam iguais. Deixei de ser chamada por um número e virei Girlene de Almeida, militante do movimento da Luta Antimanicomial, fundadora da Amea, depois veio o Papo de Mulher, o teatro dos Isênicos. Ser militante é um sonho realizado. A pandemia está mexendo com a gente, mas vamos seguir fortes e vivos. Hoje eu sou mãe, mulher, avó, não sou mais uma louca jogada no mundo. Não permito que me tratem mal. Eu sou Girlene Almeida, a mulher do movimento antimanicomial, a mulher feminista, sonhadora de um sonho que virou realidade.”  Girlene de Almeida (membro-fundadora Amea, militante da Luta Antimanicomial, feminista)

 “Sou usuária de saúde mental. Minha relação com esse estágio sutil da mente começou muito cedo. Ainda muito nova, por coincidência, eu morei em uma rua que abrigava diversas pessoas com transtornos mentais, mas como sempre fui diferente, as pessoas diziam que eu era maluca, eu tinha esse estigma. Fui crescendo e as pessoas foram achando que eu era uma viagem, uma pessoa maravilhosa, até que chegou um ponto que aconteceu uma situação grave comigo e eu tive que ir para o Caps. Logo depois fui ser a primeira representante mulher desse serviço. Foi aí que me envolvi com a Luta Antimanicomial. Eu achei legal, me apaixonei. Me identifiquei, eu conseguir entender, compreender, me relacionar com diferentes pessoas. Comecei a frequentar a Amea as vezes era como se estivesse vivendo em uma nave espacial sentada naquela mesa de reunião, eram coisas e temas que hoje compreendo, mas que eram estranhas. Eu senti que tinha que lutar, já que muitos não podiam mais, muitos estava sofrendo, não tinha direitos, visibilidade. Hoje a Amea é uma representação forte no Estado da Bahia. A militância mudou a minha vida, eu não tinha perspectiva, depois entendi que a gente pode se aceitar, pode ser como a gente é. Pode lutar pelos outros, se empoderar, ter força, coragem, olhar as pessoas de frente e não abaixar a cabeça pra ninguém. O cuidado que aprendi que aprendi que temos que ter uns com os outros tem me fortalecido. Lutar pelos direitos dos usuários é a minha missão na Amea. Hoje as pessoas me valorizam, sou respeitada na minha família.” Ana Santos (Vice-Diretora Amea, militante da Luta Antimanicomial, membro do Papo de Mulher)  

 A existência da Amea evidencia que novos modos de cuidado e de sociedade são possíveis, que o movimento é potência de vida. Sigamos juntos por uma sociedade sem manicômios.

 

 

 

 

[1] Disponível em https://drive.google.com/file/d/1CmV7fKozdJ-s3RKU-rT0dPVif_vD1Jmm/view

[2] Disponível em http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saude-mental/guia-de-direitos-humanos-loucura-cidada/view

Trazendo os direitos humanos à assistência em saúde mental: uma entrevista com o relator da ONU Dainius Pūras

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Dainius Pūras é médico e defensor dos direitos humanos. Atualmente ele está cumprindo o último ano de seu mandato como Relator Especial das Nações Unidas, pelo direito a todos de gozar do mais alto padrão de saúde possível. Ele também é professor da Universidade de Vilnius, na Lituânia, e diretor do Human Rights Monitoring Institute, uma ONG sediada em Vilnius.

Pūras é ativista de direitos humanos há 30 anos envolvido em atividades nacionais, regionais e globais que promovem políticas e serviços baseados em direitos humanos, com foco em saúde mental, saúde infantil, incapacidades e prevenção de violência e coerção. Ele foi membro do Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas de 2007 a 2011.

Desde que foi nomeado para o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em 2014, Pūras pressionou por uma mudança de paradigma nos cuidados de saúde mental. Durante seu mandato, ele escreveu vários relatórios que enfatizam a importância dos determinantes sociais da saúde e criticam a predominância do modelo biomédico e a medicalização da depressão. Embora seu trabalho tenha sido ocasionalmente ridicularizado por algumas instituições psiquiátricas convencionais, ele continua a chamar atenção para práticas coercitivas e violações de direitos humanos e a apelar para um maior investimento em abordagens baseadas em direitos aos cuidados de saúde mental e prevenção de suicídio.

Nesta entrevista, Pūras discute sua própria jornada como psiquiatra, sua decisão de se envolver no trabalho de direitos humanos, seus objetivos para seus relatórios da ONU e o futuro dos cuidados de saúde mental baseados em direitos.

A transcrição abaixo foi editada para maior comprimento e clareza.

Ana Florence: Quero começar falando um pouco sobre sua carreira. Como você decidiu se tornar um psiquiatra?

Dainius Pūras: Oh, vai ser uma longa história. Antes de tudo, decidi estudar medicina, e essa foi uma decisão controversa porque estava hesitando em escolher entre ciências sociais, humanidades e ciências naturais. De alguma forma, senti que talvez a medicina fosse dois em um ou três em um. Então, quando comecei a estudar medicina, percebi imediatamente que apenas reparar partes do corpo – diagnosticar e reparar partes do corpo – embora muito importante, não era tão interessante para mim.

Para mim, a medicina tinha potencial para ser algo mais; algo relacionado a valores e filosofia. Foi assim que, no meu terceiro ano, ficou claro para mim que eu escolheria a psiquiatria. Então, a faculdade de medicina da minha universidade percebeu que eles queriam começar a fazer psiquiatria infantil, o que eles não tinham antes, e me ofereceram uma posição como professor assistente em Psiquiatria para Adolescentes. Foi assim que comecei minha carreira. Nunca me arrependi, mas meu relacionamento com a profissão médica sempre teve algumas tensões.

Florence: Onde você praticou quando começou, como era o seu trabalho?

Pūras: Era o início dos anos 80 do século passado e a Lituânia ainda era ocupada pela União Soviética. Durante meus primeiros 10 anos de prática médica, pratiquei psiquiatria do tipo soviético e psiquiatria infantil. Talvez, de uma maneira paradoxal, isso tenha me ajudado a me tornar sensível aos direitos humanos e a permanecer sensível aos direitos humanos porque era uma escola bastante cínica. A escola soviética de psiquiatria tinha a ideia de que os fatores de risco só podem estar no cérebro porque o jogo da Guerra Fria sugeria que a União Soviética havia erradicado todos os possíveis fatores psicossociais porque derrotara o capitalismo.

Agora pode parecer estranho para meus colegas ocidentais, que estavam do outro lado, mas os soviéticos jogavam um jogo cínico, alegando que não tinham problemas sociais e assim nunca desenvolveram serviços comunitários. Eles não tinham assistentes sociais nem psicólogos, e a psiquiatria e a psiquiatria infantil eram bastante brutais. Infelizmente, o que aprendi com meus supervisores foi como não praticar psiquiatria. Eu os respeito como seres humanos, eles eram pessoas boas, mas eles representavam essa teoria e prática, o que me fez prometer a mim mesmo fazer de tudo para mudar.

Este era o sistema ao qual eu realmente era alérgico e posso dizer que odiava essas ideias. Fiquei me perguntando por que outras pessoas estavam bem com eles. Porque eu tinha muitos colegas que estavam dizendo: “Este é o sistema, então precisamos trabalhar e talvez minimizar os danos”. E eu estava dizendo: “Não, temos que mudar o sistema!” Foi assim que minhas ideias rebeldes começaram. Mais tarde, percebi que esses problemas existem em todos os lugares, e são globais e não estão apenas na minha região.

No início dos anos 90, quando todas essas revoluções pacíficas ocorreram na Europa Oriental, com a democracia chegando e a independência das nações ocupadas, fiquei feliz em começar a avançar para a realização de muitas dessas ideias. No começo, eu trabalhava com crianças com deficiência intelectual, e esse era realmente o tema do meu doutorado. Conheci pessoalmente todas as famílias que tiveram filhos na capital da Lituânia.

Então comecei a fazer pesquisa. Eu estava viajando para Moscou com frequência. Se você estivesse pesquisando nos anos 80 em qualquer outro campo da medicina, como cardiologia ou nefrologia ou doenças infecciosas, pediatria, poderia fazê-lo na língua lituana, exceto psiquiatria e psiquiatria infantil. Eles estavam sob controle ideológico porque você não podia tocar em fatores sociais ou psicológicos. Você tinha que medicalizar tudo o mais possível para provar que os problemas sociais não existiam, mas eles existiam!

Eu estava sonhando com mudanças nas quais poderíamos libertar, não apenas pacientes desse sistema ineficaz e prejudicial, mas também a psiquiatria como campo, porque a psiquiatria era refém dessa ideologia. A psiquiatria também foi, como sabemos, na época, usada para fins políticos.

Essas pessoas cujas famílias e crianças conheci eram na verdade meus professores. Elas estavam me ensinando, digamos, psiquiatria ética. O que eu percebi depois foi que elas estavam me ensinando que, se você retira os direitos humanos da psiquiatria, a psiquiatria se torna perigosa e tóxica.

Florence: Parece que desde o início você estava muito consciente do papel da ideologia na psiquiatria. Estou imaginando como essa rebeldia e, como você chama, sua alergia a esse sistema influenciaram seu trabalho. Quais são as coisas que você foi capaz de fazer para desafiar o sistema?

Pūras: Eu estava esperando qualquer oportunidade, porque o sistema soviético era um sistema totalitário. Você não podia criar organizações não-governamentais. Foi uma atividade criminosa. Em 1989, quando você podia sentir os ventos da mudança, iniciei a organização dos pais.

Em 1989, você podia fazer tudo, porque finalmente era a democracia! E convidei todos esses pais e disse a eles “tudo está em suas mãos”. Agora vocês podem usar a democracia e aprender com os pais de outros países como pressionar os governos para que seus filhos tenham uma vida digna.

Primeiro, eles queriam ir a Londres e Nova York para que o cérebro de seus filhos pudesse ser operado porque estavam obcecados com o pensamento biomédico que ensinava que essas crianças estavam doentes e alguém poderia curá-las. Mas levou apenas um ano para os pais adotarem o modelo que chamamos agora de modelo social ou abordagem baseada em direitos humanos.

Eles perceberam que seu principal objetivo era que seus filhos vivessem com dignidade. Além disso, quando os pais morriam, eles não queriam que seus filhos adultos se mudassem para instituições horríveis, como aconteceu naquela parte do mundo.

Tenho muito orgulho de ter iniciado uma organização chamada HOPE. É uma das mais fortes dessas associações nesta parte do mundo. Somos muito bons amigos desses pais e da nova geração de pais, e eles são gratos. Quando eles me veem, eles dizem: “Você ainda está cumprindo sua promessa, está dizendo aos médicos para abandonarem o modelo médico?” e digo: “Sim, estou fazendo isso agora globalmente”.

Também iniciei o Centro de Desenvolvimento Infantil no Hospital Universitário de Vilnius. Eu fui o primeiro presidente da Associação Psiquiátrica da Lituânia quando nos separamos da Associação Psiquiátrica da União Soviética e estava tentando iniciar a autorreflexão, a auto-regulação e a modernização do grupo profissional de psiquiatria.

Florence: Parece que seu trabalho teve um grande impacto na vida das pessoas. Para pular no tempo, você poderia nos contar um pouco sobre como se tornou o Relator Especial das Nações Unidas, na defesa do direito de todos para desfrutar da mais alta saúde física e mental possível de ser atingida?

Pūras: Não é possível apenas se tornar um Relator Especial e saltar para o cargo a partir da prática médica ou das atividades acadêmicas. Seria muito difícil. O que me ajudou foi que, há 10 anos, entre 2007 e 2011, fui eleito para o Comitê dos Direitos da Criança das Nações Unidas (ONU). Foi assim que aprendi muito sobre a maquinária da ONU. Então, em 2014, solicitei a relatoria. É claro que fiquei feliz em ser nomeado e decidi que usaria esses 30 anos de minha experiência de vida.

Eu sabia que seria relator dos direitos à saúde física e mental. Mas, para contribuir com a paridade e a não discriminação da saúde mental, eu disse desde o início que iria dedicar muita atenção à saúde mental. Porque havia chegado a hora disso. Então, nos últimos seis anos, eu estive fazendo muito no campo da saúde mental.

Florence: Você poderia nos dizer como é um dia como relator especial?

Pūras: Ser relator especial não é um trabalho, é uma atividade pro bono [para o bem-comum]. Você sabe que quando se inscreve para exercer a função, não pode reclamar, e eu nunca reclamei. Eu acho que é uma boa ideia, porque o principal ativo de um Relator Especial é a independência.

O Relator Especial pode pensar, falar e escrever o que pensa como especialista independente, e essa é a nossa força. Mas isso, é claro, dificulta a vida porque você precisa sobreviver. Você tem que ter outro emprego. Antes da pandemia, eu viajava entre 25 e 30 vezes por ano. Então, quando se está em casa, se precisa trabalhar em seus relatórios, nas comunicações enviadas aos governos e assim por diante. Isso é muito difícil de gerenciar, mas é uma atividade extremamente gratificante.

Eu acho importante que não se receba um salário da ONU, porque isso significa que você também pode ser crítico também com a ONU e com qualquer governo do mundo. Tenho orgulho do sistema da ONU e que os governos decidiram ter o que é chamado de mecanismo de procedimentos especiais. Esse é um mecanismo poderoso que lembra a ONU e a comunidade global de que uma abordagem baseada nos direitos humanos é crucial para a paz, a segurança, o desenvolvimento e, agora, para superar a pandemia.

Florence: Você mencionou que escrever relatórios é uma grande parte deste trabalho. Seus relatórios enfatizam os determinantes sociais da saúde e da saúde mental e apontam para a medicalização excessiva dos cuidados de saúde mental em todo o mundo. Você acha que ajudou a divulgar uma nova narrativa para substituir a antiga narrativa biológica?

Pūras: Bem, acho que não cabe a mim tirar conclusões sobre as contribuições do meu mandato e da minha relatoria. Eu fiz o meu melhor para contribuir para esse processo, que é significativo, um processo de mudança, espero. Eu visitei todos os continentes e tive muitas comunicações com muitos especialistas, incluindo experts a partir de sua experiência e usuários ou ex-usuários de serviços de saúde mental. Eu estava muito confiante na formulação da mensagem principal, especialmente no meu relatório ao Conselho de Direitos Humanos em 2017.

Não é preto e branco. Não se trata de denunciar o modelo biomédico, mas minha abordagem identificou enormes assimetrias e desequilíbrios de poder no campo. Os cuidados de saúde mental deram errado por várias razões, mas as intervenções médicas foram anunciadas como se fossem mais eficazes do que outras intervenções.

Existem muitas outras assimetrias e desequilíbrios que fazem com que o status quo – que é exemplificado no momento pelo movimento pela saúde mental global – não funcione. Eu tenho muitos argumentos nos meus relatórios.

Não fui o primeiro a criticar o modelo biomédico, mas usei minha posição e o fato de ser médico e psiquiatra para diagnosticar o sistema. Para destacar que esse sistema é ineficaz. Algumas pessoas me disseram que é muito radical. Não, acho que tenho mais orgulho de ter conseguido permanecer firme em meus princípios e não ser oportunista.

Nos meus relatórios, deixei bem clara a mensagem de que a carga global de obstáculos está causando danos. Os obstáculos incluem o uso excessivo do modelo biomédico e intervenções biomédicas, assimetrias de poder, especialmente entre psiquiatras e usuários de serviços, e o uso tendencioso de conhecimento e evidência.

Temos que considerar os principais princípios sobre os quais as políticas e serviços de saúde mental se baseiam. É assim como acho que contribuí. Algumas pessoas diriam que os relatórios estão polarizando. Não, não foram meus relatórios que polarizaram a comunidade de especialistas. A polarização existia antes de mim.

As respostas aos meus relatórios, especialmente o de 2017, foram tanto muito positivas ou muito críticas. Eu não sei como explicar isso. Havia especialistas que escreviam cartas raivosas para a ONU de que tais relatórios e relatores deveriam ser desqualificados. Acho que minhas mensagens eram uma prova de onde você está e pensa sobre estas questões Devo confessar que esse era um dos meus objetivos.

Florence: Onde você encontrou apoio em seu trabalho e onde encontrou mais resistência?

Pūras: Houve muito apoio, especialmente da sociedade civil. Onde quer que eu vá, encontro pessoas – comunidades de usuários de serviços de saúde mental e profissionais de saúde mental não médicos – que apoiam minhas mensagens. Além disso, uma minoria na comunidade psiquiátrica faz o mesmo.

Quando você vai a algum país, por exemplo, Coréia, Japão, Islândia ou Polônia, conhece pessoas e elas dizem: “como você conheceu tão bem a situação dos cuidados de saúde mental aqui em nosso país?” E eu digo: “Desculpe, eu não sei. Não visitei lá e não explorei este país. ” Depois, eles dizem: “Não, não, você deve conhecê-lo perfeitamente, porque o que escreveu no seu relatório descreve exatamente a situação em nosso país”. Foi gratificante ouvir isso, porque sinaliza que talvez eu tenha conseguido, em meus relatórios, capturar uma falha global caracterizada por esse desamparo cruel, institucionalização, excesso de medicalização e exclusão.

Este é o sistema que temos globalmente e, no sistema, todos são reféns, inclusive psiquiatras, para não falar em pacientes. Não fui o primeiro a dizer isso, mas acho que é mais sério quando se trata de um especialista independente, nomeado pelas Nações Unidas com o histórico de ser médico em psiquiatria.

Florence: Você mencionou a necessidade de alterar sistemas e não apenas colocar mais dinheiro em sistemas do status quo que são fundamentalmente falhos. O que você acha da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de suas iniciativas globais de saúde mental? Você acha que isso talvez esteja impondo ideias biológicas ocidentais aos países em desenvolvimento?

Pūras: Eu estava tentando formular algumas idéias sobre essas questões para o meu próximo relatório, que será publicado em breve. Temos que entender que a OMS faz parte das Nações Unidas e as representações da ONU e as representações da OMS são governos. Portanto, é mais fácil para um relator especial, como especialista independente, formular mensagens como eu. Sinto que muitas pessoas que têm preocupações semelhantes não podem fazer declarações tão ousadas. Um especialista independente pode dizer as coisas de uma maneira mais crítica do que as da OMS.

Gostaria de ouvir uma mensagem mais clara da OMS de que a abordagem baseada nos direitos humanos deve ser totalmente adotada, e não de maneira seletiva. No entanto, fiquei feliz em ver a iniciativa da OMS aos direitos de qualidade, que é realmente muito progressista e abre caminho para aqueles que ainda não acreditam que a psiquiatria e os cuidados de saúde mental possam existir sem coerção.

A OMS tem uma lista de medicamentos essenciais. É uma idéia bastante antiga, e sabemos que você precisa de antibióticos, precisa de tratamento anti-retroviral etc. Mas essa lista de medicamentos essenciais também possui um grupo de medicamentos psicotrópicos. Quando eu estava indo a países em visitas oficiais e perguntei às autoridades: “Como a saúde mental é tratada aqui no seu país”? Eles diziam: “Tudo bem, porque os medicamentos psicotrópicos essenciais estão disponíveis”. Mas os cuidados de saúde mental não se limitam a disponibilizar medicamentos psicotrópicos essenciais, é muito mais do que isso.

Os funcionários que olham apenas para a lista de medicamentos essenciais da OMS não consideram coisas como intervenções psicossociais essenciais. Então, por que não adicionar isso? Por que não equilibrar melhores intervenções biomédicas com outras intervenções tão essenciais quanto os medicamentos, ou talvez ainda mais essenciais e mais eficazes?

No geral, estou muito feliz com a cooperação da OMS, mas desejo que a OMS tenha mais direitos pró-humanos, para que os países não recebam a mensagem de que o direito à saúde mental é estar simplesmente dando tratamento medicamentoso a todos. O direito à saúde mental significa que todos podem estar livres de violência e força, inclusive em contextos de saúde mental.

Florence: Estamos todos ansiosos para ver o novo relatório. Você mencionou a pandemia algumas vezes e estou pensando se você poderia falar um pouco mais sobre isso. Recentemente, houve algumas discussões sobre a pandemia que causou uma epidemia de doença mental. Essa é uma narrativa que já está surgindo. Como devemos pensar sobre os estresses psicológicos e de pobreza que as pessoas estão enfrentando durante a pandemia do COVID-19?

Pūras: Meu pensamento talvez idealista é que agora temos uma nova chance e um novo argumento para avançar em direção a políticas de saúde mental baseadas em direitos. Com essa pandemia, devemos perceber ainda mais que o status quo não é eficaz. Por quanto tempo milhões de pessoas com deficiência psicossocial e intelectual continuarão em instituições fechadas? Sabemos com a pandemia que essas instituições estão se tornando ainda mais perigosas por causa do contágio.

Temos que fazer todo o possível, globalmente, para que todas as pessoas, todas as crianças e todos os adultos com ou sem condições de saúde mental possam viver em casa. Eles não precisam morar em alguma instituição artificial, porque é contra a dignidade. Eles têm o direito de não serem privados da liberdade.

Outra questão são os chamados problemas comuns de saúde mental, que foram extremamente medicalizados pelo modelo biomédico hegemônico. Os efeitos dos determinantes sociais da saúde e os efeitos da pobreza foram transformados em categorias de diagnóstico psiquiátrico. Agora, com a pandemia, quando milhões de pessoas estão ansiosas, tristes e solitárias, vamos novamente medicalizar e patologizar? Isso será um desastre.

Nós temos uma saída? Sim, devemos usar muitas ideias inovadoras, mas precisamos abandonar as formas medicalizadas de lidar com as condições de saúde mental. Eu recomendo pensar em sistemas de apoio e atendimento a pessoas, em vez de diagnosticá-las. Eu vejo essa crise como uma oportunidade única de transformar os serviços de saúde mental.

Eu estava tendo muitas conversas sobre isso com representantes da elite da psiquiatria global porque minhas mensagens eram frequentemente interpretadas como anti-psiquiátricas e ofensivas à psiquiatria. A psiquiatria está em crise, especialmente a psiquiatria biológica. Temos que admitir isso e, em seguida, procurar soluções para proteger a imagem e a reputação da psiquiatria e da saúde mental.

Durante esta pandemia, não concordo que haverá mais “doenças mentais”. Mas haverá mais pessoas ansiosas, tristes e dos que sofrem de incerteza e imprevisibilidade. Por que qualificamos tudo isso como uma doença mental?

A doença mental pressupõe que algo de errado aconteceu no cérebro e isso significa que os médicos precisam vir e corrigir esse distúrbio. Em seguida, reforçamos novamente esse ciclo vicioso de excesso de medicalização e jogos de poder e assim por diante.

Já é tempo e é uma boa oportunidade para repensar os cuidados de saúde mental. O campo não deve ser demonizado ou culpado, mas a psiquiatria deve ser libertada de abordagens ultrapassadas. É um refém do legado desatualizado de coerção e super medicalização.

Florence: Essa é uma ideia maravilhosa. Talvez, no meio dessa tragédia, possamos encontrar uma oportunidade para fazer algumas mudanças. Você poderia nos contar um pouco sobre o que vem depois de seu mandato quando o seu papel de relator terminar?

Pūras: Decidi me posicionar mais como representante da sociedade civil. Eu sempre fiz muita coisa com ONGs e agora sou diretor de uma pequena ONG, que é bem conhecida e tem uma boa reputação. É um instituto de monitoramento de direitos humanos na Lituânia. Gostamos de ser uma democracia, mas queremos que essa democracia seja mais forte e madura, especialmente durante essa situação de pandemia, que é um teste para todas as democracias.

É uma região interessante, com um longo legado desse sistema sobre o qual falei no início de nossa conversa. Ainda assim, muitas crianças e adultos estão em grandes instituições residenciais e grandes hospitais psiquiátricos. Portanto, esta região precisa desesperadamente de transformação e estou pronto para me comprometer com isso.

Estamos planejando bons projetos e criando redes, tanto com os novos países quanto com países vizinhos como Ucrânia e Geórgia. Estou pronto para usar minha experiência para fins regionais, mas, ao mesmo tempo, vou manter minha atenção na política global. Sempre estarei muito interessado na situação dos direitos humanos em todo o mundo.

Não podemos esperar que os contextos de saúde mental sejam um oásis de respeito aos direitos humanos quando, em todo o mundo, não houver respeito pelos direitos humanos. É por isso que, para mim, o principal é que todos os países sejam sensíveis à criação de ambientes facilitadores em todos os espaços.

Se queremos ter uma melhor saúde mental, precisamos observar o que está acontecendo nas famílias, escolas, locais de trabalho, comunidades e nossa sociedade. Estamos sendo tolerantes? Estamos protegendo os princípios de direitos humanos? Se sim, podemos esperar uma boa saúde mental. Então devemos aplicar os mesmos padrões às configurações de saúde mental. Se seguirmos esses princípios, haverá uma saída para esta crise de cuidados de saúde mental, esta crise de psiquiatria.

Para continuar e reiterar o que disse em meus relatórios, não há uma crise de transtornos mentais, há uma crise criada pelos fardos e obstáculos que o sistema criou. Minha contribuição foi modesta. Existem muitas pessoas apaixonadas globalmente, muitas pessoas comprometidas. Se unirmos forças, e estamos gradualmente fazendo isso, existem muitas redes e acho que essa mudança pode acontecer.

Psicofármacos e risco de pneumonia na pandemia de COVID-19

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Este informe, assinado por Joan Ramón Laporte e David Healy e disponível em castellano, catalán e inglês, escrito na crise sanitária atual, foi simultaneamente publicado em distintos espaços na internet, como NoGracias e Postpsiquiatría. Seu interesse é alertar sobre medicamentos de uso comum que aumentam, segundo os estudos que citam, o risco de pneumonia. Entre eles, os psicofármacos ocupam um lugar muito essencial, e por este motivo, o reproduzimos em Mad in Brasil. 

Na situação atual de pandemia por SARS-CoV-2, é imperativo evitar a pneumonia / pneumonite e fatores de risco relacionados, tanto quanto o possível. O consumo de vários medicamentos comumente usados aumenta o risco e as complicações de pneumonia.

Os medicamentos podem aumentar o risco de pneumonia ou pneumonite, ao diminuir a imunidade e outros mecanismos de proteção, por exemplo: os agentes imunossupressores, os antipsicóticos, alguns analgésicos opioides, os inibidores da bomba de prótons; causando sedação, que pode aumentar o risco de aspiração, diminuindo a ventilação pulmonar e favorecendo a ocorrência de atelectasias, por exemplo: os analgésicos opioides, as drogas anticolinérgicas, os agentes psicotrópicos; ou por uma combinação desses mecanismos.

O impacto na saúde pública da associação entre exposição a certos medicamentos e infecção ou pneumonia depende da prevalência de uso do medicamento em questão, da magnitude do risco relativo e da incidência inicial da condição (ou seja, infecção, pneumonia).

Drogas que aumentam o risco de pneumonia

Medicamentos antipsicóticos (APs)

Os agentes antipsicóticos (aripiprazol, olanzapina, quetiapina, risperidona, haloperidol, entre outros) estão associados a um risco de 1,7 a 3 vezes de hospitalização por pneumonia [1,2,3,4,5,6] e de mortalidade por pneumonia. Como o risco associado aos APs de segunda geração não é menor que o dos agentes de primeira geração, a sedação e a hipoventilação resultante, os efeitos anticolinérgicos e seus efeitos na imunidade foram propostos como os principais mecanismos, e não os efeitos extrapiramidais. No entanto, esses medicamentos também podem causar discinesia respiratória que pode ser confundida com asma ou outras condições pulmonares e levar a tratamento inadequado.

Tendo em vista os danos induzidos pelo uso de agentes antipsicóticos (APs) no tratamento sintomático da agressão e sintomas psicóticos em pacientes idosos em residências para idosos [7,8 ], em 2008 as agências reguladoras nacionais europeias recomendaram limitar seu uso a pacientes que não respondem a outras intervenções e reconsiderar sua prescrição em cada visita de acompanhamento [9], com um criterioso acompanhamento do paciente. Apesar dessas advertências, os APs são em sua maioria prescritos a pessoas de idade avançada em indicações não autorizadas [10], em doses inadequadas e por períodos demasiado longos 1. Nessas situações, os danos causados são consideráveis [14]. A variabilidade internacional em seu consumo [15,16, 17, 18] se deve mais provavelmente a variabilidade em sua prescrição em indicações não autorizadas do que a variabilidade na prevalência de transtornos mentais.

Por exemplo, na Catalunha, cerca de 90.000 pessoas com mais de 70 anos recebem tratamento contínuo com AP (média de sete suprimentos mensais por ano). Destes, cerca de 22.000 vivem em residências para idosos. Se o estimador de risco relativo mais baixo for o considerado, de 1,7, se a incidência anual de pneumonia em os não expostos for de 10% em uma residência para idosos, a incidência nos expostos será de 17% e seriam esperados 70 casos adicionais de pneumonia para cada 1.000 pacientes tratados (100 a 170). Para 20.000 pessoas expostas que vivem em residências, o número anual de casos adicionais seria 70 x 20 = 1.400.

É importante lembrar também que o Cloridrato de Metoclopramida (Plasil), Proclorperazina e muitos outros remédios prescritos para a náusea e outras moléstias intestinais são essencialmente antipsicóticos e podem ser causa de discenesia tardia e respiratória, assim como dos demais problemas que são derivados do consumo destes remédios.

Medicamentos anticolinérgicos

O consumo de drogas anticolinérgicas aumenta o risco de pneumonia em 1,6 a 2,5 vezes [19, 20, 21].

Vários medicamentos de diferentes grupos terapêuticos têm efeitos anticolinérgicos: anti-histamínicos H1 (por exemplo, Clorfenamina, Difenidramina, Hidroxizina), antidepressivos (por exemplo, Amitriptilina, Clomipramina, Doxepina, Imipramina, Paroxetina), antiespasmódicos urinários (por exemplo, Flavoxato, Oxibutinina, Tolterodina), antiespasmódicos gastrointestinais (por exemplo, Diciclomina, Hioscina), medicamentos para vertigem (por exemplo, Meclizina, Promometazina), antipsicóticos (especialmente Clorpromazina, Clozapina, Olanzapina e Quetiapina), por exemplo, antiparkinsonianos (por exemplo Amantadina, Biperideno, Triexifenidil), analgésicos opiáceos, antiepiléticos (Carbamazepina, Oxcarbazepina) e outros.

Medicamentos anticolinérgicos são frequentemente prescritos para idosos. As estimativas publicadas de prevalência de consumo variam de 4,3% a mais de 20% [22, 23, 24, 25]. O padrão de consumo varia de país para país; aqueles com maior prevalência de consumo são Codeína (associada ao Paracetamol), antidepressivos (Amitriptilina, Dosulepina, Paroxetina) e urológicos (predominantemente Oxibutinina e Tolterodina).

Muitos desses medicamentos agem por outros mecanismos que também podem contribuir para os efeitos sedativos e aumentar o risco de pneumonia. O efeito anticolinérgico também pode contribuir para a produção de atelectasias no contexto de uma infecção respiratória viral.

Analgésicos opioides

Os analgésicos opioides causam depressão respiratória com consequente hipoventilação pulmonar; alguns deles (Codeína, Morfina, Fentanil e Metadona) também têm efeitos imunossupressores. Eles aumentam o risco de pneumonia e mortalidade respiratória em 40 a 75% [26, 27, 28].

Em 2018, cerca de 50 milhões de pessoas nos EUA (15% da população adulta, 25% entre maiores de 65 anos) receberam uma média de 3,4 prescrições para analgésicos opioides e 10 milhões de pessoas reconheceram o consumo exagerado de analgésicos prescrição médica [29]. Na Europa, nos últimos anos, o consumo de opiáceos leves e fortes aumentou, principalmente entre os idosos [30, 31]. O Fentanil e a Morfina são os opiáceos fortes mais comumente consumidos e, mais recentemente, a Oxicodona. O Tramadol, que também é um inibidor da recaptação de serotonina, é o opiáceo leve mais consumido. Em dois estudos observacionais publicados recentemente, o consumo de Tramadol, comparado ao dos AINE, foi associado a uma mortalidade 1,6 a 2,6 vezes maior [32, 33], principalmente em pacientes com infecção e em pacientes com doença respiratória.

Hipnóticos e sedativos

Vários estudos mostraram um aumento no risco de pneumonia de 20% [34] para 54% [35] em usuários de hipnóticos e sedativos, especialmente aqueles tomados em conjunto com outros medicamentos que deprimem o sistema nervoso central (por exemplo, opioides, gabapentinoides).

Nos países europeus da OCDE, o consumo nacional de hipnóticos e sedativos apresenta ampla variabilidade internacional, de 5 DDD por 1.000 habitantes por dia na Áustria a 68 em Portugal [36], concentrando-se nos idosos. Na Catalunha, 38% das pessoas com mais de 70 anos consomem pelo menos um desses medicamentos [37].

Antidepressivos

Em um estudo de coortes com mais de 130.000 pacientes, um aumento de 15% na morbidade respiratória e um aumento de 26% na mortalidade respiratória foram registrados em pacientes com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) exposta a antidepressivos ISRS [38]. Outros estudos relataram um risco aumentado em pacientes expostos a antidepressivos e outros depressores do sistema nervoso central.

Em parte, esses resultados podem ser uma consequência das alterações rinofaríngeas de natureza extrapiramidal que esses medicamentos podem causar, o que levou ao fato de que, em ensaios clínicos com um antidepressivo ISRS, 5 a 10% dos pacientes foram diagnosticados com rinofaringite quando, na verdade, era sobre efeitos da distonia. Na presença de um risco COVID-19, um erro de diagnóstico pode causar problemas.

Nos países europeus da OCDE, o uso de antidepressivos varia de 11 DDD por 1.000 por dia na Letônia a 98 na Islândia [36]. No Reino Unido, entre 2008 e 2018, o número de prescrições de antidepressivos dobrou [39].

Gabapentina e Pregabalina

Em dezembro de 2019, a FDA alertou para um aumento do risco de pneumonia e insuficiência respiratória grave associada ao consumo de Gabapentinóides, especialmente associado a opioides, analgésicos hipnóticos e sedativos, antidepressivos e anti-histamínicos [40]. Em 2017, a EMA alterou a folha de dados da Gabapentina e incluiu avisos de depressão respiratória grave, que podem afetar até 1 em 1.000 pacientes tratados [41,42].

A folha de dados técnicos da Gabapentina afirma que a incidência de infecções virais em ensaios clínicos foi “muito frequente” (mais de 1 em cada 10 pessoas tratadas) e que a incidência de pneumonia e infecção respiratória foi “frequente” (entre 1 em cada 10 e 1 em 100). A ficha téncia da Pregabalina alerta que em pacientes tratados a incidência de rinofaringite é “frequente” (entre 1 em 10 e 1 em 100) (43).

A Gabapentina e a Pregabalina têm eficácia limitada no tratamento da dor neuropática e são ineficazes em seus usos primários (não autorizados) na prática: dor nas costas com possível radiculopatia [44, 45, 46]. Apesar de tudo isso, desde 2002 o consumo mais que triplicou nos EUA [47, 48], no Reino Unido [49] e em outros países europeus [50, 51], frequentemente em combinação com analgésicos opioides e hipnóticos [52]

Inibidores da bomba de prótons (IBP, Omeprazol e análogos)

A acidez gástrica reduzida e o aumento da colonização bacteriana gástrica e intestinal induzida por esses medicamentos também podem aumentar o risco de pneumonia. Duas metanálises de estudos observacionais mostraram aumentos de 34% [53] para 50% [54]. Estudos mais recentes confirmaram a magnitude desse risco [55, 56, 57].

Inúmeros estudos mostraram um aumento vertiginoso no consumo de IBP nos últimos anos. 30% da população na França [58], 15% no Reino Unido [59], 19% na Catalunha [60], 7% na Dinamarca [61] ou 15% na Islândia [62] recebem PPI sem justificativa aparente em um terço dos casos. Portanto, é essencial identificar os pacientes que não precisam desses medicamentos, mas também é necessário estar ciente da repercussão dos sintomas gástricos e da ansiedade que podem aparecer com a sua retirada.

Quimioterápicos antineoplásicos e imunossupresores

Os pacientes que recebem esses medicamentos são mais suscetíveis a infecções virais e não virais e geralmente não devem interromper o tratamento. No entanto, entre 20 e 50% dos pacientes com câncer incurável recebem quimioterapia nos 30 dias anteriores à sua morte. Em pacientes com câncer terminal, o uso de quimioterapia paliativa alguns meses antes da morte resulta em um risco aumentado de necessidade de ventilação mecânica e ressuscitação cardiopulmonar e de morrer em uma unidade de terapia intensiva [63]. No contexto da pandemia de COVID-19, pacientes, cuidadores e oncologistas devem estar mais conscientes dos riscos potenciais para si e para os outros decorrentes do planejamento e da quimioterapia paliativa contínua.

Muitos pacientes também recebem imunossupressores para condições inflamatórias crônicas, como psoríase, doença inflamatória intestinal ou artrite reumática de gravidade leve ou moderada, apesar de esses medicamentos serem indicados apenas em pacientes com doença grave que não respondem a tratamentos de primeira linha. Muitos desses pacientes podem se beneficiar de uma interrupção escalonada ou uma pausa em seus tratamentos por um tempo, com o monitoramento de seu estado clínico.

Os corticosteroides, sistêmicos e inalatórios e, às vezes, tópicos ou colírios, têm efeito imunossupressor e aumentam o risco de pneumonia em pacientes com asma e em pacientes com DPOC [64, 65]. Pacientes com asma não devem desistir de corticosteroides, mas muitos pacientes recebem corticosteroides inalados por infecções respiratórias superiores. Por exemplo, na Catalunha, anualmente, 35.000 crianças com menos de 15 anos recebem receita médica de corticosteroide inalado, para uso ocasional e aparentemente injustificado [66] (exceto laringite com estridor). Da mesma forma, uma parcela dos pacientes com DPOC não obtém nenhum efeito benéfico dos corticosteroides inalados e pode evitá-los. Em um estudo, a retirada de corticosteroides inalatórios foi seguida por uma diminuição de 37% na incidência de pneumonia [67].

Inibidores da enzima conversiva da angiotensina (IECA) e bloqueadores da angiotensina (ARA-2)

Além do debate sobre um possível aumento do risco de complicações associadas aos IECAs e ARA-2s [68, 69], um estudo publicado em 2012, com 1.039 casos e 2.022 controles, não encontrou aumento no risco de pneumonia adquirida na comunidade. associado a esses medicamentos [70].

Em pacientes com insuficiência cardíaca, doença cardíaca isquêmica ou hipertensão, parece mais importante ajustar o tratamento para limitar o número de medicamentos ao necessário do que retirar os IECA e ARA-2.

Ibuprofeno ou paracetamol para a febre?

Dados os efeitos dos anti-inflamatórios não esteróides (AINEs), é biologicamente plausível que as complicações respiratórias, sépticas e cardiovasculares da pneumonia sejam mais frequentes e graves se a febre for tratada com um AINE em vez de acetaminofeno. Em ensaios clínicos e estudos observacionais, uma maior incidência de infecções respiratórias superiores e inferiores associadas aos AINEs foi registrada [71], e a ficha técnica de vários AINEs alerta para isso. Essas infecções respiratórias inferiores são causadas por gripe e outros vírus (incluindo coronavírus do resfriado comum [72]), e os AINEs podem ter contribuído para muitas mortes por ano em todo o mundo. Existem argumentos poderosos que indicam que, na pandemia de gripe de 1918, o consumo indiscriminado de altas doses de ácido acetilsalicílico contribuiu para uma alta mortalidade [73]. Embora essas doses não sejam usadas atualmente, a experiência é preocupante.

Consumo concomitante de vários remédios

Na medicina contemporânea, o consumo concomitante de vários medicamentos mencionados neste relatório é frequente e, nesse caso, o risco de pneumonia se multiplica [74]. O uso simultâneo de vários medicamentos, principalmente em idosos, tem sido geralmente associado a maiores taxas de internação e mortalidade hospitalar [75, 76].

Em particular, o consumo de um IBP com um ou mais medicamentos psicotrópicos parece ser altamente prevalente em residências de idosos [77], onde o risco de infecção e pneumonia é maior.

Analgésicos opioides, antipsicóticos e antidepressivos têm efeitos no coração e prolongam o intervalo QT no ECG. A Azitromicina e a Hidroxicloroquina também prolongam o intervalo QT, e a adição desses medicamentos ao tratamento do paciente pode causar problemas.

Conclusões

Vários medicamentos comumente usados, como antipsicóticos e antidepressivos, analgésicos opioides, anticolinérgicos, gabapentinóides, inibidores da bomba de prótons e corticosteróides inalados podem aumentar o risco de pneumonia em 1,2 a 2,7 vezes.

Pacientes idosos são mais propensos a receber um ou mais desses medicamentos.

Esses tratamentos geralmente são ineficazes, prescritos por períodos desnecessariamente longos, nas doses erradas ou para indicações não autorizadas.

Embora o consumo desses medicamentos mostre ampla variabilidade internacional, sua prevalência de uso em idosos costuma ser superior a 10% e, às vezes, chega a 40-50%.

Como esse consumo é muito alto, com uma alta incidência inicial de infecção viral e pneumonia, eles podem ter um efeito negativo significativo na saúde pública, e o número de vítimas pode ser da ordem de centenas por milhão de habitantes.

Na atual situação de pandemia, tratamentos desnecessários e prejudiciais devem ser revistos e eventualmente interrompidos.

  • É urgente revisar e interromper temporariamente o consumo de drogas psicotrópicas (especialmente antipsicóticos), drogas anticolinérgicas e analgésicos opiáceos e monitorar o paciente.
  • É especialmente importante revisar a medicação de pessoas que vivem em residências de idosos.
  • Durante a atual pandemia de COVID-19, todos os medicamentos devem ser revisados ​​criticamente e descritos sempre que possível, a fim de diminuir não apenas o risco de pneumonia e suas complicações, mas também outros efeitos adversos que são uma causa frequente de admissão hospitalar (por exemplo, fraturas).
  • Há uma necessidade urgente de revisões sistemáticas detalhadas de ensaios clínicos e estudos observacionais sobre a associação entre a exposição a medicamentos e o risco de pneumonia e suas complicações.
  • Também é necessário organizar a colaboração para apoiar os profissionais de saúde na adaptação dos planos de medicamentos à situação de pandemia e desenvolver uma colaboração internacional na pesquisa observacional dos fatores de risco para pneumonia e morte por pneumonia.

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(Trad. Fernando Freitas)

  1. 12.13

Conversações com os pacientes a respeito da retirada dos antidepressivos

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Desde a aprovação da fluoxetina (Prozac), em 1987, saber se os antidepressivos funcionam é objeto de um intenso debate. Hoje em dia a literatura científica conta com um corpo de evidências a mostrar que a psicofarmacologia para lidar com a depressão não é um procedimento baseado em dados científicos e é incongruente com os princípios básicos de uma psicologia humanista.

Quando se começa a tomar antidepressivos seu usuário não imagina ser grande a probabilidade de ter que passar a depender dessas drogas pelo restante de sua vida. Os médicos em geral e os psiquiatras costumam dizer a seus pacientes que no curso do tratamento sabem como desprescrever, quando julgarem ser isso o adequado.

Se tomarmos como referência o que está nos protocolos oficiais, o que os prescritores dizem parece ser verdadeiro. É dito que a descontinuação pode ser feita em um curto período, entre duas a quatro semanas de redução da dose, até a cessação completa quando assim se quer. Não obstante essa prática discursiva de tão repetida parecer corresponder com a realidade, na prática o que ocorre é quase que sempre bem diferente. A literatura científica mostra que todas as classes de antidepressivos estão associadas com a “síndrome de abstinência”. Quer dizer, deixar de tomar antidepressivos implica para os seus usuários sofrer com sintomas de abstinência e que podem ser muito severos.  E os médicos em geral e os psiquiatras afirmam que tais sintomas mostram que o paciente continua doente e que é por isso que a medicação antidepressiva precisa ser mantida.  Contudo, a experiência dos usuários mostra que seus prescritores estão errados e que os usuários já têm know-how de como deixar de ser dependentes da droga prescrita.

É da maior importância que os profissionais de saúde em geral e os prescritores em particular aprendam como iniciar discussões com seus pacientes a respeito dos riscos que ocorrem com a retirada dos antidepressivos quando não há um planejamento criterioso. É o é que abordado em um artigo publicado em Therapeutics Advances in Psychopharmacology. Trata-se dos resultados de uma pesquisa qualitativa com um grupo de pacientes que estava a tomar antidepressivos por mais de 9 meses e que receberam orientação médica para a descontinuação da medicação.  O que foi observado é que o temor pela recorrência e a crença que sofrem de uma deficiência de serotonina ou de um desequilíbrio químico são barreiras para a descontinuação e impedem que os pacientes prossigam o processo recomendado.  O que sugere a necessidade que os profissionais de saúde mental desenvolvam meios de como reeducar os pacientes.

O artigo trabalha com fragmentos de um processo de uma conversação mantida para dar suporte psicoeducacional ao processo de retirada de antidepressivos.  Trata-se de um paciente com o diagnóstico de transtorno depressivo maior e que estava a tomar um antidepressivo (ISRS) há três anos. Tendo sido avaliada a sua saúde física e mental, o paciente recebeu aconselhamento médico de seu psiquiatra para interromper o medicamento. Mas o paciente não hesitou em expressar preocupações e vacilações sobre a interrupção. A seguir serão apresentados trechos da discussão psicoeducacional sobre a descontinuação e a retirada de antidepressivos.

Discutindo o funcionamento atual, as esperanças e os medos:

“Entendo que você tenha expressado hesitação em abandonar seu antidepressivo atual. Sua preocupação é completamente compreensível e muitos outros em situações semelhantes também expressaram hesitação. Você sentiu seu humor melhorar ao tomar este medicamento e é normal se preocupar com a recaída e o efeito que a interrupção pode ter no seu humor e se seus sintomas anteriores podem retornar. Além disso, o processo de saída do antidepressivo pode ser desafiador quando não há suporte. Talvez você já tenha tido experiências anteriores desagradáveis com a redução ou esquecimento da dose. Gostaria de oferecer uma revisão das vantagens e desvantagens de interromper seu antidepressivo e apoiá-lo nesse processo, se você decidir por interromper. Se você quiser, eu poderia demorar um pouco para discutir esse tópico com você e enfrentar suas preocupações.”

Psicoeducação sobre o mecanismo teórico do funcionamento dos antidepressivos:

“Darei rapidamente uma visão geral da teoria de como os antidepressivos Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina (ISRSs), como é aquele que você está tomando, afetam o cérebro e depois abordarei alguns equívocos comuns. As teorias atuais sugerem que os antidepressivos ISRS aumentam a quantidade de serotonina química disponível em seu cérebro, impedindo ou ‘inibindo’ a ‘recaptação’ de serotonina. Se menos serotonina for reabsorvida, isso significa que mais está disponível para atuar nas células cerebrais. Pensa-se que é este nível aumentado de serotonina que tem um efeito positivo no humor; no entanto isso não está comprovado. Além disso, é comum afirmar que a depressão é o resultado de um ‘desequilíbrio químico’, mas as evidências não apoiam essa teoria. Isso significa que a melhoria que você viu no seu humor pode não ser única ou diretamente um resultado dos efeitos do medicamento e que o nível de serotonina no cérebro após a liberação de antidepressivos não dita necessariamente o seu humor. Além disso, seu cérebro também pode mudar em resposta a um placebo, ao seu ambiente, aos relacionamentos e através de psicoterapia.”

Informar sobre possíveis efeitos e estratégias de abstinência:

“Depois de usar um ISRS a longo prazo, acredita-se que o cérebro possa se adaptar a isso, reduzindo o efeito da serotonina. Isso pode significar que poderia ter que tomar mais do medicamento para obter o mesmo efeito, embora isso não esteja claro como exatamente funciona. Também pode ser por isso que, quando a quantidade do medicamento diminui ou quando se para completamente, ocorrem os sintomas de abstinência. Esses sintomas variam entre os indivíduos e podem depender do antidepressivo que está sendo tomado. Há uma série de sintomas que algumas pessoas podem experimentar, mas isso não é o que se passa com todas as pessoas. Os sintomas podem incluir ansiedade, sintomas semelhantes aos da gripe, insônia, náusea, tontura, sensações semelhantes a choques elétricos chamados “zaps do cérebro”, espasmos musculares, agitação, embotamento emocional e disfunção sexual. Para algumas pessoas, esses sintomas são relativamente leves e breves, mas para outras podem ser graves e duradouros. É comum que as pessoas planejem uma redução lenta e controlada de sua dose de antidepressivo ao longo de 2 a 4 semanas. No entanto, para diminuir o potencial de sintomas de abstinência, a pesquisa mais recente sugere que a redução gradual em quantidades cada vez menores pode ser uma estratégia valiosa. Isso significa reduzir lentamente a dosagem por um período mais longo, como vários meses. Qualquer que seja a estratégia que você decida, é importante trabalhar com um profissional médico que entenda suas preocupações e que possa orientá-lo na redução de sua dose. Será benéfico fazer check-ups regulares durante todo esse processo.”

Permitir que o paciente tenha informações do que hoje se sabe sobre os antidepressivos em termos científicos é um direito inequívoco, sistematicamente negado; mas é igualmente fundamental para o êxito do processo de desmedicação. O que exige dos profissionais de saúde a atualização das informações e o desenvolvimento de habilidades psicoeducacionais para assim poder dar suporte a esse processo.

“Após essa discussão, os profissionais de saúde devem perguntar o que pode não haver sido esclarecido e quais perguntas essa conversa trouxe para os pacientes. É importante que os profissionais estejam abertos a ouvir a frustração dos clientes com a falta de informações sobre esses problemas que deveriam ter sido fornecidas desde o início do tratamento, assim como é igualmente importante que sejam honestos com as limitações da ciência atual. Pesquisas sugerem que a qualidade do relacionamento entre o profissional e o usuário do serviço impacta as expectativas em relação à ingestão ou à saída de um medicamento. Como resultado, o profissional pode afetar significativamente a experiência da interrupção e contribuir para a eficácia da intervenção. Portanto, recomenda-se que os profissionais utilizem habilidades motivacionais de entrevistas durante essas conversas, expressando empatia, normalizando a ambivalência em relação à interrupção e apoiando a autoeficácia e o otimismo.”

Que um artigo como este sirva como referência para que aqui no Brasil construamos meios para ajudar os usuários a se libertar do seu tratamento psicofarmacológico de forma segura, eficaz e com o mínimo de sofrimento possível. Podemos imaginar, por exemplo, que nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) as equipes multiprofissionais desenvolvam programas psicoeducacionais para dar suporte a processos de desmedicação psiquiátrica. Esse trabalho poderia começar já no momento da prescrição, com o paciente tendo que assinar uma autorização ciente dos malefícios e da dependência futura. E uma vez já tornados dependentes químicos, por uso em médio e longo-prazos, como ingressar em um processo de desmedicação lenta e gradual, com acompanhamento e suporte clínico e psicossocial.

 

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Karter, J. M. Conversations with clients about antidepressant withdrawal and discontinuation.https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/2045125320922738#bibr2-2045125320922738 

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