Novo Estudo de Usuários de Ayahuasca Mostra Efeito Placebo em Ação

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Detail of a drum on the ground and the other in the hands of a player: The music that is played afd a ceremony with the use of ayahuasca

Um estudo sobre os efeitos da droga psicodélica ayahuasca na saúde mental descobriu que a droga não era melhor do que um placebo. Os pesquisadores sugerem que os aspectos cerimoniais do ritual da ayahuasca são muito mais importantes do que qualquer ação biológica proposta para a droga.

Os pesquisadores designaram aleatoriamente 30 usuários experientes de ayahuasca para receber ou a droga ou placebo. Então eles verificaram os resultados da ansiedade, depressão e estresse. Descobriram que os resultados de saúde mental melhoraram em ambos os grupos. Não havia diferença entre o grupo da ayahuasca e o grupo do placebo.

Os pesquisadores escreveram: “Sintomas reduzidos em ambos os grupos após a cerimônia, independente do tratamento”.

Ambos os grupos experimentaram aproximadamente o mesmo nível de efeitos psicodélicos, também. Os pesquisadores escrevem que “os participantes de ambos os grupos experimentaram estados alterados de consciência durante a cerimônia”.

Os pesquisadores escrevem que é por isso que os ensaios controlados por placebo são tão importantes:

“Estas descobertas enfatizam a importância dos desenhos controlados por placebo na pesquisa psicodélica e a necessidade de explorar mais a contribuição de fatores não-farmacológicos para a experiência psicodélica”.

O estudo foi conduzido por M. V. Uthaug na Universidade de Maastricht, na Holanda, e foi publicado na revista Psychopharmacology.

De acordo com os autores, a ayahuasca como tratamento para problemas de saúde mental está crescendo em popularidade, e os pesquisadores estudaram seus efeitos observando os retiros com psicodélicos. Entretanto, eles escrevem que esses pesquisadores geralmente não controlam o efeito placebo, o que poderia explicar os resultados iniciais positivos.

O “tratamento” da Ayahuasca freqüentemente inclui um aspecto ritual ou cerimonial, assim como um grupo de pessoas que pensam da mesma maneira e que esperam haver um efeito. Estes são fatores que aumentam fortemente o efeito placebo.

Este estudo também demonstra como as crenças rituais indígenas são cooptadas e mal compreendidas pelo modelo médico da psiquiatria. Na psiquiatria, assume-se que o aspecto biológico da droga causa a melhoria; no entanto, nas culturas indígenas, o ritual em si é responsável pela melhoria.

De acordo com os pesquisadores:

“Deve-se notar também que para muitas tradições indígenas, não é necessário que os participantes consumam ayahuasca. A crença defendida é que os xamãs realizam o seu trabalho para ajudar aqueles que participam da cerimônia, mesmo que não tenham consumido a bebida”.

O estudo teve uma limitação enorme: os participantes não preenchiam os critérios para os transtornos psiquiátricos. Mas isto também se aplica a outros estudos naturalistas sobre a droga, que pareciam mais promissores porque não controlavam o efeito placebo.

Da mesma forma, um estudo recente revelou que outro psicodélico, considerado como “cura milagrosa” para problemas de saúde mental, a esketamina, na verdade falhou em cinco de seus seis ensaios clínicos e foi associado a danos significativos.

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Uthaug, M. V., Mason, N. L., Toennes, S. W., Reckweg, J. T., de Sousa Fernandes Perna, E. B., Kuypers, K. P. C., . . . & Ramaekers, J. G. (2021). A placebo-controlled study of the effects of ayahuasca, set and setting on mental health of participants in ayahuasca group retreats. Psychopharmacology, 238, 1899-1910. (Link)

(Ainda) Em defesa da Reforma: por uma ética democrática do cuidado

Breaking apart and shattered life concept as a frozen lake with floating broken chunks of ice in the shape of a human head as a health care and brain issues related to emotional and physical injury of the mind.

Diante do cenário brasileiro mais atual, que vivemos em meio a ataques, retrocessos e ameaças em diferentes campos, cabe retomarmos um pouco da história da Reforma Psiquiátrica como forma de reafirmar mais uma vez o seu ideário. Historicamente, a Reforma Psiquiátrica inseriu-se em um contexto de transformações sociais profundas, ocorridas no setor de saúde ao longo dos últimos 50 anos do século XX. Estas transformações estão associadas ao conjunto de mudanças políticas e sociais ocorridas após a Segunda Guerra Mundial, entre as quais foram consolidados os Direitos Humanos e a Democracia como valores a serem defendidos e preservados.

Amarante (1995) compreende a Reforma Psiquiátrica como o processo histórico de formulação crítica e prática que tem como objetivos o questionamento e a elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria. Este processo alavancou diversas dimensões sociais, desde mudanças jurídico-políticas, reformulações na assistência e na rede de serviços em saúde mental até intervenções socioculturais que ampliam lógicas de entendimento acerca da loucura.

No Brasil, a Reforma Psiquiátrica é um processo que surgiu, principalmente, a partir da conjuntura da redemocratização, no final dos anos 70, fundado não apenas na crítica conjuntural ao subsistema nacional de saúde mental, mas também, na crítica estrutural ao saber hegemônico e às instituições psiquiátricas.

A Reforma Psiquiátrica Brasileira é contemporânea de um processo mais amplo: o da Reforma Sanitária, que nasceu no contexto de luta contra a ditadura e é norteadora dos princípios fundadores do Sistema Único de Saúde. A Reforma Sanitária foi o resultado de um conjunto de alterações estruturais realizadas na área da saúde em vários países, quando a falta de condições de saneamento e a baixa qualidade na prestação dos serviços eram enfrentados.

A partir de 1976, foram criados movimentos como: o Movimento de Renovação Médica (REME), o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). Estes tinham como objetivo discutir e organizar a política no setor da saúde, assim como discutir as práticas das categorias profissionais que criam as bases para a Reforma Sanitária e Psiquiátrica no Brasil.

As mudanças que viriam a desembocar na Reforma Psiquiátrica Brasileira foram lideradas pelo Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) que buscava melhores condições de atendimento aos pacientes dos grandes hospícios brasileiros, denunciava as péssimas condições de tratamento, incluindo os horrores do hospício de Barbacena, e as atrocidades sofridas por milhares de pacientes. Neste ponto, vale destacar o documentário do cineasta Silvio Da-rin e Helvécio Ratton, “Em nome da Razão” de 1979, filmado dentro do hospício em Barbacena, que trouxe à tona tragédia cotidiana e os horrores praticados à época.

É fundamental nos remetermos à influência de Franco Basaglia, através de sua produção teórica e das práticas da psiquiatria democrática italiana. Também é necessário citar o importante papel dos estudos de Erwing Goffman sobre as instituições totais.

Quando o MTSM foi constituído, existiram várias atividades importantes para seu reconhecimento, com destaque para o V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em Camboriú (SC), praticamente ocupado pelos participantes do movimento, para o I Congresso Brasileiro de Psicanálise de Grupos e Instituições, ocorrido em 1978, no Rio de Janeiro, para o qual vieram personalidades internacionais como Franco Basaglia, Erwing Goffman, Thomas Szasz, Robert Castel, Félix Guattari, entre outros. Esses autores influenciaram o pensamento e ações que transformariam o cenário da saúde mental nos anos seguintes.

Um segundo momento da Reforma Psiquiátrica Brasileira pode ser considerado uma trajetória sanitarista. Foi iniciado nos primeiros anos da década de 80, quando parte considerável do movimento de reforma sanitária, e não só psiquiátrica, passou a ser incorporada como política pública.

A marca distintiva está no fato de que a noção de Reforma ganhou uma inflexão diferente: a crítica ao asilo deixou de visar o seu aperfeiçoamento ou humanização, vindo a incidir sobre os próprios pressupostos da psiquiatria, a condenação de seus efeitos deletérios com vistas à normatização e ao controle. A expressão “Reforma Psiquiátrica” passou então a exigir uma adjetivação precisa que tem uma característica essencial: no Brasil, a restauração democrática. O desafio fundamental encontrava-se no resgate da cidadania interditada.

Na década de 80, desenvolveu-se no Brasil o Movimento da Reforma Psiquiátrica, que objetivava a revisão das premissas assistenciais e teóricas visando a superar o modelo de assistência centrado em práticas de institucionalização, e promover o resgate da cidadania dessa população e construir uma rede comunitária para a prática do cuidado em liberdade (Amarante, 1994).

Cabe destacarmos alguns marcos históricos como: a intervenção na Casa de Saúde Anchieta, em 1989, e a criação do primeiro CAPS do Brasil, denominado CAPS Professor Luís da Rocha Cerqueira, em 1986, no coração da cidade de São Paulo. A criação deste CAPS e de tantos outros, com outros nomes e lugares diferentes, fez parte de um intenso movimento social, inicialmente, de trabalhadores de saúde mental que buscavam a melhoria da assistência no Brasil e denunciavam a situação precária dos hospitais psiquiátricos, que ainda eram o único recurso destinado aos usuários.

A construção da Rede de Saúde Mental, posteriormente denominada como Rede de Atenção Psicossocial, ampliou a concepção de saúde para além do “mental” e se tornou um lugar privilegiado de construção de uma nova lógica de atendimento e cuidado.

O lema “sociedade sem manicômios” adotado em 1987, funcionava como um norte ético para as mudanças estruturais da gestão pública, que foram a marca da década seguinte: a redução dos leitos de hospitais especializados, a criação de serviços na comunidade, ampliação radical do acesso ao tratamento, abertura das fronteiras de atendimento na atenção primária, entre outras.

Este amplo movimento social da Reforma Psiquiátrica Brasileira alcançou avanços na constituição de um modelo de atenção psicossocial e comunitário, alternativo às instituições manicomiais predominantes.

A Constituição Federal de 1988 construiu o pacto social e institucional que permitiu grandes avanços no campo da saúde mental. A Reforma Psiquiátrica avançava com o arcabouço de um sistema universal de saúde, e sob a premissa ética dos direitos de cidadania.

Com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), cujos princípios norteadores concebem a saúde como direito fundamental e dever do Estado, enfatizam a integralidade, a equidade, a universalidade, a intersetorialidade e a participação da população, de modo que a visão de cuidado em saúde busca ações muito além dos fatores biológicos, a saúde passou a ser compreendida de forma complexa. Esta concepção de saúde considera o contexto socioeconômico, cultural, político e histórico do país, ou seja, os processos de saúde/doença passaram a abranger situações de moradia, saneamento, renda, alimentação, educação, lazer e acesso aos bens e serviços.

É imprescindível relembrarmos uma pioneira do ideário da Reforma Psiquiátrica Brasileira, a Dra. Nise da Silveira, no então Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro que se tornou “A Casa das Palmeiras”. Desde os anos 40/50, já havia a experiência de transformações assistenciais com arte e referenciais teóricos junguianos. Este trabalho liderado pela Dra. Nise questionou profundamente o modelo asilar e propor modos humanizados de tratamento.

Nos anos 60 também ocorriam movimentos de comunidades terapêuticas, baseados no modelo inglês de Maxwell Jones.

Do ponto de vista da gestão de políticas públicas, a Reforma Psiquiátrica Brasileira consubstancia-se em uma legislação de saúde mental iniciada em 1990, com a Declaração de Caracas. A Declaração de Caracas propôs um novo paradigma de Atenção e Reestruturação da Assistência Psiquiátrica, com o objetivo de promover o respeito aos direitos humanos e civis, assim como reestruturar a atenção psiquiátrica com base na atenção primária à saúde no âmbito dos sistemas locais de saúde. A Declaração de Caracas marcou uma importante mudança no paradigma da atenção à saúde mental na Região das Américas, rumo à descentralização dos serviços de saúde mental.

Em 1989, o deputado Paulo Delgado apresentou o Projeto de Lei n. 3657, que visava a extinção progressiva dos manicômios e a substituição por outros recursos assistenciais. Este projeto de lei dispunha de basicamente três artigos: 1º) Proibição a construção de novos hospitais psiquiátricos; 2°) Direcionamento do financiamento para a criação de recursos não manicomiais; 3º) Regulamentação das internações compulsórias.

Os anos seguintes marcaram o avanço desse processo, com a realização da I Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), o projeto de lei do deputado Paulo Delgado para regulamentação dos direitos das pessoas com transtornos mentais (1989) – que só é aprovado em 2001.

A aprovação da Lei n. 10.216 em 06 de abril de 2001, é um grande marco histórico, posto que representa a consolidação da Reforma Psiquiátrica no Brasil.  A lei direciona e redireciona a Atenção à Saúde Mental, regulamenta a não internação dos indivíduos com transtorno mental e consiste também em um novo modelo de assistência psiquiátrica na internação social do usuário, bem como a implantação de Residências Terapêuticas e Centros de Atenção Psicossocial e direitos colocados pelo Estado para os usuários. A transformação dos Serviços de Saúde Mental rompe com fatores vivenciados pelos usuários, historicamente cruéis e desumanos.

Podemos observar que apesar de falarmos em “Reforma Psiquiátrica”, trata-se fundamentalmente de propor uma “Reforma da Assistência em Saúde Mental” em amplo aspecto, que inclui a articulação horizontal do saber psiquiátrico em uma dinâmica de forças com outros campos do saber e não se restringe à perspectiva biomédica.

Nascido do reclame da cidadania do louco, o movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira desdobrou-se em um diversificado escopo de práticas e saberes. A importância analítica de se localizar a cidadania como valor fundante e organizador deste processo está em que a Reforma é sobretudo um campo heterogêneo, que abarca a clínica, a política, o social, o cultural e as relações com o jurídico, e é obra de atores muito diferentes entre si.

Se, por um lado, verificamos avanços importantes na assistência em saúde mental no país, por outro, é preciso considerar a permanência de lógicas patologizantes e tuteladoras mesmo nos serviços. A luta pela Reforma (ainda) é urgente.

A deposição da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, significou uma interrupção do processo democrático no país, acarretando uma reorientação radical das políticas sociais. No mesmo ano de 2016, o novo governo (Michel Temer) instituiu uma medida provisória que, posteriormente, tornou-se a Emenda Constitucional 95/2016, determinando o congelamento por 20 anos dos recursos destinados a diversas políticas sociais, entre as quais o SUS. Iniciou-se um período, agravado nos anos seguintes, de redução dramática do já insuficiente financiamento do sistema público de saúde.

Vinte anos após a aprovação da Lei nº 10.216/2001, precisamos (ainda) reafirmar e sustentar uma ética do cuidado alicerçada em ideais democráticos e humanitários. Finalmente, para além de promover um aperfeiçoamento técnico e institucional do tratamento em saúde mental, a Reforma Psiquiátrica tem efeitos também do ponto de vista da cidadania brasileira. Com suas diretrizes no sentido contrário ao da redução das políticas sociais do Estado, o ideário da Reforma aponta para a construção de uma sociedade mais inclusiva e para a recuperação do sentido coletivo das nossas ações, valores que são urgentes no Brasil pandêmico e pandemônico dos dias atuais.

Referências:

Tenório, F. (2002). A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e conceitos. História, Ciências, Saúde-Manguinhos9, 25-59.

Amarante, P. (Ed.). (1994). Psiquiatria social e reforma psiquiátrica. SciELO-Editora FIOCRUZ.

Amarante, P. (1995). Novos sujeitos, novos direitos: o debate em torno da reforma psiquiátrica. Cadernos de Saúde Pública11, 491-494.

A Escetamina Falhou em Cinco dos seus Seis Ensaios de Eficácia

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Num artigo de 2020 no The British Journal of Psychiatry, os investigadores Joanna Moncrieff e Mark Horowitz escreveram que o burburinho em torno da escetamina (o medicamento da Janssen para a depressão resistente ao tratamento [TRD]) estava “a repetir os erros do passado” – promovendo um medicamento que tinha uma eficácia pouco clara (e efeitos adversos claros) como sendo a nova cura milagrosa para a depressão.

Horowitz e Moncrieff atualizaram essa análise anterior com outro artigo no The British Journal of Psychiatry. Escrevem que uma investigação mais aprofundada apenas confirmou as suas conclusões de que a escetamina tem, na melhor das hipóteses, uma eficácia incerta – e efeitos nocivos graves.

Escrevem: “A escetamina tem um efeito clinicamente incerto nas quatro semanas de uso, e não há estudos com períodos de seguimento mais longos e mais relevantes para o tratamento de pessoas com depressão”.

De acordo com Horowitz e Moncrieff, houve seis ensaios de eficácia de 4 semanas de escetamina para TRD. Cinco desses ensaios mostraram que o medicamento não era melhor do que um placebo. No entanto, um ensaio encontrou um ligeiro efeito estatisticamente significativo a favor da escetamina (uma diferença de 4 pontos numa escala de 60 pontos) – um efeito que não atingiu o limiar de significância clínica. Mesmo a empresa farmacêutica Janssen, que realizou o estudo, tinha utilizado uma diferença de 6,5 pontos como ponto de referência.

Observem que não existem dados de eficácia a longo prazo; estes estudos duraram apenas um mês.

Então, como é que este medicamento foi aprovado pela FDA dos EUA? Afinal, o NICE do Reino Unido, rejeitou o fármaco após ter visto as mesmas provas.

A FDA trabalhou em estreita colaboração com Janssen, acabando por renunciar aos requisitos habituais (tal como para dois ensaios clínicos que demonstraram eficácia, geralmente durante 6-8 semanas) e permitindo ao fabricante do medicamento apresentar apenas um resultado estatisticamente significativo de um ensaio de eficácia a curto prazo. Janssen complementou-o com um ensaio de descontinuação (um estudo do que acontece depois de as pessoas deixarem subitamente de tomar o fármaco), que os investigadores criticaram por efeitos de abstinência conflituosos com efeitos de recaídas.

Erick Turner, que faz parte do comité consultivo da FDA que aprovou o medicamento, foi citado no Medscape como dizendo: “Aceitar apenas um ensaio de curto prazo como sendo suficiente é uma ruptura histórica com precedentes“. No mesmo artigo do Medscape, o investigador de antidepressivos Glen Spielmans foi citado como dizendo: “Com base nas provas fornecidas no pedido de Janssen, a FDA não deveria ter aprovado o fármaco“.

Quais são os Danos?

No seu estudo anterior, Horowitz e Moncrieff também avaliaram os efeitos adversos devidos à escetamina.

Por exemplo, houve seis mortes no ensaio de segurança de Janssen – todas no grupo que tomou escetamina. Três delas foram mortes por suicídio, e duas dessas pessoas referiram nunca ter tido pensamentos suicidas antes.

Houve também seis acidentes de automóvel no grupo da escetamina, um dos quais foi fatal. (O uso de escetamina foi ligado a acidentes de automóvel no passado devido aos seus efeitos dissociativos). Mas a FDA considerou que estes acidentes não estavam relacionados com a droga.

A escetamina está também associada a danos na bexiga, ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais. Com certeza, dos que tomam escetamina, uma pessoa morreu de ataque cardíaco, outra morreu de insuficiência cardíaca e pulmonar, e uma pessoa teve uma hemorragia cerebral não fatal. Além disso, aproximadamente 20% das pessoas que tomaram escetamina tiveram problemas de bexiga depois de tomarem a droga.

No artigo atual, Horowitz e Moncrieff observam também que os supostos efeitos “antidepressivos” da escetamina são indistinguíveis da “alta” que os utilizadores recreativos experimentam quando usam cetamina.

Horowitz e Moncrieff escrevem:

“Não é claro como se pode distinguir a euforia induzida por drogas e os efeitos antidepressivos. Jauhar argumenta que é a persistência do efeito que o marca como “antidepressivo”, mas, tal como descrito acima, os ensaios com escetamina não confirmam a ocorrência de um efeito clinicamente relevante”.

Em conclusão, a escetamina falhou em cinco dos seus seis ensaios e tem efeitos adversos graves. Causa problemas de bexiga em pelo menos 20% dos que tomam o fármaco. Está também ligada ao aumento do suicídio e dos acidentes de automóvel, entre outros danos.

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Horowitz, M. A., & Moncrieff, J. (2021). Esketamine: Uncertain safety and efficacy data in depression. The British Journal of Psychiatry, 219(5), 621-622. DOI: https://doi.org/10.1192/bjp.2021.163 (Link)

O Consentimento Informado Deve Refletir Informação dos Fóruns de Retirada disponíveis Online

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Como observa a psiquiatra Grace Jackson em seu livro de 2005,  Rethinking Psychiatric Drugs: A Guide for Informed Consent (Repensando as Drogas Psiquiátricas: Um Guia para o Consentimento Livre e Esclarecido), o potencial de consentimento livre e esclarecido para permitir uma escolha significativa do paciente “deve depender logicamente” de “um fornecimento de informações adequadas”. À medida que o conhecimento sobre a retirada de medicamentos psiquiátricos se acumula em fóruns on-line, torna-se cada vez mais crítico para os prescritores fornecer essa informação aos pacientes. Se os prescritores não o fizerem, eles não fornecerão o consentimento informado.

Infelizmente, os prescritores normalmente não utilizam o conhecimento on-line, e as suas próprias fontes de informação são muitas vezes inadequadas. Essas fontes incluem ensaios clínicos aleatórios de psicotrópicos, metodologicamente deficientes, e as diretrizes, declarações e processos suspeitos das empresas farmacêuticas e do estabelecimento médico. Confiando nestas fontes, os prescritores têm uma compreensão potencialmente incompleta e talvez distorcida da retirada das drogas prescritas.

Para corrigir esta situação, é essencial, como sugere Jackson, responsabilizar os prescritores quando eles falham, inadvertidamente ou intencionalmente, para fornecer aos pacientes informações precisas sobre a retirada. Também é essencial continuar a familiarizar os prescritores com a riqueza de material disponível nos fóruns de retirada on-line, trazendo tais informações para a prática clínica psiquiátrica. Somente então “os clínicos e pacientes serão livres para participar da troca de um consentimento autenticamente informado para o atendimento”.

Uma salvaguarda historicamente imperfeita

No campo da psiquiatria, há muito tempo o relacionamento paciente-clínico apresenta um processo anêmico de consentimento livre e esclarecido. Quando, em um workshop em 1991, David Cohen apresentou um modelo detalhado de consentimento livre e esclarecido para uso na prescrição de medicamentos psiquiátricos, pacientes e ex-pacientes responderam “que nem um único ponto mencionado no formulário foi discutido com eles por seus médicos prescritores”.

Essa deficiência tem sido difícil de ser superada. Reconhecendo a persistência do problema, Cohen and David Jacobs lançaram uma versão revisada desse formulário em 2015 e novamente defenderam um processo de consentimento livre e esclarecido mais genuíno. Embora o processo seja rotineiramente enfraquecido pela falha dos prescritores em fornecer informações abrangentes sobre muitos aspectos do uso de medicamentos psicotrópicos, a falta de informações transmitidas sobre a retirada é particularmente gritante. Em 2018, um repórter do New York Times descreveu quantos indivíduos que estão tentando deixar de tomar as drogas prescritas experimentaram “sintomas de abstinência dos quais nunca foram avisados”.

Da mesma forma, em 2020, o pesquisador John Read, pesquisando 3200 pessoas sobre antidepressivos na Nova Zelândia e internacionalmente, descobriu “que apenas 1% se lembrava de ter sido informado sobre os efeitos da abstinência quando os medicamentos foram receitados pela primeira vez”.

O problema não se limita à conversa inicial sobre o medicamento, mas continua mesmo quando os pacientes, tentando descontinuar um medicamento, relatam a sua angústia a um prescritor.

Seja o resultado de decisões intencionais ou a simples falta de conhecimento, a falha generalizada dos prescritores em fornecer informações sobre a retirada durante o consentimento livre e esclarecido é profundamente preocupante. Para contestar o status quo, os defensores devem olhar para as exigências legais do consentimento livre e esclarecido.

A evolução da lei relativa ao consentimento livre e esclarecido apoia uma maior divulgação

A legislação federal e estadual (Estados Unidos) relativa ao consentimento livre e esclarecido fornece uma ferramenta fundamental para garantir que os prescritores eduquem os pacientes sobre os riscos da abstinência associados à medicação psiquiátrica. Embora a lei relativa ao consentimento livre e esclarecido difira em certa medida de estado para estado, a direção que a jurisprudência vem tomando deve beneficiar os pacientes.

Nos Estados Unidos, o dever de dar o consentimento livre e esclarecido originalmente poderia ser adequadamente realizado, se os médicos simplesmente compartilhassem informações que aqueles em sua profissão costumam revelar. Entretanto, no caso seminal de 1972, Canterbury vs. Spence, o Tribunal de Apelação dos EUA para o Distrito de Columbia rejeitou essa norma. Em vez disso, o Tribunal exigiu que os médicos revelassem todas as informações que um “paciente razoável” gostaria de saber antes de se submeter ao tratamento em questão.

Embora continue havendo variação por jurisdição quanto ao que deve ser divulgado, os tribunais (Estados Unidos) agora reconhecem amplamente esta norma. As informações sobre a retirada devem ser divulgadas, mesmo que essas informações não derivem de fontes nas quais os médicos tradicionalmente tomam como referência.

Desde Canterbury, os tribunais estaduais e federais têm interpretado as suas exigências em relação ao consentimento livre e esclarecido. Nesses casos, vemos a evolução da lei de maneiras que poderiam preparar melhor os pacientes para tomar decisões de tratamento. A jurisprudência aplicável aos prescritores de Massachusetts fornece exemplos de tal progressão.

Em sua decisão de 1982 no Harnish v. Children’s Hospital Medical Center, a mais alta corte de Massachusetts exigiu que, durante o consentimento livre e esclarecido, os médicos revelassem: a condição sendo tratada, o tipo e a probabilidade dos riscos do tratamento proposto, os benefícios razoavelmente esperados, a incapacidade do médico de prever resultados (se verdadeiros), qualquer irreversibilidade do tratamento, resultados sem tratamento e alternativas disponíveis (incluindo riscos e benefícios).

Concordando com o Tribunal de Recursos de D.C., o Tribunal de Massachusetts decidiu que o fato de outros na profissão não fornecerem informações não é uma defesa para reclamações de violação do consentimento livre e esclarecido.

O Tribunal de Harnish rejeitou especificamente a norma legal que estava sendo aplicada naquele momento em outras jurisdições que os médicos precisam “divulgar … somente as informações que são habitualmente divulgadas por médicos em circunstâncias similares”.

Concluindo que esta regra não oferecia proteção suficiente ao paciente, o Tribunal exigiu, ao invés disso, que os médicos informassem todas as informações médicas significativas que o médico possui ou deveria razoavelmente possuir que sejam materiais para uma decisão inteligente do paciente – se deve ou não se submeter a um procedimento proposto.

A informação que um médico razoavelmente deve possuir é aquela que o médico médio qualificado ou, no caso de uma especialidade, o médico médio qualificado que pratica aquela especialidade. (Ênfase acrescentada).

Posteriormente, o Tribunal ampliou a aplicação da nova exigência de consentimento livre e esclarecido dos médicos a todos os provedores médicos.

Seis anos mais tarde, em Kissinger v. Lofgren, o Tribunal de Apelações dos EUA para a Primeira Circunscrição adotou a análise Harnish. Revendo o padrão de consentimento livre e esclarecido no contexto da cirurgia, o Tribunal de Apelações procurou o que “é conhecido ou deveria ser razoavelmente conhecido por todos os médicos que realizam esse tipo de operação”.

Essas decisões significam que um prescritor de Massachusetts deve revelar informações pertinentes a uma retirada que um prescritor qualificado médio sabe ou deveria saber razoavelmente, mesmo que o prescritor ou os colegas do prescritor não costumem rotineiramente revelar tais informações. Fazer o mesmo trabalho inadequado que outros fazem é insuficiente.

Como o conteúdo dos fóruns on-line cada vez mais se torna uma psiquiatria convencional, inclusive nas formas discutidas em meu post anterior, torna-se mais fácil concluir que um prescritor médio deve saber sobre os riscos da retirada. Os fóruns de abstinência on-line documentam amplamente uma variedade de riscos, de vários graus de severidade, associados à descontinuação de medicamentos psiquiátricos. Tais informações estão prontamente disponíveis e, portanto, devem ser divulgadas durante o consentimento livre e esclarecido.

A lei atual pode não garantir a divulgação suficiente dos riscos de abstinência

Embora os atuais requisitos legais de consentimento livre e esclarecido e a crescente acessibilidade de informações on-line favoreçam uma discussão robusta sobre a retirada ao prescrever medicamentos psiquiátricos, a divulgação de riscos de retirada permanece incomum. Parece improvável que a atual jurisprudência, por si só, resolva este problema.

A persistente recusa dos prescritores psiquiátricos em revelar as novas evidências importantes sobre o consentimento livre e esclarecido, a disponibilidade de tratamentos alternativos, fornece motivo para ceticismo.

Em um artigo de 2015 sobre o dever de um médico prescritor de revelar tratamentos alternativos mais seguros aos psicotrópicos, a professora de direito Rita Barnett-Rose observa que os médicos muitas vezes não divulgam todas as informações que um “paciente razoável” gostaria de saber sobre este assunto. “Os médicos prescritores raramente revelam qualquer opção de tratamento alternativo mais seguro aos medicamentos psicotrópicos, mesmo quando há provas persuasivas de que tais alternativas mais seguras existem”.

Ela cita, como exemplo de tal “evidência persuasiva” negligenciada, ensaios clínicos aleatórios e controlados por placebo que a TDAH poderia ser mais bem tratada com uma mudança de dieta do que com medicamentos.

Além disso, os tribunais não fornecem uma solução para as omissões dos prescritores, explica Barnett-Rose. Quando estas falhas chegam aos tribunais, os juízes se recusam a aplicar o mais novo padrão legal:

Decisões em jurisdições razoáveis de pacientes são frequentemente indistinguíveis das jurisdições da comunidade médica, e muitas vezes simplesmente adiam ao médico ou à própria comunidade médica para determinar quais alternativas são “razoáveis” ou “disponíveis” para o paciente, independentemente dos interesses do próprio paciente. Isto, por sua vez, limita severamente a divulgação.

O resultado é que há pouco incentivo para que os prescritores mudem seus hábitos.

Assim como os prescritores continuam a ignorar, apesar do surgimento de novos estudos, provas relativas a modalidades alternativas de tratamento, os prescritores podem muito bem ignorar as provas relativas ao risco de retirada, mesmo quando confrontados com provas de fóruns on-line e pesquisas clínicas emergentes. Este já parece ser o caso.

Os prescritores podem tomar conhecimento da atenção dos tribunais para informações de retirada online em processos contra empresas farmacêuticas.

Enquanto alguns pacientes prejudicados por medicamentos psiquiátricos buscam mover processos judiciais de consentimento livre e esclarecido contra prescritores, outros têm buscado uma compensação de reembolso dos fabricantes de medicamentos. Os prescritores relutantes em reconhecer novas informações relativas a efeitos de retirada poderiam tomar conhecimento de referências, em tais litígios contra empresas farmacêuticas, a partir das novas evidências retiradas de fontes on-line.

Tradicionalmente, os demandantes que processam empresas farmacêuticas por tais danos tendem a confiar em provas do que essas empresas sabiam sobre os riscos de seus produtos (frequentemente de seus próprios estudos), mas não reveladas ao público.

Como Rachel Aviv explica no The New Yorker, tal litígio se concentra em revelar que “[i] os registros internos dos fabricantes farmacêuticos mostram que as empresas estavam cientes do problema da retirada”. Os registros poderiam demonstrar que essas empresas “administram seus estudos e gerenciam seus dados [de forma a] suprimir informações vitais sobre danos e resultados obscuros que os implicariam”.

Além disso, os queixosos frequentemente argumentam que os fabricantes de medicamentos buscam a publicação seletiva e tendenciosa de ensaios clínicos e/ou se envolviam em marketing enganoso. Os tribunais aceitam evidências de todos esses tipos.

Todas essas fontes probatórias continuam sendo importantes, mas os autores que processam as empresas farmacêuticas em relação aos efeitos de retirada têm agora uma fonte adicional de prova do que é comumente conhecido enquanto um fórum de medicamentos on line. Por exemplo, no processo Fisher vs. SmithKline Beecham Corp., uma decisão de 2009 relativa ao risco de suicídio da Paxil, um tribunal distrital dos EUA em Nova York observou que o autor da ação usou a Internet para procurar informações relativas à Paxil para determinar os fatos sobre os quais a ação legal pode ser baseada.

Da mesma forma, em Saavedra et al. v. Eli Lilly & Co., os autores confiaram nos fóruns da Internet como fonte de autoridade para sua queixa no tribunal distrital de 2012, alegando que “Em resposta às práticas enganosas e ilegais de marketing da Lilly, uma comunidade de antigos e atuais usuários da Cymbalta surgiu para fornecer apoio mútuo e orientação para lidar com a retirada da Cymbalta”.

Assim como os demandantes podem buscar informações acumuladas em fóruns de retirada on-line para apoiar seus argumentos em litígios contra empresas farmacêuticas, também os demandantes que levantam tais reclamações contra os prescritores podem. Em ambos os casos, os peticionários podem argumentar que os réus sabiam de tais efeitos, mesmo que continuem a promover medicamentos. Afinal, esta informação não está escondida nos arquivos das empresas farmacêuticas, mas está claramente disponível para todos verem, online.

É necessário agir para efetivar um consentimento livre e esclarecido significativo

Dado o atual potencial incerto para a aplicação bem-sucedida das leis de consentimento livre e esclarecido em foros judiciais, aqueles que procuram assegurar que os prescritores revelem totalmente os riscos de retirada devem buscar proteções adicionais aos pacientes.

Uma fonte potencial de proteção é a orientação de organizações médicas profissionais. Elaboradas por médicos que pensam no futuro, estão surgindo diretrizes que requerem discussão sobre a retirada durante o consentimento livre e esclarecido. Os padrões profissionais recentes incluem a orientação colaborativa para Terapeutas Psicológicos e as Diretrizes Clínicas sobre Depressão em Adultos do National Institute for Health and Care Excellence do Reino Unido (atualizadas em 2019 para tratar dos efeitos da retirada).

Entretanto, o público para estes novos padrões permanece limitado. É necessária uma orientação para os prescritores psiquiátricos dos EUA.

Além disso, os defensores devem buscar diretrizes públicas para reforçar a exigência de divulgação de informações de retirada como um elemento essencial do consentimento livre e esclarecido. Os defensores podem buscar tais mandatos através de estatutos estaduais, regulamentos, políticas e modelos de formulários de consentimento livre e esclarecido. Esses tipos de disposições não existem em muitos estados (Estados Unidos).

Por exemplo, em Massachusetts, além da jurisprudência, a autoridade relevante em relação ao consentimento livre e esclarecido para medicamentos psiquiátricos é extremamente limitada. Os estatutos e regulamentos estaduais relativos ao consentimento livre e esclarecido não abordam explicitamente o tópico da retirada, incluindo aqueles que se aplicam especificamente ao tratamento com medicação com antipsicóticos.

Por exemplo, um estatuto que dita a administração de medicação psicotrópica aos residentes de estabelecimentos de tratamento de longa duração, Mass. Gen. L. ch. 111, §72BB, somente exige a divulgação durante o consentimento informado de “qualquer efeito ou efeito colateral conhecido”.

As políticas relevantes das agências de Massachusetts tendem a ter um escopo restrito e prestam pouca atenção à retirada.  Uma diretriz do Departamento de Saúde Pública de Massachusetts (DPH) para o uso de psicotrópicos em instalações de cuidados de longo prazo, promulgada de acordo com o §72BB, exige o uso de um formulário que verifique que “riscos” de tratamento foram discutidos com o paciente.

Entretanto, a diretriz minimiza tais “riscos” e os associa à administração de medicamentos, ao invés de sua descontinuidade: “Estes riscos podem variar; e é possível que poucas ou nenhumas consequências adversas possam ocorrer se a medicação for administrada”. Além disso, o formulário não contém nenhuma exigência de que um prescritor discuta dificuldades associadas à descontinuidade da medicação.

Da mesma forma, a Política # 14-01 do Departamento de Saúde Mental de Massachusetts (DMH), Educação sobre Medicamentos, Avaliação de Capacidade e Consentimento Informado para Medicamentos Psiquiátricos, que se aplica a todas as instalações e programas hospitalares e ambulatoriais operados e contratados pelo DMH, nos quais medicamentos psiquiátricos são prescritos, instrui os prestadores a “abordar o desenvolvimento de quaisquer reações adversas relacionadas ao uso de medicamentos psiquiátricos” durante o prhttps://www.madinamerica.com/mia-manual/model-consent-form-psychiatric-drug-treatment/ocesso de consentimento livre e esclarecido, mas não exige que os prescritores forneçam informações relevantes em relação a dependência, dependência e/ou problemas de abstinência.

Existem bons modelos para orientar a reforma legislativa, regulatória ou sub-regulatória. O formulário de consentimento livre e esclarecido de Cohen e Jacobs para tratamento de medicamentos psiquiátricos, discutido acima, contém o tipo de linguagem referente a dependência e retirada que todos os prescritores devem incluir durante o processo de consentimento livre e esclarecido. Vale a pena citar longamente o formulário:

Fui informado, se me foi prescrito um tranquilizante como Xanax ou Klonopin e tomo regularmente por mais de três ou quatro semanas, que corro o risco de me tornar fisicamente dependente do mesmo. Terei então uma boa chance de experimentar insônia e ansiedade, e muitas outras sensações desagradáveis, quando eu tentar parar a droga, ou mesmo enquanto eu continuar a tomá-la. Entendo que estas drogas não são agentes anti-ansiedade ou indutores do sono eficazes, após algumas semanas de uso. Percebo que algumas pessoas são incapazes de se retirar e, portanto, devem suportar permanentemente as consequências do uso diário.

Entendo que é provável que a droga provoque vários efeitos desagradáveis quando eu parar de tomá-la, especialmente se eu parar muito de repente. Entendo que embora as reações de abstinência sejam sistematicamente ignoradas no tratamento ou pesquisa de drogas psiquiátricas, elas podem representar a pior parte de todo o meu episódio de consumo de drogas. Entendo ainda que essas reações muitas vezes se assemelharão aos sintomas originais para os quais a droga me foi prescrita, e provavelmente serão tomadas para um retorno desses sintomas (uma “recaída”), e não para efeitos de abstinência. Percebo que meu médico ou o pesquisador provavelmente interpretará essas reações como um sinal de que minha “doença” é crônica e que meu medicamento é “eficaz”.

Também entendo que uma vez que estou tomando drogas há meses ou anos, terei muita dificuldade para encontrar um profissional de saúde que me ajude a me retirar com prudência e segurança das drogas, se assim o desejar.

O clínico geral do Reino Unido Bryan McElroy e a Benzodiazepine Information Coalition também criaram modelos de consentimento livre e esclarecido.

Um estado exige o uso de um modelo específico de consentimento livre e esclarecido que trate do tema da dependência. O Departamento de Serviços de Saúde do Wisconsin emprega um formulário de consentimento livre e esclarecido para Ativan que descreve explicitamente o potencial de dependência física e psicológica. Entretanto, este formulário se aplica apenas ao atendimento de indivíduos com deficiências intelectuais em instalações de cuidados intermediários que atendem indivíduos com deficiências intelectuais e não a uma população mais ampla.

A reforma deve incluir mudanças legislativas para melhor obrigar os prescritores a discutir todos os riscos de medicamentos, incluindo o potencial para efeitos de retirada.  Um projeto de lei atualmente apresentado em Massachusetts é um bom começo. Conhecida como “Benzo Bill“, ela exige, entre outras ações, que os profissionais que prescrevem benzodiazepínicos e hipnóticos não-benzodiazepínicos usem um formulário DPH de Massachusetts para obter o consentimento informado por escrito de um paciente.

O formulário incluiria informações sobre uso indevido e abuso de medicamentos, bem como sobre os riscos de dependência, dependência e uso a longo prazo. (O projeto de lei poderia ser melhorado listando explicitamente os efeitos de retirada entre estes tópicos). O projeto de lei também estabelece uma comissão “para estudar protocolos para interromper com segurança o uso de benzodiazepinas e hipnóticos não-benzodiazepínicos e minimizar os sintomas de abstinência do paciente”.

Os defensores podem considerar propostas legislativas que vão ainda mais longe. O professor Barnett-Rose oferece uma proposta. Dada a falha dos tribunais, incluindo aqueles com “padrões razoáveis de pacientes”, em exigir que os médicos revelem tratamentos alternativos mais seguros, ela sugere que “os legisladores adotem disposições de consentimento livre e esclarecido baseadas em dignidade que assegurarão melhor tanto a revelação adequada pelos médicos de tratamentos alternativos à medicação psicotrópica quanto o fornecimento de um remédio real para os pacientes no caso de uma violação por parte do médico”.

Como ela explica, um “modelo baseado em dignidade” é aquele que reconhece que privar um paciente de informação por si só constitui uma perda real: a perda da autonomia individual e o direito de determinar o que deve ser feito com o próprio corpo. Para a Barnett-Rose, um remédio eficaz e apropriado requer responsabilidade não apenas por violações do consentimento livre e esclarecido que resultem em danos, mas também por violações onde não ocorram danos reais.

Há uma série de maneiras de encorajar a divulgação de riscos de retirada durante o consentimento livre e esclarecido. Os defensores devem buscar normas que referenciem especificamente os efeitos de retirada como um tópico obrigatório durante o processo. Os defensores devem considerar a utilidade de ferramentas práticas, incluindo protocolos e formulários de consentimento livre e esclarecido. Eles podem avaliar quais recursos as agências públicas e de saúde mental podem contribuir. Eles devem pensar em ampliar as circunstâncias nas quais um reclamante pode ser capaz de buscar recurso da forma sugerida pela Barnett-Rose.

Finalmente, os redatores devem abraçar a sabedoria dos pacientes/sobreviventes psiquiátricos que têm lutado com a retirada e a construção de respostas on-line pelos pares.

Conclusão

As informações relativas à retirada de medicamentos psiquiátricos em sites on-line são totalmente relevantes para a prática psiquiátrica atual. Devemos buscar maneiras de acessar e legitimar sistematicamente estas informações. Ao mesmo tempo, devemos pressionar para que estas informações sejam incluídas nas discussões de consentimento livre e esclarecido entre prescritores e pacientes, usando todas as ferramentas disponíveis para tal. Finalmente, devemos reconhecer as deficiências no processo de consentimento livre e esclarecido e ser criativos nas formas de remediar essas deficiências.

Recursos:

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A Hipocrisia da Investigação Compartilhada de Tomada de Decisão que não é Inclusiva

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Em uma nova peça publicada no Psychiatric Services, Magenta Simmons e colegas discutem a necessidade de melhor pesquisa em torno de classes diversas e protegidas em modelos de tomada de decisão compartilhada (SDM) de saúde mental.

Os modelos SDM giram em torno de clínicos e usuários de serviços que tomam decisões sobre saúde mental juntos com base nas melhores evidências disponíveis e na experiência vivida pelo usuário do serviço. De acordo com os autores, a maioria das pesquisas em torno do SDM é realizada em países ricos com participantes com acesso desproporcional aos recursos, em comparação com as médias globais. Há também barreiras na pesquisa psiquiátrica ao examinar classes protegidas, como pessoas involuntariamente confinadas.

A ausência destes grupos na literatura da pesquisa significa que há muito menos informações boas nas quais eles podem basear suas decisões sobre saúde mental, tornando sua participação nos modelos de SDM desnecessariamente difícil. Eles escrevem:

“Os participantes de todas as experiências eram na sua maioria homens brancos de meia-idade de países de alta renda. Este estreito limite demográfico limita o quanto os pesquisadores sabem sobre se o SDM funciona para outros grupos. No entanto, o problema vai muito mais fundo do que isso. A evidência que os pesquisadores usam para alimentar as intervenções da SDM e informar as decisões de tratamento é prejudicada pela mesma questão de não representatividade. Maximizar a relevância das intervenções SDM requer o uso consistente de práticas de pesquisa inclusivas”.

Pesquisas anteriores apontaram uma divisão entre a forma como os usuários dos serviços e os clínicos entendem a psicose. Por exemplo, onde psiquiatras e outros profissionais médicos tendem a endossar causas biogenéticas, os usuários dos serviços endossam todo tipo de crenças causais, desde questões espirituais até questões relacionadas a substâncias. Da mesma forma, pesquisas têm mostrado que enquanto os profissionais de saúde mental tendem a apoiar causas biogênicas para sintomas de saúde mental, os usuários de serviços tendem a endossar as psicossociais. Estas diferenças nas crenças causais em torno dos sintomas podem prejudicar a aliança terapêutica e impedir a cura.

Devido à diferença de poder entre clínicos e usuários de serviços, estes diferentes entendimentos causais tendem a ver a experiência do usuário do serviço ignorada em favor do conhecimento do clínico. Este fenômeno de não levar uma pessoa a sério é chamado de injustiça epistêmica.

Pesquisas têm mostrado que receber um diagnóstico psiquiátrico pode levar a uma injustiça epistêmica onde o usuário do serviço é desacreditado com base apenas em seu diagnóstico. Entretanto, mesmo pesquisadores que são críticos na aplicação do conceito de injustiça epistêmica a usuários de serviços “delirantes” disseram que esta questão provavelmente aparece em outras áreas da saúde mental, particularmente em torno de crianças e jovens. Ou seja, tendemos a desacreditar essas pessoas devido à sua idade. Os usuários de serviços têm detalhado o quão devastador pode ser quando suas decisões de saúde mental são baseadas na opinião de um psiquiatra e não em sua própria experiência vivida.

Os modelos SDM são uma tentativa de combater a injustiça epistêmica, envolvendo tanto o clínico quanto o usuário do serviço nas decisões sobre a saúde mental. Pesquisas têm demonstrado que expor os clínicos às experiências vividas dos usuários de serviços no início de seu treinamento pode melhorar as práticas de SDM. No entanto, as disciplinas-psi têm lutado para implementar as práticas de SDM. Por exemplo, muitos usuários de serviços têm se sentido coagidos pelos clínicos a tomar antipsicóticos, e muitos clínicos ainda consideram não tomar esses medicamentos como moralmente irresponsável e tolo.

A pesquisa atual questiona a falta de amostras representativas relacionadas à pesquisa SDM. De acordo com os autores, a maioria das pesquisas da SDM ocorre em países ricos ocidentais, excluindo assim pessoas de diversas origens raciais e culturais. Além disso, devido a uma obrigação ética de proteger certos grupos do risco da pesquisa, pessoas com capacidade cognitiva limitada e aquelas que são confinadas involuntariamente raramente são incluídas na pesquisa psiquiátrica.

Ao invés de proteger esses grupos, o resultado dessas práticas é marginalizá-los ainda mais, excluindo suas vozes e experiências da pesquisa. Além disso, como eles não estão representados no estudo, encontrar informações confiáveis sobre quais intervenções podem funcionar para eles torna-se desnecessariamente difícil.

Os autores argumentam que, como resultado de nossas obrigações éticas para com as classes protegidas, os participantes da pesquisa SDM e a maioria das pesquisas são tipicamente aqueles que esperaríamos ter mais autonomia de decisão. Aqueles sem autonomia de decisão, tais como usuários de serviços involuntariamente confinados, são negados tanto o direito de participar de suas próprias decisões de saúde mental quanto o direito de representação na pesquisa.

Como remédio para estes usuários de serviços a quem é negada a capacidade

de participar nas decisões sobre sua saúde mental, os autores recomendam o uso de diretrizes avançadas para que os usuários de serviços possam tomar decisões por si mesmos antes que estejam em sua maior vulnerabilidade. Entretanto, os mecanismos legais por si só não são suficientes:

“A tomada de decisão que defende os direitos humanos é mais do que ter mecanismos legais eficazes. Ao considerar o tratamento em saúde mental, quase todas as opções vêm com potenciais danos que as pessoas têm o direito de conhecer. No entanto, atualmente a melhor evidência disponível tem sérias limitações devido à estreita proporção da população à qual se aplica”.

Para concluir, os autores imploram aos pesquisadores que encontrem maneiras de incluir populações mais marginalizadas em suas pesquisas com segurança. Se os pesquisadores pudessem incluir mais pessoas desses grupos em suas pesquisas, esses grupos teriam acesso a informações muito melhores nas quais basear suas decisões de tratamento de saúde mental.

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Simmons, M., Farmer, J., & Filia, K. (2021). The Need for Representative Research on Shared Decision Making. Psychiatric Services72(11), 1245–1245. https://doi.org/10.1176/appi.ps.721102 (Link)

A psicoterapia tem um efeito duradouro sobre a depressão – em contraste com os comprimidos para a depressão

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Doctor and patient considering nutritional supplement therapy in medical office

Uma meta-análise de rede foi publicada no mês passado na World Psychiatry mostrando que a psicoterapia tem um efeito duradouro sobre a depressão – ao contrário das pílulas para depressão.

Esta é uma meta-análise importante. Os autores incluíram 81 ensaios randomizados, com 13.722 participantes. A resposta sustentada foi definida como sendo a resposta ao tratamento agudo e, subsequentemente, sem recaída depressiva durante a fase de manutenção (intervalo de 24-104 semanas). Os autores extraíram os dados reportados no tempo mais próximo a 12 meses. A psicoterapia, e a combinação de psicoterapia e comprimidos para depressão, eram melhores que os comprimidos para depressão sozinhos, e melhores que o “tratamento padrão”, com diferenças de risco que variavam de 12 a 16 pontos percentuais.

Infelizmente, os autores, vários dos quais são psiquiatras, tiram uma série de conclusões altamente enganosas. Eles parecem estar tentando defender a indefensável crença prevalecente entre os psiquiatras de que os comprimidos para depressão são bons para as pessoas. Como exemplo, eles sugerem que uma combinação de pílulas e psicoterapia tem mérito, apesar de acharem que as pílulas não acrescentam nada ao efeito da psicoterapia. Além disso, as pílulas expõem os pacientes a sérios danos que podem ser fatais, os quais eles não mencionam.

Há muitas razões pelas quais poderíamos esperar que a psicoterapia seja consideravelmente melhor que as pílulas para depressão a longo prazo.

Primeiro, isto é o que outras metanálises têm mostrado.

Segundo, as pílulas para depressão não têm nenhum efeito clinicamente relevante sobre a depressão. A diferença entre os comprimidos e placebo é de cerca de 2 pontos na escala de classificação de Depressão Hamilton de 52 pontos, mas o efeito clinicamente relevante mínimo nesta escala é de 5-6 pontos (7-8 pontos em análises mais conservadoras, e em um gráfico no artigo original). Isto significa que nem os clínicos nem os pacientes podem dizer a diferença entre a melhoria das pílulas versus placebo.

Na seção Discussão, os autores escrevem que seus “resultados sugerem que a adição de farmacoterapias não interfere com os efeitos duradouros das psicoterapias”. As terapias de combinação seguidas de tratamento discricionário foram tão eficazes quanto as psicoterapias correspondentes (OR=1,08, 95% CI: 0,74-1,56)”.

É enganoso dizer que a adição de pílulas (um tratamento ineficaz) não impediu o efeito duradouro da psicoterapia. Os autores revelam seu viés dizendo que a combinação foi “tão eficaz” quanto a psicoterapia. Eles deveriam ter dito que a adição de um comprimido era ineficaz!

Terceiro, os comprimidos para depressão mudam as funções do cérebro e levam o paciente a um território desconhecido onde o paciente não havia estado antes. Isto é problemático porque não se pode passar de uma nova condição quimicamente induzida de volta ao normal a menos que se afine a droga, e mesmo assim, nem sempre será possível, já que você pode ter desenvolvido danos cerebrais irreversíveis. Em contraste, o objetivo dos tratamentos psicológicos é mudar um cérebro que não está funcionando bem de volta para um estado mais normal.

A Introdução já contém um erro imperdoável. Os autores escrevem que, para os pacientes em remissão, está bem documentado que as farmacoterapias contínuas podem reduzir a taxa de recaídas depressivas na fase de manutenção. Isto não tem sido “bem documentado”. Sabe-se há muitos anos que os chamados estudos de manutenção, que eles citam, são fatalmente falhos porque muitos dos pacientes trocados por placebo sofrem efeitos de abstinência, que podem durar meses ou mesmo anos.

Muitos pacientes do grupo “placebo”, que na verdade é um grupo de abstinência, desenvolverão uma depressão de abstinência. Em um estudo onde pacientes que estiveram em remissão por 4-24 meses tiveram sua terapia de manutenção mudada para placebo por 5-8 dias em um período desconhecido para os pacientes e clínicos, os três sintomas mais comuns de abstinência foram pior humor, irritabilidade e agitação, e 25 dos 122 pacientes em sertralina ou paroxetina preencheram os critérios dos autores para depressão. Em contraste, não seria de se esperar que um único paciente de 122 pacientes ficasse deprimido durante 5-8 dias aleatórios após a psicoterapia.

Os autores mencionam na seção Resultados que, “Em relação à descontinuação de todas as causas, todos os tratamentos pareciam mais aceitáveis do que placebo de pílula”.

Isto não é correto para pílulas para depressão, e ilustra que a meta-análise de sua rede, que se baseou em relatórios de ensaios publicados, foi tendenciosa em favor das pílulas. Um dos autores é a psiquiatra Andrea Cipriani, que foi a primeira autora de uma meta-análise de rede totalmente falsa que comparou diferentes pílulas para depressão. Chamei minha crítica a este trabalho de “Recompensar as empresas que mais enganaram nos ensaios com antidepressivos“.

Outros pesquisadores mostraram, com base nos ensaios que Cipriani et al. haviam incluído, que o tamanho do efeito dos comprimidos para depressão era maior nos ensaios publicados em comparação com os ensaios não publicados (p<0,0001). Eles também demonstraram que o desenho para a retirada do medicamento é defeituoso (o tamanho do efeito era maior em ensaios com “placebo run-in” do que em ensaios sem (p=0,05). Finalmente, eles mostraram que os dados dos resultados relatados por Cipriani et al. diferiram dos relatórios de estudos clínicos em 12 (63%) dos 19 ensaios.

Quando meu grupo de pesquisa estudou a interrupção de todas as causas, não usamos um único relatório de estudo publicado, mas apenas relatórios de estudo clínico que tínhamos obtido das agências médicas europeias e britânicas. Foi um enorme trabalho estudar as interrupções de estudos nos ensaios controlados por placebo. Incluímos 71 relatórios de estudos clínicos, que tinham informações sobre 73 ensaios e 18.426 pacientes. Descobrimos que 12% mais pacientes desistiram durante o uso de drogas do que durante o uso de placebo (p<0,00001).

Este é um resultado extremamente importante. A visão dos psiquiatras é que os comprimidos para depressão fazem mais bem do que mal, mas a visão dos pacientes é o oposto. Os pacientes preferiram placebo, embora alguns deles tenham sido prejudicados por efeitos com a interrupção brusca. Isso significa que as drogas são ainda piores do que as encontradas nos ensaios.

Como tivemos acesso a dados detalhados, pudemos incluir pacientes em nossas análises que os investigadores haviam excluído, por exemplo, porque algumas medidas não haviam sido feitas. Nosso resultado é único e confiável, em contraste com as análises anteriores, utilizando principalmente dados publicados. Por exemplo, uma grande revisão anterior de 40 ensaios (6391 pacientes) informou que as desistências foram as mesmas (risco relativo de 0,99) quando a paroxetina foi comparada com placebo.

A seção Discussão também revela o viés dos autores em relação à terapia medicamentosa. Eles escrevem que, “Eventos raros, mas críticos, como o suicídio, e desvantagens mais comuns, porém sutis, como sintomas de abstinência de antidepressivos, deveriam ser medidos mais sistematicamente e relatados para informar apropriadamente nossas escolhas de tratamento”.

Não são necessários mais dados para “informar apropriadamente nossas escolhas de tratamento”. A verdade simples, mas para os psiquiatras, incômoda é que os comprimidos para depressão não devem ser usados para ninguém. Os comprimidos para depressão duplicam o risco de suicídio em crianças, adolescentes e adultos, enquanto a psicoterapia reduz pela metade futuras tentativas de suicídio em pessoas admitidas após uma tentativa de suicídio. Os autores deveriam ter concluído que pacientes com depressão deveriam ser tratados com psicoterapia e não com pílulas.

Sob Conclusões, os autores escrevem: “Iniciar o tratamento de um episódio depressivo importante com terapias combinadas ou psicoterapias apenas pode levar a incrementos de 12-16% nas taxas de resposta sustentada a um ano, em relação às farmacoterapias protocolizadas ou tratamento padrão em cuidados primários ou secundários”.

Esta afirmação também é enganosa. Os autores deveriam ter dito que isso não ajuda os pacientes a adicionar um comprimido de depressão à psicoterapia, mas os expõe a danos desnecessários, que podem ser fatais, e envolve muitos outros efeitos, por exemplo, distúrbios sexuais em metade dos tratados, que podem se tornar permanentes e persistir depois que a droga tiver sido interrompida.

Os autores também concluem que, “A combinação de psicoterapias com farmacoterapias tem uma vantagem em termos de resposta sustentada, mas tem riscos de efeitos colaterais e sintomas potenciais de abstinência”. Tais combinações podem ser reservadas para aqueles que valorizam um alívio mais rápido ou que podem ser considerados difíceis de tratar”.

Isto é um puro disparate e um desejo, que está em contradição direta com as evidências mais confiáveis que temos. Primeiro, a combinação não tem qualquer “vantagem em termos de resposta sustentada”. Segundo, os comprimidos que não têm efeito clínico relevante não podem proporcionar “alívio mais rápido” do que se os pacientes não os obtiverem. Terceiro, eles não podem ser úteis para aqueles que são “considerados difíceis de tratar”. E por que os pacientes que já estão sofrendo mais devem ser submetidos a ainda mais sofrimento? Os autores estão prestando uma homenagem oral a um paradigma psiquiátrico fracassado, enquanto sugerem aos seus colegas que prejudiquem seus pacientes.

Em uma das primeiras páginas de meu livro mais recente sobre psiquiatria, eu advirto os pacientes: “Se você tem um problema de saúde mental, não consulte um psiquiatra”. É muito perigoso e pode vir a ser o maior erro que você cometeu em toda a sua vida”. A meta-análise atual da rede fornece apoio ao meu aviso.

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Abordagens Filosoficamente Informadas à Saúde Mental Podem Limitar o Sobrediagnóstico de Crianças

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Um novo artigo, publicado na revista Philosophical Psychology, explora a pressão exercida sobre os clínicos de saúde mental para diagnosticar crianças e os diagnósticos falso-positivos que podem surgir dessa pressão. Os benefícios e consequências negativas do diagnóstico da saúde mental são destacados, abordagens categóricas versus dimensionais de diagnóstico são exploradas, e uma abordagem de diagnóstico que permite um maior movimento entre as duas abordagens é oferecida como uma direção futura.

A autora, a filósofa Agnes Tellings, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Radboud, escreve:

“A maioria dos profissionais de saúde mental envolvidos no diagnóstico e tratamento de crianças às vezes sofrem pressão – exercida por pessoas no contexto da criança – para fazer um diagnóstico (particular) mesmo quando a profissional está relutante em fazer esse diagnóstico porque ela acha que pode ser injustificado: os professores pedem a medicação TDAH para os alunos para que eles mostrem um comportamento menos perturbador na sala de aula; os pais pedem um diagnóstico de dislexia para sua filha, para que ela tenha tempo extra ao fazer os exames. Os próprios profissionais às vezes também sentem a necessidade de fazer um diagnóstico para o qual nem todos os critérios são satisfeitos, pois o diagnóstico dará à criança acesso a ajuda”.

A pesquisa que investiga a pressão para que os clínicos façam o diagnóstico de seus clientes é limitada. Entretanto, as pesquisas disponíveis sugerem que, às vezes, os profissionais dão diagnósticos como uma forma de ajudar as crianças, ou os cuidadores da criança, a acessar os recursos necessários.

Os falsos positivos são um produto potencial da pressão diagnóstica e ocorrem quando um indivíduo recebe um diagnóstico de saúde mental que posteriormente é considerado impreciso.

Os relatos destacam as pesquisas atuais sobre falsos positivos:

“Alguns estudos têm sido conduzidos sobre falsos positivos. Bruchmuller, Margraf e Schneider (2012) descobriram que 20% dos 473 psicoterapeutas que trabalham principalmente com crianças e adolescentes deram um diagnóstico de TDAH em uma vinheta de criança quando dois critérios necessários para TDAH não foram cumpridos, e 15% deram tal diagnóstico em uma vinheta enquanto três critérios necessários não se cumpriram”.

A crescente popularização dos transtornos de saúde mental, impulsionada pela internet, mídias sociais e propagandas criadas pela indústria farmacêutica, é uma causa potencial de pressão diagnóstica e diagnósticos errôneos.

As etiquetas diagnósticas frequentemente reificam ou concretizam um comportamento problemático em um transtorno, com a etiqueta descrevendo tanto a condição quanto a causa – por exemplo, “Mohammed foi muito desatento quando o professor explicou a tarefa porque ele tem TDAH”.

Os relatos identificam as vantagens de se obter um diagnóstico, descrevendo como para os pais ou professores, um diagnóstico fornece uma linguagem clara e oferece uma explicação para um conjunto de comportamentos. Ele também pode oferecer acesso a tratamento e apoio educacional. Para a criança, o diagnóstico pode permitir uma sensação de alívio, pois a criança entende que não é culpada por suas dificuldades. No entanto, apesar destes benefícios, as crianças têm expressado ser motivo de gozo mesmo quando seus pares estão cientes de seu diagnóstico.

A exclusão dos colegas e as expectativas mais baixas dos professores têm se mostrado como preocupações relacionadas à obtenção de um diagnóstico. Além disso, mesmo quando recebem rótulos geralmente positivos, como ser talentosa, a maioria das crianças prefere ser “normal”. Assim, os rótulos criam uma divisão entre as crianças diagnosticadas e aquelas sem problemas, bem como aquelas com problemas “normais”. Os rótulos também tendem a aderir ao indivíduo enquanto ele permanece com a pessoa, e às vezes podem vir a definir a pessoa, tanto aos olhos dos outros como a si mesmos. Além disso, pesquisas têm mostrado que os diagnósticos podem se tornar profecias autorrealizáveis – o comportamento da criança se torna mais alinhado com o diagnóstico e é tratado por aqueles em suas vidas como “tendo” este diagnóstico, o que, por sua vez, aumenta o comportamento que corresponde ao diagnóstico, e assim por diante.

Além disso, quando os diagnósticos são dados, outras explicações – como o ambiente ou o contexto do indivíduo – caem no esquecimento. Ademais, diagnósticos incorretos não só levam a questões sociais e estigmatização, mas também são injustos, permitindo a perpetuação do status quo por falta de compreensão de como a sociedade pode estar contribuindo para os problemas da criança, resultando em um mau uso de recursos, afetando negativamente a credibilidade do diagnóstico de profissionais e rótulos de diagnóstico, e impedindo resultados de pesquisas científicas.

As abordagens atuais de diagnóstico são de natureza categórica ou dimensional. Por exemplo, a “bíblia” da psiquiatria, o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM), utiliza em grande parte uma abordagem categórica para o diagnóstico. A partir de uma lente categórica, as pessoas recebem um diagnóstico se tiverem mais do que um certo número de sintomas.

O não cumprimento desse número significa a ausência de diagnóstico, embora ainda possam estar enfrentando problemas. Modelos categóricos têm sido criticados como carentes de evidência de pesquisa, não confiáveis, inconsistentes e “cientificamente sem sentido“. Além disso, se os critérios para receber um diagnóstico forem especialmente frouxos, as pessoas podem ser diagnosticadas de forma imprecisa.

Em um modelo categórico, a mente é reduzida ao cérebro ou ao corpo. Desta perspectiva, as questões de saúde mental são percebidas como transtornos se puderem ser reduzidas a problemas no cérebro. No entanto, a pesquisa desmascarou a ideia de que existe um cérebro “normal”.

Por outro lado, os modelos dimensionais não distinguem uma linha entre as pessoas com e sem transtorno. Em vez disso, os transtornos são vistos ao longo de um espectro que varia de sem transtorno a transtorno. A visão das lutas pela saúde mental como existindo ao longo de um continuum tem mostrado reduzir a percepção da diferença e, como resultado, reduzir o estigma. Entretanto, os modelos dimensionais carecem de clareza, o que pode causar problemas para as decisões políticas relativas ao reembolso do tratamento e são mais obscuros para os profissionais de tratamento navegarem.

Tellings oferece um caminho intermediário, um modelo “categorias-em-dimensões”, que pode ajudar a aliviar a pressão do diagnóstico e, portanto, reduzir os falsos positivos.

Ela descreve o modelo: “Se considerarmos o que agora denominamos transtornos mentais como misturas complexas de fenômenos físicos, aspectos funcionais da biologia humana, aspectos intencionais do comportamento das pessoas, e às vezes aspectos morais do comportamento das pessoas, podemos desenvolver uma abordagem rica de problemas mentais e seu tratamento. O comportamento que agora chamamos de ‘TDAH’ pode ser tratado com medicamentos (postura física), e/ou analisamos como e em que circunstâncias este comportamento é funcional para a criança. Então, podemos ensinar-lhe outros comportamentos e criar circunstâncias nas quais ela possa mais facilmente mostrar tal comportamento”.

O modelo de categorias dentro das dimensões permite maior flexibilidade e dinamismo. Eles incluem tanto os fatores individuais quanto os sociais que contribuem para seus problemas e não são entendidos como fixos ou permanentes.

A abordagem em rede é um exemplo de um desses modelos. Ela usa categorias de diagnóstico no DSM como um ponto de salto e entende os sintomas como causadores e reforçadores um do outro em uma “rede de sintomas”.

Da perspectiva da Abordagem em Rede, “os transtornos mentais não se reduzem nem ao cérebro, nem ao corpo, nem à sociedade, embora sejam uma “coisa discernível”: são redes de sintomas estreitamente conectados e que se reforçam mutuamente”.

O trabalho de Telling enfatiza a importância de se adotar estratégias, como a abordagem em rede, para compreender as lutas com a saúde mental não como estática ou produto da biologia, mas como uma interação dinâmica entre o indivíduo e a sociedade, que opera juntamente com uma gama de severidade que valoriza e apoia aqueles localizados ao longo de todo o espectro que necessitam de ajuda.

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Tellings, A. (2020). Diagnosis pressure and false positives: Toward a nonreductionist, polytomic approach of child mental problems, Philosophical Psychology, 33(1), 86-101. https://doi.org/10.1080/09515089.2019.1698021 (Link)

Investigadores pressionam para acabar com os períodos de placebo em estudos com antidepressivos

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O placebo run-in (PRI) é uma prática comum na pesquisa de antidepressivos. No início de um estudo, todos os participantes recebem o placebo por um período de tempo. Aqueles que se dão bem com o placebo são retirados do estudo. Em seguida, os demais participantes, que não responderam ao placebo, são designados aleatoriamente para receber o medicamento ou placebo para o resto do estudo. Esta prática é projetada para fazer com que a droga ativa pareça melhor, diminuindo o efeito placebo.

Mas em uma nova meta-análise na JAMA Psiquiatry, os pesquisadores criticam esta prática e pedem o fim deste método. Mais importante, eles descobriram que o PRI não realiza um trabalho realmente muito bom para fazer com que os antidepressivos pareçam melhores. Eles escrevem que isto se deve ao fato de grande parte do efeito “antidepressivo” do fármaco ativo ser atribuível ao efeito placebo – portanto, eliminar os que respondem bem aos placebos faz com que ambos os grupos pareçam piores.

A pesquisa foi liderada por Amelia J. Scott na Universidade Macquarie, Austrália. Elas escrevem:

“Esta revisão sistemática e meta-análise fornecem evidências que sugerem que o uso de períodos PRI não tem base científica em ensaios com antidepressivos”. Ao mesmo tempo, os períodos de PRI acarretam inúmeros custos e riscos. Estas descobertas sugerem que o uso de períodos de PRI não deve continuar nos ensaios RCT de antidepressivos”.

Scott e os outros pesquisadores realizaram uma meta-análise de 347 estudos sobre a eficácia dos antidepressivos. Eles descobriram que 174 (50%) utilizaram um período de PRI. Entretanto, apenas 25 desses estudos forneceram uma justificativa para o uso de um PRI. Desses, 22 admitiram que sua razão para um PRI era “identificar e excluir os respondedores placebo”.

Cada estudo excluiu, em média, 9,5% de seus participantes porque eles responderam ao placebo durante o período do PRI.

Como esperado, Scott e os outros pesquisadores descobriram que a resposta ao placebo foi maior nos estudos que não utilizaram um PRI. Entretanto, isto não afetou a diferença entre os grupos porque a resposta do grupo antidepressivo também foi maior nos estudos que não utilizaram um PRI.

Por que isso aconteceu? Os pesquisadores escrevem:

“O uso e o raciocínio por trás dos períodos de PRI destacam um equívoco contínuo de que as respostas placebo não contribuem aditivamente para a melhoria dos sintomas dentro dos grupos de tratamento ativo”.

Um período de PRI não ajuda os antidepressivos a parecerem melhores do que o placebo porque muito do efeito “antidepressivo” do medicamento também se deve ao efeito placebo.

Esta descoberta é consistente com o New England Journal of Medicine study, que descobriu que os medicamentos só superaram o placebo em metade dos testes com antidepressivos. Os pesquisadores têm consistentemente descoberto que a maioria – se não todo o efeito “antidepressivo” dos medicamentos é na verdade apenas o efeito placebo.

Scott e os outros pesquisadores também sugerem que o uso de um período de PRI diminui ainda mais a generalização dos testes antidepressivos – que, argumentam eles, já fazem um trabalho pobre de representar os pacientes que são realmente vistos no mundo real. Além disso, eles escrevem que os critérios de exclusão excessivamente zelosos utilizados nestes estudos, por exemplo, significam que a população estudada não reflete a prática da vida real.

Assim, por razões éticas – e porque o PRI não melhora nem mesmo os resultados que a indústria farmacêutica esperava – eles exigem a sua eliminação.

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Scott, A. J., Sharpe, L., Quinn, V., & Colagiuri, B. (2021). Association of single-blind placebo run-in periods with the placebo response in randomized clinical trials of antidepressants: A systematic review and meta-analysis. JAMA Psychiatry. Published online November 10, 2021. doi:10.1001/jamapsychiatry.2021.3204 (Link)

“Tornar a Psiquiatria Saudável”: Análise de um Folheto da Associação Psiquiátrica Dinamarquesa

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Male hand with stethoscope over black keyboard of laptop

A Associação Psiquiátrica Dinamarquesa tem um folheto de 21 páginas de 2020 no seu website intitulado “Make Psychiatry Healthy” (Tornar a psiquiatria saudável). Uma vez que também considero que a psiquiatria esteja doente, estudei o folheto de perto. Descobri que as sugestões da Associação iriam tornar a psiquiatria mais doente do que já está.

“Durante os últimos 10 anos, uma atenção especial aos transtornos mentais não psicóticos, tais como stress, ansiedade e depressão, resultou num aumento acentuado do número de pacientes psiquiátricos. Podem representar doenças graves, mas infelizmente a economia não acompanhou os desenvolvimentos … De 2009 a 2017, o número de pacientes em tratamento psiquiátrico aumentou de 110.000 para 151.000”.

Não há informação sobre o sobrediagnóstico, embora desempenhe um papel importante para o número crescente de pessoas que recebem um diagnóstico psiquiátrico. Os critérios para fazer um diagnóstico são tão amplos que muitas pessoas saudáveis, provavelmente a grande maioria, poderiam obter um diagnóstico se fossem examinadas para alguns dos muitos diagnósticos com os quais a psiquiatria opera. Esta é também a minha experiência quando peço aos participantes de cursos para experimentarem apenas três testes de diagnóstico diferentes sobre si próprios.

“Literalmente falando, a esquizofrenia, a doença bipolar e as psicoses relacionadas com o abuso de substâncias destroem a mente e privam as pessoas da capacidade de estar com os outros e de se desenrascarem sozinhas. No entanto, demasiados doentes mentais graves são deixados para se defenderem num sistema psiquiátrico com poucos recursos para os doentes em excesso. Vivem vidas significativamente mais curtas do que a média … Alguns representam um perigo para outros. Vários estão em risco para si próprios. Isto reflete-se no elevado número de suicídios e no número de pacientes psiquiátricos forenses, ou seja, doentes mentais condenados a tratamento, que triplicou no período de 2001 a 2014”.

O folheto não diz que uma das principais razões pelas quais os pacientes gravemente doentes vivem vidas substancialmente mais curtas do que outras é o tratamento que os psiquiatras lhes proporcionam, muitas vezes contra a sua vontade. Além disso, os psiquiatras privam frequentemente os pacientes da sua esperança de melhorar, por exemplo, quando dizem que o tratamento médico deve ser vitalício. O elevado número de suicídios deve-se em parte ao fato de os comprimidos para a depressão aumentarem o risco de suicídio, tanto em crianças como em adultos.

Num estudo de registo de 2.429 suicídios, os psiquiatras dinamarqueses mostraram que a admissão numa ala psiquiátrica aumenta 44 vezes o risco de suicídio para pacientes psiquiátricos. Naturalmente, seria de esperar que os pacientes admitidos no hospital estivessem em maior risco de suicídio do que os outros, mas os resultados foram robustos, e a maioria dos potenciais enviesamentos no estudo apoiaram efetivamente a hipótese de que o contato hospitalar é prejudicial. Um editorial de acompanhamento observou que há poucas dúvidas de que o suicídio está relacionado tanto com o estigma como com o trauma, e que é inteiramente plausível que o estigma e o trauma inerentes ao tratamento psiquiátrico – especialmente se involuntário – possam causar suicídio. Os autores acreditam que algumas das pessoas que cometem suicídio durante ou após uma admissão no hospital o fazem devido às condições inerentes a essa hospitalização.

A triplicação de pacientes psiquiátricos forenses poderia dever-se ao fato de demasiados receberem uma sentença de tratamento. Isto tem sido fortemente criticado no debate público, mas os psiquiatras também não escrevem nada sobre isso.

Os psiquiatras afirmam que “74% dos pacientes psiquiátricos forenses receberam tratamento psiquiátrico inadequado no período antes de terem cometido o crime. Alguns dos crimes, que afetam pessoas completamente inocentes, poderiam assim ter sido evitados com um melhor tratamento”.

Estas conclusões baseiam-se em premissas falsas, e não são válidas. Na psiquiatria contemporânea, um tratamento inadequado significa um tratamento médico inadequado. Mas não existem drogas psicotrópicas que possam prevenir o crime, a menos que se torne os pacientes totalmente passivos com doses excessivas de comprimidos de psicose, que eles chamam de se tornar um zumbi. Está bem documentado que as drogas psicotrópicas aumentam o risco de violência. Aquilo que aos olhos dos psiquiatras é “melhor tratamento” irá, portanto, provavelmente aumentar a criminalidade.

“[Nós] médicos somos obrigados a dar alta a pacientes gravemente doentes que não tenham sido tratados adequadamente mais de 25.000 vezes por ano, porque novos pacientes chegam às clínicas. Entre outras coisas, isto é expresso nas elevadas taxas de readmissão quando os ‘pacientes de porta giratória’ voltam a chegar repetidamente, na esperança de um tratamento adequado.”

Há duas razões principais pelas quais os pacientes voltam, mas os psiquiatras não os mencionam. Uma é que os comprimidos para depressão e os comprimidos para psicose têm um efeito tão pequeno que é menos do que o efeito clinicamente relevante mínimo, que os próprios psiquiatras demonstraram. O outro é que os pacientes frequentemente não gostam das drogas devido aos seus danos, e se pararem abruptamente ou fazerem o afunilamento demasiado depressa, podem ter sintomas de abstinência, também chamados sintomas de retirada, o que os torna ainda piores. Estes sintomas assemelham-se frequentemente a transtornos psiquiátricos, e então não é de todo estranho que os pacientes voltem a aparecer. Conduziria a resultados muito melhores a longo prazo e menos pacientes de porta giratória se se optasse pela psicoterapia e outras intervenções psicossociais em vez de medicação.

“O diagnóstico é claro: a psiquiatria está doente. Muito doente. Infelizmente, um tratamento deficiente dos sintomas é o único tratamento que a psiquiatria tem recebido nos últimos anos. Isto não pode continuar. A psiquiatria precisa de um plano de tratamento político a longo prazo. Um plano de tratamento que reforce a psiquiatria e os esforços para as pessoas e famílias afetadas por doenças mentais. Um plano de tratamento que assegure um tratamento adequado e digno para todos os que dele necessitam. Um plano de tratamento que torne a psiquiatria saudável”.

Claro, a psiquiatria está muito doente, mas a culpa é dos próprios psiquiatras, e a solução não é mais do mesmo, o que só iria piorar a situação. Em todos os países onde esta relação foi estudada, existe uma correlação clara entre o quanto a população é tratada com medicamentos psicotrópicos e a atribuição de pensões por invalidez devido a transtornos psiquiátricos. A medicina torna difícil o funcionamento das pessoas. Quão difícil pode ser? O tratamento deficiente dos sintomas de que os psiquiatras falam não se aplica à psiquiatria, mas é precisamente o tipo de tratamento que os psiquiatras dão aos pacientes!

“O número de camas psiquiátricas deve ser acentuadamente aumentado. Os doentes mentais sérios devem poder ser admitidos e permanecer hospitalizados quando a sua doença o exigir, e a taxa de readmissão nas seções mais tensas deve ser reduzida. Como vários projetos-piloto demonstraram, mais camas e mais pessoal podem reduzir o uso de coerção e podem reduzir o uso de drogas psicotrópicas para o indivíduo. Isto causará menos efeitos secundários e, portanto, um tratamento mais eficaz a longo prazo”.

Mais camas podem bem reduzir o uso de coerção e medicação, mas é especialmente importante que haja camas suficientes que os pacientes possam administrar eles próprios. Podem necessitar de um pouco de descanso e alívio durante um período de stress agudo, o que pode impedir que a condição evolua para uma psicose. Um psiquiatra sueco escreveu a este respeito: “Ser tratado humanamente é difícil na psiquiatria de hoje. Se entrar em pânico e procurar uma sala de emergência psiquiátrica, ser-lhe-á provavelmente dito que precisa de medicação, e se a rejeitar e disser que apenas precisa de descanso para se recolher, poderá ser-lhe dito que o serviço não é um hotel”.

“A capacidade de tratamento ambulatorial deve ser significativamente aumentada”.

O resultado disto depende inteiramente do fato de se tornar mais do mesmo, ou uma psiquiatria completamente diferente, onde a ênfase é colocada na psicoterapia e outras intervenções psicossociais. Isso dificilmente será o caso porque as clínicas ambulatórias são geridas por psiquiatras.

“O tempo de espera para ofertas de alojamento deve ser significativamente reduzido, e a qualidade deve ser aumentada. O tempo de espera pode exceder 12 meses para uma oferta de alojamento onde os doentes mentais graves que necessitam de apoio e ajuda diária são deixados para se defenderem. Ninguém com uma doença mental grave deve ser despejado na rua”.

Só se pode concordar com isso. Mas os esforços nas instalações de alojamento devem mudar radicalmente. Muitos residentes são incapazes de funcionar porque estão a tomar demasiados medicamentos.

“Os cursos de tratamento para doentes mentais devem ser baseados nas dificuldades e recursos individuais do doente. Diferenças individuais significativas nos cursos e necessidades da doença tornam os pacotes de tratamento e as garantias de tratamento ineficazes. ”

Sim, em grande medida. As garantias de tratamento podem ser úteis se tiver partido uma perna ou tido um coágulo de sangue e precisar de ser tratado e reabilitado sem demora injustificada. Mas os transtornos mentais são tão individuais que não são de todo adequados para pacotes de tratamento.

Em 15 de Novembro de 2016, fui convidado para uma reunião no Parlamento, “Audição sobre crianças sem comprimidos”, que foi apresentada da seguinte forma: “Cada vez mais crianças acabam em psiquiatria”. Isto é correto para algumas crianças, mas muitas poderiam ter sido ajudadas muito melhor mais cedo e com outros esforços. Vamos desenvolver em conjunto recomendações nesse sentido”. Os psiquiatras de crianças e adolescentes concordaram que os pacotes de tratamento são completamente inapropriados. É incrivelmente importante evitar que uma doença mental incipiente se transforme em algo muito pior, e algumas crianças precisam de um esforço muito maior do que outras. Poderia poupar muito dinheiro, também para a aposentadoria antecipada mais tarde, se fossem disponibilizados recursos para dar a estas crianças o apoio de que necessitam, que não são drogas, mas intervenções psicossociais.

“As diretrizes nacionais para o tratamento de doenças psicóticas graves e depressão precisam de ser atualizadas … As diretrizes nacionais reforçarão tanto os direitos dos doentes, como a segurança dos doentes e a qualidade do tratamento em psiquiatria”.

As questões mais importantes em relação aos direitos dos doentes, à segurança dos doentes e à qualidade do tratamento não são mencionadas. A Dinamarca ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que estipula que os doentes mentais não devem ser discriminados: “Os Estados Partes devem abolir políticas e disposições legislativas que permitam ou perpetuem o tratamento forçado, uma vez que se trata de uma violação contínua encontrada nas leis de saúde mental em todo o mundo, apesar das provas empíricas que indicam a sua falta de eficácia e das opiniões das pessoas que utilizam sistemas de saúde mental que sofreram dores e traumas profundos em resultado do tratamento forçado”.

Também não é mencionado que os benzodiazepínicos (comprimidos para dormir ou sedativos) em ensaios aleatórios mostraram melhor efeito do que os comprimidos de psicose em psicose aguda. Em 14 ensaios que os compararam, a sedação desejada ocorreu significativamente mais frequentemente com benzodiazepinas, e quase todos os pacientes relatam que preferem obter uma benzodiazepina se se tornarem novamente psicóticos agudos. No entanto, os psiquiatras não respeitam os desejos dos pacientes. Através da Lei da Liberdade de Acesso, tivemos acesso a documentos em 30 casos consecutivos em que os pacientes se queixaram da medicação forçada à Câmara Nacional de Recurso. Nós mostramos que a lei tinha sido violada em cada um dos casos.

“Especificamente, a Associação Psiquiátrica Dinamarquesa recomenda que a psiquiatria deve ser avaliada com base em:

Expectativa de vida dos pacientes correspondente ao resto da população.
Permanência na educação ou no mercado de trabalho.
Diminuição do número de suicídios.
Diminuição do recurso à coerção.
Diminuição do número de pacientes psiquiátricos forenses.
Diminuição do número de sem-abrigo doentes mentais.
Diminuição do uso de recursos policiais para doentes psiquiátricos.
Reforço das bases de dados clínicos”.

Estas são medidas de efeito muito bom. Se utilizadas na psiquiatria contemporânea, terão de concluir que não funcionam mas que pioram a situação para os pacientes, devido ao uso excessivo de medicação e coerção.

“A psiquiatria deve tornar-se uma parte mais proeminente da educação médica básica. O número de semanas de ensino em psiquiatria deve ser substancialmente aumentado … Uma melhor compreensão entre os médicos em geral das doenças psiquiátricas também contribuirá para aumentar a esperança de vida dos pacientes psiquiátricos”.

Sob o atual paradigma psiquiátrico, isto não é correto. Conduzirá a ainda mais diagnósticos psiquiátricos para pessoas que têm dificuldade em dormir, problemas familiares, problemas amorosos, stress, crianças que são irritantes (também chamadas de TDAH), ou que apenas têm uma baixa temporária na vida; e levará a ainda mais uso de medicação que resultará em ainda mais anos de vida perdidos e anos de boa vida perdidos para pacientes psiquiátricos. Estimei, com base na investigação mais fiável que pude encontrar, que foram ensaios aleatórios e bons estudos de coorte com um grupo de controle que não recebeu medicamentos psiquiátricos, que os medicamentos psiquiátricos são a terceira causa de morte mais comum, depois das doenças cardíacas e do câncer. Pode não ser tão mau, mas não há dúvida de que os medicamentos psiquiátricos são uma causa de morte muito comum.

A educação médica básica deve, portanto, ser radicalmente alterada, com muito maior ênfase nas intervenções psicossociais em psiquiatria. Os medicamentos psiquiátricos só devem ser utilizados em situações agudas, apenas com a aceitação do paciente, e apenas com um plano para a sua posterior eliminação lenta.

“Mais investigação pública em psiquiatria”.

Esta é uma boa ideia. Está bem documentado que não podemos confiar em todos os ensaios patrocinados pela indústria de medicamentos psiquiátricos. São deliberadamente defeituosos por concepção, o que dá uma falsa ideia do que os medicamentos podem realizar e quais são os efeitos nocivos. Além disso, mais de metade das mortes e metade dos suicídios nos ensaios de medicamentos psiquiátricos foram omitidos dos artigos publicados. Os psiquiatras não sabem, portanto, o quão perigosos e ineficazes os medicamentos psiquiátricos são na realidade. Mas a população sabe disso. Um inquérito com 2.031 australianos mostrou que as pessoas pensavam que os comprimidos para a depressão, os comprimidos para a psicose, o eletrochoque e a admissão numa ala psiquiátrica eram mais frequentemente prejudiciais do que benéficos. Os psiquiatras sociais que tinham feito o inquérito ficaram insatisfeitos com as respostas e argumentaram que as pessoas deveriam ser treinadas para chegar à “opinião certa”.

Uma vez que as percepções da população concordam com o que a parte mais fiável da literatura da pesquisa mostra, é tempo de os psiquiatras serem educados por professores que sabem do que estão a falar para que possam ser curados pelos seus muitos conceitos errados, que são tão prejudiciais para os seus pacientes. O folheto da Associação Psiquiátrica Dinamarquesa pode ser resumido com estas palavras: ” Enviem mais dinheiro”. Mas não é uma boa ideia conseguir mais do mesmo.

A psiquiatria deve ser radicalmente alterada. E os psiquiatras precisam de ouvir os pacientes e o resto da população e levar a sério o que eles dizem. Isto não só beneficiaria os pacientes como também proporcionaria uma maior satisfação profissional aos psiquiatras.

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Mad in Brasil recebe blogs de um grupo diversificado de escritores. Estes posts são concebidos para servir de fórum público para uma discussão a respeito da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são as próprias dos escritores.

O que é angústia climática – e o que os terapeutas podem fazer a respeito?

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As organizações de saúde , associações médicas e periódicos científicos da saúde mais proeminentes do mundo são inequívocos: a crise climática representa graves ameaças à saúde pública, incluindo a saúde mental. Mas qual é exatamente a relação entre aquecimento planetário e saúde mental individual? E que papel os provedores de cuidados de saúde mental podem desempenhar no enfrentamento da emergência climática e suas crises humanas e ecológicas associadas?

Com a tarefa de cuidar do sofrimento humano, os médicos de saúde mental devem desenvolver uma compreensão diferenciada do sofrimento relacionado à crise climática, que reconheça o medo, a tristeza, a dor, a indignação ou o horror das pessoas como respostas humanas normais aos calamitosos e perturbadores eventos que acontecem ao nosso redor – eventos, deve-se notar, que não são fatos naturais ou leis, mas sim produtos das decisões de executivos desonestos e gananciosos de combustíveis fósseis e seus aliados políticos que se recusam a reinar na poluição prejudicial e no extrativismo .

A máxima de que “o capitalismo nos deixa doentes ” está sendo familiar para os nossos leitores do Mad, e não é diferente no contexto de sofrimento mental relacionado ao clima. Nossas respostas a este sistema doente devem, portanto, estender-se além do foco em indivíduos que sofrem e, em vez disso, ir aos domínios da comunidade, da política, dos sistemas e de “mudanças rápidas, de longo alcance e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade” – sobre as quais o Painel Intergovernamental A mudança climática disse que são necessários para limitar o aquecimento global a 1,5 ° C.

Mas como devemos entender “estresse climático” em primeiro lugar – ou como podemos chamar o que emerge de nossa consciência do aquecimento global cada vez maior , eventos de extinção em massa e outras ameaças existenciais ao mundo e à sua biodiversidade? Alguns modelos podem ser particularmente úteis para aprofundar nossa compreensão, incluindo o luto ecológico, descrito pela pesquisadora Ashlee Cunsolo; sofrimento existencial, articulado nos campos da oncologia psicossocial e dos cuidados paliativos; e dor para o mundo, a estrutura conceitual desenvolvida pela estudiosa budista e eco-filósofa Joanna Macy.

Para os terapeutas que podem encontrar problemas climáticos em nível individual, a familiaridade com esses modelos os ajudará a rejeitar o falso fardo suportado pelos indivíduos e, em vez disso, abraçar um espírito de vulnerabilidade compartilhada, solidariedade, ação coletiva e demandas por justiça.

Modelos de estresse climático

O luto é uma resposta humana normal e universal à perda – uma experiência interna fisiológica ligada a emoções profundamente dolorosas, incluindo tristeza, raiva e outros. O conceito de luto ecológico da pesquisadora canadense Ashlee Cunsolo é único em suas qualidades  de privação de direitos (ou seja, luto que não é abertamente reconhecido) e ambiguidade (ou seja, luto que é difícil de identificar ou articular). O luto ecológico também é diferente das formas mais convencionais de luto, pois as perdas são vagas, frequentemente não humanas, e seus limites e trajetórias são mal definidos . Além de perdas objetivas, como espécies significativas , paisagens e ecossistemas inteiros, também estamos de luto por nossa percepção da perda de segurança e por nossa esperança de um futuro seguro e conhecido.

A utilidade desse modelo vem em nossa resposta ao luto. Para Cunsolo, o luto e seu processo de luto associado (ou seja, o período de transição pelo qual passamos após uma perda) têm “capacidades de criação de nós”. O reconhecimento desta forma de angústia, então, abre possibilidades de conexão com os outros, que serve aos benefícios duplos de universalidade e validação ampla e recíproca (“Eu vejo você, e estamos juntos nisso”), juntamente com oportunidades de ação coletiva em resposta ao desdobramento das ameaças.

Nomear o luto ecológico coletivo também permite o importante trabalho de luto pelas perdas passadas e inevitáveis, enquanto se olha para o futuro para prevenir ou mitigar perdas antecipadas que ainda não são certas. E, no nível individual, atender e aprofundar a experiência do luto ecológico também convida ao reconhecimento de que o luto é uma expressão de amor – aquele que é profundamente sentido por outros que já partiram ou estão sofrendo, ou pelo mundo de forma mais ampla. Visto dessa forma, nosso luto pode convidar a uma conexão renovada com o mundo natural, o que pode fortalecer o impulso de se envolver com outras pessoas no trabalho para a mudança necessária no nível dos sistemas.

Em seguida, nos campos da oncologia psicossocial e dos cuidados paliativos, o sofrimento existencial é considerado um estado psicológico distinto e doloroso, que, segundo os pesquisadores Sigrun Vehling e David Kissane , resulta de um estressor que “desafia expectativas fundamentais sobre segurança, inter-relação com os outros, justiça , controlabilidade, certeza e esperança de uma vida longa e frutífera. ” No contexto do tratamento do câncer, esse estressor pode ser o diagnóstico de uma doença com risco de vida ou o aprendizado da recorrência ou progressão da doença. O desdobramento da crise planetária que agora enfrentamos certamente satisfaz os critérios para tal estressor e a popularidade de escritores como David Wallace-Wells , Elizabeth Kolbert e Roy Scranton, cujo trabalho cobre essas preocupações de longo alcance, fala com a ressonância da angústia existencial para muitos, mesmo que não seja nomeado como tal.

A angústia existencial pode ser experimentada como uma inundação de emoções angustiantes, incluindo medo, indignação e horror com a possibilidade de morte; uma sensação de solidão, desesperança ou falta de sentido; tristeza e arrependimento; e outros. Essas emoções também se relacionam a um construto separado na oncologia psicossocial e nos cuidados paliativos: desmoralização , que é caracterizada por sentimentos de desamparo e inutilidade, a percepção de que o futuro não vale a pena e uma sensação de que as circunstâncias ou situações atuais estão fora de nosso controle, intratável – um conjunto de afirmações que eu aposto que são comuns, embora fugazes ou persistentes, para pessoas angustiadas com a perspectiva de um desastre climático.

O sofrimento existencial como um construto em oncologia psicossocial e cuidados paliativos está enraizado na psicoterapia existencial , que se preocupa com, como o psiquiatra Irvin Yalom coloca, as quatro “preocupações últimas da vida”: morte, liberdade, isolamento existencial e falta de sentido. Também está relacionado ao psiquiatra e filósofo Karl Jaspers, “ Limit Situations”, Definida como os momentos em que o proverbial tapete é puxado sob os nossos pés, e com ele a nossa sensação de segurança. Esses momentos podem ser acompanhados por experiências de medo, ansiedade ou culpa, e a venda existencial que eles removem cria uma situação que é “insuportável para a vida”, deixando a pessoa que os vivência com a escolha de enfrentá-los (proporcionando a oportunidade para um “Ascensão” – uma expansão de horizontes e possibilidades experienciais) ou negá-los ou evitá-los, levando à paralisia.

Para Joanna Macy, no entanto, as emoções ligadas à nossa consciência de que “perdemos a certeza de que haverá um futuro para os humanos” não podem ser equiparadas a preocupações existenciais comuns. Macy entende o sofrimento relacionado ao clima como uma dor para o mundo , que ela vê como uma resposta normal e saudável a um mundo em trauma – uma formulação que ela desenvolve lindamente em seu livro recentemente reeditado, World as Lover, World as Self .

Nossa resposta emocional ao desdobramento das ameaças deve ser entendida como adaptativa – a dor é, afinal, um sinal de alerta aprimorado evolutivamente “não deve ser banida por injeções de otimismo ou sermões sobre ‘pensamento positivo’, [mas sim] ser nomeada e validado como uma resposta humana normal e saudável.” Essa formulação concede ao sofredor a permissão para sentir – um ato ousado que é, em face do desespero opressor, da tristeza ou da angústia existencial, por si só terapêutico. Como Macy aponta, “a recusa em sentir cobra um preço alto [que] apenas empobrece nossa vida emocional e sensorial”.

É importante ressaltar que Macy vincula esse medo, recusa em sentir ou rejeição às inadequações impulsionadas pela austeridade na rede de segurança social que são impulsionadas pelas forças capitalistas. Quando nosso foco se restringe às necessidades imediatas de sobrevivência, não podemos manter a consciência do que está acontecendo ao nosso redor, muito menos nomear ou sentir as emoções associadas a preocupações coletivas mais amplas, como a crise climática.

Esse mesmo foco estreito nas necessidades de sobrevivência também é informado pela lógica neoliberal de que é o indivíduo que é o culpado por sua precariedade, não as estruturas políticas e econômicas que criaram as condições responsáveis ​​por ela. Por sua vez, essa lógica informa o individualismo maligno endossado consciente ou implicitamente por alguns terapeutas que tentam localizar fontes de angústia dentro de um indivíduo “quebrado” ou perturbado – dispensando ou diminuindo as condições que moldam a vida dos clientes fora do escritório. O download de males da sociedade para o indivíduo claramente tem implicações no nível clínico.

Capitalismo e crise climática

Os profissionais de saúde mental infelizmente são bem versados ​​na resposta às consequências em nível individual de políticas sociais malsucedidas ou inadequadas. As intervenções que melhor serviriam às pessoas e ao bem público, incluindo programas sociais como saúde universal, farmácia e ainda outras iniciativas a montante, como bem-estar social, são frequentemente frustradas por receitas públicas insuficientes e restrições de recursos. Esta é uma realidade fria, dizem, enquanto o setor privado, incluindo a indústria de combustíveis fósseis, colhe cada vez mais lucros.

Aqui no Canadá, a privatização de muitos recursos naturais, especialmente petróleo e gás , resultou em deferência política quase total aos interesses do setor. O governo federal do Canadá dedicou US $ 18 bilhões para ajudar o setor de petróleo e gás (ou 18% do total de seus gastos com estímulo COVID-19 até o momento). Este sistema de governança em que subsídios corporativos – uma forma de bem-estar privado – não são questionados enquanto os programas públicos lutam sob as crescentes pressões da austeridade fomentou uma cultura punitiva em que o fardo da responsabilidade de lidar com as fontes de angústia e disfunção a montante é transferido de políticos e empregadores para aqueles que sofrem as consequências a jusante.

Na luta contra a crise climática, a indústria do petróleo e seu lobby agressivo têm muito a ganhar ao pregar o poder da ação individual. Somos encorajados a comprar produtos locais, mudar para sabão em pó ecológico, investir em “kits iniciais de zero resíduos” e até mesmo ser advertidos contra ter filhos para reduzir nossa pegada de carbono . Na verdade, o próprio conceito de “pegada de carbono” foi agressivamente promovido pela British Petroleum, enquanto a empresa e suas contrapartes continuavam sua extração irrestrita e calamitosa de combustível fóssil para satisfazer seus motivos de lucro. Apenas 100 empresas são responsáveis ​​por 71% do total das emissões globais de carbono .

As narrativas da responsabilidade individual pela crise climática não são apenas empiricamente equivocadas, mas também obscurecem a responsabilidade e o poder daqueles que podem efetuar mudanças significativas no nível dos sistemas. Devemos reconhecer que esta desconexão, e o desespero suportado pelas pessoas comuns em sua face, são o resultado da exploração e da injustiça forjada pelos sistemas sociais e econômicos capitalistas.

Abordagens Terapêuticas

Se aceitarmos a probabilidade de que algumas pessoas experimentarão um sofrimento emocional normal, embora ainda muito doloroso, relacionado ao clima, segue-se a possibilidade de que um conjunto dessas pessoas possa procurar um terapeuta para ajudá-las a lidar com sentimentos difíceis ou compreender melhor sua experiência. Aqueles que já estão engajados em relacionamentos de apoio com médicos profissionais de saúde mental também podem processar o sofrimento relacionado ao clima durante seu trabalho. Claro, alguns também podem compartilhar seus sentimentos e preocupações com outras pessoas que pensam como você em ambientes não clínicos, como ” Círculos de luto ecológico “, ou em espaços ativistas, como os oferecidos pela Extinction Rebellion. Mas quando tais preocupações surgem no trabalho clínico, como o terapeuta deve responder? E como eles devem navegar pelos riscos políticos e psicológicos relacionados à individualização do desespero climático e, ao mesmo tempo, honrar as lutas reais que os indivíduos enfrentam?

Depois de apresentar uma análise estrutural das dificuldades climáticas, é tentador sugerir que os médicos simplesmente se preocupam com política ou ativismo. Talvez um provedor de cuidados individual possa efetuar mais mudanças ou benefícios por meio do trabalho no nível dos sistemas do que no trabalho com clientes individuais. No mínimo, uma profunda familiaridade com o contexto social, econômico e cultural – os determinantes estruturais da saúde – é um ponto de partida necessário para o trabalho terapêutico. No entanto, isso não é suficiente.

Os clínicos de saúde mental servem a um “ Outro sofredor ” que dificilmente ficará satisfeito ou aliviado por apontarmos para um conjunto de fatores complexos a montante, ou mesmo por uma demonstração de nossos esforços para combater várias formas de injustiça que podem estar contribuindo para sua situação difícil. A ação em níveis sistêmicos por parte de um prestador de cuidados compassivo e informado pode oferecer, infelizmente, pouco ao seu paciente angustiado em qualquer encontro clínico. Da mesma forma, o desenvolvimento de uma abordagem clínica diferenciada para problemas com determinantes ‘upstream’ claros não precisa representar uma aceitação de um status quo sociopolítico tóxico.

Emoções dolorosas ou desafiadoras, como medo, ansiedade, tristeza, desespero, frustração, raiva, culpa e outras são universais, evolutivamente enraizadas e, quando toleráveis ​​e acessíveis à pessoa que as experimenta, podem ser úteis a serviço do crescimento, cura e ação. Isso é verdade quer essas emoções ocorram no curso das relações do dia a dia, emergem de memórias dolorosas ou resultem de nossa consciência das ameaças existenciais das mudanças climáticas. Não desejo fetichista tais emoções ou as experiências potencialmente devastadoras ou traumáticas que podem dar origem a elas, mas vou sugerir que nossa sintonia com o sofrimento – tanto o nosso quanto o dos outros ao nosso redor, próximos e distantes – deve ser apreciada como um sinal de força.

Um ex-supervisor de oncologia psicossocial meu muitas vezes compartilha um refrão semelhante ao se encontrar com um novo paciente ou família devastada pela notícia de câncer avançado ou de não resposta ao tratamento: “você está experimentando um conjunto perfeitamente normal de sentimentos em resposta a uma situação altamente anormal.” Aqui vemos o tremendo poder de validação – o testemunho de outra pessoa de que não sou louco.

A mesma orientação para profissionais de saúde mental em face do sofrimento relacionado ao clima é, portanto, crítica: aquela que é normalizadora, validadora e que é seguida por um convite para se abrir, mergulhar totalmente e vivenciar o sofrimento. Este é um ato radical que provavelmente só será aceito por um paciente ou cliente que encontra um terapeuta preparado para renunciar aos rótulos diagnósticos e à redução de sintomas e, em vez disso, deseja testemunhar, reter, ou melhor ainda, acompanhar as pessoas em seu sofrimento. É aqui que as pessoas podem se envolver melhor em um processo de criação mútua de sentido ou onde, paradoxalmente, a paz no sofrimento pode ser encontrada.

Mas será que a equanimidade em face de um mundo em chamas é realmente o que buscamos? Na linguagem de Macy’s, por meio de um engajamento lúcido com o sofrimento, ou melhor, por meio de um enfrentamento intencional ao fluxo de sua experiência emocional, um levantamento de peso, uma “virada “Pode ocorrer, e com ele, um apetite renovado pela vida, e até mesmo, talvez, uma maior determinação para agir. Como ela diz, “[este trabalho] não envolve nada mais misterioso do que dizer a verdade sobre o que vemos, sabemos e sentimos que está acontecendo em nosso mundo”. A importância de enfrentar – ou mesmo trabalhar – desafiar emoções e experiências, ao invés de rejeitá-las ou suprimi-las, é central para o trabalho em terapia (ou o trabalho individual) que decorre de todos os três modelos de estresse climático apresentados acima (luto ecológico, sofrimento existencial e dor para o mundo).

Terapia individual para um problema social

Os provedores de saúde mental não têm o maior potencial, nem temos responsabilidade exclusiva, para mitigar o sofrimento de nossos pacientes ou da população em geral em relação à crise climática. A aprovação de políticas que sirvam para descarbonizar rapidamente, proteger comunidades vulneráveis ​​e, de outra forma, agir de forma compatível com as ameaças urgentes e terríveis que enfrentamos é muito mais provável de atingir esse objetivo.

E embora as ameaças relacionadas ao clima sejam, em certo sentido, universais, é importante observar que seus impactos são distribuídos de forma desigual, com impactos totalmente desproporcionais sobre os estruturalmente vulneráveis. Ameaças de aniquilação pessoal ou mesmo genocídio também não são novas para muitos. Esse reconhecimento não serve para pesar a gravidade de tais ameaças umas contra as outras, nem para comparar as experiências daqueles que as viveram ou continuam a suportá-las. Em vez disso, se for verdade que “as pessoas que foram isoladas da opressão estão agora acordando para a perspectiva de seu próprio futuro insuportável”, Devemos trabalhar para que o reconhecimento da vulnerabilidade compartilhada leve à solidariedade; que tudo o que resulta de nossa consciência das crises que se cruzam em nosso tempo resiste a tudo se voltar para o isolacionismo, nacionalismo e ecofascismo; e que nossas respostas coletivas abrangem, em vez disso, um amplo entendimento e esforços a serviço da justiça .

Consequentemente, os profissionais de saúde e outros que atendem ao sofrimento psicológico devem se preocupar com os determinantes sociais, econômicos e sociais da saúde por meio de ‘advocacy’, engajamento ativo em campanhas políticas voltadas para a justiça e participação em organizações de base / movimentos, incluindo ações de massa de protesto social não violento .

O papel dos profissionais de saúde mental na resposta à crise climática pode, portanto, ser duplo: no nível clínico, adotar uma abordagem para o sofrimento individual que rejeita falsas noções de “quebrantamento” individual e, em vez disso, honra o luto das pessoas, angústia existencial ou dor por o mundo como respostas normais e saudáveis ​​a uma situação profundamente anormal. E em segundo lugar – e mais importante – devemos trabalhar além do “consultório” para nos unirmos a outros na abordagem significativa dos fatores a montante / estruturais da angústia relacionada ao clima e na construção de comunidades mais justas, equitativas e sustentáveis ​​para todos.

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