Apoio de Pares Eficaz para a Recuperação Clínica e Pessoal

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Group therapy in session sitting in a circle with therapist

Um novo estudo publicado em Psychological Medicine revela que as intervenções de apoio de pares (PSIs) podem efetivamente facilitar a recuperação de doenças mentais em vários ambientes. Estes resultados permitem uma análise mais profunda de como os serviços de apoio de pares podem ajudar os indivíduos na recuperação e que tipos de recuperação podem ser acessíveis através das PSIs.

“O apoio de pares envolve uma troca mútua de apoio prático e emocional, baseado no ‘entendimento compartilhado, respeito e fortalecimento mútuo entre pessoas em situações similares com ingredientes críticos, tais como responsabilidade compartilhada, esperança, autodeterminação ao longo da vida e o uso do conhecimento da experiência vivida”, escrevem os autores, liderados por Dorien Smit, pesquisador da Universidade de Radboud e Pro Persona GGz.

Group therapy in session sitting in a circle with therapist

O apoio dos pares é uma relação de apoio emocional mútuo entre indivíduos com experiências pessoais similares. Os serviços de apoio de pares tendem a se centrar no conhecimento da experiência vivida para fornecer cuidados emocionais de uma forma que também facilite a esperança e aumente a autodeterminação.

As ISPs têm sido integradas em muitos programas em vários formatos, resultados alvo e comunidades. Nos últimos anos, o interesse em PSIs cresceu para atender à crescente necessidade de apoio de recuperação entre indivíduos que lidam com angústia psicológica. Outro fator-chave neste interesse cada vez maior também tem sido formalmente apoiado pela Organização Mundial da Saúde na defesa do apoio de pares como uma abordagem de saúde mental centrada na pessoa, na recuperação e baseada em direitos. Finalmente, a pandemia COVID-19 limitou a disponibilidade de serviços de saúde mental, criando uma maior necessidade de intervenções baseadas na comunidade, tais como PSIs.

O apoio de pares também pode ser especialmente benéfico dentro de contextos particulares, como o tratamento das desigualdades de saúde entre os jovens negros e latinos e o planejamento de segurança em torno do suicídio no atendimento de emergência. No entanto, muitas barreiras permanecem na implementação de programas de apoio entre pares e na garantia da entrega eficaz de ISPs.

“O envolvimento em uma intervenção de apoio entre pares pode ser eficaz para reduzir os sintomas de doenças mentais clínicas, melhorar a recuperação pessoal geral e, mais especificamente, a esperança. Em particular para indivíduos com PSI, o apoio de pares demonstrou provável eficácia em todas as três categorias de recuperação”.

A equipe de pesquisa conduziu uma análise sistemática e uma meta-análise de ensaios de controle aleatórios examinando as IPMs. Um estudo sistemático destina-se a localizar a literatura relevante com base em uma lista pré-determinada de termos e critérios de pesquisa. Normalmente, uma meta-análise é conduzida posteriormente para examinar uma estimativa estatística dos resultados do estudo como um todo.

Este estudo se interessou por três resultados da PSI: recuperação clínica, pessoal e funcional. A recuperação clínica captura o grau em que a sintomatologia psiquiátrica melhorou. A recuperação pessoal descreve o grau em que a recuperação percebida ou a agência pessoal melhora. A recuperação funcional é como a qualidade de vida, o compromisso de trabalho e o funcionamento social de alguém melhoram.

A meta-análise mostrou que as ISPs podem facilitar a recuperação pessoal e a recuperação clínica entre aqueles que buscam apoio para o sofrimento psicológico. Entretanto, não foram encontradas evidências que apóiem o papel das ISPs na facilitação da recuperação funcional.

“Embora os efeitos fossem pequenos, o apoio de pares é uma intervenção potencialmente econômica e relativamente fácil de implementar e pode complementar o tratamento profissional. Terapeutas, clínicos gerais e funcionários de serviços orientados à recuperação podem encaminhar seus clientes a iniciativas de apoio entre pares para expandir o contexto dos indivíduos para trabalhar na recuperação ao lidar com doenças mentais”, escrevem os autores.

Smit e colegas recomendam que o apoio de colegas seja considerado um apoio acessível ou complementar ao tratamento profissional.

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Smit, D., Miguel, C., Vrijsen, J.N., Growneweg, B., Spijker, J. & Cuijpers, P. (2022) The effectiveness of peer support for individuals with mental illness: Systematic review and meta-analysis. Psychological Medicine. 1-10. https://doi.org/10.1017/S0033291722002422. (Link)

[Trad. e edição Fernando Freitas]

Lítio para a Prevenção de Suicídios Não É Apoiado pelas Evidências

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Uma nova meta-análise de ensaios modernos com lítio não encontrou nenhuma evidência de que a droga previna comportamentos suicidas ou não-fatais. O estudo incluiu 12 ensaios randomizados controlados (RCTs) comparando o lítio com placebo ou cuidados usuais para transtornos de humor, englobando 2578 participantes. Os pesquisadores descobriram que a diferença entre lítio e placebo para todos os resultados relacionados a suicídios não era estatisticamente significativa.

O estudo foi liderado por Joanna Moncrieff do University College London, que recentemente chamou a atenção da mídia para uma revisão que desmascarou a teoria da depressão de baixa serotonina (“desequilíbrio químico”).

Contatada para comentar via e-mail, Moncrieff disse:

“A idéia de que o lítio previne o suicídio aumentou sua mística e ajudou a propagar a ideia de que o lítio é um tratamento altamente específico e eficaz”. Mas nunca isso fez qualquer sentido. O lítio é uma substância altamente tóxica e sedativa. Ele entorpece as emoções, o que pode reduzir os pensamentos suicidas; mas sabemos que muitas drogas psiquiátricas têm esse efeito de entorpecer as emoções e ainda assim não reduzem o comportamento suicida”.

Estudos prévios chegaram a conclusões inconsistentes sobre as supostas propriedades anti-suicidas do lítio. Por exemplo, um grande e recente RCT de lítio para prevenção de suicídios em veteranos foi encerrado prematuramente porque a droga não era melhor do que um placebo. Entretanto, outras análises descobriram que o lítio era ligeiramente melhor do que um placebo.

Por causa disso, até mesmo alguns especialistas que reconhecem a fraca base de evidência para quase todas as drogas psiquiátricas – como Nassir Ghaemi – acreditam que o lítio tem uma base de evidência mais forte. Alguns até pediram para adicionar lítio à água potável.

De acordo com os pesquisadores contemporâneos, uma razão para as descobertas inconsistentes é que as metanálises anteriores utilizaram o método Peto. No método Peto, são analisados estudos nos quais não ocorrem mortes por suicídio.

Os pesquisadores escrevem: “Como o suicídio é tão raro, muitos ensaios com dados relevantes não foram incluídos nestas análises, o que pode ter efeitos de tratamento inflacionados”.

Outra questão relacionada é que, uma vez que tão poucas pessoas morrem por suicídio, os resultados podem ser distorcidos por um único ensaio com uma metodologia pobre. Os pesquisadores escrevem que as meta-análises anteriores podem ter sido distorcidas apenas por um tal ensaio: um estudo de Lauterbach et al. no qual o cego foi quebrado, muitos participantes não aderiram ao tratamento, e o grupo de lítio recebeu cuidados extras.

Em contraste, o estudo atual utilizou os dados de todos os ensaios relevantes de lítio para transtornos de humor (incluindo depressão e transtorno bipolar) em adultos desde o ano 2000. Os pesquisadores só incluíram estudos que duraram pelo menos 12 semanas na medida em que os estudos de curto prazo tendem a inflar artificialmente os efeitos do tratamento. Os pesquisadores seguiram as diretrizes do PRISMA para conduzir uma revisão sistemática e pré-especificaram suas medidas de resultado.

“Uma meta-análise anterior de ensaios de lítio alegou confirmar que ele tinha propriedades anti-suicidas, e foi muito influente, mas só incluiu ensaios em que houve suicídio, excluindo a maioria dos ensaios em que nenhum deles ocorreu. Portanto, queríamos realizar uma análise que incluísse todos os dados de ensaios aleatórios. Mostramos que se você fez isso, a alegação de que o lítio reduz o suicídio é bastante fantasiosa e não confirmada pelas evidências de ensaios aleatórios”, disse Moncrieff.

Dos 2578 participantes, dois morreram por suicídio no grupo do lítio (0,2%), enquanto que  cinco morreram por suicídio no placebo ou grupo de cuidados habituais (0,4%). Esta diferença não foi estatisticamente significativa, o que significa que uma diferença como esta é o que seria esperado apenas por acaso, dados números tão pequenos.

Apenas sete ensaios clínicos incluíram o resultado de um comportamento suicida não fatal. Dos participantes de 1975 nessas experiências, 81 (6,3%) no grupo de lítio contra 85 (6,5%) no grupo de placebo envolvidos em comportamento suicida não-fatal. Mais uma vez, esta diferença não foi estatisticamente significativa.

Não são apenas os estudos modernos – em uma análise adicional, os pesquisadores incluíram outros 15 estudos anteriores a 2000. Seus resultados não mudaram – a droga não permaneceu melhor do que o placebo.

Para ver se esta descoberta era devida ao tipo específico de análise utilizada, os pesquisadores re-analisaram seus dados usando outros métodos meta-analíticos. Todos estes testes não encontraram diferença entre o lítio e o placebo.

“A idéia de que o lítio ajuda a prevenir o suicídio realmente deveria ser colocada na cama agora”. O mais recente, e de longe o maior, julgamento de seus efeitos anti-suicidas foi interrompido até mesmo cedo porque era tão óbvio que não havia nenhum efeito. No entanto, alguns psiquiatras estão tão enamorados com o lítio que provavelmente ele persistirá. Chocantemente, alguns ainda estão pedindo que o lítio seja adicionado à água potável e usando argumentos sobre suas propriedades anti-suicidas como justificativa – Deus nos livre de que eles alguma vez prevaleçam”! disse Moncrieff.

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Nabi, Z., Stansfeld, J., Plöderl, M., Wood, L., & Moncrieff, J. (2022). Effects of lithium on suicide and suicidal behavior: A systematic review and meta-analysis of randomized trials. Epidemiology and Psychiatric Sciences, 31(e65), 1–11. https:// doi.org/10.1017/S204579602200049X (Full text)

[trad. e edição Fernando Freitas]

Uso a longo prazo de antidepressivos está associado ao aumento da morbidade e mortalidade

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Um artigo recentemente publicado no BJ Psych Open investiga os efeitos adversos dos ISRS e outros antidepressivos quando tomados por mais de cinco anos.

Narinder Bansal, Mohammad Hudda, Rupert A. Payne, Daniel J. Smith, David Kessler e Nicola Wiles utilizaram mais de 200.000 registros médicos individuais coletados pelo Biobank do Reino Unido entre 2006 e 2010.

“Os antidepressivos são um dos medicamentos mais prescritos. Setenta milhões de prescrições foram distribuídas em 2018, o que representa quase o dobro das prescrições em uma década. Este aumento impressionante na prescrição é atribuído ao tratamento a longo prazo, em vez de uma incidência maior de depressão, e estas tendências não se limitam ao Reino Unido”, escrevem os autores. “Entretanto, pouco se sabe sobre as conseqüências do tratamento antidepressivo de longo prazo para a saúde”.

Em julho, Joanna Moncreiff e Mark Horowitz conduziram e publicaram uma revisão das evidências da “teoria do desequilíbrio químico” da depressão, desmascarando efetivamente a idéia. Entretanto, os medicamentos psicotrópicos ainda são utilizados como tratamento de primeira linha para a depressão, apesar das perguntas sobre sua eficácia. Além disso, o uso de antidepressivos a longo prazo pode ter efeitos colaterais preocupantes, mas a educação pública e médica relativa à descontinuação e ao afunilamento da dose permanecem escassas.

Bansal e colegas procuraram documentar os efeitos adversos do uso de antidepressivos de longo prazo. O Biobank do Reino Unido coletou registros médicos de mais de 500.000 indivíduos durante quatro anos (2006-2010). Após excluir os participantes por vários motivos (por exemplo, o participante não estava mais registrado em seu clínico geral ou estava tomando vários antidepressivos no início do estudo), mais de 200.000 participantes entre 40 e 69 anos de idade permaneceram, 96% dos quais eram brancos.

Os autores então avaliaram a associação entre o uso de antidepressivos e quatro morbidades diferentes: diabetes, hipertensão, doença coronariana (CC) e doença cerebrovascular (CV), e dois resultados diferentes de mortalidade, incluindo doença cardiovascular (DCV) e mortalidade por todas as causas. Cada morbidade foi então avaliada utilizando o modelo de risco proporcional de Cox (um modelo de regressão comumente usado para entender a associação entre o tempo de sobrevivência dos pacientes e uma ou mais variáveis preditoras).

Os autores destacam que a experiência dos sintomas comumente entendidos como “depressão” está fortemente associada a “comportamentos de risco à saúde” ou “cocriadores”, tais como obesidade, tabagismo e falta de atividade física, que também são fatores de risco tanto para DCV quanto para diabetes. Através de múltiplas análises estatísticas, Bansal e seus colegas deram o melhor de si para contabilizar esses fatores de risco.

Os autores discutem suas conclusões:

“Nosso estudo descobriu que o uso de antidepressivos a longo prazo estava associado a um aumento do risco de DCV, DCV e mortalidade por todas as causas. Estas questões parecem ser mais problemáticas para os antidepressivos diferentes dos ISRS (mirtazapina, venlafaxina, duloxetina, trazodona), com o uso de tais medicamentos associados a um risco duas vezes maior de CHD, CVD, e mortalidade por todas as causas aos dez anos. Entretanto, havia também evidências de que os antidepressivos, particularmente os SSRIs, estavam associados a um risco reduzido de desenvolver hipertensão e diabetes. As descobertas foram particularmente evidentes após dez anos de acompanhamento, onde tivemos um número maior de eventos”.

Os autores explicam por que suas descobertas podem diferir de outros estudos devido à forma como acomodaram os diversos cofundadores. Depois que os autores se ajustaram aos comportamentos de risco que comumente co-ocorreram com sintomas de depressão, o aumento do risco de diabetes parece ser indistinguível do risco do uso de antidepressivos versus o fumo/obesidade.

Entretanto, os autores observam que: “…não foi possível distinguir entre os efeitos dos antidepressivos e a própria depressão”. E que “…o uso de antidepressivos a longo prazo estava associado a um aumento do risco de CHD, CVD e mortalidade por todas as causas”.

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Bansal, N., Hudda, M., Payne, R., Smith, D., Kessler, D., & Wiles, N. (2022). Antidepressant use and risk of adverse outcomes: Population-based cohort study. BJPsych Open, 8(5),    E164. doi:10.1192/bjo.2022.563 (Link)

Negar a institucionalidade do INSS no processo de concessão do benefício de prestação continuada (BPC). Uma nova reviravolta da Reforma Psiquiátrica Brasileira?

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Movimento de luta antimanicomial tem mais de 30 anos no Brasil - Isabel Baldoni/Prefeitura BH

No livro “A luta pelo reconhecimento da loucura. A gramática moral da assistência social na deficiência mental”, publicado este ano pela editora CRV, alcanço a entrever as condições de possibilidade de uma nova reviravolta. Um possível caminho por onde a Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB) poderia avançar na resolução de alguns dos seus impasses atuais. Existem elementos subjetivos e objetivos capazes de reclamar a negação da institucionalidade da assistência social da deficiência mental, ou seja, a negação do poder institucionalizante articulado no processo do BPC pela instituição tolerante do INSS.

Para chegar a esta proposição tivemos que efetuar dois passos prévios. O primeiro, foi reconsiderar conceitualmente o ato inaugural – estrutural – da RPB. O fizemos a partir de revisitar a história da loucura, desde Foucault até a atualidade, com as lentes da teoria do reconhecimento de Axel Honneth. Isso nos levou três capítulos e nos permitiu, entre outras coisas, a conceitualização das palavras proferidas por Basaglia no instituto Sedes Sapientiae de São Paulo:

“O descobrimento da psiquiatria democrática foi reconhecer que o doente não é apenas um doente, senão um homem com todas as necessidades (…) e dizer não à miséria e à prática psiquiátrica” (1979).

“Dizer não” foi a atitude inicial. Mediante o dispositivo da reviravolta se tentará manter de forma permanente este ato inaugural. Porém, anos de reforma têm ensinado que esse dispositivo de reviravolta, que pretende levar em seu ventre a permanência do ato, paradoxalmente, não é, não pôde ou não soube ser constante. Esta realidade exige um esforço intelectual que possa captar de forma estrutural a associação dos elementos que compõem o descobrimento da psiquiatria democrática (reconhecimento e dizer não, ou reviravolta). De forma resumida poderia ser formulado assim:

Na base da reviravolta se encontram sentimentos coletivos de injustiça vinculados com o mal-estar que produz a inadequação das consciências/experiências da loucura (médica e social). Esta inadequação se exprime, cada vez, como a promessa incumprida da ciência médica de fazer do louco um ser humano como qualquer outro, ou seja, no mal-estar das tensões implícitas no consenso normativo do sistema científico-institucional. Por isso, se pode dizer que a ação desinstitucionalizadora (reconhecimento e reviravolta) intervém sobre os padrões de reconhecimento do amor, direito e solidariedade que, junto com uma semântica da liberdade, vem questionar e disputar a gestão do mínimo de liberdade e autonomia estabelecido pelo reconhecimento operado pela psiquiatria positiva e manicomial.

Este trabalho de conceitualização, aqui apresentado de forma muito resumida, nos possibilitou avançar sobre outras realidades além de nosso objeto de estudo. Em primeiro lugar, no entendimento de que a luta pelo reconhecimento impulsionada pela RPB cria as condições de autorrealização para muitos sujeitos. Dessa maneia, produz uma ampliação da civilidade que resulta no progresso moral da sociedade Brasileira. Mas também, nos permitiu discutir a normatividade ontológica (racionalidade eurocêntrica) da teoria de reconhecimento, como sendo a responsável por excluir o campo da SM dos referentes empíricos da sua teoria. Dessa maneira, ao contemplar a intersubjetividade própria de nosso campo, nos vimos levados a fazer aportes para a ampliação da normatividade do aspecto motivacional das lutas sociais.

Já o segundo passo, consistiu em explorar o estado atual da inadequação estrutural das consciências/experiências da loucura – as tensões implícitas no consenso normativo do sistema científico-institucional da concessão/negação do BPC em deficiências mentais. Aqui, além de analisar muita literatura, a legislação e o próprio instrumento de avaliação, tentamos compreender as diferentes dimensões dos conflitos mudos entre os participantes e suas respectivas instâncias institucionais: requerentes, CAPS, INSS e Justiça Federal (JF).

Isto nos levou oito capítulos. Os seus títulos oferecem uma ideia desta gramática moral: O sistema é bruto; Fraude, mentira, simulação e dissimulação; o círculo hermenêutico da prostituta das provas; contratransferência afetiva e sem afeto; o instrumento de avaliação no reconhecimento da loucura em SM; A estrutura do corpo, o prognóstico e o longo prazo: um caso de lost in translation?; Nem todo louco recebe benefício: eu estou apta para o trabalho, mas o trabalho não está apto para mim; A sobrevivência como um benefício: o benefício como recurso terapêutico; Sentimentos de injustiça murmurados.

Daqui surgiram os elementos subjetivos e objetivos capazes de fazer-nos afirmar que estão dadas as condições para uma nova reviravolta, para a negação da institucionalidade do BPC, ou seja, o INSS. Esses elementos, captados nos diferentes registros da gramática moral dos conflitos mudos, podem alcançar uma formulação sintética:

A normatividade do INSS funciona como um Outro estranho para o campo da Saúde Mental. A estrutura de reconhecimento da necessidade e do direito do BPC para os sujeitos em sofrimento psíquico se impõe desde fora, sem contemplar as preferências axiológicas e a intersubjetividade próprias do campo da Saúde Mental.

Esta distância da estrutura de reconhecimento da institucionalidade do BPC (INSS) a respeito das preferências axiológicas de nosso campo, foi descrita, no capítulo que nos ocupamos dela, a partir de três noções. A reificação paradoxal: reestabelece o paradoxo constitucional do tratamento moderno da loucura (proteção-exclusão) no nível da relação entre direito e necessidade. O deslocamento das condições de intersubjetividade de reconhecimento: levanta a questão da racionalidade institucional necessária para responder ao novo paradigma de solidariedade nas deficiências. E finalmente, o desenquadre: indica como o conflito na concessão do BPC permite reestabelecer a autoridade do Juiz e do perito psiquiatra – e com elas a tutela. Mas também, destacar o questionamento sobre quem é o ator social mais adequado para instrumentar a avaliação pautada no paradigma psicossocial (CIF).

Uma política desinstitucionalizadora do BPC requer de algumas objetivações: a) O nível de extensão do conflito e dos sentimentos de injustiça não se restringe aos sujeitos de nosso campo (usuários e profissionais dos CAPS), pelo contrário, perpassam todas as categorias profissionais das diferentes institucionalidades que fazem parte do processo; b) Embora exista um consenso positivo sobre o instrumento de avaliação, sua aplicabilidade nas deficiências mentais ainda apresenta peculiares dificuldades; c) O elevado gasto para o cofre público que representa a conflitividade vigente.

Finalmente, sabemos que toda negação da institucionalidade vigente supõe uma invenção capaz de ampliar o reconhecimento das necessidades. Pois bem, nesses sentimentos de injustiça, nessas preferências axiológicas feridas, na ética do cuidado desenvolvida de forma cotidiana nos CAPS, podem se encontrar verdadeiros esboços de futuras institucionalidades que venham a responder melhor às contradições entre direito e necessidade. Verdadeiros bosquejos para a construção de uma nova semântica da liberdade, que possa articular de forma mais adequada autonomia e cuidado, assim com a passagem entre a orientação moral do trato igual, recíproco e simétrico entre os direitos e obrigações; e a bondade (beneficência), da prática afetiva e não recíproca da infinidade do outro concreto.

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Dr. Martín Mezza. Autor do Livro: “A luta pelo reconhecimento da loucura. A gramática moral da assistência social na deficiência mental”.

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Exercício é tão bom quanto antidepressivos para a depressão moderada

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Um novo estudo, publicado no British Journal of Sports Medicine, descobriu que o exercício é tão bom no tratamento da depressão quanto os medicamentos antidepressivos, pelo menos para aqueles com sintomas leves ou moderados. A adição de medicamentos antidepressivos ao exercício não aumenta a efetividade – o exercício sozinho é tão bom quanto.

Os pesquisadores escrevem: “O exercício alivia os sintomas da depressão de forma semelhante aos tratamentos antidepressivos sozinho ou em combinação com o exercício”.

Eles acrescentam, “Estes resultados sugerem que o exercício pode ser usado como uma abordagem de tratamento alternativo para o manejo da depressão não séria em adultos”.

Eles também observam que os protocolos utilizados na Europa, Canadá, Reino Unido e na Austrália já listam o exercício físico como um tratamento inicial potencial para a depressão. Entretanto, os protocolos dos EUA têm ficado para trás, apresentando apenas medicamentos antidepressivos e psicoterapia como tratamentos iniciais.

O estudo foi uma meta-análise de 21 ensaios aleatórios e controlados, incluindo 2551 participantes totais. Os pesquisadores analisaram os resultados de exercícios, antidepressivos e sua combinação em comparação entre si ou com um grupo de placebo/controle.

Como a maioria das pessoas a quem são prescritos antidepressivos tem sintomas leves a moderados, e os antidepressivos têm efeitos adversos significativos, os pesquisadores sugerem que os pacientes devem ser informados de que o exercício é uma alternativa legítima que poderia proporcionar o mesmo alívio, com muito menos efeitos nocivos.

O problema, sugerem eles, é que o exercício requer mais esforço.

“O exercício é fisicamente exigente e mais difícil de se implementar em comparação com os tratamentos farmacológicos padrão. Por outro lado, os tratamentos antidepressivos estão associados a maiores efeitos adversos, custos mais altos e estigma social”, escrevem eles.

Talvez por esta razão, as pessoas estejam mais propensas a abandonar o grupo de exercícios do que o grupo de antidepressivos antes do final do estudo, o que os pesquisadores tomaram para indicar que o exercício seria menos aceitável como uma intervenção.

No entanto, os efeitos adversos foram relatados por 22% que tomaram antidepressivos, em comparação com apenas 9% que fizeram exercício.

Os resultados foram robustos, com a conclusão permanecendo consistente após os pesquisadores terem controlado a qualidade do estudo e outros fatores.

“Os resultados foram corroborados por meio de análises de sensibilidade rigorosas que contabilizaram a qualidade dos estudos, bem como os tipos de participantes e intervenções”, eles escrevem.

A conclusão é consistente com um estudo do início deste ano, no qual o exercício foi associado a um risco 25% menor de depressão. Em outro estudo, aqueles que fizeram exercício tiveram taxas de recidiva significativamente menores após 10 meses do que aqueles que tomaram medicamentos antidepressivos.

Uma grande limitação deste estudo é que ele se concentrou apenas na depressão leve a moderada – portanto, ainda não sabemos se o exercício seria tão bom quanto os antidepressivos para aqueles com sintomas graves. No entanto, um estudo de 2016 descobriu que o exercício teve um grande efeito na melhoria até mesmo da depressão severa.

Os pesquisadores também não incluíram nenhum estudo sobre yoga, tai chi, ou outras intervenções que pudessem ter aspectos psicológicos além do simples exercício – de modo que estes podem se tornar ainda mais eficazes.

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Recchia, F., Leung, C. K., Chin, E. C., Fong, D. Y., Montero, D., Cheng, C. P., . . . & Siu, P. M. (2022). Comparative effectiveness of exercise, antidepressants and their combination in treating non-severe depression: A systematic review and network meta-analysis of randomised controlled trials. Br J Sports Med. Published online on September 16, 2022. doi:10.1136/bjsports-2022-105964 (Full text)

[trad. e edição Fernando Freitas]

 

Acadêmicos no Sul Global, É hora de vocês descolonizarem a Psicologia

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Em um novo artigo (publicado no site PsyArXiv), o psicólogo Mvikeli Ncube da Universidade de Arden, no Reino Unido, pede a descolonização do conhecimento psicológico para abordar a violência epistêmica feita às comunidades dos povos originários e locais no Sul Global. Ncube escreve que o campo da psicologia deve ser descolonizado e resituado em contextos locais para garantir que o significado ocorra dentro da própria experiência vivida e não da situação e do poder do Norte Global, sugerindo que os pesquisadores autóctones e as formas de conhecimento ofereçam uma importante alternativa ao status quo colonizador.

“Descolonização significa lutar, desfazer e superar caminhos coloniais recebidos que moldaram práticas de conhecimento em psicologia e estruturas econômicas, políticas e sociais; relações interpessoais; e o self. Grande parte da psicologia no sul global continua a ser moldada fortemente pelas idéias coloniais ou, na melhor das hipóteses, dominada pelas idéias, pelo eu e pela sociedade da Europa e dos Estados Unidos”, escreve Ncube.

O Norte Global exportou seu conceito de psicologia e psiquiatria para todo o mundo, sob a suposição de que as descobertas de como as pessoas se comportam em amostras WEIRD* (ocidental, educado, industrializado, rico e democrático), como os estudantes universitários dos EUA, são universalmente verdadeiras. Isto inclui transtornos psiquiátricos específicos, medicação, linguagem e formas de saber. Ncube, em seu ensaio, encoraja pesquisadores locais e dos povos originários, acadêmicos e pensadores do Sul Global a reconhecer a violência epistêmica inata às formas ocidentais de conhecer e conduzir suas próprias pesquisas para neutralizar seus muitos danos.

Ncube articula este argumento através de uma breve análise filosófica e histórica da psicologia. Ele baseia seu trabalho na posição epistemológica social construcionista (o que significa que sua suposição subjacente é que o conhecimento é criado, em vez de inerente e objetivo). Através desta premissa, Ncube argumenta que a descolonização da psicologia é melhor feita através da “descolonização epistêmica” fanoniana.

Ele explica: “A descolonização epistêmica refere-se à redenção de visões de mundo e teorias e formas de saber que não estão enraizadas, nem orientadas em torno da teoria euro-americana. A principal alegação da descolonização epistêmica é que a subjetividade, o contexto e o lugar social do sujeito são importantes. Rejeita a afirmação, fundada na Era Europeia das Luzes, de que o conhecimento científico é inerente e necessariamente racional, objetivo e universal. Em vez disso, os teóricos descoloniais argumentam que a objetividade também é construída socialmente”.

Ele entende que o conhecimento que é criado na psicologia é uma espécie de conhecimento criado e propagado por pesquisadores brancos no Norte Global. E esta forma específica de conhecer e de fazer sentido nunca será capaz de encapsular ou compreender completamente a verdadeira experiência dos povos originários e locais no Sul Global, porque foi concebida para duvidar e questionar outras formas de conhecimento não fundamentadas no método científico. Ncube o coloca de forma simples: a psicologia atual do Norte Global foi criada, não apenas sem a apreciação de textos e metodologias fundamentadas no Sul Global, mas com a intenção específica de miná-los.

Ele escreve: “A ciência psicológica é uma forma posicionada de conhecimento que reflete os entendimentos e interesses das pessoas em posições de domínio, daqueles que decidem o que é digno de estudo, o que conta como teoria básica ou aplicação restrita etc. […] O significado de tudo isso é que conceitos, crenças e entendimentos psicológicos ocidentais não devem ser aceitos no sul global sem uma profunda aplicação crítica do pensamento. Alternativas radicais que questionam o paradigma dominante sobre questões de dinâmica de poder, exploração e subordinação, política e desigualdades são encorajadas para interrogar as suposições subjacentes da pesquisa dominante em psicologia”.

Entretanto, a psicologia do Norte Global pode ser desafiada pelos acadêmicos do Sul Global, avançando a causa da libertação. Ncube pede que os acadêmicos adotem suas maneiras situadas de conhecer e conduzir pesquisas que exponham e contrariem o que grande parte do mundo considera como conceitos “naturais” e “neutros” para destacar as falhas de uma disciplina criada com negligência intencional para outras formas de conhecimento e de criação de sentido.

* WEIRD = Western, Educated, Industrialized, Rich and Democratic

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Ncube, M. (2022). Epistemic violence in psychological science. Issues of knowledge, meaning making and power: A critical historical and philosophical perspective. Accessed September 21, 2022. https://psyarxiv.com/a5nxs/

[trad. e edição Fernando Freitas]

Estratégias para melhorar a desprescrição em instituições de longa permanência

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Pharmaceutical products are spilled on the table.

Um novo artigo publicado na revista Exploratory Research in Clinical and Social Pharmacy oferece uma estrutura para desenvolver e implementar práticas sustentáveis de desprescrição em instalações de cuidados de longo prazo (LTCs). Embora o estudo não seja específico para o uso de drogas psicotrópicas e polifarmácia na psiquiatria, os pesquisadores canadenses Lisa M. McCarthy, Barbara Farrell, Pam Howell e Tammie Quast identificaram os componentes necessários, comportamentos desejados e ações de apoio, que compõem um ambiente propício ao gerenciamento de medicamentos.

“Muitos fatores inter-relacionados influenciam a desprescrição em ambientes de cuidados, como barreiras em nível pessoal, de provedor e de sistema de saúde. Exemplos observados em estudos de ambientes de LTC incluem a falta de consciência dos residentes e suas famílias sobre o que está sendo prescrito, potenciais danos da medicação contínua e a desprescrição como opção; relutância do prescritor em mudar a terapia de medicação; poucas oportunidades ou tempo para colaboração entre funcionários, farmacêuticos e prescritores; e falta de sistemas de informação abrangentes que forneçam o histórico de saúde dos residentes. Para melhorar as experiências com medicamentos para todas as pessoas que vivem no LTC, é necessária uma mudança cultural em larga escala”, escrevem os pesquisadores.

 Polifarmácia e o uso prolongado de medicamentos psicotrópicos têm conseqüências desastrosas e bem documentadas. Embora as barreiras à desprescrição permaneçam abundantes, os benefícios da desprescrição e da suspensão dos medicamentos psicotrópicos também têm benefícios documentados e são um papel importante da equipe de atendimento.

No estudo atual, em Ontário, Canadá, de 2018 a 2020, os autores pesquisaram LTCs com fins lucrativos, sem fins lucrativos e públicos, com a intenção de compreender as necessidades das partes interessadas para iniciar conversas significativas e na disseminação de informações relativas à desprescrição.

No início do projeto, McCarthy e colegas realizaram uma pesquisa ambiental para construir relações com as partes interessadas e compreender melhor o estado atual da desprescrição em toda a província. A partir desse exame, foi criada uma lista dos principais interessados que influenciam a cultura da desprescrição e informou os dois fóruns que se seguiram.

O primeiro fórum, em junho de 2019, identificou comportamentos que precisavam mudar dentro dos LTCs para incentivar um ambiente de desprescrição. Os participantes foram escolhidos por sua capacidade de representar uma ou mais perspectivas que influenciam as práticas de desprescrição nos LTCs, tais como pessoas que vivem nos LTCs e seus entes queridos, assim como prestadores de cuidados, defensores e formuladores de políticas.

Enquanto o Fórum Um identificou os comportamentos necessários para mudar dentro dos LTCs, o Fórum Dois, realizado em janeiro de 2020, foi facilitado para criar o que os autores chamam de “planos de implementação conduzidos pelos bem-sucedidos” ou “cartas de implementação” para apoiar a operacionalização e a promulgação dos comportamentos identificados no primeiro. Após o segundo fórum, os autores solicitaram que os participantes respondessem ao feedback em escala de Liker no que diz respeito ao seu interesse na implementação de práticas de desprescrição.

Após o segundo fórum, os autores conseguiram identificar quatro comportamentos alvo e 14 ações de apoio que devem estar presentes para promover um ambiente de desprescrição, como visto no gráfico abaixo (os quatro comportamentos alvo são encontrados no círculo interno e as ações de apoio fora do círculo).

Os pesquisadores descobriram que:

  • As pessoas nos LTCs, assim como suas famílias/responsáveis, devem ter o pleno consentimento livre e esclarecido e participar da tomada de decisões compartilhadas. Isto significa que eles devem ser informados sobre os riscos e benefícios dos medicamentos oferecidos, bem como sobre outras alternativas.
  • Todos da equipe de saúde precisam participar das conversas sobre desprescrição.
  • Todo o pessoal clínico precisa estar alerta para problemas de saúde que possam ser devidos a mudanças de medicamentos ou polifarmácia.
  • Os médicos prescritores precisam documentar cuidadosamente porque cada medicamento está sendo usado, bem como por quanto tempo deve ser usado.

De suas pesquisas, os autores escrevem: “O estabelecimento de relações e as tentativas de entender o contexto local e relevante foram importantes. Juntamente com as partes interessadas, articulamos quatro comportamentos-alvo para facilitar a desprescrição e 14 ações de apoio baseadas em evidências, cinco das quais foram priorizadas para o planejamento contínuo da implementação”.

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McCarthy, L. M., Farrell, B., Howell, P., & Quast, T. (2022). Supporting deprescribing in long-term care: An approach using stakeholder engagement, behavioural science and implementation planning. Exploratory Research in Clinical and Social Pharmacy, 7,     100168. doi: 10.1016/j.rcsop.2022.100168 (Full text)

[trad. e edição Fernando Freitas]

Alguns terapeutas são melhores em formar alianças com clientes do que outros

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Young African Man Sitting On Chair Near Female Psychologist With Clipboard

A aliança terapêutica – a ligação entre terapeuta e cliente – tem sido consistentemente ligada a melhores resultados na terapia. Em um novo estudo, os pesquisadores descobriram que uma parte significativa dessa aliança é determinada pela habilidade do terapeuta em se conectar com os clientes.

Eles escrevem: “Parece que alguns terapeutas são consistentemente (isto é, com cada um de seus clientes) melhores em formar alianças do que outros e esses terapeutas tendem a ter melhores resultados gerais de tratamento com seus pacientes”.

Como o discurso acerca de uma crise de saúde mental na sociedade continua a crescer, especialmente em resposta a tempos incertos, incluindo a pandemia da COVID e a instabilidade política e econômica, muitas pessoas estão à procura de tratamento. Em um novo estudo, publicado no Journal of Consulting and Clinical Psychology, uma equipe internacional de pesquisa investigou se os efeitos do terapeuta moderam a relação entre a aliança terapêutica e os resultados do tratamento. Os pesquisadores incluíram Bruce Wampold, conhecido em psicologia de aconselhamento por seu trabalho sobre os fatores comuns que tornam os terapeutas eficazes.

Os autores observam, “A aliança terapêutica refere-se à colaboração mútua entre paciente e terapeuta em metas e tarefas da psicoterapia, juntamente com o vínculo terapêutico entre ambos”. Várias metanálises em larga escala têm demonstrado que a aliança terapêutica é um preditor robusto do sucesso do tratamento…. O impacto da aliança também tem sido demonstrado em várias condições de saúde mental”.

O que é conhecido como “efeito terapeuta” é outra descoberta consistente na pesquisa psicoterapêutica, na medida em que os terapeutas diferem em sua eficácia de influenciar os resultados do tratamento. Embora muitos dos atributos do terapeuta que levam a melhores resultados não tenham sido completamente estudados, a pesquisa tem mostrado um efeito positivo da empatia do terapeuta. Mesmo enquanto clínicos e pacientes muitas vezes discordam em sua avaliação da terapia, os efeitos do terapeuta conforme os que costumam ser avaliados pelos pacientes ainda representam uma parte significativa da aliança. Eles também citam a repetida descoberta de que terapeutas com capacidade de formar fortes alianças com seus clientes tendem a ter melhores resultados de tratamento.

Como as descobertas anteriores sobre os efeitos dos terapeutas na relação entre a aliança e os resultados, os pesquisadores quiseram atualizar a ciência através da realização de uma meta-análise. Replicando e ampliando pesquisas anteriores feitas sobre o tema há uma década, através de 153 estudos os pesquisadores calcularam um índice de efeito terapeuta, o Patient-Therapist Ratio (PTR). Para levar em conta outras variáveis que poderiam influenciar o efeito terapeuta, os pesquisadores controlaram para o diagnóstico de transtornos de personalidade, uma medida usada para avaliar a aliança terapêutica, a fonte de medida da aliança e do resultado (avaliada pelo paciente, terapeuta ou observador), e o desenho da pesquisa.

Os autores escrevem: “Se a maior parte da variação na qualidade da aliança se deve à influência dos clientes, os esforços e métodos de tratamento dos terapeutas terão um impacto limitado sobre o resultado da aliança. Entretanto, se os terapeutas forem responsáveis pela maior parte da variação da aliança, então nossos esforços para melhorar as habilidades dos terapeutas no desenvolvimento de alianças fortes e no desenho de tratamentos que se concentrem em melhorar a aliança terão resultados de retorno importantes”.

Após utilizarem modelos meta-analíticos de vários níveis para analisar estatisticamente o impacto do efeito do terapeuta (PTR) sobre a aliança terapêutica e seus resultados, eles descobriram que ele ainda teve um impacto estatisticamente e clinicamente significativo, mesmo quando fazendo o controle das outras variáveis mencionadas anteriormente. Os autores dizem que seus resultados fornecem evidências de que o treinamento de terapeutas em habilidades de relacionamento irá melhorar a aliança terapêutica e, portanto, seus tratamentos serão mais eficazes.

Embora concluam que os efeitos do terapeuta como um todo são significativos, os autores mencionam a necessidade de mais pesquisas sobre o que torna os terapeutas mais ou menos eficazes. Eles citam algumas evidências de que terapeutas mais eficazes demonstram habilidades interpessoais em situações desafiadoras, fluência verbal, expectativas positivas para o resultado do tratamento, persuasão, expressão emocional, calor, aceitação e compreensão, capacidade de sintonia com os pacientes e capacidade de resposta durante as rupturas na aliança.

Os autores relatam que ainda pode haver outras variáveis que impactam a aliança – que ainda não foram controladas. Considerando explicações alternativas para o porquê do índice PTR de efeitos terapeutas serem preditivos do resultado da aliança, eles mencionam que terapeutas mais efetivos não tiveram menor número de casos. Embora com clínicos de saúde mental e sistemas sobrecarregados com a demanda, levar tempo para encontrar um bom psicoterapeuta ainda poderia valer a pena para um tratamento mais eficaz.

“Em conclusão”, os autores escrevem, “os terapeutas que geralmente formam fortes alianças entre uma série de pacientes tiveram maior probabilidade de ter resultados positivos em comparação com os terapeutas que geralmente tinham alianças mais fracas entre os pacientes”. Ou seja, a variabilidade dos terapeutas na aliança foi apoiada meta-analiticamente como sendo mais relevante do que a variabilidade dos pacientes para melhores resultados pós-tratamento”.

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Del Re, A. C., Flückiger, C., Horvath, A. O., & Wampold, B. E. (2021). Examining therapist effects in the alliance–outcome relationship: A multilevel meta-analysis. Journal of Consulting and Clinical Psychology89(5), 371–378. https://doi.org/10.1037/ccp0000637 (Abstract)

[trad. e edição Fernando Freitas]

Nenhuma evidência de segurança a longo prazo ou de eficácia do tratamento de saúde mental em crianças

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Em um novo estudo, os pesquisadores descobriram que não há evidências a longo prazo sobre a segurança e eficácia do tratamento de problemas comuns de saúde mental para crianças.

“A impressão que emerge desta visão geral é que não há evidências convincentes de que intervenções para os transtornos infantis mais comuns sejam benéficas a longo prazo”, escrevem eles.

A pesquisa foi liderada por Annelieke M. Roest na Universidade de Groningen, na Holanda. Ela foi publicada no The Journal of Child Psychology and Psychiatry.

Os pesquisadores “realizaram uma busca sistemática de todas as revisões sistemáticas sobre a eficácia a longo prazo (≥2 anos) e os danos do tratamento para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), comportamento, ansiedade e transtornos depressivos para crianças entre 6 e 12 anos de idade”. Ou seja, o trabalho não incluiu estudos originais, mas, em vez disso, concentrou-se em sintetizar os dados de revisões sistemáticas anteriores dos estudos.

Os pesquisadores encontraram cinco estudos que preenchiam seus critérios: três sobre TDAH e dois sobre transtornos de comportamento (transtorno de conduta, transtorno desafiante oposicionista e transtorno explosivo intermitente).

Eles não encontraram revisões sistemáticas de tratamentos de longo prazo para depressão ou ansiedade em crianças. Assim, eles escrevem que não há evidências concretas para se dizer se qualquer tratamento para depressão ou ansiedade em crianças é seguro ou eficaz a longo prazo.

Os pesquisadores sugerem que os estudos sobre TDAH e transtornos de comportamento também fornecem evidências muito limitadas. Em parte isso se deve ao fato de que esses estudos têm problemas metodológicos que os tornam pouco informativos. Por exemplo, não foi permitida a participação de pacientes que relataram anteriormente efeitos nocivos do tratamento, o que reduz artificialmente as taxas de eventos adversos. Além disso, muitos pacientes abandonaram os estudos, o que pode ser devido à experiência de efeitos prejudiciais, que então não são contados na análise final.

Para ADHD, os pesquisadores escrevem: “Quanto aos benefícios a longo prazo dos medicamentos, a evidência é inconclusiva, pois poucos estudos a longo prazo incluíram grupos de comparação adequados ou controle adequado para confundir”.

Entretanto, eles sugerem que a melhor evidência disponível vem do estudo mais bem considerado e altamente citado do TDAH infantil, o estudo MTA do NIMH. Esse estudo inicialmente encontrou resultados promissores para drogas estimulantes como Ritalina e Adderall. Entretanto, os resultados posteriores do estudo MTA foram desanimadores: o acompanhamento de três anos constatou que aqueles que recebiam tratamento não estavam melhor do que aqueles que não recebiam, enquanto o acompanhamento de seis a oito anos constatou que aqueles que recebiam medicamentos não estavam melhor do que aqueles que não recebiam.

Outras pesquisas descobriram que os estimulantes não melhoram nem mesmo o desempenho acadêmico das crianças. Além disso, os pesquisadores observaram os efeitos adversos dos medicamentos estimulantes: insônia, supressão do apetite e supressão do crescimento; as crianças com os medicamentos acabaram sendo mais baixas e magras do que seus pares. A guanfacina da droga também foi considerada como causadora de problemas cardíacos.

Para transtornos comportamentais, embora os pesquisadores tenham encontrado duas revisões, concluíram que os estudos não incluíam informações suficientes para avaliar se os tratamentos eram eficazes a longo prazo. Eles observaram, no entanto, que o tratamento mais comum para transtornos comportamentais em crianças é o de tranquilizantes neurolépticos (coloquialmente, “antipsicóticos”). Esses medicamentos, eles escrevem, estão associados a efeitos prejudiciais como ganho de peso, diabetes, sedação e sintomas extrapiramidais (um eufemismo para uma ampla gama de distúrbios graves de movimento, como Parkinson, acatisia, distonia e discinesia tardia).

Embora algumas intervenções não medicamentosas tenham sido incluídas nas revisões, os pesquisadores concluíram que não forneceram informações suficientes para avaliar se os tratamentos eram seguros ou eficazes a longo prazo. Estudos de intervenções psicológicas não mencionaram riscos ou danos em potencial, eles descobriram.

Em última análise, eles escreveram que “a literatura científica não pode responder com confiança à importante questão política e de saúde relativa à eficácia e segurança a longo prazo do tratamento de distúrbios mentais infantis”.

Devido a esta falta de evidência de qualquer efeito benéfico a longo prazo de medicamentos psiquiátricos em crianças, e dos riscos conhecidos e desconhecidos de efeitos adversos, os pesquisadores sugerem que – especialmente em casos leves – uma espera vigilante pode ser a estratégia apropriada.

Além disso, eles argumentam que as causas sociais e ambientais do sofrimento emocional devem ser o foco principal dos esforços de prevenção:

“Ações de toda a sociedade potencialmente causadoras de uma redução dos transtornos mentais na infância são fundamentais, por exemplo, abordando o apoio aos pais, estilos de vida (insalubres), bullying na escola, desigualdades de gênero e redução do estigma”.

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Roest, A. M., de Vries, Y. A., Wienen, A. W., & de Jonge, P. (2022). Editorial Perspective: Are treatments for childhood mental disorders helpful in the long run? An overview of systematic reviews. The Journal of Child Psychology and Psychiatry. Published on August 29, 2022. https://doi.org/10.1111/jcpp.13677 (Full text)

 

[trad. e edição Fernando Freitas]

Thomas Szasz Versus o Movimento de Saúde Mental nos Estados Unidos

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Failure crisis concept and lost business career education opportunity. Lonely young man on a rock cliff island surrounded by an ocean storm waves

Faz 10 anos que o psiquiatra Thomas Szasz morreu em 8 de setembro de 2012, aos 92 anos de idade. Durante sua vida ele publicou 35 livros, e mais de 700 artigos, a maioria dos quais foram altamente críticos tanto da teoria quanto da prática da psiquiatria, que há muito tempo tem reivindicado ser uma especialidade médica legítima (Ver Szasz, “Lista de Publicações, 1947-2009“). Dependendo de quem fala, Szasz foi ou o libertador heroico dos chamados “doentes mentais”, ou um crítico malicioso de psiquiatras bem intencionados que só procuram restaurar a “saúde mental” dos “doentes mentais”.

Enquanto outras especialidades médicas não tiveram que defender a sua legitimidade, a psiquiatria passou os últimos duzentos anos tentando convencer tanto a medicina quanto o público de sua boa-fé médica. Nos últimos sessenta anos, isto envolveu ignorar, atacar, interpretar mal, censurar, caluniar, difamar e denegrir Szasz e seus seguidores. Desde o início, a psiquiatria se envolveu em miríades de argumentos ad hominem como um meio de desacreditar suas idéias.

Que a psiquiatria tem sido bem sucedida em suas tentativas de sustentar sua reputação é um crédito ao trabalho de relações públicas e um descrédito para a investigação científica válida. Pois como Szasz observou décadas atrás, os psiquiatras são simplesmente os sumos sacerdotes da ideologia do que ele chamou de “Estado terapêutico”, que é apoiado por um dos movimentos sociais mais violentos que o Estados Unidos já conheceu. A comparação de Szasz do movimento de saúde mental com a Inquisição medieval em seu livro The Manufacture of Madness, a comparative study of the inquisition and the mental health movement (1970) jogou chamas sobre as fogueiras dos psiquiatras que não aceitavam de bom grado ser comparados aos inquisidores. Como políticos que afirmam nunca ter dito algo político, os psiquiatras ignoraram que tinham solicitado esta comparação, culpando as vítimas (as chamadas bruxas) ao rotulá-las retroativamente como “doentes mentais” e assim desculpando os crimes contra a humanidade de seus perseguidores (os Inquisidores).

Uma década após a morte de Szasz, é hora de fazer várias perguntas: (1) Será que o vasto empreendimento de pesquisa da psiquiatria biológica provou que Szasz estava errado? (2) Szasz teve sucesso em mudar a ideologia e/ou a prática da psiquiatria? (3) Se seu ponto de vista era válido, e se ele não teve sucesso, o que ainda poderia ser feito para promover a sua visão de uma prática não médica, verdadeiramente voluntária e confidencial de “aconselhamento” pessoal?

O Mito da Doença Mental

A partir de 1956, Szasz começa a lançar as bases para o seu ataque à psiquiatria com uma série de artigos e um importante, mas muitas vezes negligenciado, livro, Pain and Pleasure. Seu primeiro livro, de fato, tratava do cerne de sua cruzada de vida: o problema mente-corpo.

Szasz resumiu sucintamente os principais temas de seu trabalho em pelo menos três lugares. Seu breve artigo de 1960, “The Myth of Mental Illness”, contém as sementes de muitas de suas idéias que ele desenvolveu ao longo de sua carreira. A versão revisada de 1974 do livro O Mito da Doença Mental (1961) contém um “Resumo” com dez pontos principais (pp. 267-68). E o site Szasz.com de Jeffrey Schaler contém “Thomas Szasz’s Summary Statement and Manifesto” (1998) com seis pontos principais.

Como Szasz resumiu seus pontos de vista de forma tão clara, não vejo necessidade de me debruçar sobre eles aqui. Para aqueles que desejam uma introdução mais detalhada a seu trabalho, favor ver meu artigo, Thomas Szasz’s History and Philosophy of Psychiatry, em minha antologia, “Thomas Szasz: Moral Philosopher of Psychiatry” (Seattle: Review of Existential Psychology & Psychiatry, 1997, pp. 6-69).

A medicina científica moderna se baseia na idéia de que a doença é algo que afeta o corpo, que se baseia nas leis determinísticas da física e da bioquímica. Contudo, a psiquiatria afirma que o comportamento humano que viola as normas sociais e culturais é causado por algo no corpo ou no cérebro e é tratável pelos meios comuns da medicina, tais como drogas, eletrochoque e cirurgia.

Szasz acreditava que o conceito de “doença mental” fosse uma metáfora que se tornou literalizada devido ao erro categórico de aplicar a doença ao comportamento social, moral e político. As pessoas rotuladas como doentes mentais não têm de fato nada comprovadamente errado com seus corpos ou cérebros, e os padrões dos quais diferem dos outros não são normas biológicas, mas sociais.

A partir da adolescência, Szasz acreditava que os psiquiatras não agem da mesma forma que outros médicos. Ao tratar o comportamento voluntariamente escolhido como se o indivíduo não fosse responsável, os psiquiatras violam os principais princípios da ética médica e provam que são adversários das pessoas que dizem “ajudar”. Pessoas cuja conduta se desvia das normas sociais não são doentes, e os psiquiatras estão servindo ao papel do Estado no funcionamento como executores extralegais dos costumes sociais.

A história da psiquiatria é bastante distinta da história da medicina. Em História da Loucura, Foucault traçou as origens da psiquiatria até o estabelecimento do Hôpital Génèral em Paris em 1656. Estes não eram hospitais em nosso sentido da palavra, mas sim asilos públicos para les misérables. Szasz traça as origens da psiquiatria com o uso generalizado de loucos privados na Inglaterra, para onde parentes enviavam os seus familiares indesejados (ver Parry-Jones’s (The Trade in Lunacy).

Em seu prefácio à primeira edição de The Myth of the Mental Illness (1961), Szasz escreveu que ele tinha um duplo propósito:

Minha primeira tarefa, portanto, é apresentar uma análise essencialmente “desconstrutivista” do conceito de doença mental e de psiquiatria como uma empresa pseudomédica….A minha segunda tarefa é oferecer uma síntese “construtiva” do conhecimento que achei útil para preencher a lacuna deixada pelo mito da doença mental (p. x).

O Modelo Pseudomédico

Tornou-se comum a referência ao “modelo médico” de doença mental característico da psiquiatria. Mas o argumento de Szasz é que a psiquiatria é uma pseudociência que adotou um modelo pseudomédico.

Em resumo, médicos reais não inventam doenças falsas e nem diagnósticos falsos. Médicos de verdade não violam o consentimento informado. Médicos de verdade não violam a confidencialidade do paciente. Médicos de verdade não violam a autonomia de seus pacientes e tratam seus pacientes involuntariamente. Médicos de verdade não prendem seus pacientes. Médicos de verdade não forçam a medicação de seus pacientes. Médicos de verdade não abalam seus pacientes involuntariamente. Médicos de verdade não operam seus pacientes involuntariamente. Médicos de verdade não inventam doenças para desculpar seus pacientes por comportamento criminoso, como assassinato.

Se a psiquiatria tivesse de fato adotado o modelo médico, ela também não faria nada disso. Contudo, os psiquiatras fazem todas estas coisas.

Determinismo Biológico

Desde a sua fundação, os Estados Unidos têm estado sujeitos a dezenas de movimentos sociais. Alguns têm sido considerados, como a abolição da escravidão e o movimento de direitos civis para acabar com a segregação racial.

Mas outros mancharam a nossa história. Craniometria, eugenia e proibição do álcool já foram populares, mas agora foram desacreditadas.

A frenologia já foi amplamente praticada e quase custou ao mundo a teoria da evolução. Charles Darwin foi quase rejeitado quando se candidatou para a viagem de cinco anos pelo mundo no HMS Beagle. O Capitão FitzRoy era um adepto da frenologia e disse a Darwin que quase tinha decidido recusá-lo devido à forma de seu nariz (Janet Browne, Charles Darwin: Voyaging, Princeton: Princeton University Press, 1995, pp. 160-61).

Em The Mismeasure of Man, Stephen Jay Gould desconstruiu várias pseudociências culpadas de determinismo biológico, incluindo a craniometria, o movimento hereditário de QI, e a sociobiologia. Em sua Introdução, Gould escreve:

O argumento geral pode ser chamado de determinismo biológico. Ele sustenta que as normas comportamentais compartilhadas, e as diferenças sociais e econômicas entre os grupos humanos – principalmente raças, classes e sexos – se originam de distinções herdadas e inatas e que a sociedade, neste sentido, é um reflexo preciso da biologia. Este livro discute, em perspectiva histórica, um tema principal dentro do determinismo biológico: a afirmação de que o valor pode ser atribuído a indivíduos e grupos, medindo a inteligência como uma única qualidade (p. 52).

Em Not in Our Genes Richard Lewontin, Steven Rose e Leon Kamin desembrulharam as ideias reducionistas da psiquiatria biológica e o que Szasz chamaria de seu “símbolo sagrado”: a esquizofrenia. No prefácio da segunda edição (2017) de seu trabalho, estes cientistas escrevem:

No entanto, apesar de toda a intensa pesquisa nas universidades e nas gigantescas empresas farmacêuticas (Big Pharma), e apesar dos enormes avanços na genética, os genes e a bioquímica que se acreditava causar a esquizofrenia e depressão permanecem elusivos (p. xii e xiii).

Em meu artigo “No Proof Mental Illness Rooted in Biology”  (2003), eu disse:

Os psiquiatras ainda têm que provar conclusivamente que uma única doença mental tem uma causa biológica ou física, ou uma origem genética. A psiquiatria ainda tem que desenvolver um único teste físico que possa determinar que um indivíduo realmente tem uma doença mental em particular. De fato, o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais utiliza o comportamento, não os sintomas físicos, para diagnosticar doenças mentais, e carece tanto de confiabilidade científica quanto de validade.

No “Nenhuma evidência que a serotonia baixa cause a depressão“, Peter Simons relata a recente análise de Joanna Moncrieff e seus associados, e cita os autores:

Esta análise sugere que o enorme esforço de pesquisa baseado na hipótese da serotonina não produziu provas convincentes de uma base bioquímica para a depressão. Isto é consistente com as pesquisas sobre muitos outros marcadores biológicos. Sugerimos que é hora de reconhecer que a teoria da depressão por serotonina não está empiricamente fundamentada.

Em “The Fruitless Search for Genes in Psychiatry and Psychology” (Genetic Explanations: Sense and Nonsense, ed. Sheldon Krimsky & Jeremy Gruber, Cambridge: Harvard University Press, 2013, pp. 94-106), Jay Joseph e Carl Ratner apontam os problemas metodológicos de gêmeos, adoção e estudos familiares na pesquisa de genes em psiquiatria biológica. Embora muitos psiquiatras tenham afirmado encontrar um gene ou genes associados a doenças mentais, nenhum sobreviveu ao escrutínio e foi replicado.

Em “Major Depression: The ‘Chemical Imbalance’ Pillar is Crumbling: Is the Genetics Pillar Next?”, Joseph escreve:

Eu tenho mostrado que estudos genéticos familiares, gêmeos, adoção e moleculares falharam em fornecer evidências cientificamente válidas de que os genes desempenham um papel na causa da depressão. Combinado com as recentes descobertas de Moncrieff e colegas de que a serotonina não está associada à depressão, a idéia de Depressão Maior como uma condição médica está em sérios problemas. O grande desequilíbrio químico da depressão que vem de longa data e as alegações de doenças cerebrais que são usadas para apoiar o modelo médico estão agora desmoronando. A antiga e relacionada reivindicação da “depressão como um transtorno hereditário” aguarda a sua vez para ser respondida.

O conceito de doença mental é uma marca do determinismo biológico. É a tentativa de explicar as diferenças no comportamento humano livremente escolhido como deterministicamente causado por uma doença no indivíduo que torna a pessoa não responsável por sua conduta. Como eles são considerados não responsáveis, os psiquiatras afirmam que se justifica tratar a pessoa contra a sua vontade.

Como Szasz declarou durante muitas décadas, “doença mental” é a ideologia usada para justificar uma miríade de crimes contra a humanidade nos quais as pessoas que não tiveram o devido processo e não foram condenadas em um tribunal por um delito específico e presas por anos, torturadas contra sua vontade e liberadas somente se concordarem em continuar a tomar “camisas de força químicas” uma vez que estejam fora.

Szasz acreditava que “doença mental” não era possível, que “mentes” não podem ser doentes, apenas corpos podem. Se a medicina descobrisse que alguma constelação de sintomas fosse causada por uma doença corporal, isto seria acrescentado ao nosso conhecido compêndio; não mais seria tratado por psiquiatras, mas por médicos regulares. O principal exemplo disso é a neurosífilis.

Não deve ser surpreendente, portanto, que a psiquiatria não tenha sido capaz de produzir nenhuma evidência credível, replicável e válida de que qualquer “doença mental” tenha uma causa biológica ou genética.

A Psiquiatria Biológica Contra-ataca

Durante os anos 60 e 70, Szasz teve um tremendo impacto na psiquiatria, na política, no direito e na opinião pública. Um artigo seminal do New York Times de 1982, de Bryce Nelson, foi intitulado “Psychiatry’s Anxious Years: Decline in Allure; As a Career Leads to Self-Examination.”

Nelson apontou para uma “desilusão por parte dos estudantes de medicina sobre a validade científica e eficácia prática da disciplina”, com o número de estudantes de medicina que se aplicam à psiquiatria caindo pela metade. Nelson disse:

Quanto ao declínio geral da psiquiatria, alguns culpam as críticas minuciosas que o campo tem recebido nos últimos anos. Um dos críticos mais falados é o Dr. Thomas S. Szasz, professor de psiquiatria da Universidade Estadual de Nova York em Syracuse. O Dr. Szasz argumenta há anos que “estas coisas chamadas doenças mentais não são doenças, mas parte das vicissitudes da vida”, descartando a psiquiatria como uma especialidade sem causa médica. Nas salas cheias de fumaça”, diz o Dr. Szasz, “uma e outra vez ouvi a opinião de que Szasz matou a psiquiatria. Espero que sim”.

O psiquiatra Stuart Yudofsky disse a Nelson que “havia demasiada ênfase na teoria social em vez de nos triunfos biológicos e farmacológicos da psiquiatria”.

O Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM)

Em grande parte em resposta ao declínio de sua reputação na década de 1960, a psiquiatria já estava trabalhando, fazendo-se parecer mais com a medicina regular. Isto envolveu a substituição de muitos freudianos acadêmicos por psiquiatras biológicos.

Em 1952, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) desenvolveu seu próprio manual chamado Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais. A primeira edição foi desenvolvida principalmente com psiquiatras que trabalhavam em hospitais psiquiátricos e foi projetada em grande parte para lidar com muitos dos problemas apresentados pelos veteranos da Segunda Guerra Mundial.

Assim como a primeira edição, a segunda (publicada em 1968) era encadernada em espiral e tinha apenas cerca de 130 páginas de extensão. Foi projetada para espelhar a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde (CID-8, 1966). Ela acrescentou uma seção sobre ” Transtornos de Comportamento da Infância e Adolescência” que incluía “Reação Hipercinética da Infância (ou adolescência)”, que “geralmente diminui na adolescência”. Nos próximos dez anos, quase 350.000 exemplares desta edição seriam impressos pela APA, indicando que eles tinham uma fábrica de dinheiro em suas mãos.

A terceira edição, publicada em 1980, marcou uma virada dramática, como documentado por Stuart Kirk e Herb Kutchins,  The Selling of DSM. Este livro chegou a quase 500 páginas. A seção de duas páginas sobre diagnóstico infantil na segunda edição foi agora ampliada para 64 páginas e o número de transtornos de 7 para quase 50. A terceira edição vendeu 350.000 exemplares em apenas três anos. Em 2016, a STAT  alegou que “Cada edição do DSM vendeu mais de 1 milhão de exemplares….”.

A maior meta científica do DSM III era que ele tinha alcançado um grande grau de confiabilidade entre os médicos, ou seja, a probabilidade de diferentes psiquiatras diagnosticarem o mesmo indivíduo com o mesmo transtorno. Mas, como Kirk e Kutchins apontaram, havia dois problemas com esta afirmação.

O primeiro era que eles tinham que se enganar para produzir seu resultado. Por exemplo, existem vários tipos diferentes de ” Transtornos de Ansiedade”. Mas se diferentes psiquiatras diagnosticaram qualquer um dos vários transtornos de ansiedade, a confiabilidade foi classificada como concordância completa. Em outras palavras, eles ampliaram o alvo a partir do pequeno olho-de-boi até a face inteira do alvo!

O segundo problema era que a reivindicação de alta confiabilidade era falsa, apesar de muitos artifícios estatísticos. Em “O Mito da Confiabilidade do DSM” (“Challenging the Therapeutic State”, Parte Dois, ed., “O Mito da Confiabilidade do DSM”), David Cohen, Journal of Mind and Behavior, Vol. 15, nos. 1 & 2, 1994), Kirk e Kutchins escrevem:

Nenhum estudo sobre a confiabilidade do DSM como um todo quando usado em ambientes clínicos naturais… demonstrou uniformemente alta confiabilidade…. Se, como insistiram os desenvolvedores do DSM III, um sistema de diagnóstico não confiável não poderia ser confiável, há razões suficientes para concluir que as últimas versões do DSM como ferramenta clínica não são confiáveis e, portanto, de validade questionável enquanto um sistema de classificação.

Na verdade, confiabilidade e validade não têm nada a ver um com o outro. Você pode ter 100% de confiabilidade e 0% de validade. E nenhuma versão do DSM foi ou pode ser testada quanto à validade.

Para testar a validade, se precisaria ter um teste de comparação e não há nenhum. Uma vez que a psiquiatria nunca demonstrou qualquer doença mental como tendo uma causa biológica, não há nenhum teste físico para determinar se alguém realmente tem uma doença desse tipo. Todo diagnóstico é feito somente a partir de sintomas que são compostos por grupos de psiquiatras. Nem o DSM nem a própria psiquiatria têm qualquer validade.

Seguro de Saúde Mental

Antes do DSM III em 1980, era provável que uma pessoa pudesse consultar um psiquiatra ou entrar em psicoterapia voluntária sem receber um diagnóstico. Mas o DSM III foi projetado em grande parte para atender às necessidades das empresas de seguro, que haviam expandido sua cobertura de saúde mental como resultado da demanda dos funcionários. Era mais barato para as empresas conceder cobertura de saúde expandida do que aumentar, por isso muitos acordos de negociação coletiva terminaram com uma cobertura de saúde expandida.

O DSM III tinha dado a cada ” transtorno mental” um número discreto para que o seguro pudesse ser faturado e o reembolso obtido. Logo se tornou comum para os provedores de saúde mental de todos os tipos dar diagnósticos psiquiátricos e procurar cobrar dinheiro das empresas de seguro.

E os provedores de saúde mental, suas associações profissionais e grupos leigos como a National Alliance on Mental Illness (NAMI) começaram a pressionar por leis estaduais e federais de “paridade de seguro de saúde mental”. Os principais argumentos usados para convencer os legisladores a expandir o seguro para serviços de saúde mental foram: (1) a doença mental é como qualquer outra doença; (2) não custará nada para ninguém fornecer cobertura de saúde mental; e (3) os tratamentos de saúde mental pouparão o dinheiro da economia a longo prazo, aumentando a produtividade do trabalhador.

Basta dizer em resumo que todas essas três coisas são falsas, como David Cohen e eu escrevemos em Mental Health Insurance Parity Is An Empty Notion” (A Paridade do Seguro de Saúde Mental é uma Noção Vazia):

O mantra do movimento de saúde mental – cujos principais ramos leigos e profissionais, como a National Alliance for the Mentally Ill and the American Psychiatric Association, têm profundas raízes financeiras nas empresas farmacêuticas – tem sido que as doenças mentais são exatamente como as doenças físicas e, portanto, devem ser cobertas pelo seguro. Mas as doenças mentais não são exatamente como as doenças físicas de pelo menos duas formas fundamentais: Seu diagnóstico não se assemelha ao diagnóstico em nenhum outro ramo da medicina, e os pacientes mentais são tratados rotineiramente contra sua vontade.

Não há dúvida de que os custos dos seguros de saúde continuaram a aumentar, mas ninguém se preocupou em perguntar quanto disso se deve à nova cobertura dos tratamentos de saúde mental.

Psicólogos

Em ” A Maioria dos Psicólogos Insatisfeitos com o DSM Desconhecendo as Alternativas“, Ashley Bobak cita pesquisas recentes que mostram que as atitudes dos psicólogos em relação ao DSM não mudaram nas últimas quatro décadas. Como Kirk e Kutchins apontaram, a Associação Americana de Psicologia ameaçou desenvolver seu próprio manual de diagnóstico se a Associação Americana de Psiquiatria não retirasse sua afirmação de que todos os transtornos mentais eram de natureza biológica. Os psiquiatras aderiram, e os psicólogos concordaram com o DSM. Mas Bobak escreve,

Apesar da visão geral negativa do DSM, com preocupações expressas em relação às categorias de diagnóstico incluídas e sua medicalização de questões psicossociais, pelo menos 88% dos psicólogos pesquisados usam o DSM pelo menos uma vez por mês, principalmente por razões práticas, de faturamento.

Por mais que muitos psicólogos e outros provedores de saúde mental se preocupem com o DSM, eles ainda estão felizes em usá-lo, em receber dinheiro do seguro e em ser considerados parte de uma empresa médica.

O Aconselhamento Voluntário e Confidencial Ainda é Possível?

Faz mais de sessenta anos que Thomas Szasz estabeleceu seus objetivos simultâneos de destruição da ideologia da psiquiatria e do movimento de saúde mental e a construção da idéia de um empreendimento de “aconselhamento” não-médico voluntário.

Em seu ensaio, “Psiquiatria para onde?” Szasz viu dois futuros possíveis para o campo:

um é a abordagem neurológico-médica da doença mental, que, combinada com a custódia, tornou-se nossa psiquiatria comunitária contemporânea; o outro é a psicanálise, que, juntamente com o trabalho de muitos psicoterapeutas e estudantes do homem, tornou-se nossa busca por uma ciência do homem moral, ou por uma ciência moral (Szasz, Ideology and Insanity, Syracuse: Syracuse University Press, 2ª edição, 1991, pp. 227-28).

É evidente que a psiquiatria optou por continuar pelo caminho da força e da fraude.

Mas Szasz viu na psicanálise, apesar das muitas deficiências de Freud e seus seguidores, o valor de buscar a orientação de outra pessoa para lidar com o que ele chamou de “problemas na vida”. Ele expôs suas idéias positivas em muitos livros e artigos, principalmente The Myth of Psychotherapy (Syracuse: Syracuse University Press, 2ª edição, 1988).

Alguns anos antes de sua morte, Szasz foi convidado a contribuir com um artigo para uma antologia chamada Existential Therapy: Legacy, Vibrancy, and Dialogue (Londres e Nova Iorque: Routledge, 2012), editado por duas analistas existenciais britânicas Laura Barnett e Greg Madison. Uma vez que ele havia reduzido sua escrita, ele se negou e sugeriu que eu escrevesse o artigo resumindo suas opiniões sobre existencialismo e psicoterapia, o que fiz em minha contribuição, “A ‘Terapia’ Existencial de Thomas Szasz: Existencial, Sim; Terapia Não” (pp. 127-40). O próprio Szasz comentou sobre vários rascunhos do meu artigo e escolheu ele mesmo o título.

Em minha conclusão, eu escrevi (pp. 136-37):

Sua própria “cura de almas” dialógica só pode ser metaforicamente – e não literalmente – semelhante à “terapia”, e apenas com qualificadores. Mas se entendemos “terapia” em seus termos como a prática ética de um diálogo filosófico, então acho justo dizer que Szasz desenvolveu um exemplo de “terapia” existencial que permanece fiel aos princípios da filosofia existencial. Ele, no entanto, rompeu deliberadamente com todos os vestígios do modelo pseudomédico. Ele não quer ter nada a ver com a idéia de que a psicoterapia de qualquer tipo pertence às profissões da saúde: “o psiquiatra qua profissional da saúde é uma fraude” (Szasz, Antipsychiatry: Quackery Squared, p. ix).

Em seu recente artigo, o jornalista Robert Whitaker argumentou que a psiquiatria, como instituição, cometeu fraude com sua promoção da teoria do desequilíbrio químico dos transtornos mentais, e pediu um processo de ação coletiva baseado em grande parte na negação rotineira do consentimento informado (“Psiquiatria, Fraude, e o Caso de Ação Coletiva“):

A história do desequilíbrio químico da depressão violou essa obrigação de honestidade, e de forma flagrante. Em vez das informações necessárias para que um paciente deprimido dê consentimento livre e esclarecido, tem sido contada aos pacientes – e ao público – uma história falsa que beneficiou os interesses da corporação e os interesses financeiros das empresas farmacêuticas. Em essência, uma história de marketing substituiria um processo de ação de classe científica….Uma ação de classe teria sido bem útil à sociedade. Isso colocaria ênfase na obrigação legal de os médicos fornecerem “consentimento informado” e de uma disciplina médica fornecer à sociedade informações que atendessem a esse padrão também.

Uma ação coletiva iria longe (1) para recuperar danos àqueles que foram prejudicados pelas mentiras da psiquiatria, e (2) para pôr um fim a mais mentiras e mais danos.

A França enfrentou um problema semelhante com um médico fraudulento no final dos anos 1700. O Rei nomeou uma Comissão Real que incluía Benjamin Franklin e o químico Antoine Lavoisier para dar um parecer científico sobre a loucura de Paris da época: O mesmerismo. Após um exame minucioso, a comissão concluiu que não existia tal coisa como “magnetismo animal” e que as “curas” de Mesmer podiam ser atribuídas ao poder da sugestão, ou o que hoje chamaríamos o efeito placebo. Mesmer deixou Paris em desgraça.

Idealmente, a Associação Médica Americana (AMA) deveria convocar tal painel, já que sua reputação também está sendo prejudicada pelas afirmações fraudulentas de que a psiquiatria é uma de suas especialidades legítimas. A psiquiatria é a minhoca na maçã da medicina.

Mas a AMA adotou de fato a psiquiatria, com seus médicos em geral prescrevendo rotineiramente antidepressivos e outros medicamentos com base na ideologia e pesquisa defeituosa da psiquiatria.

Portanto, terá que ser outro grupo a reunir os especialistas apropriados e imparciais para examinar as alegações e pesquisas da psiquiatria e emitir seu parecer sobre se a psiquiatria não só tem uma base médica válida, mas se esta base justifica a violação generalizada da ética médica e o uso rotineiro da prisão e da tortura.

 

[trad. e edição Fernando Freitas]

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