Implementação do Diálogo Aberto para psicose em Atlanta mostra-se promissora

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Estudo revela que a intervenção de suporte inspirada no Diálogo Aberto reduz os sintomas e melhora o funcionamento.¹

Uma nova pesquisa descobriu que a abordagem do Diálogo Aberto pode ser implementada com sucesso em um contexto de saúde nos EUA, especificamente em um hospital público que atende uma população com instabilidade financeira e dificuldade de acesso aos serviços necessários.

O estudo, que se concentrou em indivíduos de 18 a 35 anos com sintomas recentes de psicose, investigou uma intervenção de apoio inspirada no Diálogo Aberto. A intervenção foi considerada viável, aceitável e associada à redução dos sintomas e melhora do funcionamento. O estudo também destacou a necessidade de adaptações específicas ao contexto para uma implementação bem-sucedida.

A abordagem do Diálogo Aberto, desenvolvida na Finlândia, é uma alternativa ao atendimento psiquiátrico tradicional que prioriza a recuperação pessoal, a comunicação e o engajamento no serviço. Envolve tratar os indivíduos na presença de sua rede de apoio, incluindo a família, quando apropriado, e garantir a continuidade dos cuidados em todos os ambientes de tratamento. Uma característica fundamental dessa abordagem são as “reuniões de rede”, que envolvem uma reunião colaborativa entre o indivíduo, membros de seu sistema de apoio e dois profissionais de saúde para abordar o sofrimento psiquiátrico.

O psiquiatra e pesquisador Robert Cotes, da Escola de Medicina da Universidade Emory, liderou o estudo. Cotes e seus coautores explicam:

“Durante as reuniões de rede, os clínicos utilizam o processo de reflexão, onde têm uma conversa breve e honesta entre si sobre o que estão observando ou sentindo com a rede presente. A abordagem enfatiza as histórias sobre os sintomas, é direcionada pelos valores e preferências da pessoa e é considerada uma abordagem alinhada aos direitos humanos”.

 

Os benefícios de longo prazo do Diálogo Aberto na Finlândia foram demonstrados por pesquisas anteriores. Por exemplo, indivíduos que participaram do Diálogo Aberto demonstraram altas taxas de remissão de sintomas e baixas taxas de uso de medicamentos antipsicóticos e incapacidade em cinco anos, com resultados positivos mantidos em 19 anos.

A intervenção também foi adotada por espaços de prestação de serviços nos Estados Unidos com resultados positivos preliminares relacionados à viabilidade e experiência do paciente, tanto em organizações comunitárias de saúde mental (por exemplo, Advocates em Framingham, MA) quanto em ambientes de internação hospitalar (por exemplo, Hospital McLean em Boston, MA). Em conjunto com o apoio de colegas, o modelo do Diálogo Aberto já recebeu financiamento federal para promover uma implementação difundida nos serviços de crise de Nova York (Parachute NYC).

Dr. Cotes e os pesquisadores enfatizam como a implementação do Diálogo Aberto requer reestruturação organizacional, particularmente no contexto de serviços de saúde pagos nos Estados Unidos. Além disso, dadas as restrições de prestação de serviços, os pesquisadores destacam a necessidade de mais pesquisas que caracterizem as configurações da prestação do Diálogo Aberto:

“…as descrições dos contextos e práticas de implementação foram identificadas como uma lacuna na literatura do Diálogo Aberto e são valiosas para informar os sistemas de saúde ou grupos de profissionais que implementam o modelo.”

Para preencher essa lacuna, os autores começaram a descrever o modelo que usaram para implementar uma abordagem inspirada no Diálogo Aberto para o tratamento precoce da psicose no Grady Health System, um hospital público urbano em Atlanta, Geórgia. Eles também procuraram avaliar seus resultados relacionados à viabilidade, aceitabilidade, praticidade, adaptabilidade e eficácia limitada.

O modelo de mudança organizacional utilizado pelos pesquisadores foi denominado Addressing Problems Through Organizational Change – APTOC (Abordando problemas por meio de mudanças organizacionais em tradução livre), que inclui três etapas: preparação, implementação e sustentabilidade. Os pesquisadores descrevem o processo de construção de relação necessária para se preparar para a implementação do Diálogo Aberto:

“… primeiro envolvemos os líderes do sistema, pessoas que estão no centro de importância, famílias e funcionários para esclarecer o “porquê” e “por que agora”. Em seguida, criamos uma equipe clínica central, identificamos os defensores do projeto, contratamos especialistas em Diálogo Aberto para a assistência técnica, preparamos a organização para a mudança e criamos um cronograma do projeto. Identificamos as barreiras/facilitadores atuais e desenvolvemos um plano de mudança com metas individuais, clínicas e da iniciativa.”

Depois de desenvolver um plano de mudança, os consultores especializados do Diálogo Aberto realizaram visitas e treinamentos no local. O treinamento consistia em três segmentos de múltiplos dias que incluíam componentes didáticos e atividades de aprendizado em pequenos grupos.

Após o treinamento, os consultores realizaram teleconferências com os profissionais participantes duas vezes por mês, durante as quais as gravações de áudio das reuniões de rede foram revisadas para verificar a fidelidade do trabalho. A intervenção foi realizada por meio de reuniões regulares de rede em que participantes, suportes sociais e profissionais se engajavam em escuta reflexiva e tomada de decisão compartilhada sobre o cuidado. Reuniões de rede adicionais também ocorreriam conforme necessário em resposta a crises.

A mesma equipe de atendimento realizaria reuniões de rede em contextos de tratamento hospitalar e ambulatorial e incluiria membros adicionais da equipe de atendimento (por exemplo, gestores de caso), conforme necessário. Os autores descrevem como a intervenção funcionou como um “sistema dentro de um sistema” adjuvante aos serviços tradicionais.

Os pesquisadores relatam que aproximadamente 100 clientes (cadastrados em serviços de ambientes hospitalares e ambulatoriais) participaram de reuniões de rede como parte da intervenção do Diálogo Aberto entre janeiro de 2017 e fevereiro de 2019. Dessa amostra, um subgrupo de 25 indivíduos consentiu em participar de avaliações de pesquisa em 3, 6 e 12 meses.

Desses, apenas 18 avaliações foram totalmente concluídas. Cinco participantes também fizeram uma entrevista qualitativa aos 12 meses.

Os participantes eram indivíduos com idades entre 18 e 35 anos que experimentaram sintomas de psicose no mês anterior à inscrição na intervenção e puderam identificar pelo menos uma pessoa de apoio em sua vida para participar das reuniões de rede. A maioria da amostra (N= 15; 83%) se identificou como afro-americana/negra, duas se identificaram como hispânicas e uma como caucasiana/branca.

Os membros da equipe da rede profissional (N = 14) relataram as seguintes identidades raciais/étnicas: metade identificada como branca/caucasiana (N = 7; 50%), quatro como afro-americanas/negras e duas como hispânicas, enquanto a identidade racial de três membros da equipe não estavam disponíveis.

Os resultados sugerem que a implementação da intervenção inspirada no Diálogo Aberto, apoiada por assistência técnica de especialistas, foi viável e realizada com alta fidelidade. Além disso, os pesquisadores observaram uma mudança nas políticas organizacionais que permitiram a realização bem-sucedida desse novo modelo:

“Por exemplo, os indivíduos podem entrar no sistema de atendimento por meio de um caminho separado. Em vez de entrar sem hora marcada e receber uma consulta tradicional de admissão centrada na biomedicina, os indivíduos poderiam começar sua interação com o sistema no contexto de uma reunião de rede, então os clínicos poderiam voltar e recriar as informações necessárias para a consulta inicial de admissão ao longo do tempo.  A equipe clínica envolveu famílias, teve vários profissionais de saúde em reuniões de rede e forneceu continuidade em todos os níveis de atendimento.”

Os resultados também destacam as principais adaptações de intervenção que foram necessárias devido ao contexto do tratamento. Por exemplo, devido à cobertura limitada da equipe, as reuniões de rede ocorreram apenas em clínicas, e não na comunidade ou por meio de visitas domiciliares. Além disso, as reuniões de rede eram agendadas apenas durante a semana e ocorriam até 3 vezes por semana, em vez de diariamente. Por fim, uma breve sessão introdutória foi adicionada para explicar a abordagem do Diálogo Aberto aos participantes, dada a diferença do modelo em relação aos serviços tradicionais.

Os resultados das entrevistas qualitativas ilustram que o modelo foi bem recebido pelos participantes, que descreveram uma apreciação pela transparência e flexibilidade do modelo e compartilharam como as reuniões de rede os apoiaram no desenvolvimento de uma conceituação mais pessoal de suas próprias dificuldades (em contraste com uma conceituação de diagnóstico biomédico).

Além disso, três dos cinco entrevistados descreveram a transposição das habilidades de comunicação praticadas em reuniões de rede para seus relacionamentos cotidianos e contextos familiares. Curiosamente, todos os cinco entrevistados relataram que as reuniões de rede poderiam ocorrer com menos frequência, como mensalmente em vez de semanalmente.

A gravidade dos sintomas psiquiátricos (conforme medido pela Escala Breve de Avaliação Psiquiátrica) e o funcionamento global (medido por meio do Esquema de Avaliação de Deficiência da Organização Mundial da Saúde 2.0) diminuíram desde o início até a marca dos 6 meses e dos 12 meses, sugerindo um declínio na gravidade dos sintomas e um aumento no funcionamento.

Os achados do presente estudo devem ser entendidos no contexto das suas principais limitações. Primeiro, o estudo de viabilidade utilizou um estudo de coorte sem grupo de comparação. Além disso, dos 100 indivíduos que passaram pela intervenção do Diálogo Aberto, apenas 18 finalmente participaram de avaliações de pesquisa quantitativa e, desses, apenas cinco completaram as medidas em todos os três momentos. Além disso, apenas cinco concordaram com a entrevista qualitativa.

Os autores não coletaram sistematicamente dados sobre os motivos da falta de participação. Ainda assim, essas baixas taxas de conclusão dos estudos colocam em questão a potencial praticidade da pesquisa nesse contexto. Além disso, os resultados relatados podem estar sujeitos ao viés de auto-seleção do participante. Ademais, as descobertas de viabilidade do presente estudo podem não ser generalizáveis, uma vez que alguns dos principais esforços de implementação (por exemplo, pagamento de médicos) foram financiados, o que será limitado à duração da pesquisa.

Os autores apontam que, dada a homogeneidade racial e o cenário rural na Finlândia, onde a abordagem do Diálogo Aberto foi desenvolvida pela primeira vez, é essencial identificar as adaptações que podem ser necessárias para a implementação bem-sucedida do Diálogo Aberto em contextos urbanos mais diversos. O presente estudo é o primeiro a avaliar a implementação de uma intervenção inspirada no Diálogo Aberto com uma população majoritariamente negra/afro-americana em uma grande cidade nos Estados Unidos.

Embora os autores descrevam evidências anedóticas para apoiar a ideia de que o modelo não hierárquico de reuniões de rede foi útil para promover um espaço seguro para os participantes discutirem experiências de discriminação e racismo, a pesquisa não capturou isso sistematicamente como resultado. Os autores destacam a necessidade de pesquisas futuras que capturem explicitamente as necessidades e perspectivas de diversos participantes do Diálogo Aberto para informar adaptações culturalmente responsivas:

“As reuniões de rede podem ter oferecido um espaço seguro o suficiente para que os participantes compartilhassem suas experiências com racismo e maus-tratos, sejam eles encontrados dentro ou fora do contexto da saúde. A escuta contínua, a introspecção e a pesquisa futura são necessárias em nosso ambiente para garantir que o Diálogo Aberto esteja culturalmente sintonizado e ativamente aborde as disparidades raciais/étnicas que existem para os jovens que experienciam a psicose”.

O presente estudo contribui para um crescente corpo de pesquisa demonstrando a viabilidade e aceitabilidade da implementação do tratamento inspirado no Diálogo Aberto no contexto dos EUA. A descrição detalhada do autor sobre seu modelo de implementação, processo e lições aprendidas pode servir como um modelo para futuros esforços de disseminação.

¹Nota da Tradução: Funcionamento nesse contexto diz respeito ao conceito usado para abordar a habilidade, física e/ou mental, de performar atividades básicas diárias


Tradução de Leticia Paladino: Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz)


 

Cotes, R. O., Palanci, J. M., Broussard, B., Johnson, S., Grullón, M. A., Norquist, G. S., … & Ziedonis, D. (2023). Feasibility of an Open Dialogue-Inspired Approach for Young Adults with Psychosis in a Public Hospital System. Community Mental Health Journal, 1-8. (Link)

Fiocruz divulga nota técnica sobre cannabis medicinal

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No dia 19 de abril de 2023 o site https://portal.fiocruz.br/ divulgou uma nota técnica sobre cannabis medicinal que foi lançado pelo Programa Institucional de Políticas de Drogas Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz. Nota esta que, tem como objetivo fornecer subsídios embasados na literatura cientifica para as instituições responsáveis pela legislação, regulamentação, pesquisa, produção, padronização, distribuição e uso da cannabis e derivados para fins terapêuticos no Brasil, bem como para a sociedade em geral. Com isso, busca-se contribuir para o aprimoramento do conhecimento acerca do tema e para o avanço do acesso aos tratamentos baseados em cannabis e derivados.

A cannabis por ser uma planta utilizada de forma farmacêutica a algum tempo e ela vem ganhando um maior reconhecimento ao longo do tempo, a retirada da lista mais restrita (a Lista IV) a partir da recomendação da ONU mostra o quanto a planta deixou de ser o potencial inimigo e começou a conquistar seu espaço como uma forma
terapêutica.

“A alteração permite o reconhecimento das potenciais propriedades
terapêuticas da cannabis e de seus derivados. O novo status possibilita uma
mudança correlata das regulamentações nacionais dos países-membros que
ratificaram os tratados vinculantes das Nações Unidas sobre o tema, como é o
caso do Brasil. ”

Através da Lei 13.840/2019 (lei esta que foi atualizada) permite o uso médico e cientifico de todas as substâncias controladas pelos tratados internacionais, incluindo a produção nacional de cannabis, incluindo o Brasil. O intuito é contribuir com elementos de estudos para as instituições responsáveis sendo por diferentes aspectos desde a regulamentação, pesquisa, produção, padronização, distribuição e o uso da cannabis, mas também do acesso ao conhecimento para toda a sociedade.

O aumento de pesquisas que estão sendo elaboradas aponta o potencial terapêutico de cannabinoides, entre eles CBD e THC para diferentes condições clinicas e enfermidades, diferentes níveis de evidencia e comprovação da eficácia da aplicação terapêutica.

Dor crônica, epilepsia refratária, espasticidade, náuseas, vômitos e perda do apetite, transtornos neuropsiquiátricos, são algumas condições de saúde quanto a segurança e eficácia dos cannabinoides na redução de sintomas e uma melhora no quadro de saúde.

“É necessário ampliar a capacitação de médicos e outros profissionais de
saúde sobre o uso terapêutico da cannabis e seus derivados, para que possam
prescrever e tratar com mais confiança e conhecimento… Vivemos um momento
de expressivo crescimento do conhecimento científico sobre o potencial
terapêutico dos canabinoides”

Apesar do detalhamento de evidencias e referencias técnicas sobre as condições de saúde, ainda a um reforço pela necessidade no avanço do desenvolvimento de pesquisas no Brasil, com relação clínicos de diferentes condições, capacitação médica e outros profissionais de saúde sobre o uso terapêutico da cannabis e derivados.

Link para acessar a nota completa:
https://portal.fiocruz.br/noticia/fiocruz-divulga-nota-tecnica-sobre-cannabis-medicinal

Revista Cult Publica Dossiê Dedicado à Saúde Mental Coordenado por Paulo Amarante

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A edição 292 da Revista Cult conta com textos, dispondo de arquivos dedicados ao tema da saúde mental, abordando questões atuais da reforma psiquiátrica: medicalização, comunidades terapêuticas, a importância da arte-cultura na relação entre loucura e sociedade.

O dossiê “O pesadelo da normalidade – Sofrimento Psíquico e Exclusão Estrutural”, coordenado pelo psiquiatra Paulo Amarante, recupera o arcabouço histórico e os desafios atuais da luta pela Reforma Psiquiátrica Brasileira. Os textos celebram a originalidade de Franco e Franca Basaglia, na Itália, e de Nise da Silveira, no Brasil, e a descoberta da
arte como cuidado e expressão das pessoas em sofrimento mental.

Isabel Cristina Lopes – A arte que nos habita e transmuta do humano

“…. Toda forma artística, como nos diz Adorno, é um conteúdo social histórico que decanta. São essas densidades tão heterogêneas que a arte mistura, fazendo flutuar e repousar simultaneamente o tempo, os sentidos, parindo o ato criados, tornando assim possível a experiência do visível e do invisível da criação…”

Leonardo Pinho – Comunidade terapêuticas e seus artifícios

“Mas a que serve o “acolhimento” das comunidades terapêuticas? Nada mais é que um dispositivo que opera processos de higienização social e de aporofobia…”

“As comunidades terapêuticas se tornaram o principal dispositivo no país para a constituição de uma reação aos avanços da reforma psiquiátrica e dos caminhos de desinstitucionalização…”

 

Marcelo Kimati – Medicalização e sociedade contemporânea

“A medicalização desloca a preocupação do processo para a
pessoa, suas propostas inadequações ou fragilidades individuais…”

“…O sistema diagnóstico de psiquiatria dá inteligibilidade para o
sofrimento mental, sem que isso demande a reavaliação de si, das
reavaliações sociais, de projetos e vínculos …”

 

Paulo Amarante – O pesadelo da normalidade | introdução, Franco e Franca

“Ao inverterem o princípio do saber psiquiátrico, Franco e Franca Basaglia desenvolvem o dispositivo epistemológico, ético e político de pôr a doença entre parênteses – O que possibilitaria ocupar-se dos sujeitos concretos em suas experiências de sofrimento, limites, projetos, desejos, faltas e incompletudes…”

Walter Melo – Nise da Silveira e a instalação do humano

“É inegável a importância de Nise da Silveira para os campos da
saúde mental, da psicologia e das artes em nosso país. As instituições
que ela criou sempre tiveram a serviço da liberdade e da democracia…”

Wellington Andrade – Entrevista | O sonho como modo de fazer política e
como estado de criação

“… Bob Sousa Duas semanas antes de completar 86 anos, no dia 30 de março, o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa recebeu a Cult em seu apartamento, no bairro do Ibirapuera, em São Paulo, para falar de seu mais novo projeto: a adaptação para o palco do livro A queda do céu: palavras de um xamã yanomami, de Davi Kopenawa e Bruce Albert…”

Segue o link da revista para acessar a revista completa
https://revistacult.uol.com.br/home/

Manual de psiquiatria crítica, capítulo 1: Por que um manual crítico de psiquiatria?

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Nota do editor: Nos próximos meses, a Mad in Brasil publicará uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. Neste blog, o autor apresentará o livro. A cada quinze dias, uma nova seção do livro será publicada e todos os capítulos estão arquivados aqui. 

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Estudantes de medicina, psicologia, psiquiatria e profissionais de saúde de uma forma geral aprendem sobre psiquiatria lendo manuais psiquiátricos. Eles geralmente acreditam no que leem e o reproduzem em suas provas. Portanto, é muito importante que as informações transmitidas nesses livros de psiquiatria estejam corretas.

E esse é o problema. Há uma enorme divisão entre a narrativa psiquiátrica oficial e o que a ciência mostra. Muito do que os principais psiquiatras dizem e escrevem sobre a confiabilidade dos diagnósticos psiquiátricos; as causas dos transtornos psiquiátricos; se eles podem ser vistos em uma varredura do cérebro ou na química do cérebro; e quais são os benefícios e malefícios das drogas psiquiátricas, eletrochoque e tratamento forçado está incorreto. Isso foi amplamente documentado por psiquiatras críticos e outros.1-11

A discrepância entre opinião e ciência também é prevalente em livros de psiquiatria. As próximas gerações de profissionais de saúde irão, em detrimento de seus pacientes, aprender ao longo dos seus estudos o que é comprovadamente incorreto. É por isso que um manual crítico de psiquiatria é necessário.

Mais do que em qualquer outra especialidade, a psiquiatria é uma disciplina onde é de extrema importância ouvir os pacientes, que é a base do sistema diagnóstico. Mas quando a questão é sua própria prática, os psiquiatras raramente estão dispostos a ouvir, embora o público em geral tenha experimentado que a psiquiatria, como é praticada atualmente, faz mais mal do que bem.

Uma pesquisa com 2.031 australianos mostrou que as pessoas pensavam que antidepressivos, antipsicóticos, eletrochoque e internação em uma ala psiquiátrica eram mais prejudiciais do que benéficos.12 Os psiquiatras sociais que fizeram a pesquisa ficaram insatisfeitos com as respostas e argumentaram que as pessoas deveriam ser treinadas para chegar à “opinião certa”. 

Mas eles estavam errados? Acho que não. Como mostrarei neste livro, suas opiniões estão de acordo com as informações científicas mais confiáveis que temos.

Temos uma situação em que os “clientes”, os pacientes e seus familiares, não concordam com os “vendedores”, os psiquiatras. Quando este é o caso, os provedores geralmente são rápidos em mudar seus produtos ou serviços, mas isso não acontece na psiquiatria, que tem o monopólio do tratamento de pacientes com problemas de saúde mental e tem os médicos de família como sua complacente equipe de vendas na linha de frente, que não fazem perguntas desconfortáveis sobre o que estão vendendo.

Você pode se perguntar quem eu sou e por que deveria confiar em mim e não nos psiquiatras que escrevem livros didáticos. Bem, não é uma questão de confiança, mas de quem tem os argumentos mais válidos. E isso cabe a você decidir. Tentei ajudá-lo documentando cuidadosamente porque concluo que algumas afirmações nos livros didáticos estão erradas e dissecando pesquisas para explicar o motivo de alguns trabalhos serem mais confiáveis do que outros.

O debate sadio e sem preconceitos sobre questões essenciais na psiquiatria é raro. Quando os defensores do status quo não têm contra-argumentos válidos contra as críticas de suas práticas, eles não respondem às críticas, mas atacam a credibilidade de seu oponente.7 Se você fizer perguntas a seus professores com base neste livro ou em outros livros6-8 ou artigos científicos que escrevi, você pode encontrar respostas como, “Gøtzsche? Nunca ouvi falar dele” (mesmo sabendo quem eu sou), “Não perca seu tempo com ele”, “O professor Gøtzsche é psiquiatra? Ele já tratou de pacientes psiquiátricos? Como ele pode julgar o que nós fazemos”? Ou dirão que “Gøtzsche é um antipsiquiatra”, que é o derradeiro pseudo-argumento que os psiquiatras usam.7 (página 16)

Você não deve aceitar tais respostas, mas sempre pedir as evidências.

Além disso, acho que tenho as credenciais necessárias para criticar a psiquiatria. Provavelmente sou o único dinamarquês que publicou mais de 75 artigos nos “cinco grandes” periódicos (BMJ, Lanceta, JAMA, Anais de Medicina Interna e New England Journal of Medicine) e meus trabalhos científicos foram citados mais de 150.000 vezes. Sou especialista em clínica médica e já trabalhei em várias especialidades, incluindo cardiologia, endocrinologia, hematologia, hepatologia, gastroenterologia, doenças infecciosas e reumatologia.

Eu faço pesquisas em psiquiatria desde 2007 e postei minhas credenciais em relação a esta especialidade em meu site, scientificfreedom.dk (veja em About, Staff). Resumindo, tive cinco alunos de doutorado em psiquiatria; fui testemunha especialista em sete processos judiciais psiquiátricos em sete países diferentes; recebi 12 prêmios ou outras honrarias acadêmicas; publiquei nove livros ou capítulos de livros; publiquei 30 artigos em revistas médicas com revisão por pares e 128 outros artigos; e já ministrei mais de 200 palestras em encontros e cursos.

Levei anos de estudo minucioso para descobrir que o ponto principal da psiquiatria é que ela faz mais mal do que bem,1,5-8 que também é o que o público em geral nos diz.12 Isso torna a especialidade única e o termo “sobrevivente da psiquiatria” diz tudo.8 Em nenhuma outra especialidade médica alguns pacientes se autodenominam sobreviventes no sentido de que sobreviveram apesar de serem expostos a essa especialidade. Eles lutaram muito para encontrar uma saída de um sistema que raramente é útil e que muitos sobreviventes descrevem como aprisionamento psiquiátrico ou como sendo uma instituição onde há uma porta de entrada, mas não uma porta de saída.

Em outras especialidades médicas, os pacientes agradecem por terem sobrevivido devido aos tratamentos que seus médicos aplicaram a eles. Nunca ouvimos falar de um sobrevivente de cardiologia ou de um sobrevivente de doença infecciosa. Se você sobreviver a um ataque cardíaco, não ficará tentado a fazer o contrário do que seu médico recomenda, mas em psiquiatria, como você verá neste livro, você pode morrer ou ficar permanentemente incapacitado se fizer o que seu médico lhe disser para fazer. 

Muitos sobreviventes psiquiátricos descreveram como a psiquiatria, com seu uso excessivo de drogas nocivas e ineficazes, roubou 10 ou 15 anos de suas vidas até que um dia eles decidiram tomar de volta da psiquiatria a responsabilidade por suas vidas e descobriram que a vida é muito melhor sem drogas. Eles costumam dizer que o que os acordou foi que leram alguns dos livros sobre psiquiatria dos psiquiatras David Healy,2 Joanna Moncrieff, 3,4 Peter Breggin,11  do jornalista científico Robert Whitaker 1,5, ou os meus. 6-8

Em 2014, psiquiatras noruegueses escreveram sobre o que chamaram de taxa “alarmantemente alta de descontinuação” de pílulas para psicose em pacientes com esquizofrenia, 74% em 18 meses.13 Os psiquiatras argumentaram que “os médicos precisam estar equipados com estratégias de tratamento que otimizem o tratamento contínuo com medicamentos antipsicóticos”. Se os psiquiatras tivessem escutado seus pacientes, eles teriam percebido que essas drogas deveriam ser evitadas como terapia de longo prazo.

Quando os alunos forem aprovados nos exames, defenderão com unhas e dentes o que aprenderam. É um traço curioso da psicologia humana que, uma vez que você tenha se decidido, mesmo quando estiver em sérias dúvidas, defenderá vigorosamente sua posição quando alguém provar que a outra opção era a correta.14

Os livros didáticos universitários são, portanto, uma ferramenta poderosa para a doutrinação – para chegar à “opinião certa” mesmo quando ela está errada. Por exemplo, 21 dos 36 manuais (58%) usados por estudantes na Holanda que discutem a anatomia do cérebro têm seções sobre TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) com generalizações inadequadas ou afirmações ambíguas.15

Os principais psiquiatras e suas organizações propagam consistentemente a desinformação em palestras, na mídia, em sites e em artigos científicos.1-8 Você pode se perguntar se isso é realmente verdade. Infelizmente, é, mas cada vez mais psiquiatras críticos perceberam isso e trabalham para mudar as práticas psiquiátricas. Sou membro do grupo mais importante, Critical Psychiatry Network, fundado por Joanna Moncrieff com base no Reino Unido. Trocamos ideias diariamente em uma lista de e-mail e discutimos como podemos contribuir para reformar a psiquiatria.

Em 2021, tive a ideia de que se eu lesse e avaliasse os manuais mais usados na Dinamarca e escrevesse meu próprio manual explicando o que havia de errado com os outros, isso poderia abrir os olhos dos alunos em todos os lugares. Não se espera que os livros didáticos dinamarqueses sejam diferentes daqueles de outros países porque a psiquiatria convencional é a mesma em todos eles. Espero que outros pesquisadores analisem os livros didáticos usados em seus países como eu fiz.

Ao ler esses livros, pode ser difícil perceber o que não está lá, mas que deveria ter sido mencionado. Antes de iniciar a leitura, portanto, descrevi em um protocolo o que acredito que deveria ser mencionado nos livros de psiquiatria.

As questões centrais que escolhi são aquelas de importância óbvia para os pacientes e aquelas consideradas controversas, por exemplo, se os distúrbios psiquiátricos podem ser vistos em uma varredura cerebral. As questões secundárias em meu protocolo eram causas de transtornos psiquiátricos, diagnósticos, benefícios de drogas, danos causados por drogas, retirada de drogas psiquiátricas, estigmatização, consentimento informado, psicoterapia e outras intervenções psicossociais e eletrochoque. Como existem centenas de diagnósticos psiquiátricos, concentrei-me em psicose, depressão, transtorno bipolar, TDAH, transtornos de ansiedade e demência.

Identifiquei os cinco livros de psiquiatria na Dinamarca mais usados por estudantes de medicina e psicologia e avaliei se as informações apresentadas sobre causas, diagnóstico e tratamento eram adequadas, corretas e baseadas em evidências confiáveis. Os livros didáticos eram em dinamarquês, tinham um total de 2.969 páginas e foram publicados entre 2016 e 2021.16-20

Os autores incluíam alguns dos mais proeminentes professores dinamarqueses de psiquiatria, mas os livros estavam longe de serem baseados em evidências. Freqüentemente, eles contradiziam as evidências mais confiáveis; vários grupos de autores às vezes forneciam mensagens contraditórias até mesmo dentro do mesmo livro; e a forma como usavam as referências era insuficiente. Tive a clara impressão de que quanto mais implausíveis as alegações, menor a probabilidade de serem referenciadas.

O pior livro em termos de prevalência de declarações seriamente enganosas ou errôneas não tinha uma única referência de literatura e todos os editores e autores eram psiquiatras.18 Os outros quatro livros tinham uma bibliografia ao final de cada capítulo, mas muitas vezes sem ligação com o texto. Portanto, eu precisava adivinhar quais das referências eram relevantes para as declarações feitas, quando havia. Às vezes, havia apenas o nome de uma pessoa e um ano no texto, sem artigo ou livro correspondente na bibliografia. Nesses casos, tentei encontrar a referência relevante em uma pesquisa bibliográfica no PubMed.

Dois livros didáticos eram mais confiáveis do que os outros três. Em um deles, um psicólogo era um dos dois editores,17 e o outro livro tinha, principalmente, psicólogos como autores.20

Acrescentei um número de página às referências dos livros didáticos e, muitas vezes, também às referências de outros livros para mostrar onde as informações podem ser encontradas. Assim, 17:919 significa a página 919 daquele manual (ou, em alguns casos, 1-2 páginas adiante, quando a informação aparecia em várias páginas).

As drogas psicotrópicas foram desenvolvidas com base em experimentos com ratos e selecionadas caso perturbassem o cérebro normalmente funcional do rato.7:229,21 Os comprimidos não nos curam, eles simplesmente nos mudam causando uma ampla gama de efeitos nas pessoas, como todas as substâncias neuroativas, incluindo drogas de rua. E eles não são de forma alguma visados. Não há nada particularmente seletivo sobre os inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs). Este termo foi inventado pela SmithKline Beecham para dar à paroxetina uma vantagem sobre outras drogas, mas foi adotado por todas as empresas.2 Existem receptores de serotonina em todo o corpo e as drogas têm muitos outros efeitos além do aumento da serotonina, como por exemplo, podem afetar a transmissão de dopamina e noradrenalina e podem ter efeitos anticolinérgicos.22 As drogas nem sequer visam a depressão. Portanto, não é surpreendente que uma revisão da Cochrane tenha descoberto que o alprazolam, uma antiga benzodiazepina, teve melhor desempenho do que o placebo e um desempenho semelhante aos comprimidos tricíclicos para depressão.23

As drogas psiquiátricas funcionam mais ou menos da mesma maneira, seja suprimindo reações emocionais para que as pessoas fiquem entorpecidas e prestem menos atenção a perturbações significativas em suas vidas, seja estimulando-as. 2,5,21

Portanto, evitarei a nomenclatura convencional para drogas. É enganoso chamar as pílulas usadas para depressão de “antidepressivos” e as pílulas usadas para psicose de “antipsicóticos”. Essas drogas não são “anti-” alguma doença.7:227 O “anti-” também confere uma associação aos antibióticos, que salvam vidas, mas os medicamentos psiquiátricos não salvam vidas; eles tiram muitas vidas.7:307 Além disso, ao contrário dos antibióticos, eles não têm propriedades específicas para doenças.3,4,7,24

Portanto, falo sobre pílulas para depressão e pílulas para psicose, que não dão falsas promessas. Se quisermos reformar a psiquiatria, primeiro precisaremos mudar a narrativa psiquiátrica e parte dessa narrativa é a semântica. Pela mesma razão, falarei sobre os malefícios das drogas e não sobre os efeitos colaterais das drogas, o que é um eufemismo, pois os efeitos colaterais às vezes são agradáveis.

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Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui .

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Mad in America hospeda blogs de um grupo diversificado de escritores. Essas postagens são projetadas para servir como um fórum público para uma discussão – em termos gerais – da psiquiatria e seus tratamentos. As opiniões expressas são próprias dos escritores.

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Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).

Manual de Psiquiatria Crítica

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Mad In Brasil está publicando uma versão serializada do livro de Peter Gøtzsche, Manual de Psiquiatria Crítica. A cada quinze dias, uma nova seção será publicada nesta página. Instruções sobre como adquirir o livro completo e em inglês podem ser encontradas aqui. Para ver a lista de todas as referências citadas, clique aqui.

Meu livro descreve o que há de errado com os livros de psiquiatria usados por estudantes de medicina e psicologia. Li os cinco manuais mais usados na Dinamarca e descobri uma ladainha de declarações enganosas e errôneas sobre as causas dos distúrbios de saúde mental: que são genéticos, que podem ser detectados em uma varredura cerebral, que são causados por um desequilíbrio químico, que os diagnósticos psiquiátricos são confiáveis e quais os benefícios e malefícios das drogas psiquiátricas e dos eletrochoques. Muito do que é alegado é desonestidade científica. Também descrevo fraudes e manipulações sérias com os dados em pesquisas frequentemente citadas. Concluo que a psiquiatria biológica não levou a nada de útil e que a psiquiatria como especialidade médica é tão prejudicial que deveria ser desmantelada.

 

CAPÍTULOS


Capítulo 1: Por que um manual crítico de psiquiatria?

Capítulo 2: Os Distúrbios Psiquiátricos são Essencialmente Genéticos ou Ambientais? (Parte Um)

Capítulo 2: Os Distúrbios Psiquiátricos são Essencialmente Genéticos ou Ambientais? (Parte dois)

Capítulo 3: Os Distúrbios Psiquiátricos são detectáveis em uma Varredura Cerebral?

Capítulo 4: Manual de Psiquiatria Crítica, Capítulo 4: Os distúrbios psiquiátricos são causados por um desequilíbrio químico?

Capítulo 5: Diagnósticos Psiquiátricos Não São Confiáveis ​​(Parte Um)

Capítulo 5: Diagnósticos Psiquiátricos Não São Confiáveis ​​(Parte Dois)

Capítulo 6: Os Ensaios Clínicos de Drogas Psiquiátricas não são Confiáveis

Capítulo 7: Psicose (Parte um)

Capítulo 7: Psicose (Parte dois)

Capítulo 7: Psicose (Parte três)

Capítulo 7: Psicose (Parte quatro)

Capítulo 7: Psicose (Parte cinco)

Capítulo 7: Psicose (Parte seis)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Um)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Dois)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Três)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Quatro)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Cinco)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Seis)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Sete)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Oito)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Nove)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Dez)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Onze)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Doze)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Treze)

Capítulo 8:Depressão e Mania (Transtornos Afetivos) (Parte Quatorze)

 

 

Circuito Manicomial: A Presença do Manicômio Extramuros

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No artigo: O Circuito Manicomial de Atenção: Patologização, Psicofarmaceuticalização e Estigma em Retroalimentação, é abordada a lógica manicomial ainda presente nas instituições e na cultura. Nos manicômios havia uma prática mais ou menos hegemônica e explícita das práticas manicomiais. No entanto, com  o fechamento dessas instituições, essas práticas não deixaram de existir, mas exigem maior atenção da nossa parte, pois se manifestam de maneira mais sutil e traiçoeira, se utilizando de novos atores sociais e novas tecnologias de controle. Essa lógica manicomial é denominada de circuito manicomial de atenção, conceito que se aproxima daquilo que Basaglia denominava circuito de controle.

O estudo analisou as trajetórias de pessoas com experiência de sofrimento psíquico grave e uso abusivo de álcool e outras drogas. Foram utilizados os seguintes operadores de desinstitucionalização: autonomia, integralidade e equidade social. Os operadores de desinstitucionalização se definem como processos, ações ou dinâmicas que produzem pontos de virada na vida e nas experiências de sujeitos com histórico de institucionalização, favorecendo situações de reinserção ou recuperação ou gerando condições para elas. 

Os critérios de escolha dos casos foram: 

  1. Terem mais de 18 anos de idade;
  2.  Já terem vivido, ao menos, uma hospitalização psiquiátrica, em hospital de custódia e/ou internação em comunidade terapêutica, com um mínimo de seis meses seguidos de duração, ou um conjunto de reinternações sucessivas caracterizadas como porta-giratória;  e/ou
  3. relatarem o que chamamos de vivências institucionalizadoras extra-asilares.

As categorias de análise identificadas a partir da literatura e do trabalho de campo foram: estigma, medicalização/patologização, psicofarmaceuticalização, práticas de manicomialização e elementos do circuito manicomial de atenção.

Os autores identificam o paradigma farmacológico complementar à lógica asilar, como uma forma de dar continuidade entre o “dentro” e “fora” da instituição total. Juntamente com a medicalização/patologização e a estigmatização das pessoas. 

“Os modos de produção de identidades e subjetividades estigmatizadas, a partir da medicalização e patologização de comportamentos das pessoas, e seus múltiplos efeitos em termos de violência interpessoal, institucional, simbólica e estrutural (Nunes &Torrenté, 2009), que incluem o controle pelos psicofármacos e a retirada da autonomia e liberdade das pessoas, caracterizam práticas manicomiais que se exercem fora dos muros, com a participação de outras instituições.”

Para descrever a produção do circuito manicomial de atenção sob a perspectiva de retroalimentação entre o manicômio intra e extramuros, foram elaborados os seguintes aspectos: a) o processo de alimentação da identidade patológica; b) a espiral do controle: psicofármacos reforçando o estigma patologizante; e  c) os horrores da internação e a domesticação extramuros da solução-manicômio.

A medicalização da vida é o fenômeno de transformar problemas não médicos em problemas médicos, manifestando uma intolerância à diversidade, daquilo que sai do considerado “normal”. A epistemologia do patológico é exportada do norte global e invade o cotidiano através da atuação profissional pseudocientífica e pela incorporação na sociedade como um todo, gerando assim, um produto cultural. O impacto social é bem negativo, já que anula ou regula o sofrimento psíquico e impede a produção de soluções emancipatórias. 

“Luciane, no momento da pesquisa com 42 anos, afirma ter sido internada mais de 10 vezes na sua vida, a primeira aos 14 anos, com atual diagnóstico de transtorno bipolar. Permaneceu uma média de três meses na maioria desses internamentos. Hoje vive com sua mãe, um filho e um irmão. Gostava de escrever poesias e de se vestir de forma “romântica”, com muitos tons de rosa. Gilmar tinha 32 anos à época da pesquisa e adoeceu com 19 anos. Morava com sua mãe nessa mesma cidade e diz já ter sido internado em torno de oito vezes, tendo recebido diagnóstico de esquizofrenia. Afirma-se como homossexual e também como drag queen, identidade de que gosta muito (apesar do trabalho que dá “se montar”), pela vocação que tem para cantor e imitador.”

Nas falas dos participantes é possível perceber uma necessidade de afirmar a normalização operada pelo psicofármaco ao mesmo tempo em que se reivindica o direito em ser diferente. A patologia também parece se sobrepor a identidade de gênero, no caso de Gilmar, como se sua sexualidade fosse um sintoma da esquizofrenia. 

“Doutor Luís (pseudônimo), Mainha falava que foi meu pai, meu tio, meu avô, meu tudo. Mainha disse que ele praticamente me criou… “ (Luciene)

A fala de Luciene representa a presença e poder que o psiquiatra tinha na sua vida. No entanto, Luciene não concordava com a mãe e decidiu mudar de médico. Pela primeira vez sentiu que o médico interagiu com ela de maneira comunicativa e resolutiva. 

“O médico, que era Doutor Luís na época, até hoje nunca me explicou nada; o único médico que veio me explicar alguma coisa foi Doutor João (pseudônimo), que, quando eu conheci ele, eu fui logo falando: oh, Doutor, eu quero saber tudo, não me esconda nada, eu quero saber o que eu tenho de verdade, e ele foi me explicando.” (Luciene)

Em ambos os casos, Luciene e Gilmar, a questão do controle farmacológico aparece bastante. Existe um controle, organizando a rotina ao redor do remédio, a partir de uma visão de que a possuem uma doença crônica sem cura e que apenas a estabilização é possível. Reduzindo o sofrimento a dimensão bioquímica e o cuidado à psicofarmaceuticalização do sujeito. 

“A psiquiatria foi boa, porque (durante as internações) me ensinou a tomar os remédios – porque às vezes não queria comer o que não gosto, tomar um cafezinho frio… Daqui para o final do ano, eu vou em Doutor João, mesmo que não tenha nada, só para ver a medicação.” (Gilmar)

O artigo aponta para o conceito de psicofarmaceuticalização da subjetividade. O trabalho colaborativo entre psiquiatra, família e o psicofármaco terminam por desempenhar uma função macrobiopolítica, estendendo a psiquiatria para além do consultório e fazendo com que as famílias atuem como proxi-psiquiatras. A esse arranjo de retroalimentação, se soma a estigmatização desses sujeitos, utilizado para que a sociedade e os próprios sujeitos em sofrimento perpetuem práticas opressivas favorecendo o controle extramuros. 

A partir do estigma, características pessoais são lidas como parte de uma “doença”, e julgamentos morais são aguçados, exigindo comportamentos estritos para a pessoa ser aceita e reconhecida. 

“Eu achei muito difícil a convivência (com as pessoas da comunidade), porque ninguém me entendia, uns achavam que era mania, outros achavam que era surto mesmo, devido à maneira como eu ficava. Eu não lembro como eu ficava, já fui até amarrada de corda, fui até agredida por várias pessoas. Muitas pessoas já chamaram até a polícia, os vizinhos, eu não entendia, achava que estava fazendo algo muito errado. Na época, vinha bombeiro e a polícia me levava toda machucada pra lá (hospital), internava lá na psiquiátrica, aí, quando eu saía de lá, as pessoas ficavam me olhando. Até hoje, quando eu me visto diferente, de um modo, por exemplo, se eu tiver uma roupa que eu mesma faça meu look, umas cores… aí fala: tá ó (gesto de doida), já olham com um olhar diferente. Eu sinto isso, que chega.” (Luciene)

Também é evidenciado pelo artigo como a internação, a segregação ainda é um recurso muito utilizado. Há um processo de subalternização da pessoa em sofrimento em que ela acaba vendo a internação como um cuidado necessário. Os motivos pelos quais os participantes foram internados se devem mais a questões sociais (moradia temporária, acesso a alimentação…) e pelo desamparo diante de situações de violência intrafamiliar, redes sociais fragilizadas, do que como uma opção terapêutica de fato. 

“Aí acordei, e têm uns que maltratam, têm enfermeiras que não querem nem saber. Eu forrava minha cama, eu estava em um quarto assim… e parecia um filme de terror. Tinha um cara lá,amarrado, um cara negro, quando eu acordei, parecia que eu estava num filme de terror. Deus é mais! Aí vem outro, vem outro aí arrancou minhas pulseiras tudo do hospital, uma mulher, foi a primeira crise, né?” (Gilmar)

Como conclusão, os pesquisadores apontam para o risco de usar a instituição asilar como muleta. Uma crítica feita ao processo da reforma psiquiátrica foi a autonomia na ação direta com os usuários, se afastando de suas redes sociais e a atuação insuficiente no território. O processo de medicalização da vida que se manifesta na patologização do sofrimento, no paradigma farmacológico, na estigmatização e moralismo do cuidado, também são apontados como dificuldades atuais no campo da saúde mental. Há, pois, uma continuidade extramuros da lógica manicomial, já que a negação ao manicômio não foi feita. 

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NUNES M. DE O.; TORRENTÉ, M. DE.;CARVALO, P.A.L. DE.. O Circuito Manicomial de Atenção: Patologização, Psicofarmaceuticalização e Estigma em Retroalimentação. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 42, 2022. (Link)

Resolução Institui Política Antimanicomial do Judiciário

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Através da publicação feita no dia 27 de fevereiro de 2023, o site Consultor Jurídico postou a reportagem: CNJ publica resolução que institui política antimanicomial do Judiciário. A reportagem relata a resolução que institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, que foi aprovada no mês de fevereiro, o documento visa adequar a atuação da Justiça às normas nacionais e internacionais sobre os direitos das pessoas em sofrimento mental ou com deficiência psicossocial em conflito com a lei.

A matéria mostra também que o objetivo da normativa é oferecer subsídios aos juízes, a fim de que, a atividade judicial leve em consideração que as pessoas com transtorno mental têm o direito ao tratamento de sua condição de saúde ao longo de todo o processo penal, desde a audiência de custódia até o eventual cumprimento de medida de segurança. Outra finalidade é ampliar a desinstitucionalização (medidas de prevenção de internações em hospitais psiquiátricos) nas diferentes fases do ciclo penal.

A resolução estabelece, por exemplo, que a política antimanicomial deve ser aplicada a qualquer portador de deficiência mental ou psicossocial que esteja sob investigação ou em cumprimento de pena ou de medida de segurança, com monitoração eletrônica ou outras medidas em meio aberto.

Define, ainda, que a política é voltada à pessoa com “dificuldade psíquica, intelectual ou mental que, confrontada por barreiras atitudinais ou institucionais, tenha inviabilizada a plena manutenção da organização da vida”, necessitando de cuidado em qualquer fase do ciclo penal.

O CNJ estabelece ainda que, nas audiências de custódia, caberá à autoridade judicial, após ouvir o Ministério Público e a defesa, o encaminhamento das pessoas com indícios de transtorno mental para atendimento voluntário na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). 

A postagem conta também com o link que possibilita ler a Resolução CNJ 487

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Leia a matéria completa aqui → (Link)

O Aprendizado de Máquina não consegue identificar a depressão com base na neurobiologia

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“O fato de não podermos encontrar diferenças neurobiológicas significativas (univariadas ou multivariadas) a nível do indivíduo para um dos transtornos mentais mais prevalentes deveria nos fazer pensar”. – Pesquisador principal Nils R. Winter

 

Os pesquisadores sugeriram que o Aprendizado de Máquina – uso de inteligência artificial para investigar um fenômeno complexo – pode ser melhor para identificar quais medidas neurobiológicas são importantes e como usá-las para prever diagnósticos psiquiátricos. Infelizmente, até agora, essas tentativas atingiram uma precisão pouco melhor do que o puro acaso.

No entanto, muitas pesquisas anteriores usaram um único tipo de medida neurobiológica (como um tipo de varredura cerebral) para tentar prever diagnósticos psiquiátricos.

Em um novo estudo, os pesquisadores tentaram algo diferente. Eles criaram um algoritmo de Aprendizado de Máquina para combinar todas as medidas neurobiológicas concebíveis para prever a depressão.

Mas seus resultados foram igualmente abaixo do esperado:

“Treinando e testando um total de 2,4 milhões de modelos de AM, encontramos precisões para classificação de diagnóstico entre 48,1% e 62,0%”, escrevem eles.

 

Para comparação, eles observam que as variáveis ​​sociais/ambientais de apoio social e maus-tratos na infância predizem a depressão com mais de 70% de precisão. Combinar variáveis ​​socioambientais e incluir mais do que apenas essas duas pode trazer uma precisão ainda maior.

Legenda: Este gráfico do artigo demonstra que a precisão até mesmo dos mais robustos algoritmos de Aprendizado de Máquina e com base em todas as informações neurobiológicas possíveis chega a 62%, enquanto as variáveis ​​ambientais atingem mais de 70% de precisão cada.

Em suma, eles escrevem:

 

“Embora os marcadores multivariados de neuroimagem aumentem o poder preditivo em comparação com análises univariadas, a classificação de um único sujeito – mesmo sob condições de otimização extensa e de melhor prática de Aprendizado de Máquina em uma amostra grande e harmonizada de pacientes diagnosticados usando avaliações clínicas de última geração – não atinge desempenho clinicamente relevante.”

 

A pesquisa foi conduzida por Nils R. Winter na Universidade de Münster, Alemanha. O artigo foi publicado antes da revisão por pares no servidor de pré-impressão medRxiv.org. No Twitter, Winter escreveu sobre o estudo:

 

“O fato de não podermos encontrar diferenças neurobiológicas significativas (univariadas ou multivariadas) a nível do indivíduo para um dos transtornos mentais mais prevalentes deveria nos fazer pensar”.

 

O estudo anterior deste grupo chegou a um resultado semelhante. Os pesquisadores descobriram que não havia diferenças individuais na neurobiologia entre pessoas com diagnóstico de depressão e as do grupo controle saudável.

Nesse estudo, os pesquisadores escreveram que:

 

“participantes saudáveis ​​e depressivos são notavelmente semelhantes no nível do grupo e virtualmente indistinguíveis no nível individual em um conjunto abrangente de modalidades de neuroimagem”.

 

Um olhar mais profundo sobre o estudo atual

O estudo atual do grupo de Winter incluiu 1.801 pessoas de três grupos: aqueles que atualmente atendiam aos critérios para o diagnóstico de depressão, aqueles com histórico de depressão e o grupo controle saudável. Eles foram recrutados por meio do Marburg-Münster Affective Disorders Cohort Study (MACS) na Alemanha.

Estudos anteriores levantaram preocupações sobre a confiabilidade do diagnóstico de depressão, uma vez que os pacientes listados como “deprimidos” são frequentemente definidos com base em questionários de triagem ou outras medidas menos confiáveis. O estudo atual usou o padrão clínico de uma Entrevista Clínica Estruturada do DSM-IV para diagnosticar a depressão, garantindo que o diagnóstico fosse o mais confiável possível.

As medidas neurobiológicas incluíram várias formas de ressonância magnética estrutural, funcional e baseada em tarefas, bem como a pontuação de risco poligênico (uma medida teórica do risco genético para depressão).

Os pesquisadores observam que não há nenhuma teoria aceita ligando a depressão à neurobiologia:

“Como não existe uma teoria formal estabelecida da neurobiologia da depressão, é incerto quais métodos de neuroimagem serão mais adequados para capturar informações clinicamente relevantes”.

 

Seu estudo confirmou essa falta de conexão entre o diagnóstico de depressão e a neurobiologia, uma vez que nenhuma das medidas neurobiológicas testadas – mesmo quando combinadas – conseguiram atingir um valor preditivo clinicamente relevante.

Assim, eles escrevem:

“Como a Psiquiatria de Precisão biológica poderia fornecer previsões individualizadas mais precisas para melhorar o tratamento e o atendimento ao paciente permanece uma questão central em aberto neste momento.”

 

No entanto, as variáveis ​​sociais/ambientais de apoio social e maus-tratos na infância foram individualmente capazes de prever a depressão com mais de 70% de precisão.

Os pesquisadores escrevem que os algoritmos foram um pouco melhores na classificação de pessoas com depressão crônica grave que foram hospitalizadas e tomavam vários medicamentos. Ou seja, os algoritmos não eram muito bons em identificar pessoas que poderiam passar despercebidas por um clínico humano, mas eram um pouco melhores em identificar o grupo que também é mais fácil para os humanos diagnosticarem.

Mas o pior é que quando os pesquisadores restringiram a análise apenas a este grupo – supostamente o mais fácil para o algoritmo diagnosticar – isso não aumentou substancialmente a precisão:

“Nossas análises complementares de subgrupo com foco em pacientes com depressão aguda e recorrente, respectivamente, não aumentaram o desempenho preditivo”, escrevem eles.

 

Uma explicação que eles propõem é que o diagnóstico de “depressão” é tão amplo que não faz um bom trabalho de capturar experiências individuais. Assim, eles sugerem que o diagnóstico de depressão em si não representa uma única “doença mental” ligada à neurobiologia, mas sim uma categoria ampla que contempla uma variedade de experiências, estados mentais e níveis de funcionamento que variam amplamente entre os indivíduos.

Eles sugerem que pode haver uma maneira melhor de categorizar as pessoas com base em seus “sintomas” específicos e níveis de funcionamento. No entanto, como eles não conseguiram encontrar tais subcategorias teóricas, isso permanece sem comprovação.

Em última análise, eles escrevem,

“A complexidade do fenótipo da depressão grave pode exigir uma abordagem mais abrangente que incorpore interações entre a neurobiologia, o corpo inteiro e o ambiente”.

 

Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).

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Winter, N. R., Blanke, J., Leenings, R., Ernsting, J., Fisch, L., Sarink, K., . . . & Hahn, T. (2023). A Systematic Evaluation of Machine Learning-based Biomarkers for Major Depressive Disorder across Modalities. medRxiv.org. doi: https://doi.org/10.1101/2023.02.27.23286311 (Link)

Corrida-terapia para depressão é tão eficaz quanto antidepressivos e sem os riscos à saúde

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People exercising at fitness gym

Um artigo a ser publicado em breve no Journal of Affective Disorders (Revista dos transtornos afetivos em tradução livre) descobriu que, enquanto a corrida-terapia e os antidepressivos têm efeitos semelhantes nos sintomas depressivos, a primeira é muito melhor para a saúde física dos participantes.

O estudo dividiu os participantes em dois grupos, um que recebeu antidepressivos e outro que participou de sessões supervisionadas de corrida de 45 minutos. Enquanto os participantes que receberam tratamento com antidepressivo experimentaram deterioração da saúde física, aqueles que receberam a terapia de exercícios como tratamento, viram melhorias. Os autores escrevem:

“Embora as intervenções tenham efeitos comparáveis ​​na saúde mental, a
corrida-terapia superou os antidepressivos no quesito saúde física devido a
maiores melhorias desse grupo, bem como à maior deterioração no grupo de
antidepressivos”.

Pessoas se exercitando numa academia

A pesquisa se propôs a comparar os efeitos de antidepressivos e exercícios como tratamentos para participantes com depressão e transtornos de ansiedade. Para atingir esse objetivo, os autores dividiram 141 participantes entre 18 e 70 anos em dois grupos, um que recebeu o antidepressivo Escitalopram e outro que recebeu a corrida-terapia. Alguns participantes do grupo antidepressivo receberam a prescrição de um segundo antidepressivo (Sertralina), caso o primeiro fosse ineficaz. Os participantes do grupo de
corrida foram encorajados a correr por 45 minutos 2 ou 3 dias por semana.

Os participantes podiam escolher a qual grupo seriam designados ou optar por serem alocados aleatoriamente a um dos grupos. Como resultado da preferência dos participantes, 45 se juntaram ao grupo de antidepressivos e 96 ao grupo de corrida-terapia. Os participantes receberam avaliações básicas antes das intervenções e após 16 semanas do início do uso de antidepressivos ou da prática de exercícios. As avaliações incluíram fatores de saúde mental (diagnóstico e gravidade dos sintomas) e saúde física
(frequência cardíaca, variabilidade da frequência cardíaca, peso, função pulmonar, circunferência da cintura, pressão arterial, etc.). Os participantes foram excluídos da pesquisa com base em sete critérios de exclusão:

1. Uso de antidepressivos nas últimas duas semanas
2. Uso de outros psicotrópicos (excluindo benzodiazepínicos)
3. Exercício regular
4. Diagnósticos de saúde mental que não sejam depressão ou
transtornos de ansiedade
5. Risco de suicídio
6. Médicos que desaconselham qualquer uma das intervenções (por
exemplo, pessoas com problemas cardíacos graves)
7. Gravidez

82,2% dos participantes do grupo de antidepressivo e 52,1% do grupo de corrida aderiram ao protocolo de tratamento. No grupo de corrida-terapia, 14 participantes (15%) nunca iniciaram o tratamento e 16 (17%) participaram de 9 sessões ou menos.

Enquanto o grupo de antidepressivo observou uma melhora ligeiramente mais rápida nos sintomas de saúde mental, as taxas de remissão não foram significativamente diferentes na marca de 16 semanas. 43,3% do grupo de corrida-terapia e 44,8% do grupo de antidepressivos tiveram remissão de seus sintomas na conclusão do estudo. Os autores observam que a remissão não significou ausência de sintomas e que mesmo esses participantes “ainda apresentavam considerável sintomatologia depressiva e de ansiedade”.

Em relação à saúde física, o grupo de corrida apresentou melhorias significativas, com diminuição da frequência cardíaca, pressão arterial e circunferência da cintura e aumento da função pulmonar. Por outro lado, o grupo de antidepressivo viu uma deterioração de sua saúde física com aumento de peso (3kg em média), pressão arterial, triglicerídeos e diminuição da variabilidade da frequência cardíaca.

Os autores mencionam duas limitações da pesquisa. Primeiro, relativamente poucos participantes estavam dispostos a serem aleatoriamente designados a um grupo de tratamento (15%), o que tornou esse grupo muito pequeno para a realização de análises separadas. Em segundo lugar, os participantes preferiram, em sua maioria, participar do grupo de corrida-terapia, tornando o grupo de antidepressivos muito menor. Os autores concluem:

“Mostramos que, embora a medicação antidepressiva e a corrida-terapia não diferissem significativamente em quesitos estatísticos nos resultados de saúde mental… usuários de antidepressivos mostraram uma diminuição na variabilidade da frequência cardíaca e aumentos na circunferência da cintura, pressão arterial e níveis de triglicerídeos, sugerindo um aumento da incidência de síndrome metabólica e maior risco cardiovascular. O grupo de corrida apresentou diminuição tanto dos componentes da síndrome metabólica quanto da frequência cardíaca, o que indicou, por sua vez, efeitos protetores sobre os incidentes cardiovasculares. No geral, este estudo mostrou a importância do exercício na população deprimida e ansiosa e adverte contra o uso de antidepressivos em pacientes fisicamente pouco saudáveis”.

Uma pesquisa recente mostrou que o exercício trata a depressão leve a moderada, assim como os antidepressivos. Uma revisão descobriu que os efeitos do exercício na depressão provavelmente são subestimados devido ao viés de publicação. A prática de exercício também parece proteger contra a depressão, apenas 15 minutos de exercício 3 vezes por semana pode ser associado a menos sintomas depressivos em adultos mais velhos. Outra
pesquisa também descobriu que pessoas que fizeram o equivalente a 2,5 horas de caminhada rápida por semana tiveram um risco 25% menor de depressão.

Pesquisas mostraram que os antidepressivos não são melhores do que um placebo para 85% das pessoas. Uma outra pesquisa descobriu que os antidepressivos são “amplamente ineficazes e potencialmente prejudiciais”. Pesquisa semelhante mostrou que os antidepressivos são ineficazes para crianças e adolescentes.

 

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Verhoeven, J. E., Han, L. K. M., Lever-van Milligen, B. A., Hu, M. X., Révész, D., Hoogendoorn, A. W., Batelaan, N. M., van Schaik, D. J. F., van Balkom, A. J. L. M., van Oppen, P., & Penninx, B. W. J. H. (2023). Antidepressants or running therapy: Comparing effects on mental and physical health in patients with depression and anxiety disorders. Journal of Affective Disorders. https://doi.org/10.1016/j.jad.2023.02.064 (Link)

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Tradução:

Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).

 

Relacionamentos e vínculos familiares em deterioração impulsionam crise da saúde mental dos jovens

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Teenager problems. Sad teenage daughter sitting separately on sofa ignoring mother, depressed teen girl hiding feelings emotions from parent, worried single mother Family conflict. Depression in teens

Jovens adultos em todo o mundo estão sofrendo de uma deterioração geracional nas conexões sociais com a família e amigos e um declínio significativo relacionado à saúde mental dos jovens, de acordo com o mais recente  Mental State of the World Report (Relatório do Estado Mental do Mundo em tradução livre) da Sapien Labs.

Em comparação com a geração de seus pais, os jovens são três vezes mais propensos a relatar relacionamentos ruins com sua família adulta e duas vezes mais propensos a não ter amigos com quem possam contar em momentos de necessidade – formas de privação social que, por sua vez, afetam o bem-estar. Como resultado, afirma o relatório:

“O risco de problemas de saúde mental é dez vezes maior entre aqueles que não têm relações familiares e amizades próximas em comparação com aqueles com muitos familiares e amigos próximos.”

O relatório recém-divulgado, citando resultados de pesquisas online internacionais de 2022, observa uma desintegração substancial e crescente dos laços familiares em todo o mundo e descreve uma população “ainda com cicatrizes mentais” pela pandemia do COVID-19, com dados mostrando recuperação mínima ou inexistente do bem-estar mental. Além disso:

“Embora muitos fatores como a Internet provavelmente contribuam para a diminuição do Eu Social e dos laços de família e amizade, um fator significativo também pode ser as tendências culturais na criação dos filhos, que tem trocado aconchego, amor e estabilidade por um maior foco no conforto material e conquistas.”

 

Problemas na adolescência. Filha adolescente triste sentada separadamente no sofá ignorando a mãe, garota adolescente depressiva escondendo seus sentimentos dos pais, mãe solo, conflito familiar. Depressão na adolescência. 

 

Uma organização sem fins lucrativos que administra o  Mental Health Million Project , a Sapien usa o  Mental Health Quotient  (MHQ) (Quociente de Saúde Mental em tradução livre), disponível em 9 idiomas e que pode ser respondido em 15 minutos, para agregar dados sobre bem-estar mental de quase meio milhão de usuários da Internet em 64 países. Esses números refletem um aumento considerável desde o relatório de 2021, tornando-o o maior banco de dados desse tipo no mundo. Os dados da pesquisa também foram utilizados em um artigo recente da Sapien sobre o declínio da saúde mental dos jovens e o aumento de denúncias de bullying e abuso em relação às gerações anteriores.

O MHQ avalia 47 elementos da função mental e os vincula aos critérios diagnósticos do DSM-5, classificando os resultados de “em sofrimento” a “prosperando”. Também gera subpontuações em cinco categorias: cognição, conexão mente-corpo, ímpeto e motivação, humor e perspectiva e Eu Social.

Segundo o Mental State of the World Report de 2022, a média global do MHQ para 2022 foi de 64, ou “administrando”. De todos os entrevistados, 27% pontuaram “em sofrimento” ou “lutando”, enquanto 38% estavam “tendo sucesso” ou “prosperando”. Os países com a pontuação mais baixa foram Reino Unido, África do Sul e Brasil, com pontuações MHQ de 46 a 53. Quanto ao mais alto, “Tanzânia liderou a lista com 94”, embora as pessoas com a pontuação mais alta geralmente fossem falantes de espanhol da América Latina.

E, no entanto, como os resultados mostram, “o sul e o sudeste da Ásia de língua inglesa, bem como a América Latina, têm a maior queda nas pontuações do Eu Social ao longo das gerações, apesar das altas pontuações em geral, enquanto os países da África Subsaariana encontram-se relativamente mais estáveis ao longo das gerações”.

Definido como “uma métrica da maneira como vemos a nós mesmos e nossa capacidade de formar e manter relacionamentos com os outros”, o Eu Social representa a área de declínio mais drástico. Depois de avaliar o estado das amizades e relações familiares, “uma degradação progressiva ao longo das gerações” tornou-se aparente como um fator significativo, afirma o relatório. Essas quedas nas conexões sociais e no bem-estar mental foram significativas em vários países e idiomas.

Tudo isso “representa uma reversão acentuada dos padrões documentados antes de 2010, indicando um declínio drástico no bem- estar mental com cada geração mais jovem, em vez de um aumento no bem-estar à medida que envelhecemos”, escreve Tara Thiagarajan,
fundadora e cientista-chefe da Sapien Labs e cientista principal Jennifer Newson em sua introdução ao relatório de 2022.

Na entrevista do Mad in America do ano passado, Thiagarajan discutiu a pesquisa de 2021 e os resultados indicando que os números do Eu Social e da saúde mental dos jovens diminuíram de geração em geração.

“É realmente a dimensão que parece ter diminuído mais substancialmente em relação a todas as outras, embora seguida de perto pelo humor e perspectiva”, disse ela. “Se pensarmos sobre isso da perspectiva de diferentes desafios para nosso comportamento social e capacidade de integração ao tecido social, isso também nos dá uma maneira diferente de pensar sobre soluções.”

Em sua introdução ao novo relatório, Thiagarajan e Newson encerram com uma reflexão sobre a “natureza profundamente relacional da psique humana” e o que significa viver e se sentir sem conexões autênticas com os outros. Em relação aos dados, eles escrevem:

“Eles convidam cada um de nós a refletir sobre nosso papel na crescente desintegração social. O que valorizamos e por quê? Onde focamos nossa atenção? E com tempo finito, quantas vezes deixamos de lado um compromisso afetuoso ou de fortalecimento social para obter sucesso material ou mesmo apenas para navegar sem pensar na Internet? Não podemos mudar o passado, mas com alguma reflexão coletiva talvez possamos mudar como será o desenrolar para as gerações futuras.”

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Tradução:

Leticia Paladino : Graduada em Psicologia pela UERJ, doutoranda em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, mestre em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz e especialista em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela ENSP/Fiocruz.  Pesquisadora e Colaboradora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção Psicossocial (LAPS/ENSP/Fiocruz).

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